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RESUMO

O carnaval é o quintal do amanhã: saberes e práticas educativas na escola de samba Bole-Bole em Belém do Pará teve como objetivo identificar e desvelar os saberes construídos no cotidiano de uma escola de samba, para que sejam reconhecidos e compartilhados com os da escola. Traz como problema estrutural realizar uma pesquisa em uma comunidade carnavalesca na capital paraense procurando desvelar os saberes e as práticas educativas existentes nesse espaço de efervescência cultural, bem como esses saberes expressam a cultura e a identidade de um grupo ou coletividade. Essa questão sinaliza para o seguinte problema: quais os saberes e as práticas educativas construídos no cotidiano de uma escola de samba e de que forma a vivência nesse espaço pode ser demarcadora da identidade cultural de um grupo social, a partir dos sujeitos constituintes desse grupo? Com o intuito de oferecer alguns parâmetros para esse problema, o meu samba-enredo (texto-tese) foi desenvolvido em sinopse do enredo (introdução) três estrofes (capítulos) e o fechamento do samba (conclusão). A primeira estrofe tem como inspiração, Carnaval e escola de samba; a segunda, Bole-Bole: histórias e histórias para contar e a terceira, Bole-Bole para além do desfile: a educação não-formal. A fala dos destaques (os entrevistados) teve total liberdade para transitar em todas as estrofes. Para dar vida às estrofes desse samba contei com o auxílio luxuoso de nove destaques (os entrevistados), divididos em dois grupos. Um grupo foi o que teve alguma ligação administrativa e artística com o Bole-Bole. Já o outro foi constituído por pessoas atendidas pelos projetos do Bole-Bole, as quais tornaram-se profissionais a partir do aprendizado que lá tiveram, sendo atualmente agentes multiplicadores. A metodologia utilizada para realizar o tratamento das entrevistas foi a transcriação (MEIHY, 2005; VILELA, 2010). A transcriação é a última etapa de um processo constituído por três etapas, sendo a primeira a transcrição e a segunda a textualização. Esta tese sinaliza que há saberes e práticas educativas sendo veiculados no espaço da escola de samba, os quais são formatados por meio de oficinas, aprendidos na prática, implícitos nas relações interpessoais e nas vivências estabelecidas na escola de samba. Saberes capazes de transformar, de dar um rumo, de tirar a venda dos olhos. Saberes esses que precisam ser reconhecidos e aproveitados.

Palavras-Chaves: educação não-formal; saberes e práticas educativas; escola de

samba; carnaval.

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ABSTRACT

Carnival is tomorrow backyard: Knowledge and educational practices at Bole-Bole Samba School in Belem/PA had the intention of identifying and reveal the knowledge constructed in the daily life of a samba school, to be recognized and shared with the school ones. It brings as structural problem to achieve a search in a carnival community of the Para State Capital looking for unveiling knowledge and existing educational practices in this space of cultural effervescence as this knowledge also express the culture and identity of a group or community. These questions point to the following problem: what are the knowledge and educational practices regular built in the daily life of a samba school and how the experience in this space can be remarkable for the cultural identity of a social group, from the constituent subjects of this group? In order to provide some parameters for this problem, my samba-theme (text-thesis) was developed in synopsis of the plot (introduction), three verses (chapters) and the samba closure (conclusion). The first stanza has an inspiration, Carnival and a Samba School; the second, Bole-Bole Samba School: ranges of story to tell and the third, Bole-Bole beyond the parade: the non-formal education. The speech of the school highlights (respondents) had total freedom to travel in all the verses. To add life to the stanzas of this samba I counted on the luxurious cooperation of nine school highlights (respondents), divided into two groups. One group was the one that had some administrative and artistic connection to Bole-Bole. The other one was made up of people served by projects of Bole-Bole, which have become professionals from learning at the school projects and becoming hence currently multipliers. The methodology used to perform the treatment of the interviews was transcreation (Meihy, 2005; Vilela, 2010). Transcreation is the last step of a process consisting of three steps, the first being the transcription and the second the textualization. This thesis indicates that there is knowledge and educational practices being conveyed on samba school space, which are formatted through workshops, learned in practice, implicit in interpersonal relationships and experiences performed within the samba school. Knowledge able to transform, to give a direction, to take the blindfold off. This knowledge that needs to be recognized and well exploited.

Key Words: Non-formal education; knowledge and educational practices; samba

school; carnival.

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DEDICATÓRIA

Dedico este meu samba enredo a minha mãe, que não se

encontra mais aqui nesse plano, que sempre sonhou em ver

sua única filha se tornar uma doutora. Não foi bem do jeito que

ela imaginava, pois gostaria que eu fosse médica ou juíza,

mas encontrei um jeito de me tornar uma doutora honrando a

profissão dela e a minha, à docência. Estendo essa

dedicatória a todas as mães que mesmo de longe conseguem

orgulhar-se de seus filhos. Sinto que a minha mãe, onde

estiver, está feliz pelo meu feito! Dedico também este samba

ao Vetinho e ao Danilo, meus companheiros na vida.

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AGRADECIMENTOS

AGRADEÇO

A Deus e a Nossa Senhora de Nazaré por trazerem calmaria e luz para a minha

vida nos momentos mais turbulentos, que não foram poucos.

À UFOPA e à UNICAMP que acolheram meu projeto e me deram a oportunidade

de cursar esse doutorado.

À CAPES.

Ao IFPA campus Santarém nas pessoas do Prof. Dr. Damião Meira e Daniel

Fernandes.

Aos Professores Doutores José Claudinei Lombardi, Mara Jacomeli, Dario

Fiorentini, Anselmo Colares e Lilian Colares pelo apoio incondicional que me deram.

A todos os professores do Doutorado da UNICAMP e à Profª. Drª. Solange Ximenes

da UFOPA pelas contribuições acadêmicas.

À banca de qualificação formada pelas Professoras Doutoras Lilian Vilela e Eliana

Ayoub, pelas importantes dicas e direcionamentos.

A todos os meus colegas de turma.

À Escola de Samba Bole-Bole e toda sua diretoria, por me ajudarem

incondicionalmente para o andamento e concretização de minha tese.

Aos meus destaques Vetinho, Eunice Ramos, Charles Brown, Cláudia Palheta,

Feijão, Mini, André, Cleiton e Kléber pela disponibilidade em relatar suas

experiências e vivências no carnaval que vem do Guamá.

À Cláudia Palheta por me disponibilizar seus relatórios de Projeto de Extensão

realizados no Bole-Bole, pela entrevista, pelas conversas carnavalescas e

educacionais, design da capa e dos inícios dos capítulos, no auxílio e impressão

desse meu samba enredo. Obrigada por tudo.

À Drª. Íma Célia Vieira pela disponibilidade em contribuir com meu samba enredo.

Ao meu amigo Prof. Dr. Wagner Wey Moreira por minha formação como

pesquisadora e pelas parceiras.

A toda minha família Gordo e Martins e Silva.

Aos amigos que conheci em Santarém, os quais sempre me apoiaram e me

acolheram.

À banca de defesa formada pelos professores doutores Wagner Wey Moreira,

Selma Machado Simão, Lilian Vilela e Eliana Ayoub.

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Minhas Reverências

À Profª. Drª. Márcia Maria Strazzacappa Hernández, mais um

anjo que apareceu em minha vida. Obrigada por ter me

aceitado como orientanda! Obrigada pela leveza em que me

conduziu nesse meu carnaval! Obrigada por preocupar-se

comigo e me dar atenção, mesmo nos momentos em que você

estava precisando muito mais do que eu! Obrigada por estar

sempre próxima de mim, mesmo tendo entre nós muitos

quilômetros que insistem em nos separar! Espero que a vida

nos reserve mais algumas composições, que essa tenha sido

somente a primeira. Obrigada à Dona Clotilde por me fazer rir

e refletir e, por ter nos acompanhado algumas vezes nesse

samba.

Espero sinceramente que você vença!

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – Demonstrativo da Passagem Pedreirinha à UFPA ................................. 64

Mapa 2 – Localização do sambódromo em relação às principais escolas de samba

de Belém .............................................................................................................. .. 86

DISPERSÃO (ANEXOS E APÊNDICES)

1 – Declaração de Íma Vieira .............................................................................. 183

2 – Transcriação das Entrevistas ........................................................................ 187

LISTA DE FIGURAS Figura 01 – O menino da bateria ............................................................................ xxi Figura 02 – Eu conduzindo a Comissão de Frente ................................................ 07 Figura 03 – Eu na avenida do samba ..................................................................... 19 Figura 04 – 1º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira .......................................... 21 Figura 05 – Brincantes do Bole-Bole ...................................................................... 22 Figura 06 – Brincantes do Bole-Bole ...................................................................... 22 Figura 07 – Roda de Carimbó sobre alegoria ......................................................... 27 Figura 08 – Membro da Comissão de Frente ......................................................... 39 Figura 09 – Capa e contracapa do disco do Arco Íris ............................................. 43 Figura 10 – Piná desfilando no Arco Íris ................................................................. 45 Figura 11 – Desfile da escola de samba Arco Íris em 1984 ................................... 46 Figura 12 – Desfile da escola de samba Arco Íris em 1985 ................................... 46 Figura 13 – Desfile da escola de samba Arco Íris em 1986 ................................... 47 Figura 14 – Pórtico do Bole-Bole ............................................................................ 55 Figura 15 – Samba de exaltação ao Bole-Bole ...................................................... 57 Figura 16 – Símbolo do Bole-Bole como bloco ...................................................... 60 Figura 17 – Símbolo atual do Bole-Bole ................................................................. 60 Figura 18 – Sede do Bole-Bole vista frontal ........................................................... 69 Figura 19 – Corredor de entrada da sede do Bole-Bole ......................................... 69 Figura 20 – Sede do Bole-Bole de 1987 a 2013 ..................................................... 69 Figura 21 – Sede do Bole-Bole desde 2013 ........................................................... 70 Figura 22 – Monumental da Aldeia Cabana ........................................................... 87 Figura 23 – Brincantes de Ala .............................................................................. 101 Figura 24 – Baianas ............................................................................................. 101 Figura 25 – Comissão de Frente .......................... ................................................ 103

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Figura 26 – Brincantes de Ala .............................................................................. 104 Figura 27 – Carro abre alas .................................................................................. 106 Figura 28 – Alegoria do Bole-Bole de 2012 sendo reaproveitada para 2013 ....... 107 Figura 29 – Alegoria do Bole-Bole reaproveitada para 2013 ................................ 108 Figura 30 – Passagem de músicos de carimbó no meio da bateria ..................... 109 Figura 31 – Bateria Audaciosa ............................................................................. 109 Figura 32 – Porta Estandarte ............................................................................... 112 Figura 33 – Soneto ao Bole-Bole .......................................................................... 115 Figura 34 – Carro abre alas .................................................................................. 117 Figura 35 – Oficina de teatro de fantoche ............................................................. 118 Figura 36 – Aulas de musicalização ..................................................................... 143 Figura 37 – Boi Malhadinho .................................................................................. 149 Figura 38 – Exposição de trabalhos das oficinas do Moleque Pandeiro ............... 152 Figura 39 – Oficina de Percussão em 2013 .......................................................... 154 Figura 40 – Bateria do Bole-Bole .......................................................................... 154 Figura 41 – Oficina de violão ................................................................................ 161 Figura 42 – Oficina de platinela ............................................................................ 162 Figura 43 – Garotos da platinela .......................................................................... 162 Figura 44 – Eu no carnaval de 2015 ......................................................................165

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SUMÁRIO

Sinopse do Enredo ................................................................................................ 01

1ª Estrofe - Carnaval e Escola de Samba .............................................................. 19

1.1- Carnaval e Corpo ........................................................................................ 21

1.2- Os Carnavais do Pará ................................................................................. 27

1.3- O Carnaval que vem do Guamá .................................................................. 38

2ª Estrofe - Bole-Bole: Histórias e Histórias para contar ........................................ 55

3ª Estrofe - Bole-Bole para além do desfile: a Educação não-formal ................... 115

3.1- A Escola de Samba e a Educação não-formal ............................................... 118

3.2- Os Projetos do Bole-Bole .............................................................................. 143

Fechamento do Samba ........................................................................................ 165

Apoios dos Destaques ......................................................................................... 171

Destaques ........................................................................................................... 179

Pérolas do Carnaval ............................................................................................ 181

Dispersão ............................................................................................................ 183

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Fonte: Vladmir Koenig

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Figura 1: O menino da bateria, carnaval 2012. Seu olhar voltado para o horizonte, cheio de expectativas e projetando seu futuro que está na escola formal, na escola de samba, na vida...

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Sinopse do Enredo

Fagulhas, pontas de agulhas, brilham estrelas de São João! Babados, xotes e xaxados.

Segura as pontas meu coração. Bombas na guerra-magia, ninguém matava, ninguém morria. Nas trincheiras da alegria, o que

explodia era o amor! Ardia aquela fogueira que me esquentava a vida inteira eterna é a noite.

Sempre a primeira, festa do interior!1

Guardo em minha memória algumas lembranças sobre meus primeiros

passos no carnaval. Ainda criança, na cidade onde nasci e morei grande parte de

minha infância e adolescência nas décadas de 1970 a 1980 – a cidade de Moju no

Estado do Pará, distante 70 quilômetros da capital Belém – nesse município o

carnaval se caracterizava por pequenos aglomerados de pessoas fantasiadas de

colombinas, homens vestidos de mulheres, mulheres de homens, homens de gorilas

que assustavam as crianças, ao som de marchinhas de carnaval e frevos.

Lembro-me nitidamente do carnaval de 1981, quando nos reunimos na terça-

feira gorda em frente ao recém inaugurado bar do meu tio Roberto, o Chega Mais,

para dançarmos ao som das marchinhas de carnaval. A mais tocada nessa época

fazia parte de um LP (long play) gravado por Gal Costa. Meus primos e eu nos

divertíamos muito pulando e vendo os adultos se confraternizarem com alegria,

como se eles tivessem voltado no tempo e se tornado crianças novamente. Depois

da experiência desse ano eu já ficava ansiosa esperando os próximos carnavais.

No decorrer do ano de 1982, ouvi pela primeira vez um samba enredo

produzido para o carnaval de 1981, cantado e tocado por um médico amigo de

minha família, em frente ao bar do meu tio. Ele relembrava alguns sambas de

carnavais e o primeiro que cantou foi o da mais antiga escola de Belém, o Rancho

1 Música Festa do Interior de Moraes Moreira e Abel Silva gravada por Gal Costa em 1981 no disco Fantasia da gravadora Polygram/Philips.

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Não Posso me Amofiná, localizado no bairro do Jurunas, que dizia assim: [...] jacaré

me leva para o reino de Tuiá, hoje meu Rancho tá forte não posso me amofiná [...]

imensas borboletas coloridas bailam em harmonia a festejar, mundo de cores

desabrochando [...]2.

Comecei a achar que a minha escola de samba era o Rancho, porém ela não

desfilou em 1983, ano de estreia da escola de samba do Guamá, o Arco Íris, com

um samba contagiante e alegre que me conquistou. Nunca imaginei que o

compositor do samba do Arco Íris iria conquistar meu coração anos após haver sido

conquistada por seu samba. A partir daí, passei a acompanhar os desfiles de Belém

e do Rio de Janeiro que eram televisionados. Uma semana antes do desfile, saía

um encarte com os sambas enredos do Rio, eu ficava esperando, ouvia no rádio e

ficava cantando em casa até aprender.

Em 1987 mudei-me para Belém para estudar – em Moju não havia o ensino

médio – e um dos meus endereços foi a casa do Carlão, que tinha sido mestre-sala

do bloco e atual escola de samba A Grande Família. No quarto que minha prima

Sheila e eu dormíamos havia uns sacos grandes e umas caixas cheias de fantasias

e sapatilhas de todas as cores, incentivando-nos a bisbilhotar. O outro endereço foi

da D. Alta e do seu João no bairro do Jurunas, onde todos eram ranchistas e

rivalizavam com a escola Arco Íris. No período de carnaval todos iam ver os ensaios

do Rancho, fui para uns dois ou três e não comentava com ninguém sobre minha

admiração pelo Arco Íris.

Carnaval para mim se resumia em aprender os sambas e assistir pela

televisão. Até que no início da década de 1990 foram criadas duas escolas de

samba na cidade de Moju, a Mocidade Unida da Pedreira e a Mocidade Unida da

Saudade. Na realidade, existiam três bairros em Moju: Pedreira, Saudade e Centro.

Eu morava no Centro e minha família toda preferiu aderir à escola Mocidade Unida

da Saudade. Em 1994, já estava no bloco Bole-Bole do bairro do Guamá em Belém

do Pará, que mais tarde se tornou escola de samba, na qual estou até hoje.

2 Samba de Albertino Garcia e Osvaldo Garcia para o carnaval de 1981, da escola de samba Rancho Não Posso me Amofiná. Não possui discografia.

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Minha entrada no Bole-Bole, que me levou a assumir as tantas funções que

exerço atualmente, foi meio acidental ou até sentimental. Isto não era algo que eu

desejasse fazer, até porque durante minha infância e adolescência não tive muitas

oportunidades de me dedicar ao estudo da música, canto, dança etc., pois nessas

fases de minha vida ainda morava em Moju e lá não era ofertado nenhum curso

referente à arte. Quando me mudei para Belém aos 14 anos, não conseguia vaga

para os cursos gratuitos e não tinha condições de pagar os ofertados por centros

especializados privados. Todas as experiências que vivi no campo da arte foram na

escola, mesmo assim, não foram suficientes para que eu me tornasse uma artista.

Pensava que para estar na escola de samba envolvida com o carnaval, tinha que

possuir alguma habilidade artística.

Sou casada com o idealizador dessa agremiação que é um artista-sambista-

músico-compositor-carnavalesco, que é o Herivelto Martins e Silva, conhecido no

mundo do samba por Vetinho. Eu não danço, não toco nenhum instrumento, não

canto, não componho, não tenho habilidades manuais. Porém, quando me dei conta

já estava lá, inserida naquele universo. Um universo fascinante, instigante,

conflitante e gerido, mesmo que simbolicamente, pela comunidade.

O sentido de comunidade ao qual me refiro nesse texto extrapola os definidos

pelos dicionários, como em Ferreira, A. (2008, p. 252) que a define como “o corpo

social; a sociedade”. O sentido aqui impresso é de um superorganismo, como

assinala Manzini (2012), no qual a comunidade se sente dona daquele universo,

protegendo e protegido por ele. Ainda segundo essa autora, uma das características

da comunidade ou desse superorganismo, é resistir ao que vem de fora dela, ao

que lhe é estranho. Minha entrada na comunidade carnavalesca do Guamá – bairro

onde está localizado o Bole-Bole – não fugiu a essa regra.

Dentre outras situações ocorridas, lembro-me nitidamente da primeira vez

em que pisei no barracão de alegorias do Bole-Bole, no seu primeiro desfile como

escola de samba do grupo especial em 1997, horas antes do desfile. Estava toda

arrumada vestindo uma calça comprida branca, sapatos da mesma cor e a camisa

da escola, quando uma pessoa da comunidade presente no barracão falou: “tem

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gente que cai de paraquedas aqui na escola e já está toda arrumada, enquanto que

a gente ainda está aqui sem se arrumar, prestes a iniciar o desfile”.

Ao ouvir essas palavras minha reação foi de indignação, até porque eu

cumpria uma série de funções no Bole-Bole, porém não participava diretamente das

atividades do barracão. Mais tarde ao analisar a situação como um todo, percebi

que não era uma recusa dela, não era pessoal porque não mantínhamos nenhum

tipo de relação, era uma forma de proteger a comunidade ou esse superorganismo

de pessoas estranhas. Portanto, da mesma forma como me consideravam fora do

contexto daquela comunidade, também me sentia assim.

Com o passar dos anos minha inserção foi acontecendo naturalmente, não

que os conflitos tenham acabado eles são frequentes, mas um respeito mútuo foi

se estabelecendo. Fui me tornando importante para a agremiação e,

consequentemente para a comunidade, bem como fui percebendo a importância de

cada um no universo do carnaval e do próprio Bole-Bole.

Minha relação com a escola de samba/comunidade se tornou tão intensa,

que ultimamente venho desenvolvendo várias funções3, tanto nos meses que

antecedem o desfile, quanto no grande dia, assim como após desfile. Como

exemplo posso descrever meu comportamento horas antes do desfile: no caminho

da minha casa para a avenida ou, como tem acontecido ultimamente, da quadra da

escola para a avenida, telefono para o mestre-sala e a porta-bandeira, para o porta-

estandarte, para o coreógrafo da comissão de frente, para os que ficaram

responsáveis pela venda das fantasias – após minha saída do barracão da

chapelaria, onde estas são vendidas, negociadas, doadas e entregues – para saber

se está tudo sob controle. Enfim, é algo bem tumultuado e estressante, mas

fascinante.

3 Dentre as diversas funções que exerço estão: ir ao comércio de Belém para fazer levantamento de materiais e preço, para preparar o orçamento do carnaval; comprar os materiais para confecção das fantasias, chapéus e decoração das alegorias; contratar os estilistas para confecção das fantasias dos quesitos; contratar costureiras; acompanhar o andamento do barracão de chapelaria e das costuras; contratar sapateiro; providenciar comida para os barracões; acompanhar os ensaios dos quesitos e da bateria; conferir e ensacar fantasias e sapatilhas; vender (negociar) as fantasias; encomendar camisas; ajudar a organizar a escola na avenida; conduzir escola ficando junto à comissão de frente etc.

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Na avenida, ao mesmo tempo em que ajudo a porta-bandeira e o mestre-sala

a vestirem-se, já corro para fazer o mesmo com o porta-estandarte e a comissão de

frente. Ajudo, olho, observo, recebo ligações do Vetinho, da Heloísa4, do Paulo5 e

de outros componentes, dizendo que os empurradores das alegorias não chegaram.

A partir daí, nos reunimos e convocamos as pessoas que já chegaram e que estão

com a camisa da escola a ajudarem a empurrar as alegorias, pois quando uma

escola entra para desfilar, as que estão atrás precisam avançar. Uns se recusam,

outros compartilham conosco um espaço na barra de ferro soldada atrás da alegoria

para que esta seja empurrada. Assim a escola vai avançando.

Com a chegada dos brincantes – no Bole-Bole os integrantes da escola são

chamados de brincantes, porque lá se entende que o carnaval é feito para brincar,

enquanto que nas outras agremiações são denominados de integrantes ou

componentes de alas – Vetinho, Heloísa, Paulo e eu convidamos os responsáveis

pelas alas, a organizarmos a escola na avenida de acordo como especificado na

planta baixa. A cada escola que entra na avenida, avançamos um pouco mais. Com

a escola toda arrumada, a comissão de frente é conduzida para seu lugar, assim

como o porta estandarte, então me dirijo até o local onde está o casal de mestre-

sala e porta-bandeira e os conduzo até seu lugar previamente definido na planta

baixa.

A condução que faço do casal é emocionante, seguro em suas mãos e vou

gritando (porque lá o barulho é ensurdecedor): abram espaço para a porta-bandeira

e o mestre-sala passarem, vejam como estão lindos! A escola abre-se gentilmente

ao meio, e todos aplaudem o casal. Olho para as pessoas e vejo lágrimas em seus

rostos, também choro apertando as mãos do casal, que vem sempre

acompanhados pela mãe da porta-bandeira.

4 Heloísa Alcântara e Silva é irmã de Vetinho e foi uma das fundadoras do Bole-Bole. Atualmente toma conta, principalmente da ala das baianas, ajudando também em outros setores. Mas, desde a fundação ainda como bloco sempre se dedicou em várias áreas: destinando recursos próprios para despesas de oficinas, aquisição de materiais para confecção de fantasias, para pagamentos de despesas diversas; como oficineira, principalmente com artesanato (jornal, papel machê etc.); como costureira; enfim sempre exerceu várias funções na agremiação. 5 Paulo Fernando de Alcântara foi um dos fundadores do Bole-Bole, atualmente é o presidente dessa escola.

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Nesse momento, a bateria liderada pelos mestres Feijão, Mini, André e

Marcão inicia seu aquecimento ao toque da primeira sirene. Então, Vetinho e eu

damos mais uma volta na escola para ver se está tudo no lugar – Heloísa posiciona-

se com as baianas e Paulo fica na frente da escola, próximo ao carro abre-alas,

onde possa ser visto e encontrado facilmente. Vamos da comissão de frente até a

última ala e, logo em seguida, Vetinho se aproxima da bateria e dos músicos no

carro som, enquanto retorno para a comissão de frente, lugar que ocupo até o fim

do desfile. Minha função no desfile é conduzir a comissão de frente junto com o

coreógrafo, uma responsabilidade sem tamanho, pois, se essa condução falhar, a

escola toda falha. Mas, não tiro os olhos de Vetinho que me acena com as mãos

para eu prosseguir ou parar e de Paulo, que além de presidente é o responsável

pela cronometragem do nosso desfile.

Antes do último toque da sirene, o qual indica que a escola deve iniciar seu

desfile, nos confraternizamos e nos desejamos um lindo desfile. Saio abraçando

algumas pessoas, até chegar ao Vetinho e lhe dar o mais forte dos abraços e o beijo

mais carinhoso que tenho. Então toca a sirene, e com a vibração incrustada em

nossos corpos, cruzamos a palavra INÍCIO pintada no chão da avenida e assim

iniciamos oficialmente a nossa brincadeira preferida: desfilar pelo Bole-Bole.

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Figura 2: Eu conduzindo a comissão de frente no desfile de 2015. Meu corpo vibrando, num misto de cansaço e amor por minha escola de samba.

Fonte: Carmem Rodrigues.

Impressionante como o carnaval passou a fazer parte de minha vida. Porém,

com minha formação como professora de Educação Física e trabalhando em

escolas, comecei a perceber que estava tendo uma vida dupla. Uma vida

carnavalesca, na qual sou conhecida por meu apelido Guida, e outra vida, a do

trabalho em que sou conhecida pelo meu nome, Margarida, sendo que uma vida

não dialogava com a outra, e me vi numa crise de identidade muito grande, pois

estava cercada por coisas consideradas, por grande parte da sociedade, como não

sérias: o carnaval e a Educação Física.

O carnaval, considerado por Amaral (2001) e DaMatta (1997), a maior e uma

das mais duradouras festas do Brasil. Por Bakhtin (1987), como momento de total

liberdade, de desprendimento de todas as amarras do cotidiano. Por Meihy (1986,

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p. 5), como “uma festa ligada ao sentido da vida”. Por Von Simson6 (2007), como

uma festa essencialmente negra no Brasil, principalmente com a introdução do

samba. Talvez por ser considerado como festa, representar a liberdade, dar sentido

à vida e de ser de origem essencialmente negra, seja visto de forma apenas festiva

e de pouca importância pela maioria das pessoas.

No Brasil, quando se pensa em carnaval, pensa-se imediatamente no longo

período de feriado, em muitos bailes, desfiles oficiais, micaretas, mulheres bonitas

com o mínimo de vestimenta, homens não menos atraentes e desnudos, ou seja,

uma festa com todos os ingredientes de ócio e paganismo (MOTTA, 2003). Talvez,

por isso, o carnaval seja considerado apenas uma festa, e uma festa mal vista por

muita gente. Mas o que tem de errado em ser uma festa?

Acredito que o carnaval vai além de seu ingrediente festivo, principalmente

quando se trata da escola de samba – objeto deste estudo – a qual para desfilar no

carnaval, como assinala Tramonte (2007), desenvolve no decorrer de um ano, um

trabalho que congrega a comunidade em seu entorno, abrindo espaço para geração

de emprego e renda, oficinas de arte, principalmente nas áreas da dança, música e

artes plásticas, entre outras ações que se traduzem em benefício para aquela

comunidade.

Por outro lado, a Educação Física apesar de ser uma disciplina inserida na

matriz curricular da Educação Básica, com o status de obrigatória, é tratada como

uma disciplina com pouca ou nenhuma importância por grande parte da comunidade

escolar e da sociedade, carregando esse fardo principalmente pelo fato de seu

conteúdo não ser cobrado nos vestibulares, bem como de haver construído ao longo

de sua história uma confusa e frágil identidade (GORDO; MOREIRA; SIMÕES,

2013).

Fiz o mestrado reforçando essa separação e minha vida dupla, pesquisei

sobre a formação de professores de Educação Física no Pará. Nada de carnaval ou

de escola de samba, e esse distanciamento me atrapalhou muito, pois, ao mesmo

tempo em que cursava as disciplinas e escrevia minha dissertação, precisava dar

6 Von Simson é autora de um livro que retrata a história do carnaval paulista. Apesar de eu não trabalhar com o carnaval de São Paulo, decidi dialogar com essa autora, quando esta refere-se ao carnaval de uma forma geral, ou do Rio de Janeiro.

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atenção ao Bole-Bole por fazer parte de sua equipe de trabalho. Sentia-me dividida

e incompleta, pois havia uma nítida divisão: carnaval de um lado e aulas de

Educação Física na escola de outro.

Com a conclusão do mestrado, comecei a pensar na possibilidade de fazer

o doutorado e, consequentemente, em meu projeto, mas pensava agora em unir de

alguma forma a escola de samba com a escola/educação. Não sabia bem ao certo

como promover e estabelecer esse diálogo, mas tinha a consciência de não poder

mais adiar esse encontro, o qual na realidade seria um encontro comigo mesma,

entre a Guida e a Margarida.

Em uma conversa com a então carnavalesca do Bole-Bole Cláudia Palheta,

esta fez o seguinte comentário: “o Bole-Bole é uma escola de samba diferente das

demais daqui de Belém, é uma escola acadêmica, seus principais dirigentes são

professores, pesquisadores [...]”. Completei essa observação apontando outras

diferenças do Bole-Bole em relação às demais agremiações carnavalescas de

Belém: sua origem a partir de um grupo de músicos universitários e seus familiares;

suas raízes fincadas na cultura regional; suas ações em torno de atividades

educativas, culturais e sociais; seu não envolvimento com qualquer tipo de

contravenção (jogo do bicho, entre outras práticas ilícitas), o que se observa em

algumas agremiações etc.

No que concerne à questão acadêmica referida por Cláudia Palheta, Dias

Júnior (2009, p. 144) destaca que alguns produtores culturais do bairro do Guamá,

dentre eles a primeira diretoria do Bole-Bole como Herivelto Silva – o Vetinho,

Carlos Benedito Soares – Charles Brown e Hélio Martins, “passaram pela

universidade recebendo conhecimento formal e acadêmico, fator que contribuiu

para uma maior sistematização das ações sociais organizadas em sedes como a

do Bole-Bole”.

Foi então que, rememorando a história das escolas de samba do Guamá –

Bole-Bole e Arco Íris – percebi que havia uma estreita relação entre essas

agremiações carnavalescas com a escola formal: suas reuniões de fundação

aconteceram no interior de uma escola formal. No caso do Bole-Bole, em particular,

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quando ainda não tinha sede, seus primeiros projetos e oficinas aconteceram em

parceria com uma escola formal. Diante disso, decidi não mais adiar esse encontro.

A possibilidade de estabelecer esse encontro, entre a escola formal e a

escola de samba, se deu no ano de 2012, quando estava morando na cidade de

Santarém no Pará e pude me inscrever no processo seletivo para um DINTER em

Educação ofertado pela Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA e a

Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, no qual fui aprovada com um

projeto que unia educação e carnaval/escola de samba.

A parte estrutural desta pesquisa sofreu algumas modificações. A tese foi

denominada de meu carnaval. O texto é um samba-enredo. Os capítulos são

estrofes. O problema é a indicação do enredo. O objetivo geral é o enredo. A

introdução é a sinopse do enredo. A metodologia são os caminhos da composição.

Os entrevistados são os destaques. Os autores (referências bibliográficas) são os

apoios dos destaques. A conclusão é o fechamento deste samba-enredo. O

glossário são as pérolas do carnaval. Os anexos e os apêndices são a dispersão.

O carnaval é o quintal do amanhã: saberes e práticas educativas na escola

de samba Bole-Bole em Belém do Pará, apresenta como enredo (objetivo) desvelar

os saberes construídos no cotidiano de uma escola de samba situada no bairro do

Guamá, na capital paraense: a Bole-Bole. Traz como questão realizar uma pesquisa

em uma comunidade carnavalesca na capital paraense procurando desvelar os

saberes e as práticas educativas existentes nesse espaço de efervescência cultural,

bem como esses saberes expressam a cultura e a identidade de um grupo ou

coletividade.

Essa questão sinaliza para a seguinte indicação de enredo (problema): quais

os saberes e as práticas educativas construídos no cotidiano de uma escola de

samba e de que forma a vivência nesse espaço pode ser demarcadora da

identidade cultural de um grupo social, a partir dos sujeitos constituintes desse

grupo?

A primeira estrofe tem como inspiração, Carnaval e escola de samba; a

segunda, Bole-Bole: histórias e histórias para contar e a terceira, Bole-Bole para

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além do desfile: a educação não-formal. A fala dos destaques (os entrevistados)

teve total liberdade para transitar em todas as estrofes.

Carnaval e escola de samba traça um breve histórico do carnaval no Brasil,

fazendo um contraponto entre o carnaval de escola de samba do Rio de Janeiro

com o de Belém do Pará, afinal no que diz respeito à escola de samba, o Rio de

Janeiro serve como inspiração e modelo para o país inteiro. Aqui também está

sendo abordada a trajetória das escolas de samba de Belém.

Bole-Bole: histórias e histórias para contar, vem descrevendo a história da

escola de samba Bole-Bole, ao longo de seus 31 anos de existência, com o intuito

de situar o leitor tanto historicamente quanto geograficamente, ressaltando de onde

se está falando, sinalizando a relação de pertencimento e de identidade entre o

Bole-Bole com a rua e o bairro onde está inserido, revelados algumas vezes pelas

letras de seus sambas.

Bole-Bole para além do desfile: a educação não-formal, é uma estrofe cujo

objetivo é descrever os projetos educativos desenvolvidos pelo Bole-Bole, sendo

apoiados pelo que preconiza a educação não-formal, desvelando os saberes da

escola de samba. Pretendo também fazer e propor uma reflexão sobre os saberes

e as práticas educativas e, como isso se apresenta como resultado na vida das

pessoas que deles participaram, ressaltando a interação do poder público nesse

processo, como fomentador e apoiador para que as funções educativas e sociais,

que cabem à escola de samba possam ser cumpridas.

Os caminhos da composição (metodologia) seguiram os passos da pesquisa

qualitativa. Devido a diversidade do meu objeto, não me ative a uma única

abordagem. No decorrer do caminho fui me apropriando de várias abordagens e

ferramentas, como a etnográfica pela vivência e observação in loco; hermenêutica

pelo processo de interpretação epistemológica e ontológica que submeti as

entrevistas ao optar por uma técnica da história oral e de minhas vivências na escola

de samba Bole-Bole; bibliográfica e documental. Como bem assinala Gamboa

(2012, p. 27-28)

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Investigação vem do verbo latino Vestígio, que significa seguir as pisadas. Significa, portanto, a busca de algo a partir de vestígios. Como a investigação constitui um processo metódico, é importante assinalar que o método ou modo, ou caminho, de se chegar ao objeto, o tipo de processo para chegar a ele, é dado pelo tipo de objeto e não ao contrário, como pode ser entendido quando o caminho ganha destaque, dado o êxito de certos métodos em certos campos, chegando a ser priorizado de tal maneira que o objeto fica descaracterizado (desnaturalizado), recortado ou enquadrado nos códigos restritos das metodologias.

Corroborando com Gamboa (2012) foi que optei em não selecionar apenas

uma abordagem para cuidar do meu objeto. Fui deixando fluir a fala dos sujeitos

com as minhas observações e memórias, mais o que me diziam os autores e os

documentos. Meu caminhar metodológico foi acontecendo de acordo com a

necessidade apresentada por ele (objeto). Ressalto ainda que nesta pesquisa de

cunho qualitativo não me ative a fazer um levantamento de dados numéricos – como

quantidade de sujeitos atendidos nas oficinas, de sujeitos que as concluíram etc. –

em alguns momentos eles foram até citados, mas não são imprescindíveis e nem

se sobrepõem ao objeto nesta pesquisa. Porém, são dados que merecem um

estudo que deverá ser realizado a posteriori.

Para compor esse samba-enredo para o meu carnaval recorri à leitura de

alguns livros sobre carnaval e educação não-formal: busquei no banco de teses e

dissertações de quatro instituições (CAPES, UNICAMP, USP e UFRJ) tendo como

recorte os últimos dez anos, que abordassem os temas, educação não-formal e,

educação não-formal e escola de samba/carnaval; perscrutei em periódicos que

publicassem artigos de carnaval e escola de samba; fiz busca em bibliotecas

públicas em Belém do Pará, no setor de jornais, atrás de notícias que revelassem a

história do carnaval e das escolas de samba de Belém, bem como a história do

Bole-Bole com seus movimentos carnavalescos, sociais e educativos; busquei

dados também em documentos oficiais, como ata de fundação, projetos que

aconteceram etc.

Para dar vida às estrofes desse samba contei com o auxílio luxuoso de nove

destaques (os entrevistados), divididos em dois grupos. Um grupo foi o que teve

alguma ligação administrativa e artística com o Bole-Bole. Já o outro foi constituído

por pessoas atendidas pelos projetos do Bole-Bole, as quais tornaram-se

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profissionais a partir do aprendizado que lá tiveram, sendo atualmente agentes

multiplicadores.

O tratamento das entrevistas foi realizado por meio de uma técnica utilizada

na história oral, para fazer a transposição do discurso oral para o escrito, que

constitui-se de três fases bem distintas, mas complementares e necessárias: a

transcrição, a textualização e a transcriação. A transcrição é o primeiro contato com

os relatos orais. Trata-se do registro escrito, absolutamente fiel da fala do

entrevistado, como pausa, mudanças de entonação na fala, vícios de linguagem

etc. (MEIHY, 2005; VILELA, 2010).

A textualização é a segunda etapa, na qual faz-se uma limpeza textual,

corrigindo palavras ditas com erro, retirando o que está além da fala do narrador,

mantendo o texto na íntegra, bem como as características do narrador. A terceira e

última fase é a transcriação, que consiste na teatralização do texto. É o momento

da criação de um novo texto a partir do relato do entrevistado. Aqui aflora-se a

criatividade do pesquisador/compositor e nasce uma nova composição (MEIHY,

2005; VILELA, 2010).

Na transcriação o processo criativo de quem escreve deve ser o ponto alto,

pois um novo texto será criado, tendo a fala como ponto de partida. “Esta fala é

hermenêutica, passível de recortes, mudanças e alterações da linguagem, não só

no sentido de adequação à escrita, mas também de uma criação a partir dela”

(VILELA, 2010, p. 20). As nove entrevistas passaram por esse processo, até porque

esse processo de criação é de suma importância para a composição de um samba

enredo.

Os procedimentos por mim desenvolvidos foram os seguintes: a) contatei

previamente com meus destaques, solicitando que os mesmos pudessem conceder

uma entrevista sobre suas vivências na associação carnavalesca Bole-Bole,

aproveitei suas concordâncias para marcarmos data, hora e local da entrevista; b)

coletei as entrevistas usando um gravador e uma filmadora; c) realizei a

transposição do discurso oral para o escrito passando pelas três fases: transcrição,

textualização e transcriação; d) devolvi o texto transcriado aos meus destaques,

para que lessem e verificassem pontos de convergência e de divergência com seus

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pensamentos sobre o tema tratado. Todos concordaram com os textos transcriados,

os assinaram e me devolveram, juntamente com uma autorização para publicação

dos mesmos para fins acadêmicos.

O primeiro destaque é Herivelto Martins e Silva – o Vetinho – músico,

compositor, escritor, professor, pesquisador de cultura popular e carnaval. É

militante da cultura popular, atuando na preservação de ritmos e folguedos

regionais, como o bangu-ê e o Boi Malhadinho. Tem um livro publicado sobre uma

das tantas lendas Amazônicas, denominado: As aventuras do menino boto – o herói

da Amazônia. De acordo com Oliveira (2006), Vetinho foi o idealizador, um dos

fundadores e principal compositor de duas agremiações carnavalescas do bairro do

Guamá em Belém do Pará, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Arco Íris e a

Associação Carnavalesca Bole-Bole. No Arco Íris compôs três dos sete sambas e

no Bole-Bole compôs trinta dos trinta e um sambas. Foi vice-presidente do Arco Íris

na primeira formação da Diretoria, presidente por vários mandatos do Bole-Bole e

há alguns anos é membro da comissão de carnaval, além de ser presidente de

honra. É compositor de sambas de outras escolas e blocos tanto de Belém quanto

do interior do Estado. Seu atual projeto, em andamento, é a publicação do livro

Viajei no Arco Íris, sobre a história tanto dessa agremiação quanto do Bole-Bole.

O segundo destaque é Carlos Benedito de Souza Soares – o Charles Brown

– arquiteto, músico e um dos fundadores tanto do Arco Íris quanto do Bole-Bole. Foi

carnavalesco e membro da primeira diretoria do Bole-Bole como vice-presidente,

funções que desempenhou por muitos anos. Participou ativamente de projetos

socioeducativos e culturais com crianças e adolescentes desde a fundação dessa

agremiação, como Bole-Bole do Futuro, Moleque Pandeiro, Xequerê, reconstrução

do Boi Malhadinho entre outros.

O terceiro destaque do meu carnaval é Eunice Maria da Silva Ramos.

Professora, líder comunitária e uma das fundadoras tanto do Arco Íris quanto do

Bole-Bole, ambas tiveram sua primeira reunião em uma escola de ensino formal de

sua propriedade, a Escola Santo Expedito, atualmente Escola Mundo Encantado da

Criança. Foi diretora social em ambas as agremiações. Teve participação efetiva no

encontro entre escola e escola de samba no bairro do Guamá.

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Meu quarto destaque é Cláudia Suely dos Anjos Palheta, doutoranda no

Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Pará (UFPA),

mestre em Artes pela UFPA, especialista em Estudos Culturais na Amazônia pela

UFPA, graduada em Design de Interiores pela Universidade da Amazônia (UNAMA)

e em Educação Artística - Artes Visuais pela UFPA. É professora da Escola de

Teatro e Dança da UFPA, pesquisadora de carnaval, quadrilhas juninas e cultura

popular, além de ser carnavalesca com bicampeonato conquistado no carnaval das

escolas de samba do grupo especial de Belém (2010 e 2011) pelo Bole-Bole.

Meu quinto destaque é Luís Augusto Alcântara – o Feijão – músico

profissional formado nas oficinas do Bole-Bole há alguns anos. Com a saída do

mestre Meninéa que conduzia a bateria, assumiu a batuta da bateria, denominada

de audaciosa. Não possui formação acadêmica e, paralelo à vida de músico é

também motorista. Além de chefiar a bateria, é um dos instrutores das oficinas de

percussão.

O sexto destaque é José Fabrício Oliveira Meireles – o Mini – músico

profissional formado nas oficinas do Bole-Bole. Não possui formação acadêmica. É

um dos instrutores das oficinas de percussão. Numa hierarquia, ele é o primeiro

depois de Feijão.

O sétimo destaque é André Silva de Alcântara, músico profissional formado

nas oficinas do Bole-Bole e graduado em Ciências Contábeis. Numa hierarquia,

seria o segundo depois de Feijão. É também, um dos instrutores das oficinas de

percussão.

Como meu oitavo destaque apresento Kléber Alessandro Correa Oliveira,

que iniciou sua relação com o Bole-Bole aos oito anos de idade, aos nove já estava

inserido no barracão. É oriundo das oficinas de artesanato dessa agremiação, tendo

sido oficineiro por muitos anos. É ativista da cultura popular e regional, participou

das várias ações realizadas pelo Bole-Bole. É presidente de um bloco carnavalesco,

o Mexe-Mexe, que se localiza na mesma rua que o Bole-Bole. É decorador de festas

e instrutor de trabalhos manuais do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural –

SENAR/PA e a primeira pessoa depois do chefe do barracão da chapelaria do Bole-

Bole.

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Meu nono destaque é Cleyton Alexandre de Oliveira, servidor público do

município de Belém, é porteiro de uma escola. Não participou efetivamente de

oficinas no Bole-Bole, foi se inserindo nas atividades de barracão e aprendendo

técnicas diversas nessas vivências. Atualmente no Bole-Bole é o chefe do barracão

da chapelaria, mas também ajuda nas fantasias e nas alegorias. É cozinheiro e

decorador.

Num carnaval como o meu, cheio de destaques, precisei convocar alguns

pesquisadores para desempenharem o papel de apoio desses destaques. Na

realidade eles são a base, o sustentáculo entre a fala dos meus destaques e as

minhas memórias carnavalescas que se amalgamaram em torno da composição

desse meu samba enredo.

São eles, Bakhtin (1987), DaMatta (1997); Lima (2005); Ferreira F. (2008,

2012); Galvão (2009); Oliveira (2006); Palheta (2011, 2012a, 2012b, 2013);

Rodrigues (2008), Rodrigues e Palheta (2010, 2013), Gonçalves (2006), Bourdieu

(2011), Le Breton (2009), Freire (1996, 2000); Tramonte (2001, 2007); Motta (2003);

Gadotti (2005); Gohn (2006, 2007, 2009, 2011); Von Simson (2007); Von Simson,

Park e Fernandes (2007); José Dias Júnior (2009); Parreira e José Filho (2010);

Trilla (1996); Camors (2006 e 2009); Garcia e Rotta (2011); Garcia (2005); Gadotti

(2005), entre outros tantos, que estão brincando comigo nesse meu carnaval.

A relevância do presente estudo se apoia no fato de possibilitar o

reconhecimento dos saberes e das práticas educativas que circulam em uma escola

de samba, os quais por muitas vezes são ignorados e negados. Além de saberes

gerais imprescindíveis para a vida, esse reconhecimento pode proporcionar uma

fonte a mais de conhecimento e acesso a várias vertentes da arte, como a música,

a dança etc. Também podem ser articulados com os conhecimentos da escola,

principalmente se tratando de uma escola pública, com o intuito de contribuir para

uma educação mais democrática e menos excludente.

A força da cultura do carnaval no Brasil, por muitas vezes tendo como base

uma escola de samba e associações carnavalescas espalhadas pelo país afora – a

maioria delas nas periferias das grandes cidades – pode contribuir no sentido de

proporcionar maior acesso à educação não-formal, a qual se desenvolve

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independentemente de classe social, situação econômica, idade, raça, nível de

escolarização, religião e de formação acadêmica. Como assinala Gohn (2011, p.

11), “não limitamos a educação não-formal a uma dada camada social” como ao

atendimento às classes menos favorecidas ou jovens em situação de risco. “Ela é

mais ampla, envolve outros segmentos sociais” (GOHN, 2011, p. 11).

É importante frisar que dentre os saberes e as práticas educativas que

circulam e se constroem dinamicamente em uma escola de samba, mediados pela

educação não-formal, há um trabalho de formação política e cidadã muito profícuo,

as teias sociais e culturais tecidas nesses espaços fortalecem as relações

familiares, de amizade, de solidariedade, de cooperação e de comunidade, que são

imperativos para uma vida social saudável, interativa e produtiva (GOHN, 2011).

Por conta da abrangência e proporção tomada pela educação não-formal que

acontece em espaços como as escolas de samba, estou desenvolvendo este estudo

denominado de meu carnaval, com o intuito de que esta modalidade de educação,

que transcende a dos bancos escolares, possa ser reconhecida e expandir-se cada

vez mais comprometida com a formação da cidadania, da autonomia e, acima de

tudo proporcionando uma ação libertadora nos indivíduos.

É oportuno esclarecer que não estou defendendo a substituição da educação

formal pela não-formal, ou da escola formal pela escola de samba ou outro

seguimento social, mas desvelar como os saberes e as práticas educativas que

acontecem na escola de samba são igualmente importantes para a formação cidadã

e mesmo profissional, lembrando que para alguns o carnaval se apresenta como

ponto de partida e às vezes como única oportunidade.

Os saberes presentes no Bole-Bole, as possibilidades de aprendizagens

inclusive dos conteúdos escolares e as oportunidades geradas a tantos garotos que

atribuem a essa escola de samba o fato de seus caminhos terem tomado um rumo

diferente do que toma grande parte da juventude pobre do bairro do Guamá, o

caminho da criminalidade e das drogas – contexto este que habitualmente as vidas

desses jovens são deslocadas para essa triste realidade – está explícito nas

palavras dos destaques que compõem o meu carnaval.

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Aprender a tocar um instrumento, dançar, representar, cantar, compor,

desenhar, cortar, costurar, colar, transformar, criar, sonhar, se relacionar, se

entregar para viver e aprender, assim como relacionar todo esse aprendizado com

os conteúdos escolares, são processos vivos na escola de samba. Como assinala

Palheta (Entrevista, 18/10/2014): existem para além da arte, outras disciplinas na

escola, como Química – pelo estudo dos elementos químicos e reações químicas

dos diversos materiais, como as colas e as soldas, por exemplo. Na Física, pelo

estudo da proporção, da tridimensionalidade ao se construir uma escultura, o

desenho, a perspectiva, a combinação de cores, volume etc., referindo-se às

possibilidades de aprendizagem na prática dos conteúdos escolares dentro de um

barracão de escola de samba.

Enfim, há saberes. Saberes esses formatados em oficinas, aprendidos na

prática, implícitos nas relações interpessoais e nas vivências estabelecidas na

escola de samba. Saberes capazes de transformar, de dar um rumo, de tirar a venda

dos olhos. Saberes esses que precisam ser reconhecidos e aproveitados.

Assim, acompanhada dos destaques, apoios de destaques e por minhas

memórias, me entrego à composição deste samba-enredo, assim como me entrego

na avenida no dia do desfile: de corpo inteiro. Por falar em corpo, parafraseio

Eduardo Galeno – jornalista e escritor uruguaio (1994) em seu poema: “a igreja diz:

o corpo é uma culpa. A ciência diz: o corpo é uma máquina. A publicidade diz: o

corpo é um negócio. E o corpo diz: eu sou uma festa”. Eu digo: meu corpo é um

carnaval!

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Figura 3:

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1.1 Carnaval e corpo

Figura 4: 1º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira do Bole-Bole no carnaval de 2012. A sutileza do encontro e do contato entre os corpos, estabelecido pela dança essencialmente carnavalesca do casal.

Fonte: Guilherme Damasceno.

Carnaval chegou, carnaval quero brincar

Só três dias nova vida Corro da ala pra avenida

Por favor, deixa eu sambar [...]7

Olha põe no corpo movimento Põe nos olhos sentimentos

Euforias verdadeiras Hoje faz enredo na avenida

Minha escola tão querida, carnaval é brincadeira [...]8

7 “O patrão é meu pandeiro” é um samba composto por Panela e Carlos Napoli e foi gravado por Panela, no disco Samba da Bahia: Riachão, Batatinha e Panela. 13ª faixa. Gravadora: Fontana/Philips, 1973. Disponível em: http://www.sambaderaiz.net/samba-da-bahia-riachao-batatinha-e-panela/. 8Trecho do samba enredo do Bole-Bole para o carnaval de 2011, que teve como tema: bonecos pra lá de animados. Compositor: Vetinho (PALHETA, 2012a, p. 95). Não possui discografia.

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No cenário mundial o carnaval representa uma das mais importantes festas,

constituindo-se em um reservatório de ritmos e símbolos sobreviventes à

multiplicidade de “carnavais” ao longo do tempo, que se retroalimentam

constantemente e que possui como características a liberdade e o rompimento com

regras pré-estabelecidas (CARVALHO; MADEIRO, 2005).

Segundo Bakhtin (1987, p. 6), o carnaval representa uma fuga, mesmo

provisória, às regras impostas pelo dia-a-dia, e “situa-se nas fronteiras entre a arte

e a vida. Na realidade, é a própria vida apresentada com os elementos

característicos da representação”, como mostram as figuras 5 e 6, em que os

brincantes transvestem-se de palhaços, buscando na avenida esses elementos da

representação. Haja vista que

Os espectadores não assistem ao carnaval, eles o vivem, uma vez que o carnaval pela sua própria natureza existe para todo o povo. Enquanto dura o carnaval, não se conhece outra vida senão a do carnaval. Impossível escapar a ela, pois o carnaval não tem nenhuma fronteira espacial. Durante a realização da festa só se pode viver de acordo com as suas leis, isto é, as leis da liberdade. O carnaval possui um caráter universal, é um estado peculiar do mundo: o seu renascimento e a sua renovação, dos quais participa cada indivíduo. Essa é a própria essência do carnaval, e os que participam dos festejos sentem-no intensamente (BAKHTIN, 1987, p. 6).

Figura 5: Brincantes do Bole-Bole. Carnaval 2010. Figura 6: Brincantes do Bole-Bole. Carnaval 2010.

Fonte: George Maués. Fonte: George Maués.

Turner (apud Dawsey, 2005, p. 22), revela que “os carnavais surgem como

momentos extraordinários, ou interrupções do cotidiano. No mundo do capitalismo

industrial, eles surgem como interrupções do trabalho. São como momentos de

“loucura” que se contrapõem ao cotidiano”. Da Matta (1981), concebe o carnaval

Figura 1 Desfile da Bole-Bole no carnaval de 2010 (brincantes de ala).

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como uma festividade que estilhaça a realidade social, inventando uma ordem

invertida, sem a existência de um centro de gravidade.

Turner (2005), Bakhtin (1987) e Da Matta (1981), referem-se ao carnaval

como uma quebra do cotidiano em busca de liberdade, mesmo que momentânea,

do indivíduo, da pessoa, do ser humano, mais especificamente – fazendo um viés

com minha área de formação, a Educação Física – do corpo.

Carnaval e corpo têm uma relação muito estreita, por isso é importante

destacar que a historiografia do corpo revela que este atravessou séculos

vivenciando restrições e tabus, envolvido por mistérios, enigmas, contenção,

discrição e silêncio. Somente na sociedade contemporânea ele passa a ser o centro

das atenções, principalmente o feminino, que “de ocultado transformou-se em

objeto de exposição, admiração, desejo, interferências” (MATOS, 2007, p. 11),

intervenções e estudos. Essa centralidade assumida pelo corpo revela muito mais

do que o próprio corpo, ela é carregada de valores simbólicos e age como

demarcadora de sua identidade cultural.

Como o corpo é o primeiro contato do ser humano com tudo e com todos que

o cerca – contato entre pessoas é uma constante no carnaval – nele é delineado o

arcabouço cultural de um grupo específico. Daolio (2009, p. 39) reforça esse

pensamento quando diz que “o corpo é a expressão da cultura, portanto cada

cultura vai se expressar por meio de diferentes corpos, porque se expressa

diferentemente como cultura”.

Seguindo essa linha, é relevante mencionar que corpo e cultura mantêm uma

interdependência, a cultura precisa do corpo para se materializar, se mostrar, se

fazer presente, assim como o corpo precisa da cultura como instrumento de

civilidade, de socialização e de educação, tomando-se o cuidado, como alerta

Csordas (1990), para que o corpo não seja reduzido a um objeto a ser estudado em

relação à cultura.

Em relação a corpo e cultura, Morin (2011), enfatiza que o corpo é tecido por

uma grande teia de símbolos e de significados, possuindo vários aspectos que se

conectam formando um ser complexo e, Geertz (2008), acrescenta que quem tece

essa teia de significados, a qual denomina de cultura é o próprio ser humano.

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O corpo humano não é um corpo puramente biológico sobre o qual a cultura

impinge especificidades, o corpo é fruto da interação entre natureza e cultura e,

conceber o corpo como meramente biológico é pensá-lo como natural, e como

consequência desse pensamento, entender que a cultura é um processo posterior

ao desenvolvimento do homem, uma mera coadjuvante e, não que a cultura seja a

grande responsável por esse desenvolvimento (GEERTZ, 2008).

Mauss (1934), em estudos que denominou de “as técnicas corporais”

considerou que os movimentos e gestos do corpo são o resultado de técnicas

criadas pela cultura, passíveis de transmissão através das gerações e imbuídas de

significados específicos, cercado de atos simbólicos ou por um conjunto deles.

Acrescenta ainda, que o corpo foi o primeiro e mais natural instrumento do homem.

Mesmo de forma menos densa, mas bastante significativa introduziu o conceito de

habitus definindo-o como a soma total de usos culturalmente padronizados do corpo

em uma sociedade, variando entre indivíduos, sociedades, educação, conveniência

etc.

Este conceito mais tarde foi ressignificado por Bourdieu (2007; 2011) que foi

além do conceito de habitus como um conjunto de práticas, definindo-o como um

sistema de disposições que é perene com princípio inconsciente e coletivamente

inculcado para a geração e estruturação de práticas e representações.

Complementa citando Hegel, que o corpo, tendo a propriedade de estar aberto e

exposto ao mundo, está sujeito a um processo de socialização cujo produto é a

própria individuação, a singularidade do eu sendo forjada nas e pelas relações

sociais.

Corroborando com esse pensamento, Le Breton (2009, p. 11), assegura que

apesar do corpo representar o principal ponto de diferenciação entre as pessoas e

por marcar a individualidade de cada um, acredita, que parte dele a ligação entre

outros corpos, ou seja, o corpo é o lócus das relações interpessoais, “o conector

que o une aos outros”.

Faz-se necessário ressaltar que no espaço da escola de samba transitam

muitas pessoas, muitos corpos se entrecruzando em seu cotidiano e, que por uma

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vasta rede de socialização se conectam (re) produzindo saberes e conhecimentos

que são essenciais para a construção social, relacional e cognitiva do ser humano.

Antes de o corpo ser tomado pela ação festiva do carnaval, ele é um corpo

cotidiano, experimenta vários estados e sensações que acabam se tornando

rotineiros, sendo entendido como um corpo preso a convenções, tolhido de uma

expressão maior e automatizado, o qual em seu dia-a-dia desempenha tarefas e

cumpre papéis de modo mecânico. Não necessariamente um corpo infeliz, mas um

corpo comportado, educado e contido.

Nessa concepção de comportamento e contenção dos corpos e,

consequentemente do sujeito, fica nítido o papel da escola tradicional como

protagonista desse processo fundamentado na instrumentalidade, no

disciplinamento e na aprendizagem da civilidade, elegendo o controle e a disciplina

como marcos de educação (NÓBREGA, 2005).

Talvez, com receio de perder o controle, as escolas comprometidas em

manter o status quo afastam-se do que não parte delas, fecham-se no processo de

ensino-aprendizagem e se cristalizam. Esquecem-se – ou por ainda serem

reprodutoras da classe dominante, o fazem conscientemente – da educação, que

deve ser entendida no seu sentido mais amplo, e não ao aprendizado de conteúdos

escolares desconectados da realidade e das vivências dos alunos, como muitas

vezes o é, tendo sua função reduzida.

Percebo a escola de samba isenta dessas amarras e muito próxima às

pessoas, por isso, estou investindo neste estudo que busca o reconhecimento de

práticas educativas nesses espaços, com o intuito de ampliar o acesso à educação.

Para que haja um melhor entendimento da relação entre educação/escola e

escola de samba/carnaval, é pertinente que se tenha uma visão panorâmica sobre

a história do carnaval no Brasil, dando ênfase para o movimento de escola de

samba, desvelando-se alguns pontos de convergência desconhecidos de grande

parte das pessoas, principalmente, por considerarem a escola de samba apenas

como espaço de festa.

Como este estudo tem seu foco numa escola de samba de Belém do Pará,

essa visão panorâmica sobre o carnaval terá dois cenários, Belém e Rio de Janeiro,

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este último por ter iniciado esse movimento de escola de samba, pela importância

que teve e tem nesse processo, pela espetacularização em que transformou seu

carnaval de avenida e, também pela estreita relação na origem das escolas de

samba com a escola formal, de quem herdou a denominação de escola.

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1.2 Os Carnavais do Pará

Figura 7: Roda de carimbó sobre uma das alegorias do Bole-Bole, no carnaval 2013. Bandeira do Pará estilizada na barra da calça do brincante. Pés descalços, pés dançantes, pés que fazem o corpo todo vibrar, pés de carimboleiro que revelam no carnaval a cultura do Pará.

Fonte: George Maués.

O carnaval no Pará, mais especificamente na capital Belém, teve seu início

com o entrudo, manifestação festiva trazida pelos colonizadores portugueses para

o Brasil no final do século XVII (1695), se estendendo até meados do século XIX

(1844), ano marcado pela realização do primeiro baile de máscaras no Teatro

Providência e a chegada de outras práticas carnavalescas no Estado, como o Zé

Pereira, o corso, os clubes carnavalescos ou grandes sociedades, o carnaval de rua

com sujos e mascarados, cordões etc., fase chamada de pós-entrudo (OLIVEIRA,

2006).

Aliás, Oliveira (2006) classifica o carnaval paraense em três fases: 1. Entrudo

(1695-1844); 2. Pós-Entrudo (1844-1934) e 3. Carnaval da Era do Samba (a partir

de 1934), subdividida pelo autor em duas fases: 1. Carnaval das batalhas de confete

que vai até 1957 e 2. Carnaval oficial de avenida, a partir de 1957.

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Essas demarcações em fases não significam que houve uma nítida fronteira

entre essas diversas manifestações carnavalescas, ou seja, não foi totalmente

extinta uma fase para dar início a outra. Segundo Gonçalves (2006), ao retratar esse

movimento no Rio de Janeiro, ressalta que essas manifestações atravessaram

décadas, se inter-relacionando umas com as outras, até a total extinção de algumas

dessas práticas.

Gonçalves (2006) apresenta uma classificação para essas manifestações

carnavalescas que aconteciam no Rio de Janeiro no início do século XX: 1. Cordões

– caracterizados por uma manifestação sem nenhuma organização, livre e muito

barulhenta, constituída pela população pobre; 2. Grandes Sociedades – eram

constituídas pela elite que se reunia nas associações e clubes, que tinha como

característica a organização e a pouca participação popular; 3. Ranchos – formados

por grupos mais populares, em relação às grandes sociedades e mais acessíveis,

pois estes

[...] posicionaram-se, como intermediários, entre os grupos “de elite” e os grupos “destituídos de educação e civilidade”, produzindo um carnaval mediado por uma rede de relações sociais com lugar para os cronistas, os comerciantes, a polícia, os músicos, os artesãos, as tias baianas, além das camadas populares dos bairros e subúrbios (GONÇALVES, 2006, p. 74).

Além de que

Os ranchos carnavalescos foram os primeiros grupos a se apresentar no carnaval com músicas próprias. Foram eles os primeiros a incluir o enredo, o cortejo linear e a formalizar uma estrutura de ensaios e desfiles que serviria, segundo alguns autores, de modelo para as escolas de samba (GONÇALVES, 2006, p. 76).

Os Ranchos agregaram as classes média, artística, com certo nível

educacional e de “civilidade” entre outras, imprimindo ao mesmo uma característica

de organização suplantando outras formas de manifestação carnavalesca e

proporcionando acesso de brincar o carnaval a grupos de pessoas que não o teriam

nas Grandes Sociedades e aos que se recusavam de participar dos entrudos, e

outras manifestações alheias de uma organização. Destacando que o entrudo

enfrentava uma grande resistência e perseguição da força policial.

A organização conquistada e os elementos adquiridos pelos Ranchos, deu

origem às escolas de samba, que segundo Von Simson (2007, p. 26), é uma

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“maneira de brincar no carnaval criada na década de 1930 por elementos das

classes populares de origem africana, habitantes dos morros e subúrbios cariocas,

tendo sido incentivada pelo setor comercial e pelos poderes públicos”.

Assim como para Galvão (2009, p. 44) a escola de samba é entendida como

“agrupamentos espontâneos, mantidos pelo trabalho conjunto de seus membros...

confeccionando eles mesmos as fantasias e os instrumentos a serem utilizados no

carnaval”. Cabral (2008, p. 16) assinala que tudo “foi absorvido pelas escolas de

samba, que copiaram a estrutura dos ranchos, incorporaram as alegorias das

grandes sociedades e rechearam os sambas-enredo – antes, tão solenes – com

ingredientes característicos das marchinhas e dos sambas de Carnaval”.

É importante também ressaltar que o Rancho, pelo menos em sua

denominação, exerceu forte influência na origem de uma das mais antigas escolas

de samba do Brasil e a primeira do Estado do Pará, no bairro do Jurunas em Belém,

o Grêmio Recreativo e Beneficente Jurunense Rancho Não Posso Me Amofiná, o

qual alguns anos após sua fundação, deu início ao movimento carnavalesco de

escola de samba – apesar de muito incipiente em seus primeiros anos – foi com o

passar do tempo evoluindo e adquirindo algumas características próprias, mas

mantendo suas raízes ligadas ao carnaval carioca (OLIVEIRA, 2006).

Carnaval este, que na forma de desfile de escola de samba, foi oficializado

pela Prefeitura do Rio de Janeiro em 1932 (FERREIRA, F., 2008), devido à

repercussão positiva dos anos anteriores em que eram promovidos pelos jornais.

Tanto no Rio de Janeiro quanto em Belém, os jornais e as emissoras de rádio foram

os grandes mediadores da institucionalização das escolas de samba, pois o

carnaval de rua, as batalhas de confete, os concursos de samba, os concursos de

passistas (uma particularidade do carnaval de Belém) eram promovidos por estes

(GALVÃO, 2009; OLIVEIRA, 2006).

A oficialização do desfile pela prefeitura do Rio culminou numa

regulamentação, originando assim uma organização que foram “sufocando e

desvirtuando a pureza da manifestação popular” (GALVÃO, 2009, p. 43), o qual vai

de encontro ao entendimento de Bakhtin (1987) sobre o carnaval. Na realidade, as

escolas não poderiam contrariar tal regulamentação, haja vista o cumprimento às

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regras impostas pela prefeitura servirem como pré-requisito para as mesmas

receberem ajuda financeira (denominado de subvenção), do contrário ficariam sem

esse auxílio. Assim sendo, toda a liberdade e espontaneidade que eram a principal

característica do carnaval foram sendo suprimidas para darem vez ao formato de

escola de samba.

Um fato importante pontuado por Vianna (2004) é sobre a oficialização do

carnaval carioca, fato ocorrido em plena ditadura varguista, momento no qual se

pensava um novo projeto para o Brasil, norteado por uma forte corrente nacionalista

que apostava em sua recuperação econômica a partir do aproveitamento de suas

riquezas naturais, incluindo a formação do cidadão nacional. Esse projeto se daria

com a unificação nacional, adequação da cultura e das instituições à realidade

brasileira e a ampla utilização dos recursos nacionais para um desenvolvimento

autodeterminado. Assim, durante a década de 1930, era evidente um grande

incentivo do governo à industrialização e modernização do país. Era tempo de

afirmação nacional e de um novo projeto de nação.

Com as escolas de samba e o carnaval não foi diferente. Segundo Vianna

(2004) e Galvão (2009), o primeiro governo de Getúlio Vargas foi marcado pelo

fortalecimento do samba e do carnaval, sendo estabelecido pelo governo que os

sambas enredos tivessem um caráter histórico, didático e patriótico, com o intuito

de reforçar a “onda” nacionalista, pela qual o país estava passando. Inclusive os

sambas começaram a sair do território nacional tendo como missão vender uma

imagem positiva lá fora, pois o Brasil passava por uma grave crise econômica

necessitando atrair com urgência investidores e apoio internacional. Vislumbrando

mais apoio do governo, a União das Escolas de Samba do Rio de Janeiro propôs

que o tema nacionalista fosse um dos itens do regulamento do desfile oficial. Isso

perdurou por certo tempo, até que

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As escolas de samba, como um dos símbolos máximos da cultura popular tornam-se espaços sensíveis para o desenrolar deste combate que, no Brasil, se confunde com o embate entre socialismo e capitalismo. Os enredos de forte teor nacionalista da época, herança da relação com o governo Vargas, começam a ser encarados pelas forças políticas de esquerda, sempre atuantes nas entidades representativas das escolas, como uma forma de adesão ao projeto de aproximação com os Estados Unidos do presidente Juscelino Kubitschek. Uma ação direta sobre estes espaços populares começa a se desenhar, como, por exemplo, o envolvimento direto do artista, professor universitário e militante de esquerda Fernando Pamplona com o Salgueiro, propondo enredos de valorização na história negra, em oposição à história “oficial”. Uma atitude pedagógica que incluía, inclusive, o convencimento dos sambistas a usar fantasias “africanas” em lugar dos duques e barões que povoavam os desfiles das escolas desde seus primeiros anos (FERREIRA, F., 2012, p. 165).

Assim, Enredos e sambas “politizados” são valorizados, como o famoso “Heróis da liberdade”, de Silas de Oliveira (“Ao longe, soldados e tambores, alunos e professores cantavam assim: Já raiou a liberdade!”), não por acaso assumindo o posto até hoje incontestável de “melhor samba enredo de todos os tempos”. Acostumadas a estas negociações que estão na própria essência de sua formação, as escolas incorporam paulatinamente estes novos significados a seus elementos “tradicionais”, reformulando seus sambas, enredos, fantasias, alegorias e até sua forma de desfile (FERREIRA, F., 2012, p. 165).

É a partir da oficialização regulamentadora e nacionalista, que uma grande

teia foi-se tecendo em prol do carnaval carioca, muitas mudanças foram necessárias

para a modernização das escolas, como o uso das mais variadas formas e materiais

para a confecção de fantasias e construção de alegorias, que precisavam tornar-se

mais compreensíveis.

Segundo Ferreira, F. (2012, p. 165), “as escolas de samba embora tivessem

se reformulado de forma radical haviam sucedido em negociar significados e

formas, de modo a manter sua tradicionalidade em novos modos de expressão”. O

espetáculo que hoje deslumbra e encanta, também teve seus momentos de

dificuldade. Porém, quando governo estadual e municipal, empresários e mídia

perceberam a oportunidade de aumentar a arrecadação e o retorno financeiro

provenientes do carnaval, impulsionaram o carnaval carioca fazendo grandes

investimentos.

Assim, em torno deste carnaval há uma cadeia econômica muito bem

constituída e articulada com os dirigentes das escolas de samba e destes com a

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comunidade, envolvendo também a contravenção do Jogo do Bicho com todas as

suas ramificações (CAVALCANTI, 2003). Outro fator que deu sustentabilidade a

essa cadeia foi a modernização dos meios de comunicação de massa pela difusão

do rádio, publicação de revistas semanais sobre as escolas de samba e o carnaval,

jornais e cinema, despertando o interesse das pessoas pelas escolas de samba em

todo o Brasil, ultrapassando as fronteiras nacionais. Com a transmissão ao vivo pela

televisão, o público que antes não tinha acesso ao desfile, pôde assisti-lo de casa

em tempo real (FERREIRA, F., 2012).

Mas para chegar onde chegou, o carnaval carioca trilhou um longo caminho,

sendo oportuno frisar que o Rancho Deixa Falar foi a primeira escola de samba do

Brasil, tendo sido fundada em agosto de 1928, desfilando pela primeira vez em

1929. Teve vida curta, desfilando pela última vez em 1933, apesar do pouco tempo

de duração, o Deixa Falar contribuiu extraordinariamente para o carnaval carioca e

para a própria música popular brasileira. O título de escola de samba a que ele

próprio se atribuía foi adotado pelos blocos carnavalescos que surgiam, espalhou-

se pela cidade do Rio de Janeiro e deu início a uma nova forma de brincar o

carnaval. O surdo e a cuíca, lançados pelo Deixa Falar, tornaram-se indispensáveis

na percussão do samba (CABRAL, 2011).

Não há consenso, mas alguns autores defendem a tese de que o sambista

Ismael Silva, um dos fundadores do Deixa Falar, tenha sido o criador do termo

escola de samba. E segundo contam, a origem desse termo é devido ao fato dos

sambistas de maior influência serem denominados de mestres ou professores e de

se reunirem para tocar samba e ensaiar em frente a uma escola normal, que

funcionava no bairro do Estácio, berço do próprio samba. Por conta das influências

advindas dessas situações, ao fundarem essa agremiação carnavalesca,

denominaram-na de Rancho Escola de Samba Deixa Falar (CABRAL, 2011). É

válido ressaltar que

A adoção da palavra escola não traz sinais de ter sido acidental. Tudo nos leva a crer que o termo possuía certo prestígio e, mesmo que auto-atribuído (sic) dava status. Naquele tempo (parece linguagem bíblica, mas isso aconteceu só há 70 anos...), a escola era um ideal, um modelo, gozava de respeito, e daí, certamente, ter sido a denominação escolhida pelas e para as escolas de samba (SILVA; PINTO, 1997, p. 348).

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Quanto ainda às origens do Deixa Falar, é oportuno identificar a relação

existente entre a escola e a escola de samba. Entre professor/mestre e sambista.

Em tomar conhecimento de que a denominação escola de samba está com suas

raízes fincadas na escola. Então, por que tentar cortar essas raízes? Por que não

permitir o cruzamento entre escola e escola de samba e esperar a colheita?

Parafraseando Cazuza na música Exagerado, o destino delas – escola e escola de

samba – foram traçados na maternidade, no nascimento da escola de samba.

Ao sair em defesa do estreitamento dessa relação, no sentido de mostrar a

importância que esse cruzamento pode proporcionar para uma Educação mais

abrangente, emancipadora e plural e, que os saberes produzidos e partilhados na

escola de samba podem e devem ser imbricados e articulados com os da escola,

me deparo com visões ainda distorcidas sobre a valoração do carnaval – foco

principal de uma escola de samba – contribuindo para denegrir a imagem de ambos.

Como em uma prova de vestibular de uma instituição de ensino superior de Belém,

que iniciava com textos sobre o Brasil ser reconhecido como o país do futebol e do

carnaval, lamentando no decorrer do texto essa adjetivação.

Precisamos quebrar essa ideia de que o Brasil é o país do carnaval e do futebol. O Brasil pode ser o país da honestidade, da cultura, da educação, da saúde, da tecnologia, isso só depende de nós, de uma conscientização em massa de que é necessário romper com a mesmice, basta ver que somos o país onde há a maior e mais avançada rede de captação de leite humano. O Brasil é exemplo no combate à AIDS. Somos o único país do hemisfério sul a participar do projeto genoma. Nosso processo eleitoral está todo informatizado, dando em tempo recorde o resultado das eleições em um país de dimensões continentais. Nossos internautas representam 40% do mercado latino americano. Somos o segundo maior mercado de jatos e helicópteros executivos (IESAM 2012, p. 1).

Será que o Brasil não pode ser o país de tudo isso aí, inclusive do carnaval

e do futebol? Por que negar o carnaval e o futebol? Por que desvincular a educação,

a honestidade, a cultura, a saúde e a tecnologia desses dois ícones nacionais? Por

que não usar o espaço e o poder atrativo que ambos têm a favor da honestidade,

da educação, da cultura etc.? Por que insistir em separar as imbricadas raízes entre

escola e escola de samba? Como não compartilhar com o refrão do samba enredo

de 2004 da escola de samba São Clemente do Rio de Janeiro quando ecoa assim:

[...] a São Clemente faz a gente acreditar, que no Brasil o que é sério é carnaval.

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Quanto às origens das escolas de samba em Belém, não há como se apartar

da história do Rancho e de seu fundador, Raimundo Manito, um homem simples

morador do bairro do Jurunas em Belém, que por motivo de trabalho morou no Rio

de Janeiro entre os anos de 1929 a 1934, momento pelo qual os ranchos viviam sua

grande efervescência e “aspiração de ascensão social” e as escolas de samba

estavam nascendo (OLIVEIRA, 2006, p. 33). No ano de 1929, quando Manito –

como ficou popularmente conhecido – chegou ao Rio, o Rancho Escola de Samba

Deixa Falar havia desfilado pela primeira vez, e a Estação Primeira de Mangueira

estava sendo fundada.

Dando continuidade à história de Manito e de seu Rancho, segundo Oliveira

(2006), ao chegar de volta em Belém em 1934, reuniu um grupo de amigos e de

dissidentes de dois blocos que saiam pelas ruas do Jurunas no período do carnaval,

e resolveu sair no sábado magro, pelas ruas de seu bairro rumo ao centro da cidade

batucando e cantando, em um bloco denominado de Vai Quebrar9. Na semana que

sucedeu esse desfile, Manito se dedicou em organizar outra agremiação

carnavalesca, o Rancho Não Posso Me Amofiná, que no domingo gordo,

acompanhado ritmicamente por barricas, chocalhos, onças10 e tamborins (esse

último ainda inédito em Belém) confeccionados pelo próprio Manito, arrastou cerca

de cinquenta pessoas fantasiadas cantando e dançando pelas ruas do Jurunas.

Por ser uma novidade trazida do Rio de Janeiro por Raimundo Manito, foi imediatamente aceita, admirada, seguida e adotada pelos moradores, especialmente por conta de sua performance diferencial no contexto do carnaval paraense. Conhecedor das novidades introduzidas na capital do país, Manito implantou a escola importando um novo estilo de brincar o carnaval, demonstrando ser um exímio conhecedor dos gostos e estilos carnavalescos que estavam se impondo no Brasil, embora essa aceitação não tenha sido unânime, mesmo aqui em Belém, e tenha sido recusada em outras cidades do país, como Salvador e Recife (RODRIGUES, 2008, p. 156).

É válido ressaltar que

9 Segundo Oliveira (2006) esse bloco desfilou uma única vez, que foi no sábado magro de 1934. 10 Esses instrumentos são típicos dos bumbás, inclusive algumas pessoas se referiam a essa nova agremiação como o boi do Manito (OLIVEIRA, 2006).

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Introduzindo diversas inovações trazidas do carnaval carioca, Manito conseguiu a simpatia e a adesão da maioria dos moradores do bairro, muitos dos quais contribuíram diretamente para a tarefa difícil e ao mesmo tempo prazerosa de colocar a escola na rua, a cada ano. Assim começou uma história singular e ao mesmo tempo plural, registrada na memória dos moradores do bairro e da cidade, fixada na tradição popular oral e escrita, acerca da relação do bairro com a sua escola de samba (RODRIGUES, 2008, p. 156-157).

A fundação do Não Posso – como era carinhosamente denominado pelos

jurunenses – acabou fomentando o surgimento de outras agremiações, como o Tá

Feio em 1935 proveniente do bairro da Campina, a Escola Mista do Carnaval em

1936, oriunda do bairro do Umarizal e a Escola de Samba Uzinense do bairro da

Cremação, sendo que ambas participavam das acirradas disputas nas batalhas de

confete promovidas pela imprensa. De todas essas agremiações somente o Rancho

conseguiu sobreviver, apesar das perseguições sofridas pelo comunista Manito em

pleno Estado Novo (OLIVEIRA, 2006).

Em 1946, outra agremiação foi fundada no bairro da Campina, o Império de

Samba Quem São Eles, atualmente localizada no bairro do Umarizal. Em 1951,

chegou a vez da escola do bairro da Pedreira, o Maracatu do Subúrbio, atualmente

denominada de Embaixada de Samba do Império Pedreirense. Em 1952, do bairro

da Campina surge mais uma escola, a Sociedade Recreativa e Carnavalesca

Dissidentes da Campina que antes de seu primeiro desfile de carnaval em 1953,

passou a denominar-se Universidade de Samba Boêmios da Campina, tendo

desfilado pela última vez em 1985 (OLIVEIRA, 2006).

Todas essas agremiações também passaram a participar das famosas

batalhas de confete, até que no ano de 1957, a Prefeitura passou a ser a

organizadora do desfile, o qual ganhou o caráter de oficial e a acontecer todos os

anos. É importante assinalar que por conta de desajustes entre os dirigentes das

escolas de samba com a organização do carnaval, principalmente às demandas

nunca atendidas, como espaço apropriado para o desfile, barracão11, recursos

11 Em Belém, as escolas de samba não possuem barracões próprios para fazerem suas alegorias, os mesmos são alugados a um alto custo. Há uma antiga reivindicação de seus dirigentes para que o poder público municipal e estadual construa a cidade do samba, como a exemplo do Rio de Janeiro, Macapá, Manaus, entre outros, para que sejam beneficiados com barracões e uma melhor estrutura para o carnaval, possibilitando a atração de investidores e de turistas.

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financeiros suficientes etc., chegou a acontecer desfiles paralelos12 num mesmo

ano, fato ocorrido nos anos de 1958, 1959, 1960, 2002, 2003 e 2004 (OLIVEIRA,

2006).

Com o passar dos anos muitas agremiações foram surgindo e outras se

extinguindo, umas se organizaram como blocos carnavalescos13, outras como

escolas de samba. Bem como, tiveram as que foram ascendendo desde a categoria

de bloco até chegarem à escola de samba, agregando-se ao desfile oficial do

carnaval de Belém. Como a Associação Carnavalesca A Grande Família do bairro

do Telégrafo, fundada em 1973 como bloco, chegando à categoria de escola de

samba em 1989, tendo tido muito mais sucesso e sendo muito mais regular em

presença como bloco do que como escola (OLIVEIRA, 2006), ultimamente ficou fora

do desfile oficial três anos seguidos 2011, 2012 e 2013, retornando ao desfile em

2014.

Outra agremiação carnavalesca que surgiu foi o Grêmio Recreativo Social e

Cultural Mocidade Olariense do Distrito de Icoaraci – localidade carinhosamente

denominada de Vila Sorriso – o qual foi fundado em 1975 como bloco chegando à

escola de samba do Grupo B em 1978, depois de ser tetra campeã nessa categoria,

tornou-se escola de samba do Grupo A em 1985 (OLIVEIRA, 2006). Atualmente,

está no grupo de acesso.

No ano de 1980 e por toda essa década, a organização do desfile oficial do

carnaval era de responsabilidade do Departamento de Turismo (DETUR) da

Prefeitura de Belém, porém, até 1984 não havia separação entre blocos e escolas

de samba, os quais desfilavam no mesmo dia se intercalando. Isso provocou vários

questionamentos ao DETUR por parte das escolas Quem São Eles e Embaixada

de Samba do Império Pedreirense, cobrando definições sobre o que seria um bloco

e uma escola de samba na concepção desse órgão, reivindicando iluminação

12Esses desfiles paralelos aconteceram porque, como algumas escolas se recusavam a se submeter aos desmandos da prefeitura em relação a organização do carnaval, as insatisfeitas organizaram seu próprio desfile, não participando do desfile oficial promovido pela prefeitura, que agregou algumas escolas para que houvesse o desfile oficial (OLIVEIRA, 2006). 13 Os blocos carnavalescos que participam do desfile oficial, são organizações menos complexas que as escolas de samba, não são obrigados a levarem alegorias, ala das baianas, casais de mestre-sala e porta-bandeira, porta estandarte etc., enfim, são estruturalmente diferentes de uma escola de samba.

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adequada e jurados de fora do Estado – quanto a jurado, havia também a cobrança

para que houvesse um jurado para cada quesito, pois um jurado julgava mais de

um quesito, causando muita desconfiança e descontentamento nos dirigentes das

escolas que perdiam (JORNAL ESTADO DO PARÁ, 06/01/1980).

Segundo depoimento de Luís Guilherme, então presidente da escola Quem

São Eles, o “DETUR só procura as escolas no período do carnaval. A imprensa é

quem ainda está mantendo o carnaval de Belém vivo” (JORNAL ESTADO DO

PARÁ, 07/01/1980, p. 3). Disse também em entrevista que da forma como “a

(des)organização do carnaval estava se configurando, que blocos e escolas teriam

que se contentar em bater latas, pois o incentivo dos órgãos públicos era mínimo e

a penúria do povo muito grande” (JORNAL ESTADO DO PARÁ, 07/01/1980, p. 3).

Ainda segundo Luís Guilherme e o Sr. Osmar Reis da Escola de Samba Grito

da Liberdade, “o mercantilismo preocupa o futuro do carnaval de Belém, pois o

carnaval por amor à camisa está desaparecendo”. Para Luís Guilherme, outro dado

preocupante “é a cópia empobrecida do carnaval que é feito no Rio de Janeiro”

(JORNAL ESTADO DO PARÁ, 07/01/1980, p. 3), além da pouca exploração e

valorização das escolas ao material regional.

Outro dirigente de escola, a Profª. Wilma Silva, da Olariense de Icoaraci,

também manifestou sua opinião no caderno Nosso Carnaval de 80 do Jornal Estado

do Pará (07/01/1980, p. 4), “de ano a ano está ficando mais difícil colocar a escola

na avenida”. Mesmo com todos os problemas elencados pelos dirigentes, o desfile

de 1980 aconteceu no dia 16 de fevereiro, ficando de fora do desfile a escola

Embaixada de Samba do Império Pedreirense (OLIVEIRA, 2006).

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1.3 O Carnaval que vem do Guamá

Figura 8: Membro da comissão de frente do Bole-Bole apresentando a escola e o bairro do Guamá para o público e corpo de jurados no carnaval de 2012.

Fonte: Guilherme Damasceno.

O Guamá é um bairro localizado à margem direita do rio Guamá, de onde se

origina seu nome (PREFEITURA DE BELÉM, 2014). “O Guamá é o bairro mais

populoso de Belém [...] com um total de 94.610 habitantes [...]” (PORTAL ORM,

2011). “Os dados fazem parte do Banco de Dados Agregados (Sidra) divulgado pelo

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As estatísticas têm como base

o Censo de 2010 e permitem investigar a situação de alguns municípios por bairros”

(PORTAL ORM, 2011).

A Associação Carnavalesca Bole-Bole – atualmente a única representante

do bairro do Guamá na categoria Escola de Samba do Grupo Especial – escola

objeto deste estudo – foi uma dessas agremiações que vieram de bloco até chegar

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à elite do carnaval de Belém. Porém, diferentemente das demais, essa escola

passou por todas as categorias de bloco e de escola de samba.

Mas antes de adentrar no universo do Bole-Bole é necessário um passeio

pela história do Grêmio Recreativo Escola de Samba Arco Íris. Essa escola também

oriunda do bairro do Guamá, fundada em março de 1982, revolucionou o desfile

oficial da década de 1980, levando para a avenida muito luxo, grandiosidade e

imponência, que foram sua marca pelo curto período de sua existência, desfilando

pela última vez em 1989 (OLIVEIRA, 2006).

Para melhor entender a história do Arco Íris, convidei alguns destaques,

como o Vetinho – li algumas páginas do livro que está escrevendo Viajei no Arco

Íris..., que conta a história do Arco Íris e do Bole-Bole, por quem a viveu desde sua

concepção, sem se esquivar da história do carnaval de Belém – o Charles Brown e

Eunice Ramos.

Segundo Vetinho (Entrevista, 17/09/2013), no carnaval de 1981, ele e um

grupo de amigos saíram do Guamá rumo à Praça da República para brincarem o

carnaval, na volta para casa quando caminhava sozinho para a parada de ônibus,

observou os brincantes do Rancho indo a pé da Praça da República para o Jurunas

ao som de uma batucada de samba. Então, pensou o quanto seria interessante se

esse movimento existisse no Guamá e, começou a sonhar com a possibilidade

desse bairro ter uma agremiação carnavalesca que pudesse levar alegria e diversão

aos guamaenses. Pois, até aquele momento não havia uma única escola de samba

ou bloco carnavalesco com forte identidade, como o Rancho no Jurunas, para

representar esse bairro.

Essa ideia passou a tomar conta de meus pensamentos, foi então que a socializei com meu primeiro grupo musical o Joelho de Grilo, que era formado por jovens músicos do bairro do Guamá tendo como integrantes principais, eu Vetinho no cavaquinho, Carlos Alberto Damous Magalhães (o Macaréu) no violão, Ronaldo Araújo (o Ronaldo cabeça de ladrão) no violão de sete cordas, Carlos Benedito Soares (o Charles Brown), Emílio Sérgio Carvalho Meninea (o Meninea) e Hélio João Martins e Silva (o Cabeção) na percussão, e também com alguns parentes e amigos próximos, como minha irmã Heloísa, Paulo Alcântara, entre outros. Como várias pessoas passaram a sonhar o mesmo sonho, parece que a energia delas começou a atrair toda uma cadeia que foi se formando para que este se concretizasse, sendo que para minha surpresa, essa concretização foi para além do que eu havia sonhado (Vetinho, entrevista, 17/09/2013).

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Ao invés de ser criado um bloco carnavalesco, como era a ideia inicial, foi

criada a Escola de Samba Arco Íris. Antes mesmo de ser fundada já contava com

várias doações arrecadadas e trazidas pelo empresário e diretor do Departamento

Nacional de Estradas e Rodagens (DNER) Mário Couto Filho, o qual se elegeu

como deputado estadual e mais tarde como Senador da República. Aliás, todas as

providências que dependiam de recursos financeiros para estruturar a referida

escola ficaram por conta de Mário Couto (Vetinho, entrevista, 17/09/2013; Charles

Brown, entrevista, 23/08/2014).

A facilidade que o Arco Íris tinha em conseguir recursos financeiros confirma

o que Neder Charone14 destaca em entrevista concedida a Rodrigues e Palheta

(2013, p. 27), “o Arco-íris veio na dimensão da riqueza [...]”. Oliveira (2006, p. 149),

relata que o Arco Íris “nascera com estrutura de potência, disposta a acabar com a

supremacia do Rancho [...]. Surgira, portanto, um adversário temível para o

Rancho”. Na realidade, o Guamá não ganhou apenas uma escola de samba com

ares cariocas e de uma potência nunca vista em Belém, com capacidade de disputar

com a escola de samba do Jurunas, ganhou principalmente, visibilidade, embora

momentânea, mas durante dez anos tornou-se um bairro muito visitado por artistas

regionais e nacionais, bem como pela elite social, política e empresarial de Belém.

Assim,

[...] a escola Arco Íris foi muito bem aceita pelo populoso bairro do Guamá. Em 1983 com o enredo Um grande coração chamado Brasil, que contou com a magia criativa de Joãosinho Trinta e Laíla e com o samba de Vetinho, duas das maiores escolas de samba da época não desfilarem: o Rancho do Jurunas e o Quem São Eles do Umarizal. Como essas duas escolas não desfilaram, tudo de bom que elas tinham, como alguns quesitos, cantores, artesãos, músicos etc. migraram para a escola de samba do Guamá. A escola Arco Íris desfilando na Doca de Souza Franco, reproduzindo o carnaval do Rio de Janeiro, foi um espetáculo, essa escola nos fez sentir grandiosos e orgulhosos de nosso bairro (Eunice Ramos, entrevista, 27/09/2013).

Não tinha como ser diferente, segundo Charles Brown (Entrevista,

23/08/2014), foi algo inimaginável para o guamaense. Até o carnaval de 1982, o

14 Neder Charone é arquiteto, carnavalesco e professor do Instituto de Ciências da Arte (ICA) da Universidade Federal do Pará (UFPA).

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Guamá carnavalesco e festeiro, contentava-se em desfilar e torcer para o Rancho,

do Jurunas; Embaixada, da Pedreira; Quem São Eles, do Umarizal e para o bloco

A Grande Família, do Telégrafo. Sendo que de repente no carnaval de 1983, já

tinham uma escola para desfilar e para chamar de sua.

Vetinho (Entrevista, 17/09/2013) relatou que quase não acreditava no que

estava vivendo. A dimensão que o Arco Íris tomou, não caberia nem em seus

melhores sonhos. Sendo que de repente passou a se relacionar com Joãosinho

Trinta e Laíla – duas sumidades da grande Beija Flor de Nilópolis do Rio de Janeiro,

que vieram comandar a parte artística do Arco Íris – a vinda de muitos artistas de

renome nacional, a presença da mídia, da classe política e empresarial, um grande

movimento de pessoas, inclusive quesitos e cantores migrando de outras escolas

para o Arco Íris, o movimento de chefes de ala, enfim, mas segundo ele o que mais

lhe trouxe emoção foi a entrada e o desfile da escola na Avenida Doca de Souza

Franco, grande palco do carnaval de Belém. Pois assim se refere a esse momento,

[...] era fevereiro de 1983, perto da hora marcada para a entrada da escola, subimos para o carro-som: eu com meus dois cavaquinhos (um de reserva para o caso de uma corda se quebrar), Antônio Carlos – o Xaxá, que era o segundo cantor e logo depois o Fernando Gogó de Ouro, cantor principal. Do alto, a visão era privilegiada. Um diretor de harmonia pelo microfone começou a chamar ala por ala de acordo com a planta baixa definida por Joãosinho Trinta. Quando a primeira ala entrou na arrumação com seus componentes todos de mãos dadas, fila por fila, par com par, todos em suas devidas posições... parecia um grito de gol em estádio de futebol... foi uma gritaria, uma comoção geral porque nunca havia acontecido tal organização em Belém. A cada ala chamada, a emoção era muito grande e dava vontade de chorar porque o povo começou a cantar o samba antes da gente, antes da bateria, antes do cavaquinho, antes dos cantores. O conjunto da escola ficou com um visual como nunca se tinha visto em Belém. Não eram somente guamaenses que estavam ali. Tinha gente de todo lugar que queria ver de perto aquele fenômeno. Todos queriam ver, mas ao mesmo tempo colaboravam abrindo caminhos como que se quisessem fazer parte, queriam se sentir do lado de dentro daquela história. Certamente só mesmo alguns jurunenses mais fanáticos poderiam desejar que tudo aquilo não desse certo. Eu nunca tinha sentido um prazer tão grande em tocar uma música como senti naquela noite, os meus dedos deslizavam nas cordas sem eu sentir, parecia que eu flutuava, olhava para arquibancadas e camarotes e via todos cantando. A bateria posicionada atrás do carro-som marcava o ritmo dos corações de todos nós que estávamos ali. Foi inesquecível. Na apuração, com a nota dez de todos os jurados em todos os quesitos, o bairro do Guamá fez sua primeira grande festa de comemoração de título de carnaval. Foi lindo demais, um momento que ficará guardado para sempre em minha memória e no cantinho das coisas especiais (Vetinho, entrevista, 17/09/2013).

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Nesse ano, nem Rancho e nem Quem São Eles desfilaram. O samba

composto por Vetinho, intitulado Um grande coração chamado Brasil, que ficou

conhecido como Pinta Sete foi muito tocado em Belém, em vários Estados

brasileiros, chegou a ser vendido em alguns países da Europa como França e

Espanha. Era um samba pequeno, simples, mas com um refrão muito forte.

Segundo Oliveira (2006), esse samba representa para o carnaval brasileiro uma

mudança de cadência, passando de uma mais lenta para uma mais acelerada.

Charles Brown (Entrevista, 23/08/2014) corrobora com Oliveira (2006) sobre

o samba Pinta Sete, ressaltando sua influência na mudança de ritmo e de cadência

no samba enredo no Brasil, por ser um samba mais acelerado e com uma cadência

bem harmoniosa. Acrescenta que antes desse samba, lançado em 1983, os sambas

enredos tinham uma cadência muito lenta, tinham outro andamento. Revela ainda

que “Vetinho conseguiu fazer isso e Joãosinho Trinta levou para o Rio de Janeiro,

partindo de lá a novidade na mudança de cadência do samba e não daqui de Belém,

onde realmente aconteceu” (Charles Brown, entrevista em 23/08/2014). Na figura

9, capa e contracapa do primeiro disco do Arco Íris.

Figura 9: Capa e contracapa do disco do Arco Íris, 1983. As marcas do tempo rememoram o próprio tempo. Quantas lembranças e recordações não estão impressas nessas marcas? Por quantas mãos passou esse disco? Quantos corpos não deliraram ao ouvi-lo? Afinal ele é a marca do início da década em que o carnaval de Belém foi considerado o 3º melhor do país.

Fonte: arquivos pessoais.

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Eis o samba:

Pinta sete, sete cores, no teu coração. Vem comigo meu bem, no Arco-Íris, colorir a multidão. Eu sou o mito dos índios da selva, do branco a nobreza, do negro a raiz. Oh gigante coração! É o meu Brasil, é o meu país. De carnaval, ôôô, de samba, maravilhas que ninguém tem. E ele bate, bate, bate de alegria, e é nessa folia que eu vou também. Eu vou, eu vou, eu não posso ficar, nessa onda colorida eu quero me acabar. Vem comigo meu amor [...] (OLIVEIRA, 2006, p. 150).

A partir do Arco Íris, o carnaval de Belém tomou outra dimensão. Segundo

Oliveira (2006), Rodrigues e Palheta (2010; 2013) e Palheta (2012a), o carnaval de

Belém, no que concerne ao desfile de escolas de samba, teve seu apogeu na

década de 1980, sendo considerado o terceiro melhor carnaval do Brasil. Eunice

Ramos (Entrevista em 27/09/2013), relata que o carnaval de Belém “tomou outro

rumo com a escola Arco Íris, inclusive organizacional. Mídia, empresários, poder

público e a elite de Belém foram atraídos pela magia do carnaval”.

Nos anos seguintes o Arco Íris continuou investindo em luxo e grandiosidade.

No carnaval de 1984, por exemplo, segundo Oliveira (2006, p. 156), as alas da

escola passaram “entre monumentais alegorias montadas sobre dezenas de carros

e tripés. O panorama da Doca virou um cenário mágico. [...] O Arco-Íris parecia uma

visão das mil e uma noites em plena Cidade das Mangueiras”. Recorda-se ainda

Oliveira (2006, p. 156), da surpresa quando “Piná, a estrela negra da Beija-Flor,

surgiu, em pessoa, na frente do abre-alas”, como ilustra a figura 10.

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Figura 10 – Piná desfilando no Arco Íris em 1984.

Fonte: Bichara Gaby.

No carnaval de 1984 e no de 1985, o Arco Íris perdeu para o Rancho, apesar

de sua suntuosidade. Segundo Oliveira (2006), o guamaense atribuiu a vitória da

escola do Jurunas às costuras políticas, principalmente devido ao governador do

Pará na época, o senhor Jáder Barbalho e sua esposa Elcione, não esconderem

sua preferência por essa escola. Segue uma série de imagens da escola Arco Íris,

ilustradas nas figuras 11, 12 e 13.

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Figura 11 – Desfile da Escola de Samba Arco Íris em 1984.

Fonte: Bichara Gaby Figura 12 – Desfile da Escola de Samba Arco Íris em 1985.

Fonte: Bichara Gaby.

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Figura 13: Desfile da Escola de Samba Arco Íris em 1986.

Fonte: Bichara Gaby.

No meu entendimento, esse auge vivido pelo carnaval paraense se deu por

conta, principalmente, do surgimento da escola de samba Arco Íris do bairro do

Guamá, que apoiada pela mídia e por empresários locais, reproduziu o Carnaval do

Rio de Janeiro na Doca de Souza Franco, antiga passarela do samba de Belém.

Evidente que não posso me refutar a apontar também como importantes para esse

auge, a entrada do jogo do bicho no carnaval de Belém; os sambas memoráveis de

escolas e blocos que foram compostos desde meados da década de 1970, tão

marcantes, que até hoje são relembrados com saudade, assim como ao surgimento

de grandes sambistas na cidade de Belém.

De acordo com o que pesquisei nos jornais da época e, em Oliveira (2006),

em relação à escola de samba, esse apogeu do carnaval foi muito pontual, pois a

maioria das escolas, como o Império de Samba Quem São Eles vivia uma grande

crise financeira, haja vista que seu presidente no ano de 1982, teve que vender

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alguns bens pessoais para pagamento de dívidas da escola e, encontrou como

saída o arrendamento da sede para um empresário numa tentativa de que sua

escola desfilasse no carnaval de 1983, porém isso não aconteceu, sua escola não

foi para a avenida.

Fato este que se repetiu no Rancho, que sob a administração do empresário

e banqueiro do jogo do bicho15 João Bosco Moisés16, para quem a referida escola

estava arrendada, preferiu investir na construção de sua sede ao invés de investir

no desfile do ano de 1983, resguardando-se para a comemoração de seu Jubileu

de Ouro em 1984, haja vista também a grande expectativa que foi gerada em torno

do Arco Íris.

A Embaixada do Império Pedreirense, também vivia uma série de

dificuldades financeiras e estruturais, mesmo assim desfilou no carnaval de 1983 e

acabou conquistando o terceiro lugar (OLIVEIRA, 2006). Outra escola apoiada por

um empresário o Sr. Waldir Fiock – cujos negócios se estendiam para o jogo do

bicho – entrou nesse cenário no início da década de 1980, a Acadêmicos da

Pedreira, pertencente ao bairro da Pedreira, fundada em março de 1981. Teve

alguns momentos de glória até a saída do principal apoiador da escola no ano de

15 O jogo do bicho é uma prática não legalizada no Brasil, considerada crime. “O jogo do bicho foi o mercado ilícito mais importante, tradicional e poderoso. Sua capacidade de atração de força de trabalho proveniente do “submundo” criminal sempre foi grande, principalmente oferecendo emprego e proteção a ex-presidiários. Foi também durante muito tempo uma alternativa de ganho para crianças e adolescentes pobres, que eram recrutados como “olheiros” dos pontos e “garotos de recado” entre gerentes e apontadores. A estrutura desse mercado permaneceu segmentada em territórios rivais até o final dos anos 1970, quando os principais banqueiros do jogo do bicho no Rio de Janeiro (e em outros Estados) fecharam um acordo que deu origem à atual “cúpula” do jogo do bicho, cujo poder parece estar agora entrando em declínio, com a proliferação de alternativas legais de jogo. Herdeiros atuais de alguns dos banqueiros praticamente substituíram o “bicho” pela disputa e pelo controle da distribuição de caça-níqueis em bares e bingos das cidades, com o tradicional apoio de grupos de autoridades policiais, civis e militares” (MISSE, 2007, p. 142). Ainda sobre o jogo do bicho, este encontrou nas escolas de samba, principalmente as do Rio de Janeiro, mas também em outras localidades como em Belém do Pará, com o Rancho, o Arco Íris e o Acadêmicos da Pedreira, uma grande mediadora para sua criminalização. Segundo Cavalcanti (2003, p. 129), “como se, com o Carnaval, também os bicheiros se fantasiassem (no sentido mais profundo da ideia de fantasia), ostentando então diante da cidade a condição de homens de bem. Era com imenso prazer e orgulho de si que o faziam. Isso, entretanto só fazia aumentar o desconforto e a latência de muitas ambivalências reunidas: a deles mesmos; a da polícia e das autoridades públicas com relação a eles [...]”. 16 João Bosco Moisés foi um dos criadores das bancas de jogo do bicho JB e Parazão. O dinheiro ajudou a construir a riqueza de Bosco, mas também impulsionou a escola de samba Rancho Não Posso me Amofiná (JORNAL DIÁRIO DO PARÁ, 23/07/2013).

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2005, ocasião em que foi enfraquecendo e atualmente não mais desfila. No carnaval

de 1983 foi a vice-campeã (OLIVEIRA, 2006).

Segundo Oliveira (2006), Mário Couto, o grande apoiador financeiro da

escola Arco Íris também era banqueiro do jogo do bicho17. Tinha a imprensa, os

empresários e a classe política ao seu lado, isso tudo aliado com a força do bairro

do Guamá. Com todo seu poderio econômico contratou os melhores artistas do

carnaval de Belém (desfalcando as demais escolas) e do Rio de Janeiro. Trouxe

artistas de renome nacional, tanto para o carnaval quanto para shows em sua sede.

Dentre as tantas atividades que aconteciam na sede durante a semana,

segundo Eunice Ramos (Entrevista, 27/09/2013), lá funcionava uma creche em

convênio com a Secretaria Municipal de Educação e a Legião Brasileira de

Assistência (LBA), para atender aos filhos de feirantes e de trabalhadoras das

fábricas de castanha da comunidade, dando prioridade para os filhos de pais que

participavam do Arco-Íris. Como a maioria desses projetos têm um viés político

partidário, com a troca de prefeito, a creche que funcionava dentro da escola de

samba acabou. Atualmente esse imenso e populoso bairro do Guamá conta com

apenas uma creche municipal.

Essa demonstração de poder aliada a uma prestação de serviços à

comunidade é uma forte característica da relação jogo do bicho/escola de samba,

pois

O suporte financeiro concedido pelos contraventores para a produção do carnaval, assim como obras de assistência social, constituiria uma troca mecânica, nos termos do mais puro interesse material, focada na legitimidade necessária ao bom funcionamento das atividades ilícitas ligadas ao jogo do bicho (BEZERRA, 2009, p. 141).

E assim aconteceu com o Arco Íris, com o Acadêmicos e ainda acontece com

o Rancho, que teve no ano de 2013, seu presidente, também ligado ao jogo do

17 Mário Couto foi proprietário na década de 1980 da banca de jogo do bicho “A Favorita”, chegando a ser um dos diretores da Associação dos Banqueiros e Bicheiros do Estado do Pará. Segundo entrevista ao jornal “Folha de São Paulo”, Mário Couto admitiu que atuou na contravenção e, que seu envolvimento com o jogo foi em função de uma escola de samba chamada Arco-Íris, tendo sido chamado para organizar uma banca em troca de ajuda para a escola” (JORNAL DIÁRIO DO PARÁ, 03/03/2013).

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bicho, preso em uma operação da polícia federal (JORNAL DIÁRIO DO PARÁ,

16/03/2014).

É interessante observar que em 1983, já se sagrando campeã em seu

primeiro ano de desfile, a escola Arco Íris, considerada por muitos como a “Beija-

Flor do Guamá” (OLIVEIRA, 2006, p. 156), esbanjando luxo devido a facilidade em

conseguir recursos financeiros, assistia as dificuldades financeiras que as escolas

do Rio de Janeiro enfrentavam. Os sambistas cariocas pediam ajuda aos governos

municipal e estadual para que pudessem colocar suas escolas na rua para desfilar.

Mas já em 1984, foi inaugurado o sambódromo do Rio de Janeiro na Marquês de

Sapucaí e criada a Liga Independente das Escolas de Samba (LIESA)18, substituta

da União Geral das Escolas de Samba, que passou a administrar o espetáculo como

um negócio (MARQUEIRO, 2011), aprimorando-o a cada ano, e alimentando a

indústria cultural.

Assim, com a venda de ingressos, de CDs com os sambas-enredos das

escolas, a negociação dos direitos de transmissão do desfile, foi-se formatando,

com o passar dos anos, um modelo de carnaval autossustentável tendo como

resultado um crescimento indescritível (MARQUEIRO, 2011). No ano de 2013 por

conta de todo esse crescimento, inclusive como atração turística e cobertura

midiática, a força do carnaval carioca aliada à arrecadação milionária do carnaval

em todo Brasil, acabou provocando a inclusão de uma emenda no orçamento que

faz referências expressas ao carnaval, apresentada pela Comissão de Cultura da

Câmara dos Deputados do Congresso Federal – CCult – para compor o Projeto de

Lei das Diretrizes Orçamentárias (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2013).

Desta forma, abriu-se pela primeira vez no orçamento geral da União a

possibilidade concreta de definição de uma ação que contemple orçamentariamente

a “Cadeia Produtiva da Economia do Carnaval”. Segundo levantamento do

Ministério do Turismo, somente o carnaval de 2013 foi responsável pela

movimentação de 6,2 milhões de turistas, proporcionando a geração de receita de

R$ 5,7 bilhões. Uma cadeia econômica prodigiosa que responde por 3,7% do

18 A criação da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro – LIESA, contou com apoio e empenho do poderoso bicheiro Castor de Andrade, presidente da escola Mocidade Independente de Padre Miguel (CAVALCANTI, 2003).

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Produto Interno Bruto (PIB) e 2,9 milhões de empregos diretos em todo o país no

período carnavalesco (FERREIRA, P., 2013).

Apesar de ter o carnaval carioca como modelo, Belém não acompanhou o

crescimento estrutural deste. De acordo com Oliveira (2006), em Belém criou-se um

campo de disputa entre os dois dirigentes, Mário Couto e Bosco Moisés, inclusive

no campo político e empresarial, que faziam das escolas suas cortinas, havendo

uma rivalidade muito grande entre os moradores dos bairros que representavam,

Guamá (Arco Íris) e Jurunas (Rancho), respectivamente. No caso desta última, pelo

menos ficou uma sede construída como legado. Enquanto que do Arco Íris restaram

memórias e recordações.

De uma forma geral, os dirigentes das escolas de samba de Belém limitaram-

se em viver as acirradas disputas carnavalescas e empresarias, sem preocuparem-

se em deixar uma estrutura que comportasse um sambódromo digno para o terceiro

melhor carnaval do Brasil, barracões para as escolas, uma costura política com

governos municipal e estadual, a classe empresarial etc. Enfim, perdeu-se a

oportunidade de ter, pelo menos iniciada uma política para um carnaval

autossustentável.

No sentido de melhorar esse entendimento, levanto alguns questionamentos:

o que dirigentes e governos fizeram pela estrutura do carnaval de Belém? O que

temos hoje desse período de ouro do carnaval paraense? Apenas a ilusão de se

equiparar ao do Rio de Janeiro na década de 1980? Acredito que quem se

equiparava ao carnaval carioca era o Arco Íris. Afinal, a saída dessa escola do

cenário carnavalesco em 1989, coincide com a escassez de recursos provenientes

dos poderes públicos e privados e o desinteresse da mídia por esse carnaval.

Curiosamente a passagem de terceiro carnaval do país, na década de 1980, para nenhuma classificação ou sequer visibilidade regional, quiçá nacional, não está atrelada a um grande fenômeno ou catástrofe. Os motivos que encontramos para que o carnaval de hoje seja tão diferente do dos “anos oitenta”, vão do desinteresse atual dos poderes públicos, antes demonstrado em visitas de prefeitos e governadores aos barracões das escolas e assistência entusiasmada ao desfile; passam pela falta de interesse dos próprios moradores da cidade, que preferem os carnavais do interior do Estado; e chegam à falta de condições mínimas das escolas em manter atividades em prol do carnaval (RODRIGUES; PALHETA, 2013, p. 31).

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Essa análise de Rodrigues e Palheta (2013) reforça meu entendimento de

que esse apogeu da década de 1980 se deu de forma isolada, pelo luxo e

grandiosidade do Arco Íris, aliada à disputa pessoal de Mário Couto e João Bosco

Moisés, do que propriamente ao carnaval como um todo. Essa disputa e essa

impressão dos belenenses de estarem vivendo o carnaval carioca em pleno

território amazônico, contando com total apoio da mídia, poder público e privado e,

sociedade em geral no carnaval paraense, foi o que deu sustentação para que o

carnaval de Belém galgasse esse título, há anos perdidos e sem perspectiva de

recuperação.

No final do ano de 2013 para o carnaval de 2014, a Liga Independente das

Escolas de Samba – LIESA – de Belém, voltou a se reestruturar. Conseguiu

aumentar o número de camarotes e arquibancadas montadas, atraiu a mídia e a

principal rede de rádio e televisão de Belém, afiliada da rede globo, o Liberal, mesmo

que de forma muito incipiente e sem nenhum retorno financeiro para as escolas, o

desfile não foi transmitido ao vivo, e sim um tape no dia seguinte. Outra medida

tomada em acordo com a Prefeitura de Belém foi a mudança do dia do desfile das

escolas do grupo especial, saindo do sábado gordo para o sábado magro (uma

semana antes), com o objetivo de atrair a mídia e o público.

Chegamos há uma semana do desfile de 2015, a Liga não conseguiu se

estabelecer e até o presente momento nenhum repasse financeiro foi feito às

escolas de samba. O Bole-Bole está construindo seu carnaval com muitas

dificuldades, seus dirigentes fazendo empréstimos pessoais e abrindo crédito no

comércio para pagar no momento do repasse pela prefeitura e pelo governo do

estado.

Chegou o dia do desfile, e o repasse da Prefeitura de setenta e cinco mil

reais, saiu na véspera do desfile, uma sexta-feira às 15 horas no horário local. Os

dirigentes das escolas só conseguiram sacar uma parte do dinheiro, porque

estavam de plantão dentro do banco desde a manhã desse dia. O recurso

repassado pelo governo do Estado, que seria de quarenta mil reais, foi de apenas

vinte e quatro mil e seiscentos reais e saiu depois do desfile oficial das escolas.

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Assim, demandas como a construção da cidade do samba com toda estrutura

de barracões, a captação de mais recursos financeiros via poder público e privado,

o planejamento para um sambódromo mais amplo e adequado para quem vai

desfilar e assistir ao desfile, gravação e venda de CDs, uma composição mais

ajuizada e responsável do corpo de jurados etc., estão longe de se concretizarem.

Há ainda uma esperança dos dirigentes das escolas em relação às melhorias

profundas e concretas para o carnaval de avenida para 2016, pois costura-se com

a Prefeitura a inclusão das escolas de samba nas comemorações dos quatrocentos

anos de Belém.

Chego ao fim da primeira estrofe desse meu samba enredo, intitulada de

Carnaval e escola de samba, a qual subdividi em três partes. Na primeira, Carnaval

e corpo, dialoguei com alguns apoios de destaque como Bakhtin, Da Matta, Turner,

entre outros sobre o carnaval como um rompimento do cotidiano, mesmo que

momentâneo, em busca de liberdade do próprio corpo, que por muitas vezes é um

corpo preso a convenções e às regras impostas pela sociedade, tendo a escola

formal como uma das principais reprodutoras.

Na segunda parte, Os carnavais do Pará, fiz uma visitação historiográfica do

carnaval no Brasil, tendo como ponto de partida o Entrudo – primeira manifestação

carnavalesca a que se tem registro no Brasil, principalmente por influência da

colonização portuguesa. Depois adentrei no universo das escolas de samba de

Belém, estabelecendo um diálogo destas com as escolas de samba do Rio de

Janeiro, pois no que diz respeito à escola de samba, o Rio de Janeiro serve como

inspiração e modelo para o país inteiro. A importância do Rancho Não Posso Me

Amofiná para o desenvolvimento do carnaval de escola de samba em Belém do

Pará, também foi contextualizada.

Na terceira parte, O carnaval que vem do Guamá, a ênfase foi dada à escola

de samba Arco Íris, que apesar do pouco tempo de existência, foram apenas sete

anos de atividade, veio para revolucionar o carnaval do Pará, ascendendo-o a

posição de terceiro melhor carnaval do país. O diálogo com o Rio de Janeiro

também foi priorizado nessa parte. Foi também estabelecida uma discussão entre

carnaval e jogo do bicho.

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O Arco Íris é apenas um dos carnavais que vem do Guamá. Outra escola, o

Bole-Bole, que é objeto deste estudo, também vem do Guamá e, dada sua

importância para o carnaval no Pará e em seu próprio bairro – atualmente é sua

única representante como escola do grupo de elite do carnaval paraense – e o fato

de ter suas raízes imbricadas com a educação, será a próxima estrofe desse samba

enredo. Vamos lá: Abram-se as cortinas!

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Figura 14:

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Figura 15:

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O objetivo desta estrofe é desvelar a relação de pertencimento do Bole-Bole

com o bairro do Guamá e o viés educativo estabelecido por meio de seus sambas

e enredos, bem como localizar esta escola de samba no tempo e no espaço, por

meio de documentos oficiais – ata de fundação etc. – documentos diversos, notícias

de jornais, dissertações, livros, periódicos e depoimentos de alguns destaques que

fizeram e continuam fazendo parte da história dessa agremiação carnavalesca,

como Vetinho, Eunice Ramos, Charles Brown, entre outros. O samba de exaltação

(Figura 14) fala dessa relação com o bairro e conta sucintamente o início da

trajetória da Associação Carnavalesca Bole-Bole.

Para Vetinho (Entrevista, 17/09/2013), a grandiosidade e a exuberância da

escola Arco Íris criou um grande distanciamento com os guamaenses – tornando-

se inacessível financeiramente já em seu segundo ano. As fantasias eram caras

demais, só conseguindo uma sem pagar com dinheiro quem a trocasse por serviço,

mas mesmo assim era muito difícil, haja vista serem vendidas com certa

antecedência sobrando poucas para esse tipo de negociação. Ressalta ainda, que

mesmo deslumbrado com a dimensão tomada por seu sonho, era sabedor de que

este não estava sendo concretizado, pois para além desse deslumbre, sonhava em

ver os guamaenses tendo acesso às alegrias de um desfile de carnaval, não

somente como espectadores.

Eunice Ramos (Entrevista, 27/09/2013) confirma o depoimento de Vetinho,

dizendo que a tentativa de se igualar ao carnaval carioca onerou muito o valor final

das fantasias, que eram comercializadas com muita antecedência para a classe

média alta de Belém, deixando grande parte dos guamaenses de fora do desfile,

tendo estes que se contentarem apenas em serem torcedores.

Por conta disso, Vetinho (Entrevista, 17/09/2013) revela ter revivido em suas

memórias a ideia de criar um bloco carnavalesco com o intuito de aproximar-se das

características desse bairro pobre, criativo e divertido, compartilhando-a mais uma

vez com seu grupo musical, familiar e de amigos. Foi então, que na madrugada do

dia 02 de fevereiro de 1984, ao saírem da quadra do Arco Íris, ele com seu

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cavaquinho, reuniram a turma e saíram cantando pela rua, um samba já esquecido

em sua memória, até amanhecer num bar qualquer, para programarem a fundação

desse bloco carnavalesco.

A fundação oficial aconteceu na noite desse mesmo dia em uma escola

formal de propriedade de Eunice Ramos, contando com a presença de Vetinho,

Joelho de Grilo (Macaréu, Ronaldo Cabeça de Ladrão, Charles Brown, Meninéa e

Hélio), Heloísa e Paulo Alcântara, João e Graça Cunha, Sebastião Meireles (Sabá),

José Freitas (Japão), Wilson Mateus, Nonato Ataíde, José Augusto (Zé do Bar),

Jorge Guilherme (Jabá) e da própria Eunice Ramos (Vetinho, entrevista,

17/09/2013; Eunice Ramos, entrevista, 27/09/2013; OLIVEIRA, 2006). Assim, a

Associação Carnavalesca Bole-Bole, teve sua primeira diretoria formada por

Herivelto Silva como presidente, Carlos Benedito vice-presidente e Hélio João

secretário (OLIVEIRA, 2006).

Quando de sua fundação, o Bole-Bole tinha como símbolo dois balõezinhos

(Figura 16), um fazia referência ao gênero masculino e o outro ao feminino,

adotando o azul, o laranja e o branco como cores padrão (OLIVEIRA, 2006), há

alguns anos o azul foi substituído pelo verde e os dois balõezinhos pelo sol (Figura

17). A origem do nome Bole-Bole, segundo Vetinho (Entrevista, 17/09/2013), teve

como inspiração a música Dança do Bole-Bole (gatinha que dança é essa que o

corpo fica todo mole, é uma dança nova que bole-bole, que bole-bole...) que fazia

parte da apresentação das mulatas de Osvaldo Sargentelli, em shows realizados

pelo Brasil e no exterior.

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Figura 16: Símbolo do Bole-Bole no Figura 17: Símbolo atual do Bole-Bole período de bloco.

Fonte: Arquivos da Escola. Fonte: Arquivos da Escola.

De acordo com Vetinho (Entrevista, 17/09/2013) o bloco Bole-Bole tinha

como base a casa de Mestre Reis – seu pai e de Hélio – na Avenida José Bonifácio,

onde concentravam a confecção das fantasias, envolvendo todos os seus irmãos,

vizinhos e amigos nessa onda carnavalesca. Porém, esse não era o único lugar de

criação do bloco, ele acontecia também, na casa dos pais de Charles Brown, o Sr.

Raimundo Soares (Seu Dico) e da Srª. Luci (Dona Luca), na Passagem Pedreirinha,

onde acontecia a construção dos adereços e das alegorias, regado com as

deliciosas iguarias feitas por D. Luca. Essa relação familiar e de vizinhança na

origem das escolas de samba é muito comum, pois

A história dessas associações tem mostrado que todas elas têm origem na esfera doméstica. São vizinhos, amigos e/ou parentes que se reuniram para o entretenimento. Essas reuniões estreitavam relações e mobilizavam seus integrantes a realizar outras atividades sem nenhuma sistematização ou apoio externo. O cerne do trabalho nelas desenvolvido é voluntário, ação espontânea de seus integrantes (REZENDE, 2002, p. 12).

A origem tanto do Arco Íris quanto do Bole-Bole não fugiu a essa constatação,

foram pensadas por Vetinho tendo sua ideia compartilhada por familiares e amigos,

indo aos poucos conquistando os guamaenses até alcançar a cidade. No alto de

seus trinta anos, o Bole-Bole mantém laços familiares consanguíneos (parte da

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família de Vetinho participa ativamente da escola e da diretoria) e com sua

comunidade, onde não são raros momentos de tensão e conflitos.

Este código de honra e moralidade tem nos seus primórdios a origem familiar das escolas de samba, característica que se preserva até os dias atuais, com gerações sucedendo-se na organização da escola ano após ano e na familiaridade com que se tratam os integrantes do “Mundo do Samba”. Entretanto este caráter “familiar” é considerado como dado positivo apenas no aspecto moral e ético. Socialmente, é duramente criticada a escola que “fica em família”. Ficar em família significa perpetuação no poder, isolamento social com a consequente falta de democracia e de instâncias deliberativas e organizativas mais amplas e a falta de relação mais profunda com a comunidade (TRAMONTE, 2007, s.p.).

O Bole-Bole é uma das poucas escolas de samba de Belém que mantem

membros da família do fundador em sua diretoria. De acordo com Vetinho

(Entrevista, 17/09/2013), a manutenção de um membro de sua família na

presidência do Bole-Bole não está ligada a perpetuação de poder, é uma forma de

garantir sua existência, pois teme que alguém de fora, ou seja, alguém externo à

sua origem, desvirtue e acabe com mais uma agremiação carnavalesca no Guamá

como aconteceu com o Arco Íris.

Faz-se necessário ressaltar que os laços formados em prol do Arco Íris não

se consolidaram no Guamá. Segundo Charles Brown (Entrevista, 23/08/2014) no

segundo ano dessa escola, toda a diretoria já era formada por pessoas de fora da

comunidade guamaense, assim como grande parte dos foliões também vinham de

fora. Laços familiares e de amizade foram deixados de lado. Passou a prevalecer

no Arco Íris a relação empresarial e política eleitoreira, que resultou na carreira

política de seu presidente, iniciando como deputado estadual chegando a senador

da república. Mesmo sem a esfera familiar, era nítida a tentativa de perpetuação no

poder.

Todos esses fatores que envolveram o Arco Íris, aliado à falta de identidade

com o bairro, pode ter sido a causa do pouco tempo de existência dessa escola de

samba, pois a mesma fora fundada em 1982, desfilando pela última vez em 1989,

levando com ela todo luxo e grandiosidade dos desfiles de carnaval de Belém do

Pará da década de 1980.

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Porém, não há dúvidas de que a relação entre a comunidade e a manutenção

dos laços consanguíneos na escola de samba, gera conflitos de pequenas, médias

e grandes proporções. No caso do Bole-Bole sua submissão a esse conflito, deve-

se a uma tentativa de sobrevivência dessa agremiação, pois a escola não é

autossustentável e parte dos recursos financeiros são conseguidos pela família de

Vetinho. Faz-se necessário ressaltar que não há nenhum empresário ou

contraventor em seu seio, são todos assalariados pertencentes à classe média, em

que alguns se unem em prol dessa causa, porém os recursos que conseguem juntar

são insuficientes para cobrir o orçamento dessa escola de samba.

A insuficiência de recursos financeiros é a principal causa de crises e conflitos

no Bole-Bole. Alguns entendem a situação e são solidários à causa, outros preferem

esquecer qualquer tipo de ligação, gratidão ou amor pela escola. Mais uma vez o

Bole-Bole passou por perdas importantes de seu elenco, por conta de falta de

recursos financeiros, seu principal chefe de bateria, o Mestre Feijão, resolveu deixar

a batuta da bateria audaciosa logo após o carnaval de 2015.

Vivenciei ao longo de mais de vinte anos nessa agremiação carnavalesca

muitas situações desagradáveis e outras bem positivas. Muita gente foi embora,

mas também muita gente chegou. Na realidade, como assinala Tramonte (2007),

há um aspecto pedagógico bem delineado que busca estabelecer essa convivência

e consolidar a base comunitária como garantia da manutenção das raízes e

perpetuação da agremiação.

É importante destacar que o elo familiar no Bole-Bole funciona como um

atrativo, pois moradores do bairro do Guamá e de outros bairros, não acostumadas

a participarem do movimento de carnaval, principalmente por medo – o Guamá

registra altos índices de violência segundo noticiam os jornais de maior circulação

em Belém – quando veem o clima familiar que se estabelece em sua sede e nos

ensaios de rua, acabam participando. Segundo Tramonte (2007) o invólucro familiar

que se forma em uma escola de samba, consegue inclusive, inibir a ação de

bandidos.

De acordo com Tramonte (2007, s.p.), “o sentido comunitário frequentemente

se imbricará com o familiar, às vezes o termo “família” é utilizado para se referir à

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comunidade organizada em torno da escola de samba”. Assim, “viver em

comunidade é o elemento-chave do universo simbólico dos componentes das

escolas de samba” (TRAMONTE, 2007, s.p.).

Carneiro (2011) em pesquisa realizada na escola de Samba da Mangueira

destaca a delimitada fronteira entre a comunidade e a sociedade, entre o nós e o

eles, ou seja, entre as pessoas da comunidade com as de fora, denominadas de

sociedade. No caso das escolas do Rio de Janeiro, os dirigentes – responsáveis

pela administração e condução da escola – em geral se estabelecem fora da

comunidade, são “pessoas da Zona Sul, lugar dos ricos, acusa-se, lugar da

sociedade” (CARNEIRO, 2011, p. 19). Ressalta ainda a autora que para não perder

força, a comunidade não se isenta em se auto afirmar como patrimônio cultural,

demarcando seu lugar e sua importância para a perpetuação de sua escola de

samba.

Desta forma, a relação entre comunidade e sociedade, mediada pela escola

de samba, mais especificamente pelo mundo do samba como assinala Tramonte

(2007), se estabelece por meio de alguns fenômenos, os quais só poderão ser

compreendidos se houver o entendimento de que sua ocorrência não se dá

isoladamente ou desconectada, há uma inter-relação formando uma rede

contraditória, a qual imbrica-se mutuamente. Tramonte (2007, s.p), ressalta ainda

que a “configuração do Mundo do Samba, bem como o papel mediador nos

processos pedagógicos cumpridos pela escola de samba, delineará suas

características conforme o momento histórico e o contexto social em que se

inserem”.

Ao ler e analisar com mais cuidado os enredos e sambas enredos do Bole-

Bole, observei uma preocupação desta escola em construir uma identidade com o

bairro. O Guamá com sua diversidade, suas peculiaridades, seus problemas, suas

inúmeras possibilidades e movimentos de cultura popular etc., é cantado no

carnaval. É também recorrente o apelo para que a Universidade Federal do Pará

(UFPA), localizada nesse bairro (Mapa 1), às margens do rio Guamá, volte sua

atenção por meio de ações, nas mais diversificadas áreas, para minimizar

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problemas relacionados à educação, saúde, meio ambiente, urbanização entre

outros, por meio de suas tecnologias.

Outro tema importante nos sambas do Bole-Bole é expor os problemas e as

virtudes do bairro na tentativa de atrair a atenção da classe política e empresarial.

Os problemas, para tentarem ser resolvidos e as virtudes, para que consigam

incentivo, fomento e políticas públicas para se expandirem. Mas o principal desses

sambas é a construção de uma identidade com o bairro, levar informação e aguçar

a criticidade dos moradores do Guamá. Esse despertar proposto pelo Bole-Bole,

tanto da universidade quanto da classe política e da comunidade é mediado pelo

samba, acompanhado pela bateria e cantado com vigor por sua comunidade,

configurando-se uma prática educativa nesse processo.

Mapa 1: Demonstrativo da Passagem Pedreirinha (ponto superior esquerdo) até a UFPA (parte inferior direita).

Fonte: Google Maps, adaptado por Claudia Palheta.

Vetinho (Entrevista, 17/09/2013) e Oliveira (2006) revelam que o bloco Bole-

Bole iniciou sua trajetória no desfile oficial do carnaval de Belém, às cinco horas da

tarde de um sábado de carnaval no ano de sua fundação, em 1984, na Doca de

Souza Franco – palco dos maiores espetáculos de carnaval de Belém do Pará –

com o samba A Ilha da Fantasia, de autoria do próprio Vetinho e interpretado por

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Alberto Damous (Macaréu) e João Cunha, arrastando uma expressiva quantidade

de eufóricos brincantes do bairro do Guamá vestidos de havaianos, cantando assim:

Mascarado de ilusão, meu amor! Na ilha da fantasia; nosso tema é sedução, sedução; Bole-Bole é alegria. Hoje, laiá, laiá... é o nosso dia, é o dia do Guamá. Bole-Bole vai passar! Meu amor, era tudo o que eu queria. Sonhei, sonhei, cantei assim quero você perto de mim.

Em seu primeiro ano, o Bole-Bole ficou em sétimo lugar. Esse samba fazia

uma alusão ao seriado A Ilha da Fantasia que passava todo sábado à tarde na

programação da Rede Globo. Segundo Vetinho (Entrevista, 10/06/2014) sua

proposta era transportar o sofrido povo guamaense sem vez no Arco Íris, àquela

Ilha, no caso a Doca Visconde de Souza Franco, porque lá eles teriam felicidade, lá

eles poderiam cantar, dançar e sonhar.

Já no ano de 1985, arrastando cerca de mil brincantes, esse bloco levou para

a avenida o samba O Reino da Folia de autoria de Vetinho e interpretado por Tetê.

Os brincantes estavam fantasiados com uma espécie de roupa em que o tecido é

cortado quadrado, depois dobrado em forma de triângulo, fazendo-se um corte no

centro para passar a cabeça e uma pequena costura nas laterais para se firmar ao

corpo, chamada de morcegão19. Nesse ano o bloco carnavalesco do Guamá

conquistou o segundo lugar, cantando assim:

No reino da folia, o Rei Meleixo é a sensação. O deus da alegria sua festa é tradição. Hoje é um dia especial: é o nosso festival! Enfeita o arraial, alegria é geral! É o Bole-Bole no carnaval. No reboleboleado, oi! Venha dançar no meu reinado.

Segundo Vetinho (Entrevista, 10/06/2014), esse enredo foi inspirado em uma

história fictícia, passada em um pequeno reino da folia, onde habitava um

extrovertido rei, denominado de Rei Meleixo20, que fazia a alegria de seu povo,

tornando-se a grande atração daquele lugar. Promovia desfiles dançantes pelas

19 Essa fantasia denominada morcegão marcou por muitos anos o carnaval do Bole-Bole (Vetinho, entrevista, 10/06/2014). 20 Rei Meleixo fazia uma referência a remelexo que é um movimento ritmado dos quadris, o mesmo que rebolado (Vetinho, entrevista, 10/06/2014).

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ruas de seu reino e, sua maneira de dançar, com muito rebole-boleado21 foi sendo

imitada por todos. Esse reinado era o próprio Bole-Bole, que veio para proporcionar

alegria às ruas do bairro do Guamá e a todos os seus súditos, a comunidade

guamaense.

Nesse mesmo ano, de 1985, Vetinho e um grupo de amigos, por não

concordarem com os rumos que o Arco Íris estava trilhando, resolveram abandoná-

lo, dedicando-se exclusivamente ao bloco Bole-Bole. Isso gerou um conflito muito

grande. Segundo Eunice Ramos (Entrevista, 27/09/2013), os dirigentes da escola

Arco Íris, como retaliação à saída de seu compositor, levando muita gente com ele,

passaram a investir em alguns blocos que competiam com o Bole-Bole, para que

este não alcançasse êxito.

De acordo com Charles Brown (Entrevista, 22/08/2014), no Arco Íris havia

uma fartura muito grande de material, então nos dois primeiros anos do Bole-Bole

aproveitávamos essas sobras, assim como no comensalismo, em que animais de

menor poder predatório associam-se aos de maior poder e numa relação, sem

prejuízos ao primeiro, alimentam-se de suas sobras. Como o Bole-Bole rompeu com

a estrutura, não tinha mais material, então passaram a pegar as sobras do Rancho

– arquirrival do Arco Íris. Com o passar dos anos e o Bole-Bole crescendo e

mudando de categoria, quando perceberam vários blocos e escolas alimentavam-

se das sobras do Bole-Bole.

Mesmo com a força contrária vinda do Arco Íris, em 1986 com o enredo

Carnaval Paraoara, o Bole-Bole conquistou seu primeiro título como bloco, com

seus mil e tantos brincantes. Com um samba fácil e contagiante, composto por

Vetinho e interpretado por Tetê, teve o refrão mais cantado daquele ano e ainda

lembrado pelos mais antigos, como revela Charles Brown (Entrevista, 23/08/2014).

Esse samba foi gravado num compacto simples junto com a escola Acadêmicos da

Pedreira (OLIVEIRA 2006). Assim era o samba

21 Rebole-boleado é uma combinação ortográfica entre rebolado e Bole-Bole (Vetinho, entrevista, 10/06/2014).

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Belém, carnaval Paraoara! É pau de arara meu coração. Tamanco e chapéu de palha, eu vou manter a tradição. Eu quero Ver-o-Peso da alegria, morena. Quero ver o povo cantar. Vou me perder na folia, morena, quando o Bole-Bole passar. Bole-Bole é pai d’égua, morena Belém do Pará. Bole-Bole é pai d’égua, morena Belém do Pará.

Esse enredo fazia uma referência a alguns ícones da cultura paraense, como

o tamanco, o chapéu de palha usado pelos foliões, o Ver-o-Peso22, a morena – como

Belém é carinhosamente chamada – e à expressão pai d’égua que é uma marca

dessa região. Trata-se de um tema regional, muito trabalhado por essa associação,

com a intenção de reforçar a identidade paraense dentro do próprio bairro e de fugir

de ser uma cópia mal feita do carnaval carioca (Vetinho, entrevista, 10/06/2014).

Em 1987, o Bole-Bole ganhou novamente, sagrando-se bicampeão do

carnaval paraense no grupo em que disputava, com o enredo Mania Guamaense,

de autoria de Vetinho e interpretado por Betão, em que todos cantavam

Eu senti firmeza nesse teu olhar. No Bole-Bole vou te levar. Digo com certeza esse ano vai dar: no Bole-Bole vou te ensinar. Essa mania guamaense, viu! De levar a vida com amor. Esse jeitinho diferente. De espantar a tristeza, de esquecer a dor. Eu sei que a vida não é mole, não! É ralado viver na periferia. Mas deixa, deixa, deixa a tristeza pra lá. O Bole-Bole é alegria! (E ele vai) E vai, vai lá! Me arrepia, Tucunduba meu Guamá!

Esse enredo teve como objetivo fazer uma homenagem ao bairro do Guamá,

revelando suas coisas e seus costumes, mostrando a toda Belém que apesar das

agruras, do descaso, das carências que são inúmeras, o guamaense consegue,

como a grande maioria dos brasileiros, se esquivar dos problemas, algumas vezes

ironizando-os e levando a vida com amor, deixando a tristeza para trás (Vetinho,

entrevista, 10/06/2014; JORNAL DIÁRIO DO PARÁ, 20/01/1987, p. 7). Assinala

Tramonte (2007), que as escolas de samba também ocupam espaços sociais onde

as classes populares, formadas pela comunidade, educam-se, tornam-se

conscientes, vivem conflitos e contradições e fazem cultura.

De acordo com Charles Brown (Entrevista, 22/08/2014), o Bole-Bole não

possui nenhuma sociedade com bicheiro, traficante ou outro tipo de contraventor,

22 Ver-o-Peso é a maior feira a céu aberto da América Latina, fica ás margens da baía do Guajará em Belém do Pará (GLOBO REPÓRTER, 06/12/2013).

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até porque se assim o fosse, haveria uma fuga dos princípios e objetivos que

mobilizam essa escola de samba, ou seja, ao invés de livrar a juventude do crime

organizado, esta seria direcionada para ele. O objetivo do Bole-Bole é realmente

educacional e de mostrar uma direção cultural para a juventude do bairro do Guamá.

Ainda segundo Charles Brown (22/08/2014) “abrimos muitas vezes mão de nossos

afazeres pessoais e profissionais com o intuito de mantermos esse trabalho, hoje

nosso trabalho também é para que os jovens possam tomar conta disso e assim ir

passando de geração em geração”.

De acordo com Vetinho (Entrevista, 17/09/2013), no ano de 1987, com a

ajuda dos amigos Leda e Belford, o bloco Bole-Bole adquiriu um terreno na

Passagem Pedreirinha no bairro do Guamá, para ser a sua sede. Segundo o Jornal

O Liberal (30/01/1990), de grande circulação no Estado do Pará, a aquisição desse

espaço tinha como objetivo sediar oficinas de musicalização – já desenvolvidas pela

agremiação na Escola Mundo Encantado da Criança, que cedeu uma sala no turno

da noite para essa finalidade – e ampliar essas oficinas para outras vertentes da

arte, direcionada para atender, principalmente, as crianças moradoras dessa rua e

do bairro, que se encontravam em situação de risco.

A sede do Bole-Bole (Figura 18) é um corredor comprido e estreito tendo 7

metros de largura por 30 de comprimento. Ao final desse corredor o terreno se

alarga, tendo 20 metros de largura por 40 de fundo. Esse corredor era coberto por

telhas de barro, porém em 2010 parte dessa cobertura desabou, onde foi construída

uma laje, formando um corredor de dois andares, sendo que a parte de cima ainda

não foi concluída (Figura 19).

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Figura 18: Sede do Bole-Bole vista frontal, 2014. Figura 19: Corredor de entrada da sede, 2014.

Fonte: Margarida Gordo. Fonte: Margarida Gordo.

Na parte mais larga tinha uma maloca (Figura 20), numa alusão às malocas

indígenas da Amazônia. O formato dela era arredondado e coberta com palha23

possuía um sistema de atracação com mão de força ligada aos esteios laterais, não

possuindo esteios centrais. No ano de 2013, após o acidente em Santa Maria no

Rio Grande do Sul, seus dirigentes mandaram derrubar a maloca (Figura 21), devido

ao alto risco de combustão, caso fosse acometida por algum incêndio, até porque

sua vizinhança é composta por várias casas de moradias.

Figura 20: Sede do Bole-Bole de 1987 a 2013.

Fonte: Margarida Gordo.

23 A palha são folhas de palmeiras desidratadas que substituem as telhas, nas coberturas e casas. Esse tipo de cobertura já não se utiliza mais, a não ser nas aldeias indígenas.

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Figura 21: A sede do Bole-Bole desde 2013 (sem a maloca).

Fonte: Margarida Gordo.

A estrutura física da sede é precária, a escola não possui recursos financeiros

para construir um novo prédio em seu terreno, e isso acarreta muitos prejuízos

materiais e sociais, como a inexistência de salas para a realização das oficinas e

para guardar material, a parte do corredor que é coberta não é adequada, inclusive

a parte de cima não foi concluída; os ensaios são realizados na parte descoberta

devido sua extensão, porém quando chove os ensaios são cancelados; para a

realização de um evento, é preciso contar com a sorte para não chover e, assim por

diante.

Recentemente, com recursos próprios dos dirigentes, foram construídos uma

cozinha e novos banheiros. Mas as dificuldades financeiras são maiores que a

vontade e a necessidade, pois os dirigentes do Bole-Bole, diferentemente do

Rancho, por exemplo e da maioria das escolas de samba do Rio de Janeiro, são

servidores públicos assalariados. Mini (Entrevista, 30/09/2013), sintetiza muito

claramente a situação do Bole-Bole

Uma coisa interessante, é a emoção que sinto em ver os garotos e garotas que ajudei a ensinar a tocar, que participei de seus primeiros passos na música, fantasiados na avenida esperando a sirene tocar para tirarem o mais melodioso e afinado som de seus instrumentos, e defenderem com vontade, vibração e raça a nossa bateria audaciosa. Essa emoção é maior, porque sei das dificuldades e carências que a maioria desses garotos enfrenta cotidianamente, assim como da dificuldade da escola em chegar pronta na avenida no dia do desfile, pois o Bole-Bole é uma escola que não tem patrão, não tem bicheiro, mas tem amigos e, eu estou aqui porque gosto.

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Esse depoimento é revelador, pois para aprontar-se para o desfile oficial de

carnaval, o Bole-Bole depende 100% dos recursos vindos dos governos estadual e

municipal, os quais são insuficientes. Para se ter uma ideia, o repasse do município

foi de setenta e dois mil reais nesse ano de 2014, o governo do estado repassou

em 2010 quarenta mil reais, atualmente o estado repassa vinte e seis mil reais, ou

seja, os valores de materiais e mão de obra tiveram acréscimo, e os valores

repassados diminuíram, além de que segundo Rodrigues e Palheta (2013), as

escolas ainda têm que pagar aluguel de barracões, os quais se tornaram cada vez

mais raros e caros em Belém.

Outro fato relevante, quanto aos recursos repassados pelos dois poderes

governamentais, que precisa ser destacado, é a falta de prazo para esse repasse.

Na maioria das vezes, são feitos dias antes do desfile, quando não o são após o

evento, dificultando o trabalho de escolas como o Bole-Bole, que dependem 100%

desse repasse para desenvolverem seu projeto de carnaval. Prevalecendo-se

disso, escolas que não dependem desse recurso. Por isso Mini refere-se a emoção

de ver seus meninos e meninas e sua escola prontos na avenida apesar das

dificuldades.

No ano de 1988, já em sua sede desenvolvendo oficinas de musicalização,

construção de instrumentos e de artes em geral, aproximando-se mais ainda de sua

comunidade, o bloco do Guamá levou para a avenida do samba o enredo Ritmo

Nagô, também de autoria de Vetinho e interpretado por Betão, conquistando o

tricampeonato em seu grupo, com o samba:

Bole-Bole, Iariêôô! Bole-Bole, catendê ao luar. Oi me deixe passar, nesse bloco animado. Hoje um sonho dourado vai se realizar. É uma estrela que volta no céu. Vem tão bonita pra iluminar. Oh princesinha Isabel! Dessa vez você não pode errar. Escreva direitinho no papel: Liberdade não tem hora nem lugar. Bate o tambor, meu povo a cantar. No ritmo Nagô, eu quero festejar.

Com esse enredo, o Bole-Bole fez uma referência ao centenário da Lei

Áurea, não deixando de fazer uma crítica à mesma, como se a princesa Isabel

nesses cem anos tivesse uma segunda oportunidade de assinar novamente a

referida lei, porém com um novo texto, em que a liberdade fosse vivida em sua

plenitude. Segundo Motta (2003, p. 76), “cada escola de samba, à sua maneira,

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apresenta enredos cada vez maiores, reafirmando e denunciando os processos de

exclusão social, que devem ser discutidos nos espaços educativos”.

Mesmo ainda sendo bloco, o Bole-Bole tenta manter o compromisso social

de informar e de instigar o espírito crítico nas pessoas, principalmente nos

guamaenses. Nesse ano em Belém, foi a única agremiação carnavalesca, entre

blocos e escolas de samba, que fizeram referência a essa data, enquanto no Rio de

Janeiro muitas escolas não deixaram a mesma passar em branco, tendo no ano de

1988 a Unidos de Vila Isabel como campeã, com o enredo Kizomba: a festa da raça

(Vetinho, entrevista, 10/06/2014).

Seguindo uma linha crítica-informativa o bloco do Guamá continuou sua

trajetória. Em 1989, com o enredo O Apreço Não Tem Preço, de Vetinho e

interpretado por Betão, o bloco Bole-Bole levou para o Guamá o título de tetra

campeão. O enredo era uma frase da música Amigo é pra essas coisas de Aldyr

Blanc e Silvio Silva Júnior de 1970, gravada pelo grupo MPB4. Em que todos

cantavam assim

Vem sim que eu ajeito, eu dou um jeito pra você brincar. Vem sim, nesse apreço, que não tem preço, vamos desfilar. Vamos inventar, uma fantasia bonitinha legal. Eles têm duas caras, prometem, mas não ajudam nosso carnaval. Amor carnaval só presta assim, eu lhe dou aquela força, você dá força pra mim. Alegria não tem fim. Ô lá vai, lá vai rapaziada Bole-Bole vai arrepiar. Ô lá vai, lá vai rapaziada Bole-Bole é a alegria do Guamá.

O samba desvelava a crise no carnaval de Belém e a comunhão da

comunidade para colocar o bloco na rua. De acordo com Vetinho (Entrevista,

10/06/2014), muitas promessas em campanhas eleitorais eram feitas para ajudar a

melhorar o carnaval de Belém e para o Bole-Bole, mas ajuda de fato era a mínima

possível. As fantasias foram feitas em ritmo de mutirão, um ajudando o outro, para

que o bloco pudesse estar pronto na avenida para desfilar.

Com o fim dos anos de 1980 e o último desfile da escola Arco Íris, a nova

década “foi marcada por frequentes oscilações e inseguranças entre as

agremiações carnavalescas” (RODRIGUES; PALHETA, 2010 p. 49), principalmente

pela falta de apoio financeiro por parte da prefeitura, tendo como consequência a

não realização do desfile oficial em 1990, ficando este ano marcado como o divisor

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de águas para o carnaval de Belém. Imaginando a cena é como se Belém tivesse

vivido cada dia de carnaval como uma quarta-feira de cinzas.

Segundo Vetinho (Entrevista, 10/06/2014), em 1991 o Bole-Bole já como

bloco do Grupo A, juntamente com os outros blocos e escolas de samba, volta a

encenar seu espetáculo no palco do carnaval, a Doca, como fora carinhosamente

nomeada por seu mais ilustre folião: o povo; que vinha de todos os bairros no afã

de vivenciar, brincar e de se deliciar com o carnaval paraense. O Bole-Bole levou

para a avenida o enredo Brasileira Guerreira”, conquistando o terceiro lugar, com

samba de autoria de Vetinho, interpretado por Betão, que dizia assim:

Oh cunhantã tão linda! O Bole-Bole vem te homenagear. Potyra dá tempo ainda, do povo todo ouvir o teu cantar. Não deixa represar a solidão, nas tuas veias que correm para o mar. Pois eles não têm coração, te fazem sofrer, te fazem chorar. Quero te ver banhando na cachoeira. Quero te ver esperando um curumim. Oh índia, mulher brasileira, guerreira: essa tua angústia vai ter fim. Sacode maracá, teu povo no Xingu, manda essa gente toda morar no Sul.

De acordo com Vetinho (Entrevista, 10/06/2014), esse tema foi uma chamada

de atenção para a ameaça da construção da hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu.

Bem como, uma referência à índia que ameaçou com facão um dos representantes

da empresa Eletronorte em uma audiência pública na cidade de Altamira no Pará –

cena de grande repercussão na mídia nacional e internacional – em um apelo

desesperado pela não construção de tal hidrelétrica. Mesmo com a maioria da

população contra, a mesma está sendo construída. Segundo o jornal Folha de São

Paulo (Versão on line, 14/12/2013), os impactos ambientais e sociais são

indescritíveis, a população de Altamira, principal cidade atingida pela hidrelétrica,

saltou de 100 mil para 140 mil em dois anos e meio.

Segundo o mesmo jornal, a cidade que já tinha uma precária infraestrutura

urbana, entrou em colapso e ficou inchada. De acordo com Eunice Ramos

(Entrevista, 27/09/2013), nesse ano de 1991, durante as oficinas que aconteciam

no Bole-Bole eram realizadas palestras sobre os impactos negativos da construção

de hidrelétricas, principalmente para os habitantes da região onde estas são

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construídas, além de abrir discussões acerca dos índios da Amazônia. Assim, o viés

crítico-informativo-educativo, passam a interagir a partir do bloco do Guamá.

No ano de 1992, o Bole-Bole conquistou o segundo lugar, com o enredo

Pororoca de Alegria. O samba, de autoria de Vetinho e interpretado por Betão, fazia

uma homenagem aos ribeirinhos da Amazônia, fazendo referência aos seus

costumes e à sua cultura. Um samba menos crítico e mais informativo-educativo,

com a intenção segundo Vetinho (Entrevista, 10/06/2014) de reforçar a identidade

com a cultura paraense. Assim era o samba

Vem meu amor dançar na maresia. Na fantasia desse rio-mar. Vamos fazer pororoca de alegria. No Bole-Bole vamos desfilar! Navegar num banzeiro de magia. Num barquinho de ilusão. E afogar nessa folia: a nostalgia e a solidão. Num remanso de euforia, correnteza de emoção. Vou fazer minha pescaria: eu vou jogar a rede no seu coração! Nessa onda boa vou te levar! No gingado da canoa, vou te namorar.

Por morarem nas margens dos rios, a maioria deles são pescadores, sua

locomoção se dá através de barquinhos e canoas e detém o privilégio de viverem o

fenômeno da pororoca. É dado ênfase a palavras que identificam e retratam o dia-

a-dia dos mesmos, como maresia, rio-mar, pororoca, banzeiro, barquinho, afogar,

remanso, correnteza, pescaria, rede, onda, gingado e canoa. A fantasia dos

brincantes fazia uma alusão a roupa dos pescadores, e cada um levava uma rede

de pescaria na mão, como adereço (Vetinho, entrevista, 10/06/2014).

Em 1993, também conquistou o segundo lugar com o enredo A Casa da

Dinda, composto por Vetinho e interpretado por Betão, retornando o Bole-Bole para

o viés crítico, fazendo uma crítica bem humorada, misturando a realidade

guamaense com as denúncias feitas ao então Presidente da República Fernando

Collor de Melo. Denúncias essas que resultaram na formação de uma Comissão

Parlamentar de Inquérito (CPI) por envolvimento com desvios de verba pública,

conhecida como Esquema PC e, em sua renúncia (Vetinho, entrevista, 10/06/2014).

Assim era o samba

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Eu queria, eu queria ser; um fantasma colorido do esquema do PC. Só pra fazer, só pra fazer visagem, visagem; assustando meu povão. Num sistema de verdade, oi; passando cheque de montão. Um dia, um caçador de marajás; que fazia tudo pelo social (que legal); me falou que o esquemão vai dar, um tema pro meu carnaval. E na Casa da Dinda eu vou brincar, no Bole-Bole até o dia clarear.

Nesse mesmo ano, segundo Oliveira (2006), houve mudança de presidência,

por motivos de ordem profissional que impediam Vetinho de continuar dirigindo o

Bole-Bole – presidente desde a fundação do bloco. Foi então, que passou a faixa

de presidente para uma de suas irmãs, Helena Baltazar. Porém, não se afastou

totalmente de seu bloco e continuou compondo os sambas e buscando recursos

financeiros para o mesmo.

Em 1994, ano marcado pela minha estreia no Bole-Bole, este levou para a

avenida o enredo 10 Anos de Folia, com samba de Vetinho e interpretado por Betão,

o bloco do Guamá conquistou o primeiro lugar e o direito para adentrar na categoria

de Escola de Samba do Grupo B. Assim era o samba

Eu vou voltar à ilha da Fantasia, vou reviver meu rebole-boleado. Se o carnaval Paraoara foi magia, o Charles Brown é artista inspirado. E desfilou pai d’égua, pai d’égua o Bole-Bole desfilou. Nessa mania guamaense, nesse seu ritmo nagô. O apreço não tem preço, a linda cunhatã me encantou. Cantei a pororoca de alegria. Um fantasma colorido me roubou. Mas deixa, são 10 anos de folia. Costureiras, bateria, nosso bloco é só amor. Vem Macaréu, Borocô e Zé do bar. É lindo ver o Bole-Bole desfilar!

Segundo Vetinho (Entrevista, 10/06/2014), o intuito desse enredo foi fazer

uma homenagem à trajetória do Bole-Bole dentro desse período, mencionando

pessoas, enredos e momentos importantes que foram imprescindíveis ao processo

de construção e de manutenção do bloco do Guamá no carnaval. Foi um desfile

marcante, que mesmo três anos após o desfile, a imprensa local ainda se referia a

ele

Com um histórico de inovações no carnaval do Pará, no ano de 1994, em comemoração aos dez anos de existência dessa associação carnavalesca, em seu último ano como bloco, colocou nas ruas, além dos instrumentos tradicionais de uma bateria como caixa, surdos, cuícas, repiques etc., quarenta músicos tocando saxofones, pistões, trombones, tubas, flautas e bombardinos, o Bole-Bole ascendeu para a categoria de escola de samba (JORNAL O LIBERAL, CADERNO CARTAZ, 25/01/1997, p. 1).

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De acordo com Kléber Oliveira (Entrevista, 17/10/2014), nesse ano o Bole-

Bole desfilou, num clima de alegria, de euforia e de leveza que imprimiu identidade

a esse bloco, como se os guamaenses estivessem se despedindo da fase de bloco.

Ressalta ainda, que nesse ano foi formada a escola de samba mirim, com os alunos

das oficinas de música, dança e teatro, denominada de Bole-Bole do Futuro, abrindo

o desfile oficial na Doca.

Sobre o Bole-Bole do Futuro, Íma Vieira24 (2014, documento em anexo, p.

183-185), destaca que “os Festivais de samba enredo infantis foram um sucesso

em seus três ou quatro anos de existência. Muitos erros, aprendizados constantes,

avanços enormes. Emocionante ver os pequenos na avenida cantando o samba

que compuseram!”

Depois do desfile de 1994, teve início o processo de despejo do carnaval da

Doca de Souza Franco, ocasionado pela reforma dessa avenida (RODRIGUES;

PALHETA, 2010; OLIVEIRA, 2006). Esse despejo teve como motivação, o fato de

que “na década de 1990 os desfiles passaram a incomodar os moradores da Doca,

que se tornava uma área residencial cada vez mais valorizada” (RODRIGUES;

PALHETA, 2013, p. 28), somando-se à emergente especulação do mercado

imobiliário, transformando a Doca no metro quadrado mais caro de Belém e avessa

aos desfiles de carnaval.

Como consequência desse despejo, o carnaval de 1995 aconteceu na

Avenida Presidente Vargas25, o Bole-Bole já como escola de samba do Grupo B

levou para a avenida o enredo Um Sonho Real, com samba composto por Vetinho

e interpretado por Betão. Mesmo estreando em uma nova categoria, a escola do

Guamá conseguiu conquistar o terceiro lugar. Segundo o Jornal O Liberal (Cartaz,

25/01/1997, p.1) referindo-se ao carnaval de 1995 numa retrospectiva da história do

24 Íma Célia Guimarães Vieira, é doutora em Ecologia, pesquisadora do Museu Emílio Goeldi em Belém do Pará, professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), foi casada com o arte-educador Nazareno Silva – que muito contribuiu para a realização das oficinas no Bole-Bole – e acompanhou durante anos o desenvolvimento dos trabalhos nessa associação carnavalesca. 25 Tradicional avenida de Belém, localizada no Centro Comercial, foi palco de grandes desfiles de blocos carnavalescos nas décadas de 1960 e 1970, em que o carnaval dos blocos era mais forte do que o das escolas.

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Bole-Bole, “nesse ano embora não tenham conseguido o campeonato, ficaram com

o principal: a aclamação do público”.

De acordo com Vetinho (Entrevista, 10/06/2014), esse enredo retratava o

desassistido bairro do Guamá, revelando um povo carente, sofrido, sem muitas

oportunidades, mas sonhador, cheio de fantasias que se realizam na avenida ao

transformarem-se em foliões, esquecendo o dissabor do dia-a-dia, como nos diz o

samba:

Chorei, eu chorei! Quando cheguei na passarela. E vi meu povo da favela, sorrindo, brincando carnaval. Esquecendo a palafita, minha gente tão bonita, num lindo sonho real. Que sensação maravilhosa! É a ilusão da fantasia. Hoje na avenida eu sou um rei, um rei. Sem o dissabor do dia a dia. Vou a feira, vou comprar, a boia na viração. É esse Bole-Bole que dá emoção (pra viver). Viver essa relação, nossa transação não tem camisinha. É banho tcheco por te amar, amar, amar! Na sedução da Sururina. Quero gozar, a vida feito um carnaval. No leito do Riacho Doce, no clima do teu Pantanal. Amor, amor vou te mostrar, quando vai a lua cheia, o sol nasce no Guamá.

É um samba crítico, pois desvela as dificuldades que vivem os guamaenses,

que vão desde questões financeiras até questões como falta de água, saneamento

básico etc. É também um samba apelativo, no sentido de clamar por políticas

públicas que amenizem as carências desse povo. De acordo com Vetinho

(Entrevista, 10/06/2014), apesar de ter algumas passagens do samba que levem

para uma interpretação maliciosa, como viver essa relação, nossa transação não

tem camisinha, na realidade é para enfatizar uma relação de amor com o bairro,

não tem camisinha porque não é uma relação sexual. Outra passagem é o banho

tcheco, que significa na realidade falta de água, e não no sentido pejorativo,

significando apenas a lavagem de partes íntimas.

Esse samba também faz referência a duas das maiores invasões (ocupações

irregulares) de Belém do Pará, o Riacho Doce, “uma área da várzea da bacia do

Tucunduba, no sudeste de Belém no bairro do Guamá, que se tornou atrativa para

os grupos sociais excluídos” (SOUZA, 2010 p. 85). E a comunidade do Pantanal,

uma invasão, limítrofe a do Riacho Doce, que ocupa uma área da Universidade

Federal do Pará (ALMEIDA, 2006), como nessa passagem do samba... no leito do

Riacho Doce, no clima do teu Pantanal...

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Com o despejo do desfile oficial do carnaval de Belém, da Doca, este ficou

sem paradeiro, seus ilustres moradores não o queriam mais lá, os donos de hotéis

e inúmeros moradores também não o quiseram mais na Presidente Vargas. Por

falta de um local mais apropriado e de opção, acabou acontecendo na Travessa 25

de Setembro – atualmente Avenida Rômulo Maiorana – no bairro do Marco

(OLIVEIRA, 2006). Em se tratando do período do carnaval, essa problemática foi

noticiada nos principais jornais da cidade.

Carnaval – Só não pode mudar a alegria: O Carnaval de Belém mudou. Mudou de avenida saindo dos palcos da área central. Mudou de data, antecipando-se para a Semana Magra. E mudou até de mãos, privatizando-se para a Liga das Escolas. Já virou provérbio dizer-se que toda mudança gera insatisfeitos e críticos de primeira hora. A mudança do nosso carnaval teve os seus e eles, como de hábito, transformaram seu descontentamento em prenúncios desastrosos, apocalípticos. Como é comum em todas as mudanças, houve imprevistos. E muitos problemas. Que certamente serão pensados, avaliados, ponderados. Há um ano inteiro para refletir, consertar, melhorar. Ou se for o caso, até mudar de novo. É assim na vida. E o Carnaval é celebração de vida, explosão de alegria coletiva. E foi essa alegria permanente que imperou no novo palco, a Avenida 25 de setembro. A velha e imensa alegria que se irradiava do espetáculo da passarela e empolgava a multidão. E isso – apenas isso – é que não pode mudar nunca no Carnaval (A PROVÍNCIA DO PARÁ, CADERNO 2, 13/02/1996, p.1).

Porém, essa indefinição de local e todas as problemáticas que envolvem o

carnaval de Belém não desanimaram a escola do Guamá, muito pelo contrário, deu

a Vetinho inspiração para o enredo e o samba de 1996, Os Velhos Carnás de Belém,

interpretado por Ademar Carneiro e Carlinho Sabiá, conquistando o primeiro lugar

e ascendendo para o Grupo A (atualmente denominado de grupo especial) que

concentra as escolas mais importantes e tradicionais do carnaval de Belém. Assim

era o samba

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Foi uma época boa. Xavantes na avenida a desfilar. Meu povo feliz à toa, com a magia da Vila Farah. Nego Gino, rei do cavaquinho na Grande Família a tocar. Eu vi o Macaco Torrado pular, com o Timbiras e o Reduto a brincar. Era o Paraíso das Mulatas, onde os Filhos da Maça vinham cantando. Chuva, Suor e Cerveja, Piratas; Ritos e Mitos empolgando. Pantera cor-de-rosa coloria. A Estação, Última Hora, Alegria. Aguenta o Tombo, o sonho acabou. E tem gente que não acordou. Quem São Eles, Pedreirenses, os Boêmios não podem se “Amofiná”. Todos os sambistas resistentes, dizem que o samba não pode parar. O trio elétrico é gostoso, tudo bem! Mas eu prefiro os velhos Carnás de Belém! Bole-Bole é pai d’égua, é pai d’égua e é do Guamá! Pererê, Pererê, é bandalheira demais. Pererê, Pererê é bandalheira demais. É bandalheira com os nossos carnavais!

Este samba tinha um misto de saudade e de revolta com o descaso pelo

carnaval e, consequentemente pelas escolas de samba e blocos, bem como pela

supervalorização que os trios elétricos vindos da Bahia estavam tendo em Belém,

inclusive apoiados pelo poder público, mídia e empresariado local (Vetinho,

entrevista, 10/06/2014). Recordo-me que foi um período tenso e muito difícil para o

carnaval de Belém, grande parte da Avenida 25 de setembro onde aconteceu o

desfile, tinha um canteiro central, maior em largura que a própria via, pois tinha

interrupções e retornos sinuosos, totalmente inapropriados para um desfile de

carnaval. Apenas uma parte, que apesar do canteiro, seguia uma linha reta foi

aproveitada para o desfile.

O decorrer do ano de 1996 foi muito conturbado para o carnaval de Belém,

o qual ganhou destaque nos jornais locais. No caderno Cidades do jornal Diário do

Pará (10/04/1996, p. 7), a manchete era assim: “Quatro escolas de samba deixam

a LIESB”26, entre elas, Rancho, Matinha, Acadêmicos da Pedreira e Bole-Bole, por

discordarem com a administração do então presidente Filipe Pereira, que inclusive,

segundo o mesmo jornal, estava decidido em não permitir a ascensão da escola

Bole-Bole para o grupo “A”, direito adquirido por ter sido campeã em 1996 no grupo

B, o que potencializou a crise, pois as demais escolas voltaram-se a favor do

cumprimento do regulamento, o qual assegurava a ascensão do Bole-Bole.

A manchete do caderno Atualidades do Jornal O Liberal (10/04/1996, p.1)

afirmava: “Escolas desafinam o samba – quatro delas acusam a Liga e tentam

26 Liga Independente das Escolas de Samba de Belém.

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mudar a coordenação do carnaval para 97”. As acusações foram inúmeras, desde

a falta de prestação de contas com os órgãos competentes e as escolas de samba,

até a descaracterização do carnaval paraense com a inclusão de trios elétricos nos

desfiles oficiais. Sendo esta última – a inclusão de trios elétricos nos desfiles –

objeto de um projeto apresentado pela LIESB à Prefeitura de Belém, pelo seu

presidente Filipe Pereira. Segundo as escolas dissidentes, era uma cópia fiel de

uma matéria sobre carnaval de uma revista de circulação nacional, cuja realidade

não se adequava a de Belém (JORNAL O LIBERAL, 10/04/1996).

Em 1997, sob a administração municipal do Partido dos Trabalhadores, surge

uma nova esperança para o carnaval de Belém, retornando para o seu palco

principal, a Doca Visconde de Souza Franco, com a promessa da construção de um

sambódromo ainda a ser definido o local, o que reacendeu a esperança de

dirigentes e carnavalescos (OLIVEIRA, 2006).

O caderno Cidades do jornal Diário do Pará (10/02/1997, p. A8) estampava

a seguinte manchete: E o samba amanhece na Doca: a Doca voltou ao seu

esplendor como passarela do samba. Foi um dos melhores carnavais de Belém.

Porém, para que acontecesse esse retorno, houve um embate judicial entre

Prefeitura de Belém e um grupo de moradores, sendo que este último, nesse

momento, perdeu a batalha.

De acordo com o caderno Cidades do Jornal A Província do Pará

(13/02/1997, p. 9), apesar de a Prefeitura ter ganhado essa batalha para a alegria

dos carnavalescos e foliões, o futuro do carnaval de avenida continuava em

suspenso, pois a indefinição sobre o local do desfile de carnaval nesse ano,

reacendeu uma antiga reivindicação dos carnavalescos, a construção de um

sambódromo, como ocorrera em Macapá, capital do Amapá e Manaus, capital do

Amazonas. Até porque a nova administração municipal se dizia empenhada e

determinada em recuperar o prestígio do carnaval.

Como o diálogo estava aberto, o presidente do Rancho em nome das demais

escolas, vindo de discussões anteriores com a administração passada, sugeriu que

o sambódromo fosse construído na Avenida Marechal Hermes, uma via que liga a

Doca com a Presidente Vargas, pois a mesma dispunha de vários galpões por ser

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uma área portuária. Esses galpões poderiam ser transformados em barracões para

as escolas, bem como a inexistência de moradias em ambos os lados da avenida,

permitiria a construção de arquibancadas, que poderiam ser usadas o ano inteiro

para comportar, além dos desfiles oficiais, outras atividades culturais e educativas

(JORNAL A PROVÍNCIA DO PARÁ, 13/02/1997, p. 9).

Nesse ano de 1997, o Bole-Bole aproximou o Guamá da elite intelectual

paraense ao homenagear os imortais da Academia Paraense de Letras (APL), com

o enredo O Delírio dos Poetas Imortais, levando para a avenida do samba os ilustres

acadêmicos. Sete deles acompanhados, cada um, por uma criança, igualmente

vestidos com fardões azuis que formavam a comissão de frente da escola. Os

demais desfilaram como destaques principais do primeiro carro alegórico ou abre-

alas, que representava a fachada do prédio da referida Academia (Vetinho,

entrevista, 10/06/2014).

Nesse desfile, aconteceram alguns fatos interessantes, um dos imortais –

Alonso Rocha – destaque do carro abre-alas, escreveu um soneto inspirado naquele

momento único e inusitado que estava vivendo. Outro fato interessante foi que pela

primeira vez uma escola de samba de Belém trazia para a avenida como intérprete

principal de seu samba um cantor e, não um puxador de samba27, foi Mharco

Monteiro, intérprete de músicas nacionais e paraenses. Outro fato ainda foi a

entrada da bateria na avenida tocando a introdução de O Guarani para homenagear

o maestro Carlos Gomes, lembrando o centenário de sua morte (JORNAL O

LIBERAL, CADERNO CARTAZ, 25/01/1997, p. 1).

Nesse ano, o caderno Cidade do jornal A Província do Pará (11/02/1997, p.

9), destacou: “com o samba cantado por Mahrco Monteiro e puxadores da escola,

o samba empolgou os foliões que não pararam de cantar até a escola terminar seu

desfile, do qual participaram membros da APL”. A imprensa local deu tanta

importância para o enredo do Bole-Bole nesse ano de 1997, que a letra do samba

teve destaque nos jornais escritos. Assim era o samba

27 Assim são denominados os intérpretes de samba enredo na avenida e, Mahrco Monteiro é um cantor de música popular paraense e brasileira, nunca antes tendo pisado em uma avenida para interpretar um samba enredo.

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Eu quero ir, no Bole-Bole. No mais lindo dos carnavais. E quem diria a bateria, em homenagem aos nossos imortais. O poeta em seu fardão, faz a gente viajar. As letras vêm do coração, histórias e estórias pra contar. Talento e galhardia, nos delírios de um escritor. As lutas sociais, movimentos culturais. Memórias paraenses, meus poetas imortais. O índio, dono da terra; morreu por ela, virou poesia. O negro sempre sem-terra, foi sempre enredo de antologias. O branco se diz dono da verdade, o poeta não tem raça, nem cor. Se a saudade invade a academia, deixa a cadeira vazia, fica um canto de amor. Sempre pai d’égua, é chuva ou luar. O Bole-Bole vem, a festa é do Guamá. Sempre pai d’égua, é chuva ou luar. O Bole-Bole, é a festa do Guamá (JORNAL A PROVÍNCIA DO PARÁ – CADERNO CIDADE, 08/02/1997, p. 12).

Foi uma proposta educativa na qual se mostrou a importância dos poetas,

jornalistas consagrados e escritores da terra na formação desse vasto conteúdo de

histórias e estórias contadas desde a colonização pelos portugueses até os dias de

hoje (JORNAL A PROVÍNCIA DO PARÁ – CADERNO CIDADE, 08/02/1997, p. 13).

Segundo o escritor e imortal Salomão Larêdo, “o bonito de se aplaudir é a

Associação ter a sensibilidade, por meio da Academia Paraense de Letras, de

valorizar o que é nosso: escritores, artistas, intelectuais, que no geral, ficam

relegados e desconhecidos” (JORNALO LIBERAL – CADERNO CARTAZ,

16/03/1997, p. 2).

Fica evidente a importância que uma escola de samba representa em sua

comunidade, como neste caso, em que o Bole-Bole promoveu a mediação entre os

guamaenses com a intelectualidade paraense. Distantes em vários aspectos, a

comunidade do conhecimento e da intelectualidade, aproximaram-se de uma forma

alegre e divertida, brincando o carnaval. Como assinala Palheta (2012a), alegria e

brincadeira estão imbricadas no universo dessa escola de samba.

A escola do Guamá com o enredo Um Novo Tempo Vem Aí para o carnaval

de 1998, jamais esperava o que lhe aconteceria esse ano: sua desclassificação com

seu retorno para o Grupo B e a ebulição de uma crise na família de Vetinho, tendo

como consequência a saída de alguns de seus irmãos do Bole-Bole e com a

fundação no ano 2000 de uma nova agremiação carnavalesca no bairro do Guamá,

a Organização Não-Governamental Tradição Guamaense (OLIVEIRA, 2006;

PORTAL ORM, 2014), tendo curta duração, encerrando suas atividades em 2011.

O enredo Um novo tempo vem aí, foi assinado por uma comissão de

carnaval, que teve como ponto de partida a discussão sobre o fim do milênio,

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assunto que estava em voga no momento, principalmente nos países de formação

Cristã. Ele foi pensado com o intuito de promover uma espécie de acordo entre os

pregadores do fim do mundo, a ciência e o povo, reforçando o poder de Deus,

entendido pela comissão de carnaval, como força condutora de todos os fenômenos

do Universo (Vetinho, entrevista, 10/06/2014).

Seu desenvolvimento se deu a partir da seguinte lógica: o Astro de Luz seria

a Besta do Apocalipse que ao aproximar-se da Terra, ao invés de exterminá-la,

realizaria uma grande transformação que seria o juízo final, e os que tivessem

merecimento teriam a justiça como recompensa e o início de uma nova era. Para a

comissão de carnaval, como o sol é um astro de luz e ele nasce no Guamá – por

ser o bairro mais a leste da capital Belém – esse novo tempo iniciaria com os

guamaenses. Assim era o samba:

Um astro de luz, vem iluminar. Pai d’égua o Bole-Bole, vai passar. Se você não acredita, está escrito um novo tempo vem aí. E descerá uma luz bendita, vem transformar o que existir. As correntes arcangélicas, chegam vencendo todo o mal. Vem a justiça, vai a cobiça. É o juízo final. E quem tiver merecimento, vai sentir a paz. E vai ter arrependimento, só quem errou demais. E na balança da razão, o livre arbítrio é amor no coração. Nas confrarias em harmonia, os dias vão raiar. Essa energia que contagia, brilham as flores e crianças a brincar. Vai colorir o mundo em alto astral, o novo tempo é guamaense, é carnaval. Vem pelas mãos do criador, a luz, a vida em esplendor.

Tenho vivo em minhas memórias carnavalescas, que a desclassificação do

Bole-Bole acompanhada de seu retorno para o grupo B, deixou a comunidade

guamaense consternada, até porque a escola havia se preparado para disputar o

campeonato desse ano. Porém, fatores alheios à escola, dentre eles, a

desorganização geral do carnaval, por parte da Fundação Cultural do Município de

Belém (FUMBEL) – responsável pela organização do desfile que inclusive

desrespeitou o regulamento – e outros órgãos da Prefeitura de Belém, aos quais

cabia o fechamento das vias e apoio com guinchos, que não cumpriram com suas

funções, prejudicando a escola do Guamá. De acordo com a imprensa local, essa

desclassificação foi arbitrária, haja vista que:

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Em 1998, o Bole-Bole enfrentou problemas de desmandos por parte da organização do desfile que numa decisão inédita, desclassificou a Escola sem que o regulamento mencionasse tal pena por atraso no desfile. Assim o Bole-Bole foi rebaixado para a categoria "B" perdendo os direitos de subvenção e ao projeto Moleque Pandeiro que ironicamente tinha sido iniciado dentro dessa escola (PORTAL ORM, 2014).

A desclassificação do Bole-Bole teve impactos negativos muito importantes,

como a perda do projeto moleque pandeiro28 – como destaca a notícia acima, esse

projeto se estruturou a partir das oficinas que já aconteciam no Bole-Bole desde sua

fundação, que foi copiado pela prefeitura para difundir nas demais escolas de

samba de Belém – a perda do direito à subvenção para o próximo carnaval, entre

outros. Vetinho que havia se afastado da presidência por motivo de trabalho desde

1993, resolveu voltar para a presidência da escola e organizar o desfile do ano de

1999 com o compromisso de ascender o Bole-Bole para o Grupo A. Segundo o

Portal ORM (2014)

Em 1999, houve a volta de Herivelto Martins (Vetinho) para a presidência e um fato marcante na preparação do carnaval, pois a comunidade vendo a maior dificuldade que o Bole-Bole passava desde sua fundação, fez uma grande corrente de união levando sua Escola para a conquista do título do grupo "B" com o tema "A Fantasia de um Guamá Feliz", colocando novamente o Bole-Bole no grupo especial das escolas de samba de Belém.

Assim, no carnaval de 1999 com o enredo A Fantasia de um Guamá Feliz,

samba composto por Dio, Magé e Ademir do Cavaco, campeões do primeiro festival

de samba enredo dessa escola e, interpretado por Ademar Carneiro, o Bole-Bole,

mesmo não tendo direito a ajuda financeira do poder público por conta de sua

desclassificação, conquistou mais uma vitória e voltou para o grupo principal do

carnaval paraense (Vetinho, entrevista, 10/06/2014). Com o samba:

28 O projeto Moleque Pandeiro foi um projeto financiado pela Prefeitura de Belém, direcionado para oficinas carnavalescas, o qual será melhor explicado nas páginas 150 a 152.

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Um sonho bonito vivi, na fantasia desse carnaval. Onde o Barão de Igarapé-Miri, num Guamá em decadência, reúne os gênios num conselho especial, pra satisfação geral. E assim na foz do Tucunduba se fez o nosso enredo genial. Saúde e educação com a conservação da cultura regional. Trabalho e lazer, criança na escola. Morada pra todos, transporte na hora. Sem SPC, sem delegacia, o nosso Guamá feliz existia. E sempre amanhecia com alegria. No fim da tarde a poesia. No pôr do sol, a namorada. Vem a noite, a boemia. Ao luar, trovadores nas calçadas. No barracão o Bole-Bole se prepara, e o sonho vira alegoria. Salve o Barão do Rio Guamá, e mãe Amelinha, o terreiro secular. Sonhar é viver, e no Guamá isso é normal! Na quarta-feira vem a realidade, aí eu penso em outro carnaval.

Esse enredo tinha como ponto de partida o sonho dos guamaenses. Nesse

sonho, o Barão de Igarapé-Miri – nome de uma das principais avenidas que tem no

bairro do Guamá – reúne as mentes mais geniais, que estão se desenvolvendo na

Universidade Federal do Pará (UFPA), para desenvolver pesquisas em prol de

mudanças propositivas na área da educação, saúde, transporte, moradia,

urbanização, trabalho, lazer, mas sem se apartar do romantismo vivido em épocas

passadas, e sem esquecer de pedir as bênçãos no terreiro de umbanda secular

localizado na mesma rua que o Bole-Bole, enquanto que esta escola estava sendo

construída em seu barracão, para trazer o título de volta para o seu bairro e para

sua gente (Vetinho, entrevista, 10/06/2014).

No ano 2000, cumpriu-se parcialmente a promessa do sambódromo,

localizado na Avenida Pedro Miranda no bairro da Pedreira (Mapa 2), contrariando

a expectativa dos dirigentes das escolas de samba, que preferiam que este fosse

construído em uma área neutra, como na avenida Marechal Hermes ou no

Aeroclube ou nas proximidades do Estádio Mangueirão, já que o bairro da Pedreira

onde localiza-se essa via, comportava duas escolas de samba, a Embaixada do

Império Pedreirense e a Acadêmicos de Samba da Pedreira, bem como por estar

cercada de moradias (OLIVEIRA, 2006).

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Mapa 2: Localização do sambódromo em relação às principais escolas de samba de Belém.

Fonte: Cláudia Palheta.

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Esse sambódromo (Figura 22) fora denominado de Aldeia Cabana de Cultura

Amazônica Davi Miguel (RODRIGUES; PALHETA, 2013), ficando mais conhecido

como Aldeia Cabana, em uma homenagem ao movimento da Cabanagem, ocorrido

no Estado do Pará na primeira metade do século XIX e, ao sambista e compositor

paraense Davi Miguel. Apenas uma parte da obra fora concluída, ficando o restante

do projeto para ser concluído posteriormente29. Rodrigues e Palheta (2013, p. 29),

assinalam que no ano de sua inauguração, mesmo “com muitos problemas

arquitetônicos, como arquibancadas muito próximas à pista, dificultando a visão do

desfile, e um aclive de mais de um metro e meio que tornava o desfile uma subida

“heroica”, todos os ingressos e camarotes foram vendidos”.

Figura 22: Monumental da Aldeia Cabana, vista frontal. Inaugurado no ano 2000.

Fonte: Prefeitura Municipal de Belém.

29 Até o presente momento, fevereiro de 2015, a obra não fora concluída e, para piorar ainda mais a situação, o sambódromo há alguns anos abriga uma secretaria municipal em alguns blocos de camarote, diminuindo a capacidade de espectadores no espetáculo do carnaval. Atualmente o nome do sambódromo é Aldeia de Cultura Amazônica Davi Miguel.

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A partir do ano 2000, houve mudanças na nomenclatura das categorias,

Grupo C foi extinto, passando a ser denominado de Grupo B, o B de A e o A de

Especial. Também, a partir desse mesmo ano, o Bole-Bole passou a fazer

referências ao sol em seus sambas, entrando na nova avenida do samba, com o

enredo Cametá: tradições, sonhos e riquezas, no qual fazia um trocadilho entre a

praia da Aldeia localizada na cidade de Cametá, a Aldeia Cabana (o sambódromo)

e ao Movimento da Cabanagem, envolvendo a todos numa mistura rítmica, samba

com siriá, desvelando parte da história do Pará (Vetinho, entrevista, 10/06/2014).

Na classificação geral ficou em quinto lugar. O samba de autoria de Vetinho e

interpretado por Ademar Carneiro, era assim:

Reacende a chama da cultura do Pará! Sua Aldeia é Cabana, o Bole-Bole vem brilhar! É festa, é emoção, foguetes! O Bole-Bole explode no tambor! É carnaval, é samba de cacete, de Cametá vem um canto de amor. Tu és o berço da cultura guamaense. A tradição faz nossa gente, de tua história se orgulhar. Vou navegar à tribo Camutá, onde Pedro Teixeira, iniciou sua conquista ao rio-mar. E recordar o povo a lutar, na guerra cabana, foi com bravura, capital do Grão Pará. Vem de lá, lá dos tempos de domínio português, sonhos e riquezas descendo o Tocantins. Filhos ilustres, sotaque francês, em cantos negros e encantos curumins. Vem cantando! Ai como é bom siriá na Aldeia! Bangu-ê-bumbá, mapará tem canoa cheia. Mitos e lendas, festa de santo, arraial. Parente, hoje é carnaval! Em Cametá, a sedução passeia.

Segundo Vetinho (Entrevista, 10/06/2014), esse enredo tinha como objetivo

ressaltar a importância da cidade de Cametá – cujo nome originou-se da Tribo

Camutá que habitava as margens do rio Tocantins – no contexto histórico do Estado

do Pará, tendo sido capital da ainda Província do Grão Pará. Foi um enredo acima

de tudo informativo-educativo.

No desfile de 2001, com o enredo O Sol nasce no Guamá, numa homenagem

ao radiante astro que rebenta todas as manhãs, despontando seus primeiros raios

no Guamá, por ser o bairro que se situa mais a leste na cidade de Belém, com

samba de Vetinho e interpretado por Ademar Carneiro, o Bole-Bole conseguiu

conquistar o terceiro lugar, cantando assim,

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Na beira do rio, do rio Guamá. É a morada do sol nascente! É o ninho do saber, é o oriente. Que Bole-Bole o coração de nossa gente! É hora de realizar um sonho tão antigo: vencer os velhos inimigos, miséria, poluição a degradar. Ciências, tecnologias sem burocracia. É o anseio da comunidade. Ver a Universidade em projetos de ação, em busca de uma solução. Fazer o Tucunduba desaguar feliz, e resgatando a cultura da raiz. Ainda queremos ver: o fim da guerra urbana, dessa luta desumana e o lixo reciclar. A arte-consciência, a vida, pode transformar! E o samba em nova cadência: no sirimbangu-ê, no carimboi-bumbá. O sol já vai nascer, vem bolebolear! É pai d’égua o pop brega no Guamá.

Nesse enredo, crítico e apelativo, o Bole-Bole volta a evocar a Universidade

Federal do Pará (UFPA) para cuidar do bairro do Guamá – desburocratizando suas

ações; tornando sua tecnologia a serviço dos guamaenses, como a recuperação do

rio Tucunduba que passa por dentro da universidade e está com alto índice de

poluição etc. – contribuindo para que seus moradores tenham acesso à educação,

aliando a arte a essas ações.

Segundo Oliveira (2006), com um já acumulado pedido de mais respeito,

mais ajuda, auto-gestão do carnaval, fundação de uma liga independente,

possessos com o corte no repasse de verbas que seria ainda maior para 2002, entre

outros problemas de ordem estrutural e administrativa, os presidentes das escolas

de samba retomaram algumas reivindicações feitas há anos com a FUMBEL e com

a prefeitura. Muitas tentativas de negociação foram feitas por parte das escolas,

mas a prefeitura não abriu mão de seu posicionamento: continuar gerindo o

carnaval.

A ideia predominante no colegiado diretivo era estabelecer uma parceria com a FUMBEL na organização, venda de ingressos e realização do desfile principal, inclusive antecipando-o em uma semana. Supunha-se que a transferência de data evitaria que o evento na Aldeia Cabana coincidisse com o televisionamento dos desfiles do Rio e de São Paulo, em cadeia nacional. Além disso, fugiria da concorrência dos balneários, para onde tanta gente preferia correr no carnaval. Quer dizer, em nossa agenda, no lugar do Sábado Gordo passaria a funcionar o Sábado Magro. Por pura necessidade, logicamente (OLIVEIRA, 2006, p. 232).

Ainda segundo Oliveira (2006), a Liga não conseguia mais ter nenhuma de

suas reivindicações pelo menos apreciadas pela prefeitura. Então os presidentes

resolveram realizar um desfile independente do organizado pela Prefeitura, pois as

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escolas já tinham empresas interessadas em patrocinar o evento, caso suas

logomarcas fossem exibidas e, seus produtos fossem comercializados com

exclusividade. Porém, o prefeito Edmilson Rodrigues não aceitou que as escolas do

grupo especial fizessem um desfile paralelo em Belém, não permitiu que essas

escolas desfilassem na Aldeia Cabana ou em qualquer outro lugar dentro da cidade

de Belém. Esses desentendimentos tiveram mais visibilidade na mídia do que o

próprio desfile do carnaval.

O governo do Estado representante de outro partido político, o PSDB,

aproveitando-se da fragilidade em que se encontravam prefeitura e dirigentes das

escolas – os quais naquele momento já haviam formado a Liga Independente das

Escolas de Samba do Grupo Especial (LIESGE) – resolveu ajudar financeiramente

as escolas para viabilizar o desfile de carnaval. Assim,

Representantes da Prefeitura Municipal (PT) e do governo do Estado (PSDB) protagonizaram conflitos diversos sobre a gestão do carnaval na cidade, até que o governo, contando com o apoio do prefeito de Ananindeua, município vizinho a Belém, viabilizou, através da Secretaria de Cultura e de projetos de apoio, recursos financeiros consideráveis, em tempo recorde, para as escolas que escolhessem participar de um desfile recém-criado, nesse município. Como costuma acontecer quando as disputas políticas importam mais que os interesses das classes populares, esse conflito viabilizou uma histórica separação entre as escolas, que culminou em desfiles diferentes em lugares diferentes (RODRIGUES; PALHETA, 2013, p. 29).

Com o impasse instalado, as escolas aceitaram e combinaram não se

inscrever no desfile oficial da prefeitura de Belém e concordaram desfilar em

Ananindeua30. Porém, no último minuto do último dia, duas grandes forças do

carnaval, Rancho e Embaixada resolveram se inscrever, ocasionando uma quebra

de propósitos que era conseguir a gestão do carnaval pelas escolas.

Aconteceu então, que no ano de 2002 houve uma divisão: Rancho,

Embaixada, Academia Jurunense e Matinha desfilaram na Aldeia Cabana no

30 Ananindeua é um município que pertence à Mesorregião Metropolitana de Belém. É o segundo município mais populoso do Estado do Pará. É o município mais próximo da capital (PORTAL DA PREFEITURA DE ANANINDEUA, 2014).

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sábado gordo, enquanto que Bole-Bole, Acadêmicos da Pedreira, Grande Família,

Quem São Eles e Mocidade Olariense desfilaram em Ananindeua, um sábado

depois (OLIVEIRA, 2006).

Nesse desfile, o Bole-Bole homenageou o grupo musical Arraial do

Pavulagem com o enredo A Pavulagem do Meu Povo, promovendo uma mistura

rítmica, entre o batuque do boi com o samba e outros ritmos regionais. Segundo

Vetinho (Entrevista, 10/06/2014), um dos jurados do quesito bateria não gostou

dessa mistura rítmica, enquanto os outros dois deram nota dez, ele deu nota nove,

permitindo com que o Bole-Bole empatasse com o Acadêmicos da Pedreira. Como

o primeiro critério de desempate era o quesito bateria, o Bole-Bole ficou em segundo

lugar. O samba de Vetinho, interpretado por Ademar Carneiro era assim,

O Arraial do Pavulagem reuniu, nosso folclore num banzeiro cultural. Mostrando a festa cabocla pra todo o Brasil! Fez nosso jeito de brincar o carnaval. Bole-Bole num tambor de couro! Xequerê num maracá de cuia! Reco-reco de bambú, urucum na cara. Ficou pai d’égua esse banzeiro Paraoara! Será que é retumbão, ou é bangu-ê, carimboi na rua, ou siriáa, ou siriáa! Que esse samba de cacete tem magia. No arraial que é do sol, no arraial que é da lua! Diz a tacacazeira: menino, é lindo meu Guamá nessa folia! Veja o Arraial chegou e me arrastou! Venha, esse banzeiro é um Paraoá de amor! Dança Boi Tinga, bicho folharal. Axé? axi, meu cheiro é peixe regional! Meu rio é Rui, é Tiritó, Lucindo, Baldez, Waldemar-açu! Tem boto no Sairé, no Mexilhão do Icatu! Quem é jarana vai morar no sul. Hei, bole-boi, bole-boi, bole-boi, bole-boi, bole-boi.

A partir desse ano, o Bole-Bole sem se desvincular de seu viés crítico-

informativo-educativo, iniciou uma fase de enredos com homenagens aos artistas

paraenses. De acordo com Vetinho (Entrevista, 10/06/2014), o Arraial do

Pavulagem é mais que um grupo musical, ele agrega valores da cultura paraense,

além de ter iniciado sua trajetória musical e de oficinas na sede do Bole-Bole na

década de 1990, junto à comunidade da Pedreirinha, mediada por Nazareno Silva,

como assinala Íma Vieira (2014, documento em anexo, p. 183-185)

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A força criada a partir da mobilização da comunidade do Guamá foi o elemento fundamental para o nascimento e o desenvolvimento de outras iniciativas culturais no Bole-Bole e no bairro do Guamá. Assim apareceu o Arraial do Pavulagem no terreiro do Bole-Bole e seu Malhadinho, que veio somar esforços aos empreendimentos de Vetinho e Nazo Silva e outros colaboradores. A sua presença no Bole Bole levou a uma maior visibilidade do que se fazia nesta agremiação. Acho que até influenciou na forma do Pavulagem se apresentar, com crianças. Fortaleceu o elo entre o Boi Pavulagem e o Malhadinho, recém resgatado. Era lindo ver a relação de um boi maduro com um boi criança!

Fica nítido nas palavras de Íma Vieira, o compromisso do Bole-Bole com a

cultura popular e com práticas educativas envolvendo a juventude e a comunidade

guamaense. Esse envolvimento sensibiliza e atrai artistas, intelectuais, acadêmicos

e pesquisadores que transitam, mesmo que temporariamente, trocando saberes e

conhecimentos com os guamaenses.

No decorrer de 2002, o impasse entre FUMBEL e LIESGE acirrou-se. As

cinco escolas que desfilaram em Ananindeua continuaram lá no ano de 2003. Em

Belém, a FUMBEL ascendeu quatro escolas para o Grupo Especial. O Bole-Bole

em um gesto de retribuição ao apoio e a torcida que teve do povo de Ananindeua,

levou para a Arterial XVIII31 o enredo Ananindeua: uma invasão de alegria.

De acordo com Vetinho (Entrevista, 10/06/2014) os ensaios de rua passaram

a ser realizados em dois dias, no Guamá aos domingos, como de costume e, aos

sábados à tarde em Ananindeua. O Bole-Bole além de levar vários ônibus cheios

de guamaenses para a Arterial XVIII, também contava com a participação de muitos

simpatizantes que conquistou em Ananindeua. Porém, na noite do desfile como

assinala Oliveira (2006), por conta de vários problemas ocasionados pela forte

chuva que caiu – impedindo que todos os jurados chegassem até o local do desfile,

destruindo alegorias de algumas escolas etc., todas as agremiações que desfilaram

– houve desfile – foram declaradas campeãs. Com samba de Vetinho e

interpretação de Ademar Carneiro, assim era o samba:

31 Principal Avenida da Cidade Nova, uma espécie de Distrito de Ananindeua.

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Dobrando a Castanheira no trem da saudade! Formosa criança faceira, em busca da felicidade! Hoje, linda metropolitana, no jardim da esperança emana: o progresso e a união. E o Bole-Bole traz um clima de emoção! Só pra fazer Ananindeua brilhar! Na luz do povo que vem iluminar! Na força do comércio e da indústria. Tua cultura, menina! Teu progresso social. Fazem a beleza desse nosso carnaval. Depois do viaduto eu vou fazendo amor, amor, amor! Vais me possuir... amanhecendo na Arterial, um sol especial vem pra te colorir! E a minha paixão: vem do Guamá à Cidade Nova. Desfilando todo prosa, aos delírios da galera! Abre o coração terra de ananin! Ao lixão nostalgia diz não, a invasão de alegria, sim! Quero te ver, te ver, ê, ê. Quero te ver feliz! Balançando a bandeira do samba-raiz.

De acordo com Vetinho (Entrevista, 10/06/2014), na homenagem à jovem

Ananindeua o Bole-Bole fez referência a ananin – árvore que deu origem ao nome

dessa cidade – ao seu comércio e indústria, à sua vasta rede de motéis, ao primeiro

elevado (viaduto) da região metropolitana, ao lixão do Aurá onde é despejado todo

o lixo dessa região, à frondosa castanheira – a qual não mais existe – ao saudoso

trem que fora substituído por linhas de ônibus etc., sem deixar de exaltar o próprio

Bole-Bole e o bairro do Guamá. De uma forma geral, foi um samba que contou a

história de uma das cidades mais importantes da região metropolitana de Belém.

Para o desfile de 2004, numa tentativa de reconciliação com a Prefeitura de

Belém, haja vista ter chegado ao fim o mandato do prefeito Edmilson Rodrigues e

iniciado o de Duciomar Costa, todas as escolas desfilaram na Aldeia Cabana em

dias alternados. O sábado gordo foi reservado para o desfile das Escolas de Samba

Associadas – ESA32, enquanto que as escolas da LIESGE desfilaram na segunda-

feira gorda, cada uma com concurso e regras independentes.

O Bole-Bole veio com o enredo Vinte Anos de Amor Paraoara, no qual

contava um pouco de sua trajetória durante esses vinte anos, aproveitando para dar

uma volta no interior do Pará, tendo como referência a cidade de Moju, mostrando

suas festas, lendas e mitos, misturando ritmos regionais com o samba, além de

fazer, nas fantasias e alegorias, uma composição de alguns materiais como chitão,

cetim, chapéu de palha e fitas brilhosas.

Segundo Vetinho em entrevista concedida para o Jornal Amazônia (Caderno

Variedades, 31/01/2004, p. 14), sobre o enredo para esse ano, “[...] o Bole-Bole

32 A ESA era composta pelas seguintes escolas: Rancho, Embaixada, Tradição Guamaense, Matinha, Academia de Samba Jurunense, Deixa Falar e Nova Mangueira.

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sempre se preocupou em desenvolver temas regionais sem fugir às origens da

escola. Nossa escola sempre foi conhecida como Bole-Bole Pai D’égua, justamente

por levarmos para a avenida o regionalismo”. Com esse enredo o Bole-Bole ficou

em quarto lugar. O samba de Vetinho com interpretação de Ademar Carneiro era

assim,

Vinte anos de prazer! Bole-Bole, eu e você, Belém, morena Paraoara! Pai d’égua é ver no Guamá o sol nascer. Ninguém nos separa! Aonde a boiuna vem boia, Matinta Perêra pede o fumo! A linda Iara faz sonhar e o curupira faz perder o rumo. Nas matas da tribo Anambé, herança de velhos ancestrais! Do anhangá no igarapé! Mapinguarí nos tabocais! O boto encanta na lagoa Maiaú! O jacaré-açu protege as índias no rio Ubá! Vem da floresta as riquezas do Pará! É lindo ver cortejo santo no Jambuaçu, enfeita o mastro menina e dança o Mexilhão do Icatu! Nas festas por todo o interior, tem muito mais amor, tem bangu-ê no arraial! E hoje eu trago pra você! Morena, embelezar seu carnaval.

Esse enredo trouxe os mitos e seres encantados da floresta, como por

exemplo, a comissão de frente que trazia bailarinas e atrizes de teatro amador

caracterizadas de velhas que viravam Matinta Perêra e voltavam a ser velhas

novamente. Um fato interessante foi a vinda para Belém do grupo de danças do

Moju Mexilhão do Icatu, promovendo a interação com jovens guamaenses

participantes da escola de samba. Esse envolvimento, essa troca de informações e

a possibilidade de um grupo conhecer a cultura do outro é um ponto que deve ser

cada vez mais incentivado, tanto na escola de samba quanto na escola formal.

Em 2005, as Ligas numa tentativa de entendimento, resolveram unir as forças

e realizar um único desfile, que aconteceu em dois dias devido à grande quantidade

de escolas que se encontravam em ambas as Ligas. O Bole-Bole reeditou o enredo

Carnaval Paraoara, numa tentativa de reduzir custos e de se manter em uma linha

composta por chitão, cetim e chapéu de palha, reforçando seu culto ao

regionalismo. O samba de Vetinho, interpretado por Ademar Carneiro era assim,

Belém, carnaval Paraoara! É pau de arara meu coração. Tamanco e chapéu de palha, eu vou manter a tradição. Eu quero Ver-o-Peso da alegria, morena. Quero ver o povo cantar. Vou me perder na folia, morena, quando o Bole-Bole passar. Bole-Bole é pai d’égua, morena Belém do Pará. Bole-Bole é pai d’égua, morena Belém do Pará. Vai, vai lá me arrepia Tucunduba meu Guamá. E ele vem, vem mostrar com alegria a cultura do Pará.

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Nesse ano o Bole-Bole não cumpriu o número mínimo de baianas (vinte),

foram feitas quarenta fantasias, porém, a maioria delas desfilou na escola anterior

e não conseguiu chegar a tempo para a contagem oficial, que registrou apenas

dezoito baianas. Desta forma, o Bole-Bole já entrou na avenida com menos dois

pontos, tendo como consequência o sexto lugar na classificação geral, se não fosse

isso, teria ficado em segundo lugar. Mesmo sabedores da perda antecipada de dois

pontos, sua fidelidade ao regionalismo, lhe garantiu uma manchete no Jornal O

Liberal, que dizia: Desfile da Bole-Bole exalta cultura paraense, destacando que:

Quando começar a apuração do resultado do desfile das escolas de samba de Belém, a partir das 15 horas de hoje, na Aldeia Cabana, uma agremiação, independentemente do resultado, já estará com sua marca fincada no carnaval 2005. É a Bole-Bole, que reeditando um tema campeão de 1986, faz uma espécie de protesto, propondo um modelo de apresentação mais ligada à cultura paraense do que ao molde carioca. A agremiação conseguiu levantar o público da Aldeia Cabana apostando como no refrão, que o Bole-Bole é pai d’égua, morena Belém do Pará (BESSA, 10/02/2005, p. 5).

De acordo com Vetinho (Entrevista, 17/09/2013), não era bem um protesto e

sim uma proposta, que representasse um custo menor para as escolas de samba

de Belém, que teimosamente tentam imitar o luxo e a grandiosidade das escolas de

samba do Rio de Janeiro. Destaca ainda, que gosta muito do espetáculo das

escolas de samba na Marquês de Sapucaí, mas que é um espetáculo dentro das

possibilidades estruturais e financeiras deles, não se adequa a realidade paraense.

Há todo um movimento em prol do carnaval carioca, por parte do poder público,

privado, mídia e dirigentes das escolas, que é proporcional à inércia em prol do

carnaval da cidade das mangueiras33.

No ano de 2006, novamente por conta de desentendimentos com a

prefeitura, dessa vez sob a administração de Duciomar Costa e com a FUMBEL,

mais polêmicas e menos carnaval. As escolas, não concordando com as

intransigências do atual prefeito, resolveram não desfilar, porém algumas escolas

romperam o acordo e desfilaram, foram elas: Deixa Falar e Embaixada. Ao longo

33 Cidade das Mangueiras é uma denominação carinhosa à Belém, por possuir muitas dessas árvores ao longo de suas ruas, avenidas e praças, proporcionando uma frondosa sombra para amenizar as altas temperaturas e o sol escaldante.

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do tempo que milito no carnaval de Belém e pesquisando sobre o mesmo, percebo

que essa falta de unidade é histórica. Alguns dirigentes de escolas de samba não

conseguem cumprir compromissos firmados, em prol de tentativas de melhorias

estruturais para o carnaval.

Os presidentes das escolas de samba passaram todo o ano de 2006

elaborando e discutindo o carnaval para 2007. Como iriam compor um desfile com

catorze escolas, era um dos pontos principais da discussão. Então, “em meio a

tantas divergências, um consenso: realizar um desfile unificador, que deixaria as

sete primeiras escolas classificadas no Grupo Especial, e as sete últimas no Grupo

de Acesso” (RODRIGUES; PALHETA, 2010, p. 49-50).

Assim, sete escolas desfilaram na sexta-feira e sete escolas desfilaram no

sábado gordo. Segundo Vetinho (Entrevista, 10/06/2014), o Bole-Bole, amargando

o peso de ter uma escola34 recém-campeã no Guamá e preocupado em não cair de

categoria, usou muita criatividade, mistura rítmica – samba com carimbó – materiais

regionais misturados com brilhos e paetês, composição de cores e materiais na

confecção de alegorias e fantasias, empolgação, alegria, conjunto e harmonia. O

samba feito por Vetinho e interpretado por Ademar Carneiro tinha refrão forte, que

logo depois da segunda passagem durante o desfile, os espectadores aprenderam

e o cantavam. Mestre Lucindo: uma estrela no céu de Marapanin foi o enredo que

proporcionou

Um desfile emocionante, que sacudiu todo o público e arrancou sorrisos e aplausos, inclusive de diretores de outras agremiações que assistiam ao desfile nas laterais da pista. O samba-enredo composto pelo presidente da escola, Herivelto Martins (Vetinho), e a bateria da escola, fizeram um espetáculo à parte (RODRIGUES; PALHETA, 2010 p. 50).

Para as autoras, o Bole-Bole transcendeu todos os limites da criatividade

rítmica, trazendo uma proposta inovadora para o carnaval. Pois, a grande maioria

34 ONG Tradição Guamaense, fundada no ano 2000 e tendo encerrada suas atividades no ano de 2011, foi uma escola de samba, resultado do processo de dissidência do Bole-Bole no período em que foi rebaixado para o Grupo B, liderada por um dos irmãos de Vetinho. É importante destacar, que mesmo essa escola sendo fruto de dissidência, Vetinho ainda compôs seis dos nove sambas dessa escola, deixando de compô-los apenas quando, ambas tornaram-se concorrentes diretas, na avenida.

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das escolas estava presa a copiar o ritmo e as paradinhas das baterias do Rio de

Janeiro. Durante seu desfile a bateria do Bole-Bole, comandada por Mestre Feijão

[...] contou com percussionistas de carimbó e seus tambores de couro, apresentando uma fantástica performance, onde os ritmistas, ao mesmo tempo em que tocavam, cantavam e dançavam, movimentavam-se em um determinado momento do desfile, abrindo a ala da bateria ao meio para a entrada de um tripé que trazia os carimboleiros. A bateria parava de tocar e, no mesmo ritmo, ouviam-se somente os tambores de couro. Foi um delírio geral, uma reação a algo nunca antes visto/ouvido no carnaval paraense (RODRIGUES; PALHETA, 2010, p. 51).

O resultado do encontro entre o samba e a cultura regional, mais

especificamente entre o samba e o carimbó, rendeu ao Bole-Bole o segundo lugar,

perdendo apenas para o Rancho pela diferença de nove décimos, apesar de muitos

carnavalescos e brincantes de outras escolas acharem que o resultado fora injusto.

Prevalecendo a histórica tradição e a riqueza da escola do Jurunas, que ainda

influenciam muito na decisão dos jurados. O samba era assim:

Iluminou Marapanim! Um pescador de ilusão. Inspiração de um querubim, criou um mundo de fascinação. Carimboleando na areia, tocando com seu banjo a exaltar: a natureza e os encantos da sereia. Mestre Lucindo poesia à preamar, é o orgulho da cultura do Pará. Olha a cobra passarinho voa, voa! Olha a cobra passarinho voa, voa! Bole-Bole com carinho canta o Mestre numa boa. Oh lua, lua, luar! O sol mareia lá no Crispim, lua cheia de Marudá, como é bom pescar em Marapanim! Por que não tem jacaré no mar? E por que foi o peixe-boi te inspirar? Deus fez a lua pra ninguém morar. Veleiro saudade me leva contigo pra passear! Leva eu meu Guamá... Aiê, borboletas do mar! Aiê, iê, iê, eu quero carimbolebolear!

De acordo com Vetinho (Entrevista, 10/06/2014), com o moral elevado no

bairro e conquistando simpatizantes e brincantes por toda Belém, o Bole-Bole levou

para a Aldeia Cabana em 2008 o enredo Na Casa do Gilson, o Chorinho dá Samba,

tendo a participação de artistas da terra como o próprio Gilson, seu Gerardo,

Adamor do Bandolim, Biratan Porto, Andréa Pinheiro, Paulo Moura, entre outros

tantos músicos, cantores, compositores e simpatizantes do choro e do samba da

cidade de Belém.

Esse enredo fez uma homenagem à Casa do Gilson, único bar em Belém

que tem como especialidade, a arte do chorinho. No samba, é lembrado o criador

da primeira casa de choro de Belém, onde o Gilson tocava cavaquinho, o Aldemir.

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Com a morte prematura deste, Gilson montou um barzinho no quintal de sua casa,

para não dispersar os chorões paraenses. O bar cresceu, ganhou fama e visitantes

de todo o Brasil.

Nesse ano, o Bole-Bole foi a última escola a desfilar, houve um atraso muito

grande no início do desfile, o horário marcado para a escola do Guamá desfilar era

cinco horas e dez minutos da manhã, só conseguindo iniciar seu desfile às dez

horas e trinta minutos. Com isso, muitos brincantes desistiram de desfilar, foram

derrubados pelo álcool e pelo sono, outros desmaiaram, enfim, foram muitos

problemas provocados pela desorganização do desfile e do carnaval de Belém. O

último brincante do Bole-Bole saiu da avenida às onze horas e trinta minutos desse

dia. Mesmo assim o desfile agradou os jurados e o público que ainda se encontrava

nos camarotes e arquibancadas e o Bole-Bole conquistou o terceiro lugar. O samba

de autoria de Vetinho e interpretado por Ademar Carneiro era assim:

Me Bole-Bole assim, sorrindo pra mim. Me traz alegria! A casa do Gilson é a moldura, o chorinho é a pintura dessa fantasia. Recanto de gente bamba, receita de samba. Orgulho do meu Brasil. Do tio Tó até Chiquinha, de Jacob à Pixinguinha, com o Aldemir o sonho resistiu. É um pedacinho do céu, brasileirinho fiel, assanhado. É um pedacinho do céu, brasileirinho fiel, delicado. Onde o urubu malandro chega murmurando. Chorando baixinho. Vê se gosta do prazer o Guamá vem reviver: A época de ouro, a época de ouro do chorinho. O amor não tem fim, Adamor e o bandolim. É pura paixão, seu Gerard e o violão. E vem um sopro sonoroso, um pandeiro carinhoso, um cavaquinho harmonizando a canção. Não sei porque bate feliz meu coração. Belém, flor amorosa! Gente do choro por te amar! Faz esse samba chorinho, enredo carinho. E o Bole-Bole é um tico-tico no fubá. Voa, voa na melodia! O sol raiou, sorrindo à toa, amanheceu na boemia.

Interessante o viés informativo-educativo do samba, que vem falando desde

os primórdios do chorinho ainda com Chiquinha Gonzaga, passando por grandes

chorões como Pixinguinha e Jacó do Bandolim numa esfera nacional e em Tio Tó,

seu Gerardo, entre outros, numa esfera regional. Além do samba também ter sido

construído com o nome dos chorinhos mais conhecidos, proporcionando aos

guamaenses e à população em geral que vive o mundo do samba como em

Tramonte (2007) e/ou a cultura do samba como em Motta (2003), conhecer uma

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das raízes da cultura brasileira, a qual está solidamente estabelecida em Belém do

Pará.

Com o desfile desse ano de 2008, por conta da credibilidade alcançada, o

Bole-Bole conseguiu firmar uma parceria com o Centro Federal de Educação

Tecnológica do Pará – CEFET/PA, atual Instituto Federal do Pará – IFPA. Mais uma

vez escola e escola de samba se encontrando. Com a solidificação da parceria entre

o Bole-Bole e o IFPA, no ano de 2009, ano do centenário dessa Instituição e 25

anos dessa escola de samba, Vetinho e Edson Fontes criaram o enredo e

compuseram o samba Cem Anos de Educação e Cultura: nossos ofícios,

interpretado na Avenida por Ademar Carneiro.

De acordo com Vetinho (Entrevista, 10/06/2014), esse enredo foi muito bem

aceito pela comunidade escolar do IFPA e pela guamaense. A proposta do enredo

era proporcionar um diálogo entre escola e escola de samba. Por conta disso, foi

improvisado um barracão para a construção das alegorias e de toda chapelaria nas

dependências do IFPA, situação que proporcionou uma visitação de estudantes de

vários cursos como Mecânica, Edificações, Núcleo de Arte entre outros, que se

interessaram e interagiram com os artesãos do Guamá.

O Bole-Bole foi para a avenida sustentado, principalmente, pela comunhão

do trabalho de seus artesãos com os alunos dessa instituição de ensino, pela

criatividade e alegria, pois os recursos financeiros como sempre muito escassos,

não permitem contratação de toda a mão de obra, o trabalho voluntário é

imprescindível nessa agremiação, como assinala Vetinho (Entrevista, 10/06/2014).

Alunos, professores e demais servidores do IFPA participaram do desfile

distribuídos em alas e como destaques das alegorias. A comissão de frente

representava a tradicional Guarda de Honra dessa instituição, formando figuras

coreográficas que costumam fazer em desfiles oficiais da semana da Pátria e

durante a procissão do Círio de Nazaré em Belém.

Em certo momento do desfile, a bateria parava e abria-se ao meio para a

passagem de músicos de sopro em homenagem a não menos tradicional Banda

Marcial, que por alguns segundos tocavam o samba sozinhos. O samba que mediou

a relação entre a escola formal e a escola de samba era assim:

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A porta-bandeira da educação e o mestre na sala, missão altaneira, na comissão de frente da nação! Escola Industrial, legal! Enredo do nosso samba. Dos artífices, na luta pelo social, é tua história, Instituto Federal, um centenário produzindo gente bamba. Num ritmo de bateria, na alegoria dessa região, a tecnologia com as mulheres, evolução. E no esporte, a fama de campeão ... e na arte: a banda musical é atração, o teatro tem magia, o bangu-ê arrasta o povão, comunidade em parceria! Se na avenida da vida, o sonho é uma profissão. Esse estandarte faz brilhar, os caminhos de um cidadão. O ensino em conjunto e harmonia, ajuda o Pará crescer! E assim, o meu Guamá em euforia! No afã da fantasia, faz poesia de orgulho e prazer! Me leva que eu vou, vou nessa folia! Na melodia do coração, meu jubileu é de alegria. O Bole-Bole é sedução.

Como de costume no dia do desfile, Vetinho e eu chegamos cedo à avenida,

fomos para a concentração onde presenciamos a admiração das pessoas quando

viam as alegorias do Bole-Bole. Os guamaenses estavam orgulhosos e certos de

que dessa vez o tão sonhado título iria para o Guamá. Porém, ninguém imaginava

o que iria acontecer naquela madrugada. No início do desfile o primeiro carro

alegórico quebrou, foi um desespero geral por parte dos brincantes do Bole-Bole e

de toda a diretoria, como assinala o Caderno Plateia do Jornal Público (23/02/2009,

p. 1), “os integrantes da Associação Carnavalesca Bole-Bole passaram momentos

de muita angústia com a perda total do carro abre-alas”.

Presenciamos também, as demais escolas, ditas coirmãs (uma irmandade

estranha), vibrando com o que aconteceu. Mesmo assim o Bole-Bole desfilou

tentando superar esse infortúnio, ficando em sétimo lugar, mas se mantendo no

Grupo Especial.

Por conta desse resultado, no ano de 2010 a escola do Guamá, seria a

segunda a desfilar, o que causou muita preocupação aos seus dirigentes, que

precisavam levar para a avenida um enredo de expressão e um samba que pudesse

atrair o guamaense cedo para a avenida. De acordo com Palheta (2012a), pensou-

se em uma homenagem à região Oeste do Pará, o samba ficou pronto, os

carnavalescos Cláudia Palheta e Eduardo Wagner, estreantes no Bole-Bole,

iniciaram o projeto. Porém, em uma noite inspiradora, Vetinho sonhou com uma

homenagem aos Palhaços Trovadores, um Grupo de Teatro de Belém, que trabalha

com a linguagem do clown, fazendo um trabalho voltado essencialmente para a

valorização da cultura popular, divulgando a cultura e popularizando o teatro.

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Os carnavalescos concordaram com a ideia, fizeram a pesquisa do enredo e

o projeto. Enquanto que o compositor da escola batalhava para construir um samba

fácil e animado, os carnavalescos batalhavam para que os Palhaços Trovadores

aceitassem a homenagem, haja vista, ter acontecido um mal entendido entre o

grupo e o Bole-Bole no ano de 2007, mas enfim aceitaram e o samba saiu

(PALHETA, 2012a).

O enredo A alegria do riso na passarela do samba, teve como proposta

homenagear os Palhaços Trovadores – que tem como principal palco de

apresentação as praças de Belém e do interior do Estado, centros comunitários etc.

– com o intuito de misturar esse teatro alegre e colorido com o carnaval, em um só

espetáculo (Figuras 23 e 24). Houve uma interação muito grande dos mesmos com

a comunidade guamaense, haja vista que:

[...] a convivência entre carnavalescos, Escola de Teatro e Dança da UFPA, Grupo Palhaços Trovadores e Associação Carnavalesca Bole-Bole produziu ações para além das expectativas dos participantes dos três lugares. Alunos da ETDUFPA, liderados pelo professor Beto Benone, formaram, juntamente com o professor Cláudio Dídima, a comissão de frente da Bole-Bole para 2010; integrantes da Bole-Bole passaram a ir aos espetáculos dos Palhaços Trovadores e o grupo, por sua vez, além de frequentar os ensaios nas ruas do bairro do Guamá, encenou um de seus espetáculos “Ó Abre-alas” que valorizava o próprio carnaval na quadra da Bole-Bole, estendendo a animação teatral até a comunidade do samba e fazendo mais alegre a tarde de domingo antes do ensaio (PALHETA, 2012a, p. 74).

Figura 23: Brincantes de Ala vestidos de palhaços, 2010. Figura 24: Baianas, 2010.

Fonte: George Maués. Fonte: George Maués.

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Essa interação foi realmente muito proveitosa, as relações estreitaram-se e

o Bole-Bole ficou mais fortalecido, mais criativo e credor de valores que transitam

entre o artístico, a ética, a política e o educacional. Ter proporcionado aos

guamaenses, a maioria sem acesso, uma vivência direta com o teatro, foi muito

importante inclusive para despertar nos jovens um novo horizonte. O samba de

Vetinho e interpretado por Ademar Carneiro, era assim:

Me leva sonho meu, me leva no teu sonhar! No sonho que renasceu, sonhando em não acordar! Chegou meu Bole-Bole, na cadência dos tambores! Sorria Belém, está tudo bem: nós somos os Palhaços Trovadores! É brincadeira a noite inteira, espetáculos de amor. Por toda a parte, comédia dell’arte. O artista se inspirou: em Arlequim, em Colombina, ser clown é mesmo assim - o show nunca termina. Teatro à luz da lua, estrelas a brilhar: no picadeiro da rua, é chuva de cultura popular. E a vida fica colorida, com alegria! No esplendor da avenida, em poesia! E as cenas da cidade, no enredo vêm satirizar, se o dia a dia é fantasia, vamos desfilar! Ôôôôô folia, magia do carnaval! É o meu Guamá em euforia, com essa trupe genial.

Como assinala Palheta (2012a) e Vetinho (Entrevista, 10/06/2014), o Bole-

Bole conseguiu conquistar a todos na avenida, fazendo um desfile impecável, que

o levou ao empate com o Rancho. Curiosamente antes do início da apuração houve

o sorteio dos quesitos de desempate, e o então presidente do Rancho sorteou o

quesito harmonia. Após a declaração do empate, a comissão apuradora analisou a

pontuação das duas escolas no quesito harmonia e verificou que o Bole-Bole tinha

meio ponto a mais que a escola do Jurunas. Sendo, portanto declarado e aclamado

Campeão do Carnaval Paraense de 2010.

Logo após o resultado, os guamaenses que estavam na Aldeia Cabana,

foram para a sede do Bole-Bole que ficou lotada. A festa foi longa e merecida, pois

esse foi de fato o primeiro título dessa escola na elite do carnaval paraense. Com o

resultado positivo, o Bole-Bole ganhou destaque nos principais jornais da cidade de

Belém, como no Diário do Pará (18/02/2010), que lhe garantiu matéria de capa

Campeões do Carnaval 2010: Deu Tijuca lá! E Bole-Bole aqui!

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É importante ressaltar que o viés informativo-educativo do desenvolvimento

desse enredo foi muito profícuo, trabalhou-se a história do teatro por meio das

fantasias e alegorias, contendo elementos como:

[...] a Commedia dell’Arte na carroça da alegria trazendo Arlequim, Pierrot e Colombina; Pantallone, Pulcinella, Dotore e Briguella, Capitano e os inamorati, com diversão por toda parte. Tem Moliére convidado para trazer o estandarte... Circo de tambores, pandeiros, pernas de pau, malabaristas, equilibristas... (PALHETA, 2012a, p. 73).

De acordo com Vetinho (Entrevista, 10/06/2014) foi uma noite encantada, a

avenida parecia um grande parque de diversões. Nesse embalo leve e em ritmo de

brincadeira, a carnavalesca da escola Cláudia Palheta, inspirada nas palavras de

Maria Silvia Nunes35, propôs para 2011 o enredo Bonecos pra lá de animados, uma

homenagem a todos os bonecos do mundo (Figuras 25 e 26), tendo como carro

chefe o grupo paraense de Teatro de Bonecos In Bust, liderado e dirigido por Aníbal

Pacha36, que segundo Palheta (2012a) devido a interação entre os atores e os

bonecos, o mesmo o define como teatro com bonecos e não de bonecos.

Figura 25: Comissão de Frente formada por Gepeto, Grilo Falante e Pinóquios, 2011.

Fonte: Arquivos da Escola.

35 Maria Silvia Nunes é um dos mais importantes nomes do teatro paraense, atriz, diretora e fundadora da Escola de Teatro e Dança da UFPA (PALHETA, 2012a, p. 89). 36 Aníbal Pacha é ator, diretor teatral, diretor do grupo de teatro com bonecos In-bust, manipulador de bonecos e professor da Escola de Teatro e Dança da UFPA.

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Figura 26: Brincantes de ala fantasiados de bonecos, 2011.

Fonte: Arquivos da Escola.

Novamente com um samba alegre e contagiante feito por Vetinho e

interpretado por Ademar Carneiro, o Bole-Bole foi para a avenida transformar

boneco em gente e gente em boneco. Todos os brincantes das alas e os quesitos

estavam vestidos de bonecos, com fantasias coloridas e chapéus que eram as

cabeças dos bonecos, alegorias interessantes e bem acabadas, num desfile que

arrancou a maioria dos dez disponíveis consagrando-se Bicampeã do Carnaval

Paraense.

Segundo Palheta (2012a), o objetivo desse enredo era fazer uma viagem

ao mundo mágico do teatro de animação, dando ênfase para os bonecos feitos de

pano, de lata, de papelão, de paneiro37 etc., mas também contemplando as

máscaras entre outros objetos que ganham vida nas mãos do ator/manipulador.

Como está explícito na letra do samba,

37 O paneiro é uma espécie de cesto tecido por talas de árvores nativas do Pará como miriti, jupati e caraná.

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Se escondeu a lua, um lindo sol raiou! O Bole-Bole vem pra rua: a festa no Guamá já começou! A ilusão do artista, dá alma à criação, com amor e dengo o mamulengo: traz alegria e emoção. Vem colorir a poesia, cata-lendas a brincar! Os mascarados, as fantasias, essa folia é milenar! Fantoches são bichos, são gente! Marionetes da cultura popular. Quem manipula têm desejos, têm os delírios mais profundos. Têm bonecos no cortejo, de todas as partes do mundo. Olha faz no corpo, movimentos. Põe nos olhos, sentimentos. Euforias verdadeiras! Hoje faz enredo na avenida, minha escola tão querida! Carnaval é brincadeira! Ai liri, ai liri, aio ôôôô! Ai Liriaiôôôô!

Assim como aconteceu com os Palhaços Trovadores, o Teatro com Bonecos

da In-bust, apresentaram-se na quadra do Bole-Bole aos domingos antes do ensaio.

O espetáculo atraia dezenas de guamaenses de todas as idades, que riram e se

emocionaram com a delicadeza e a graciosidade dos bonecos.

Nesses dois últimos enredos, Palhaços e Bonecos, o Bole-Bole ganhou

alguns parceiros artísticos para somarem-se ao seu elenco, professores e alunos

da Escola de Teatro e Dança da UFPA – ETDUFPA – que por conta dessa parceria

vitoriosa, uniram-se em busca do tricampeonato em 2012 com uma homenagem

aos 50 anos dessa escola, com o enredo, Bole-Bole apresenta: escola de teatro

dança e carnaval.

Mais uma vez, estabelecia-se o encontro entre escola e escola de samba,

que resultou em um projeto denominado de Artes Carnavalescas, desde 2011, que

era uma realização conjunta entre essas duas escolas, que envolviam tanto os

alunos dos cursos de figurino, artes cênicas e cenografia, quanto jovens que

participavam do barracão de chapelaria do Bole-Bole. A escola do Guamá ficou em

segundo lugar. O samba composto por Vetinho e cantado por Ademar Carneiro dizia

assim:

Eu tenho um coração que Bole-Bole! Que bole, bole, bole, sem parar! Eu tenho a emoção que me socorre, se eu sorrir ou se eu chorar! Abre o pano de boca, é muito louca, essa paixão! Artistas geniais, os delírios teatrais, na avenida da ilusão. Além dos muros da Academia, o meu Guamá em euforia, faz Escola a brincar. De figurino entra em cena com alegria! Teatro e Dança em harmonia a encantar, nesse enredo da cultura popular! E vem homenagear essa gente bamba, nesse ato principal: mudando o cenário do samba, e o roteiro desse carnaval. Nos temas de esplendor, de arte e fantasia! Meio século de amor! Nos palcos da poesia! É sonho, é sedução! E o povo a aplaudir! E a imaginação, me leva me leva, onde eu quero ir.

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Nesse ano, Claudia Palheta fez uma proposta criativa e diferente para o abre-

alas (Figura 27), o qual representava dois palcos de teatro, com frente para as duas

laterais, ou seja, para o público, onde acontecia simultaneamente espetáculos de

teatro. Assim que encerravam uma cena, trocavam de lado e de cenário. Era um

carro em que seus elementos alegóricos eram visualizados pelas laterais e não

frontalmente, como de costume nos desfiles de Belém.

Figura 27: Carro abre-alas, representando um palco de teatro no carnaval 2012.

Fonte: Guilherme Damasceno.

Assim,

[...] o Bole-Bole, consciente de seus limites em relação ao adversário, principalmente os de ordem financeira, investiu em performances de teatro e dança ainda não realizadas no carnaval de Belém, fazendo um desfile que, além de contar com a alegria já característica da escola de samba, contou também com expressiva participação de alunos e professores (grifos meus) da ETDUFPA (PALHETA, 2012a, p. 150).

Na trilogia proposta pela carnavalesca Claudia Palheta para homenagear o

teatro – Palhaços Trovadores em 2010; Bonecos Pra lá de Animados (fazendo

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referência e reverência ao grupo teatral de bonecos In Bust) em 2011 e Escola de

Teatro, Dança e Carnaval em 2012 – o Bole-Bole reforçou e estreitou ainda mais

seus laços com processos educativos como oficinas de teatro, dança, confecção de

bonecos etc. – que é uma marca desde sua fundação – tanto para sua comunidade

como para os alunos da ETDUFPA (Vetinho, entrevista, 10/06/2014).

Com o intuito de dirimir as dificuldades para o carnaval de 2013, ainda sob o

comando da carnavalesca Cláudia Palheta, o Bole-Bole reeditou o enredo de 2007,

Mestre Lucindo – uma estrela no céu de Marapanim (samba descrito na página

117). Aproveitando cerca de 80% das bases das alegorias e fazendo

reaproveitamento de materiais (Figuras 28 e 29). O tema reaproveitamento foi

bastante debatido com a comunidade, ressaltando questões ambientais,

econômicas, criativas etc., sustentado por um viés educacional.

Figura 28: Alegoria do Bole-Bole de 2012 sendo reaproveitada para o carnaval de 2013.

Fonte: Margarida Gordo.

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Figura 29: Alegoria do Bole-Bole, carnaval 2013, reaproveitada do carnaval de 2012.

Fonte: George Maués.

Apesar de ser reeditado, o enredo ganhou nova roupagem, repetindo em

relação ao ano de 2007 apenas o samba e a passagem dos tocadores de curimbós

no meio da bateria (Figura 30) que parava, ecoando na avenida (por alguns

segundos) apenas o ritmo do carimbó. Nesse ano a escola do Guamá ficou em

segundo lugar.

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Figura 30: Passagem dos músicos de carimbó no meio da bateria no monumental da Aldeia Cabana em 2013.

Fonte: George Maués.

É interessante pontuar que o Bole-Bole vem ao longo de sua história,

proporcionando vivências sobre variação rítmica tanto nas oficinas, quanto nos

ensaios da bateria para mais de cento e cinquenta jovens que dela participam. A

Audaciosa, nome da bateria do Bole-Bole (Figura 31), mistura samba com carimbó,

com siriá, com lundu etc. (Vetinho, entrevista, 10/06/2014).

Figura 31: Bateria Audaciosa no carnaval de 2015.

Fonte: Carmem Rodrigues.

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Alegando questões de ordem pessoal e acadêmica, Cláudia Palheta saiu do

Bole-Bole e o enredo de 2014 foi pensado por Vetinho, que também foi o compositor

do samba, interpretado por Ademar Carneiro. O enredo Trilogia: um canto forte na

Amazônia foi uma homenagem a uma formação musical, denominada de Trilogia,

constituída pelos artistas Nilson Chaves, Mahrco Monteiro e Lucinha Bastos, que

mesmo mantendo suas carreiras solo, há dez anos formaram a Trilogia, uma

maneira que encontraram de cantar juntos a Amazônia.

O ponto de partida do desenvolvimento do enredo foi a música Não Peguei

o Ita38 de Nilson Chaves, fazendo um contraponto com a canção de Dorival Caymmi,

Peguei um Ita no Norte, bem como, com o enredo da escola de samba Acadêmicos

do Salgueiro em 1993, sob o mesmo título. Não Peguei o Ita significa não afastar-

se da cultura amazônica, não renegar a cultura de sua terra, não apartar-se de sua

gente e de seus costumes, mesmo tendo que morar em outros lugares, longe dela.

O samba de Vetinho, interpretado por Ademar Carneiro era assim

[...] Quando o Ita apitou, um filme passou, me vi chorando. O sonho aqui navegou, o céu clareou, me vi cantando! E aí, bati com os olhos no luar! Numa canção do rio-mar, eu fui, que fui, ficando... E assim, com três estrelas num brilho só, até os deuses ensaiaram carimbó, nas cores da Amazônia Paraoara! Cantores dos rios e dos encantos da floresta, mandingas, amores e festas. Destinos marajoaras (bate o tambor)! Tem olho de boto pra mundiá, laiá! Na areia da praia tem siriá laiá! E a barra da saia a rodopiar, oh morena! O Mahrco, Chamegoso pelas beiras! Lucinha, qual Uirapuru! O Nilson, Capitão da brincadeira: desaguam em Turiaçu. Sem cheiro de tacacá, sem o sabor açaí. Não saberiam se acostumar longe daqui. E esse encontro de magia, ecoou em poesia: nas melodias do meu Pará, na Trilogia! Na beira do rio Guamá, o Bole-Bole, bole com a lua! Por ser do Norte, meu canto é forte, é a força que vem das ruas.

A escola do Guamá ficou em quarto lugar. Esse enredo, segundo Vetinho

(Entrevista, 10/06/2014), tinha o propósito de reacender a chama da cultura

paraense, além de aproximar os guamaenses de suas raízes culturais, como o

carimbó, siriá, o tacacá, entre outros ícones da cultura do Pará.

38 Ita era o nome que designava qualquer um dos navios brasileiros a vapor, que faziam o transporte de cargas e passageiros de norte a sul do Brasil, na primeira metade do século XX (NAVIOS E PORTOS, 2014).

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Para o carnaval de 2015 o enredo do Bole-Bole Bangu-ê Bumbá: é festa na

Pedreirinha do Guamá reforça ainda mais seus laços com a cultura regional e a

identidade com a Pedreirinha e o bairro do Guamá. É um tema que levou para a

avenida o cortejo de bangu-ê, o boi-bumbá Malhadinho além das festas de cunho

religioso e profano que acontecem nessa pequena rua em extensão, porém grande

em ecletismo cultural como assinala Dias Júnior (1999), que é a Pedreirinha onde

está localizada a sede do Bole-Bole. O samba de autoria de Vetinho e interpretado

por Ademar Carneiro era assim:

[...] Arreda sai da frente, deixa de ser falador! Bole-Bole vai passando, o Guamá vai delirando. É Sambangu-ê de amor! O Negro, do engenho fugiu. Nas terras, da tribo Anambé que resistia. Clareou, quando o bangu-ê surgiu. Nas lendas, era um quilombo de magia. E aqui um dia, virou marcha de boi-bumbá. Fez o mestre Bandeira cantar: toadas de paixão e carinho. Fez um sonho lindo que se foi, voltar. Na recriação do Malhadinho! O sambangu-ê-bumbá! É a cultura popular do meu lugar (bate o tambor). Bate o tambor de couro batuqueiro de ouro. Deixa a onça roncar! Tem chocalho e tem barrica. É muito rica a cultura do Pará. A lua desceu serena, mergulhou no rio Guamá! Faz sambangu-ê morena, que o dia já vem raiar! De manhãzinha, com chuva ou céu azul, a festa continua lá na Pedreirinha, tem carimbó e Caldo de Turú.

De acordo com Vetinho (Entrevista, 10/06/2014) com esse enredo a escola

do Guamá resolveu unir dois estilos na avenida – o de escola de samba e o cortejo

de bangu-ê – numa só emoção e, transformar essa agremiação na primeira escola

de sambangu-ê do Brasil, dando continuidade ao que sempre se propôs a fazer:

mostrar um pouco da diversidade da cultura do Pará, bem como lutar para tentar

desfazer o pensamento de que o carnaval de Belém é uma cópia mal feita do

carnaval do Rio de Janeiro, inserindo a cultura e os ritmos paraenses no carnaval

oficial de Belém.

A escola de Sambangu-ê do Bole-Bole, vem mais uma vez transformando

sua batucada trazendo ritmos paraenses alternando com o samba tradicional,

produzindo uma sonoridade diferente, com um estilo novo de composição, com

estruturas diferentes daquela do samba-enredo. Vem contando a estória e um

pouco da história inesgotável de nossa cultura popular, das festas do Guamá,

principalmente da passagem Pedreirinha onde um pouco de tudo acontece

(Vetinho, entrevista, 10/06/2014). O carnaval de 2015 também foi marcado por ser

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o último ano do Porta Estandarte Edson Neves (Figura 32), que há vinte anos

defende o estandarte da escola.

Figura 32: Porta-Estandarte Edson Neves no carnaval de 2015.

Fonte: Carmem Rodrigues.

Neste carnaval o Bole-Bole driblando as dificuldades e sendo surpreendido

com uma nota sete de um dos jurados no quesito samba enredo, o outro jurado deu

dez – sendo considerado pela imprensa local e pelo mundo do samba como o mais

bonito e mais bem elaborado samba do carnaval de 2015 – conseguiu conquistar o

terceiro lugar. Caso contrário teria ficado em segundo lugar.

No carnaval de 2015 a tradicional escola de samba da Pedreira, o Império de

Samba da Embaixada Pedreirense, ou apenas Embaixada foi a escola rebaixada.

As escolas de samba que deverão disputar o carnaval de 2016 são: Associação

Carnavalesca Bole-Bole, Grêmio Recreativo Jurunense Rancho Não Posso me

Amofiná, Império de Samba Quem São Eles, Grêmio Recreativo e Escola de Samba

Piratas da Batucada, Associação Carnavalesca A Grande Família, Associação

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Carnavalesca Xodó da Nega, Escola de Samba da Matinha e Grêmio Recreativo

Escola de Samba Mocidade Unida do Benguí (que estreará no grupo especial).

Tanto o carnaval quanto o enredo para 2016 ainda é uma incógnita, apesar

de que em relação ao enredo haja uma indicação, para que todas as escolas façam

uma homenagem aos quatrocentos anos da cidade de Belém.

Nesta estrofe fiz um sobrevoo na história da Associação Carnavalesca Bole-

Bole, mostrando sua estreita relação com a escola formal desde sua fundação, com

o bairro do Guamá e sua rua, a Pedreirinha. E assim, o Bole-Bole continua sua

trajetória falando de seu bairro, reforçando a rica cultura do Estado do Pará,

desvelando problemas e anunciando caminhos para se chegar a possíveis

soluções, tentando manter suas oficinas, mesmo sem o apoio do poder público e da

classe empresarial, ao som de muito samba, repiques, cuícas e tamborins.

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Figura 33:

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A imagem abaixo retrata o carro abre-alas do Bole-Bole no carnaval de 1997, estreia

dessa agremiação na elite do carnaval paraense, cujo enredo foi: O delírio dos

poetas imortais. Alguns membros (também denominados de imortais) da Academia

Paraense de Letras (APL) integravam a comissão de frente e outros vinham no carro

abre-alas, como Alonso Rocha que além de escritor, era detentor do título de

Príncipe dos Poetas (o segundo da esquerda para a direita na figura 34), de onde

escreveu o soneto Desfile de Carnaval no decorrer do desfile, o qual faz parte da

epígrafe desta estrofe.

Figura 34: Carro abre alas do Bole-Bole com alguns membros da APL sentados, 1997.

Fonte: Acervos da Escola Bole-Bole.

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3.1 A escola de samba e a educação não-formal

O objetivo desta estrofe é desvelar a importância da educação não-formal para a

educação, bem como destacar a escola de samba como espaço privilegiado para

que esta aconteça, dialogando com projetos e práticas educativas que foram e estão

sendo desenvolvidos na escola de samba em estudo, o Bole-Bole.

A união entre samba e academia, a qual proporcionou o enlace entre a

cultura popular e a cultura erudita, referida por Alonso Rocha em seu soneto ao

desfile do Bole-Bole na homenagem à Academia Paraense de Letras, é uma das

tantas possibilidades vigentes em uma escola de samba. Assim como os saberes e

as práticas educativas produzidos nesses espaços, ocorrendo principalmente, por

seu poder atrativo e pela convergência de pessoas de diferentes níveis

socioeconômico e de formação, que carregam consigo toda uma bagagem cultural

e de conhecimentos e saberes, os quais inevitavelmente são partilhados nesse

espaço (Figura 35).

Figura 35: Oficina de teatro de fantoche para as crianças do projeto Xequerê na sede do Bole- Bole, 2002.

Fonte: Arquivos da Escola.

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O compartilhamento do espaço da escola de samba entre os moradores do

bairro pertencentes à comunidade, artistas das mais diversas áreas, antropólogos,

sociólogos, psicólogos, educadores, escritores, compositores, costureiras,

sapateiros, serralheiros etc., pode proporcionar saberes importantes para o

desenvolvimento geral do indivíduo, os quais são provenientes de uma categoria da

educação denominada de educação não-formal.

Falar sobre educação não-formal requer, em primeiro lugar, entender a

abrangência do termo educação e em segundo, o sentido que o termo não-formal

confere a essa junção. Outro ponto fulcral é entender sua contribuição para a

melhoria da qualidade da educação brasileira, não somente no que diz respeito à

elevação de seus índices, mas, sobretudo, em mudanças efetivas na vida das

pessoas, ou seja, para além de dados estatísticos e proporcionar uma formação,

promover a emancipação e a libertação humana. Para isso, o indivíduo deverá

politizar-se, tornar-se um ser crítico e um cidadão consciente de seu papel na

sociedade.

Entendemos a educação como um movimento dinâmico e constante de

formação humana, que tem na escola formal um espaço privilegiado. Assinala Freire

(1996) que a Educação é um processo humanizante, social, político, ético, histórico,

cultural, destacando que “a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela

tampouco a sociedade muda” (FREIRE, 2000, p. 67). Por conta de toda essa

complexidade, acredito que esse movimento, ultrapassa os limites da escola, não

restringindo-se aos ensinamentos provenientes dela.

Assim como a educação formal (que acontece na escola), a educação não-

formal comporta muito bem esse movimento, caracterizando-se por acontecer

alheia à burocratização e à formalidade da escola. Apesar de a nomenclatura

sugerir uma oposição: formal versus não-formal, isso acontece, sobretudo no campo

semântico. Na realidade ambas possuem características diferenciadas, porém,

buscam objetivos semelhantes: a educação, que se estabelece como

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Um dos requisitos fundamentais para que os indivíduos tenham acesso ao conjunto de bens e serviços disponíveis na sociedade. Ela é um direito de todo ser humano como condição necessária para ele usufruir de outros direitos constituídos numa sociedade democrática. Por isso, o direito à educação é reconhecido e consagrado na legislação de praticamente todos os países e, particularmente, pela Convenção dos Direitos da Infância das Nações Unidas (particularmente os artigos 28 e 29). Um outro exemplo é o Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil. Negar o acesso a esse direito é negar o acesso aos direitos humanos fundamentais. É um direito de cidadania, sempre proclamado como prioridade, mas nem sempre cumprido e garantido na prática. Esse direito tem-se restringido ao ensino obrigatório e gratuito, mas ele não cessa na chamada “idade própria” do ensino fundamental. É um direito que deve estender-se ao longo de toda a vida, como a própria educação (GADOTTI, 2005, p. 1).

Como se vê, a educação é um direito conquistado e não deve estar restrito à

escola. Ela é livre para transitar em todos os lugares. Essa liberdade e esse trânsito

livre são característicos da educação não-formal. É importante ressaltar que esse

novo campo conceitual39 que se apresenta à educação, denominado de educação

não-formal, começa a se estruturar no Brasil a partir da década de 1990, em outros

países essa discussão remonta do final da década de 1960 (GARCIA; ROTTA,

2011).

De acordo com Trilla (1996) e Camors (2006) esse termo surgiu em 1967 na

Conferência Internacional sobre a Crise Mundial da Educação em Williamsburg na

Virgínia nos Estados Unidos, por Philip Hall Coombs40, quando destacou a

necessidade de se desenvolver meios educativos diferentes dos escolares. A partir

daí surgiram os termos educação informal e não-formal, com a finalidade de dar

conta da vasta e diversificada gama de processos não-formais de ensino localizados

fora do sistema da educação formal.

Antes da década de 1960, a palavra educação era sinônima de escolaridade,

somente a partir desse período o termo educação não-formal começou a adquirir

certa importância no contexto mundial, devido às carências e disparidades

educativas constatadas em muitos países, principalmente os subdesenvolvidos.

Essa constatação foi feita a partir de uma série de análises econômicas, políticas e

39 É importante considerar que a prática da educação não-formal já acontecia anteriormente à própria denominação, mas sua concepção como campo educacional, com suas particularidades e características conceituais específicas é recente (GARCIA; ROTTA, 2011, p. 4). 40 Diretor do Instituto Internacional de Planejamento de Educação da UNESCO.

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pedagógicas que mostraram as falhas e insuficiências da educação formal para

fazer frente aos problemas constatados (DENIS, 2006).

De acordo com Gohn (2011), no Brasil o acolhimento à educação não-formal

se deu por esses mesmos motivos, tendo como ponto de partida programas que

envolviam a alfabetização de adultos, como a educação popular nas décadas de

1970 e 1980 e, a educação de jovens e adultos na década de 1990, principalmente

nas organizações não-governamentais. É válido ressaltar que a educação e a

aprendizagem geradas, nessa modalidade de ensino, se dão por meio de

participação social e em ações coletivas, ou seja, mediadas pela prática social.

A educação não-formal é uma ampliação ao conceito de educação, estando

diretamente ligada ao conceito de cultura, caracterizada por ser uma forma de

ensinar e aprender que leva em consideração a vivência dos sujeitos ao longo de

sua vida, proveniente da “leitura, interpretação e assimilação dos fatos, eventos e

acontecimentos que os indivíduos fazem, de forma isolada ou em contato com

grupos e organizações” (GOHN, 2011, p. 106).

Levando-se em consideração que o essencial desse aprendizado é de poder

ser gerado pela experiência das pessoas em trabalhos coletivos, nos quais “a

produção de conhecimentos ocorre não pela absorção de conteúdos previamente

sistematizados, objetivando ser apreendidos, mas o conhecimento é gerado por

meio da vivência de certas situações-problema” (GOHN, 2011, p. 111). Além de que

é uma forma de aprender algo importante, de produzir conhecimento fora da

formalidade da escola, mas nem por isso, é possuidora de menor importância em

relação aos conhecimentos desenvolvidos pela base curricular da escola (GOHN,

2007; VON SIMSON; PARK; FERNANDES, 2007; PARREIRA; JOSÉ FILHO, 2010).

Visto que,

[...] a educação não-formal é uma possibilidade de produção de conhecimento que abrange territórios fora das estruturas curriculares da educação formal. Tem como escopo de trabalho a formação do indivíduo para o mundo, abrindo janelas para novos conhecimentos, criando canais de aprendizagem que poderão levar os indivíduos à emancipação de formas de pensar e agir social (GOHN, 2011, p. 12).

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Bem como,

[...] a educação não-formal é voltada para questões que dizem respeito ao dia-a-dia dos participantes. O principal objetivo dessa corrente educativa é a formação de cidadãos aptos a solucionar problemas do cotidiano, desenvolver habilidades, capacitar-se para o trabalho, organizar-se coletivamente, apurar a compreensão do mundo à sua volta e ler criticamente a informação que recebem. Isso é feito pela valorização de elementos culturais já existentes na comunidade, às vezes mesclados com novos elementos introduzidos pelos educadores, e pela experiência em ações coletivas [...] (GOHN, 2007, p. 14).

É possível entender que a educação não-formal representa um conceito de

educação que não se restringe ao processo de ensino-aprendizagem dentro dos

limites da escola formal e enclausurada por um currículo, pois “o termo educação

envolve um leque amplo de experiências educativas, informativas e formativas que

não se resume à experiência escolar, formal” (VON SIMSON; PARK; FERNANDES,

2007, p. 13), ela extrapola a instituição escolar para diversos espaços – como em

uma escola de samba, por exemplo – e de diferentes formas, como a valorização

do aprendizado em grupo, “bem como, dos valores culturais que revelam o indivíduo

em suas habilidades e potenciais extracurriculares” (PARREIRA; JOSÉ FILHO,

2010, p. 249).

Entendo que há na educação não-formal um caráter de coletividade e de

cooperação muito profícuos, pois se trata de uma aprendizagem mediada pelas

relações sociais, numa aproximação com o concreto e com o real, como assinala

Gadotti (2005) um aprender com a cidade. Um aprender com e pelo prazer. Há, a

meu ver, uma relação de entrega de quem dela participa, mediando essa

aprendizagem. Infelizmente um cenário comum que assistimos em grande parte das

escolas formais, não é o mesmo em termos de prazer pela aprendizagem.

De acordo com Gadotti (2005, p.3) atualmente “as teorias do conhecimento

estão centradas na aprendizagem”. Ressalta que para aprender é imprescindível

que haja um envolvimento profundo com aquilo que aprendemos, e que esse

aprendizado, esse conhecimento venha a fazer sentido para as nossas vidas. Pois,

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O conhecimento serve primeiramente para nos conhecer melhor, a nós mesmos e todas as nossas circunstâncias. Serve para conhecer o mundo. Serve para adquirirmos as habilidades e as competências do mundo do trabalho; serve para tomar parte nas decisões da vida em geral, social, política, econômica. Serve para compreender o passado e projetar o futuro. Finalmente, serve para nos comunicar, para comunicar o que conhecemos, para conhecer melhor o que já conhecemos e para continuar aprendendo (GADOTTI, 2005, p. 4).

Infelizmente um cenário comum que assistimos em grande parte das

escolas formais é uma negação à vida de seus alunos, e isso pode impossibilitar o

envolvimento dos alunos com o que se ensina na escola. “A educação formal,

escolarizada, muitas vezes burocratiza o saber. As escolas trabalham com a

homogeneidade diante da diversidade das crianças”, ignorando e desqualificando o

saber delas. Às crianças deve ser reservado o direito de realizarem suas

aspirações, de ter esperança, de ler o livro que amam. “Porque aprendemos quando

temos o desejo de aprender” (GADOTTI, 2005, p. 5).

Não devemos encher de críticas e condenar a escola formal. É necessário

que tanto seus problemas e pontos fracos como suas potencialidades e aspirações

sejam identificados, para que novos caminhos possam ser traçados e percorridos.

É importante ressaltar que a educação escolarizada é apenas uma vertente da

educação. De acordo com Gadotti (2005, p. 2) “o conceito de educação sustentado

pela Convenção dos Direitos da Infância ultrapassa os limites do ensino escolar

formal e engloba as experiências de vida, e os processos de aprendizagem não-

formais, que desenvolvem a autonomia da criança”. Haja vista seu aprendizado

acontecer “no mundo da vida”, via os processos de compartilhamento de

experiências, principalmente em espaços e ações coletivas cotidianas (GOHN,

2006, p. 28). É válido ressaltar que

No fundo passa despercebido a nós que foi aprendendo socialmente que mulheres e homens, historicamente, descobriram que é possível ensinar. Se estivesse claro para nós que foi aprendendo que aprendemos ser possível ensinar, teríamos entendido com facilidade a importância das experiências informais nas ruas, nas praças, no trabalho, nas salas de aula das escolas, nos pátios dos recreios, em que variados gestos de alunos, de pessoal administrativo, de pessoal docente se cruzam cheios de significação” (FREIRE, 1996, p. 44).

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O que Freire (1996) destaca reforça o depoimento de Claudia Palheta

(Entrevista, 18/10/2014) sobre a aprendizagem também, em espaços não-

escolares, neste caso na escola de samba

Acredito que a escola de samba, que o ambiente da escola de samba, seja um lugar para aprender. O como aprender pode ser diferente para cada uma dessas pessoas que lá se encontram. [...] Acho que a escola de samba é sim um lugar para aprender, porque sempre tem algo novo dentro do barracão, em todo o carnaval que eu fiz, sempre tinha uma pessoa que ainda não havia estado ali, e que passava a aprender a fazer algo dentro do barracão. [...] Acredito na escola de samba como um lugar propício ao aprendizado, porque é um aprendizado pelo fazer, o qual comparo com o aprender a fazer as coisas dentro de casa, e não como a gente aprende as coisas dentro da escola. Na escola a gente está sentado, e tem uma metodologia determinada em que uma pessoa – o professor – diz para a gente como deve proceder, e todos recebem a informação de uma mesma forma. Em casa a gente aprende a varrer casa, fazer comida, lavar roupa, olhando como é que faz e fazendo até dar certo, é assim que percebo o aprendizado dentro do barracão, pois se trata de um aprendizado pelo olhar, pela repetição, não é um aprendizado pelo livro.

Pelas vivências que tenho na escola de samba, vendo e compartilhando dos

conhecimentos e saberes lá existentes e muito bem explicitados acima por Claudia

Palheta é que proponho esse espaço para o desenvolvimento da educação não-

formal, pois acredito e o entendo como um lugar propício para a construção e

compartilhamento de conhecimentos e saberes, que poderão proporcionar um

acesso menos restrito ao processo educacional. Assim,

É importante que essa proposta de educação não-formal funcione como espaço e prática de vivência social, que reforce o contato com o coletivo e estabeleça laços de afetividade com esses sujeitos. Para tanto, necessita-se de um lugar onde todos tenham espaço suficiente para experimentar atividades lúdicas, ou seja, tudo aquilo que provoque, seja envolvente e vá ao encontro de interesses, vontades e necessidades de adultos e crianças. As atividades de educação não-formal precisam ser vivenciadas com prazer em um lugar agradável que permita movimentar-se, expandir-se e improvisar, possibilitando oportunidades de troca de experiências, formação de grupos – de proximidade e de brincadeiras e jogos, no caso das crianças e jovens –, contato e mistura de diferentes idades e gerações (VON SIMSON, PARK, FERNANDES, 2007, p. 22-23).

Esse ambiente descrito pelas autoras para a prática da educação não-formal

é característico da escola de samba, pois a entendo como um espaço material e

simbólico que representa um lugar: onde se produz carnaval, de liberdade, de

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diversão, de socialização e de possibilidades de criação. O qual exerce um poder

de atração muito forte nas pessoas, principalmente na juventude, por meio da arte

– música, dança, teatro, dentre outras manifestações artísticas. Por isso, defendo a

ideia desses atributos da escola de samba, serem levados em consideração e esta

ser aproveitada como espaço educativo e de formação. Destaco meu

reconhecimento à escola formal como espaço privilegiado para que a educação

aconteça, porém, destaco a escola de samba também como espaço privilegiado

para esse processo, por meio da educação não-formal.

Visualizo na escola de samba um ambiente favorável à ocorrência da

educação pelo fato de: exercer um poder atrativo sobre as pessoas, mediado

principalmente pela arte e o uso da criatividade; contar com a presença da família;

registrar baixos índices de evasão das oficinas; proporcionar uma grande circulação

de pessoas com diferentes formações e saberes; possibilitar o diálogo entre os

conteúdos estudados na escola com os saberes da escola de samba; proporcionar

aos alunos vivências na arte e na cultura popular de uma forma mais densa, entre

outros.

Dentre os atrativos de uma escola de samba, destaco a musicalidade, pois

são muitos os depoimentos que referem o pulsar da bateria como algo mágico e

inebriante, como na fala do destaque Luís Augusto Alcântara, o mestre Feijão – um

dos instrutores e chefe da bateria do Bole-Bole, em entrevista concedida no dia 30

de setembro de 2013, sobre sua entrada nessa escola de samba:

Meu namoro com o Bole-Bole iniciou de uma forma interessante, até meio engraçada, estava na rua de casa jogando bola com outros garotos, quando ouvi o som da bateria que estava passando na Rua Barão de Mamoré, eu abandonei o futebol e fui atrás da bateria. Fiquei encantado com aquele som, enfeitiçado mesmo, que quando dei por mim estava na sede do então bloco, agora escola de samba. [...] No outro dia lá estava eu, acho que fui o primeiro a chegar, minha mãe nem sabia onde eu estava, mas eu estava no Bole-Bole aprendendo a tocar, não faltava em nenhuma aula.

O depoimento de Feijão é interessante porque retrata o poder atrativo da arte

– neste caso representado pela música – da possibilidade de uso da criatividade,

da vontade de aprender o novo. Ele foi fisgado, abduzido para o mundo do carnaval,

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pelo som da bateria, por meio da arte. De acordo com Tramonte41 (2001), o

enriquecimento, a diversificação e a sofisticação do universo estético das classes

populares que participam da escola de samba e daqueles que assistem ao desfile

ou frequentam as quadras das escolas, fazem parte da Pedagogia da Arte.

Com as possibilidades de criação, devido a uma liberdade criativa e

expressiva e, o envolvimento de trabalhadores/artistas populares possibilitados pelo

carnaval, é inegável seu status de arte reconhecida e a riqueza estética de suas

representações. Bem como, as possibilidades de vivências que se abrem à arte e à

cultura popular de uma forma mais viva (TRAMONTE, 2001).

Outro ponto relevante possibilitado na escola de samba é a presença da

família dos envolvidos nos projetos, pois grande parte desses familiares faz parte

ou relacionam-se nesse espaço, seja como brincantes (membros de alas – bateria,

baiana etc.), prestadores de serviço (oficineiro, sapateiro, costureiras etc.) ou

assumindo alguma função administrativa ou artística. Na realidade, é a comunidade

engajada na escola de samba. Segundo Kléber Oliveira (Entrevista, 17/10/2014)

Tinha uma coisa muito boa nas oficinas do Bole-Bole, a comunidade sempre deu apoio, todas as famílias direta ou indiretamente participavam, davam apoio aos seus filhos nas oficinas. Na verdade o Bole-Bole sempre foi uma escola que agregou todo mundo, independente de religião, de cor, de credo, sempre acolheu todo mundo lá dentro. [...] Quando sumíamos de nossas casas, nossos pais nos procuravam primeiro no Bole-Bole, porque sabiam que estávamos lá, brincando, tocando, cantando.

Como assinalam Von Simson, Park e Fernandes (2007, p. 23), “não há como

pensar a educação não-formal desconsiderando a comunidade”, complemento

dizendo que não há como pensar a escola de samba sem a comunidade. Sendo

esta, a própria representação da família na escola de samba e nos demais espaços

onde acontece essa vertente da educação. Essa relação entre a família e a escola

de samba é referenciada nas palavras do destaque Fabrício Meirelles – o Mini –

41 Tramonte lançou um livro em 2001, O samba conquista passagem: as estratégias e a ação educativa das escolas de samba, baseada em sua dissertação de mestrado, na qual constatou que as escolas de samba são lócus educativo das classes populares e aponta seis vertentes pedagógicas que identificou nesse espaço, que são: 1. Pedagogia da Ação Social; 2. Pedagogia da Ação Política; 3. Pedagogia dos Valores Éticos e Morais; 4. Pedagogia da Ação Escolar; 5. Pedagogia da Ação Cultural e 6. Pedagogia da Arte.

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instrutor e um dos mestres de bateria do Bole-Bole, em entrevista concedida no dia

30 de setembro de 2013:

Comecei a tocar aos 8 anos de idade, no Projeto Bole-Bole do Futuro, me interessei e vim aprender a tocar com o Mestre Meninéa. Minha vinda para cá, teve muita influência do meu tio Sabá – o Sebastião Meirelles, um dos fundadores do Bole-Bole – que me incentivou muito a aprender a tocar instrumentos nas oficinas que aconteciam aqui, ele estava sempre presente, acompanhando meus passos dentro do Bole-Bole. [...] Tem um dado importante que andei observando, é que a maioria dos garotos que participa de nossas oficinas, as frequentam assiduamente, apesar de estarem matriculados nas escolas formais do bairro, muitos não frequentam as aulas. Tem muito garoto que não conta com o apoio de ninguém da família, não tem acompanhamento nenhum, para alguns o único refúgio dessa carência é o Bole-Bole. Acredito que o descaso das famílias, com a educação de seus filhos, tem a ver, também com a carência destas e do próprio bairro. Muitas crianças ao invés de estarem fazendo algo produtivo no contra turno da escola, estão na rua e, as famílias não dão em cima delas para que estudem, mas vejo alguns familiares delas nos ensaios da escola, acompanhando-as durante as oficinas. Acho importante a presença deles lá vendo o que seus filhos, sobrinhos etc. estão produzindo.

Como se vê, há uma relação de pertencimento entre as famílias e a escola

de samba, relação esta muito frágil com a escola formal. Desde os oito anos Mini

foi introduzido e acompanhado por um tio na música nas oficinas do Bole-Bole.

Grande parte dos alunos matriculados nas escolas não possui um

acompanhamento adequado de seus familiares, entregando seu filho aos cuidados

da escola formal, dando-lhe uma dupla função e dificultando ainda mais o

desempenho de sua função. Penso, que a escola formal precisa reconstruir o laço

com as famílias e com a comunidade em seu entorno, tornando-se mais presente,

mais viva, mais real, mais próxima da realidade dos alunos e mais atrativa.

Uma parte considerável dos jovens que participaram e participam das

oficinas do Bole-Bole, por suas condições familiares e socioeconômicas, facilitadas

pela própria realidade do bairro do Guamá, encontra-se em situação de risco. Como

ressalta Íma Vieira (2014, documento em anexo, p. 183-185), ao referir-se sobre os

projetos do Bole-Bole, no período em que ela e Nazareno Silva participaram destes

ativamente:

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[...] as crianças e adolescentes que frequentavam o Bole-Bole eram filhos de moradores de baixa renda do bairro, todos trabalhadores, que viviam em geral em precárias condições de educação formal. A vulnerabilidade diante das drogas e bebidas eram altas em razão da condição financeira das famílias e as escolas formais não tinham muitos atrativos para aqueles meninos talentosos e sedentos de cultura na periferia.

A condição socioeconômica e educacional das famílias que frequentam o

Bole-Bole, de uma forma geral, é muito complexa e preocupante. A vulnerabilidade

às drogas e bebidas é uma triste realidade. Íma Vieira (2014, documento em anexo,

p. 183-185) foi precisa em seu depoimento, pois uma parte considerável dessas

pessoas não frequentou a escola formal ou não integralizou seus estudos, e isso

acabou se estendendo às crianças. A esses fatores associa-se a incapacidade da

escola formal de atrair os jovens, para que estes incorporem a cultura escolar como

algo fundamental para suas vidas. Há um abismo entre a realidade deles com os

conteúdos desenvolvidos pela escola. Isso é bem perceptível nesse depoimento:

É muito triste ver um garoto pela rua sem fazer nada, porque já se sabe o caminho que ele vai trilhar e, numa escola de samba esse caminho ruim é desviado. Tive oportunidade de trilhar outros caminhos, pois o bairro do Guamá, onde nasci, me criei e moro até hoje e, onde fica a sede do Bole-Bole, tem muita facilidade com droga, arma, enfim, com o mundo do crime (Feijão, entrevista, 30/09/2013).

Feijão atribui ao Bole-Bole uma responsabilidade social muito grande, por ter

mostrado a ele outro caminho, uma rota diferente da qual grande parte de meninos

e meninas acabam seguindo. Mas, infelizmente muitas agremiações carnavalescas,

espalhadas pelo Brasil, com maior concentração no Rio de Janeiro, usam seu

espaço físico e social para ações criminosas, como a contravenção do jogo do

bicho, o tráfico de drogas, de arma etc., muitas vezes mascarados com projetos

sociais, como esse relato sobre a Beija Flor de Nilópolis no Rio de Janeiro:

[...] o suporte financeiro concedido pelos contraventores para a produção do carnaval, assim como obras de assistência social, constituiria uma troca mecânica, nos termos do mais puro interesse material, focada na legitimidade necessária ao bom funcionamento das atividades ilícitas ligadas ao jogo do bicho (BEZERRA, 2009, p. 141).

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Isso significa que dependendo do andamento que a escola de samba imprimir

ao seu funcionamento e à sua comunidade, ao invés de desviar do caminho da

criminalidade, poderá ser condutora de muitos jovens ao crime, até naturalizando-

o. Quando Feijão (Entrevista, 30/09/2013) se refere à tristeza de ver um garoto pela

rua sem ter nada para fazer, estando exposto às mazelas do bairro, empresto de

McLaren (1991), o termo “estado de esquina”, o qual pontua que ao invés desse

estado ser praticado na rua, poderia ser praticado na escola formal durante o recreio

escolar. Penso que esse “estado de esquina” também pudesse ser realizado na

escola de samba. No caso dos jovens do Guamá, no Bole-Bole.

O depoimento de Feijão situa muito bem o papel do Bole-Bole em seu bairro,

sua importância no que tange a tentativas, pelo menos, de reconduzir o caminho de

muitos jovens que encontram na criminalidade seu porto seguro. Como assinala

Dias Júnior (2009, p. 137),

O Bole-Bole pode ser considerado um ponto de referência quando se fala dos movimentos culturais no Guamá. Seus integrantes e organizadores preocupam-se em promover eventos de cunho cultural que atraiam a comunidade e estimulem, principalmente, seus simpatizantes a participarem de ações sociais realizadas pela entidade carnavalesca. O Bole-Bole funciona como centro de convergência de crianças, jovens e adultos envolvidos não apenas com o carnaval, mas com diversas atividades culturais que mantém o espaço ocupado durante o ano todo.

Envolver a juventude do Guamá com atividades culturais é uma forma usada

pelo Bole-Bole para afastá-la da criminalidade, além de construir e fortalecer sua

identidade com o bairro, com a escola de samba e com a escola formal, haja vista

as ações presentes e construídas nesses espaços convergirem para a educação.

Para Motta (2003, p. 66) a cultura proporciona sabor à escola, e considera

importante a inserção da cultura “no contexto do sabor das práticas escolares e vice

versa, como direito e conquista do ser humano, resgatando, assim, a participação

do aluno nas decisões educativas que lhe dizem respeito”.

Von Simson, Park e Fernandes (2007) destacam um estudo de Schuller no

qual este apresentou o termo “estudantes em situação de risco”, ressaltando à

importância da música para que crianças e adolescentes criem vínculo com a

educação formal. Esse termo refere-se às crianças e jovens que frequentam a

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escola, mas que estão prestes a não mais fazê-lo, aproximando-se cada vez mais

da rua. Isso não é consequência apenas da falta de informações e de conteúdos

escolares, está muito mais relacionado com a desconexão dessas informações e

conteúdos com a realidade cultural na qual esses alunos estão inseridos. Assinalam

as autoras que,

Menores em situação constante de risco constituem parte do grupo do qual tratamos quando falamos dos envolvidos em atividades de educação não-formal, contando ainda com crianças e adolescentes que já vivenciam o afastamento da escola formal e, concomitantemente, uma aproximação com o mundo da rua. Portanto, a partir da análise desse cenário é que podem ser propostas formas alternativas e/ou paralelas de trabalho nas instituições educacionais não-formais (VON SIMSON, PARK, FERNANDES, 2007, p. 28).

Trabalhar com jovens em situação de risco, tentando resgatá-los ou evitar

que se envolvam com a criminalidade, proporcionando uma chance de aprenderem

alguma coisa que venha realmente fazer diferença em sua vida, é o que vem

movendo o Bole-Bole há mais de trinta anos. Mas infelizmente, a força do mundo

do crime em algumas situações é maior do que qualquer tentativa de resgate ou de

impedimento e, tanto a família quanto a escola e a escola de samba acabam

perdendo muitos meninos e meninas, como explicitado nesse depoimento:

Me desculpe pelo choro, mas me emociono quando lembro dos muitos amigos que perdi, inclusive ritmistas da bateria, para o crime e a droga. Sinto que falhei por não ter livrado pelo menos os ritmistas desse infortúnio, assim como eu fui livrado disso, mas, por outro lado, tenho consciência de que os poucos que consegui livrar com esse trabalho musical na escola de samba, já representa uma vitória. Sei também, que infelizmente não dá para livrar todos. Para mim, é mais triste perder um garoto da bateria para a droga do que perder um título de carnaval, quanto ao título trabalha-se para que no ano seguinte ele venha, mas o garoto não volta nunca mais. Meu trabalho à frente da bateria e na oficina de percussão, além da iniciação musical, tem como objetivo conscientizar esses garotos e garotas sobre o perigo e a facilidade de droga, armas e outros crimes no Guamá. Guardo em minha memória o desabafo da mãe de um ritmista que se envolveu com as drogas e foi assassinado. Ela me disse assim: “meu filho estava com você no Bole-Bole, eu pensava que ele ia ter um caminho diferente, apesar do Bole-Bole ter ajudado muito, mesmo assim eu perdi meu filho para a droga” (Feijão, entrevista, 30/09/2013).

Feijão retrata em seu depoimento a infeliz trajetória de um jovem que tanto a

família, quanto a escola de samba e ele próprio perderam para o mundo da

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criminalidade. Porém, muitos garotos e garotas participantes das oficinas e das

demais atividades desenvolvidas pelo Bole-Bole, conseguem ficar de fora dessa

triste estatística.

Por isso, acredito cada vez mais, no espaço da escola de samba como lócus

de desenvolvimento e de acontecimentos da educação não-formal. Von Simson,

Park e Fernandes (2007) assinalam que essa vertente da educação se desenvolve

diferentemente da lógica espaço-temporal da escola, não se prendendo em um

currículo previamente estabelecido e mantendo o respeito e o contato com a

realidade desses jovens. Porém, sobre hipótese alguma, a educação não formal

deve ser entendida “como um tipo de proposta contra ou alternativa à educação

formal, escolar. Tampouco deve ser definida pelo que não é, mas sim pelo que é –

um espaço concreto de formação com a aprendizagem de saberes para a vida em

coletividade” (GOHN, 2007, p. 14). Assim, também pensa Gadotti (2005, p. 2)

quando assinala que a educação não-formal precisa ser definida “por aquilo que ela

é, pela sua especificidade e não por sua oposição à educação formal”.

Outro ponto importante da escola de samba que observo e penso ser

necessário frisar, é o baixíssimo índice de evasão nas oficinas, como destaca Mini

(Entrevista, 30/09/2013) “eu não faltava nas oficinas do Bole-Bole, mas faltava na

escola”. Esse encantamento pela escola de samba e desencanto pela escola formal,

também são visíveis nas palavras de Feijão (30/09/2013)

Tem um dado importante que andei observando, é que a maioria dos garotos que participa de nossas oficinas as frequenta assiduamente, apesar de estarem matriculados nas escolas do bairro, muitos não frequentam as aulas ou tem um rendimento muito baixo. Tem muito garoto que não conta com o apoio de ninguém da família, não tem acompanhamento nenhum, para alguns o único refúgio dessa carência acaba sendo o Bole-Bole.

Feijão e Mini acabam de retratar a realidade de muitos jovens do Guamá, os

quais quando frequentam a escola formal, o fazem sem compromisso de

aprendizagem; sem tomarem consciência da contribuição da escola em sua

formação profissional e cidadã, de seu papel na sociedade; além de não

conseguirem vislumbrar a liberdade conquistada pelo conhecimento e nem

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reconhecer a escola como local privilegiado para isso. Mas alguns desses jovens

são atraídos para o Bole-Bole, lá encontram algo que se identificam e que os faz

permanecer. Essa atração pode estar relacionada com o fato de a maioria pensar a

escola de samba apenas como festa e carnaval em seu sentido pejorativo,

significando confusão e desordem (AMARAL, 2001).

Porém, grande parte desses jovens ao deparar-se com toda a dinâmica que

envolve uma escola de samba, acaba se envolvendo com os diversos tipos de

saberes que acontecem nesse espaço. Saberes esses que perpassam por questões

corriqueiras do cotidiano; formação de caráter, ética e de cidadania; cultivo a valores

como respeito, até porque é um local de livre entrada para pessoas de idade, cor,

gênero, orientação sexual e níveis acadêmico, social e econômico bem

diferenciados, até saberes mais específicos ministrados nas oficinas, que poderão

resultar em formação profissional. Como destacado nas palavras de Feijão

(Entrevista, 30/09/2013)

Não consegui uma formação profissional na escola, estudei até concluir o ensino médio às duras penas, faltava nas aulas, achava a escola chata. Mas na escola de samba consegui ser músico. Pensando nisso, acho que o ideal seria unir a escola com a escola de samba, a tristeza com a alegria. Por exemplo, se os jovens tivessem uma escola para estudar e depois uma escola de samba com aula de música seria perfeito, não só aula de música, mas de outras coisas. [...] Quase só falo de música porque na escola de samba eu só tenho olhos e ouvidos para a bateria, mas quem se interessa por outra coisa, também tem na escola de samba.

Esse depoimento é corroborado por Dias Júnior (2009, p.139) ao referir-se

sobre os projetos e as oficinas desenvolvidos pelo Bole-Bole, que tiveram como

consequência a formação e o encaminhamento profissional de muitos jovens.

[...] Do ponto de vista prático, pode-se considerar que o trabalho com crianças rendeu a formação profissional de muitos jovens, que entraram para o mundo do trabalho como estilistas, carnavalescos, costureiros, músicos, além de outras atividades profissionais, não relacionadas diretamente com o campo do entretenimento e da cultura. Embora este quadro não seja totalmente positivo (segundo Nazareno, “uns deram certo, outros permaneceram no mundo das drogas, da prostituição”), rendeu um salutar resultado a uma parcela significativa da comunidade guamaense que se envolveu diretamente nesses projetos.

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Como identificado acima, a escola de samba consegue proporcionar saberes

que conduzem jovens e adultos a uma formação profissional, como nas palavras de

Kléber Oliveira (Entrevista, 17/10/2014) “tudo, na minha vida profissional veio

através do Bole-Bole”. Assim como Cleiton Alexandre (Entrevista, 17/10/2014)

“Conheço muita gente que teve sua formação profissional a partir das oficinas do

Bole-Bole, e o aprendizado que tive lá, influenciou muito na segunda profissão que

sigo, que é a de decorador de festas”. André Alcântara (Entrevista, 22/08/2014)

também relata

Minha formação musical como músico de banda e instrutor de musicalização começou no Bole-Bole. Aprendi lá, o primeiro passo na música que eu dei foi lá e isso abriu as portas para o meu trabalho, para minha vida profissional. Sou graduado em contabilidade, já exerci essa profissão aliada com a música, atualmente minha profissão é ser músico.

Destaca ainda Kléber Oliveira (Entrevista, 17/10/2014)

Aconteceu um fato interessante, a Heloísa (Lola) e eu estávamos ministrando uma oficina denominada de Arte Círio no Bole-Bole, quando no encerramento fizemos uma exposição e recebemos a visita do presidente do IDHI (Instituto de Desenvolvimento Humano Integral), um instituto que mantinha uma parceria com a arquidiocese de Belém, que trabalha com o social. Ele e a equipe que o acompanhava viram nosso trabalho, nossos artesanatos ligados ao Círio de Nazaré, levaram alguns para a arquidiocese, para o Dom Orani Tempesta (arcebispo de Belém na época) e para o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), a partir disso o SENAR fez uma parceria com a gente, mandava as oficinas para o Bole-Bole, depois me chamaram para fazer parte do núcleo do SENAR e do IDHI, onde já estou há 7 anos, mais ou menos.

As palavras dos meus destaques, em relação à escola de samba revelam o

prazer em aprender nesse espaço marcado pela descontinuidade, pela

eventualidade, pela informalidade, pela liberdade e pela criatividade. Esse aprender

tem proporcionado uma formação profissional a muitos sujeitos, para alguns, uma

segunda profissão para outros, a única.

É necessário destacar que esse processo que acontece na escola de samba

é mediado pela educação não-formal, entendida por Von Simson; Park; Fernandes

(2007, p. 22) como uma forma de transmitir conhecimentos de uma “maneira não

obrigatória e sem a existência de mecanismos de repreensão em caso de o

aprendizado não ocorrer, pois as pessoas estão envolvidas no e pelo processo de

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ensino/aprendizagem e têm uma relação prazerosa com o aprender”. Para Gadotti

(2005, p. 2) “a educação não-formal é também uma atividade educacional

organizada e sistemática, mas levada a efeito fora do sistema formal. Daí também

alguns a chamarem impropriamente de educação informal”.

Gohn (2009, p. 31) lamenta ser a educação não-formal “uma área que o

senso comum e a mídia usualmente não veem e não tratam como educação porque

não são processos escolarizáveis”. O não reconhecimento da educação não-formal,

bem como do espaço da escola de samba pela sociedade em geral como meio e

local, respectivamente, de aprendizagem e de formação ainda é um entrave que

necessita ser vencido. Ressalto isso por acreditar que tanto a educação não-formal

(nesta pesquisa tendo a escola de samba como espaço de ocorrência) quanto a

educação formal precisam estabelecer uma relação mais próxima. Sobretudo

porque é imprescindível que a escola se reinvente e os jovens a redescubram, com

o intuito de sentirem-se parte dela, para então se interessarem em

aprender/apreender os ensinamentos e conhecimentos que nela estão disponíveis.

Afinal,

[...] a escola é a forma mais avançada que temos para garantir a formação de crianças, jovens e adultos no que diz respeito ao acesso ao patrimônio histórico produzido pela humanidade. Ela é o local privilegiado para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores (VIGOTSKY, 1996), sem as quais o processo revolucionário poderá estar comprometido em seu pleno êxito. Isto não contradiz, em absoluto, que existam outros espaços, tempos e sujeitos que exercem o papel de educadores (TAFFAREL 2013, p. 19).

É necessário a escola incentivar e trabalhar em prol de uma educação em

que “os sujeitos se vejam e sintam-se incluídos, participantes e atuantes de forma

efetiva, reflexiva, consciente e política nas possíveis mudanças e transformações

do social que venham a promover e ocorrer” (VON SIMSON; PARK; FERNANDES,

2007, p. 15). Como muito bem dito por Saviani (2013, p. 13) “o papel da escola não

é apenas o de organizar as experiências da vida cotidiana dos próprios alunos. O

papel da escola, é antes, o de patentear aquilo que a experiência dos alunos

esconde”. De uma forma geral assinala que o papel da escola é “revelar os aspectos

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essenciais das relações sociais que se ocultam sob os fenômenos que se mostram

à nossa percepção imediata”.

Freire (1996, p. 30) destaca que “ensinar exige respeito aos saberes dos

educandos” e lança a seguinte questão: “Por que não estabelecer uma intimidade

entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que

eles têm como indivíduos? O destaque André Alcântara (Entrevista, 22/08/2014) diz

sentir que

A música é um fator transformador, e a escola de samba o lugar ideal por estar muito próxima da realidade deles. Nós da escola de samba conhecemos suas famílias, vemos de perto o que passam no dia a dia, acho que isso nos possibilita uma aproximação maior com eles. A música é o atrativo, é o primeiro passo, com ela vem um pacote de coisas importantes como formação cidadã; a prática do companheirismo e do respeito; aprendizagem de muitas coisas; socialização; formação profissional.

Acredito que a escola de samba consegue descobrir e entender o que está

implícito por de trás de cada garoto que adentra seu espaço, consegue captar e

desvelar suas experiências, seu mundo vivido. Penso ser esse o ponto de fixação

e de permanência desses jovens nesse lugar.

Outra ocorrência peculiar em uma escola de samba é a grande circulação de

pessoas com diversas formações e saberes, que convergem para lá por diferentes

motivações e interesses. São pesquisadores, artistas, prestadores de serviços,

brincantes etc. A essa relação que se estabelece na escola de samba, Tramonte

(2001) a categoriza como Pedagogia da Ação Social, a qual se apresenta nas

vertentes comunitárias e de socialização de saberes.

A vertente comunitária está associada com sua sociabilidade, multiplicidade,

diversidade e interação entre os sujeitos que participam diretamente da escola de

samba e, também de sujeitos que por lá transitam temporariamente. Já a

socialização de saberes, possibilita organizar e manter a escola de samba, tanto

para o desfile quanto para as atividades cotidianas durante o ano. Ressalta ainda

Tramonte (2001) que esse vai e vem de pessoas com seus diferentes saberes e

formação, proporciona experiências e vivências profícuas na vida das pessoas que

comungam desse espaço. Sendo que

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Um dos pressupostos básicos da educação não-formal é o de que a aprendizagem se dá por meio da prática social. É a experiência das pessoas em trabalhos coletivos que gera um aprendizado. A produção de conhecimentos ocorre não pela absorção de conteúdos previamente sistematizados, objetivando ser apreendidos, mas o conhecimento é gerado por meio da vivência de certas situações-problema (GOHN, 2011, p. 111).

Ressalta ainda a autora que:

A educação não-formal tem sempre um caráter coletivo, passa por um processo de ação grupal, é vivida como práxis concreta de um grupo, ainda que o resultado do que se aprende seja absorvido individualmente. O processo ocorre a partir de relações sociais, mediadas por agentes assessores, e é profundamente marcado por elementos de intersubjetividade à medida que os mediadores desempenham o papel de comunicadores (GOHN, 2011, p. 111).

Esse caráter coletivo da educação não-formal, essa aprendizagem mediada

pelas relações sociais, essa aproximação com o concreto e com o real, o aprender

com e pelo prazer, formam a base dos saberes e das práticas educativas que

acontecem no Bole-Bole. O rumo pedagógico tomado por essa escola de samba

talvez justifique-se nas constatações de Dias Júnior (2009) ao referir-se ao trabalho

do Bole-Bole na Pedreirinha, tendo à frente pessoas que tiveram formação

acadêmica, ressaltando ainda que o grupo que o fundou era formado por jovens

universitários e músicos moradores do bairro do Guamá.

A presença de pessoas letradas e intelectuais nas manifestações culturais existentes no Guamá foi marcada pelo engajamento político e pela ação de sensibilização aos grupos sociais menos instruídos numa ação pedagógica de busca pela melhoria das condições de vida da comunidade. A presença dessas pessoas que receberam educação formal universitária, à frente dos movimentos sociais e culturais do Guamá, evidencia que o papel desses líderes vai para além das questões de caráter puramente lúdico. Talvez o fato de terem mantido contato com o mundo acadêmico, os tenha qualificado e apurado suas capacidades de crítica às políticas públicas, direcionando-os para atuar como organizadores da sociedade e articuladores das ações instrutivas repassadas para a população. [...] Suas incursões por espaços políticos e acadêmicos certamente colaborou para a construção do entendimento que tinham da cultura popular e da própria situação social dos jovens e crianças do bairro. A arguição pelo caminho pedagógico através da Cultura Popular é uma referência específica na história de movimentos sociais feitos em grupos, como os da Pedreirinha

(DIAS JUNIOR, 2009, p. 144-145).

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Dias Júnior (2009), nos leva ao entendimento – mesmo sem tratar

diretamente do assunto – de que a existência da educação não-formal nos espaços

sociais como a escola de samba, está atrelada à educação formal, num processo

de retroalimentação, ou seja, uma reforçando a outra. Por exemplo, o surgimento e

o crescimento da educação não-formal acabou ocorrendo devido à falta de alcance

da escola formal. Por outro lado, o olhar pedagógico, crítico e político impresso pelo

Bole-Bole, no contexto da educação não-formal, foi possível, provavelmente porque

seus condutores são escolarizados e tiveram uma formação acadêmica, sem isso,

talvez suas atividades não fossem além do lúdico, como assegura o autor.

Isso deixa claro a oposição entre ambas – educação formal e educação não-

formal – existir, sobretudo, no campo semântico, pois não é objetivo da educação

não-formal, muito menos da escola de samba substituir os conhecimentos e as

experiências que acontecem na escola. Acredito que para a educação pública

avançar em nosso país, são necessárias que todas as vertentes da educação sejam

repensadas, fortalecidas e ocuparem seus espaços na sociedade, para que uma

gama de conhecimentos e saberes sejam compartilhados com o máximo de

qualidade e acesso, com a finalidade de formar cidadãos conscientes, políticos,

críticos e com formação profissional que atenda seus objetivos.

Há também na escola de samba a possibilidade de diálogo e de trocas de

experiências entre os conteúdos estudados na escola com os saberes construídos

e compartilhados nesse espaço. No que concerne à possibilidade desse diálogo e

dessa troca, Tramonte (2001) destaca a Pedagogia da Ação Escolar, presente nos

vários conhecimentos necessários para a organização dessas agremiações

carnavalescas, indo desde suas atividades mais elementares até o desfile,

perpassando pela pesquisa e construção dos enredos, reconhecimento dessa

pesquisa nas fantasias e alegorias, entre outros, como os conhecimentos

disciplinares básicos da escola formal aliados as artes plásticas, teatro,

conhecimentos do mundo do trabalho (costura, carpintaria, solda etc.), que mesmo

sem serem percebidos, na maioria das vezes, são realizados e compreendidos com

alegria e diversão, pois os resultados de todo esse aprendizado é demonstrado na

avenida.

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Cláudia Palheta (Entrevista, 18/10/2014), vê a escola de samba como um

espaço para aprender, porém a forma como isso acontece é recebido

diferentemente por cada um. Revela ser um exemplo vivo da existência desse

aprendizado pois, quando criança, esteve muito presente nos barracões e,

enquanto mexia com os diversos elementos e materiais, de alguma forma, aprendia.

E isso exerceu forte influência em sua escolha profissional. Diz ainda acreditar que

Esse aprendizado pode ser relacionado com o da escola formal, com o que se ensina lá, principalmente na minha área, que é a área de Artes. Então, o carnaval é uma fartura de material diferente, que na escola eu não tenho. Na escola, principalmente no ambiente das artes, é o papel, é o lápis de cor, é a cola branca. Quantos tipos de cola diferentes eu tenho no barracão de carnaval? Quantos tipos de papel? Quantos tipos de revestimento? Então, se eu sou um aluno que estou na minha escola, com o meu ambiente: papel branco, lápis de cor, lápis de cera, cola plástica e tal, aí vou no carnaval, passo um carnaval no barracão os olhos brilham com tanta diversidade, fartura e possibilidades. Isso a gente percebe muito na nossa escola, quando eu volto já trago a fita, o metaloide, já trago outro tipo de cola, já trago isso pra escola. Então de alguma forma, eu ampliei esse conhecimento de matéria e de técnica (Cláudia Palheta, entrevista 18/10/2014).

Ressalta ainda que:

Para além da arte, outras disciplinas na escola, como Química – pelo estudo dos elementos químicos e reações químicas dos diversos materiais, como as colas e as soldas. Física – a tridimensionalidade ao se construir uma escultura, a proporção, o desenho, a perspectiva, a combinação de cores, volume. Daí puxa a matemática com seus cálculos, tudo isso promove a relação entre a escola e a escola de samba. Ainda para além dessas disciplinas, tem Português, Literatura, História, Geografia, Filosofia e Sociologia na construção dos enredos e na composição dos sambas, enfim tudo você encontra no carnaval (Cláudia Palheta, entrevista 18/10/2014).

Como bem disse Cláudia Palheta (Entrevista, 18/10/2014) há grandes

possibilidades de aprendizado na escola de samba, há diversos saberes sendo

construídos cotidianamente. Gohn (2011, p. 106-107) classifica a educação não-

formal em quatro dimensões de aprendizagem: a política (responsável pela

formação da cidadania); a capacitação para o mundo do trabalho (por meio do

aprimoramento de habilidades e “desenvolvimento de potencialidades”); a

assimilação do conceito de coletividade (a que a autora denomina de “educação

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para a civilidade”) e a dos conteúdos específicos da escola formal (trabalhados de

diferentes formas e em espaços diversificados ao da escola).

Ao observar a relação entre o Bole-Bole e as escolas formais localizadas no

bairro do Guamá, principalmente as localizadas em seu entorno, pude constatar que

as mesmas mantêm uma espécie de ligação acadêmica no período do carnaval,

que se dá da seguinte forma: os professores de arte, história e/ou língua portuguesa

solicitam aos seus alunos que pesquisem sobre a história do Bole-Bole, seus

sambas e enredos; e/ou produzem um evento e convidam a bateria, cantores,

músicos e casais de mestre-sala e porta-bandeira para se apresentarem nessas

escolas. Essa relação não passa disso, durante o ano tratam-se como instituições

díspares e sem relação uma com a outra.

Para tentar diminuir essa distância, no ano de 2014 o Bole-Bole candidatou-

se e conquistou uma vaga no Conselho Escolar da Escola Estadual de Ensino

Médio Alexandre Zacharias de Assumpção, no bairro do Guamá, bem próxima à

sua sede. Isso é um feito muito importante, mas ainda isolado, procurei saber sobre

a quantidade de escolas de samba em Belém que participam de conselhos

escolares, como o Bole-Bole, não encontrei nenhuma.

Outro ponto forte da escola de samba é a possibilidade dos alunos de

vivenciarem a arte e a cultura popular de uma forma mais densa, e isso foi muito

fomentado pelo Bole-Bole desde sua fundação, como destaca Íma Vieira (2014,

documento em anexo, p. 183-185) em seu depoimento.

O resgate do Boi Malhadinho nos idos anos de 1990, representou muito para a cultura local. Nazareno e Vetinho tomaram para si a responsabilidade de fazer projetos e procurar apoio para ver acontecer este sonho que acalentavam. As crianças foram imediatamente envolvidas no projeto. Se aproximavam do Bole-Bole por vontade própria e faziam questão de participar dessa empreitada. Foi um sucesso! Veio pra ficar. A cultura local foi enriquecida. A comunidade participou de tudo. As mães das crianças foram incansáveis. Muito bacana ter acompanhado tudo isso. Muitas oficinas e cursos aconteciam neste momento no Bole-Bole- Oficinas de percussão, oficinas de folclore junino, de musicalização, oficinas de corte e costura, construção de instrumentos... havia uma riqueza grande de atividades voltadas aos moradores do bairro.

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No Bole-Bole, há uma ênfase muito grande à cultura amazônica, seu folclore,

suas lendas, seus mitos, sua fauna e flora, seus rios, sabores, danças, música etc.

O desenvolvimento e a valorização da cultura brasileira estão inseridos na

Pedagogia da Ação Cultural (TRAMONTE, 2001), a qual entende que o centro da

escola de samba continua sendo uma expressão da cultura afro-brasileira, tendo

um grau de importância e de valor simbólico muito grande, tanto para nossa história

cultural quanto para a diversidade cultural brasileira.

É importante ressaltar que uma escola de samba não se resume ao dia do

desfile oficial no carnaval, a avenida é palco para a evolução de ideias colocadas

em prática por pesquisadores, carnavalescos, ferreiros, carpinteiros, costureiros,

coreógrafos, ritmistas, compositores etc., que desenvolvem tudo isso de forma

artística, ordenada, metódica e didática durante o ano todo. Segundo Gohn (2011),

os espaços de educação não-formal, neste caso a escola de samba, são espaços

também de lutas políticas. Assim sendo, é um espaço propício para a

transformação.

É importante ressaltar que os conhecimentos e saberes, construídos e

compartilhados na escola de samba, não se restringem a conhecimentos técnicos

aprendidos em oficinas das mais variadas áreas. Há saberes não explícitos nas

escolas de samba que são de suma importância para o desenvolvimento geral do

indivíduo, os quais vão além dos desenvolvidos nas oficinas, e ultrapassam os

ensinamentos de alguma técnica de papietagem, teoria musical, aprendizagem

prática de algum instrumento. Estes saberes coexistem com todo o aparato que

envolve a escola de samba, como planejamento, gestão, logística, formas de

organização etc., sendo que as pessoas na convivência diária acabam aprendendo

noções de administração vivenciando situações-problemas que lá ocorrem com

constância.

Os conhecimentos que circulam na escola de samba, se situam na categoria

de patrimônio imaterial, pois, se trata de conhecimento tácito, não sistematizado e

pessoal. Saberes esses que vêm passando de geração em geração, mais pela

oralidade e pelo fazer do que propriamente via um registro escrito. São saberes para

a vida, para uma formação cidadã, ética, social e política. No que concerne a esses

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saberes Tramonte (2001) aponta a Pedagogia da Ação Política e a Pedagogia dos

Valores Éticos e Morais.

A pedagogia da ação política desenvolve-se na busca de consenso interno e

externo, trabalhando, por exemplo, as divergências entre ‘velhos’ e ‘novos’ e entre

as visões da agremiação e os interesses do Estado. Em todos os setores da escola

de samba, nas alas, na diretoria, na escolha do enredo, na escolha do samba-

enredo, no uso e cessão do espaço da quadra, a todo o momento se exercita uma

ação política, pois ela serve como mediadora de conflitos. Podendo se expandir

para uma ação de consciência política e senso crítico com poder transformador

(TRAMONTE, 2001).

No que diz respeito à pedagogia dos valores éticos e morais, são ressaltados

os valores que precisam ser cultivados para que haja respeito entre as pessoas e

os espaços em que ocupam. É fato que esta vertente enfrenta dificuldades em se

manter viva onde há relações humanas, principalmente, devido a sociedade estar

baseada em valores cada vez mais individualistas, fúteis, competitivos e distorcidos,

ficando difícil praticar a solidariedade do grupo, o amor à escola sem busca de lucro,

o desapego à vantagem quando se trata do bem coletivo, o respeito ao ambiente

familiar, a integração das diversidades etc. (TRAMONTE, 2001).

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3.2 Os Projetos do Bole-Bole

Na realidade se não fosse o Bole-Bole eu não seria ninguém, músico então, nem pensar. Sempre tive muitas dificuldades na escola, conclui meu ensino médio empurrado pela minha família, nada me atraía na escola. Eu não faltava nas oficinas do Bole-Bole, mas faltava na escola. (Mini, entrevista, 30/09/2013).

Figura 36: Aulas de musicalização para as crianças do projeto Xequerê, na sede do Bole-Bole, 2002.

Fonte: Arquivos da escola.

Discorro neste momento sobre os projetos educativos que são desenvolvidos

no Bole-Bole, destacando que o termo “educativo” aqui empregado já se apresenta

como um ponto de discussão, pois lá fala-se muito em projetos sociais e culturais,

porém, muito poucos se referem aos termos educacional ou educação ou educativo.

Fiquei com a impressão de descrédito das pessoas na possibilidade de que esse

lugar, vinculado ao carnaval e ao lazer, possa proporcionar conhecimentos e

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educação a alguém. Talvez esse pensamento seja fruto da concepção que as

pessoas têm sobre educação, como um conjunto de aprendizagem de conteúdos

que só acontece na escola, até porque na sociedade em geral cultiva-se a ideia de

[...] um paradigma bipolar onde existe apenas dois tipos de aprendizagem: o escolar e o não escolar. Tudo que ocorre fora dos muros das escolas é pensado como aprendizagem não escolar e perde seu caráter de educação propriamente dita. Usualmente se define a educação não-formal por uma ausência, em comparação ao que há na escola (algo que seria não intencional, não planejado, não estruturado), tomando como único paradigma a educação formal (GOHN, 2011, p. 108).

Esse paradigma bipolar referido pela autora carrega um entendimento restrito

sobre educação, determinando como aprendizagem válida a que acontece na

escola. Porém, há outros modos e lugares de construção dos processos de ensino

e aprendizagem, que precisam ser reconhecidos e acolhidos. A escola brasileira

necessita ir em busca de um processo educacional que possa atrair e manter o

aluno na escola, possibilitando-lhe uma aprendizagem mais próxima de sua

realidade, consistente, crítica e inovadora. Destaca Gadotti (2005) sobre a

importância da escola formal buscar novos processos educacionais com o intuito de

envolver e de seduzir seus alunos, não uma sedução como técnica de manipulação,

mas no sentido de encantar pela beleza, a exemplo do que vem ocorrendo com a

educação não-formal.

Como referem-se Von Simson, Park e Fernandes (2007, p. 15), a educação

não-formal tem ido ao encontro de outros modos de construção dos processos de

ensino e aprendizagem, “transgredindo o que é instituído e buscando novas formas

de estabelecer relações com o mundo, com o outro e consigo”. Talvez essa

transgressão do instituído, começando pelo espaço e indo em busca de

proporcionar “práticas mais significativas e condizentes com a realidade, os desejos,

necessidades e vontades de um público – tanto educandos como educadores – que

se relaciona e interage” (VON SIMSON, PARK E FERNANDES, 2007, p. 15), seja

o ponto fulcral dessa atração exercida pelos espaços de educação não-formal e,

principalmente quando se trata de uma escola de samba.

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No que diz respeito à escola de samba, outro ponto importante que retomarei

aqui, é o da fundação da primeira escola de samba do Brasil em 1928, a Deixa

Falar, que se autodenominou de escola de samba. Porém, “a adoção da palavra

escola não traz sinais de ter sido acidental. Tudo nos leva a crer que o termo possuía

certo prestígio...”, pois, “... a Deixa Falar era tão boa que podia ensinar e

seguramente por isso merecia ser, e era, uma escola”. É bem verdade que na época

de sua fundação, o sentido e o valor simbólico da escola era muito diferente do que

se tem hoje, a escola era mais respeitada, era entendida como um ideal e um

modelo a ser seguido, “daí certamente, ter sido a denominação escolhida pelas e

para as escolas de samba” (SILVA E PINTO, 1997, p. 348).

Apesar da maioria não reconhecer o vínculo educacional dos projetos, das

oficinas, preparação para o desfile de carnaval e da relação social estabelecida na

escola de samba, há um viés educacional, mesmo implícito, norteando todas essas

ações. Ressalto a importância desse implícito vir à tona, mostrar-se e revelar-se,

inclusive para sofrer ajustes e adequações. Pensando nisso, descrevo as ações

realizadas no Bole-Bole, que tinham a denominação de projetos sociais e culturais,

além das ações direcionadas para o carnaval, com o intuito desse viés educativo da

escola de samba ao se explicitar possa ser percebido e assimilado como um

caminho, dentro da educação não-formal que pode ser seguido.

Para conhecer e descrever os projetos sociais, culturais e educacionais

desenvolvidos no Bole-Bole, recorri a notícias de jornal, documentos, relatórios,

declarações e depoimentos escritos – de pessoas que possuem um relevante papel

sociocultural e educacional no estado do Pará – além de entrevistas, pois material

documental e fotográfico é muito escasso.

“Bole-Bole amplia suas finalidades: a agremiação já mantém uma escola de

música para crianças e pretende desenvolver outras atividades sociais” (JORNAL

O LIBERAL – CADERNO JORNAL DOS BAIRROS, 30/01/1990, p. 6), foi a

manchete de um dos jornais de maior circulação no Estado do Pará, cuja matéria

dizia que três anos após sua fundação, em 1987, o Bole-Bole conseguiu um espaço

físico que passou a ser sua sede. Como já tinha o trabalho com musicalização,

funcionando em uma escola formal no turno da noite – a escola Mundo Encantado

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da Criança – com músicos-instrutores do Bole-Bole (Vetinho na musicalização, Davi

Alfaia no canto e, Hélio Martins e Emílio Meninéa na percussão), a partir da

construção de sua sede, houve uma oferta maior, tanto de vagas quanto de cursos.

Segundo Vetinho (Entrevista, 17/09/2013), nessa época, final da década de

1980 e início da de 1990, essa agremiação carnavalesca tinha poucos músicos

oriundos da comunidade – a maioria vinha de fora do Guamá, principalmente do

bairro do Telégrafo – e instrumentos musicais de percussão para compor sua

bateria – pois custavam caro e os recursos financeiros para adquiri-los eram

escassos. Foi então, que dois percussionistas responsáveis pela bateria, Emílio

Meninéa e Hélio Martins, apesar das inúmeras dificuldades, passaram a ensinar

jovens da comunidade a tocarem esses instrumentos.

Para dirimir essas dificuldades, procuraram na comunidade, pessoas que

pudessem ajudá-los a construir esses instrumentos, pois com mais instrumentos

poderiam aumentar o tamanho da bateria e ensinar mais jovens guamaenses a

tocar, com o intuito de não mais dependerem de pessoas de outros bairros, que no

início vinham ajudar a compor a bateria do Bole-Bole. Esse trabalho de oficina

começou a produzir uma mão-de-obra apta a evoluir para outras áreas, porque

lidava com serralheria, carpintaria, pintura e outras aptidões, como assinala Vetinho

(Entrevista, 17/09/2013).

O retorno desse trabalho não demorou a chegar, essa bateria só tirava dez

nos desfiles oficiais dos blocos carnavalescos (que era a categoria do Bole-Bole no

início). Além do dez na avenida do samba, outros resultados práticos começaram a

aparecer, os dirigentes dessa Associação foram procurados em 1988, pela direção

da hoje extinta Fundação do Centro Brasileiro para Infância e Adolescência (CBIA),

no sentido de efetivarem um convênio para trabalharem com menores em situação

de risco, como sempre estiveram os meninos do bairro do Guamá (Vetinho,

entrevista, 17/09/2013).

Com esse convênio as oficinas multiplicaram-se, apesar da precariedade do

espaço físico, foram adquiridos aparelhos e ferramentas que ajudaram a aumentar

a oferta de mais cursos na área de musicalização como violão, cavaquinho e ainda

aprimorar a confecção e manutenção de instrumentos musicais de percussão. De

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acordo com Vetinho (Entrevista, 17/09/2013), ele e Nazareno Silva (Nazo),

responsáveis pelas oficinas, dividiam o espaço da maloca em salas de aula para

cada uma dessas oficinas (cavaquinho, violão, pintura, modelagem em papel machê

e plásticos), na parte da frente da sede aconteciam as aulas de dança.

Segundo Vetinho (Entrevista, 17/09/2013), para reforçar a oficina de

construção de instrumentos de percussão, Nazo levou um amigo seu, o guamaense

Adelson, que era exímio conhecedor desse ofício, para armar as fôrmas para

confecção de instrumentos de percussão como surdos, caixas, repiques, barricas e

outros. Com as máquinas que foram adquiridas, ele ensinava os meninos a fazerem

cadeiras, bancos, mesas e outras utilidades que foram usadas durante muitos anos

na maloca do Bole-Bole. Além desse conhecimento específico, Adelson sabia um

pouco de cada uma das oficinas que estavam sendo realizadas, com isso, passou

a ser uma espécie de formador dos demais oficineiros juntamente com Vetinho,

Nazo, Hélio e Meninéa.

Nesse mesmo período, por iniciativa de Nazo, foi criado o Bole-Bole do

Futuro, uma escola de samba feita, sobretudo, por crianças e adolescentes alunos

das oficinas, que participavam da criação do enredo, o samba, o arranjo da bateria

e ajudavam a confeccionar as vestimentas. De acordo com Charles Brown

(Entrevista, 22/08/2014)

Os meninos que participavam dos projetos não eram de rua, tinham família, mas eram muito danados, curiosos e inteligentes, não tinha nada para fazerem no Guamá para gastarem essa energia, a escola formal era insuficiente para eles, por isso criamos as oficinas, com o intuito de proporcionar-lhes atividades culturais diversas até mesmo para que não se envolvesse com a criminalidade, pois o Guamá é um bairro bem propício para isso. Depois o projeto das oficinas ampliou-se e o público alvo foi meninos e meninas em situação de risco. Como resultado do envolvimento das crianças nos projetos e nas oficinas, criamos a primeira escola de samba mirim do Estado do Pará a desfilar no desfile oficial de Belém, o Bole-Bole do Futuro.

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Destaca Kléber Oliveira (Entrevista, 17/10/2014), sobre o Bole-Bole do

Futuro

O Bole-Bole do Futuro foi uma escola de samba mirim, mas que tinha adultos pelo meio da bateria dando apoio às crianças. Essas crianças eram as das oficinas que aconteciam lá na sede. Esse projeto foi muito importante porque estimulou as crianças a construírem enredos e sambas, a aprenderem a tocar um instrumento, a ensaiar como intérprete de escola de samba, a dançar (mestre sala e porta bandeira, comissão de frente, baianinhas) enfim, o Bole-Bole apresentou o Carnaval para as crianças do Guamá e elas se envolveram muito.

A formação da escola de samba mirim no Bole-Bole teve como objetivo o

aproveitamento dos ensinamentos das oficinas. Chegaram a desfilar na Avenida

Doca de Souza Franco, abrindo o desfile oficial em 1993 e em 1994. Funcionando

como uma exposição a céu aberto e na avenida do samba, dos trabalhos realizados

pelas crianças durante o ano. Como se fosse a prova final deles.

Os Festivais de samba enredo infantis foram um sucesso em seus três ou quatro anos de existência. Muitos erros, aprendizados constantes, avanços enormes. Emocionante ver os pequenos na avenida cantando o samba que compuseram! Considero que através de informações artísticas, educacionais, sociais e culturais oriundas das oficinas, adquiriram conhecimento e refletiram sobre a sua identidade e a realidade em que viviam (Íma Vieira, 2014, documento em anexo, p. 183-185).

Segundo Vetinho (Entrevista, 17/09/2013), além do carnaval, outras

manifestações culturais foram fomentadas por ele e Nazo. Com a recriação do boi-

bumbá Malhadinho (Figura 37) só com crianças, abrimos oficinas de construção de

barricas de couro, entre outras, como de canto e dança direcionadas para as tramas

de boi-bumbá, de artesanato para confecção de adereços, enfeites, estandartes e

outras peças que geralmente são usadas nessas expressões culturais.

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Figura 37: Boi Malhadinho na avenida em 2015 junto a bateria audaciosa.

Fonte: Lorena Furtado.

Mais tarde, com o fim da CBIA ocorrido no ano de 1995, o desenvolvimento

das oficinas, que já não contava com grande suporte financeiro (tendo em vista que

Vetinho, Nazo e demais familiares e amigos, também contribuíam financeiramente

para esse trabalho), ficou ainda mais difícil. O que arrecadavam não dava para

pagarem os oficineiros, com isso, algumas oficinas acabaram. Porém, o trabalho de

percussão com as crianças e adolescentes da bateria nunca parou, principalmente

por conta da necessidade de renovação no quadro, por vários motivos: mudança do

bairro, casamento, trabalho e morte – vítimas e/ou atores da violência do bairro

(Vetinho, entrevista, 17/09/2013).

Quando o Bole-Bole foi elevado à categoria de escola de samba em 1995,

outros tipos de oficinas tiveram que ser incrementadas principalmente na área da

dança, posto que teria que preparar comissão de frente, mestre-sala e porta-

bandeira, porta estandarte, baianas, passistas, entre outros quesitos obrigatórios

nessa categoria. Assim, os dirigentes passaram a procurar na comunidade pessoas

aptas a ensinar e outras dispostas a aprender, para formar novos componentes,

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como professores e alunos dessas novas modalidades. O Bole-Bole, que tinha um

quadro composto por sua grande maioria de jovens, passou a contar com uma faixa

etária que variava entre 8 a 70 anos.

As oficinas de mestre-sala e porta bandeira e de baianas, renderam ao Bole-

Bole, vários casais mirins que formavam uma espécie de cortejo ao casal principal,

a mesma coisa aconteceu com as baianas, criou-se as baianinhas, que eram

crianças e adolescentes que na avenida iam à frente das senhoras baianas,

vestindo-se com trajes análogos aos das tradicionais baianas.

Em 1997, a prefeitura de Belém lançou o projeto Moleque Pandeiro, que tinha

por finalidade principal fomentar essas oficinas culturais em todas as escolas de

samba da cidade e, o Bole-Bole com sua experiência de muitos anos nessa

atividade aproveitou para se firmar de vez como uma das mais importantes escolas

de samba de Belém, fortalecendo-se na dança, na criação de alegorias e adereços,

em musicalidade e na criação de enredos.

A experiência do Bole-Bole em oficinas culturais deu origem à criação da

Fundação Curro Velho pelo governo do Estado do Pará, vinculada à Secretaria

Estadual de Cultura do Pará – SECULT/PA, para trabalhar com esse tipo de

oficinas, indo buscar no Bole-Bole seus primeiros instrutores. Depois que essa

fundação se estruturou, os guamaenses foram perdendo espaço, e nenhum deles

mais faz parte dela (Vetinho, entrevista, 17/09/2013).

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A bateria que tem uma média de idade de 12 a 18 anos, está ensaiando desde agosto do ano passado para colocar no ritmo todos os seus novos componentes, que vão dar o ar da graça na avenida pela primeira vez. Os ensaios vão além da batucada e os meninos recebem aulas de solfejo, harmonia e expressão. A grande proporção de crianças e adolescentes já valeu à Bole-Bole o apelido de “neófitos do samba”. Os cinco casais de mestres-salas e porta-bandeiras que vão sair este ano, em uma outra inovação da escola, são todos adolescentes. Sem tradição de avenida, eles aprendem como fazer as evoluções através de vídeos. Por causa do sucesso do trabalho cultural que é feito pela escola com os jovens do Guamá, o Bole-Bole vai firmar agora em março, com o intermédio da Fundação Cultural do Município de Belém (FUMBEL), um convênio com o UNICEF e deve receber recursos para estender o programa de apoio à comunidade, com projetos para a formação de uma banda mirim e também um grupo de teatro. Através da arte, o Bole-Bole quer diminuir as carências do bairro. Além dos cursos de música e artes plásticas que já promove, outro projeto educativo vai ser inaugurado esse ano para ajudar a escola a acabar com uma deficiência: a falta de registro. Quinze meninos e meninas do Guamá vão fazer parte de um trabalho jornalístico para a preservação da história do Bole-Bole, que vai fazer parte do futuro museu da escola. À disposição dos garotos estarão câmeras de vídeo, máquinas fotográficas, máquinas de escrever e computadores que vão servir de estrutura para a preparação de um jornalzinho a ser editado logo depois do carnaval (O LIBERAL, CADERNO CARTAZ, 25/01/1997, p. 1).

As oficinas ofertadas pelo projeto Moleque Pandeiro (Figura 38) eram de

papel machê, musicalização, percussão, serigrafia, decoração, pintura, teatro,

reciclagem de papel, corte e costura, confecção de instrumentos e confecção de

sapatilhas. Isso significa que, as escolas de samba participantes desse projeto,

tinham a oportunidade de prepararem vários itens essenciais para o desfile, durante

o ano inteiro, mantendo-se sempre em atividade. De acordo com depoimento de

Kléber Oliveira (Entrevista, 17/10/2014)

No projeto Moleque Pandeiro eu já era instrutor de oficina, foi a primeira vez que recebi um pagamento como instrutor. Esse projeto chegou numa hora em que eu estava me tornando adulto e muitos adultos que participavam do então bloco Bole-Bole, estavam desempregados. O que me marcou muito no Bole-Bole nesse período foi a sensibilidade da escola em apontar para ser instrutor das oficinas do Moleque Pandeiro algumas pessoas da comunidade e que estavam desempregadas.

Segundo um relatório trimestral da FUMBEL/Prefeitura de Belém, sobre esse

projeto, funcionou no Bole-Bole duas oficinas: a de musicalização e a de percussão.

A primeira acontecia nos turnos da manhã com trinta e três alunos e da tarde com

quarenta e cinco alunos. A segunda era uma turma única com cinquenta alunos. A

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meta do projeto era atingir duzentos alunos, atingindo-se 64% da meta estabelecida.

Para a realização dessas oficinas, tinham três instrutores e um coordenador. O valor

mensal do projeto, repassado pela Prefeitura, era de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Faz-se necessário ressaltar que, paralelo às oficinas desenvolvidas pelo projeto, as

oficinas que já aconteciam no Bole-Bole, continuaram acontecendo.

Figura 38: Exposição dos trabalhos realizados nas oficinas do Projeto Moleque Pandeiro, na sede do Bole-Bole, 1997.

Fonte: Arquivos da Escola.

Porém, com a desclassificação do Bole-Bole em 1998, esta escola perdeu o

direito de continuar inserida no referido projeto, com isso, os instrutores e o

coordenador que recebiam uma bolsa mais vale transporte, foram dispensados,

ficando somente os instrutores voluntários. De acordo com Vetinho (Entrevista,

17/09/2013) essas oficinas e o voluntariado foram imprescindíveis para que o Bole-

Bole conseguisse ganhar em primeiro lugar no grupo B, retornando em 1999 para

a elite do carnaval, pois, além de perder o vínculo com o projeto, com a

desclassificação, essa escola também ficou sem direito ao recebimento da

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subvenção (ajuda financeira destinada pelos poderes públicos estaduais e

municipais para as escolas no período do carnaval).

Quanto ao trabalho voluntário é importante assinalar que de acordo com a

Organização das Nações Unidas (ONU) apud Ferreira, Proença e Proença (2008),

ele não inclui benefícios financeiros, seu desenvolvimento caracteriza-se por

atender a livre e espontânea vontade de quem o faz, trazendo vantagens para

terceiros e para si. Porém, como ele depende da vontade das pessoas, bem como

da disponibilidade de cada um, penso que a tendência à rotatividade e à escassez

de pessoas habilitadas e capacitadas para atuar como voluntário é grande. De

acordo com Ferreira, Proença e Proença (2008), normalmente o voluntário destina

cerca de duas a três horas por semana de trabalho em ONGs e demais instituições.

Porém, a realidade da escola de samba é diferente, pois o tempo dedicado é bem

maior que esse. Assim, sem muitos recursos financeiros, as oficinas do Bole-Bole

foram ficando sem instrutores e, algumas acabaram.

Mesmo funcionando precariamente, as oficinas de percussão (Figuras 39 e

40) não acabaram, mas as dificuldades em captar recursos aliado a ausência de

uma política pública voltada para fomentar esse tipo de trabalho em escolas de

samba e outros espaços ligados à cultura popular, passaram a acontecer a partir do

segundo semestre, mais precisamente a partir do mês de agosto, como preparação

para o carnaval.

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Figura 39: Oficina de percussão em 2013 com a juventude do Guamá.

Fonte: Margarida Gordo. Figura 40: Bateria do Bole-Bole formada por jovens das oficinas de percussão. Desfile na Aldeia Amazônica em 2013.

Fonte: George Maués.

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Por conta também de dificuldades financeiras para preparar a escola para o

desfile, nos meses que antecedem o carnaval, a agremiação trabalha em forma de

oficinas, numa tentativa de desonerar um pouco a mão de obra e renovando-a

também. Se não fosse isso, ficaria impraticável pagar todos os que trabalham na

construção do carnaval, já que a ajuda financeira que vem dos governos municipal

e estadual, não consegue cobrir todas as despesas para essa preparação.

Em 2009, com a parceria realizada com o IFPA – no ano de sua criação em

substituição ao CEFET – foi possível a realização de várias oficinas, de

musicalização e de artes plásticas, dentro de um trabalho desenvolvido pela Pró-

Reitoria de Extensão e suas diretorias, que tinham como objetivo estabelecer a

aproximação entre este Instituto e a escola de samba, ou seja, dos conhecimentos

acadêmicos com a comunidade, assim muitas ações foram desenvolvidas nesse

sentido. Oficinas de corte e costuras foram retomadas, de papel machê, de

musicalização, de artesanato etc. Essa parceria permaneceu até o ano de 2012, e

resultou também em dois cursos técnicos subsequentes ofertados para a

comunidade guamaense, preferencialmente pertencentes ao Bole-Bole, para

depois de formados tornarem-se agentes multiplicadores.

Os cursos foram de Edificações e de Eletrônica, que por falta de estrutura

física no Bole-Bole, funcionavam na escola Mundo Encantado da Criança – local da

primeira reunião para tratar da fundação dessa associação no ano de 1984 e das

primeiras oficinas. O regime de funcionamento do curso era pautado na formalidade

da escola. Os professores eram do quadro do IFPA e os alunos da comunidade.

A modalidade do curso era o técnico subsequente, só podendo participar dele

quem já houvesse concluído o ensino médio. A duração do curso era de um ano

mais o período de estágio e, ao final todos os alunos aprovados e devidamente

cumpridores dos estágios obrigatórios e de outras atividades complementares

recebiam o certificado oficial do IFPA de conclusão de curso, validado pelo

Ministério da Educação e Cultura (MEC).

A partir do ano de 2010, outra parceria com uma instituição de ensino fora

estabelecida, foi com a Escola de Teatro e Dança da UFPA (ETDUFPA), por meio

de uma de suas professoras e carnavalesca do Bole-Bole, Claudia Palheta,

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resultando em um projeto de extensão, apoiado pelo Instituto de Ciências da Arte

(ICA) e Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Pará nos anos de

2011, 2012 e 2013, tendo como título: Artes Carnavalescas – cenografia, figurino e

maquiagem no desfile da escola de samba.

O objetivo do projeto, segundo Palheta (2013, p. 2), era “desenvolver ações

extensionistas de ensino e pesquisa universitária na formação de cenógrafos e

figurinistas, com as diversas linguagens artísticas existentes no fazer carnavalesco

presente nos barracões de escola de samba”. Assim, os alunos da ETDUFPA

passaram a ter mais uma sala de aula, o barracão de chapelaria do Bole-Bole,

resultando na interação da academia com a comunidade, por meio das vivências e

trocas de experiências e conhecimentos entre os alunos e os artesãos do barracão.

De acordo com Vetinho (Entrevista, 17/09/2013) antes desse projeto

começar oficialmente com a aprovação da Pró-Reitoria da UFPA, em 2010 já havia

um envolvimento de alunos e professores da ETDUFPA com o Bole-Bole. Os

ensaios da comissão de frente, composta por alunos de dança e teatro e membros

da comunidade, eram realizados em uma das salas de dança da referida instituição.

O coreógrafo, assim como a carnavalesca são docentes da mesma, e fomentaram

a ligação entre a academia e a comunidade.

No ano de 2011, foram realizadas seis oficinas com carga horária de 10 horas

cada, envolvendo alunos e artesãos e comunidade em geral do Bole-Bole. As

oficinas eram de adereços, sapateado, o corpo como forma animada, confecção de

bonecos para espetáculos de rua, criação coreográfica e maquiagem. Segue abaixo

as metas atingidas pelo projeto, relatadas no relatório anual do programa:

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Partindo das principais metas estabelecidas para a primeira versão deste projeto, a saber: 1) Estabelecer relação dos alunos dos cursos técnicos e de graduação da ETDUFPA com o universo das escolas de samba de Belém, buscando interação entre o conhecimento e experiência apreendida na academia com o saber artístico popular desenvolvido pelas escolas de samba. 2) Difundir o trabalho das escolas de samba entre os alunos dos cursos técnicos de cenografia e figurino, como sendo uma possibilidade para futuras realizações de trabalhos artísticos e acadêmicos. Considero que ao final deste primeiro ano, as artes produzidas pelas escolas de samba tornaram-se de conhecimento dos alunos matriculados nos cursos técnicos e de graduação da ETDUFPA e a integração entre escola de samba e escola de teatro fez com que o ambiente de uns passasse a ser também o ambiente de outros. Artistas e frequentadores da A. C. Bole-Bole participaram de eventos e palestras sobre carnaval e cenografia realizados na ETDUFPA. Dentre as metas propostas, na primeira versão deste projeto, apenas a Oficina de Alegorias e a Oficina de Elaboração de Enredo Carnavalesco não foram realizadas. A primeira por conta da distância do barracão de alegorias do carnaval de 2011. O barracão não ficava nem próximo à ETDUFPA e nem próximo à A. C. Bole-Bole. Esta dificuldade será superada em 2012, posto que o barracão, já alugado, fica no bairro do Guamá e tem fácil acesso tanto para os artesões como para os estudantes. Quanto à segunda oficina, de Elaboração de Enredo Carnavalesco, foi uma ideia amadurecida com a minha participação sobre este assunto no III CIELA – Congresso Internacional de Estudos Linguísticos e Literários na Amazônia, e, será desenvolvida na segunda versão do projeto (PALHETA, 2011, p. 5).

No ano de 2012, foram realizadas sete oficinas com carga horária de 10

horas cada, envolvendo alunos e artesãos e comunidade em geral do Bole-Bole,

como as oficinas de criação coreográfica para alegorias de escola de samba,

sapateado, criação coreográfica, adereços para o Auto do Círio 2012, figurinos da

comissão de frente do Auto do Círio 2012, coreografia para alegoria carnavalesca

e adereços para fantasias da comissão de frente. Segue abaixo as metas atingidas

pelo projeto, relatadas no relatório anual do programa.

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O desfile em homenagem à ETDUFPA despertou mais interesse, por parte dos alunos, sobre as artes do carnaval, haja vista o considerável aumento no número de participantes nas oficinas no ano de 2012 com relação ao ano de 2011. Considero que as metas previstas para este ano “Estabelecer relação dos alunos dos cursos técnicos e de graduação da ETDUFPA com o universo das escolas de samba de Belém, buscando interação entre o conhecimento e experiência apreendida na academia com o saber artístico popular desenvolvido pelas escolas de samba” e “difundir o trabalho das escolas de samba entre os alunos dos cursos técnicos de cenografia, figurino, teatro e dança, percebendo nas práticas desenvolvidas nos barracões das escolas de samba as possibilidades existentes para futuras pesquisas e para futuras realizações no mercado de trabalho” foram em boa parte alcançadas. A Associação Carnavalesca Bole-Bole pôde ver na avenida, o quanto performances ensaiadas de teatro e dança podem contribuir para o desfile carnavalesco. Os alunos da Escola de Teatro e Dança viram no desfile um palco de possibilidades e um público emocionante onde quarenta mil pessoas (números da prefeitura de Belém), se comunicavam com eles e com suas representações expressas em meio às artes carnavalescas. Algumas oficinas propostas no projeto como: estudo, criação e elaboração do enredo e desenhos para carnaval não foram realizadas. Entretanto aconteceram outras oficinas não previstas inicialmente como: criação coreográfica para alegoria de escola de samba, sapateado, adereços para o auto do círio 2012 e adereços para fantasias da comissão de frente. Este tipo de mudança em um projeto é comum por sua própria dinâmica que se adequa a situações e demandas que aparecem no decorrer do ano (PALHETA, 2012b, p. 4).

No ano de 2013, foram realizadas quatro oficinas com carga horária de 10

horas cada, envolvendo alunos e artesãos e comunidade em geral do Bole-Bole,

como as oficinas de confecção de adereços para performance em desfile

carnavalesco, confecção de cabeças e golas, criação coreográfica. Segue abaixo

as metas atingidas pelo projeto, relatadas no relatório anual do programa.

Participar dos preparativos para os desfiles carnavalescos e desfilar nas escolas de samba de Belém já entrou na rotina de alguns alunos da ETDUFPA. As artes do carnaval, em suas características próprias despertam o interesse dos alunos da ETDUFPA à medida que percebem que as técnicas utilizadas nos barracões das escolas de samba podem ser utilizadas em diversos outros espetáculos cênicos. Considero que a meta de “estabelecer relação dos alunos dos cursos técnicos e de graduação da ETDUFPA com o universo das escolas de samba de Belém, buscando interação entre o conhecimento e experiência apreendida na academia com o saber artístico popular desenvolvido pelas escolas de samba”, mesmo com o atraso já citado tenha sido alcançada pelos alunos participantes das oficinas e também pelos alunos das disciplinas ministradas que abordam as artes carnavalescas em seus conteúdos. A Associação Carnavalesca Bole-Bole pôde, mais uma vez, contar com performances ensaiadas de teatro e dança em seu desfile carnavalesco e os alunos da Escola de Teatro e Dança fizeram do asfalto o seu palco no espetáculo do samba (PALHETA, 2013, p. 4).

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Cláudia Palheta conseguiu estabelecer uma interação entre a academia e a

escola de samba muito profícua durante esses três anos do projeto, fortalecendo a

ligação entre escola formal e escola de samba, cultivada pelo Bole-Bole desde sua

fundação. Porém, com sua saída desta escola de samba no decorrer do ano de

2013, esse projeto foi transferido para o Quem São Eles, onde foi executado para o

carnaval de 2014. É importante ressaltar que mesmo sendo executado em outra

escola, alunos da ETDUFPA e alguns artesãos do Guamá participantes do projeto

foram os responsáveis pela chapelaria dessa escola, ou seja, não foram contratados

artistas de renome, mas sim frutos das oficinas iniciadas no Bole-Bole.

O ponto fulcral desse projeto foi o movimento entre a academia e a escola de

samba, facilitado pela transposição dos muros da educação formal à educação não-

formal. A relação entre conhecimento acadêmico e escola de samba, pode

promover uma dinâmica interessante no aprendizado, por meio da vivência na

prática do que é estudado na escola e na universidade. As possibilidades de criação

expandem-se, principalmente pela fartura de tipos de materiais e de experiências

das diferentes pessoas que lá convivem.

Outro importante ponto em que a escola de samba poderia atuar seria na

efetivação da Lei nº 11.769, de 18 de agosto de 2008 que altera a Lei nº 9.394, de

20 de dezembro de 1996 (LDB), para dispor sobre a obrigatoriedade do ensino da

música na educação básica, sancionada pelo então Presidente Luiz Inácio Lula da

Silva, que possui os seguintes artigos:

Art. 1o O art. 26 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido do seguinte § 6o: § 6º A música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular de que trata o § 2o deste artigo”. (NR) Art. 2o (VETADO) Art. 3o Os sistemas de ensino terão 3 (três) anos letivos para se adaptarem às exigências estabelecidas nos arts. 1o e 2o desta Lei. Art. 4o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2008a).

O artigo vetado tinha o seguinte teor “Parágrafo único: O ensino da música

será ministrado por professores com formação específica na área”. As razões do

veto, pelo Presidente da República, após análise do Ministério da Educação, em

mensagem ao Presidente do Senado Federal, assinalam que:

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No tocante ao parágrafo único do art. 62, é necessário que se tenha muita clareza sobre o que significa ‘formação específica na área’. Vale ressaltar que a música é uma prática social e que no Brasil existem diversos profissionais atuantes nessa área sem formação acadêmica ou oficial em música e que são reconhecidos nacionalmente. Esses profissionais estariam impossibilitados de ministrar tal conteúdo na maneira em que este dispositivo está proposto. Adicionalmente, esta exigência vai além da definição de uma diretriz curricular e estabelece, sem precedentes, uma formação específica para a transferência de um conteúdo. Note-se que não há qualquer exigência de formação específica para Matemática, Física, Biologia etc. Nem mesmo quando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional define conteúdos mais específicos como os relacionados a diferentes culturas e etnias (art. 26, § 4o) e de língua estrangeira (art. 26, § 5o), ela estabelece qual seria a formação mínima daqueles que passariam a ministrar esses conteúdos (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2008b).

Essa lei que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) faz da

música o único conteúdo obrigatório, porém não exclusivo, referindo-se ao

parágrafo 2º que trata do ensino da arte. Não existem dúvidas de que a inclusão de

aulas de música na escola seria um grande feito, já não é sem tempo sua inclusão,

haja vista que ela poderá proporcionar uma formação mais humanista aos alunos;

o desenvolvimento de habilidades motoras; o desenvolvimento da concentração,

atenção, audição, capacidade de trabalhar em grupo, o respeito ao próximo etc.

No entorno do Bole-Bole, existem cinco escolas públicas de ensino formal,

visitei cada uma delas e conversei com as respectivas diretoras, com o intuito de

saber se a Lei nº. 11.769 de 18 de agosto de 2008 já havia sido implementada

nessas escolas. Caso já tivesse sido como estava seu andamento; caso não

tivesse, qual a razão de sua não implementação, haja vista que o prazo para sua

efetivação tenha vencido em agosto de 2011. A resposta das diretoras foi unânime,

o ensino da música não foi implementado em nenhuma dessas escolas, o motivo é

a falta de professores de música – não abriu concurso público e nem contrato

temporário para essa contratação – de uma sala apropriada e de instrumentos.

Fiz uma busca na internet na tentativa de saber como estava acontecendo a

implementação dessa lei pelo país, principalmente nas escolas públicas. Encontrei

a publicação do Jornal Tribuna do Norte (31/03/2012), que tem como subtítulo

Escolas Estaduais ainda não entraram no ritmo, relatando que as escolas públicas

estaduais de Natal ainda não conseguiram implantar a lei 11.769, que inclui a

obrigatoriedade do ensino da música na escola. O motivo da não implantação,

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segundo o mesmo jornal, é o clima de desarmonia entre a lei e a realidade das

escolas, bem como das secretarias municipais e estaduais de educação. As

diretoras dessas escolas reclamam que há um considerável déficit de professores,

não há concursos, não há contratos e, sem professores é impossível que tenha

aulas.

Como se vê, esse problema da não implementação dessa lei, ou seja, do

ensino da música nas escolas públicas é recorrente. Não é somente no Guamá em

Belém do Pará, mas parece que é um problema generalizado, a falta de professores

e de estrutura para que essas aulas aconteçam é uma realidade que precisa ser

combatida. No caso das escolas do Guamá, principalmente as que ficam no entorno

do Bole-Bole, esse problema poderia ser minimizado, caso as escolas se abrissem

para a comunidade, buscassem ajuda na escola de samba do bairro, que possui

estrutura e pessoal habilitado para que as aulas de música pudessem acontecer a

contento (Figuras 41, 42 e 43).

Figura 41: Oficina de violão do projeto Xequerê na sede do Bole-Bole, 2002.

Fonte: Arquivos da escola.

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Figura 42: Oficina de platinela para as crianças da bateria na sede da Bole-Bole para o carnaval de 2013.

Fonte: Margarida Gordo.

Figura 43: Garotos da platinela, desfile do Bole-Bole, carnaval 2013.

Fonte: George Maués.

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Vale ressaltar que a escola de samba comporta tanto conhecimentos

sistematizados, como as oficinas de musicalização, dança etc., quanto os não

codificados, os que pertencem a uma pessoa ou grupo restrito que foi aprendido em

seu dia a dia, mas que no espaço da escola de samba são compartilhados e

socializados, pois

A Escola de Samba com sua maneira peculiar de organização, prática social e cultural, sua relação com o carnaval, sua abertura para as diversas classes sociais e grupos culturais, com suas reuniões de organização de cada parte (alas de desfile, harmonia, bateria, compositores, baianas, passistas, barracão, diretoria etc.), seus ensaios de bateria, seus ensaios gerais, seu culto à bandeira da Escola, seus almoços e comemorações com comidas típicas, sua socialização de saberes, seu desfile na avenida... (LIMA, 2005, p. 96).

Desta forma é possível constatar que a cultura do samba ou o mundo do

samba é composto de vários elementos que se enriquecem constantemente e lhe

dão identidade. A vivência nesta cultura implica uma relação com o mundo que a

toma como uma das referências de vida e de construção simbólica da realidade.

Por conta desses elementos que estão vivos e fervilhando na escola de samba

muitas pessoas, vindo de diferentes espaços e lugares culturais e identitários são

atraídas para esse universo e, com elas toda sua carga cultural, seus sonhos,

desejos e projetos.

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Figura 44: Eu no carnaval de 2015. Respirando para o próximo samba.

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Apesar da figura acima remeter à imagem de um corpo exausto no final de

um desfile de carnaval, isso não corresponde com o instante vivido. Nesse momento

em que a lente da fotógrafa capturou meu corpo na avenida, o desfile ainda não

havia iniciado, estava apenas me recuperando após várias idas e vindas

organizando o Bole-Bole para sua entrada triunfal. Assim, o que parece ser o fim é

o começo ou recomeço, ou seja, não há final, fazemos apenas pausas para respirar

e (re)começar.

Chego neste momento a uma pausa nesse meu samba enredo, a qual é

necessária para que outras composições e outros sambas sejam compostos.

Inspiração não deverá faltar, pois muitos enredos ainda precisam ser pesquisados,

virar samba e ecoarem na avenida da educação, sobre os saberes e as práticas

educativas que acontecem no espaço da escola de samba. Sendo esses saberes e

essas práticas parte de uma categoria da educação, denominada de educação não-

formal.

O carnaval é o quintal do amanhã: saberes e práticas educativas na escola

de samba Bole-Bole em Belém do Pará, que deu origem ao samba que acabo de

concluir, fez um sobrevoo sobre a historiografia do carnaval de Belém, que não foge

da história das demais cidades brasileiras colonizadas pelos portugueses. Desvelar

esse carnaval foi importante para entender os vários fenômenos que convergiram

para a criação da escola de samba Bole-Bole.

Escola esta localizada na Passagem Pedreirinha na cidade de Belém, no

bairro mais populoso do Estado do Pará, que nasceu determinada em prover

oportunidades educacionais, sociais, culturais, profissionais e de vida aos

moradores do bairro do Guamá. Mas, tem uma pergunta que precisa de uma

resposta ou de um indicativo para futuras reflexões: há aprendizado na escola de

samba? Segundo o destaque Charles Brown (Entrevista, 22/08/2014) há, pois

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Escola de samba já carrega no nome, que nesse lugar vai se ensinar alguma coisa e acho que esse nome é bem carinhoso e muito sério. Lá passamos a educar as pessoas, lá formamos líderes como chefes de ala, mestre de bateria etc. Na escola de samba tem sempre alguém disposto a ensinar alguma coisa para alguém, é fazendo uma flor, um desenho, tentando tirar um som de um instrumento, se arriscando em uma dança, enfim... Aprende-se na escola de samba na prática, esse aprendizado é muito próximo da realidade desses meninos e meninas. Acho que a escola de samba e a escola formal formam uma dupla muito propícia para mudar um pouco essa triste realidade que passa o sistema educacional brasileiro.

Como bem respondido por Charles Brown, há uma série de saberes que

veiculam na escola de samba e que geram aprendizado, são eles provenientes de

situações problemas vivenciados na escola de samba, bem como os formatados em

suas diversas oficinas. Há também em sua resposta uma referência há uma

possível relação entre os saberes da escola de samba, ditos não-formais, com os

da escola formal. Quanto a essa relação, Cláudia Palheta (Entrevista, 18/10/2014)

destaca que “o aprendizado que acontece na escola de samba, pode servir como

apoio e vivência para o aprendizado da escola formal”, pois acredita que a escola

de samba é um espaço propício para as experiências práticas de muitas disciplinas

que compõem o currículo formal da escola como a arte, matemática, física, química,

história, geografia, português, literatura etc. Incluo nessa relação a Educação Física.

Ainda sobre a relação entre a escola formal e a escola de samba Cleiton

Alexandre (Entrevista, 17/10/2014) diz ver “a escola de samba como um espaço

para aprender alguma coisa, acho inclusive que ela e a escola deveriam se unir,

pois acredito que pode surgir bons frutos dessa união”. Também acredito que essa

união poderia traçar novos caminhos à educação, principalmente em bairros

populosos e desassistidos como o Guamá, pois além de conhecimentos para a vida

há nesse espaço a possibilidade de vivenciar os conteúdos escolares, de uma forma

mais divertida e criativa.

Em face dessa outra questão: de que forma a vivência no espaço da escola

de samba pode ser demarcadora da identidade cultural de um grupo social, a partir

dos sujeitos constituintes desse grupo? Penso ser esta uma questão que podemos

refletir com as palavras de André Alcântara (Entrevista, 22/08/2014)

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A escola de samba tem um grande potencial de agregação, a comunidade quando se junta se fortalece em todos os sentidos, tanto para a vida política quanto para a vida social. Hoje vejo com clareza, que a escola de samba não é apenas fomentadora de samba em si ou de arte, é uma fomentadora de união entre as pessoas, é uma escola de vida e para a vida. O Bole-Bole é um local onde me reconheço, tenho a impressão que os garotos que lido na bateria sentem isso também.

Reconhecer-se em determinado lugar está diretamente ligado com sua

identidade. Assinala Poubel (2012, p. 12) que “os moradores de uma mesma

localidade têm na escola de samba uma referência para a construção de

identidades sociais, estabelecendo discursos e práticas em comum”. Revela ainda

Poubel (2012, p. 12) que “o fato de pertencer a uma escola de samba de

determinado bairro cria relações entre as pessoas, atuando na construção de

identidades e representações sociais que orientam as práticas dos moradores

dessas localidades”.

Essa identidade e esse vínculo estabelecido com a escola de samba cria uma

relação de pertencimento. Penso que assim como essa relação é forte na escola de

samba, ela precisa ser fortalecida na escola formal, pois como destaca Taffarel

(2013, p. 19), referindo-se à escola formal, ela “é a forma mais avançada que temos

para garantir a formação de crianças, jovens e adultos no que diz respeito ao acesso

ao patrimônio histórico produzido pela humanidade”. Por isso vejo como

imprescindível que mecanismos de acesso, de atração, de relacionamento e de

identidade com a escola formal precisam ser pensados e construídos.

Por meio de pesquisa documental junto ao acervo da Escola e aos jornais da

cidade e entrevistas com membros da escola de Samba e com pessoas da

comunidade, a pesquisa identificou saberes e práticas educativas existentes nesse

espaço de efervescência cultural para além do desfile de Carnaval, que colaboram

para a confirmação da identidade do grupo e da coletividade.

Como contribuição disponibilizo este meu samba enredo como reflexão e

possível caminho para que a educação possa expandir-se e chegar ao maior

número possível de pessoas, independentemente das características carregadas e

agregadas por cada um. Espero que o olhar curioso e cheio de expectativas do

menino da bateria (Figura 01) – ritmista fruto das oficinas de percussão do Bole-

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Bole – que sonha, vislumbra e projeta um futuro melhor, cria e vive a escola de

samba, se reproduza em milhares de olhares, voltando-se também para a educação

e para a escola formal sem perder o ritmo e sem perder o compasso. Que venham

mais enredos, mais sambas, mais carnavais e mais (re)começos!

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DESTAQUES

VETINHO. Herivelto M. Silva. Entrevista sobre a história do carnaval no Guamá (Arco Íris e Bole-Bole). Belém/PA, 17/09/2013. Entrevista concedida a Margarida Gordo.

VETINHO. Herivelto M. Silva. Entrevista sobre os enredos e sambas da Associação Carnavalesca Bole-Bole. Belém/PA, 10/06/2014. Entrevista concedida a Margarida Gordo.

CHARLES BROWN. Carlos Benedito Soares. Entrevista sobre a história do carnaval no Guamá (Arco Íris e Bole-Bole). Belém/PA, 22/08/2014. Entrevista concedida a Margarida Gordo.

EUNICE RAMOS. Entrevista sobre a história do carnaval no Guamá (Arco Íris e Bole-Bole). Belém/PA, 27/09/2013. Entrevista concedida a Margarida Gordo.

CLÁUDIA PALHETA. Entrevista sobre a escola de samba como lócus de saberes e práticas educativas. Belém/PA, 18/10/2014. Entrevista concedida a Margarida Gordo.

FEIJÃO. Luís Augusto Alcântara. Entrevista sobre a escola de samba como lócus de saberes e práticas educativas. Belém/PA, 30/09/2013. Entrevista concedida a Margarida Gordo.

MINI. Fabrício Meireles. Entrevista sobre a escola de samba como lócus de saberes e práticas educativas. Belém/PA, 30/09/2013. Entrevista concedida a Margarida Gordo.

ANDRÉ ALCÂNTARA. Entrevista sobre a escola de samba como lócus de saberes e práticas educativas. Belém/PA, 22/08/2014. Entrevista concedida a Margarida Gordo.

CLEITON ALEXANDRE. Entrevista sobre a escola de samba como lócus de saberes e práticas educativas. Belém/PA, 17/10/2014. Entrevista concedida a Margarida Gordo.

KLÉBER OLIVEIRA. Entrevista sobre a escola de samba como lócus de saberes e práticas educativas. Belém/PA, 17/10/2014. Entrevista concedida a Margarida Gordo.

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Pérolas do Carnaval

CIDADE DAS MANGUEIRAS: como Belém é carinhosamente chamada e

conhecida, devido as centenas de mangueiras espalhadas em praças, ruas e

avenidas.

CLUBES CARNAVALESCOS OU GRANDES SOCIEDADES: foram pioneiras na organização do Carnaval e uma das precursoras, junto com os Ranchos, das Escolas de Samba. Era uma forma de brincar carnaval que se caracterizava por desfiles de ruas, nos quais eram agregados temas, ideias ou críticas de cunho social ou político – atualmente denominado de enredo. Além da utilização do enredo e da “organização administrativa (sede própria, estatutos e diretorias com dirigentes diversificados)” foram as inspiradoras dos carros alegóricos (ALBIN, 2009, p. 251). CORDÕES: era uma forma de brincar carnaval que tinham um caráter de selvageria e violência, logo no início. Com o passar do tempo a selvageria dos cordões foi sendo controlada, passando a ser visto como uma espécie de carnaval inocente (FERREIRA, 2008). CORSO CARNAVALESCO OU CORSO: consistia em desfiles de pessoas fantasiadas em carruagens enfeitadas. No início do século XX com a chegada dos primeiros automóveis no Rio de Janeiro, essa atividade carnavalesca ganhou mais força, pois para os mais abastados essa era uma excelente oportunidade para desfilarem seus carros, que era a grande novidade daquela época (FERREIRA, 2008). ENTRUDO: era uma brincadeira carnavalesca nos dias de folia. Esse “termo se referia a uma grande variedade de jogos, diversões e troças aos quais a população brasileira se dedicava durante esse período” e apesar de toda carga negativa que carregou, era um dos únicos modos de diversão da população desvalida, embora existisse o entrudo popular e o familiar (FERREIRA, 2008, p. 21). Esse conjunto de brincadeiras consistia nas pessoas jogarem líquidos mal cheirosos, farinhas, ovos, lança perfume, ou até pó de mico, umas nas outras. Brincava-se entre as famílias, amigos e vizinhos, pegando de surpresa pessoas desavisadas ou distraídas. Era considerada uma brincadeira de mau gosto, haja vista nem todos ficarem satisfeitos de se verem molhados ou sujos repentinamente. Por causar muita confusão fora proibido por várias vezes, inclusive pela força policial (OLIVEIRA, 2006). GUAMAENSES: são as pessoas que criaram raízes no bairro do Guamá. JURUNENSES: são as pessoas que criaram suas raízes no bairro do Jurunas. RANCHISTAS: denominação dada aos torcedores da escola de samba Rancho Não Posso me Amofiná. ZÉ PEREIRA: consistia em uma forma de brincar carnaval em que o desfile pelas ruas da cidade era acompanhado por grandes bumbos, tambores e latas. A primeira

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apresentação do Zé Pereira aconteceu nas ruas do Rio de Janeiro em 1850, organizado pelo sapateiro português José Nogueira de Oliveira Paredes. A origem do termo Zé Pereira não é muito clara, sendo que uma das versões se sustenta em ser essa a denominação dos grandes tambores no norte de Portugal (FERREIRA, 2008). Segundo Albin (2009, p. 251) a provável origem do termo está relacionada com uma confusão com o nome de José Paredes, “nome cuja corruptela acabou por virar o Zé Pereira e que inaugurou uma forma de carnaval organizada no Rio”.

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Dispersão (Anexos e Apêndices)

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TRANSCRIAÇÃO DAS ENTREVISTAS

HERIVELTO MARTINS E SILVA – VETINHO ENTREVISTA: 17/09/2013

Meu envolvimento com o carnaval iniciou no ventre de minha mãe. Nasci

durante os primeiros gritos de carnaval, no dia 02 de janeiro. Minha família muito numerosa, sempre foi festeira e alegre, reuníamo-nos para ir para o estádio de futebol liderados pela minha mãe para torcer pelo Clube do Remo, acompanhávamos o boi-bumbá do Guamá, fizemos bloco de carnaval União Guamaense entre outras manifestações em que minha família estava presente, essas foram as principais influências festivas e carnavalescas em minha vida. Ainda garoto as manifestações de cultura popular sempre me atraíram, seja o bangu-ê (influência do município de Moju), os cordões de pássaros juninos, os cortejos de boi-bumbá muito fortes no bairro do Guamá, rodas de carimbó enfim, fui crescendo sendo influenciado por essas coisas. Quando dei por mim estava tocando violão, cavaquinho e outros instrumentos e também compondo músicas regionais, chorinho e samba, esse meu lado musical sofreu influências do meu tio Teotônio mais conhecido como “tio Bebé”.

Período de carnaval ia nos bailes realizados pelo Clube do Remo, assistia o carnaval na Praça da República onde bloco vindos de vários bairros migravam para lá. Depois passei a assistir ao desfile das escolas e blocos promovido pela prefeitura e também a compor samba enredo e a tocar cavaquinho para alguns deles. Foi então, que uma dessas vezes, no carnaval de 1981, voltando para casa, caminhando para a parada do ônibus, observei o povo do Jurunas acompanhando o Rancho após o desfile para retornarem para o seu bairro. Isso me trouxe uma sensação estranha, parei para pensar e vi que no Guamá não existia nenhuma agremiação carnavalesca com forte identidade com o bairro, como era a relação entre o Rancho e o Jurunas. A partir daí comecei a desejar que no Guamá tivesse uma coisa assim. Essa ideia passou a tomar conta de meus pensamentos, foi então que a socializei com meu primeiro grupo musical o Joelho de Grilo, que era formado por jovens músicos do bairro do Guamá e alguns deles universitários, tendo como integrantes principais, eu Vetinho no cavaquinho, Carlos Alberto Damous Magalhães (o Macaréu) no violão, Ronaldo Araújo (o Ronaldo cabeça de ladrão) no violão de sete cordas, Carlos Benedito Soares (o Charles Brown), Emílio Sérgio Carvalho Meninea (o Meninea) e Hélio João Martins e Silva (o Cabeção) na percussão, e também com alguns parentes e amigos próximos, como minha irmã Heloísa (Lola) e seu esposo Paulo Alcântara (atual presidente do Bole-Bole). Como várias pessoas passaram a sonhar o mesmo sonho, parece que a energia delas começou a atrair toda uma cadeia que foi se formando para que este se concretizasse, sendo que para minha surpresa, essa concretização foi para além do que eu havia sonhado.

Ao invés de ser criado um bloco carnavalesco, como era a ideia inicial, foi criada a Escola de Samba Arco Íris. Antes mesmo de ser fundada já contava com várias doações arrecadadas e trazidas pelo empresário e diretor do Departamento Nacional de Estradas e Rodagens (DNER) Mário Couto Filho, hoje Senador da

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República. Aliás, todas as providências que dependiam de recursos financeiros para estruturar a referida escola ficaram por conta de Mário Couto. Confesso que quase não acreditava no que estava vivendo. A dimensão que o Arco Íris tomou, não caberia nem em meus melhores sonhos. Sendo que de repente passei a me relacionar com Joãosinho Trinta e Laíla – duas sumidades da grande Beija Flor de Nilópolis do Rio de Janeiro, que vieram comandar a parte artística do Arco Íris – a vinda de muitos artistas de renome nacional, a presença da mídia, da classe política e empresarial, um grande movimento de pessoas, inclusive quesitos e cantores migrando de outras escolas para o Arco Íris, o movimento de chefes de ala, enfim, mas o momento no qual senti mais emoção, foi a entrada e o desfile da escola na Avenida Doca de Souza Franco, grande palco do carnaval de Belém.

Era fevereiro de 1983, perto da hora marcada para a entrada da escola, subimos para o carro-som: eu com meus dois cavaquinhos (um de reserva para o caso de uma corda se quebrar), Antônio Carlos – o Xaxá, que era o segundo cantor e logo depois o Fernando Gogó de Ouro, cantor principal. Do alto, a visão era privilegiada. Um diretor de harmonia pelo microfone começou a chamar ala por ala de acordo com a planta baixa definida por Joãosinho Trinta. Quando a primeira ala entrou na arrumação com seus componentes todos de mãos dadas, fila por fila, par com par, todos em suas devidas posições... parecia um grito de gol em estádio de futebol... foi uma gritaria, uma comoção geral porque nunca havia acontecido tal organização em Belém. A cada ala chamada, a emoção era muito grande e dava vontade de chorar porque o povo começou a cantar o samba antes da gente, antes da bateria, antes do cavaquinho, antes dos cantores. O conjunto da escola ficou com um visual como nunca se tinha visto em Belém. Não eram somente guamaenses que estavam ali. Tinha gente de todo lugar que queria ver de perto aquele fenômeno. Todos queriam ver, mas ao mesmo tempo colaboravam abrindo caminhos como que se quisessem fazer parte, queriam se sentir do lado de dentro daquela história. Certamente só mesmo alguns jurunenses mais fanáticos poderiam desejar que tudo aquilo não desse certo. Eu nunca tinha sentido um prazer tão grande em tocar uma música como senti naquela noite, os meus dedos deslizavam nas cordas sem eu sentir, parecia que eu flutuava, olhava para arquibancadas e camarotes e via todos cantando. A bateria posicionada atrás do carro-som marcava o ritmo dos corações de todos nós que estávamos ali. Foi inesquecível. Na apuração, com a nota dez de todos os jurados em todos os quesitos, o bairro do Guamá fez sua primeira grande festa de comemoração de título de carnaval. Foi lindo demais, um momento que ficará guardado para sempre em minha memória e no cantinho das coisas especiais.

O Arco Íris foi uma explosão de grandiosidade e exuberância, atraindo desta forma imprensa e classe empresarial, que por sua vez acabou atraindo a elite de Belém, a consequência disso foi o distanciamento criado entre a escola de samba com os guamaenses. As fantasias eram comercializadas a um alto custo, tornando-se inacessível financeiramente aos moradores do bairro, já em seu segundo ano, conseguindo uma sem pagar com dinheiro quem a trocasse por serviço, mas mesmo assim era muito difícil, haja vista serem vendidas com certa antecedência sobrando poucas para esse tipo de negociação. Apesar de todo deslumbramento que eu estava vivendo com a dimensão tomada por meu sonho, tinha consciência de que este não estava sendo concretizado, pois para além desse deslumbre,

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sonhava em ver os guamaenses tendo acesso às alegrias de um desfile de carnaval, não somente como espectadores como estava acontecendo com o Arco Íris.

Por conta disso revivi em minhas memórias a ideia de criar um bloco carnavalesco com o intuito de que o bairro do Guamá – pobre, criativo e divertido – pudesse participar, tivesse acesso a desfilar no carnaval de Belém. Compartilhei mais uma vez com meu grupo musical, familiar e de amigos e essa ideia passou a fazer parte de nossas conversas. Até que na madrugada do dia 02 de fevereiro de 1984, saí da quadra do Arco Íris com meu cavaquinho, reuni nossa turma e saímos cantando pela rua um samba que não lembro mais, até amanhecermos num bar qualquer, para programarmos a fundação do nosso bloco carnavalesco.

Nesse mesmo dia à noite, fundamos na Escola Santo Expedito (Escolinha da Professora Eunice Ramos) uma escola formal do bairro, a Associação Carnavalesca Bole-Bole. Estavam presentes: eu (Vetinho), Joelho de Grilo (Macaréu, Ronaldo Cabeça de Ladrão, Charles Brown, Meninea e Hélio), Heloísa e Paulo Alcântara, João e Graça Cunha, Sebastião Meireles (Sabá), José Freitas (Japão), Wilson Mateus, Nonato Ataíde, José Augusto (Zé do Bar), Jorge Guilherme (Jabá) e da própria Eunice Ramos. Atraímos muita gente. Como fundamos o bloco muito perto do carnaval, não tínhamos dinheiro suficiente e desfilamos muito cedo, não deu tempo de prepararmos fantasias para todos que queriam desfilar, mas do segundo ano em diante nosso bloco cresceu muito, desfilávamos com uma média de 1500 a 2000 brincantes. O bloco Bole-Bole desfilou pela primeira vez às cinco horas da tarde de 1984 na Doca de Souza Franco com o samba A Ilha da Fantasia, de minha autoria e interpretado por Alberto Damous (Macaréu) e (Marilene Torres), arrastando uma expressiva quantidade de eufóricos brincantes do bairro do Guamá vestidos de havaianos, cantando assim

Assim como batizei o Arco Íris com esse nome (com a intenção de termos liberdade em relação às cores), também dei nome ao Bole-Bole, que teve como inspiração a música Dança do Bole-Bole (gatinha que dança é essa que o corpo fica todo mole, é uma dança nova que bole-bole, que bole-bole...) que fazia parte da apresentação das mulatas de Osvaldo Sargentelli, em shows realizados pelo Brasil e no exterior.

O bloco Bole-Bole tinha como base a casa de meu pai, o Mestre Reis na Avenida José Bonifácio, onde concentravam a confecção das fantasias, envolvendo todos os meus irmãos, vizinhos e amigos nessa onda carnavalesca. Porém, esse não era o único lugar de criação do bloco, ele acontecia também, na casa dos pais de Charles Brown, o Sr. Raimundo Soares (Seu Dico) e da Srª. Luci (Dona Luca), na Passagem Pedreirinha, onde acontecia a construção dos adereços e das alegorias, regado com as deliciosas iguarias feitas por D. Luca.

O Bole-Bole iniciou como uma associação carnavalesca familiar e de amigos continuando assim até hoje. Tenho o cuidado de deixar sempre um membro de minha família na presidência do Bole-Bole, pois essa foi a forma que encontrei para garantir sua existência, temo que alguém de fora acabe com mais uma agremiação carnavalesca no Guamá como aconteceu no Arco Íris.

O Bole-Bole desfilou pela primeira vez, as cinco horas da tarde de um sábado de carnaval na Avenida Visconde de Souza Franco – a Doca – como Bloco de

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Empolgação. O meu amigo Alberto, o Macaréu, e João Cunha defenderam o samba na avenida.

Até o ano de 1987 não tínhamos sede própria, somente nesse ano, com a ajuda dos amigos Leda e Belford, conseguimos adquirir um terreno na Passagem Pedreirinha no bairro do Guamá, para ser a sua sede. Antes desse terreno onde construímos nossa sede, as primeiras oficinas do Bole-Bole funcionavam na Escolinha Santo Expedito, atualmente Escola Mundo Encantado da Criança. Essas oficinas tinham como objetivo atender a garotada da Pedreirinha, depois expandimos para crianças e adolescentes do bairro do Guamá em situação de risco.

Entre o final da década de 1980 e início da de 1990, essa agremiação carnavalesca tinha poucos músicos oriundos da comunidade – a maioria vinha de fora do Guamá, principalmente do bairro do Telégrafo – e instrumentos musicais de percussão para compor sua bateria – pois custavam caro e os recursos financeiros para adquiri-los eram escassos. Foi então, que dois percussionistas responsáveis pela bateria, Emílio Meninéa e Hélio Martins, apesar das inúmeras dificuldades, passaram a ensinar jovens da comunidade a tocarem esses instrumentos.

Para dirimir essas dificuldades, procuraram na comunidade, pessoas que pudessem ajudá-los a construir esses instrumentos, pois com mais instrumentos poderiam aumentar o tamanho da bateria e ensinar mais jovens guamaenses a tocar, com o intuito de não mais dependerem de pessoas de outros bairros, que no início vinham ajudar a compor a bateria do Bole-Bole. Esse trabalho de oficina começou a produzir uma mão-de-obra apta a evoluir para outras áreas, porque lidava com serralheria, carpintaria, pintura e outras aptidões.

O retorno desse trabalho não demorou para chegar, essa bateria só tirava dez nos desfiles oficiais dos blocos carnavalescos (que era a categoria do Bole-Bole no início). Além do dez na avenida do samba, outros resultados práticos começaram a aparecer. Nosso trabalho foi aparecendo e sendo considerado importante que fomos procurados em 1988, pela direção da hoje extinta Fundação do Centro Brasileiro para Infância e Adolescência (CBIA), no sentido de efetivarmos um convênio para trabalharmos com menores em situação de risco, como sempre estiveram os meninos do bairro do Guamá.

Com esse convênio as oficinas multiplicaram-se, apesar da precariedade do espaço físico, foram adquiridos aparelhos e ferramentas que ajudaram a aumentar a oferta de mais cursos na área de musicalização como violão, cavaquinho e ainda aprimorar a confecção e manutenção de instrumentos musicais de percussão. Meu saudoso amigo Nazareno Silva (Nazo) e eu éramos os responsáveis pelas oficinas, dividíamos o espaço central da maloca para formarmos as salas de aula para cada uma dessas oficinas (cavaquinho, violão, pintura, modelagem em papel machê e plásticos), na parte da frente da sede aconteciam as aulas de dança.

Para reforçar a oficina de construção de instrumentos de percussão, Nazo levou um amigo seu, o guamaense Adelson, que era exímio conhecedor desse ofício, para armar as fôrmas para confecção de instrumentos de percussão como surdos, caixas, repiques, barricas e outros. Com as máquinas que foram adquiridas, ele ensinava os meninos a fazerem cadeiras, bancos, mesas e outras utilidades que foram usadas durante muitos anos na maloca do Bole-Bole. Além desse conhecimento específico, Adelson sabia um pouco de cada uma das oficinas que

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estavam sendo realizadas, com isso, passou a ser uma espécie de formador dos demais oficineiros juntamente com Vetinho, Nazo, Hélio e Meninéa.

Às vezes algumas coisas vão se perdendo no tempo e o que nos resta é a memória, até o dia que ela resolve nos trair. Nazo e eu fomentávamos outras manifestações culturais além do carnaval. No Guamá, mais especificamente na Pedreirinha (rua do Bole-Bole) tinha um boi-bumbá chamado de Malhadinho, era famoso em Belém. Quando seu dono faleceu, o Sr. Bandeira, o boi deixou de existir. Passado alguns anos sem o referido boi, Nazo e eu resolvemos “ressuscitar” o Boi Malhadinho, na versão mirim, não mais um boi adulto como era. Com isso começamos a construir nas oficinas de confecção de instrumentos barricas de couro para boi-bumbá, as aulas de canto e dança foram direcionadas para as tramas de boi-bumbá, nas oficinas de artesanato eram confeccionados adereços, enfeites, estandartes e outras peças que geralmente são usadas nessas expressões culturais.

Mais tarde com o fim da CBIA ocorrido no ano de 1995, o desenvolvimento das oficinas, que já não contava com grande suporte financeiro, pois muita coisa dependia de mim, de Nazo e de nossos familiares e amigos, e nunca fomos ricos, ficou ainda mais difícil. O que arrecadávamos não dava para pagarmos os oficineiros, com isso, algumas oficinas acabaram. Porém, o trabalho de percussão com as crianças e adolescentes da bateria nunca parou, principalmente por conta da necessidade de renovação no quadro, por vários motivos: mudança do bairro, casamento, trabalho e morte – vítimas e/ou atores da violência do bairro. Lutamos com todas as nossas forças para mantermos essas oficinas, íamos com empresários, políticos, prefeito, vereadores e pouco conseguíamos de fato.

A experiência do Bole-Bole em oficinas culturais, deu origem à criação da Fundação Curro Velho pelo governo do Estado do Pará, vinculada à Secretaria Estadual de Cultura do Pará – SECULT/PA. Para trabalhar com esse tipo de oficinas, foram buscar no Bole-Bole seus primeiros instrutores. Depois que essa fundação se estruturou e ampliou-se, os guamaenses foram perdendo espaço, e nenhum deles mais faz parte dela.

Depois de muito insistirmos, conseguimos levar até a sede do Bole-Bole o recém prefeito empossado, Edmilson Rodrigues do PT na época, isso foi em 1997. Mostramos para ele o que fazíamos sem muitos recursos e desamparados por entidades públicas ou privadas. Nesse mesmo ano, tomando como base as oficinas que desenvolvíamos no Bole-Bole, a prefeitura de Belém lançou o projeto Moleque Pandeiro, que tinha por finalidade principal fomentar as oficinas culturais em todas as escolas de samba da cidade e o Bole-Bole com sua experiência de muitos anos nessa atividade, aproveitou para se firmar de vez como uma das mais importantes escolas de samba de Belém, fortalecendo-se na dança, na criação de alegorias e adereços, em musicalidade e na criação de enredos.

Porém, com a desclassificação do Bole-Bole em 1998, esta escola perdeu o direito de continuar inserida no referido projeto, com isso, os instrutores e o coordenador que recebiam uma bolsa mais vale transporte, foram dispensados, ficando somente os instrutores voluntários. Inclusive as oficinas e o voluntariado foram imprescindíveis para que o Bole-Bole conseguisse ganhar em primeiro lugar no grupo B, retornando em 1999 para a elite do carnaval, pois, além de perder o vínculo com o projeto, com a desclassificação, essa escola também ficou sem direito

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ao recebimento da subvenção (ajuda financeira destinada pelos poderes públicos estaduais e municipais para as escolas no período do carnaval).

Vivi e passei por muitas lutas no carnaval de Belém, perdi bens, dinheiro e até amigos, mas continuo e enquanto eu tiver forças continuarei lutando por um carnaval que seja a cara do Pará, com nossa identidade e não uma cópia mal feita do carnaval do Rio de Janeiro. Sempre tento misturar produtos da nossa região com o paetê, o samba com os ritmos tipicamente paraenses e assim por diante. Alguns dizem que é rebeldia ou protesto de minha parte, não é nenhum dos dois, é uma proposta. Uma proposta, que possa representar um custo menor para as escolas de samba de Belém, que teimosamente tentam imitar o luxo e a grandiosidade das escolas de samba do Rio de Janeiro. Gosto muito do espetáculo das escolas de samba na Marquês de Sapucaí, todas as vezes que posso vou assistir, mas é um espetáculo dentro das possibilidades estruturais e financeiras deles, não se adequa a realidade paraense. No Rio todos se mobilizam em torno desse carnaval, é o poder público, privado, mídia e dirigentes das escolas. Aqui em Belém, o movimento é totalmente ao contrário, para falar a verdade acho que nem há movimento.

De tanto procurar uma parceria ao longo dos anos, em 2009, fechamos uma com o IFPA – no ano de sua criação em substituição ao CEFET – foi possível a realização de várias oficinas, de musicalização e de artes plásticas, dentro de um trabalho desenvolvido pela Pró-Reitoria de Extensão e suas diretorias, que tinham como objetivo aproximar a academia com a comunidade, muitas ações foram desenvolvidas nesse sentido. Oficinas de corte e costuras foram retomadas, de papel machê, de musicalização, de artesanato etc. Essa parceria permaneceu até o ano de 2012, e resultou também em dois cursos técnicos subsequentes ofertados aos membros comunidade guamaense, de preferência aos que pertenciam ao Bole-Bole, para depois de formados, além de conseguirem uma profissão, tornarem-se agentes multiplicadores. Os cursos foram de Edificações e de Eletrônica, que por falta de estrutura física no Bole-Bole, funcionavam na escola Mundo Encantado da Criança.

Outro parceiro acadêmico que conquistamos foi a Universidade Federal do Pará, por meio da Escola de Teatro e Dança pertencente a esta universidade. Nossa carnavalesca na época Cláudia Palheta aprovou um projeto na Pró-Reitoria de Extensão da UFPA, denominado de Artes Carnavalescas no ano de 2011, que consistia na troca de experiências dos alunos da referida escola com os artesãos dos barracões do Bole-Bole. Porém, antes mesmo da oficialização dessa parceria, no ano de 2010 já havia um envolvimento de alunos e professores da ETDUFPA com o Bole-Bole. Os ensaios da comissão de frente, composta por alunos de dança e teatro e membros da comunidade, eram realizados em uma de suas salas de dança, o coreógrafo, assim como a carnavalesca são docentes de lá.

Acho essas parcerias acadêmicas extremamente importantes, infelizmente elas não vêm acompanhadas de outras parcerias que destinem recursos para melhorarmos o espaço físico e mantermos nossas ações por lá. Recentemente, com recursos próprios, construí uma cozinha e novos banheiros. Mas as dificuldades financeiras são gigantescas. Fico triste, mas as vezes penso em acabar com o Bole-Bole, olho pros lados e vejo que muita gente desacredita da escola de samba, principalmente as que poderiam ajudar. Gostaria de ver várias oficinas funcionando

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o dia todo, todos os dias, mas não temos como manter. Sou persistente, até onde eu puder ir, irei.

HERIVELTO MARTINS E SILVA ENTREVISTA: 10/06/2014

Em relação aos sambas e enredos, componho os sambas do Bole-Bole

desde sua criação, apenas no ano de 1999 fizemos um festival de samba. Esse festival que fizemos foi na tentativa de fomentar e atrair compositores do bairro do Guamá. Penso que temos que manter nossa identidade e nossas raízes. Aconteceu que os compositores profissionais de Belém, que participam de festivais em todas as escolas de samba daqui, se inscreveram para o festival de samba enredo do Bole-Bole inibindo os novatos compositores guamaenses de participarem. Os compositores que ganharam nesse ano no Bole-Bole haviam ganhado em outras escolas, não participaram de nenhuma promoção da escola, de nenhum ensaio preparatório para o desfile e nem desfilaram no Bole-Bole, ou seja, única vez que apareceram foi para o festival. Eu acredito que tem que haver vínculo com a escola e não impessoalidade, as outras escolas não se importam com isso, nós nos importamos. Então resolvemos não fazer mais festival, continuo compondo e buscando compositores no bairro para os quais eu possa passar meu anel.

Quanto ao primeiro samba, em 1984, A Ilha da Fantasia, a proposta era transportar o sofrido povo guamaense, sem vez no Arco Íris àquela Ilha, no caso a Doca Visconde de Souza Franco, porque lá eles teriam felicidade, lá eles poderiam cantar, dançar e sonhar.

Em 1985, segundo ano do Bole-Bole, o enredo O Reino da Folia foi inspirado em uma história fictícia, passada em um pequeno reino da folia, onde habitava um extrovertido rei, denominado de Rei Meleixo, que fazia a alegria de seu povo, tornando-se a grande atração daquele lugar. Promovia desfiles dançantes pelas ruas de seu reino e, sua maneira de dançar, com muito rebole-boleado foi sendo imitada por todos. Esse reinado era o próprio Bole-Bole, que veio para proporcionar alegria às ruas do bairro do Guamá e a todos os seus súditos, a comunidade guamaense.

No ano de 1986 fora do Arco Íris, o enredo foi Carnaval Paraora, ano do primeiro título do Bole-Bole. Esse enredo fazia uma referência a alguns ícones da cultura paraense, como o tamanco, o chapéu de palha usado pelos foliões, o Ver-o-Peso, a morena – como Belém é carinhosamente chamada – e à expressão pai d’égua que é uma marca dessa região. Trata-se de um tema regional, muito trabalhado por nós no Bole-Bole, com a intenção de reforçar a identidade paraense dentro do próprio bairro e de fugir de ser uma cópia mal feita do carnaval carioca.

Em 1987 com o enredo Mania Guamaense, o Bole-Bole foi bicampeão. Esse enredo teve como objetivo fazer uma homenagem ao bairro do Guamá, revelando suas coisas e seus costumes, mostrando a toda Belém que apesar das agruras, do descaso, das carências que são inúmeras, o guamaense consegue, como a grande

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maioria dos brasileiros, se esquivar dos problemas, algumas vezes ironizando-os e levando a vida com amor, deixando a tristeza para trás.

No ano de 1988 veio o tricampeonato com o enredo Ritmo Nagô, uma alusão aos cem anos da Lei Áurea. Em Belém, foi a única agremiação carnavalesca, entre blocos e escolas de samba, que fizeram referência a essa data, enquanto no Rio de Janeiro muitas escolas não deixaram a mesma passar em branco, tendo no ano de 1988 a Unidos de Vila Isabel como campeã, com o enredo Kizomba: a festa da raça.

Em 1989 o enredo O apreço não tem preço, desvelava a crise no carnaval de Belém e a comunhão da comunidade para colocar o bloco na rua. Como sempre acontece, muitas promessas em campanhas eleitorais para ajudar a melhorar o carnaval de Belém e para o Bole-Bole, mas ajuda de fato era a mínima possível. As fantasias foram feitas em ritmo de mutirão, um ajudando o outro, para que o bloco pudesse estar pronto na avenida para desfilar.

Em 1990 não houve desfile e não existia mais o Arco-Íris, que desfilou pela última vez em 1989. No ano de 1991 o Bole-Bole mudou de categoria, agora pertencia ao Grupo A. O enredo Brasileira Guerreira era uma espécie de alerta em relação a construção da hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu. Bem como, uma referência à índia que ameaçou com facão um dos representantes da empresa Eletronorte em uma audiência pública na cidade de Altamira no Pará.

No ano de 1992 o Bole-Bole trouxe o enredo Pororoca de Alegria, que teve a intenção de reforçar a cultura paraense. Esse samba fazia uma homenagem aos ribeirinhos da Amazônia. Por morarem nas margens dos rios, a maioria deles são pescadores, sua locomoção se dá através de barquinhos e canoas e detém o privilégio de viverem o fenômeno da pororoca. Foi dado ênfase a palavras que identificam e retratam o dia a dia dos mesmos, como maresia, rio-mar, pororoca, banzeiro, barquinho, afogar, remanso, correnteza, pescaria, rede, onda, gingado e canoa. A fantasia dos brincantes fazia uma alusão a roupa dos pescadores, e cada um levava uma rede de pescaria na mão, como adereço.

Em 1993, o enredo A Casa da Dinda, o Bole-Bole fez uma crítica bem humorada, misturando a realidade guamaense com as denúncias feitas ao então Presidente da República Fernando Collor de Melo, que resultou na formação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) por envolvimento com desvios de verba pública, conhecida como Esquema PC e, em sua renúncia.

No ano de 1994, com o enredo “10 anos de Folia”, o Bole-Bole fez uma homenagem à sua trajetória dentro desse período, mencionando pessoas, enredos e momentos importantes que foram imprescindíveis ao processo de construção e de manutenção do bloco do Guamá no carnaval. Nesse ano o Bole-Bole com a conquista do título, conquistou também sua passagem para Escola de Samba do Grupo B.

No carnaval de 1995 o Bole-Bole já como escola de samba do Grupo B levou para a avenida o enredo Um Sonho Real. Esse enredo retratava o desassistido bairro do Guamá, revelando um povo carente, sofrido, sem muitas oportunidades, mas sonhador, cheio de fantasias que se realizam na avenida ao transformarem-se em foliões, esquecendo o dissabor do dia-a-dia. Apesar de ter algumas passagens do samba que levem para uma interpretação maliciosa, como viver essa relação, nossa transação não tem camisinha, na realidade é para enfatizar uma relação de amor com o bairro, não tem camisinha porque não é uma relação sexual. Outra

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passagem é o banho tcheco, que significa na realidade falta de água, e não no sentido pejorativo, significando apenas a lavagem de partes íntimas. Esse samba também faz referência a duas das maiores invasões de Belém do Pará, o Riacho Doce e o Pantanal.

Em 1996, Os Velhos Carnás de Belém, tinha um misto de saudade e de revolta com o descaso pelo carnaval e, consequentemente pelas escolas de samba e blocos, bem como pela supervalorização que os trios elétricos vindos da Bahia estavam tendo em Belém, inclusive apoiados pelo poder público, mídia e empresariado local. Nesse ano o Bole-Bole conquistou o primeiro lugar e ascendeu para o Grupo A.

Em 1997 o Bole-Bole aproximou o Guamá da elite intelectual paraense ao homenagear os imortais da Academia Paraense de Letras (APL), com o enredo O Delírio dos Poetas Imortais, levando para a avenida do samba os ilustres acadêmicos. Sete deles acompanhados, cada um, por uma criança, igualmente vestidos com fardões azuis que formavam a comissão de frente da escola. Os demais desfilaram como destaques principais do primeiro carro alegórico ou abre-alas, que representava a fachada do prédio da referida Academia.

O enredo Um novo tempo vem aí, foi assinado por uma comissão de carnaval, que teve como ponto de partida a discussão sobre o fim do milênio, assunto que estava em voga no momento, principalmente nos países de formação Cristã. Ele foi pensado com o intuito de promover uma espécie de acordo entre os pregadores do fim do mundo, a ciência e o povo, reforçando o poder de Deus, entendido pela comissão de carnaval, como força condutora de todos os fenômenos do Universo. Infelizmente por problemas estruturais da prefeitura de Belém, não conseguimos montar uma alegoria a tempo e fomos desclassificados arbitrariamente, pois essa penalidade não constava no regulamento. Nesse mesmo ano de 1998, voltei para a presidência do Bole-Bole.

Em 1999 o enredo A Fantasia de um Guamá Feliz, com samba composto por Dio, Magé e Ademir do Cavaco, campeões do primeiro festival de samba enredo do Bole-Bole. Mesmo não tendo direito a subvenção pelo poder público por conta da desclassificação em 1998, o Bole-Bole conquistou mais uma vitória e voltou para o grupo principal do carnaval paraense. Esse enredo tinha como ponto de partida o sonho dos guamaenses. Nesse sonho, o Barão de Igarapé-Miri reúne as mentes mais geniais, que estão se desenvolvendo na Universidade Federal do Pará (UFPA), para desenvolver pesquisas em prol de mudanças propositivas na área da educação, saúde, transporte, moradia, urbanização, trabalho, lazer, mas sem se apartar do romantismo vivido em épocas passadas, e sem esquecer de pedir as bênçãos no terreiro de umbanda secular localizado na mesma rua que o Bole-Bole, enquanto que esta escola estava sendo construída em seu barracão, para trazer o título de volta para o seu bairro e para sua gente.

No ano 2000, o enredo Cametá: tradições, sonhos e riquezas, foi feito um trocadilho entre a praia da Aldeia localizada na cidade de Cametá, a Aldeia Cabana (o sambódromo) e ao Movimento da Cabanagem, envolvendo a todos numa mistura rítmica, samba com siriá, desvelando parte da história do Pará. Esse enredo tinha como objetivo ressaltar a importância da cidade de Cametá no contexto histórico do Estado do Pará, tendo sido capital da ainda Província do Grão Pará.

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Em 2001 o enredo O sol nasce no Guamá foi uma homenagem ao radiante astro que rebenta todas as manhãs, despontando seus primeiros raios no Guamá, por ser o bairro que se situa mais a leste na cidade de Belém.

No ano de 2002, o carnaval foi na cidade de Ananindeua, região metropolitana de Belém. Isso ocorreu devido ao impasse entre as escolas de samba e a prefeitura de Belém. O Bole-Bole homenageou o grupo musical Arraial do Pavulagem com o enredo A Pavulagem do Meu Povo, promovendo uma mistura rítmica, entre o batuque do boi com o samba e outros ritmos regionais. Infelizmente um dos jurados do quesito bateria não gostou dessa mistura rítmica, enquanto os outros dois deram nota dez, ele deu nota nove, permitindo com que o Bole-Bole empatasse com o Acadêmicos da Pedreira. Como o primeiro critério de desempate era o quesito bateria, o Bole-Bole ficou em segundo lugar. Entendo que o Arraial do Pavulagem é mais que um grupo musical, ele agrega valores da cultura paraense, além de ter iniciado sua trajetória musical e de oficinas na sede do Bole-Bole na década de 1990.

Em 2003, continuamos em Ananindeua. O enredo era Ananindeua: uma invasão de alegria, foi uma forma de homenagearmos a cidade que nos acolheu. Os ensaios de rua deixaram de ser realizados no Guamá e passaram a ser realizados aos sábados à tarde em Ananindeua. O Bole-Bole além de levar vários ônibus cheios de guamaenses para a Arterial XVIII, também contava com a participação de muitos simpatizantes que conquistou em Ananindeua.

No ano de 2004 o enredo foi Vinte anos de amor Paraoara, uma auto-homenagem do Bole-Bole, que contava um pouco de sua trajetória durante esses vinte anos, aproveitando para dar uma volta no interior do Pará, tendo como referência a cidade de Moju, mostrando suas festas, lendas e mitos, misturando ritmos regionais com o samba, além de fazer, nas fantasias e alegorias, uma composição de alguns materiais como chitão, cetim, chapéu de palha e fitas brilhosas.

Em 2005 o Bole-Bole reeditou o enredo Carnaval Paraoara. Em 2006 mais um desentendimento entre Prefeitura e Escolas de Samba, as

principais escolas não desfilaram. No ano de 2007 o enredo foi Mestre Lucindo: uma estrela no céu de

Marapanim, uma homenagem a um dos maiores compositores e cantadores de carimbó do Pará. O Bole-Bole, amargando o peso de ter uma escola recém-campeã no Guamá e preocupado em não cair de categoria, usou muita criatividade, mistura rítmica – samba com carimbó – materiais regionais misturados com brilhos e paetês, composição de cores e materiais na confecção de alegorias e fantasias, empolgação, alegria, conjunto e harmonia. Entre catorze escolas de samba, conquistamos o segundo lugar.

No ano de 2008 com o moral elevado no bairro e conquistando simpatizantes e brincantes por toda Belém, o Bole-Bole levou para a Aldeia Cabana o enredo Na Casa do Gilson, o Chorinho dá Samba, tendo a participação de artistas da terra como o próprio Gilson, seu Gerardo, Adamor do Bandolim, Biratan Porto, Andréa Pinheiro, Paulo Moura, entre outros tantos músicos, cantores, compositores e simpatizantes do choro e do samba da cidade de Belém.

Cem Anos de Educação e Cultura: nossos ofícios foi o enredo de 2009. Esse enredo foi muito bem aceito pela comunidade escolar do IFPA e pela guamaense.

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A proposta do enredo era proporcionar um diálogo entre escola e escola de samba. Por conta disso, foi improvisado um barracão para a construção das alegorias e de toda chapelaria nas dependências do IFPA, situação que proporcionou uma visitação de estudantes de vários cursos como Mecânica, Edificações, Núcleo de Arte entre outros, que se interessaram e interagiram com os artesãos do Guamá. O Bole-Bole foi para a avenida sustentado, principalmente, pela comunhão do trabalho de seus artesãos com os alunos dessa instituição de ensino, pela criatividade e alegria, pois os recursos financeiros como sempre muito escassos, não permitem contratação de toda a mão de obra, o trabalho voluntário é imprescindível nessa agremiação.

No ano de 2010 o enredo foi em homenagem a um grupo de palhaços de Belém, os Palhaços Trovadores, cujo enredo era: A alegria do riso na passarela do samba. Foi o ano de nosso primeiro título no grupo especial. Empatamos com a poderosa escola do Jurunas, o Rancho, o critério de desempate seria harmonia, quesito que tiramos todos os 10 e o Rancho havia tirado um 9.5. Me refiro ao dia desse desfile como se fosse uma noite encantada, a avenida parecia um grande parque de diversões.

Em 2011, veio nosso bicampeonato com o enredo Bonecos pra lá de animados. Uma homenagem ao grupo de Teatro de Bonecos daqui de Belém, o In Bust.

No ano de 2012, para fechar essa trilogia teatral, o enredo foi Bole-Bole apresenta: escola de teatro dança e carnaval. Na trilogia proposta pela carnavalesca Claudia Palheta para homenagear o teatro – Palhaços Trovadores em 2010; Bonecos Pra lá de Animados (fazendo referência e reverência ao grupo teatral de bonecos In Bust) em 2011 e Escola de Teatro, Dança e Carnaval em 2012 – o Bole-Bole reforçou e estreitou ainda mais seus laços com processos educativos como oficinas de teatro, dança, confecção de bonecos etc. – que é uma marca desde sua fundação – tanto para sua comunidade como para os alunos da ETDUFPA. Ficamos em segundo lugar.

O Bole-Bole reeditou o enredo de 2007, Mestre Lucindo: uma estrela no céu de Marapanim, no ano de 2013. Ficamos em segundo lugar. É interessante pontuar que o Bole-Bole vem ao longo de sua história, proporcionando vivências sobre variação rítmica tanto nas oficinas, quanto nos ensaios da bateria para mais de cento e cinquenta jovens que dela participam. A Audaciosa, nome da bateria do Bole-Bole, mistura samba com carimbó, com siriá, com lundu etc.

O ano de 2014 levou o enredo Trilogia: um canto forte na Amazônia. Esse enredo fez uma homenagem a três cantores da terra que cantam a Amazônia e, tinha o propósito de reacender a chama da cultura paraense, além de aproximar os guamaenses de suas raízes culturais, como o carimbó, siriá, o tacacá, entre outros ícones da cultura do Pará. Ficamos em quarto lugar.

No ano de 2015 Sambangu-ê-Bumbá: é festa na Pedreirinha do Guamá foi o enredo que homenageou a rua onde localiza-se o Bole-Bole, que nesse enredo uniu dois estilos na avenida – o de escola de samba e o cortejo de bangu-ê – numa só emoção e, transformar essa agremiação na primeira escola de sambangu-ê do Brasil, dando continuidade ao que sempre se propôs a fazer: mostrar um pouco da diversidade da cultura do Pará, bem como lutar para tentar desfazer o pensamento de que o carnaval de Belém é uma cópia mal feita do carnaval do Rio de Janeiro,

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inserindo a cultura e os ritmos paraenses no carnaval oficial de Belém. A escola de Sambangu-ê do Bole-Bole, vem mais uma vez transformando sua batucada trazendo ritmos paraenses alternando com o samba tradicional, produzindo uma sonoridade diferente, com um estilo novo de composição, com estruturas diferentes daquela do samba-enredo. Vem contando a estória e um pouco da história inesgotável de nossa cultura popular, das festas do Guamá, principalmente da passagem Pedreirinha onde um pouco de tudo acontece.

MARIA EUNICE RAMOS DA SILVA ENTREVISTA: 27/09/2013

Sou pernambucana e vim para Belém do Pará, direto para o bairro do

Guamá, há 56 anos, onde me engajei nos movimentos comunitários em prol de conquistas para a melhoria da qualidade de vida dos moradores desse populoso bairro, entre meus principais objetivos de luta estão o acesso a uma educação de qualidade e a valorização dos movimentos culturais desse bairro, como bois-bumbás, pássaros juninos etc., valores que às vezes é desconhecido e/ou desvalorizado pelos órgãos públicos e, também por grande parte da juventude, que por conta da falta de incentivo, da aparição da tecnologia, descaso, entre outros fatores, não viveu esses movimentos.

Então todo movimento que vinha para salvaguardar nossa memória cultural e nos aglutinar em outros movimentos, minha presença era certa. Um desses momentos foi em 1982 quando fui procurada por Vetinho, ao qual considero como filho, me contando que seu sonho em fazer um bloco carnavalesco, o Bloco Arco-Íris, havia tomado outras proporções, tinha aparecido um empresário, irmão de um amigo dele (o amigo Walmir Couto, seu irmão Mário Couto Filho) que gostou da ideia, tinha condições para captar recursos, mas que achava melhor fundar uma escola de samba ao invés de um bloco, porém, precisava de um local para reunir e oficializar a fundação. Cedi uma sala de minha escola, naquela época Escola Santo Expedito, atualmente Escola Mundo Encantado da Criança, para que fosse feita a fundação da Escola de Samba Arco-Íris.

A escola Arco-Íris foi muito bem aceita pelo populoso bairro do Guamá, já em 1983 com o enredo Um grande coração chamado Brasil, que contou com a magia de Joãosinho Trinta e Laíla e com o samba de Vetinho, foi o suficiente para duas maiores escolas de samba da época não desfilarem: o Rancho do Jurunas e o Quem São Eles do Umarizal. Como essas duas escolas não desfilaram, tudo de bom que elas tinham como alguns quesitos, cantores, artesãos, músicos etc. migraram para a escola de samba do Guamá. O Arco-Íris desfilando na Doca de Souza Franco, reproduzindo o carnaval do Rio de Janeiro, foi um espetáculo, essa escola nos fez sentir grandiosos e orgulhosos de nosso bairro.

O carnaval de Belém tomou outro rumo com o Arco-Íris, inclusive organizacional. Mídia, empresários, poder público e a elite de Belém foram atraídos pela magia do carnaval. Já em seu primeiro ano, grande parte dos guamaenses não

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conseguiu desfilar, devido ao alto custo de suas fantasias. A tentativa de se igualar ao carnaval carioca onerou muito o valor final das fantasias, que eram comercializadas com muita antecedência para a classe média alta de Belém, deixando grande parte dos guamaenses de fora do desfile, tendo estes que se contentarem apenas em serem torcedores.

Foi então que Vetinho, me procurou novamente em 1984, pedindo um espaço em minha escola para fundar um bloco carnavalesco, para que o povo do Guamá pudesse desfilar. Foi então, que no dia 02 de fevereiro de 1984 foi fundada a Associação Carnavalesca Bole-Bole. A fundação oficial aconteceu na noite desse mesmo dia na Escola Santo Expedito, contando com a presença de Vetinho, do grupo musical liderado por ele, Joelho de Grilo (composto por Macaréu, Ronaldo Cabeça de Ladrão, Charles Brown, Meninea e Hélio), Heloísa e Paulo Alcântara, João e Graça Cunha, Sabá, Japão, Wilson, Nonato, Zé do Bar, eu. Bem não recordo de mais pessoas que tenham participado, mas deve ter mais gente, Vetinho tinha muitos seguidores.

Os dirigentes da escola Arco Íris, como retaliação à saída de seu compositor, levando muita gente com ele, passaram a investir em alguns blocos que competiam com o Bole-Bole, para que este não alcançasse êxito, mas foi tudo em vão. Quanto mais obstáculos criavam, mais o Bole-Bole crescia. O Arco-Íris fez seu último desfile em 1989, seu presidente, o hoje Senador da República Mário Couto Filho, se envolveu na política e depois de eleito como Deputado Estadual, se afastou do carnaval, e como ele era o “homem da pasta” o Arco-Íris acabou. Mas o Bole-Bole virou escola de samba e continua até hoje na elite do carnaval paraense como única representante do bairro do Guamá.

Participei da diretoria das duas agremiações, como Diretora Social. No Arco-Íris foi criada uma creche em convênio com a Secretaria Municipal de Educação e a Legião Brasileira de Assistência (LBA), para atender crianças de 03 a 06 anos de idade, filhas de feirantes, de trabalhadoras das fábricas de castanha da comunidade, dando prioridade para os filhos de pais que participavam do Arco-Íris. Essa creche atendia cerca de 200 crianças de 08 às 16 horas, contava com alimentação, orientação com nutricionista aos pais para uma alimentação saudável e atividades normais de aula como coordenação motora, alfabetização etc. Como a maioria desses projetos têm um viés político partidário, com a troca de prefeito, a creche que funcionava dentro da escola de samba acabou. Atualmente esse imenso e populoso bairro do Guamá conta com apenas uma creche municipal.

Na realidade, o bairro do Guamá é muito desassistido pelo poder público, só visto em período eleitoral por conta de ter um dos maiores colégios eleitorais de Belém. Porém, quando enxergam o Guamá nesse período é apenas para prometerem ações de melhorias em troca de votos, depois de eleitos, esses representantes esquecem de suas promessas e o bairro fica sem nenhum representante. O Bole-Bole se tornou o único espaço, tanto físico como de discussão de ideias e de movimentos culturais no bairro.

Até conseguir um terreno para construir sua sede em 1989, o Bole-Bole, desenvolvia projetos de musicalização na Escola Santo Expedito, depois dessa conquista, ampliou suas atividades desenvolvendo oficinas de percussão, iniciação musical, artesanato, dança, teatro etc. Fez o Bole-Bole do futuro, um bloco formado por crianças fruto das oficinas, inclusive tinha festival de samba entre as crianças

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que se destacavam na leitura e na escrita. Essa ação com as crianças ganhou visibilidade e começou a atrair algumas pessoas e grupos interessados em pesquisar, em participar, como o Arraial do Pavulagem, que inclusive iniciou suas oficinas culturais na sede do Bole-Bole. Em 1997 a prefeitura de Belém fez um convênio com as escolas de samba para implantar o Projeto Moleque Pandeiro, que tinha como objetivo iniciar a garotada na música. Alguns parceiros como a Banda de Música da Aeronáutica e da Polícia Militar participaram do projeto. Infelizmente, apesar de ter tido um resultado extraordinário, o projeto acabou.

Como antes desse projeto os oficineiros trabalhavam no regime de voluntariado, com o projeto estes passaram a ser remunerados, quando acabou, muitos oficineiros que queriam continuar recebendo por seu trabalho, e como a escola não tinha recursos financeiros para pagar, se afastaram. Outros vieram, mas as oficinas começaram a enfraquecer, por conta de custos com compra e reposição de material, por exemplo, que a escola não podia arcar. Atualmente, só acontece a oficina de percussão que inicia pelo mês de setembro. Por falta de apoio do poder público e empresarial principalmente, essa dinâmica de oficinas que conseguiu livrar muita criança do mundo do crime e dar um rumo na vida de muitos deles está enfraquecida.

É interessante é a quantidade de serviços que o Bole-Bole oferece por meio de entidades como o Ministério Público, Justiça do Trabalho, Secretaria de Saúde, reuniões da comunidade, cessão de sua sede para ensaios de quadrilhas juninas, pássaros juninos, bois-bumbás etc. É com o Bole-Bole que uma grande parte das escolas formais do bairro conta para fazer as festas juninas, movimentos como o Amigos da Escola, entre outras atividades e eventos escolares e de grupos folclóricos e parafolclóricos. Mesmo assim, parece que essas ações não são entendidas como importantes pelo próprio poder público que usa o espaço, mas não fomenta ações de melhorias no próprio espaço.

Têm alguns fatos na história do Bole-Bole que valem a pena destacar, como sua ligação com a educação, principalmente na aprendizagem do dia a dia e nos sambas enredos que possibilitam uma série de conhecimentos do próprio bairro e o desenvolvimento de senso crítico. Nada é feito visando somente o desfile de carnaval, há um trabalho por detrás de cada coisa feita.

Por exemplo, ao longo dos anos, lança-se um enredo e oferta-se oficinas, palestras etc., sobre aquele enredo. Não recordo o ano, sei que foi no início da década de 1990 que o Bole-Bole ainda como bloco, lançou um enredo que falava sobre a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Nas oficinas eram realizadas palestras sobre os impactos negativos da construção de hidrelétricas, principalmente para os habitantes da região onde estas são construídas, além de abrir discussões acerca dos índios da Amazônia.

Mesmo passando por muitas dificuldades de ordem financeira – porque criativa, informativa, educativa não há problema de nenhuma ordem – o Bole-Bole tenta manter, ainda que de forma precária suas atividades, mas mantém de forma altiva sua ligação e compromisso com o bairro do Guamá e puxa a todo momento o guamaense a firmar sua identidade com seu bairro.

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JOSÉ FABRÍCIO OLIVEIRA MEIRELES – MINI DATA: 30/09/2013

Eu comecei a tocar aos 8 anos de idade, no Projeto Bole-Bole do Futuro, me

interessei e vim aprender a tocar com o Mestre Meninéa. Minha vinda para cá, teve muita influência do meu tio Sabá – o Sebastião Meirelles, um dos fundadores do Bole-Bole – que me incentivou muito a aprender a tocar instrumentos nas oficinas que aconteciam aqui.

Tenho um forte laço com o Bole-Bole, porque aqui aprendi a tocar. Essa escola exerceu e ainda exerce grande influência na minha vida, tanto profissional quanto pessoal, muitas das coisas que alcancei na minha vida, devo ao Bole-Bole. Pois, foi através dessa escola que tive meus primeiros contatos com a música, não só o samba, mas também toadas de boi-bumbá com o Boi Malhadinho, que não mais existia, e o Bole-Bole, através do Vetinho junto com o Nazareno Silva, o fizeram renascer como boi-bumbá na versão criança, do qual participei e me empenhei para aprender a tocar no ritmo dos bumbás. Não sou um grande músico, mas faço o que posso, e faço com muito amor para defender a minha escola.

Meu primeiro instrumento foi o repique de vara, depois passei para a caixa, aí veio o surdo de primeira, de segunda, de terceira, sendo que este último, o surdo de terceira é a minha grande paixão. É o instrumento com o qual mais me identifico. Também passei pela platinela e tamborim, até chegar a ser um dos mestres dessa bateria. Vim de aprendiz a mestre. E dou graças a Deus e ao Mestre Feijão, meu amigo há muito tempo, que me convidou para que juntos comandássemos a bateria do Bole-Bole depois da saída do Mestre Meninéa, nosso grande professor. Agradeço, também pela oportunidade de ensinar crianças a tocarem instrumentos, aqui nas oficinas de percussão do Bole-Bole. Tenho uma satisfação muito grande em saber que estou ajudando, não só meus familiares e amigos, mas os garotos da comunidade a aprenderem uma coisa boa, que é a música e, espero que mais tarde sirva para eles assim como tem servido para mim. Como aprendi aqui, acho que minha missão é ensinar outros garotos aqui no Bole-Bole.

A emoção que sinto em ver os garotos e garotas que ajudei a ensinar a tocar, dos quais participei de seus primeiros passos na música, fantasiados na avenida esperando a sirene tocar para tirarem o mais melodioso e afinado som de seus instrumentos, e defenderem com vontade, vibração e raça a nossa bateria audaciosa, é indescritível. Essa emoção é maior, porque sei das dificuldades e carências que a maioria desses garotos enfrenta cotidianamente, assim como da dificuldade da escola em chegar pronta na avenida no dia do desfile, pois o Bole-Bole é uma escola que não tem patrão, não tem bicheiro, mas tem amigos e, eu estou aqui porque gosto.

Teve uma época, numa das diretorias do Bole-Bole, que por desentendimento com um dos dirigentes, eu, Feijão, Marcão e outros garotos, fomos expulsos daqui. Passei três anos afastado e confesso que foram os dias e os anos mais tristes da minha vida. Para não morrer de tristeza, procuramos outra escola para desfilar, e fomos muito bem recebidos quando souberam que éramos da bateria do Bole-Bole. Inclusive o mestre de bateria dessa escola, disse que com a nossa entrada na bateria de sua escola, agora podia contar com músicos de boa

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qualidade. Isso me dava muito orgulho do Bole-Bole e a saudade apertava mais ainda. Até que com a mudança de diretoria, a primeira coisa que fiz foi voltar para a minha escola que tanto amo e a qual sou muito grato.

Na realidade se não fosse o Bole-Bole eu não seria ninguém, músico então, nem pensar. Sempre tive muitas dificuldades na escola, conclui meu ensino médio empurrado pela minha família, nada me atraía na escola. Eu não faltava nas oficinas do Bole-Bole, mas faltava na escola. Acho que essas oficinas precisam ser ampliadas e vistas como importantes aqui na nossa comunidade, no nosso bairro do Guamá. A garotada pobre daqui não tem condições de pagar para aprender a tocar e aprender outros tipos de arte, na escola não tem isso. Quero dizer que o que aprendi na escola de samba me valeu muito.

LUÍS AUGUSTO ALCÂNTARA – FEIJÃO DATA: 30/09/2013

Meu namoro com o Bole-Bole iniciou de uma forma interessante, até meio

engraçada, estava na rua de casa jogando bola com outros garotos, quando ouvi o som da bateria que estava passando na Rua Barão de Mamoré, eu abandonei o futebol e fui atrás da bateria. Fiquei encantado com aquele som, enfeitiçado mesmo, que quando dei por mim estava na sede do então bloco, agora escola de samba. Me despertei daquele encantamento quando ouvi o mestre da bateria, o Meninéa, avisar que iria abrir uma turma para ensinar a tocar e, quem quisesse aprender, que fosse até lá no dia seguinte.

No outro dia lá estava eu, acho que fui o primeiro a chegar, minha mãe nem sabia aonde eu estava, mas eu estava no Bole-Bole aprendendo a tocar, não faltava em nenhuma aula e meu primeiro instrumento foi a caixa. Aprendi a tocar, e ouvia o Mestre dizer que eu era bom, isso me dava mais vontade de tocar, porque eu queria ir desfilar com o bloco na avenida, mas infelizmente por conta de minha idade não pude desfilar, tinha entre oito e nove anos, mesmo assim ainda tentei pegar uma fantasia, mas não consegui. Um dos integrantes da bateria, o Dida, me disse para não esquentar, que no próximo ano conseguiria uma fantasia para eu desfilar.

Nos dias em que não tinha ensaio eu ia para a sede aprender a consertar e a afinar instrumentos, confeccionar as baquetas de surdo com o Hélio e o Meninéa. Tenho uma gratidão muito grande pelo Meninéa, além da paciência que tinha, ele não se prendia em ensinar só a parte musical, mas também de construção e manutenção dos instrumentos. Fui crescendo, e com o despertar pela música que tive no Bole-Bole, fui em busca de mais aprendizado na tentativa de me aprimorar, daí tive contato com outros grupos musicais e músicos, como Trio Manari e Márcio Jardim. Mas foi através do Bole-Bole que consegui muita coisa na área da música, fui oficineiro do Arraial do Pavulagem, quando suas oficinas eram no Bole-Bole. Ganhei respeito como músico, não só no Guamá, mas nos demais bairros da cidade. Eu e outros garotos do Bole-Bole ficamos conhecidos como a galera do Guamá e a gente se empolgava quando ouvia alguém comentar que músico que vem do Guamá só pode ser do Bole-Bole, aí comecei a perceber: o Bole-Bole havia

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se tornado uma referência em formar percussionistas na cidade de Belém. A verdade é que aqui em Belém, têm muitos músicos reconhecidos que tocam na noite como profissionais, que são frutos das oficinas do Bole-Bole.

Atualmente sou um dos mestres da bateria do Bole-Bole e instrutor nas oficinas de percussão, sou o Mestre Feijão. Uma coisa interessante é que o Dida, aquele que me disse que ia conseguir uma fantasia para mim, ainda é ritmista daqui. Essa coisa de ter aprendido a tocar aqui no Bole-Bole, me faz entender que tenho como missão ensinar o que aprendi. Sinto uma emoção muito grande de ter sido aprendiz e, de agora estar ensinando meninos e meninas a tocarem um instrumento. Mais emocionante e gratificante, é trazer um garoto que está na rua para dentro da escola e fazê-lo descobrir a música, sabendo que a partir daí ele terá um andamento diferente na vida.

É muito triste ver um garoto pela rua sem fazer nada, porque já se sabe o caminho que ele vai trilhar e, numa escola de samba esse caminho ruim é desviado. Tive oportunidade de trilhar outros caminhos, pois o bairro do Guamá, onde nasci, me criei e moro até hoje e, onde fica a sede do Bole-Bole, tem muita facilidade com droga, arma, enfim, com o mundo do crime. Me desculpe pelo choro, mas me emociono quando lembro dos muitos amigos que perdi, inclusive ritmistas da bateria, para o crime e a droga. Sinto que falhei por não ter livrado pelo menos os ritmistas desse infortúnio, assim como eu fui livrado disso, mas, por outro lado, tenho consciência de que os poucos que consegui livrar com esse trabalho musical na escola de samba, já representa uma vitória. Sei também, que infelizmente não dá para livrar todos.

Para mim, é mais triste perder um garoto da bateria para a droga do que perder um título de carnaval, quanto ao título trabalha-se para que no ano seguinte ele venha, mas o garoto não volta nunca mais. Meu trabalho à frente da bateria e na oficina de percussão, além da iniciação musical, tem como objetivo conscientizar esses garotos e garotas sobre o perigo e a facilidade de droga, armas e outros crimes no Guamá. Guardo em minha memória o desabafo da mãe de um ritmista que se envolveu com as drogas e foi assassinado. Ela me disse assim: “meu filho estava com você no Bole-Bole, eu pensava que ele ia ter um caminho diferente, apesar do Bole-Bole ter ajudado muito, mesmo assim eu perdi meu filho pra droga”.

Uma coisa é certa, se esse trabalho que fazemos aqui com muito sacrifício, tivesse o apoio do poder público e da classe empresarial, conseguiríamos livrar muito mais jovens do mundo do crime. Nosso trabalho aqui, meu e do Mini, é totalmente voluntário. A escola faz o que pode, dá o espaço físico e os instrumentos, antigamente ainda conseguiam coletar entre eles para oferecer um lanche depois das aulas, mas como a escola é pobre, não conta com padrinhos, foi ficando impossível a distribuição desse lanche. Sei dos grandes problemas que tem um bairro populoso como o Guamá, mas afirmo que não é um bairro ruim, não tem só coisas ruins, aqui nesse bairro também tem cultura, tem no Bole-Bole, no Boi Malhadinho, nos Pássaros Juninos, ou seja, existem muitos caminhos bons, mas não tem apoio governamental nem empresarial voltado para isso, a escola sozinha não dá conta.

Por mais que não consiga atender muitas crianças, esse é um trabalho que não pode deixar de existir. Teve um ano que por motivo de trabalho, fui ser motorista de ambulância no turno da noite, porque o que ganho como músico é insuficiente

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para o meu sustento, não teve oficina de percussão no Bole-Bole, nessa época André e Marcão estavam defendendo a bateria de outra escola no Guamá e o Mini (Fabrício) também estava trabalhando a noite. Foi muito ruim, os garotos nos procuravam e tínhamos que dispensá-los. Isso doía em mim. Eu dou graças a Deus e ao Bole-Bole por ser um músico reconhecido em Belém. Gostaria de formar muitos músicos, de que os meninos da bateria se tornassem músicos, pois eu acredito que músico é sempre do bem, que músico não tem índole ruim.

Tem um dado importante que andei observando, é que a maioria dos garotos que participa de nossas oficinas as frequenta assiduamente, apesar de estarem matriculados nas escolas do bairro, muitos não frequentam as aulas ou tem um rendimento muito baixo. Tem muito garoto que não conta com o apoio de ninguém da família, não tem acompanhamento nenhum, para alguns o único refúgio dessa carência acaba sendo a Bole-Bole. Acredito que o descaso das famílias, com a educação de seus filhos, tem a ver, também com a carência destas e do próprio bairro. Muitas crianças ao invés de estarem fazendo algo produtivo no contra turno da escola, estão na rua e, as famílias não dão em cima delas para que estudem. Por isso, defendo a necessidade de políticas públicas para dentro das escolas de samba, que possam dar sustentação para que mais projetos, com melhores condições possam ser realizados.

Uma vez me perguntaram quem eu seria sem o Bole-Bole, respondi quem eu não seria, eu não seria o Mestre Feijão. Não consigo me ver sem o Bole-Bole, inclusive no auge de minha juventude cheguei a perder namoradas por causa do Bole-Bole, por elas envolverem a escola na nossa relação. De vez em quando recebo convite de outras escolas para comandar a bateria delas, mas não consigo me ver fora daqui. Cresci aqui dentro, tudo que sei aprendi aqui dentro, o pouco que sei também ensino aqui dentro.

Tenho orgulho de ter conquistado o respeito de ritmistas antigos da bateria, quando com 16 para 17 anos, assumi o comando dela, mas acho que esse respeito é porque eu vim de dentro. Quando dizem que peguei a bateria montada, até concordo, mas isso foi fruto do trabalho que a escola, mesmo com dificuldades, sempre desenvolveu, mérito de todo mundo que batalha aqui dentro, o Vetinho, seu Paulo, D. Heloísa, Bacurau, todo mundo, que contou também com minha participação, pois ajudei a construir todo esse trabalho, quando eu ainda era somente um ritmista, ensinei muito novato a tocar, eu pegava na mão de cada criança para lhes ensinar a pegar na baqueta, fiz parte das oficinas de construção de instrumentos, nossos instrumentos nós construíamos.

Isso significa que pelo menos duas coisas, que me acompanham por toda a vida, inclusive a profissional, devo ao Bole-Bole, que foi aprender a tocar e a construir e reformar instrumentos de percussão, como caixa, surdo etc. Não consegui uma formação profissional na escola, estudei até concluir o ensino médio às duras penas, faltava nas aulas, achava a escola chata. Mas na escola de samba consegui ser músico. Pensando nisso, acho que o ideal seria unir a escola com a escola de samba, a tristeza com a alegria. Por exemplo, se os jovens tivessem uma escola para estudar e depois uma escola de samba com aula de música seria perfeito, não só aula de música, mas de outras coisas. Na escola de samba tem muita coisa para se aprender, como fazer adereço, aprender a dançar, cantar etc. Quase só falo de música porque na escola de samba eu só tenho olhos e ouvidos

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para a bateria, mas quem se interessa por outra coisa, também tem na escola de samba.

ANDRÉ SILVA ALCÂNTARA ENTREVISTA: 22/08/2014.

A minha relação com o carnaval começou desde criança vendo o movimento

dos meus pais e dos meus tios na casa de meu avô, sou sobrinho do Vetinho um dos idealizadores e compositores da escola de samba Arco Íris do Guamá. Não me entendia muito por gente quando o Arco Íris estava no seu auge e no seu término, mas recordo do envolvimento de minha família, percebia que eles gostavam daquilo. Minha relação consciente com o carnaval teve início mesmo quando minha família formou o bloco, hoje escola de samba Bole-Bole, já com 12 a 13 anos quando eu e meus primos fomos inseridos na bateria pelo tio Hélio e, não sai mais. Aprender a tocar um instrumento em ritmo de samba foi o primeiro passo musical para começar a abrir meus olhos para música como um todo. Depois do samba veio a parte regional (carimbó, lundu, boi-bumbá etc.). A partir daí comecei a tocar nas noites de Belém, em bares, festas, shows etc. Minha formação musical como músico de banda e instrutor de musicalização começou no Bole-Bole. Aprendi lá, o primeiro passo na música que eu dei foi lá e isso abriu as portas para o meu trabalho, para minha vida profissional. Sou contabilista, já exerci essa profissão aliada com a música, atualmente minha profissão é ser músico. Além de alguns grupos musicais que participo como CaBloco Muderno e Carimbó Pirata, também lidero a Bateria Show do Bole-Bole, que se apresenta em eventos diversos como casamentos, aniversários etc.

Teve um período que me afastei do Bole-Bole, fui para outra escola de samba fundada por outro tio meu, o tio Hélio, onde fui ser mestre de bateria. Lá formei um grupo de jovens – crianças e adolescentes – e comecei a ensiná-los a tocar um instrumento. Com o passar do tempo fui percebendo que para além de formarmos músicos, também ajudamos a formar pessoas do bem. É claro que a gente perde algumas no meio do caminho, pois moramos num bairro que registra altos índices de violência, perdemos alguns para as drogas, outros para a criminalidade, mas conseguimos evitar que a maioria seguisse esse caminho tortuoso. Então eu sinto que a música é um fator transformador para essa história, e a escola de samba o lugar ideal porque está muito próxima da realidade deles. Nós da escola de samba conhecemos suas famílias, vemos de perto o que passam no dia a dia, acho que isso nos possibilita uma aproximação maior com eles. A música é o atrativo, é o primeiro passo, com ela vem um pacote de coisas importantes como formação cidadã; a prática do companheirismo e do respeito; aprendizagem de muitas coisas; socialização; formação profissional etc.

Como a escola de samba trabalha muito com o lúdico, com o artístico, possibilitando o desenvolvimento de várias habilidades ligadas a música, a escultura, a dança, o teatro etc., acredito que isso ajuda a dar acessibilidade para as crianças do Guamá, que não possuem isso fora da escola de samba. São poucas as que conseguem isso em outros espaços. A criatividade que aprendemos a

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desenvolver na escola de samba, nos possibilita inclusive a tirarmos de letra algumas situações na vida pessoal e profissional que dificilmente conseguiríamos se não tivéssemos tido essa vivência. Por exemplo: estamos em nossa atividade profissional, de repente há uma demanda que necessita de resposta ou resolução criativa, quem não exercita a criatividade, ou não consegue ou tem mais dificuldades em conseguir responder a altura da demanda, já quem possui essa vivência tem mais possibilidades de atingir esse objetivo. Então, a escola de samba é muito importante, e foi muito importante na minha vida. Para eu poder ajudar os outros e poder me ajudar, participar de uma escola de samba, fez um diferencial na minha vida e acredito de que na vida de cada pessoa que vive esse dia a dia. Tem mais uma coisa: chegamos em determinados lugares em que somos bem recebidos porque fazemos parte de uma escola de samba, o contrário também acontece, mas ser bem recebidos prevalece, pois trabalhamos com arte, e isso faz um diferencial em relação ao meio em geral.

A escola de samba tem um grande potencial de agregação, a comunidade quando se junta se fortalece em todos os sentidos, tanto para a vida política quanto para a vida social. Hoje vejo com clareza, que a escola de samba não é apenas fomentadora de samba em si ou de arte, é uma fomentadora de união entre as pessoas, é uma escola de vida e para a vida. Posso dizer, que muito do que alcancei em minha vida devo à escola de samba.

CARLOS BENEDITO SOUZA SOARES – CHARLES BROWN ENTREVISTA: 22/08/2014.

Tínhamos um grupo de amigos que tocávamos na época, início da década

de 1980. Quando começou o movimento da música popular brasileira e da música regional no bairro, fizemos vários ensaios, principalmente na casa de amigos em aniversários etc. Quando o Mobralteca Delfim veio para o Guamá, nos reunimos e fizemos o grupo de choro, mas também tocávamos MPB e música regional. Nós e nossos familiares criamos um vínculo muito grande.

Nessa época em Belém já haviam muitos blocos de rua, como a Grande Família, a Vila Farah, o Macaco Torrado, o Ritos e Mitos, Pantera Cor de Rosa enfim, uma série de blocos. Curtíamos muito o carnaval de rua, mas no Guamá não tinha nenhuma agremiação carnavalesca com identidade com o bairro. Então, Vetinho teve a ideia de formar um bloco carnavalesco, concordamos na hora, mas não sabíamos muito bem por onde começar. Então, Vetinho nosso compositor resolveu começar fazendo um samba. Nesse processo de fazer um bloco, convidamos alguns amigos mais chegados, que sempre nos apoiavam e acompanhavam as nossas apresentações, como festivais, aniversários, nas escolas etc.

Um dos amigos que convidamos, o Walmir, era irmão de um cidadão bem sucedido financeiramente, o Mário Couto, hoje senador da república e candidato a reeleição. O Walmir aceitou nosso convite de participar do bloco, mas disse que nos levaria até seu irmão para ver se ele podia nos dar uma ajuda financeira para

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colocarmos o bloco na rua. Fomos até ele, durante a conversa a história mudou: ele disse que ajudaria, mas que não queria um bloco e sim uma escola de samba. Ficamos perplexos, mas ao mesmo tempo felizes por termos alguém para nos ajudar.

Com a convivência fomos percebendo que ele não gostava e não entendia nada de carnaval, com o passar do tempo aprendeu a entender. Na realidade ele vislumbrou com o carnaval e com a aproximação com o bairro do Guamá seu trampolim político, e está aí até hoje, foi deputado estadual e senador da república. Quando foi eleito como deputado a primeira medida dele foi acabar com o Arco Íris.

Em nossa conversa, de supetão nos perguntou: quem é o maior carnavalesco do Brasil, respondemos imediatamente que era Joãosinho Trinta da Beija Flor. Disse que iria contratá-lo para fazer nosso carnaval, com Joãosinho vieram Laíla, Piná, a imprensa paraense toda, empresários, a elite da sociedade de Belém, enfim, não acreditávamos no que estávamos vivendo. Aliado a esse céu de possibilidades Vetinho conseguiu fazer um samba, que hoje é considerado, inclusive pelo Dr. Alfredo Oliveira (escritor e pesquisador do carnaval paraense) como o samba que mudou a cadência do samba enredo no Brasil, de uma mais lenta para uma mais acelerada. Vetinho conseguiu fazer isso e Joãosinho Trinta levou para o Rio de Janeiro, partindo de lá a novidade na mudança de cadência do samba e não daqui de Belém, onde realmente aconteceu.

Por conta de divergências de objetivos e de ideias, mesmo permanecendo no Arco Íris fundamos o bloco carnavalesco Bole-Bole em 1984. Mas em 1985 saímos do Arco Íris, fui inclusive o pivô de nossa saída, o Mário Couto havia me dado um dinheiro para eu comprar umas roldanas para fazer uns tripés, usei o dinheiro para pagar umas matérias na faculdade, até meu pai chegar, isso foi numa sexta-feira (último dia para matricular na disciplina) e meu pai chegava na segunda, no sábado ele me cobrou pelas roldanas, disse a ele o que havia feito com o dinheiro e ele me humilhou na frente de todo mundo. Fiz isso porque não precisava da roldana com urgência, dava para esperar até a outra semana, pela urgência da situação e também porque achava que tinha liberdade para fazer. Nosso grupo vendo aquilo, não me deu razão por eu ter usado o dinheiro, mas achou que o Mário se excedeu na humilhação, então Vetinho resolveu se afastar do Arco Íris levando com ele muita gente. Já existia o bloco Bole-Bole, então nós, nossas famílias e amigos resolvemos nos dedicar de corpo e alma para o nosso bloco, que foi em termos de carnaval uma das maiores conquistas do povo do Guamá, pois o Arco Íris apesar da grandiosidade ficou muito elitizado, sem acesso ao povo. O Bole-Bole era raiz, tinha a nossa cara, o nosso jeito. Hoje o Bole-Bole é uma realidade cultural dentro do estado, é querido pelas crianças, por conta dos trabalhos culturais e sociais.

O Projeto Moleque Pandeiro, começou dentro do Bole-Bole. A Prefeitura do PT assumiu em Belém em 1997, viu as oficinas que aconteciam no Bole-Bole e as encampou ampliando para outras escolas. A gente fez vários projetos dentro do Bole-Bole, o Projeto Xequerê, o resgate do Boi Malhadinho – que é o boi bumbá. O Arraial do Pavulagem, que hoje é uma grande referência cultural no Estado, se fortaleceu dentro do Bole-Bole, eles tinham a ideia, mas não tinham nem espaço, nem seguidores e nem boi e, encontraram tudo isso no Bole-Bole e no Guamá.

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Nosso espaço é altamente democrático, então todas as pessoas e movimentos culturais são bem vindos, inclusive, eventos, aniversários, cursos, palestras etc.

Todos os projetos e as ações que vem acontecendo ao longo dos anos no Bole-Bole, oficinas culturais, projetos sociais, as relações entre as pessoas, tudo isso tem como pano de fundo a educação, com o intuito de proporcionar à juventude do bairro caminhos melhores do que os trilhados por muitos jovens da periferia das grandes cidades, tentamos a todo custo livrá-los da criminalidade, das drogas etc. Infelizmente a educação no nosso país amarga índices muito ruins, a educação escolar é precária, não há compromisso do poder público com a educação, porque do contrário acredito que viveríamos outra realidade. O Bole-Bole não deixa de ser uma grande fatia desse processo de fazer educação, com sua escolinha de música, de percussão, fabricação de instrumentos, aula de reforço escolar, enfim.

Nossas dificuldades são grandes, nossa comunidade tem o poder aquisitivo muito baixo, não tem condições para comprar sua fantasia, por isso a maioria das fantasias é doada, pelo menos 70%, se vendemos 30% é muito. Não temos nenhuma sociedade com bicheiro, traficante ou outro tipo de contraventor, até porque se tivéssemos, isso fugiria totalmente dos nossos princípios e objetivos. Se assim fosse, ao invés de livrarmos a juventude do crime organizado, nós a direcionaríamos para ele. Nosso objetivo é realmente educacional e de mostrar uma direção cultural para a juventude do nosso bairro. Acho que temos conseguido isso. Abrimos muitas vezes mão de nossos afazeres pessoais e profissionais com o intuito de mantermos esse trabalho, hoje nosso trabalho também é para que os jovens possam tomar conta disso e assim ir passando de geração em geração. Com certeza um dos maiores feitos que o Guamá já teve foi o processo de escola de samba, principalmente Arco Íris e Bole-Bole, não desmerecendo outras agremiações, mas retratando a realidade.

Os meninos que participavam dos projetos não eram de rua, tinham família, mas eram muito danados, curiosos e inteligentes, não tinha nada para fazerem no Guamá para gastarem essa energia, a escola formal era insuficiente para eles, por isso criamos as oficinas, com o intuito de proporcionar-lhes atividades culturais diversas até mesmo para que não se envolvesse com a criminalidade, pois o Guamá é um bairro bem propício para isso. Depois o projeto das oficinas ampliou-se e o público alvo foi meninos e meninas em situação de risco. Como resultado do envolvimento das crianças nos projetos e nas oficinas, criamos a primeira escola de samba mirim do Estado do Pará a desfilar no desfile oficial de Belém. Hoje em dia o Curro Velho tem uma escola de samba mirim. Sei te dizer que formamos no Bole-Bole músicos de primeira linha.

Escola de samba já carrega no nome, que nesse lugar vai se ensinar alguma coisa e acho que esse nome é bem carinhoso e muito sério. Lá passamos a educar as pessoas, lá formamos líderes como chefes de ala, mestre de bateria etc. Na escola de samba tem sempre alguém disposto a ensinar alguma coisa para alguém, é fazendo uma flor, um desenho, tentando tirar um som de um instrumento, se arriscando em uma dança, enfim... Aprende-se na escola de samba na prática, esse aprendizado é muito próximo da realidade desses meninos e meninas. Acho que a escola de samba e a escola formal formam uma dupla muito propícia para mudar um pouco essa triste realidade que passa o sistema educacional brasileiro.

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Acho muito importante divulgares nossa história. Não estás divulgando apenas o Bole-Bole, estás mostrando para as pessoas de fora do mundo do carnaval, que para uma escola de samba chegar na avenida, houve todo um processo para isso, que não é simplesmente mecânico, há sentimento, relações interpessoais e muito aprendizado.

Não tinha como ser diferente, segundo Charles Brown (Entrevista, 23/08/2014), foi algo inimaginável para o guamaense. Até o carnaval de 1982, o Guamá carnavalesco e festeiro, contentava-se em desfilar e torcer para o Rancho, do Jurunas; Embaixada, da Pedreira; Quem São Eles, do Umarizal e no bloco A Grande Família, do Telégrafo. Sendo que de repente no carnaval de 1983, já tinham uma escola para desfilar e para chamar de sua.

Faz-se necessário ressaltar que os laços formados em prol do Arco Íris não se consolidaram no Guamá. Segundo Charles Brown (Entrevista, 23/08/2014) no segundo ano dessa escola, toda a diretoria já era formada por pessoas de fora da comunidade guamaense, assim como grande parte dos foliões também vinham de fora. Laços familiares e de amizade foram deixados de lado. Passou a prevalecer no Arco Íris a relação empresarial e política eleitoreira, que resultou na carreira política de seu presidente, iniciando como deputado estadual chegando a senador da república. Mesmo sem a esfera familiar, era nítida a tentativa de perpetuação no poder.

CLEYTON ALEXANDRE DE OLIVEIRA ENTREVISTA 17/10/2014

Iniciei no carnaval aproximadamente há uns 10 anos quando algumas pessoas que conhecia me convidaram para sair numa escola de samba, o Bole-Bole. Porém, quando fui pegar uma fantasia não tinha mais, o único jeito para eu desfilar na escola seria empurrando um dos carros alegóricos, como eu queria desfilar aceitei. Desde aí criei um vínculo com a escola, comecei a conhecer algumas pessoas, fazer amizade e comecei a ir para dentro do barracão para trabalhar. Atualmente trabalho no barracão de chapelaria, mas iniciei no barracão de alegorias. Antes de entrar no Bole-Bole eu não sabia fazer nada ligado a arte, fui aprender dentro do barracão de alegorias, eu não trabalhava com fantasia, eu ia com alguns amigos para o barracão ajudar a colar algumas coisas, aí fui conhecendo, aprendendo a fazer o trabalho e me aprimorando.

Depois de algum tempo trabalhando com as alegorias, passei para o barracão de chapelaria, onde ganhei mais experiência, aprendi novas técnicas, criei algumas para facilitar o trabalho, que é volumoso, minucioso e mais delicado do que nas alegorias. Por isso, vejo a escola de samba como um espaço para aprender alguma coisa, acho inclusive que ela e a escola deveriam se unir, pois acredito que pode surgir bons frutos dessa união. Mas vejo que essa parceria precisa ser firmada e apoiada tanto pelos governos como pela sociedade em geral. Na bateria do Bole-Bole sempre tem alguém que estuda ou estudou em uma das escolas do Guamá, por exemplo tem muita criança que vai para o Bole-Bole para aprender a tocar na

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bateria, daí ele vai para a escola onde estuda e lá anuncia que está na bateria do Bole-Bole, com isso outras crianças são atraídas para lá. Trabalho na escola Padre Leandro e já testemunhei isso muitas vezes lá, tem garoto que diz: ei tio o senhor estava lá no Bole-Bole né? Eu estava olhando os meninos ensaiarem, eu quero sair. Então, eu acho que dá certo, só falta uma parceria ou algum projeto concreto para pegar essas crianças no contra turno da escola ou nas horas vagas e ter um espaço para colocá-las para aprenderem a tocar, ou quem sabe aprender outras atividades como dança, técnicas de corte e colagem nos barracões etc.

Conheço muita gente que teve sua formação profissional a partir das oficinas do Bole-Bole, e o aprendizado que tive lá, influenciou muito na segunda profissão que sigo, que é a de decorador de festas, além de que no período do carnaval consigo ganhar um dinheiro extra trabalhando para o Bole-Bole e para o bloco Mexe-Mexe. Para ser bem sincero, o Bole-Bole é a minha escola de samba, foi onde comecei minha história no carnaval e continuo até hoje, é minha segunda família, porque lá é assim que as pessoas se consideram, como uma família. Foi a partir dessa família que conheci várias pessoas e fiz vários amigos.

KLEBER ALESSANDRO CORREA OLIVEIRA ENTREVISTA 17/10/2014

A minha relação com o carnaval começou em 1984 quando o Bole-Bole foi

fundado, tinha apenas 8 anos de idade. Lembro bem, que para decorar as alegorias e as letras envoltas por papel chumbo que formavam a palavra Bole-Bole conduzida pela comissão de frente, e construir ou reformar platinelas, nos pediam para catarmos tampas de cerveja e de refrigerante. Esse era o nosso trabalho, o trabalho dos moleques da Pedreirinha do Guamá. Estávamos muito empolgados com aquela história do carnaval, pra nós era uma novidade, e queríamos fazer parte dela. Fui crescendo com aquele sentimento de que queria estar ali, queria um dia chegar lá em cima como estavam tio Wilson, Sabá, Charles Brown, aquela galera ali comandando, riscando e tal. No outro ano, em 1985, já fiquei dentro do barracão, tinha apenas 9 anos, mas ajudava a riscar e a recortar papelão e outros materiais para decoração. De lá pra cá não parei mais. Fui crescendo, fui ficando dentro do barracão, depois fui tomando conta de barracão e daí em diante fui conhecendo mais técnicas (descobrindo e aprendendo), me envolvendo mais ainda com o carnaval e com o Bole-Bole. Estou aqui até hoje.

As primeiras oficinas que aconteceram não participei. Eram oficinas de montagem e de confecção de instrumento, de carpintaria entre outras. Ficava por ali brincando, mas não me envolvi nessas oficinas. Na segunda parte do projeto, que continha oficinas voltadas pra arte, me identifiquei de cara e me envolvi. Lembro que o Nazareno Silva levou uma moça chamada Silvaninha, para ministrar uma oficina de artesanato, que é minha profissão até hoje. Ao mesmo tempo, aconteceu o resgate do boi Malhadinho na versão mirim, e a própria Silvaninha nos ensinou a confeccionar alguns elementos para decorarmos o boi e fazermos a indumentária dos personagens do boi. Minha dedicação foi tão grande, que com 14 a 15 anos de

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idade, o Nazareno me colocou como instrutor, não cabia em mim de felicidade quando me vi ali ensinando outros jovens a decorar alegorias, a esculpir no isopor etc. A partir daí, passei a ser instrutor das oficinas.

Participei de vários projetos no Bole-Bole como instrutor, inclusive o Moleque Pandeiro e depois do Moleque Pandeiro vieram outros como o Xequerê (que iniciou na sede do Bole-Bole, depois tivemos que mudar de espaço por conta da estrutura física que era ruim para armazenar materiais e o produto das oficinas. Mudou de espaço, mas sempre se manteve ligado ao Bole-Bole), eu sempre estive muito presente em todo esse trabalho, mesmo tendo passado em outras escolas, nunca deixei de estar presente no Bole-Bole, nessa questão social, cultural, nos tributos, nas rodas de boi, nas festas folclóricas. Nessas reuniões nunca deixei de estar presente, apesar de estar em outras escolas, mas eu sempre estive ali. Na verdade o coração sempre fica ali, porque é o primeiro amor, é onde você encontra sua profissão, encontra aquilo que você quer ser na vida e a partir dali tu tomas um rumo, mesmo que te afastes, sempre vais voltar ali, porque sempre é bom a gente lembrar do nosso começo, como foi, e é isso que gera uma história na gente, uma história de vida, uma história profissional.

Aconteceu um fato interessante, a Heloísa (Lola) e eu estávamos ministrando uma oficina denominada de Arte Círio no Bole-Bole, quando no encerramento fizemos uma exposição e recebemos a visita do presidente do IDHI (Instituto de Desenvolvimento Humano Integral), um instituto que mantinha uma parceria com a arquidiocese de Belém, que trabalha com o social. Ele e a equipe que o acompanhava viram nosso trabalho, nossos artesanatos ligados ao Círio de Nazaré, levaram alguns para a arquidiocese, para o Dom Orani Tempesta (arcebispo de Belém na época) e para o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), a partir disso o SENAR fez uma parceria com a gente, mandava as oficinas para o Bole-Bole, depois me chamaram para fazer parte do núcleo do SENAR e do IDHI, onde já estou há 7 anos, mais ou menos. Tudo, na minha vida profissional veio através do Bole-Bole.

Tinha uma coisa muito boa nas oficinas do Bole-Bole, a comunidade sempre deu apoio, todas as famílias direta ou indiretamente participavam, davam apoio aos seus filhos nas oficinas. Na verdade o Bole-Bole sempre foi uma escola que agregou todo mundo, independente de religião, de cor, de credo, sempre acolheu todo mundo lá dentro. Lembro que eu e as outras crianças da minha época e outras gerações, vivíamos lá dentro, lá era nosso lazer, era lá que aprendíamos alguma coisa e brincávamos. Quando sumíamos de nossas casas, nossos pais nos procuravam primeiro no Bole-Bole, porque sabiam que estávamos lá, brincando, tocando, cantando. Lembro que quando a Íma Vieira ia até lá, pegava um instrumento, reunia todas as crianças ao redor dela e começava a tocar e cantar, e a nos ensinar alguns solfejos, identificar quem era afinado enfim, depois vieram Ronaldo Silva, Rui Baldez, Lúcio que nos ensinavam a tocar e a cantar toada de boi- bumbá.

A partir das oficinas, o olhar dos pais começa a mudar, antes delas brigavam conosco porque estávamos no Bole-Bole, a partir delas começam a ver aquele espaço como um espaço de responsabilidade social. Inclusive até pessoas ligadas a igreja evangélica participavam das aulas de música. Tenho uma vizinha, que ela e as filhas tiveram sua iniciação musical nas oficinas do Bole-Bole, tornaram-se

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cantoras de coral gospel e já gravaram até CD. A criançada do Terreiro de Umbanda da Mãe Amelinha, também participava, ou seja, era um espaço que agregava a todos. A participação dos pais e das famílias era maciça, que se intensificou quando o Bole-Bole surgiu com o resgate do Boi Malhadinho, os pais ajudavam a confeccionar as roupas de seus filhos, a maioria delas eu confeccionava na minha casa, o boi eu também guardava em casa. Depois me envolvi com Pássaro Junino, com teatro, fui ficando cheio de tarefas e a responsabilidade do boi passou para o Evaldo com a família dele.

Hoje vejo que a maioria dos pais não incentiva mais seus filhos a participarem das oficinas do Bole-Bole, como os pais de antes faziam, mas não culpo os pais por isso, acho que esse não incentivo é mais por influência das dificuldades impostas pelo juizado de menores para que as crianças desfilem, limitando horário inclusive. Porém, quando uma criança é impedida de desfilar alguns pais atribuem culpa ao Bole-Bole, mas não é. Acho que os juízes estão certos em impor limites no que diz respeito a proteção das crianças, mas acho também que eles deveriam incentivar e apoiar movimentos como o do Bole-Bole que tenta envolver as crianças em projetos sociais com o intuito de livrá-las das ruas e da criminalidade. No carnaval do Rio de Janeiro as crianças devidamente autorizadas desfilam, aqui em Belém, mesmo autorizadas, dependendo do horário não desfilam e, isso frustra as crianças. Infelizmente a concepção que a maioria das pessoas têm, inclusive as autoridades, é de que o carnaval é uma coisa vulgar, não conseguem enxergar para além disso. No carnaval tem arte, tem aprendizado, tem emprego, tem relação entre as pessoas, tem formação, tem muita coisa no carnaval, que muita gente não consegue ver.

O Bole-Bole não veio somente para abrilhantar a Pedreirinha, ele é do bairro do Guamá. Ele apoia e agrega o Pássaro Junino, Quadrilhas Roceiras, Bois-Bumbás, atividades de escolas formais, prestação de serviço à comunidade, enfim é o ponto de referência cultural no nosso bairro. Já viajei por vários estados brasileiros e até para fora do país por conta do envolvimento que tenho com a cultura regional, com o carimbó por exemplo, que conheci e aprendi a gostar no Bole-Bole, talvez se não fosse o Bole-Bole eu não tivesse essa oportunidade que tive.

O Bole-Bole do Futuro foi uma escola de samba mirim, mas que tinha adultos pelo meio da bateria dando apoio às crianças. Essas crianças eram as das oficinas que aconteciam lá na sede. Esse projeto foi muito importante porque estimulou as crianças a construírem enredos e sambas, a aprenderem a tocar um instrumento, a ensaiar como intérprete de escola de samba, a dançar (mestre sala e porta bandeira, comissão de frente, baianinhas) enfim, o Bole-Bole apresentou o Carnaval para as crianças do Guamá e elas se envolveram muito.

Antes do Bole-Bole tinha o Arco Íris, mas era uma escola de elite, apesar de ficar no Guamá, que não se importava com a gente. No projeto Moleque Pandeiro eu já era instrutor de oficina, foi a primeira vez que recebi um pagamento como instrutor de oficina. Esse projeto chegou numa hora em que eu estava me tornando adulto e muitos adultos que participavam do então bloco Bole-Bole, estavam desempregados. O que me marcou muito no Bole-Bole nesse período foi a sensibilidade da escola em apontar para ser instrutor das oficinas do Moleque Pandeiro algumas pessoas que estavam desempregadas. As oficinas aconteciam

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todos os dias nos três turnos, a demanda era muito grande. A dinâmica dessas oficinas no Bole-Bole era muito intensa e diferente da que acontecia nas outras escolas que desenvolviam o mesmo projeto, pois segundo os fiscais do projeto pela prefeitura, o que acontecia no Bole-Bole estava para além das expectativas. Com o Moleque Pandeiro formamos mão de obra para o carnaval, tanto para a parte musical como para a artística, já as outras escolas trabalharam com outra vertente, decoração de festa infantil entre outras coisas que não trabalhavam diretamente com a cultura do carnaval em seus bairros, e o objetivo do projeto era o de trabalhar a cultura do carnaval e de formar mão de obra para o mesmo. O Bole-Bole é uma grande escola não só de samba, mas de vida também.

CLAUDIA SUELY DOS ANJOS PALHETA ENTREVISTA: 18/10/2014

Acredito que a escola de samba, que o ambiente da escola de samba, seja

um lugar para aprender. O como aprender pode ser diferente para cada uma dessas pessoas que lá se encontram. Em minha atividade como carnavalesca, ainda não presenciei muito a presença de crianças nesse aprendizado, mas já ouvi muitos depoimentos de pessoas que hoje estão nos barracões que dizem: eu estou aqui desde criança. Talvez hoje pela dificuldade de conseguir permissão junto aos juizados de infância e adolescência para que os menores de idade possam desfilar e até participar de algumas atividades voltadas para o carnaval, esteja interferindo em seu afastamento do aprendizado dentro das escolas de samba, no que diz respeito ao barracão e a construção dos elementos do desfile. Antes não tinha muito isso e as crianças frequentavam esse ambiente do carnaval e do barracão. Sou um exemplo vivo disso, fui uma criança que estive dentro dos barracões, enquanto mexia com aquelas coisas, com aqueles elementos, com aqueles materiais, de alguma forma eu aprendia. Mas hoje não vejo crianças pequenas de 8 a 9 anos envolvidas nos barracões e aprendendo. Porém, vejo muitas crianças aprendendo noções de musicalidades e a tocar um instrumento na bateria, assim como no aprendizado da dança, principalmente a do casal de mestre sala e porta bandeira. Um fato importante para ser mencionado, é que esse aprendizado é acompanhado pelos pais, os pais estão sempre juntos, ou pais ou responsáveis, quando se trata da música e da dança.

Acho que a escola de samba é sim um lugar para aprender, porque sempre tem algo novo dentro do barracão, em todo o carnaval que eu fiz, sempre tinha uma pessoa que ainda não havia estado ali, e que passava a aprender a fazer algo dentro do barracão. Ele pode ser um aluno meu de cenografia ou figurino, como já tive alguns, ou ele pode não ter nada a ver com aquilo, às vezes vai o aluno e com ele o primo, o irmão, um amigo etc., que não tinha nada a ver com aquilo e às vezes esse outro vai se revelando mais envolvido do que o próprio aluno. Presenciei isso algumas vezes, por isso acredito na escola de samba como um lugar propício ao aprendizado, porque é um aprendizado pelo fazer, o qual comparo com o aprender

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a fazer as coisas dentro de casa, e não como a gente aprende as coisas dentro da escola. Na escola a gente está sentado, e tem uma metodologia determinada em que uma pessoa – o professor – diz para a gente como deve proceder, e todos recebem a informação de uma mesma forma. Em casa a gente aprende a varrer casa, fazer comida, lavar roupa, olhando como é que faz e fazendo até dar certo, é assim que percebo o aprendizado dentro do barracão, pois se trata de um aprendizado pelo olhar, pela repetição, não é um aprendizado pelo livro.

No barracão de escola de samba, existem várias pessoas fazendo um procedimento, então é o fazer, é uma coisa prática e, dependendo de quem você se aproxima, você aprende de um jeito. Assim, você pode aprender um recorte ou uma colagem de peças diferentes, de formas diferentes, dependendo de quem esteja no comando daquele recorte e daquela colagem. Acontece da seguinte forma o aprendizado no barracão: aproximar-se de alguém que está fazendo, olhar como ele faz, fazer até aprender. Não sei qual é o nome, a que categoria pertence, mas acho que há essa possibilidade de aprender na escola de samba. Não sei se é próprio do nosso carnaval, talvez não, passei dois dias dentro do barracão de uma escola de samba grande no Rio de Janeiro, e achei muito parecido. Percebi lá alguns elementos surpresas, talvez nem tanto como nos barracões de Belém, mas lá tem: você está trabalhando com um sistema de colagem e com um sistema de corte, e no meio do processo você descobre um outro sistema facilitador. Assim, a escola de samba é um lugar não somente para aprender mas também para aperfeiçoar técnicas. A gente começa com um carnaval conhecendo um número X de técnicas e, dependendo do que a gente vai fazer, a gente já desdobra esse número e já cria novas possibilidades técnicas de explorar aqueles materiais e de dominar essas novas técnicas. Então, eu acho que é um lugar para aprender sempre, um aprender que vem e vai para todos os lados, pois sempre aprendi alguma coisa ali dentro. Aprende quem está ensinando, aprende quem está fazendo, aprende quem chegou, enfim, acho que é um lugar constante de troca de experiências, de fazeres e de técnicas.

Acredito também, que o aprendizado que acontece na escola de samba, pode servir como apoio e vivência para o aprendizado da escola formal, com o que se ensina lá, principalmente na minha área, Arte. Haja vista o carnaval ser uma fartura de material diferente, que na escola o aluno não encontra, na escola formal, principalmente no ambiente das artes, é o papel, o lápis de cor, a cola branca, até mesmo porque passando disso o material é bem caro. Quantos tipos de cola diferentes eu tenho no barracão de carnaval? Quantos tipos de papel? Quantos tipos de revestimento? Então, se sou um aluno que estou na minha escola, com o meu ambiente: papel branco, lápis de cor, lápis de cera, cola plástica e tal, passo um carnaval no barracão, os olhos brilham com tanta diversidade, fartura e possibilidades. Isso a gente percebe muito na nossa escola, quando eles voltam levam a fita, o metaloide, outro tipo de cola, então de alguma forma o carnaval possibilitou ampliar esse conhecimento de matéria e de técnica. Para além da arte, outras disciplinas na escola, como Química – pelo estudo dos elementos químicos e reações químicas dos diversos materiais, como as colas e as soldas, por exemplo. Na Física, pelo estudo da proporção, da tridimensionalidade ao se construir uma escultura, o desenho, a perspectiva, a combinação de cores, volume etc. Não diferente acontece com a Matemática, ao medir-se um tecido, ao conferir o número

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de peças prontas e calcular o que falta para fazer, entre outros cálculos. Para além dessas disciplinas, tem Português, Literatura, História, Geografia, Filosofia e Sociologia na construção dos enredos e na composição dos sambas, enfim tudo você encontra no carnaval, e tudo isso promove a relação entre a escola e a escola de samba.

Em termos de atividade visual, eu acho que é um conflito para mim, pois quando penso no doutorado, vou pra onde agora? Vou para cênica ou vou para o visual? O que é esse tal desse carnaval? Devia já ter uma linguagem artística própria chamada carnaval, porque ele é visual e ele é cênico. Ele junta tudo, é arte visual, por que é uma fartura de visualidade e posso dizer que ele é cênico também, porque ele não é estático, ele está o tempo todo produzindo uma encenação.

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