ii seminÁrio programa de pÓs- graduaÇÃo em histÓria ...€¦ · programa de pÓs-graduaÇÃo...

458
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS Local de Realização: Auditório do Curso de História Centro Histórico Dias 28 de dezembro de 2016 Textos Completos ISBN: 978-85-8227-136-0

Upload: others

Post on 30-May-2020

28 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS-

GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E

NARRATIVAS

Local de Realização:

Auditório do Curso de História – Centro Histórico

Dias 28 de dezembro de 2016

Textos Completos

ISBN: 978-85-8227-136-0

Page 2: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

2

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

RELACIONANDO LITERATURA E HISTÓRIA: NOVAS PERSPECTIVAS

PEDAGÓGICAS DO ENSINO DA II GUERRA MUNDIAL NA EDUCAÇÃO

BÁSICA

Priscilla Piccolo Neves

A historiadora Márcia Menendes Motta (2012) destaca que segundo Nolte,

ao contrário de outras tragédias da humanidade, a experiência nazista havia deixado

marcas indeléveis na história alemã e era reiteradamente lembrada como uma história

do passado que havia fincado raízes no presente. Na mesma linha, o historiador alemão

Hinnerk Bruhns, postula que a construção de uma nova identidade alemã no contexto da

reunificação não deveria eliminar a experiência de Auschwitz. Assim, seria legitimo

guardar na memória coletiva alguns esforços em prol da democracia nos períodos

anteriores ao nazismo, inclusive ressaltando determinadas possibilidades não realizadas

desse passado. Mas a verdade é que para este autor aqueles elementos tinham menos

importância como parte da identidade alemã “do que os que marcaram o advento e os

horrores do nazismo”.

A pequena exposição dos posicionamentos dos historiadores acerca dos

horrores do nazismo e, por consequência, das atrocidades cometidas durante a II Guerra

Mundial, demonstram a atualidade do tema. Os embates em torno da memória do

nazismo e, destacadamente, sobre o holocausto, dividem os historiadores e são

responsáveis por uma das mais intensas querelas entre os estudiosos do tema.

Muito já foi produzido sobre o tema. Incontáveis são as obras sobre as

estratégias militares, a trajetória pessoal de Hitler, seus aspectos psicológicos que

explicariam os horrores do nazismo. Inúmeros são os museus que buscam manter viva a

memória do holocausto. Até mesmo um Estado independente foi criado em decorrência

do ocorrido com os judeus. No entanto, quando os componentes curriculares “Nazismo

e Segunda Guerra Mundial” adentram o cotidiano escolar, vem a tona, como ferramenta

pedagógica primordial, o livro didático, em todo seu formalismo e limitações.

A proposta central desta pesquisa reside na possibilidade de introdução de

novas perspectivas no ensino do Nazismo e da II Guerra Mundial a partir do recurso a

Page 3: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

3

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

uma ferramenta muito divulgada, mas, de fato, ainda pouco utilizada em sala de aula: os

estudos literários, mas especificamente obras biográficas.

Parte-se aqui da perspectiva de que o uso da literatura como ferramenta

pedagógica em sala de aula é crucial para compreender o caráter de mudança e

continuidade em torno dos novos métodos de investigação da história e de seu ensino.

Algumas obras literárias reproduzem de uma forma mais didática fatos históricos.

Impossível pensar no ensino de história sem levar em consideração sua multiplicidade

pedagógica existentes na atualidade.

De acordo com Christian Laville (1999), no passado o dever do ensino de

Historia era apenas uma forma de educação cívica, ou seja, tinha o papel de confirmar a

nação no estado em que se encontrava no momento, legitimando sua ordem social e

política. Ensinado ao povo respeito por ela e dedicação para servi-la. O aparelho

didático desse ensino era simples: uma narração de fatos seletos, momentos fortes,

etapas decisivas, grandes personagens, acontecimentos simbólicos e, de vez em quando,

alguns mitos gratificantes. Cada peça de narrativa tinha sua importância e era

cuidadosamente selecionada.

Com a modernização tecnológica e com avanços no campo das pesquisas

pedagógicas, surgiu a necessidade de se repensar as formas de ensino, embora muitas

instituições ainda optem por usar métodos arcaicos e se aterem apenas ao livro didático

como recurso metodológico. A progressão dos estudos didáticos vem mostrando que

cada vez mais é possível ensinar e formar uma consciência critica com recursos que

acompanham a modernização.

Usando como principio a constatação de Vesna Gidiva e Valentina Hlebec

(1999) de que é mais do que evidente que ensinar História é antes de tudo um trabalho

ideológico e político e não uma questão de normas profissionais, pode-se destacar o

quanto a utilização de outras formas de ensino é importante para a formação de uma

consciência critica do aluno.

A importância deste estudo remete ao fato de se sublinhar e tentar

comprovar teorias pedagógicas de utilização de outras ferramentas para além do livro

Page 4: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

4

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

didático. Um dos objetivos finais a serem alcançados pela minha pesquisa será a

elaboração de um manual didático para professor sobre como utilizar obras biográficas

acerca do Nazismo e da Segunda Guerra Mundial. O presente trabalho gira em torno de

três obras: A lista de Schindler de Mietek Pemper; O diário de Anne Frank; e A Trégua

de Primo Levi. Cada obra aborda uma perspectiva sobre o Holocausto e de uma noção

geral dos efeitos do Nazismo na Europa.

Esta pesquisa é fruto dos estudos realizados para a obtenção do diploma de

pós graduação do Programa de Mestrado Profissional em História Ensino e Narrativas

da Universidade Estadual do Maranhão, por meio da linha de pesquisa Memória e

Identidade. O presente estudo se propõe construir ferramentas pedagógicas capazes de

viabilizar a inserção de obras literárias no ensino de Historia, envolvendo temas que

permeiam os fatos ocorridos no período da Segunda Guerra Mundial. Estás sendo

proposto, então, a utilização de obras literárias que tenham como plano de fundo

acontecimentos ocorridos durante a II Guerra Mundial, através de obras que perpassam

por relatos de indivíduos que presenciaram e fizeram parte direta ou indiretamente desta

época.

Em função da utilização de novos recursos didáticos, foi possível a

implementação de novos métodos de transmissão do conhecimento no ensino básico

escolar. As obras literárias são apenas mais um desses recursos. Sua utilização deve ser

sublinhada, pois permite a quebra das barreiras disciplinares nas escolas.

O Brasil ainda possui muitas escolas em que as formas de ensino ainda não

dialogam com as novas formas de se pensar o Ensino de Historia, continuando presas a

paradigmas doutrinários mais próximos ao século XIX do que ao XXI. Para muitos

pesquisadores, ainda é valida a ideia de que o Ensino de Historia tem como sua

principal função moldar a consciência e a ditar as obrigações e os comportamentos para

com a sociedade, ao invés de guiar os cidadãos para desenvolverem uma capacidade

autônoma e reflexiva para participarem da sociedade de uma forma colaboradora.

O papel do professor é saber conciliar as diferentes interpretações de um

fato, explorando a diversidade presente na pluralidade das interpretações, estimulando

Page 5: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

5

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

assim um senso critico no aluno, ensinando-o a questionar todo o tipo de verdade, pois,

para a história não existe uma diversidade absoluta. Pode-se vê-la como uma

investigação permanente dos fatos, uma vez que seu objeto de estudo foi produzido

através de interpretações de algumas pessoas de um mesmo tema. As obras literárias,

desta forma, podem ser uma importante ferramenta para esta investigação, pois, muitas

vezes, são escritas de uma forma mais clara e interessante, o que acaba estimulando o

interesse dos alunos pelo tema. Podem se constitui, assim, poderosas ferramentas

capazes de dinamizar o cotidiano escolar.

Segundo Katia Maria Abud (2003), a história como disciplina escolar,

também é histórica e, como campo de conhecimento, passa por mudanças e

transformações que a fazem filha do seu tempo. As novas abordagens, os novos objetos,

outras fontes, outras linguagens foram se incorporando ao Ensino de História. As novas

tendências e as correntes historiográficas que entendem a História como construção,

aliadas a concepções que envolvem o processo de ensino-aprendizagem, provocaram

transformações bastante profundas na construção da história como conhecimento

escolar. Tais transformações produziram modificações na Didática da História e

provocaram uma reformulação na prática pedagógica. É necessário que se destaque a

introdução e a permanência, nos documentos curriculares, de orientações sobre o uso

das novas linguagens, a despeito da inércia da organização escolar no sentido de

consolida-las como práticas cotidianas.

Ainda segundo Abud, a História escrita pelos historiadores dos Anales

indicou novos caminhos para a Historia e no Pós-Guerra, no período que cobre os anos

1950 e 1960, pelo menos duas correntes desdobraram-se da proposta francesa: a

chamada história social e a da história das mentalidades. No mesmo período, nos

Estados Unidos, Suíça, França e Itália, educadores e estudiosos da Psicologia da

Aprendizagem opunham-se às práticas pedagógicas tidas como tradicionais, visando a

uma educação que pudesse integrar o individuo na sociedade e, ao mesmo tempo,

ampliassem o acesso de todos à escola. Reconheciam que as transformações pelas quais

a sociedade ocidental passava exigiam a utilização de diferentes métodos de ensino que

Page 6: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

6

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

enfatizassem o lado criativo do aluno e as possibilidades de participação na elaboração

do conhecimento. A noção de que cabia a criança descobrir o conhecimento por meio

dos sentidos, e que era a partir do trabalho em sala de aula, ou em atividades

extraclasses que o saber deveria ser construído pelo aluno, individual e coletivamente,

pesava na organização das propostas metodológicas para o ensino. As novas tecnologias

eram apontadas como recursos didáticos para o desenvolvimento dessa Escola Nova,

como passou a ser denominado o conjunto de ideias que combatia o ensino tradicional.

No entanto, em que pesem os novos recursos disponibilizados no Ensino de

História, ainda é imensa a dificuldade enfrenta pelos professores de História, como

destaca Antonio Simplicio de Almeida Neto

No ensino de História, tal questão se faz sentir com maior evidência,

pois que os professores lidam com o tempo passado e, dessa maneira, têm como matéria-prima uma vastidão de temas intricados com suas

variantes e contradições a serem exploradas e explicadas podendo dar

algum sentido e significado ao presente e, inevitavelmente, serem lançados nas projeções do ato educativo, considerando que os

ensinamentos dessa disciplina seriam capazes de contribuir para uma

sociedade melhor que a passada e aquela que se esta vivendo. Alguns temas habitualmente abordados pela disciplina, como poder, relações

de classe, revoluções, guerras, regimes políticos, movimentos sociais,

concorrem para esta visão da história como provedora de lições do

passado a serem aprendidas pelo presente (ALMEIDA, 2010, p. 222).

Assim, o professor se depara com diversos problemas, tais como a

precariedade dos instrumentos didáticos fornecidos, número de alunos muito acima do

ideal em um espaço de aula muito pequeno, carga horária reduzida, indisciplina e,

principalmente, desinteresse dos alunos. A introdução de estudos literários, portanto,

pode ser um caminho para ruptura desse círculo vicioso, capaz de despertar nos alunos o

prazer pelos estudos históricos.

Para alguns autores, como Lefebvre, a representação é um importante aliado

na hora de se ensinar História, pois não é possível viver e compreender uma situação

sem representá-la. Segundo este autor, as representações formam-se no cotidiano onde

ocorrem a construção e formação de uma sociedade. Nesta sociedade, as representações

se constituem entre o concebido e o vivido, “emergindo da consciência individual e da

Page 7: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

7

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

correlação com as condições históricas particulares e gerais. São, portanto, fruto do ser

individual e social.” (ALMEIDA, 2010, p. 224)

Após a Segunda Guerra Mundial, o Ensino de História conseguiu uma

enorme conquista, pois a vitoria dos países ocidentais passou a ser vista como a vitória

da democracia, significando que o ensino de historia, segundo a visão de Laville, passa

a ter “a função de educação para a cidadania democrática, substituindo sua função

anterior de instrução nacional.”(LAVILLE, 1999, p. 126). Fazendo assim com que os

jovens tenham a capacidade de participar democraticamente da sociedade estimulando

sua capacidade intelectual e afetiva.

O “professor critico” investe nesse modelo, dando ao ensino de História

um caráter de luta, de combate cuja arma é fornecida em sala de aula: a “consciência a

leitura de clássicos, textos engajados, musicas de protestos e leituras de jornal, mas

também desfiles cívicos, festas juninas, eleições do Centro Cívico Escolar, passeatas e

manifestações. Diversas formas de se adquirir consciência revelam diferentes

entendimentos do que seja “consciência critica” (ALMEIDA, 2010, p. 232).

No Brasil, a Didática da História é frequentemente entendida como um

tema subordinado à área de Educação, sem vínculos com a atuação do pesquisador da

área de História. Essa concepção se fundamenta na crença de que o papel da didática é

adaptar ao contexto escolar o conhecimento criado pelos historiadores. Porém,

diferentemente do que supõe essa concepção, as disciplinas que integram a ‘cultura

escolar’ — culture scolaire — possuem uma autonomia considerável em relação ao

‘saber universitário ou erudito’ — savoir savant. Segundo André Chervel “o que a

escola ensina não é ‘a História dos historiadores’”.

Suas diversas pesquisas sobre a história das disciplinas escolares lhe

permitiram afirmar que a cultura escolar não é apenas uma simplificação ou uma

vulgarização do saber erudito, da ‘História dos historiadores’. O autor demonstra que

muitos dos saberes escolares foram criados “pela própria escola, na escola e para a

escola” e afirma que um dos objetivos da escola é a criação das disciplinas escolares,

vasto conjunto cultural amplamente original que ela secretou ao longo de decênios ou

Page 8: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

8

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

séculos e que funciona como uma mediação posta a serviço da juventude escolar em sua

lenta progressão em direção à cultura da sociedade global. No seu esforço secular de

aculturação das jovens gerações, a sociedade entrega-lhes uma linguagem de acesso

cuja funcionalidade é, em seu princípio, puramente transitória. Mas essa linguagem

adquire imediatamente sua autonomia, tornando-se um objeto cultural em si e, apesar de

um certo descrédito que se deve ao fato de sua origem escolar, ela consegue contudo se

infiltrar sub-repticiamente na cultura da sociedade global (CARDOSO, 2008, p. 154).

No caso brasileiro, os professores têm mais espaço para a criação das

disciplinas escolares, já que não possuímos um currículo nacional unificado. Essa

liberdade individual é limitada apenas pelos outros professores da mesma escola, uma

vez que o livro didático é selecionado em conjunto, delimitando o currículo. A liberdade

também é restringida pelas tradições de ensino de cada escola e, no caso das escolas

privadas, pela autoridade do dono ou do coordenador pedagógico. Porém, não há

qualquer restrição governamental à elaboração do currículo pelos professores (pelo

menos ainda não), o que nos leva a crer que tenhamos mais liberdade que os franceses

para participar da criação cotidiana das disciplinas escolares.

Na perspectiva de utilização dos estudos literários como elemento central da

dinamização pedagógica, o conceito de cultura escolar tangencia um debate brasileiro

das décadas de 1980 e 1990 sobre a História escolar: a idéia de ruptura com o ‘ensino

tradicional’ e ‘renovação’ do ensino dessa disciplina. Esse debate pode ser caracterizado

como uma tentativa de ruptura com tradições de ensino de História que remontam à sua

origem, na primeira metade do século XIX. Assim, destaca o autor:

Se a História escolar é uma criação da escola, e não uma versão simplificada

da História dos historiadores’, a Didática da História não pode ser uma

coleção de métodos — Unterrichtsmethoden — utilizáveis tanto no ensino de História quanto no de outras disciplinas escolares. Quando reconhecemos a

autonomia das disciplinas escolares, a Didática da História perde seu caráter

prescritivo, deixa de ser um conjunto de procedimentos para melhor

transmitir aos alunos a ‘História dos historiadores’. A Didática da História

também perde o status de ‘dramaturgia do ensino’ ou ‘arte de ensinar’ —

Lehrkunst —, que ela tinha tal como concebida no século XVII por Jan

Comenius (CARDOSO, 2008, p. 157)

Page 9: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

9

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Os profissionais que trabalham com a cultura histórica são sobretudo os

professores de História, mas também podem ser, entre outros, museólogos, jornalistas,

escritores, letristas, roteiristas, cineastas, desenhistas, turismólogos, diretores e autores

de teatro que utilizam conteúdos históricos em seus produtos ou obras. Se todos esses

profissionais podem ignorar a presença da História escolar em seu trabalho, o inverso

não é verdadeiro para os professores de História. Isso porque tudo que tem relação com

a cultura histórica — por exemplo, filmes, programas de televisão, romances históricos,

peças de teatro, histórias em quadrinhos, pontos turísticos, museus, comemorações de

datas históricas, revistas de divulgação científica e outros textos jornalísticos — que

chega às aulas de História pelas mãos dos próprios professores ou por meio de

referências trazidas pelos alunos.

A cultura histórica é a forma de expressão da consciência histórica —

Geschichtsbewußtsein. Jörn Rüsen afirma que a consciência histórica está a um

“pequeno passo” da cultura histórica, definida como a “efetiva associação da

consciência histórica com a vida de uma sociedade” (CARDOSO, 2008, p. 159)

O tema central da pesquisa, o uso de obras literárias como ferramenta

dinamizadora do ensino da II Guerra Mundial, remete a uma discussão que vem

permeando os debates históricos já algum tempo. Discussão esta que se refere às razões

que poderiam justificar a inserção no campo histórico de períodos mais recentes como

objetos passíveis de um olhar e de uma abordagem científica já que há muito o campo

de atuação do historiador tem tido como locus privilegiado o chamado passado mais

recuado, distante, temporalmente afastado do historiador - haja visto a importância que

os estudos medievais assumiram na historiografia.

Ao escolher o Nazismo e a Segunda Guerra Mundial como centro da

minha pesquisa em busca de novas técnicas para se ensinar o ensino de história, estou

dando um foco para a chamada história do tempo presente. Os temas escolhidos são

relativamente recentes para um historiador, mesmo tendo se passado 72 anos desde o

ocorrido, as marcas deixadas pelo Nazismo ainda são encontradas e influenciam a vida

de milhares de pessoas, principalmente os sobreviventes do Holocausto.

Page 10: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

10

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

O uso de biografias no ensino de história nos permite ter uma visão mais

pessoal e esclarecedora acerca do ocorrido na época do tema em questão, porém deve se

ter um cuidado em como trabalha-la, como será tratada como fonte histórica deverá

receber as mesmas ressalvas. Como as obras escolhidas para este estudo narram um

trauma, muitas vezes será preciso prestar atenção ao uso de metáforas, a linearidade da

narrativa e suas repetições.

Como afirmava Aristóteles A Memória “é um arquivo de imagens (...) um

conjunto de imagens mentais das impressões sensuais, com um adicional temporal;

trata-se de um conjunto de imagens de coisas do passado” (SELIGMAN-SILVAS,

2008, p. 33). Algumas memórias precisam se manter vivas além do tempo, para isso são

construídos lugares de memórias como museus e monumentos. Esses lugares possuem a

função de manter viva memórias que não podem nem devem ser esquecidos.

O Nazismo foi escolhido como tema principal desta pesquisa, pois

representa um dos regimes mais importantes da história contemporânea e por

desencadear a Segunda Guerra mundial. Seu líder Adolf Hitler escreveu um dos livros

doutrinários mais importantes da humanidade. Nesta obra, intitulada Mein Kampft, ele

difundi uma ideia antissemitista e de pureza racial, que é posta em prática quando

assume o poder em 1933.

Como diz Eclea Bosi “a memória é a alma da própria alma, ou seja, a

conservação do espírito pelo espírito” (BOSI, 2003), usar biografias no ensino do

Nazismo e da Segunda Guerra mundial permite uma aproximação maior com o tema

escolhido. Através destas obras estão vivas as memórias de sobreviventes de algo que

por mais que a humanidade saiba que aconteceu, ainda tem dificuldades em acreditar

que tais atos tão violentos puderam ser cometidos por seres humanos contra seres

humanos.

Muitos sobreviventes não conseguem falar sobre o que sofreram ou

presenciaram ao longo dos anos em que Hitler ficou no poder. Quando conseguiam

eram massacrados pela sociedade, sendo muitas vezes chamados de mentirosos, as

atrocidades eram algo inimagináveis até então. Era e ainda é, muito difícil para a

Page 11: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

11

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

humanidade aceitar que algo tão monstruoso aconteceu e por isso os sobreviventes

dispostos a compartilhar suas memórias precisavam buscar mecanismos convincente de

que isto realmente aconteceu.

Ao utilizar obras literárias em sala de aula para ensinar os temas pré

selecionadas, este estudo se propõe a demonstrar a importância da interdisciplinaridade

para a dinamização da prática pedagógica no ensino de História, principalmente na

interconexão entre História e Literatura, introduzir no cotidiano escolar um instrumento

de trabalho que traga diferentes interpretações sobre um mesmo tema, assim ensina-los

de que há diversas formas de se retratar uma realidade, fazendo com que a pluralidade

dos estudos históricos possa ser uma constante no cotidiano escolar e por consequência,

promovendo a dinamização do cotidiano escolar através da incorporação à prática

docente das estratégias pedagógicas elaboradas a partir da análise das obras literárias.

As fontes utilizadas para a produção da dissertação de mestrado serão

obtidas através de produções literárias, que foram baseadas em algum fato real na qual

haja a utilização da memória de alguém que teve uma participação direta ou indireta

com os fatos ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial, e de livros que colocam em

seu enredo descrições de como era a situação das pessoas, dando uma ideia realista dos

fatos ocorridos, transportando o leitor para aquela época. Os livros escolhidos foram: A

Lista de Schindler; O Diário de Anne Frank; e A Trégua.

A lista Schindler – A verdadeira e mais completa história sobre a lista de

Schindler, que salvou milhares da morte certa, contada por um sobrevivente e

importante personagem deste drama, Mietek Pemper, que mesmo sendo judeu atuou

como secretário de Amon Goth, o nazista que comandava o campo de concentração.

Devido a sua importante atuação em toda a operação de salvamento ele foi consultor do

filme a Lista de Schindler de Steven Spielberg. Pemper foi a única testemunha que

poderia dar uma visão completa e precisa de operação de Schindler. Seu livro é

cuidadoso e triste, contando o triunfo de ambos e da incapacidade de superar a dor.

O diário de Anne Frank – Este livro trás o relato obtido através do diário da

pequena Anne Frank, uma menina que após passar anos escondida no sótão de uma casa

Page 12: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

12

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

em Amsterdã é encontrada e morta pelo nazistas. O relato tocante e impressionante das

atrocidades e dos horrores cometidos contra os judeus durante a segunda guerra, faz

deste livro um precioso documento e uma das obras mais importantes do séc. XX.

A Trégua - Primo Levi (Turim, 1919-87) inscreveu seu nome entre os

maiores escritores do século XX, a partir da experiência de prisioneiro e sobrevivente

do campo de extermínio de Auschwitz. Sua prosa literária tem a força expressiva das

narrativas em que a voz da testemunha alia-se ao trabalho da memória e da recriação da

vida nos limites máximos da dor e da destruição. A trégua narra a longa e incrível

viagem de volta para casa depois da libertação de Auschwitz e do fim da guerra. Numa

Europa semidestruída, o autor e vários companheiros de estrada viajam sem destino

pelo Leste até a URSS, premidos entre as ruínas da maior de todas as guerras e o

absurdo da burocracia dos vencedores.

O tratamento metodológico conferido às obras listadas acima será

organizado da seguinte maneira: em primeiro lugar, as obras serão relidas para que

sejam destacadas as interpretações sobre a II Guerra Mundial presentes no texto;

posteriormente, haverá uma comparação entre as informações presentes nas obras

literárias e nas interpretações clássicas no campo dos estudos históricos sobre o tema.

Esta pesquisa está em andamento, mas ao final espero que sirva como

base para melhorar e ampliar as opções de recursos para o ensino de história na

educação básica brasileira.

Referencia Bibliográficas

Fontes documentais

a) Obras Literárias sobre a II Guerra Mundial

FRANK, Anne. O diário de Anne Frank;

LEVI, Primo. A trégua

PEMPER, Mietek. A Lista de Schindler;

b) Documentação

Page 13: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

13

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Brasil. Secretária de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:

historia, geografia / Secretária de Educação Fundamental. – Brasilia: MEC/SEF, 1997;

Bibliografia

ABUD, Katia Maria. A construção de uma Didática da História: algumas ideias sobre a

utilização de filmes no ensino. História. São Paulo. Vol. 22. 2003.

BERSTEIN, Serge. A História da Cultura Política no século XX. Revisão da História.

Paris, Imprensa da Fundação Nacional das Ciências Políticas, nº 35, julho-setembro,

1992.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Aprendizagens em história. In: Ensino de

História: fundamentos e métodos. Editora Cortez. São Paulo. 2004;

BOSI, Ecléa. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. São Paulo:

Ateliê Editorial, 2003;

CARDOSO, Oldimar. Para uma definição de Didática da História. Revista Brasileira

de História. São Paulo. Vol. 28, n° 55. 2008;

FERREIRA, Marieta de Moraes. História Oral. Rio de Janeiro: Diadorim Editora, 1994.

HOBSBAWM, Eric. Sobre a História. São Paulo: Cia das Letras, 1988.

LAVILLE, Christian. A guerra das narrativas: debates e ilusões em torno do ensino de

História. Revista Brasileira de História. São Paulo. V. 19, n° 38. 1999;

MARTINS, Estevão C. de Rezende. História: consciência, pensamento, cultura, ensino.

Educar em Revista . Curitiba. n°42 - out./dez. 2011;

SELIGMAN-SILVAS, Márcio. História, memória, literatura: o testemunho na era

das catástrofes. Campinas: Unicamp, 2003;

MOTTA, Márcia Maria Menendes. História, memória e tempo presente. In: org.

CARDOSO, Ciro Flamarion; e VAINFAS, Ronaldo. Novos Dominios da História.

Elsevier Editora Ltda. Rio de Janeiro. 2012.

NETO, Antonio Simplício de Almeida. Dimensão Utópica nas representações sobre o

ensino de História: Memória dos professores. Educação Social Campinas. Vol. 31, n°

110, jan.-mar. 2010.

Page 14: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

14

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

NORA, Pierre. Da História Contemporânea ao Presente Histórico. Atas da jornada de

estudos da História do Tempo Presente. Paris: CNRS, maio de 1992.

PASSARINE, Luísa. A lacuna do presente. Atas da jornada de estudos da História

do Tempo Presente. Paris, CNRS, 14 de maio de 1992.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos; e GARCIA, Tânia Maria F. Braga.

A formação da consciência História de alunos e professores e o cotidiano em aulas de

História. Cad. Cedes. Campinas. Vol. 25, n° 67- set./dez. 2005.

Page 15: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

15

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

IDENTIDADES EM CENA: NARRATIVAS DE ESTUDANTES SOBRE O

BAIRRO VILA EMBRATEL EM SÃO LUÍS-MA

Peterson Passion Birino Miranda1

1. INTRODUÇÃO

Em trabalho produzido anteriormente, pudemos refletir sobre a

elaboração de representações sobre o bairro Vila Embratel - situado na região do Itaqui-

Bacanga na cidade de São Luís-MA -, as quais enfatizavam, de modo geral, uma

suposta natureza violenta inerente a este espaço social. Percebemos que alguns meios de

comunicação locais contribuem de forma relevante na consolidação de um imaginário

associado ao bairro assentado em representações estigmatizantes que nos apresentam

uma imagem de terror constante: aqui a criminalidade impera.

Longe de negar a existência de crimes violentos, criticamos a construção

de tal quadro representacional que imputa ao bairro a “fama” de “violento”, associando

de forma quase automática violência e periferia. Na presente pesquisa, ainda em curso,

propomos refletir sobre a construção das identidades de estudantes que moram e/ou

estudam neste bairro, percebendo como suas experiências no bairro e interpretações dele

nos revelam o traços constituintes de suas identidades. Além disso, buscamos perceber

como a dimensão histórica contribui na configuração dessas identidades utilizando, para

tanto, as proposições do historiador Jörn Rüsen, em especial, a partir do conceito de

consciência histórica e suas implicações na construções identitárias dos discentes.

1 Mestrando do programa de pós-graduação em História, Ensino e Narrativas da Universidade Estadual do

Maranhão (PPGHEN/UEMA), orientado pela Profa. Dra. Ana Lívia Bomfim Vieira.

E-mail:[email protected]

Page 16: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

16

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

2. CONSCIÊNCIA HISTÓRICA E IDENTIDADE: APONTAMENTOS

TEÓRICOS

A partir da “virada historiográfica” observada na primeira metade do século

XX capitaneada pelo Movimento dos Annales, a ciência histórica abriu-se para novos

objetos e novos temas, antes relegados a segundo plano pelos historiadores. Mais do que

isso, o Movimento Annales desencadeou novas abordagens históricas voltadas para os

estudos de grupos silenciados até então na historiografia, como as mulheres, os negros,

os homossexuais, os trabalhadores, entre outros (CARDOSO, 1997).

Neste percurso de mudanças no fazer historiográfico iniciado pelos annales,

as contribuições da chamada nova história cultural exerceram grande impacto,

influenciando historiadores e estudantes da área, fundamentando pesquisas em diversas

áreas das ciências humanas, bem como vários programas de pós-graduação. A partir da

década de 1970, conceitos centrais para a nova história cultural como os de

“representação” e “imaginário” nortearam as incursões analíticas na ciência histórica,

em especial, com base nos escritos do historiador francês Roger Chartier

(PESAVENTO, 2010).

A pesquisa, em andamento, aqui apresentada ancora-se em alguns dos

pressupostos teóricos oferecidos pela nova história cultural. Chartier define como

objetivo fundamental desta abordagem historiográfica “identificar o modo como em

diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada,

dada a ler” (CHARTIER, 1990, p. 16-17). Em nosso caso, o lugar é a escola, o

momento é o presente. No entanto, não podemos pensar a escola como uma unidade

inequívoca descolada de seu entorno, da comunidade que o cerca; tampouco podemos

pensar no presente como uma dimensão desvinculada do passado e do futuro, sob pena

de perder uma característica estruturante do pensamento histórico: a historicidade.

Tempo e espaço. Dois conceitos, dois aspectos, duas dimensões

indissociáveis, que contribuem decisivamente na construção das identidades pessoais e

coletivas de um grupo/comunidade/sociedade. Sem dúvida, a consciência histórica

Page 17: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

17

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

dialoga diretamente com a percepção temporal e espacial que fundamentam a

configuração das identidades. Nesta direção, torna-se relevante nos indagarmos: Como a

consciência histórica contribui na construção das identidades dos jovens estudantes?

Como o ensino de história pode contribuir na formação da consciência histórica e, por

conseguinte, na constituição de identidades razoáveis?

Antes de respondermos tais questões, é necessário tentar dissolver outra

questão relevante: é função do ensino da história formar a consciência histórica nos

estudantes? Caberia aos professores o papel de inculcar nos discentes a conscientização

de sua historicidade? A resposta negativa se aplica às duas.

Primeiro, cabe ressaltar que o conhecimento histórico não é produzido

exclusivamente pelo saber escolarizado (universidades, escolas, etc). Há diferentes

fontes de difusão deste conhecimento potencializado em nossos dias pelos meios de

comunicação de massa: livros de ficção, poesias, contos, filmes, músicas,

documentários, blogs, jornais, redes sociais, entre outros, também emitem, sob formas

diversas, informações textuais e visuais acerca de aspectos gerais e/ou específicos de

sociedades e eventos do passado, atribuindo-lhe significações próprias e interpretações

que, em geral, não estão coadunadas com o rigor do trabalho de um historiador.

Negligenciar a produção dos “não historiadores de ofício” - expressão cunhada pela

historiadora Sônia Meneses Silva (2007) -, isto é, aquela elaborada no âmbito do saber

não-escolar, configura-se um equívoco.

As proposições do historiador alemão Jörn Rüsen (2010) abrem caminho

para reflexões indispensáveis para a compreensão do conhecimento histórico escolar e

não-escolar. Segundo Rüsen, para que se possa conceber os fundamentos

epistemológicos do conhecimento histórico científico é necessário antes nos debruçar

sobre o pensamento genérico sobre a história expresso na vivência cotidiana, isto é, o

conhecimento histórico tal como se apresenta usualmente na vida prática. Assim sendo,

afirma o autor, “são as situações genéricas e elementares da vida prática dos homens

(experiências e interpretações do tempo) que constituem o que conhecemos como

consciência histórica” (RÜSEN, 2010, p.54).

Page 18: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

18

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Para o Rüsen a consciência histórica deve ser investigada no curso da vida

cotidiana, pois é nela que obtemos seus usos diversos, reconhecíveis quando de sua

expressão prática por meio de construções discursivas.

Seguindo nesta mesma direção, o historiador Luís Fernando Cerri (2011)

afirma que é necessário, diante do cenário atual, compreender que o conhecimento

histórico produzido na academia não é o único, mas apenas um dos possíveis, uma vez

que há diferentes produtores de saber histórico, como a escola e os meios de

comunicação de massa. Desta forma, a didática da história imperativamente se volta

para a aprendizagem histórica, o qual se encontra pulverizado - não concentrado apenas

na escola ou universidade. Assim sendo, a didática da histórica se preocupa com “a

produção, circulação e utilização social de conhecimentos históricos como seu objeto de

estudo”, sendo encaixado no campo da teoria da história (CERRI, 2011, p.52). Nesta

direção todo tipo de conhecimento histórico é submetido ao crivo analítico do

historiador: imagens, filmes, músicas, jornais, etc. Aqui a pesquisa histórica não ignora

ou menospreza o saber não-escolar, mas se volta para ele.

O ensino de história não objetiva a formação de uma consciência histórica,

uma vez que ela é inerente ao pensamento humano. Ao chegar à escola, traz consigo

uma consciência histórica em algum nível, via de regra, tradicional ou exemplar

(adiante aprofundaremos esta questão). Na formação da consciência histórica, o saber

histórico escolar exerce a função de produzir um aprendizado histórico.

Rüsen define a consciência histórica como “ a suma das operações mentais

com as quais os homens interpretam sua experiência da evolução temporal de seu

mundo e de si mesmos, de tal forma que possam orientar, intencionalmente, sua vida

prática no tempo” (RÜSEN, 2010, p.57). Nesta senda, o autor aponta como função

prática da consciência histórica a orientação humana no tempo.

Há sem dúvida impressa nessa definição uma perspectiva de história como a

união harmônica das dimensões temporais - passado, presente e futuro - uma vez que, a

grosso modo, as experiências do passado são interpretadas e produzidas para a

compreensão do presente, dando aporte prático para o agir humano e projetando as

Page 19: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

19

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

ações no futuro. Deste modo, a consciência histórica envolve o conjunto de operações

intelectuais onde se estruturam nossa percepção temporal, uma vez que “trata do

passado, nos revela o tecido da mudança temporal dentro do qual estão presas as nossas

vidas, e as perspectivas futuras para as quais se dirige a mudança” (RÜSEN, 1992, p.32-

33).

Se não é função exclusiva do ensino de história formar uma consciência

histórica, qual seria, então, seu objetivo? Cerri nos aponta uma direção: cabe ao

professor contribuir no desenvolvimento do pensar historicamente entendido como o

ato de “nunca aceitar as informações, as ideias, dados, etc. sem levar em consideração o

contexto em que foram produzidos: seu tempo, suas peculiaridades culturais, suas

vinculações com posicionamentos políticos e classes sociais, as possibilidades e

limitações do conhecimento que se tinha quando se produziu o que é posto para análise”

(CERRI, 2011, p.59). Aqui a historicidade emerge como um elemento central para

compreender as sociedades e os eventos históricos: “a história permite, afinal,

compreender que todas as coisas estão sempre vinculadas a contexto, e só são

compreendidas se os contextos em que surgem e se desenvolvem são esmiuçados”

(CERRI, 2011, p.65). De modo mais agudo, o autor parte para uma definição mais

apurada, na qual o pensar historicamente é entendido como a “capacidade de beneficiar-

se das características do raciocínio da ciência histórica para pensar a vida prática.

determinadas formas de consciência histórica, por exemplo, tendem a excluir ou a

incompatibilizar-se com o pensar historicamente segundo essa definição, o que não quer

dizer que deixem de manejar alguma compreensão do que é o tempo, de onde vem e

para onde vai” (CERRI, 2011, p.61-62)

Nestes termos, se voltarmos nosso olhar para o bairro Vila Embratel,

podemos, sem exageros, afirmar que o conhecimento histórico formado em torno do

mesmo foi - e continua sendo - hegemonicamente construído por formas outras de

veiculação do saber histórico, principalmente, os meios de comunicação. Resta-nos

investigar como a consciência histórica em relação ao nosso bairro têm se estruturado

no aprendizado histórico dos estudantes do bairro. É justamente no aprendizado

Page 20: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

20

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

histórico que se manifesta a consciência histórica, que, por sua vez, grosso modo,

constitui as bases da identidade histórica. A construção de uma identidade histórica é

componente crucial na estrutura do pensamento histórico que resulta da formação da

consciência histórica. Se a consciência histórica está voltada para as necessidades

sociais inerentes à vida prática cotidiana, sem dúvidas, teremos a possibilidade de dotar

os sujeitos da capacidade de demarcarem suas experiências no tempo por meio de suas

percepções e interpretações de si e do mundo. Neste sentido, a narrativa emerge como a

forma de expressão privilegiada para a apreensão das interfaces identitárias operadas

mentalmente, na medida em que se configura como “um meio de constituição da

identidade humana” (RÜSEN, 2010, p.66).

Em nossa experiência pós-moderna, ou líquido-moderna, conforme propõe

o sociólogo Zigmunt Bauman (2005), as identidades são cada vez mais erigidas sob

bases movediças. Neste contexto, as identidades são um “monte de problemas” uma vez

que configuradas sob a liquidez das relações e estruturas sociais. Neste mundo líquido,

“as ‘identidades’ flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas outras infladas e

lançadas por outras pessoas em nossa volta, e é preciso estar em alerta constante para

defender as primeiras em relação às últimas” (BAUMAN, 2005, p.19).

Canclini ressalta que as identidades, imersas no processo de globalização,

não podem ser tratadas como estáticas ou dotadas de caracteres fixos. Diversamente,

elas são submetidas a fluxos de interconexão, nas quais as pessoas se apropriam de uma

gama bastante heterogênea de bens culturais e informações disponíveis em constante

circulação. Para dar conta dos arranjos de relações sociais e dos trânsitos culturais

específicos do mundo globalizado, Canclini centra sua análise sobre o que ele chama de

“processos de hibridização”, isto é, redes de (re)apropriação, muitas vezes

contraditórias, nas quais se fundem e se cruzam diferentes traços sócio-culturais. Assim,

as identidades híbridas são características da contemporaneidade (CANCLINI, 2008).

A contribuição seminal de Stuart Hall segue, a grosso modo, as proposições

anteriores: em uma sociedade bombardeada por imagens vindas de todos os lados

dentro de um espaço cada vez mais globalizado, o sujeito pós-moderno é atravessado

Page 21: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

21

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

por múltiplas identidades que se configuram de forma fragmentadas, fluidas, cambiantes

e mesmo contraditórias. Conforme Hall, o conceito de identidade na pós-modernidade é

utilizado para

significar o ponto de sutura, entre, por um lado, os discursos e as

práticas que tentam nos interpelar, nos falar ou nos convocar para que

assumamos nossos lugares como os sujeitos sociais de discursos particulares e, por outro lado, os processos que produzem

subjetividades, que nos constroem como os sujeitos aos quais se pode

‘falar’ (HALL, 2000; p.111-112).

Diante do exposto, parece-nos inadiável refletir sobre a formação da

consciência histórica dos estudantes como elemento constituinte de suas identidades, as

quais se estruturam também em relação ao espaço em que praticam cotidianamente - o

bairro e a escola.

3. AS NARRATIVAS DOS ESTUDANTES: IDENTIDADES EM CENA

Historicamente, foi construído um quadro representacional sobre o bairro

Vila Embratel com forte poder estigmatizante, o qual se consolidou no imaginário

ludovicense a partir da associação entre periferia e violência. O resultado cruel disto

aparece de forma concreta na adjetivação da Vila Embratel como “bairro violento”,

como se a criminalidade se apresentasse como característica imanente ao bairro

atingindo em cheio seus moradores.

Assim, forjou-se ao longo do tempo uma memória ligada ao bairro que o

referencia como espaço de difusão da criminalidade e de produção de criminosos, tal

como ocorre com milhares de bairros considerados “periféricos”. Parece-nos

imprescindível investigar de que modo esta memória está sendo moldada no ambiente

escolar, o que, por sua vez possui implicação direta na constituição das identidades

estudantis. A partir da apreciação das narrativas dos estudantes de escolas públicas do

bairro buscamos perceber de que forma o imaginário construído acerca daquele espaço

social está sendo apropriado, lido e interpretado pelos sujeitos que estudam e em muitos

casos também residem no referido bairro.

Page 22: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

22

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Para tanto, utilizamos da sugestão metodológica proposta pelo historiador

Jörn Rüsen que consiste na investigação acerca dos níveis de consciência histórica dos

estudantes, voltando-nos para suas percepções e interpretações sobre o bairro Vila

Embratel e a escola Centro de Ensino Dayse Galvão de Sousa - o espaço social que

praticam diariamente.

Antes de partimos para a análise das narrativas, faz-se relevante

compreender o ambiente de nossa pesquisa - a escola e o bairro - como espaço social

(CERTEAU, 2012), lugares praticados cotidianamente pelos discentes, os quais são

modificados pela ação astuciosa dos mesmos, ao passo em que influencia e transforma a

vida prática deles. Neste espaço, os sujeitos operam de forma imprevisível e astuciosa

suas práticas cotidianas (correr, brincar, trabalhar, estudar, etc.) produzindo sentido a si

mesmo e a experiência social em que estão inseridos (CERTEAU, 2012).

O centro de ensino Dayse Galvão de Sousa é uma escola da rede estadual de

ensino e atende estudantes oriundos do bairro Vila Embratel, mas também, em grande

número de bairros vizinhos como Sá Viana, Jambeiro, Residencial Paraíso, Vila Isabel,

Vila Bacanga e Gapara. A escola, inaugurada em 1999, é a maior do bairro, atendendo a

747 estudantes regularmente matriculados no ensino médio em três turnos de

funcionamento.

Entendemos, portanto, que a investigação acerca da construção das

identidades estudantis, especialmente, situado em um palco de conflitos de

representações sobre o bairro Vila Embratel, envolve necessariamente a compreensão

do processo de formação de uma consciência histórica nos discentes evocada por

intermédio de suas narrativas. Para tanto, utilizamos como metodologia a aplicação de

uma produção textual com alguns estudantes da escola Dayse Galvão de Sousa. De

modo diverso da tradicional redação, a utilização da produção textual se justifica por

trazer subjacente uma concepção de estudante como sujeito “(...) participante ativo do

diálogo contínuo: com textos e com leitores” (GERALDI, 2000, p.22).

Levando-se em consideração a função prática da consciência histórica em

articular uma orientação temporal dos sujeitos, pode-se afirmar que ela se realiza na

Page 23: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

23

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

narrativa. Em outras palavras, nas narrativas se manifestam os traços constitutivos da

consciência histórica. Para Rüsen, a “competência narrativa” seria a competência

específica da consciência histórica voltada para a efetivação da relação temporal entre

passado, presente e futuro na vida prática. A narrativa, portanto, tem a competência de

dar sentido à realidade passada, atualizando-a (RÜSEN, 1992).

A análise das narrativas dos estudantes segue as proposições metodológicas

sugeridas por Rüsen, para quem a narração ampara-se na consciência histórica onde

efetua a sua função prática de servir como parâmetro para a ação humana articulando

suas dimensões temporais. A consciência histórica efetiva tal função em quatro tipos

diferentes: tradicional, exemplar, crítico e genético (RÜSEN, 1992).

A consciência histórica de tipo tradicional estrutura-se a partir de tradições

que obrigam a conservação de valores e comportamentos. No âmbito externo, o tempo

tem significado na medida em que nele se inscreve a continuidade das relações sociais,

dos valores morais, modelos de vida. Já no âmbito interno, se estabiliza uma identidade

histórica que afirma um consentimento em relação aos modelos tradicionais

preestabelecidos. Tal permanência é rememorada para justificá-la.

O tipo exemplar de consciência histórica não envolve as tradições, mas as

regras, os parâmetros atemporais que dirigem o curso das nossas ações. Nossa

experiência com o passado referencia-se em casos exemplares que justificam nossas

práticas. No ponto de vista externo, abre-se um “horizonte temporal” significativamente

amplo, tendo em vista que a consciência histórica utiliza vários casos exemplares. Aqui

a história é vista como uma senhora que dá lições para o presente. Do ponto de vista

interno, a identidade é construída a partir da aplicação de regras gerais oriundas de

casos específicos a situações práticas diversas, tomando, desta forma, valores morais

como universais.

Por sua vez a consciência histórica de tipo crítica expõe uma negação da

realidade. Apresenta uma interpretação que refuta a validade do que está posto. Deste

modo, opera-se uma ruptura no continuum temporal. Internamente, a identidade é

Page 24: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

24

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

forjada afirmando aquilo que não queremos ser, rompendo com modelos pré-

determinados, fórmulas, representações apriorísticas e generalizações.

Finalmente, a consciência histórica genética enuncia a percepção das

mudanças temporais. O pensamento histórico erige-se dentro de valores atualizados. A

história é mudança e nela se operam as ações da vida prática e também se enquadram

diferentes ponto de vista. A identidade se vê ambulante, transitando no tempo, conforme

as mudanças ordinárias. Procura-se ver o outro como imerso nessas transformações

históricas (RÜSEN, 1992; 2006; 2010).

Diante disto, o esforço aqui empreendido consiste em promover uma

reflexão sobre a construção das identidades estudantis a partir da identificação dos tipos

de consciência histórica impressos nas narrativas dos estudantes, focalizando suas

percepções temporais - e espaciais - acerca da realidade que vivenciam hodiernamente

na escola Dayse Galvão de Sousa e no bairro Vila Embratel.

A produção textual aplicada junto aos estudantes da referida escola tinha

como tema norteador o bairro Vila Embratel: foi proposto que os discentes escrevessem

aquilo que pensavam sobre este bairro tendo como parâmetro suas experiências

cotidianas e suas interpretações acerca do espaço social que envolve a escola e o bairro.

Interessava-nos uma escrita livre das amarras de uma redação rigidamente estruturada -

introdução, desenvolvimento, conclusão -, direcionamento este que se revelou favorável

a abertura de caminhos escriturários pavimentados por improvisações, trilhas textuais

clandestinas e táticas diversas, ainda que, em alguns casos, pudesse se observar uma

“obediência” aos pressupostos da tradicional redação.

Aplicamos a produção textual em três turmas do 2º ano, nas quais 43 alunos

aceitaram participar da pesquisa construindo seus textos de forma espontânea.

Utilizaremos nomes fictícios para nos referir aos estudantes/autores dos textos, bem

como reproduziremos aqui ora fragmentos ora o texto completo produzido pelos

mesmos. Depreendemos, a partir das proposições de Rüsen, que as narrativas dos

estudantes operam uma construção coerente das experiências temporais vivenciadas em

Page 25: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

25

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

sua cotidianidade, possibilitando desvelar uma manifestação concreta da constituição de

suas identidades.

Na leitura das narrativas enunciadas pelos estudantes sob a forma textual,

percebemos a aparição de uma memória nostálgica que remonta um passado bom, no

qual o bairro era “bom de se viver”. Sobre este aspecto o estudante Pedro apresenta um

relato onde percebemos uma consciência histórica de tipo tradicional:

É aonde nós moramos foi um bairro muito bom tranquilo, aonde as pessoas podia ficar centado na porta não tinha violência essas coisas,

mas só que o tempo vai passando as coisas vão mudando, a violência

aumentou tudo mais tipo hoje em dia ficamos até comedo de sair de

casa porque nós não sabemos o que vai acontecer.

A memória que se presentifica na narrativa evocando um passado em que a

vida prática era supostamente harmoniosa, no caso dos jovens estudantes, tem como

referência a época da infância, onde as identidades já estão em construção, a partir de

suas vivências e interpretações acerca do mundo social (CARVALHO, 2012). A

narrativa de Robson apresenta também esta característica expressando um tipo de

consciência histórica tradicional e exemplar:

No meu ponto de vista a Vila Embratel é um bairro que já foi bom de

se morar, mas hoje em dia a criminalidade tomou de conta de nosso

bairro ontem mesmo morreu um homem pai de família na minha rua, ele estava indo para o serviço quando passou dois indivíduos de moto

e atiraram em sua direção asertaram dois disparos no homem e ele

morreu la no meio da rua isso aconteceu a tarde duas horas o horario

que as crianças tentam se divertir um pouquinho na sua propria rua, isso não era para acontecer em um bairro como a Vila Embratel que é

bastante movimentado… a continuar desse jeito a situação vai piorar

se a nossa comunidade se as crianças continuar vendo essas cenas isso nunca vai parar, porque daqui a um tempo essas pessoas vão achar

isso comum e também tem o trafico de drogas que e muito grande.

Nas duas narrativas acima reproduzidas percebemos a reafirmação da

imagem/representação da Vila Embratel como um bairro violento, esta última moldada

a partir de situações particulares utilizadas como substrato para uma visão generalizante

que associa o bairro à criminalidade. Em outros relatos, o bairro é visto como um lugar

Page 26: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

26

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

dominado pelo medo da violência, uma vez que os casos de crimes seriam constantes. É

comum nestes relatos a associação da ocorrência de delitos a inoperância da polícia. A

narrativa de Andreia, que expressa um tipo tradicional de consciência histórica, segue

nesta direção:

Falar sobre o bairro onde eu moro é fácil, difícil é ter que mostrar o

que acontece, a realidade vivida pelos moradores, o medo que temos

de até sair de casa por conta da violência. Os assaltos acontecem

diariamente por todos os lados, homicídios, violência contra a mulher e maltrato aos animais, mas e a polícia? Até porque tem uma

delegacia no bairro, a polícia não faz nada? É, até que faz, mas não

como deveria, não existe segurança suficiente para tanta violência

Outro fator que causaria a ocorrência da criminalidade no bairro seria a

atuação de facções criminosas. O relato de Ana se configura a partir da percepção de um

bairro bem pior do que era, especialmente por conta das facções. Sua narrativa

manifesta uma consciência história de tipo tradicional, senão vejamos:

Eu nasci na Vila Embratel e quando eu era menor o nosso bairro era

muito bom. eu não estou dizendo que hoje ele tá assim só que ele está sendo um mau ponto de vista para a sociedade”. (...) Hoje eu acho que

nosso bairro está muito violento por causa das facções que existem

agora, antigamente não tinha esse negócio de facção hoje eles não consideram as famílias, nosso bairro hoje é visto como um dos piores

bairros de São Luís.

O rótulo de violento imputado a bairros considerados periféricos vistos

como palcos quase exclusivos da criminalidade reverbera com grande força em diversas

narrativas estudantis. Nelas se manifestam a conformação de uma memória traumática

em torno das periferias, reforçando um quadro imagético que associa violência, pobreza

e periferia. O relato de Cecília expõe uma realidade marcada pela preocupação

constante a proliferação da “malandragem”:

(...) nosso bairro é perigoso mais bom de se viver so que a

malandragem na Vila Embratel ta de mais. delegacia da Vila Embratel so tá de enfeite por que não faz nada poxa um Bairro tão grande como

que vou querer meu filho morando em meio da malandragem de Hoje

na Vila Embratel. (...) a gente da Vila Embratel vivemo todos os dias com medo de sair pra compra um pão e ser morto porque a

Page 27: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

27

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

malandragem ta de mais so espero que depois disso tudo [talvez aqui

ele faça referencia a toda a história do bairro marcada pela violência]

alguém faça algo pra muda por que viver no bairro que tomado por

malandro e traficante ta de mais, nem nas escolas da Vila Embratel a gente tem segurança.

As narrativas expostas anteriormente apresentaram de modo predominante

uma consciência histórica de tipo tradicional, que evidenciaram representações sobre o

bairro pautada em visões deturpadas e estereotipadas que reforçam um suposto atributo

imanente a este espaço social, a violência, reproduzindo a “fórmula mágica”

criminalidade-periferia, atualizando e reafirmando estigmas historicamente construídos

sobre regiões periféricas. Além disso, o tipo exemplar de consciência histórica também

foi expressado pelos discentes nas sobreditas narrativas, onde pudemos notar uma

superlativização de representações viciosas sobre o bairro a partir de “casos”

específicos utilizados como regras gerais aplicáveis ao cotidiano do bairro.

Indubitavelmente, há nessas narrativas uma significativa influência das notícias

veiculadas sobre o bairro nos diversos meios de comunicação, como se pode observar,

por exemplo, no relato de Wesley que definiu o bairro como “o bairro do terror” e ainda

reproduziu quase que de modo idêntico em seu texto o seguinte trecho de um site da

internet2: “Vila Embratel é um bairro da cidade populosa, possui seu nome devido a

existência de uma torre da Embratel o bairro registra altos índices de violências no

bairro”. Aqui o estudante busca uma explicação, uma interpretação plausível para sua

realidade, a qual ele não consegue dar ao se ver em um tempo saturado de “agoras”

(SILVA, 2007), divorciado do passado, à deriva.

O tema violência e sua relação com o bairro emerge em todas os 43 textos

produzidos pelos discentes sob diferentes abordagens, no entanto observamos

referências a outros problemas sociais enfrentados diariamente no bairro, tendo como

motivação a ineficácia ou mesmo ausência de ações dos governantes com vistas

melhorar os serviços públicos no bairro, como por exemplo podemos perceber nas

narrativas de Ingrid e Paulo:

2 Referimo-nos ao site denominado Wikipédia que se caracteriza pela edição de seus conteúdos por

qualquer usuário. Ver: https://pt.wikipedia.org/wiki/Vila_Embratel acesso em 30 jun. 2016.

Page 28: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

28

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

O Bairro Vila Embratel é um ‘bom’ mais precisa da atenção dos

governantes e prefeito. Tanto na educação quanto na saúde. Nas

escolas precisam investi nelas contratar mas funcionários e professores que faltam. As ruas são esburacadas e deveriam fazer mas

um posto de saúde porque só tem um que serve para o bairro e outros.

Sinceramente, a Vila Embratel é um bairro muito mal visado. Até

pelos próprios moradores, porque falta tanta coisa. Como saneamento básico, como policiamento, como escolas bem estruturadas,

sinalização e o lixo, que também é bastante visto por aqui.

Podemos também inferir que as duas narrativas acima exprimem um tipo

tradicional e exemplar de consciência histórica emoldurando um quadro social “válido”

para os bairros periféricos tomados como espaços sem infraestrutura de serviços e

marcados por inúmeros problemas sociais, numa clara naturalização da ideia de

periferia em oposição a realidade ordenada, pacífica e “normal” de bairros nobres. As

estratégias representacionais adotadas pelos sistemas de produção dominantes

direcionam a uma legibilidade dos espaços, distinguindo-os e demarcando suas

fronteiras como naturalmente configuradas: desta feita, o tempo é solapado pelo espaço,

este sim inteligível e determinado (CERTEAU, 2012).

Segundo Rüsen, a leitura do passado operado na consciência histórica serve

para dar sentido a experiência humana no presente, fornecendo referencial valorativo

para a vida prática, permitindo, deste modo, adotar perspectivas para o futuro. Essa

ideia de futuro é aparente em várias narrativas dos estudantes, via de regra, tipificada

como a expressão de uma consciência histórica tradicional e exemplar, conforme

pudemos verificar nos relatos de Ramon e Josué, os quais expõem, em linhas gerais,

uma perspectiva de futuro pautada na tradição judaico-cristã tendo como fio condutor a

ideia de que a história caminha para uma redenção final. Neste ponto, uma identidade

associada a orientação religiosa é convocada, senão vejamos:

Eu sou evangélico, moro na avenida do contorno eu acho que um dia nosso bairro vai mudar para melhor as pessoas tem que ter

companheirismo, amar uns aos outros e ter paz no coração, para que

elas possam ser um bom ser humano, isto é, fazer um bom bairro e acreditar na paz, porque um dia ela vai chegar em nosso bairro.

Page 29: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

29

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Pra mim isso deveria mudar ‘para melhor’ se entregar somente pra

Deus e largar essas pessoas dessa vida cruel, pois esses só são seus

amigos na hora que tamos de boa (dinheiro, droga, carro, etc…) e

quando agente fica na pior eles viram as costa, parece até que nem te conhece.

Nas narrativas anteriormente expostas, fica patente o trânsito pela linha

tênue - porém aparentemente confortável do “lugar-comum”, ainda que operado sob

diferentes “maneiras de escrever”. A repetição incessante do “mantra” Vila Embratel =

bairro violento sustentado em representações imagéticas que habitam no imaginário

ludovicense pode exercer atração maior aos leitores/consumidores, inclusive aos

próprios moradores/estudantes.

No entanto, em outras narrativas enunciadas pelos estudantes da escola

Dayse Galvão outras diversas maneiras de ver e interpretar o espaço social que praticam

hodiernamente. Observamos em pelo menos 11 relatos uma postura de negação ao

rótulo de violento imputado ao bairro, nos quais se manifestou um tipo de consciência

histórica crítica, mesmo que em alguns pontos mesclada com os tipos tradicional e

exemplar. A narrativa de Ribamar é taxativa ao relativizar as perspectivas

preconceituosas e generalizantes em relação ao bairro:

‘‘A Vila Embratel não entro nem morto”, “cruz credo Vila Embratel”,

vejo muitas pessoas falarem isso sem que eles venham até aqui (Vila

Embratel), mais agora me pergunto que Bairro não é perigoso, qual bairro não tem seus problemas. Neste Bairro não tem só ladrões,

também tem pessoas honetas que trabalham para ter o que viver.

Nas narrativas escritas pelos estudantes Márcio e Aparecida,

respectivamente, expressa-se uma percepção sobre o transcurso do tempo pautado numa

evolução inevitável. Nela, o bairro estaria paulatinamente caminhando para um futuro

melhor:

Eu vejo a Vila Embratel como um Bairro em evolução. As pessoas de fora criticam muito o bairro por não conhecerem, muitas dizem que no

bairro só tem o que não presta que só tem pessoas erradas (...) É

verdade sim que no Bairro existem pessoas erradas, pessoas que não querem nada com a vida, mas no meio de pedras há flores, pessoas

que lutam e se dedicam para ter uma boa condição.

Page 30: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

30

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Mas no meu ponto de vista, a Vila Embratel, vejo pessoas hulmildes e

de bom coração, nos quais vale a pena ver um lado positivo, no qual

quem sabe um dia ela poderá ser um bairro com mais pontos positivos

do que negativo.

A postura crítica adotada por Márcio e Aparecida também encontra eco na

narrativa de Marcel rompendo com o quadro imagético/representacional construído de

forma estereotipada sobre o bairro, negando sua validade como esquema explicativo,

relativizando visões preconceituosas sobre o espaço social e seus moradores:

A Vila Embratel é o bairro onde eu fui criado. Tenho muito respeito

por esse bairro, mas eu sei que muitas pessoas tem pre-conceito. Mas

essas pessoas não sabem que nesse bairro de periferia tem pessoas do bem, tem pessoas com alto grau de conhecimento. Eu já fui tratado

com indiferença por viver nesse bairro. Os preconceituosos pensam

que porque eu vivo em um bairro periférico eu altomaticamente tenho que ser bandido, tenho que ser mau carater. Em meu bairro isso só vai

mudar se as pessoas que moram aqui fizer diferença.

Podemos afirmar que as narrativas dos estudantes revelam de maneiras bem

distintas suas representações sobre o espaço social pelo qual transitam ordinariamente,

trilhando de maneira própria pelo mesmo. As identidades, deste modo, são moldadas

constantemente tendo como referência a materialidade do espaço, estabelecendo laços

com ele, consolidando na memória referenciais que justificam sua vivência nele,

demarcando sua diferença em relação ao Outro - o “de fora”, reafirmando e dando

sentido a si mesmo e ao espaço que pratica. Assim sendo, em um contexto de “liquidez

moderna” (BAUMAN, 2005), percebemos que as identidades são construídas por

alguns estudantes pela necessidade de assegurar o pertencimento a um lugar e rechaçar

representações preconceituosas, conforme fica evidente nas narrativas dos estudantes

Luan e Flávia, respectivamente:

Vila Embratel é um bairro nobre como qualquer outro. Amo meu bairro da Vila Embratel. Tenho meus amigos e família e garanto que

todos eles são do bem. A estas pessoas que falam mal este bairro tão

querido, falo que ‘não juguem a capa pelo livro, porque nos livros de matematica tem sempre um menino tem sempre um menino se

divertindo em fazer cálculos.

Page 31: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

31

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

(...) a Vila Embratel não é um dos bairros mais bonito, mais

interessante, mas concerteza é o bairro mais importante da minha vida,

a Vila Embratel, pode até ter muitas pessoas que praticam, violencia,

usam drogas, etc… mas também é um bairro com varios pais de familia, pessoas de bom caráter e que tem um sonho na vida. Vila

Embratel, minha casa, meu lar. #amominhaquebrada.

As experiências destes jovens dentro das fronteiras do bairro praticando-o

em suas ações mais triviais lhes permitem produzir significados distintos de visões

estigmatizantes, nas quais o bairro aparece como “um lar”, confortavelmente

estabilizado em suas representações subjetivas.

Portanto, pudemos perceber nas narrativas que manifestaram um tipo de

consciência histórica crítica explicações que negam as representações pejorativas

impostas como estratégias produzidas para demarcar um processo de distinção social

em curso na cidade de São Luís. De acordo com estas interpretações os construtos

imagéticos carregados de estereótipos não elucidam a complexidade ordinária deste

“espaço-tempo” e, deste modo, invalidam a compreensão ancorada em concepções

generalizantes em relação aos bairros considerados periféricos.

CONSIDERAÇÕES INCONCLUSIVAS

À luz do exposto, entendemos, no entanto, seguindo as proposições de

Rusen, que é relevante a formação de uma consciência histórica crítico-genética nos

estudantes, desenvolvendo nos discentes a capacidade de perceber a si e ao bairro

imersos em mudanças temporais, isto é, “pensar historicamente” (CERRI, 2011), de

modo a identificar diferentes pontos de vistas acerca de seu “tempo-espaço”. Para além

da negação de representações estigmatizantes, o saber histórico pode contribuir também

para que se reconheçam enquanto sujeitos ativos e partícipes de sua realidade, esta

compreendida como um espaço plural, contraditório, historicizado.

Page 32: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

32

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 2005.

CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da

modernidade. São Paulo: Edusp, 2008.

CARVALHO, Mauro G. A construção das identidades no espaço escolar. Revista

Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v.20, n.1, p.209-227, jan./jun.2012.

CERRI, Luís Fernando. Ensino de história e consciência histórica. Rio de

Janeiro:FGV, 2011. 138p.

CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 18. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,

2012.

CHARTIER, Roger. “Introdução: por uma sociologia histórica das práticas culturais”.

In.______. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difusão

Editorial, 1990, p. 13-28. – (Coleção memória e sociedade).

HALL, S. “Quem precisa de identidade”. In: SILVA, T. T. (Org.). Identidade e

diferença. Petrópolis: Vozes, 2000, p.103-133.

________. Identidade Cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.

MIRANDA, Peterson P.B. Sob o estigma da violência: Representações sobre o

bairro Vila Embratel. Monografia de conclusão do curso de história. São Luís:

UFMA, 2011.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 2º Ed.reimp-Belo

Horizonte: Autêntica, 2005.

RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: Teoria da história: os fundamentos da ciência

histórica. Brasília: Unb, 2010.

_________. Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso

alemão. Práxis educativa. Ponta Grossa, PR, v.1, n.2, p.7-16, jul. - dez. 2006.

_________.El desarrollo de la competência narrativa en el aprendizaje histórico. Una

hipótesis ontogenética relativa a la conciencia moral. Revista Propuesta Educativa,

Buenos Aires, Ano 4, n.7, p.27-36. oct. 1992.

SILVA, Sônia M. “Os historiadores e os ‘fazedores de História’: lugares e fazeres na

produção da memória e do conhecimento histórico contemporâneo a partir da influência

midiática”. Revista OPSIS, Goiânia, v. 7, n. 09, jul/dez. 2007, p. 187-198.

Page 33: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

33

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

VAINFAS, R. “História das mentalidades e história cultural”. CARDOSO,

C.;____________. Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de

Janeiro: Campus, 1997. Cap.5, p.189-241.

Page 34: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

DE “RAINHA DO LAR” A “MENSAGEIRA DA AURORA INTELECTUAL”:

IMAGENS DAS PROFESSORAS PRIMÁRIAS NA PRIMEIRA REPÚBLICA.

Ilma de Jesus Rabelo Santos1

1. INTRODUÇÃO

As imagens acerca dos sujeitos sociais são produzidas de modo que se

confundem com os próprios seres que estas imagens representam. Isto não difere do que

ocorreu com as professoras primárias durante a Primeira República no Brasil, visto que

estas mulheres e professoras foram tidas como responsáveis por construir a imagem de

uma nação moderna, moralizada e moralizadora, na busca do progresso pela ordem e

pela norma (MULLER, 1998).

Para esta análise usamos como referência teórico-metodológica os estudos

sobre relações de gênero entendida como forma de problematizar as relações entre

homens e mulheres em determinado contexto sociocultural, considerando as definições

de feminino e masculino como marcas identitárias que são construídas pelas interações

sociais e aprendidas nas vivências tanto do espaço privado como do domínio público.

Para Scott há duas definições do gênero. Uma o explica como “um elemento

constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos” e a

outra “é uma forma primeira de significar as relações de poder” entre os sujeitos (1989,

p.21), pois os princípios norteadores da organização social – dos papéis ditados e

esperados das mulheres e dos homens – são os mesmos que direcionam as

representações de poder nas diversas instituições sociais, como escola, igreja, espaços

público e privado.

Fazemos um diálogo com o conceito de representação do historiador

francês Roger Chartier enquanto categoria de análise entendida como a “apresentação

pública” de um “objeto ausente”, pensando as representações sociais como construídas,

e que “embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são

sempre determinadas pelos interesses de grupos que as forjam (CHARTIER, 2002,

p.16-17).

1 Aluna do curso de mestrado de História, Ensino e Narrativa da Universidade Estadual do Maranhão –

UEMA. Trabalho apresentado no II Seminário do PPGEN. E-mail: [email protected]

Page 35: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

35

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Usamos como suporte analítico a ideia de imaginário como “um sistema de

ideias e imagens de representações coletivas que os homens, em todas as épocas,

construíram para si, dando sentido ao mundo” (PESAVENTO, 2008, p.43). Uma

espécie de mundo paralelo de sinais construído sobre a realidade, nos apontando que o

imaginário social é algo construído e, como tal, tem objetivos explicativos, para as

práticas sociais.

Este artigo é um recorte da pesquisa de mestrado com o título A MULHER

NO MAGISTÉRIO: a constituição da identidade docente no Maranhão republicano

(1890-1940). Aqui, nos propormos a conhecer a prática de vida e as possibilidades de

atuação das professoras primárias no mercado de trabalho, no seu cotidiano, na sua vida

pública e privada, o que permitia tanto a construção de novas imagens sobre a

professora, quanto também reforçava alguns estereótipos que limitavam sua ação e

atuação.

No que tange propriamente às imagens elaboradas sobre as professoras

primárias buscamos apresentar os discursos sobre a idealização da mulher no

magistério, discutindo o processo de valorização e positivação do magistério e da

normalista com figura respeitável e disciplinada que reflete o ideal de sociedade para o

Positivismo republicano. Essa construção acontece em meio às contradições sociais

decorrentes da urbanização e industrialização da época e dos novos e antigos modelos

de domesticidade.

A pesquisa está alicerçada nas leituras bibliográficas acerca do tema,

produções acadêmicas no Brasil e Maranhão, legislação educacional do final do Império

e início da República Velha, como regulamentos e decretos, mas também jornais,

memórias, falas, discursos e produções de intelectuais e autoridades educacionais que

nos apontam para o pensamento social da época sobre as professoras primárias.

Page 36: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

36

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

2. ACERCA DAS PROFESSORAS

Para as mulheres das camadas médias do final do século XIX, as atividades

fora do espaço doméstico representavam um risco para sua imagem, pois as colocavam

no espaço predominantemente dominado pelo sexo masculino. Foi então necessário

domesticar essas atividades desempenhadas por elas no espaço público, como aconteceu

na enfermagem e magistério que se feminizaram, aliando características consideradas

peculiares às mulheres, como o “cuidado, sensibilidade, amor, vigilância, etc.”

(LOURO, 2001, p.454).

O processo de implantação da República no Brasil trouxe consigo um

remodelar da identidade feminina através de um olhar de classe, uma vez que o

imaginário social da época foi realinhado na perspectiva de atribuir-lhes novas funções.

Essa remodelação do discurso que atribuía às mulheres características como fragilidade,

doçura, paciência, tidas como inata ao sexo, tinha como objetivo torná-las agentes

regeneradores a serviço da nação.

A bandeira desse discurso eram as mães moralizadoras da sociedade. Nesse

sentido, Chartier, pontua que as “percepções do social não são de forma alguma

discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que

tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar

um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e

condutas” (CHARTIER 2002, p.17).

Sendo assim, essas imposições que visavam construir um padrão ideal de

mães perfeitas, se estendeu às professoras primárias que vivenciaram a docência em

meio à possibilidade de estudar, trabalhar e também de profissionalizarem-se, ao

incorporarem essa identidade maternal, supostamente nata a todas às mulheres, dando à

docência feminina uma configuração de extensão da maternidade.

A imagem da professora primária cristaliza-se de forma gradativa no

imaginário social da época, sendo um apanhado de incorporações de qualidades e

Page 37: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

37

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

atribuições que foram se agregando na passagem do século XIX e que se desdobrou em

símbolos e modos de entender o feminino.

Uma das imagens mais marcantes advindas desse ideal republicano

moralizante foi a prerrogativa da professora, necessariamente ser, uma figura

respeitável, sendo que esse atributo emanava do fato de seu caráter ser superior ao

homem em alguns pontos. Isto poderia soar como algo contraditório, por ser o homem

tido como o sexo forte e superior, porém, essa ideia reforçava o ideal de moralidade

feminina.

É nessa contradição que se assenta a opinião de Almeida Oliveira2 ao

reconhecer que a atuação da mulher no magistério não necessariamente significava que

ela seria desrespeitada em sala de aula por ser mulher, mas ao contrário disso. Seria

reverenciada por impor sua respeitabilidade com armas que lhe foram dadas pela

própria natureza.

Se, pois, o respeito não vem do sexo nem do cargo, mas das qualidades postas ao serviço deste, é claro que, em iguais condições,

tanto respeito deve merecer o mestre como a mestra. Até parece que a

mestra deve merecer mais. Primeiramente o saber é mais admirável na mulher que no homem. Em segundo lugar a bondade da mulher

sempre é credora de maior amor que a do homem. Ora o amor ajunta

ao respeito a sua dedicação, a admiração, o seu entusiasmo, e a

mestra não é só um ente de magia [...] mas um mito digno de toda veneração, um composto de todas as boas qualidades adoráveis

(OLIVEIRA, 2003, p.207, grifos nossos).

Percebemos que há uma associação bem demarcada entre o respeito que a

mestra inspira e seu comportamento diante da sociedade e de seus alunos, bem como há

uma espécie de arsenal de valores sobre ela que garantem essa dignidade e distinção em

relação aos homens. Nesse sentido os pressupostos da fragilidade e inferioridade

feminina, diante da imagem de virilidade e força masculina, acabaram se remodelando

frente a formação moral mais sólida que o discurso positivista conferiu às mulheres.

2Advogado, jornalista, educador maranhense, e autor de O Ensino Público publicado em 1874 no qual

debate sobre vários problemas do ensino no Brasil, responsabiliza o governo imperial propondo soluções,

e entre várias considerações acerca da organização educacional, faz defesa do magistério feminino

primário.

Page 38: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

38

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

As ideias de Oliveira coadunavam com o pensamento de autoridades

educacionais na primeira década do século XX. O professor da Escola Normal Justo

Jansen Ferreira em cerimônia de entrega de diplomas a suas alunas em 1910, após ter

assinalado a grande presença de mulheres nesta escola, pontua as superioridades

femininas que talvez explicassem o número crescente delas no Curso Normal.

Pois bem, esses predicados, a grande expansibilidade, os inexcediveis sentimentos affectivos, reunidos ao fato de occupar a mulher logar

intermediario entre a criança e o homem, pela estrutura, pela força

muscular e pela voz, explicam plenamente a comprovada superioridade com que ella exerce o professorado primario

(FERREIRA, 1910, p.11, grifos nossos).

Notemos que paradoxalmente o que as torna superiores, enquanto

professoras primárias, é justamente sua posição, numa escala evolutiva, de inferior ao

homem e próxima da maneira de ser própria das crianças, residindo nisto sua suposta

facilidade de entender e fazer-se entender pelos pequenos.

Depois de fazer considerações sobre o papel das mulheres maranhenses

como educadoras no nível primário, justificada por sua condição natural, Ferreira as

parabeniza pela conclusão do curso e incentiva a prosseguirem com o mesmo impulso

que lhes levou a Escola Normal. Faz um chamamento às alunas dizendo que “na

qualidade de professor desta Escola, onde já me encontrastes e onde ides deixar me em

nome, finalmente, do futuro do nosso Estado, termino este discurso aconselhando-vos:

Vivei para o ensino (FERREIRA, 1910, p.12, grifos nossos).

Podemos considerar que suas palavras apontam para a ideia de que, a partir

de então, as professoras, não tivessem outra razão de viver, que se comprometessem

com a missão do magistério que abraçavam naquele momento.

Conforme os estereótipos identitários da época, às mulheres eram atribuídas

características como paciência, afetividade e doação, que vão se articulando a tradição

religiosa e dando para a docência a aura mais de um sacerdócio que uma profissão. Isto

as colocava como “dóceis” e “pouco reivindicadoras”, o que de certa forma dificultava

mais ainda sua luta por melhores salários (LOURO, 2001, p.450).

Page 39: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

39

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Articulada à essa aura sacerdotal temos a imagem da professora solteirona,

que não casava e dedicava-se a sua profissão de educadora. O ocupar-se com a

educação de seus alunos com desvelo era o que se esperava da mestra. Em uma

associação com uma segunda mãe, a professora dedicada devia agir de conformidade

com aquilo que se espera das mães exemplares do final do século XIX e início do XX.

Nesses termos, “o trabalho fora seria aceitável para as moças solteiras até o

momento do casamento, ou para as mulheres que ficassem sós – as solteironas e

viúvas”. Por outro lado, em geral casar significava abrir mão do magistério uma vez

que, depois de casadas estariam ocupadas com em cuidar do marido e dos filhos. Assim,

o trabalho da mulher casada podia configurava um conflito de interesses, visto que a

posição de provedor do lar era do homem, numa demonstração de sua virilidade

(LOURO, 2001, p.452).

Ismério (1995) pontua a construção da imagem feminina nesse período

como “rainha do lar e anjo tutelar” que se cristalizou no imaginário social com a

reclusão das mulheres ao espaço doméstico, sendo mal vistas socialmente as que

trabalhavam, ou taxadas como mulheres que falharam em sua missão de esposa e mãe.

A mulher que trabalhava fora ou exercia uma atividade intelectual era

aquela que não havia conseguido um marido e devido a isso buscava

reconhecimento social na profissão, a casada não precisava trabalhar. Portanto era solteirona frustrada que buscava em seus escritos os

sonhos perdidos de ter um dia um príncipe encantado (ISMÉRIO

1995, p.91, grifos nossos).

Mesmo que conciliasse a vida conjugal com o magistério, uma vez que

estavam fora do lar, ainda que por apenas um período, situações embaraçosas poderiam

surgir. A gravidez de uma professora poderia causar desconforto e abalar a imagem que

o magistério feminino conformava, pondo em xeque a moralidade que a escola buscava

exteriorizar.

Louro (2001, p.461) nos assinala para a construção e criação de um jeito de

professora assentado na corporificação e introjeção, por série de dispositivos e

símbolos, de normas para a confecção da mestra. Eram construídas “uma ética e uma

Page 40: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

40

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

estética”, através de uniformes sóbrios, desligados da moda, que deveriam esconder os

corpos quase assexuados, combinando com uma postura discreta e digna. Nessas

condições as professoras das escolas de formação, assim como as jovens professoras,

serviam de exemplo para as demais moças e meninas.

[...] as mestras deveriam também se trajar de modo discreto e severo,

manter maneiras recatadas e silenciar sobre sua vida pessoal.

Ensinava-se um modo adequado de se portar e comportar, de falar, de

escrever, de argumentar. Aprendiam-se os gestos e olhares modestos e descentes, as formas apropriadas de caminhar e sentar. Todo um

investimento político era realizado sobre os corpos das estudantes e

mestras (LOURO, 2001, p.461, grifos nossos).

Notemos que há um esvaziamento da posição individual dessas mulheres.

Além de assexuadas, por vezes, eram vistas como desprovidas de desejos, planos

pessoais, beleza física, preferências individuais. Estavam representando uma instituição

pública ou privada, corporificando a própria escola e/ou o Estado.

Nesse jogo de representações é pertinente ressalta que o que é dito sobre as

mulheres e sobre as mulheres professoras, ou o que elas dizem sobre si mesmas ou

sobre suas companheiras de sexo, uma vez que essas imagens são produzidas por uma

elite intelectual, composta por médicos, educadores, juristas. Pois,

[...] as representações de professora tiveram um papel ativo na

construção da professora, elas fabricaram professoras, elas deram

significado e sentido ao que era e o que é ser professora. Ao observar tais representações não se está apenas observando indícios de uma

posição feminina, mas se está examinando diretamente um processo

social através do qual uma dada posição era (e é) produzida (LOURO, 2001, p.464, grifos da autora).

Nas memórias de Humberto de Campos acerca de suas primeiras

experiências na escola primária, transparecem algumas imagens acerca de suas

professoras, além de um rico universo das dificuldades reais da vida docente para

muitas mulheres. O memorialista nos apresenta de forma diversa suas impressões mais

marcantes em diferentes momentos. A sua ida a escola aos seis anos é narrada de

Page 41: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

41

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

maneira aterrorizante. Diz que fora levado à escola primária masculina regida pelo Sr.

Agostinho Simões, que

era um homem alto, forte, moreno, de grandes e trágicos bigodes

negros. Completando a gravidade do aspecto, usava, por sofrimento da vista óculos pretos [...] A pessoa que me conduzira regressou,

deixando-me abandonado nas mãos do carrasco. [...] De minuto a

minuto um grito estrondava. Urro de onça em curral de bezerros. A bigodeira do professor Agostinho, os seus óculos a sua cara fechada,

as rugas da sua testa, e aqueles roncos que pareciam de trovão entre

montanhas, acompanhados, não raro, pelo estalar da palmatoria nas

mãos sujas aqueles pobres filhos de pescadores, acabaram por aterrorizar-me (CAMPOS, 2009, p.66-67, grifos nossos).

Notemos como ele se refere ao professor logo nos seus primeiros contatos

com o espaço escolar. Destaca as características físicas e psicológicas do mestre como

nada amáveis ou propensas à simpatia, a ponto de causar medo nas crianças e pavor no

autor. Esta descrição é bem diversa do modo como apresenta as professoras das escolas

mistas que frequentou: uma pública e outra particular. Matriculado na primeira em

1895, ele descreve a professora.

Dirigia-a uma senhorita que era quase menina, a qual, ainda hoje,

parece mais moça do que eu. Não lhe sei, ao certo, o prenome.

Davam-lhe o tratamento de Sinhá Raposo. Era miúda, gentil,

graciosa, de cor moreno-clara. [...] Vivia sempre para o interior da casa, na qual residia a família, [...] a escola era frequentadíssima,

principalmente por gente pobre, do bairro dos Tucuns (CAMPOS,

2009, p.104-105, grifos nossos).

Campos descreve a mestra como um ser mais agradável, com um aspecto

jovial que poderia inspirar confiança e segurança às crianças, em oposição ao rosto e

postura mais sisuda do professor Agostinho.

A segunda escola que Humberto de Campos frequentou também em

Parnaíba, época em que já sabia ler, era mista e particular, dirigida por uma senhora

casada, sem filhos. Campos esboça as características de sua nova professora nestes

termos:

Page 42: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

42

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

dona Marocas, ou melhor, Mestra Marocas, era uma senhora de

pequena estatura, morena, magra, de cabelos lisos e negros, e de uma

palidez terrosa e doentia. [...] consagrava-se maternalmente aos filhos

alheios, preparando as novas gerações para os caprichos misteriosos do destino. Era frágil, doce, triste e silenciosa. Mas exercia com a sua

tristeza e com o seu silêncio uma inquebrável autoridade (CAMPOS,

2009, p.120, grifos nossos).

Chama atenção os adjetivos que o autor usa ao falar de sua mestra, que

apesar da aparente fragilidade, conseguia impor grande autoridade, enquanto o Sr.

Agostinho Simões que lhe inspirava medo. Também afloram imagens cristalizadas

acerca da professora: devota como uma sacerdotisa; mãe espiritual dos seus alunos;

afetuosa e apegada emocionalmente aos seus discípulos e regeneradora da moral social

pela instrução. Nas palavras de Campos,

a professora primária, que nos faz digerir a primeira semente do

alfabeto ou nos ministra os ensinamentos rudimentares da ciência, é essa ave generosa e magnânima, reveladora da imensidade e do

mundo. É, finalmente, a Mãe-Preta do espírito que nos dá o leite da

primeira instrução. Dona Marocas Lima era um desses piedosos soldados do ensino primário, angélicos mas inflexíveis combatentes

na cruzada contra a Ignorância (CAMPOS, 2009, p.120-121, grifos

nossos).

Foi como verdadeiras cruzadistas contra a ignorância que muitos entusiastas

da docência feminina justificaram, durante as primeiras décadas do século XX, a

possibilidade da atuação feminina fora do âmbito doméstico. Entretanto, o espaço

público oferecia riscos à mulher e à sociedade na opinião de muitos médicos e

higienistas, por essa razão

[...] o trabalho da mulher fora de casa destruiria a família, tornaria os laços familiares mis frouxos e debilitaria a raça, pois as crianças

cresceriam mais soltas, sem a constante vigilância das mães. As

mulheres deixariam de ser mães dedicadas e esposas carinhosas, se trabalhassem fora do lar; além do que um bom número delas deixaria

de se interessar pelo casamento e pela maternidade (RAGO, 2001,

p.585).

As mulheres das camadas mais baixas trabalhar fora de casa era até

aceitável, pois as mulheres pobres precisavam cooperar na economia familiar,

Page 43: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

43

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

desempenhando tarefas tradicionalmente femininas, como costureiras, lavadeiras,

domésticas, do contrário, corriam o risco de serem confundidas com prostitutas, uma

vez que estas últimas transitam no espaço público. Esse entendimento localiza-se na

oposição entre o mundo do trabalho representado pela metáfora do cabaré e o lar como

um ninho sagrado, em uma época de efervescência urbana, desenvolvimento industrial e

proliferação de epidemias nas grandes cidades do país (RAGO, 2001).

A crescente urbanização dos grandes centros do país empurravam as

mulheres de diferentes classes para várias ocupações e embaralhava a linha que

separava atividades masculinas de atividades femininas. As mulheres ocupavam postos

de trabalho nas fábricas, escritórios, escolas, comércio e de infraestrutura urbana, que

fazia aflorar o fantasma da prostituição no imaginário social. Esse fantasma aparecia

como algo desconhecido, visto que pouco se conhecia do corpo feminino e representava

o perigo de habitar a sexualidade de todas as mulheres (RAGO, 2008, p.42). Dessa

forma,

nas entrelinhas dos discursos que advertiam as senhoras contra os usos

exagerados dos perfumes, das joias, das roupas decotadas, pairava a ameaça latente da identificação com a cortesã. A “mulher pública” era

visualizada como a que vendia o corpo como mercadoria: como

vendedora e mercadoria simultaneamente. E também a mulher que era capaz de sentir prazer, que era lugar de prazer, mesmo sem amar, ou

sem ser amada (RAGO, 2008, p.43).

Os modos de vestir, a sobriedade no uso de artifícios de beleza, tinham o

objetivo de disciplinar os comportamentos. Essa preocupação da em resguardar a

imagem da mulher que ocupa os espaços públicos se transveste na positivação da

professora versus prostituta, visto que por uma série de dispositivos elas eram

fabricadas.

No Maranhão, a própria adoção de um uniforme pelas normalistas3, além de

distingui-las socialmente, explicita a preocupação com a circulação das moças pelas

3 Sobre o uniforme das alunas da Escola Normal ver TOURINHO, Mary Angélica. As normalistas nas

duas primeiras décadas do século XX em São Luís do Maranhão: entre o discurso da ordem e a

subversão das práticas. São Luís: UFMA, 2008. (Dissertação – Mestrado em Educação)

Page 44: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

44

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

ruas da cidade, ficando suscetíveis a serem confundidas com mulheres de reputação

duvidosa. Esse o uniforme denotava quem eram estas mulheres: alunas de uma

instituição pública, respeitável e disciplinadora da moral, representantes de uma classe

privilegiada que tinha acesso à instrução e as futuras responsáveis pela educação

elementar das novas gerações maranhenses.

Algumas vozes de autoridades educacionais maranhenses são ouvidas, ainda

que de forma tímida, no sentido de caracterizar o magistério como profissão e onde se

percebe um novo remodelar de imagens sobre as professoras primárias. Conforme

discurso de Justo Jansen Ferreira, a autoridade concedida pelo Estado às professoras

normalistas via Escola Normal, as habilitava a nível técnico, portanto, diz ele,

sr.ª professoras Normalistas, o diploma que acabais de receber das

mãos do ilustrado Diretor desta Escola, cuja competência e dedicação no exercício desse alto cargo, cada dia se fortalecem mais, além de vos

dar o direito de exercerdes a profissão, para que cuidadosamente vos

preparaste, é, como disse, solida garantia de uma vida útil e independente (FERREIRA, 1910, p.12, grifos nossos).

Esta possibilidade de formação profissional via a escolarização significou a

ampliação dos espaços de circulação e de representações do ser mulher e professora em

nossa sociedade. Nesse mesmo discurso o referido autor faz outra alusão ao expressivo

número de alunas que estão formando e pontua que:

[...] certamente o futuro da nossa terra está confiado à mulher

maranhense que, pouco a pouco, constituirá o totalmente o professorado primário. E se ela já conquistou o lugar de “deusa do

lar”, nas escolas tornar-se-ha a mensageira da aurora intelectual.

Vel-a-hemos, então, crystallisando-se na força soberana que se encerra

nestas palavras – ensinar e educar (FERREIRA, 1910, p.11, grifos nossos).

As palavras do professor da Escola Normal apontam para a ocupação

majoritariamente feminina do nível primário do ensino, corroborando a ideia de que as

mulheres são as mais aptas à educação dos pequeninos e de sua atuação consagrada ao

lar. Entretanto, sinaliza uma possibilidade, antes legada apenas aos homens: a

capacidade intelectual e o domínio do saber secular.

Page 45: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

45

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Isto também é referendado no Congresso Pedagógico de 1920, onde as

mulheres são citadas em vários momentos. Das dez sessões do congresso, uma foi

presidida pela professora da Escola Modelo, Dona Hermindia Soares Ferreira, além de

ter apresentado trabalhos pedagógicos nesse evento, assim como Rosa Castro e Zila

Paes. Na sessão de encerramento, o secretário do congresso Fran Paxeco, faz referência

à progressiva presença das professoras no evento, que conformava um espaço de debate

de concepções educacionais no Maranhão da época. Ele diz,

frisaremos, entretanto, que reverter em pról das mestras a melhor

percentagem da simpatia e dedicação por semelhantes assuntos. São

elas, de resto, as verdadeiras educadoras. No correr dos tempos, hão-de tomar aos homens o papel que lhes cabe hoje, nesse melindroso

ramo da atividade humana. As estatísticas provam-nos, aliás, sem

rodeios, que a matricula de meninas se avantaja de muito á dos rapazes, nas escolas maranhenses (CONGRESSO PEDAGÓGICO,

1920, p.39, grifos nossos).

Além de colocar as professoras como as verdadeiras educadoras, sinaliza

para um maior engajamento educacional do sexo feminino no Maranhão no início do

século XX tanto como alunas das instituições educacionais como na função de

professoras públicas e da iniciativa privada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensar as possibilidades inerentes ao ser mulher e professora no Maranhão

da Primeira República é considerar toda uma gama de significados que estas definições

carregaram e carregam. Portanto, é preciso analisar estas possibilidades, que sejam:

instruir-se, estudar, ser professora pública ou privada, para além de ser algo inocente,

sem implicações sociais ou políticas. Significaram oportunidade de reconhecer-se e ser

reconhecidas, mesmo que inseridas num contexto de representações e imagens que as

legitimavam fora do espaço doméstico, mas também cerceavam sua atuação nas escolas,

na rua, em suas ações profissionais e suas vidas particulares.

Page 46: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

46

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

REFERÊNCIAS

ABRANTES, Elizabeth Sousa. A educação feminina em São Luís na segunda

metade do século XIX. São Luís: Editora UEMA, 2014.

CAMPOS, Humberto de. Memórias e Memórias inacabadas. São Luís: Instituto Geia,

2009. (Coleção Geia de Temas Maranhenses, v.13).

CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Rio de

Janeiro: DIFEL, 2002.

HALBAWCS, Maurice. A Memória Coletiva. SP: Edições Vértice, 1990.

ISMÉRIO, Clarisse. Mulher: moral e imaginário (1889-1930). Porto Alegre:

EDIPUCRS, 1995.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação. Petrópolis, RJ: Vozes,

2013.

_______, Guacira Lopes. Mulheres na sala de aula. In: PRIORE, Mary Del (Org.).

História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2001.

MÜLLER, Maria Lúcia Rodrigues. As construtoras da nação: professoras primárias

na primeira república. Universidade Federal de Mato Grosso/Instituto de Educação

Disponível em:

http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe1/anais/111_maria_lucia_r.pdf

NUNES, Iran de Maria Leitão. Ideal Mariano e docência: a identidade feminina na

Proposta Educativa Marista. Natal: UFRGN, 2006. (Doutorado em Educação)

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. Belo Horizonte:

Autêntico, 2008.

RAGO, Margareth. Trabalho feminino e sexualidade. In: PRIORE, Mary Del (Org.).

História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2001.

RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade

feminina em São Paulo, 1890-1930. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

SALDANHA, Lilian Leda. A instrução pública maranhense na primeira década

republicana. Imperatriz, MA: Ética, 2008. (Dissertação)

Page 47: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

47

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

SALES, Tatiane da Silva. Brechas para a emancipação: usos da instrução e educação

feminina em São Luís na Primeira República. Salvador: UFBA 2010.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. 1989.

TOURINHO, Mary Angélica. As normalistas nas duas primeiras décadas do século

XX em São Luís do Maranhão: entre o discurso da ordem e a subversão das práticas.

São Luís: UFMA, 2008. (Dissertação – Mestrado em Educação)

OLIVEIRA, Antonio Almeida. O Ensino Público. Brasília: Senado Federal, o

Conselho Editorial, 2003.

Discurso pronunciado pelo Dr. Justo Jansen Ferreira na Escola Normal do

Maranhão por ocasião da entrega de diplomas às Professoras Normalistas de 1910. Maranhão: Imprensa Oficial, 1910.

Trabalhos do Congresso Pedagógico. São Luiz-Maranhão: Imprensa Oficial, 1920.

Page 48: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

48

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

OS FUZILEIROS DA FUZARCA: OS BALUARTES DO SAMBA

Maysa Leite Serra dos Santos

Nessa pesquisa, pretendemos apresentar uma análise história sobre o bloco

“Os Fuzileiros da Fuzarca” e suas relações sociais, tendo como referencial teórico os

estudos sobre carnaval, compreendendo como uma reprodução da identidade de um

povo.

O carnaval tem uma dimensão estrutural de caráter consciente e repetitivo,

em que experiências e atos socialmente definidos podem retornar a cada ano, mas

também possui sua própria história, tem contextos sociológicos distintos e diferentes

formas festivas, todas com sua história particular (CAVALCANTI, 1999).

Estudos como Carnavais, Malandros e Heróis, de Roberto DaMatta (1997),

nos apresenta o Carnaval como um período em que há uma suspensão das regras

hierarquizantes do cotidiano, em que são experimentadas novas formas de

relacionamentos que cotidianamente “jazem adormecidas”. Segundo DaMatta (1997), o

Carnaval é um ritual definido pela dialética entre o cotidiano e o extraordinário.

Para o autor, o carnaval propicia um abrandamento das formalidades que

envolve om o relacionamento social cotidiano, denotando assim uma inversão de

valores. De festa da confraternização universal á práticas de segregação espacial, o

carnaval é no mínimo contraditório. Das raízes do entrudo português á escola de samba,

o carnaval perpassa por várias fases. Nas ruas, praças, vielas e clube ele vai construindo,

reconstruindo e destruindo as relações sociais.

A partir das referências historiográficas destacamos que carnaval é um

objeto de estudo para as Ciências Sociais, sobretudo a História, pois se caracteriza como

uma vivência social com possibilidades de reestruturar as relações dos sujeitos

envolvidos nessa prática. Com o objetivo de compreender a diversidade das

manifestações carnavalescas em nosso Estado destacamos autores que trabalham com

essa temática, tais como: Eugênio Araújo (2001), Fábio Silva(2015) e Ananias Martins(

2001).

Page 49: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

49

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Assim, na perspectiva de ampliação desse tema, nessa pesquisa pretendemos

colaborar com a discussão a respeito do carnaval maranhense, realizando um estudo

histórico sobre o bloco Fuzileiros da Fuzarca fomentando a discussão sobre a

valorização do patrimônio sociocultural brasileiro, perpassando pela narrativa e

memória de seus protagonistas. Onde poderemos perceber a memória como elemento

fundamental da narrativa histórica e que age no construto de identidades que

potencializam o pertencimento social e que por intermédio de “outras histórias” valoriza

a sua compreensão como objeto pensado historicamente.

Enaltecendo sua oralidade como instrumento de preservação e transmissão

do conhecimento histórico, onde se afirma que a memória é elemento fundamental da

narrativa histórica e que age no construto de identidades que potencializam o

pertencimento social e que por intermédio de “outras histórias’ valoriza a sua

compreensão como objeto pensado historicamente.

Assim sendo, a memória e a oralidade são atos de reconstrução dos

processos sociais, sendo fundamental para a construção das identidades. Para Delgado

(2006). A memória atualiza otempo passado, tornando-o tempo vivo e pleno de

significados no presente.

Para reforçar a ideia da importância da memória e oralidade, reporta-se a

D’Alessio (2005), que afirma que ambos são esteios das identidades, referenciais que

tornam os homens sujeitos de seu tempo.

Thompson (1992) apresenta inúmeras potencialidades nesta abordagem da

complexidade do conceito e do manuseio da memória através da história oral, tais

como, a guisa de exemplo: a característica de revelar novos campos e temas de

pesquisa; apresentar novas hipóteses; recuperar memórias locais, comunitárias,

regionais, entre outras, sob diferentes óticas; construir novas evidências através do

entrecruzamento de depoimentos; possibilitar a associação entre acontecimentos da vida

pública e da vida privada. A memória é um campo aberto para as mais variadas

abordagens e incursões.

Page 50: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

50

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Na perspectiva de compreender as mudanças ocorridas nesse remanescente

das turmas de samba da década de 1940 considerado o bloco mais antigo em atividade

no carnaval ludovicense, propõe-se enfatizar os instrumentos de análise sobre sua

trajetória, sua preservação e transmissão de suas heranças identitárias e tradições,

privilegiando suas redes de relações sociais, as transformações internas e externas

representadas pelos atores sociais, viabilizando eixos norteadores que viabilize a

multiplicidade das experiências humanas em sociedade.

Último bloco sobrevivente dos grupos tradicionais da década de 1940 em

São Luís, o bloco Fuzileiros da Fuzarca foi fundado em 11 de fevereiro de 1936 por

poetas e compositores apaixonados por samba e carnaval. Composto atualmente por

cerca de 100 componentes, entre ritmistas (tocadores) e pastoras (cantoras), o grupo

formou no samba grandes compositores da música popular maranhense, como Cristóvão

Colombo da Silva (Alô Brasil), Sandoval Silva, Mané Caju, Pedro Pantaleão,

Astrogildo Silva, Carlos Moreira, José João, entre outros bambas e menestréis.

Adotaremos como tema central dessa pesquisa a tentativa de compreender

as mudanças pelas quais o bloco “Os Fuzileiros da Fuzarca” sofreu ao longo desses

oitenta anos no carnaval ludovicense. Analisamos as estratégias do bloco para

neutralizar a passagem do tempo e perceber a partir de uma visão de dentro, como os

bambas fuzarqueiros preservam e transmitem as suas singularidades através da memória

e narrativas.

Procurando entender como, apesar das transformações, não apenas em sua

composição, mas da própria sociedade que está em sua volta, sobrevivem e transmitem

suas histórias, símbolos e identidades peculiares. Na perspectiva de compreender a

metamorfose ocorrida em nosso objeto de estudo, elenca-se as seguintes indagações:

Considerado o bloco mais antigo em atividade no carnaval ludovicense,

como seus partícipes preservam e transmitem suas heranças identitárias e tradições?

É possível a reconstituição da identidade cultural do bloco através da

oralidade e memória de seus protagonistas?

Page 51: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

51

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Podemos perceber credibilidade/confiabilidade na oralidade e na memória

como instrumento de preservação e transmissão do conhecimento histórico?

Que relações sociais contribuíram para o bloco permanecer no carnaval

citadino? Como se formou a base social do bloco Fuzileiros da Fuzarca? Que elementos

simbólicos visuais e musicais sofreram interferências na linguagem carnavalesca do

bloco? Que papel o bloco desempenhou para a consolidação do ritual das turmas de

samba em São Luís? Que influências o bloco sofreu em vistas das transformações

operadas na sociedade inclusiva, a nível político, econômico e urbano quando se mudou

para o bairro da Madre de Deus, bairro este que é tradicionalmente conhecido por

agregar inúmeras manifestações carnavalescas e juninas?

Para delinearmos melhor essa pesquisa, utilizamos uma metodologia

assentada na tradição histórica, do trabalho de campo; da recuperação oral e na

peculiaridade da narrativa. Será um estudo prospectivo, descritivo de corte transversal e

de caráter quantitativo e qualitativo, pois conforme Minayo e Sanches (1993), a

investigação quantitativa atua em níveis de realidade e tem como objetivo trazer à luz

dados, indicadores e tendências observáveis e a investigação qualitativa, ao contrário,

trabalha com valores, crenças, representações, hábitos, atitudes e opiniões.

Utilizamos como alicerce para nossa investigação entrevistas com os

membros do bloco Fuzileiros da Fuzarca, sendo estas identificadas como um roteiro de

entrevista com perguntas fechadas, que será aplicado em uma amostra representativa

constituída pelos próprios atores sociais.

Através dessas entrevistas, entenderemos como se operam as mudanças, a

partir de uma visão de dentro, usando os discursos dos próprios integrantes,

possibilitando assim a abordagem da memória como fenômeno social, como instância

produtora de sentido e de representações, como espaço privilegiado onde o individual e

o coletivo, o passado e o presente se articulam, adquirindo significado único.

Ao falar do bloco, os entrevistados falaram deles mesmos. Sobretudo

porque quase todos compartilhavam experiências do bairro onde hoje é a sede da

brincadeira, a Madre de Deus. Na oralidade, os entrevistados construíram e

Page 52: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

52

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

reconstruíram suas memórias sobre a brincadeira, que neste ano de 2016 comemorou 80

anos de folia momesca.

Michel de Certeau (2008) destacou a arte da conversa como uma prática

transformadora ‘de situações de palavra’ de situações verbais onde o entrelaçamento das

posições locutoras instaura uma costura oral sem possuintes individuais, as criações de

uma transmissão que não pertence a ninguém. Para o autor, a conversa é um efeito

provisório e coletivo de competências na arte de manipular ‘lugares comuns’ e jogar

com o inevitável dos acontecimentos para torná-los habitáveis.

As entrevistas ressaltaram a relevância da história oral e memória como

fontes de pesquisa. Perceber como se operam as mudanças, a partir de uma visão de

dentro, usando os discursos dos próprios integrantes possibilitou a abordagem da

memória como fenômeno social, como instância produtora de sentido e de

representações, como espaço privilegiado onde o individual e o coletivo, o passado e o

presente se articulam, adquirindo significado único.

Assim, a história oral, foi uma das temáticas utilizadas comoum meio de

busca e esclarecimentos de situações conflitantes, polêmicas, contraditórias, buscando

entender como, apesar das transformações no bloco não apenas em sua composição,

mas dá própria sociedade que está em sua volta, podem estas comunidades transmitir

suas histórias, símbolos e identidades peculiares.

Dessa forma, a oralidade desses bambas, contada a partir das suas

memórias, à medida que forem transcritas por mim, ganharam sua materialização,

tornando-se um documento escrito. Uma das principais motivações e preocupações

desse estudo é a reconstrução da memória de um segmento carnavalesco que se

caracteriza pela escassez de registros e documentação escrita, organizada e

sistematizada.

Foi realizado também um amplo estudo com base na literatura específica,

que contribuiu para obter informações sobre a situação atual deste objeto de estudo e

também conhecer publicações existentes e as opiniões similares e diferentes sobre o

respectivo assunto.

Page 53: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

53

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Assim, o objeto de estudo desta pesquisa ficou delineado: descrever

recursos e mecanismos acionados para preservar e para transmitir às atuais gerações de

fuzarqueiros e os conteúdos do passado dessa agremiação. Ou seja, o que se pretendeu

analisar com a pesquisa foram as estratégias empregadas no Bloco “Os Fuzileiros da

Fuzarca” para neutralizar a passagem do tempo e, em certa medida, transportar o

passado do bloco para o presente possibilitando a construção e preservação através da

memória e oralidade dos protagonistas da brincadeira no contexto cultural maranhense.

Essas estratégias permitiram a possibilidade de entender as representações

veiculadas no bloco “Os Fuzileiros da Fuzarca, como detentoras de uma identidade

cultural maranhense.

Pressupondo assim, que a preservação dessa cultura maranhense, com a

manutenção de suas tradições por meio da cultura oral e da memória de seus partícipes,

auxiliará na constituição da identidade do Maranhão como lugar, um reduto de poetas

populares, cantadores de sua própria história.

Pesquisar a fuzarca de 80 anos do grupo a partir das memórias e narrativas

de seus próprios integrantes será suporte para o entendimento das identidades coletivas

e do reconhecimento do homem como ser no mundo. E segundo Delgado ( 2006), nessa

dinâmica, memórias individuais e memórias coletivas encontram-se, fundem-se e

constituem-se como possíveis fontes para a produção do conhecimento histórico.

Com a realização desse estudo espera-se a demonstração e análise de que a

narrativa histórica e a memória são elementos de extrema importância para tentar

compreender as transformações que caracterizaram a festa carnavalesca maranhense,

tendo como objeto de estudo o bloco “Os Fuzileiros da Fuzarca”.

Diante desta conjuntura, com a realização desse estudo espera-se contribuir

para a sistematização de dados sobre a folia momesca maranhense, fomentando a

discussão sobre a credibilidade e confiabilidade da oralidade e memória como

instrumentos de preservação e transmissão do conhecimento histórico, subsidiando

assim, estudos, discussões e ações que enfatizem o fortalecimento da cultura

maranhense.

Page 54: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

54

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Partindo-se dessas abordagens e leituras, este trabalho apresenta uma

discussão sobre a potencialidade do uso da metodologia da história oral na constituição

de fontes para a pesquisa, abordando aspectos e elementos relativo à este tipo de fontes

e a sua relação intrínseca com a memória.

REFERÊNCIAL TEÓRICO

ARAÚJO, Eugênio. Não deixe o samba morrer: um estudo histórico e

etnográfico sobre o carnaval de São Luís e a Escola de Samba Favela do Samba.

São Luís: UFMA/PREXAE/DAC, 2001.

CAVALCANTI, Maria Laura Viveiro de Castro. Carnaval carioca. Rio de

Janeiro:Editora UFRJ, 1994.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano – artes de fazer. Petrópolis,

2001, p.13.

D’ALÉSSIO, Márcia Mansor. Intervenções da Memória na

Historiografia:identidade,subjetividades, fragmentos, poderes. Projeto História(17).

São Paulo: EDUC,1998 Saúde Públ., Rio de Janeiro, 9 (3): 239-262, jul/sep, 1993.

DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. História oral: memória, tempo,

identidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

MARTINS, Ananias. Carnaval de São Luís: diversidade e tradição. São Luís:

SNALUIZ, 2000.

MATTA, Roberto da. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do

dilema brasileiro. 4. Ed. Rio de Janeiro: [s.n], 1983.

MINAYO, M. C. S. & SANCHES, O. Quantitative and Qualitative Methods:

Opposition or Complementarity? Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 1993.

THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1992.

Page 55: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

EDUCAÇÃO PARA UMA FORMAÇÃO CIDADÃ: UMA ANÁLISE DO

DISCURSO POLÍTICO-PEDAGÓGICO NA PAIDÉIA CLÁSSICA ATENIENSE

E NO PROJETO EDUCACIONAL BRASILEIRO

Marla Rafaela Lima de Assunção

1. JUSTIFICATIVA

Essa pesquisa tem por objetivo refletir as contribuições da Educação na

constituição de uma cidadania, tendo em vista que a legislação brasileira aponta a

‘formação cidadã’ como uma das premissas da educação contemporânea. Para tal

iremos buscar subsídios no ideal grego de Educação, o primeiro a relacionar a formação

de cidadãos, e no ideal de uma identidade ateniense segundo os princípios da Paidéia1.

A pesquisa prioriza o contexto da Atenas Clássica do V e IV séculos a.C., avaliando o

contexto cultural da sociedade grega e a influência da Paidéia no período clássico.

Após a Guerra do Peloponeso (431-404), houve um processo de

desestruturação da pólis clássica, que mergulhou o mundo helênico em uma profunda

crise social, econômica e política. Tal crise comprometeu a própria identidade do

sistema políade e, mais especificamente, da ‘identidade grega’.

É nessa conjuntura que nasce a preocupação de filósofos e comediógrafos

em exaltar ideais passados que retratem o legado de uma Atenas repleta de tradição. Tal

resgate se dá por meio dos mitos fundadores, pela diferenciação grega frente aos outros

povos (forte estigmatização do outro – bárbaro) e pela valorização dos ideais clássicos

da Paidéia2.

Sobre o processo educacional propriamente dito, há uma grande

preocupação quanto à formação de homens e cidadãos (harmonia entre corpo e mente).

1 O vocábulo Paidéia é encontrado primeiramente nos escritos de Ésquilo, estando relacionado à ideia de

“criação de crianças”. Em Aristófanes e Tucídides, a ênfase se desloca para os aspectos práticos da

instrução e da especialização. 2 O modelo de identidade e cidadania ateniense estava em conformidade com o modelo de Paidéia

delineado por filósofos como Aristóteles e Platão. Porém, apesar dos tratados serem datados do final do

Período Clássico, a sua concretização se dá apenas no Período Helenístico. (MARROU, 1966, p. 153).

Page 56: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

56

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Somente o alcance da areté (excelência), garantiria indivíduos honrados e

virtuosos perante a comunidade. Neste sentido, a educação exercia um papel

proeminente no exercício da cidadania.

Além disso, a educação visaria à formação de indivíduos preocupados com

o bem-comum, atrelados a continuidade e fortalecimento do sistema políade. Por essa

razão, o cidadão não pertencia a si mesmo, mas a algo bem maior, no caso, a pólis

(ARISTOTELES, VII, I).

De fato, os gregos foram os primeiros a compreender a educação enquanto

um processo de construção consciente e político, centrado na formação de cidadãos para

o pleno exercício de seus direitos históricos e culturalmente conquistados. Ou seja, a

Paidéia grega formava o homem para a vida ética na pólis.

No geral, reconhecem-se dois períodos da História da Educação Grega: o

período antigo, baseado na Paidéia Homérica e na antiga Paidéia de Esparta e Atenas; e

o novo período, centrado na Paidéia do ‘século de Péricles’ (marcada pelo modelo

sofista e o modelo filosófico).

Apesar das mudanças no modelo educativo grego, os conceitos de formação

e nobreza foram nitidamente conservados. Podemos inferir que o avanço desse ciclo

educacional demonstra uma preocupação constante com a formação do indivíduo e a

permanência de valores aristocráticos. Afinal, é perceptível como o acesso ao ensino era

bastante limitado e privilegiado, tendo-se em vista a necessidade de recursos financeiros

para arcá-la. Como a cidadania, a Paidéia era um privilégio de poucos e se haviam

restrições3 a quem teria acesso a ela, haviam também a quem poderia manter-se nela.

É importante destacar que, ainda hoje, o projeto educacional é pensado e

condicionado ao projeto político de ‘formação cidadã’. A legislação brasileira, por

exemplo, aponta a ‘formação cidadã’ como uma das premissas da educação

3 O processo educacional não se estendia aos escravos, metecos ou mulheres, pelo menos não a instrução

cidadã.

Page 57: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

57

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

contemporânea. A Constituição4 reconhece que a justiça nasce do conhecimento, sendo

prioritário um projeto pedagógico que proponha a formação cidadã e o conhecimento

dos direitos os quais o indivíduo é titular e precisa saber como exercer5. Assim, será

possível manter a harmonia e o equilíbrio do Estado.

Podemos perceber como os conceitos de cidadania e educação ainda são

indissociáveis. Essa indissociabilidade ocorre, conforme defenderemos ao longo da

pesquisa, porque a cidadania só pode ser alcançada a partir de uma educação de

qualidade. Ou seja, a educação apresenta-se como um fator diferenciador, o que explica

a razão da cidadania ter sido ao longo dos tempos um privilégio de poucos.

2. PROBLEMATIZAÇÃO

Tendo em vista uma possível implantação da Base Nacional Comum

Curricular (BNCC), que preconiza a limitação conteudística da História Antiga, é

importante reaver as influências e apropriações da Antiguidade na atualidade,

reforçando a sua relevância para a grade curricular do Ensino Básico. Além disso, a

revisão dos conceitos e discursos produzidos acerca das culturas antigas, nos permite a

prática de uma História sempre repensada, crítica e atualizada.

Para Lucien Febvre o historiador deve estar aberto ao diálogo com as

demais ciências, estar atento para a relevância da interdisciplinaridade. Por isso,

trilharemos o caminho da história antropológica e sociológica. Adotaremos, para tal, os

conceitos propostos pelos antropólogos Marc Augé (cultura, identidade), J. G.

Peristiany e J. Pitt-Rivers (Sociedade de Honra, Vergonha e cultura) e pelos sociólogos

4 Na Constituição Federal de 1988, o Art. 205 apresenta a educação como formação cidadã: “A educação,

direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da

sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e

sua qualificação para o trabalho”. (Grifo nosso). (BRASIL, 1988, Art. 205). 5 Em consonância com a Constituição da República de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional de 1996, dispõe que: “Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando,

assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios

para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. (Grifo nosso). (BRASIL, Lei 9.394, 1996, Art. 22).

Page 58: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

58

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Kathryn Woodward (identidade, poder) e Tomaz Tadeu Silva (identidade,

representação, diferença).

As relações sociais de identidade/alteridade pressupõem códigos de valores

morais que vão nortear o comportamento social. Por consequência, provocam uma

institucionalização de práticas sociais e a produção de um sistema axiológico, no caso

da sociedade ateniense do Vº e IVº a.C., baseado em relações de honra e vergonha; de

fora e dentro; de identidade e alteridade e de cultura e selvageria.

O primeiro conceito pensado é o de cultura, aqui entendido como

construção. Em relação a esse conceito, optamos por associá-lo à concepção de

Peristiany e Pitt-Rivers onde a cultura apresentaria uma relação dialética com a

sociedade. Nessa relação, a cultura é construída e, constantemente, recriada

(PERISTIANY & RIVERS, 1965).

Essas proposições facilitam a compreensão das diversas alterações sociais e

político-econômicas sofridas por Atenas, bem como a atuação dos seus grupos sociais.

Para isso, é preciso termos em mente: 1º as práticas sociais e os laços de inclusão e

exclusão que atuam sobre a conduta das pessoas; 2º as pessoas utilizam-se dessas

práticas para resolver diversos problemas que enfrentam no cotidiano; 3º os grupos ou

as pessoas, através de relações informais, podem alterar noções sociais e organizações

formais; 4º o pertencimento a determinado grupo social perpassa uma construção social

e cultural6, com variantes no tempo e no espaço e interligadas ao contexto estrutural

7 e

histórico; 5º esses fatores nos permitem estabelecer a configuração do espaço social8 e o

conceito de identidade adotado.

A partir daí, passamos a nos remeter ao conceito de identidade. Woodward

assimila identidade como construção, algo mutável e constantemente repensado em

6 Aqui compreendido enquanto conjunto de crenças, valores e símbolos compartilhados por grupos

sociais numa determinada sociedade. 7 O contexto estrutural permite a formação de vínculos, onde se localizam identidades e alteridades

sociais diversificadas. Quatro fatores estruturais são essenciais: parentesco, gênero, estratificação social e

classes de idade. 8 Pensado enquanto área onde o indivíduo goza de um grau relativo de autonomia.

Page 59: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

59

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

momentos de crise econômica, política ou social (WOODWARD, 2000). O período

analisado é um exemplo disso. Durante o IV século, Atenas enfrentou uma profunda

crise política, econômica, social e cultural após a Guerra do Peloponeso.

Consequentemente, a crise colocou em perigo o sistema políade e seus

ideais de autonomia e autossuficiência.

É diante dessa fragmentação do “presente” que ocorre o resgate de um

“passado” real e autêntico, que garanta uma segurança identitária para as relações

sociais. No caso de Atenas, dois momentos se destacam: a batalha de Maratona e o

combate naval de Salamina9. Dessa forma, criam-se “mitos fundadores” para reafirmar

sua identidade:

Fundamentalmente, um mito fundador remete a um momento crucial do

passado em que algum gesto, algum acontecimento, em geral heroico, épico,

monumental, em geral iniciado ou executado por alguma figura

‘providencial’, inaugurou as bases de uma suposta identidade nacional [...].

(SILVA, 2000, p. 85).

O resgate de momentos específicos acaba por reconstruir esse passado, visto

que os elementos recuperados estão sendo relacionados a uma identidade no presente.

Isso demonstra que as identidades são construídas, sendo tanto simbólicas quanto

sociais, visando um sentimento de diferenciação frente aos outros povos – no caso

grego, através do aspecto cultural (língua, tradição e cultos comuns).

Essa relação identidade/diferença acaba implicando uma relação de poder,

pois, o ato de diferenciação é exercido de modo unilateral, produzindo novas

representações. Logo, essas representações estabelecem identidades individuais e

coletivas, dentro de um processo cultural.

Segundo Silva, esse processo de diferenciação é marcado por diversos

procedimentos que trazem a presença do poder, tais como: incluir/excluir, demarcar

9 Esses dois momentos são destacados por Isócrates no discurso A Filipe: “(...) o que mais celebra nossa

cidade (é) a batalha de Maratona, e o combate naval de Salamina, e mais que tudo o abandono dela

(Atenas) na hora certa por seus cidadãos para o bem comum de todos os gregos (...)”. (ISÓCRATES,

1944).

Page 60: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

60

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

fronteiras (nós – gregos, eles – bárbaros); qualificar os sujeitos (gregos são melhores,

bárbaros são piores) e normalizar os comportamentos (quando uma identidade é

concebida como supostamente normal e as outras identidades são avaliadas a partir

dela). (SILVA, 2000, p. 73-102). Todos esses sistemas classificatórios contribuem para

estabelecer diferenças, a estigmatização do outro (o bárbaro) e uma ordem social.

No caso da identidade ateniense, podemos observar que esta englobava uma

‘identidade grega’ (puramente do ponto de vista cultural) e uma identidade particular

(baseada em um modelo singular de política e cidadania). Por meio dessa distinção,

podemos enfatizar o pensamento e cultura vigentes na época e compreender a

organização da sociedade e de seus anseios.

O debate em torno do conceito de cidadania é importante tendo em vista

que, segundo Martins, “atualmente, o termo cidadania é amplamente difundido,

contudo, seu conceito acaba por ser distorcido, sendo confundido com eleitor, sujeito,

indivíduo ou consumidor” (MARTINS, 2010, p. 11). Como então pensar numa

educação voltada para a constituição da cidadania, sem ter claro a definição de tal

conceito?

No caso ateniense, é preciso analisar o modelo exclusivista da lei de 451

a.C. 10

, promulgada por Péricles, que reforça o afastamento social de mulheres, metecos

(estrangeiros) e escravos. Ao mesmo tempo, é preciso discutir a ampliação da cidadania

ateniense durante todo o século V e as deturpações da lei de 451 em favor de alianças

e/ou interesses políticos. Desse modo, podemos definir quem era o cidadão ático, alvo

de um processo educacional elaborado para o benefício da pólis.

Apesar de alguns historiadores ainda defenderem que a cidadania ateniense

era reservada aos grandes proprietários de terra (elite fundiária), acreditamos que o

principal requisito era a masculinidade. Ou seja, o fato de ter nascido homem e em

10 Segundo essa lei, a cidadania era reservada ao filho de pai e mãe atenienses, livre, maior de 18 anos e

que tenha completado a efebia (serviço militar). Este cidadão, polités, podia adquirir propriedades, tinha

voz e voto na Eclésia (Assembleia Popular) e participação nos tribunais e conselhos.

Page 61: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

61

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Atenas, independente de riqueza ou ocupação, é o que de fato vai inserir um indivíduo

nesse quadro político. A não igualdade dos recursos econômicos explica a concentração

do poder por uma elite intelectual e política (detentora de bens fundiários e adepta do

escravismo), mas não impede a participação e a conquista dos direitos de cidadania por

um homem pobre11

.

No discurso fúnebre em honra dos atenienses mortos no primeiro ano da

guerra do Peloponeso (431 - 404 a.C.), o mesmo Péricles define um ideal ateniense de

democracia, fundado sobre a liberdade, igualdade e respeito dos valores:

Nós utilizamos de um sistema de governo que não copia as leis de outros

vizinhos, antes sendo um modelo para eles do que imitação deles. Nossa

constituição é chamada de Democracia porque a maioria governa e não a

minoria. E todos são iguais diante da lei, em disputas pessoais, contando mais

a habilidade com a virtude do que pertencer a posições sociais. E ninguém,

desde que servindo à cidade, terá obscuridade política devido a sua pobreza.

Governamos de maneira livre e assim é a nossa relação uns com os outros no

dia a dia. Não interferimos na vida pessoal do próximo... nem o desprezamos... mas na vida pública respeitamos o governo e as Leis...

(TUCIDIDES, 1961).

Em outras palavras, para os atenienses do Período Clássico, a cidadania não

apresentava um caráter universal e não era inata ao ser humano. Na realidade, possuía

uma qualidade social por ser fruto de uma construção coletiva (ninguém nasce cidadão,

torna-se cidadão).

A partir daí, centramos a discussão no modelo educacional grego (Paidéia)

e na formação do homem individual como kalos kai agathos (belo e bom) e como

cidadão. Segundo Claude Mossé, esse modelo incluía todas as atividades educacionais e

culturais que se desenvolveram a partir da segunda metade do século V: práticas

intelectuais (escrita e leitura), práticas físicas (esportes, caça), militares (efebia) e os

11 A despeito da distância entre discurso e prática, vale lembrar que o mesmo Péricles se aproximou do

político Efialtes, que defendia a cidadania para os pobres. Além disso, a adoção da mistoforia

(remuneração das funções públicas) tinha como objetivo aumentar a participação popular na vida política.

E, de fato, após 459 a.C., verifica-se a participação de cidadãos de condições modestas (zeugitas) nas

altas magistraturas. (CARDOSO, 1990, p. 47).

Page 62: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

62

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

valores éticos necessários para a convivência na pólis (MOSSE, 2004 pp.107-108). Ou

seja, a Paidéia definia os pré-requisitos para a vida políade.

Assim como no caso da cidadania, a Paidéia era pensada para uma camada

bem restrita, os polités (cidadão). Dentro deste grupo, os cidadãos chamados “bem-

nascidos” (grupo abastado da sociedade ática) acabam tendo maior atuação e influência

política por serem os portadores da skholé (ócio necessário e produtivo) e por poderem

custear essa educação. Afinal, possuíam terras suficientes que lhes permitiam bons

rendimentos, além de escravos e administradores de negócio, obtendo tempo livre para

dedicarem-se ao aprendizado e ao exercício político.

Dessa forma, podemos observar como a Paidéia reforçava um modelo de

cidadania excludente, frente aos não-cidadãos e entre os próprios cidadãos. Tal fato

demonstra como educação e cidadania são elementos de diferenciação e

indissociáveis12

.

Atualmente, a questão da acessibilidade e qualidade da educação escolar

ainda é questionada e repensada pelas políticas públicas brasileiras. Afinal, o tipo de

educação que se objetiva oferecer, precisa estar em conformidade com o projeto de

cidadania vigente. Somente dessa forma, será possível garantir a formação de sujeitos

críticos e autônomos.

A Constituição de 1988 assegura o direito à educação gratuita como um dos

princípios norteadores da cidadania plena13

. Para garantir a valorização do ensino, da

reforma curricular e das práticas pedagógicas, a Constituição ainda estabelece o Plano

Nacional da Educação (PNE), a Lei de Diretrizes e Bases (Lei Nº 9.394/96) e os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).

12 Para Cunha & Pacheco, o sentido grego de educação é aquele “que não dispensa a informação, mas

que não a transforma em objetivo das práticas escolares. A informação é a matéria prima com a qual

nós, educadores trabalhamos. Educação de qualidade para os gregos, garantia de cidadania e, portanto,

de realização do humano, é aquela em que o filósofo/educador, por interessar-se pelo humano e prezar o

conhecimento, é destinado socialmente, por sua livre vontade e por decisão coletiva, a realizar-se no

espaço de construção de cidadania que é o da educação”. (CUNHA & PACHECO, 2009, p. 561). 13 “O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”, sendo “o não-oferecimento do

ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, (...) responsabilidade da autoridade

competente”. (BRASIL, 1988, Art. 208, § 1-2).

Page 63: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

63

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Por isso, a educação deve ser caracterizada como um processo contínuo

onde pessoas constroem conhecimentos em interação e inter-relação. Para Brandão,

“ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja, ou na escola, de um modo

ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para

ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver”

(BRANDÃO, 2007, p. 7).

Enfim, apesar de a sociedade atual estar mais vinculada ao mundo do

trabalho e a concepção de homem produtivo (necessidade de acelerar a formação de

mão-de-obra), é importante retomar os ideais da Paidéia grega e restaurar o verdadeiro

sentido e finalidade da formação humana – a periagogé (conversão da alma).

3. OBJETIVOS

GERAL

Refletir a importância da Educação para uma formação cidadã,

tendo como referência o modelo de educação (Paidéia) legado pela Atenas

Clássica do V e IV séculos a.C.;

ESPECÍFICOS

Apontar as especificidades dos modelos educacionais

desenvolvidos na Grécia Antiga, em particular a Paidéia Clássica ateniense;

Examinar o modelo de identidade e cidadania ateniense,

rediscutindo o sistema políade, a lei de 451 a.C. e a ampliação da cidadania no

século V;

Page 64: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

64

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Estabelecer um quadro comparativo dos projetos educacionais

grego e brasileiro, destacando sua influência em cada modelo político

respectivo;

4. METODOLOGIA

No que diz respeito ao percurso metodológico da pesquisa, em seu

primeiro momento, se fundamentará na leitura de uma bibliografia básica no que se

refere à noção de conceitos que norteiam o comportamento e, consequentemente, a

institucionalização de práticas sociais. Para tal, adotaremos os conceitos abordados por

Marc Augé (identidade e cultura), J. G. Peristiany e J. Pitt-Rivers (Sociedade de Honra,

Vergonha e cultura), Kathryn Woodward (identidade, poder) e Tomaz Tadeu Silva

(identidade, representação e diferença).

No segundo momento da pesquisa, buscar-se-á analisar o modelo

educativo grego (Paidéia) e sua influência no modelo de identidade e cidadania

ateniense. Inicialmente, apontamos o estudo de Werner Jaeger (1986) sobre o conceito

de formação moral, física, poética e teológica do homem da Antiguidade.

A grande contribuição de Jaeger está na análise descritiva e crítica dos dois

períodos em que se divide a História da Educação Grega: o período antigo, que

compreende a Paidéia Homérica e a antiga Paidéia de Esparta e Atenas; e o novo

período, o da Paidéia do ‘século de Péricles’, que se inicia com os sofistas e se

desenvolve com os filósofos/educadores gregos (como Sócrates, Platão e Aristóteles).

Continuando, a leitura de Franco Cambi (1999) nos permite visualizar a

História da Pedagogia Ocidental, reconstituindo as distintas e singulares maneiras pelas

quais as diferentes sociedades refletem, propõem e atuam na educação. No caso

específico da Grécia, o pedagogo destaca o começo da instituição escola em seus

aspectos administrativos e culturais. Sendo ora estatal, ora particular, essa escola acolhe

os filhos das classes dirigentes e médias, oferecendo uma cultura retórico-literária,

persuasiva e eficaz para manter em vigor as regras estabelecidas.

Page 65: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

65

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Franco Cambi ocupa-se em realizar conexões entre a pedagogia/educação

e as principais estruturas sociais, como a família, a organização do Estado, os mitos

educativos, e os ritos de passagem da infância para a adolescência. Assim, o ato de

educar não é visto apenas como formação ou informação, mas no sentido amplo de

construir cidadãos com visões de mundo compatíveis com determinado entorno social.

Por último, temos a tese de mestrado do professor Evandson Paiva

Ferreira (2003) que destaca o ideal de educação grega centrado na formação do homem

cidadão. Tendo como ponto de partida a análise dos conceitos cultura/filosofia/paidéia,

a pesquisa exalta a tradição socrático-platônica na defesa de um saber racional e

humanizado.

A terceira fase da pesquisa centrar-se-á na análise de algumas obras

clássicas de Homero (Ilíada e Odisséia), Aristóteles (Política), Platão (As Leis e a

República) e Aristófanes (Os Acarnenses e As Nuvens); além da apropriação de alguns

exemplos da cerâmica ática. Essas fontes primárias são fundamentais para compreender

de forma mais nítida os valores e a estrutura da sociedade ateniense em sua essência.

Na quarta e última fase, analisaremos os apontamentos relativos à

educação na legislação brasileira: Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, o Plano Nacional de Educação (PNE), os Parâmetros Curriculares Nacionais

(PCNs dos Ensinos Fundamental e Médio) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (Lei Nº 9.394/96). Dessa forma, podemos contrapor o projeto pedagógico

brasileiro e a Paidéia grega.

Para a análise da documentação textual optamos pelo método da Análise

de Discurso de acordo com o modelo de Dominique Maingueneau. Por

compreendermos a linguagem como um meio de comunicação e interação social,

carregada de sentido e apropriação ideológica/social, é fundamental considerarmos os

processos e as condições de sua produção.

Em relação à documentação arqueológica, destacamos os trabalhos de

Claude Bérard (1983) e Claude Calame (1986) que apresentam a imagem enquanto

sistema de signos criadores de significados, estabelecendo um código de leitura. Ambas

Page 66: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

66

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

as abordagens favorecem na percepção e construção do modelo educacional ateniense,

apreendendo seus valores e sua inserção social.

REFERÊNCIAS

FONTES PRIMÁRIAS

ARISTÓFANES. As Nuvens. Trad. Gilda Maria Reale Strazynski. São Paulo: Editora

Nova Cultural, 1996.

ARISTOPHANE. Oeuvres – Tome I: Les Acharniens. Trad. Hilaire Van Daele. Paris:

Les Belles Lettres, 1960.

ARISTÓTELES. Politique. Trad. J. Aubonnet. Paris: Les Belles Lettres, 1971.

HOMERO. Odisséia. Tradução de Silveira Bueno. São Paulo: Atena Editora 1957.

________. Ilíada. Tradução de Manuel Odorico Mendes. São Paulo: Ateliê Editorial,

UNICAMP, 2008.

ÉSQUILO. Tragédias. São Paulo: Iluminuras/FAPESP, 2009.

ISÓCRATES. Discursos histórico-políticos. Trad. por Antonio Ranz Romanillos.

Buenos Aires: Espasa-Calpe, 1944.

PLATÃO. Diálogos, Leis e Epínomis. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém:

Universidade Federal do Pará, 1980.

_______. Diálogos: O Banquete – Fédon – Sofista – Político. São Paulo: Abril

Cultural, 1979.

_______. The Laws. Translation of R. G. Bury. London: William Heinemann, 1984.

_______. Górgias. Lisboa: Edições 70, 2000.

_______. A República. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2001.

TUCIDIDES. The Peloponnesian War. Trad. Rex Warner. Penguin Books: sl, 1961.

LEGISLAÇÃO

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil.

Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

_______. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da

Educação Nacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 23 dez. 1996.

_______. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Fundamental. Brasília:

MEC/SEF, 1997.

_______. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC/SEF,

2000.

_______. Lei 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação

- PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 26 jun. 2014.

Page 67: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

67

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

DICIONÁRIOS

MOSSÉ, Claude. Dicionário da Civilização Grega. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

BIBLIOGRAFIA

AZEVEDO, Janete M. Lins de. A Educação como Política Pública. Campinas:

Autores Associados, 2004.

AUGÉ, M. (org.). A Construção do Mundo: Religião, Representações, Ideologia.

Lisboa: Edições 70, 1974.

_____. A Guerra dos Sonhos. São Paulo: Papirus, 1998.

_____. O Sentido dos Outros. Petrópolis: Ed. Vozes, 1999.

BÉRARD, Claude. Iconographie, Iconologie, Iconologuique. In: Revue Études de

Lettres. Paris, Fasc. 4, 1983.BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São

Paulo: Brasiliense, 2007.

CALAME, Claude. Récit en Grèce ancienne: Enonciation et representations des

poètes. Paris: Meridiens Klincksieck, 1986.

CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: UNESP, 1999.

CANFORA, L. O Cidadão. In: VERNANT, Jean-Pierre. (Org.) O Homem grego. Trad.

Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Lisboa: Editorial Presença, 1994, pp. 108-109.

CARDOSO, C. F. A cidade-estado Antiga. São Paulo: Ática, 1990.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2008.

FERREIRA, Evandson Paiva. Paidéia e Formação Humana: Uma interrogação

sobre o sentido da Educação. Goiânia: Universidade Federal de Goiás – programa de

Pós-Graduação em Educação, 2003.

FERREIRA, N.T. Cidadania: uma questão para a educação. Rio de Janeiro, Nova

Fronteira, 1993.

FINLEY, M.I. (org.). O legado da Grécia: uma nova avaliação. Brasília: Editora

UnB, 1998.

JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. Tradução de Artur M.

Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 1986.

MAINGUENEAU, Dominique. Gênese dos discursos. São Paulo: Parábola Editorial,

2008.

MARROU, Henri-Irénée. História da Educação na Antiguidade. São Paulo: EPU,

1966.

MARTINS, Everton. Cidadania: o papel da disciplina de História na construção de

cidadãos plenos a partir de um olhar histórico reflexivo. Dissertação de Mestrado

em Educação. Santa Maria: UFSM, 2010.

MORRIS, Ian. An archaeology of equalities?: The greek city-states. In.: NICHOLS,

Deborah L. CHARLTON, Thomas H. (orgs.). The archaeology of city-states: cross-

cultural approaches. Washington and London: Smithsonian Institution Press, 1997.

MOSSÉ, Claude. O Cidadão na Grécia Antiga. Lisboa: Setenta, 1993.

PERISTIANY, J.G. (org.). Honour and Shame. The Values of Mediterranean

Society. London: Weidenfeld and Nicholson, 1965.

Page 68: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

68

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Revista Diálogo Educacional. Curitiba, v. 9, n. 28, set./dez. 2009.

Revue Études de Lettres. Paris, Fasc. 4, 1983.

RITTER, Joachim. GRÜNDER, Karlfried. Historisches Wörterbuch der Philosophie:

unter Mitwirkung von mehr als 1200 Fachgelehrten. Basel: Schwabe & Co. AG,

s.d., col.35-40 (vol.7-P-Q).

SILVA, Tomaz Tadeu da. (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos

culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.

VERNANT, Jean-Pierre (org.). O Homem Grego. Lisboa: Presença, 1994.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual.

In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos

culturais. Petrópolis: Vozes, 2000, pp. 07-72.

Page 69: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

69

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

NOTAS SOBRE HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO DO

CAMPO14

Iara Souza Silva*

1. INTRODUÇÃO

Partindo da perspectiva de que existe uma relação irremediável entre Ensino

de História e Teorias da História, isto é, trata-se de, tanto na pesquisa quanto no ensino,

construir consciência histórica, considerando que “a práxis é o fator determinante da

ciência” (RÜSEN, 2007, p. 85), este artigo preocupa-se em refletir como a História e o

Ensino de História podem ser pensados como possibilidade para a construção de uma

Educação do Campo, tomada a partir dos debates da consciência histórica.

Pensar acerca do ensino e escrita da história na contemporaneidade é refletir

de que maneira as relações entre o que vem sendo produzido e o que “possivelmente” é

ensinado nas escolas públicas brasileiras, sobretudo nas Escola do campo, norteiam

professores(as) e alunos(as) para uma tomada de consciência histórica. Como bem

lembra Leandro Karnal (2005) o verdadeiro potencial transformador da História é a

oportunidade que ele oferece de praticar a “inclusão histórica” (KARNAL, 2005, p. 28).

Michel de Certeau (1982), em A Escrita da História, afirma que todo

conhecimento é centralizado, e a história não foge à regra neste caso. Para Certeau, a

história é uma “fabrica” que se norteia a partir de determinadas finalidades, sejam de

cunho culturais, sociais e, sobretudo, política. Certeau afirma que “toda pesquisa

historiográfica se articula com um lugar de produção socioeconômico, político e

cultural”. Além disso, “ela está, pois, submetida a imposições, ligada a privilégios,

enraizada em particularidades” (CERTEAU, 1982, p. 65).

14

Este trabalho consiste num recorte de pesquisa desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação

em História, Ensino e Narrativa (PPGHEN), da Universidade Estadual do Maranhão - UEMA, sob

orientação da professora Dra. Viviane de Oliveira Barbosa. * Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História, Ensino e Narrativa (PPGHEN), pela

Universidade Estadual do Maranhão. Membro do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão sobre África e

o Sul Global (NEÁFRICA- UEMA/UFMA).

Page 70: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

70

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Ora, Michel de Certeau afirma que todo historiador escreve a partir de um

lugar social, que está ligado as “práticas científicas” e a “escrita”. A esse movimento,

Certeau dá o nome de operação historiográfica e sugere ainda que, “é em função desse

lugar que se instauram os métodos, que se delineiam uma topografia de interesses, que

os documentos e as questões, que lhes são propostas, se organizam” (CERTEAU, 1982,

p. 65-66). Para o estudioso “à cronologia reconhece que é o lugar da produção que

autoriza o texto, antes de qualquer outro signo” (CERTEAU, 1982, p. 97).

A partir de Michel de Certeau, pode-se questionar a quem é direcionado o

conhecimento produzido pela comunidade de historiadores. Marc Bloch já falava que o

bom historiador “deve saber falar, no mesmo tom, aos doutos e aos estudantes”. E nesse

sentido, cabe aqui problematizar qual a história tem sido apresentada para os estudantes

da Educação Básica do Brasil.

As epistemologias que norteiam a produção de conhecimento

historiográfico objetivaram durante muito tempo a sistematização de todo conhecimento

histórico, num processo de articulação com determinados fins, como já pontua Certeau.

Nessa lógica, as especificidades dos sujeitos subalternos têm sido descartadas e/ou

ignoradas da História dita “Oficial”, como por exemplo, as experiências de

trabalhadores do Estado do Maranhão e mesmo do Brasil

Sabe-se que desde a antiguidade clássica diferentes intelectuais ou

historiadores dedicaram-se a encontrar e definir as leis da história. Evidentemente, nos

dias atuais, a história é muito menos nomotética do que ideográfica, isto é, não está

ocupado com universais, como estariam os filósofos da história do século XIX, mas está

sim no território da contingência, identificando seu objeto no mundo empírico das

realidades irrepetíveis e específicas (DOSSE, 2003; BOURDÉ; MARTIN, 1983).

É com o movimento denominado Nova História (BLOCH, 2001; BURKE,

1992) que a História alarga seus olhares e propõe uma “história total”, uma análise das

estruturas dos acontecimentos a partir de vários ângulos e de uma ampliação da noção

de fontes (BURKE, 1992). Esse movimento direciona para uma renovação da

historiografia que nasce com a Escola dos Annales e passa a considerar que o

conhecimento se produz, sobretudo a partir da vivência dos sujeitos. A Nova História

Page 71: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

71

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

estaria voltada “não mais para os determinantes, mas para seus efeitos [...]. Não mais os

acontecimentos em si mesmos, mas sua construção no tempo, o apagar e o ressurgir de

suas significações” (DOSSE, 2003.p.9).

Essas reflexões são essenciais para (re)pensar a produção do conhecimento,

e partem de duas ideias norteadoras, a saber: a História é uma ciência e, enquanto tal,

uma ciência da/para práxis que possui uma lógica própria (RÜSEN, 2006;

THOMPSON, 1981), que longe de ser algo negativo, representa um enriquecimento

para a cientificidade da História. Segundo, pensar Didática da História significa refletir

sobre Teoria da História e seu impacto na Educação, nesse caso na Educação do Campo.

A intenção é buscar (re)pensar novas epistemologias para o sul global,

sobretudo para o Estado do Maranhão de maneira que possa vir a (des)naturalizar o

conhecimento de cunho eurocêntrico – perspectiva essa que busca homogeneizar os

sujeitos e, se contradiz de fato com a realidade do aluno do campo, subjugando dessa

maneira as várias diversidades e sociedades existentes no globo.

Essas discussões e outras noções que a elas se relacionam serão

evidenciadas de modo a apontar em que medida o uso delas fazem sentido na análise

das experiências dos indivíduos que estão inseridos nesse contexto da Educação do

campo, no que confere a formação de consciência histórica.

2. EDUCAÇÃO DO CAMPO: IDENTIDADE E CONSCIÊNCIA NA

FORMAÇÃO HUMANA

Diferenciando-se da educação urbanocêntrica, a Educação do campo é

construída pelo e para os diferentes sujeitos, pensado o território as práticas sociais e

identidades culturais que compõem a diversidade do campo. Por conseguinte, será

interessante para esta análise conhecer o percurso histórico da Educação do Campo no

Brasil para compreender como esse processo está se dando nos dias atuais no Estado do

Page 72: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

72

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Maranhão, bem como o que tem sido feito no Estado para o acesso a uma educação

especifica e diferenciada.

Essas análises levam a refletir sobre o tipo de conhecimento que circulas nas

escolas do campo, visto que, a educação ainda é pensada de fora pra dentro do contexto

camponês. Ora, ocupa-se em problematizar e descontruir uma ideia de educação

homogeneizada oferecida nesse cenário.

A educação do campo “amplia possibilidades que homens e mulheres do

campo possam criar e recriar condições de existência no universo campesino”

(CAVALCATI, 2010). Conforme Gimonet (2007, p. 20), renomado intelectual francês

compreende-se que,

com a Pedagogia da Alternância deixa-se de lado uma pedagogia

plana para ingressar numa pedagogia no espaço e tempo e diversificam-se as instituições, bem como os atores implicados.

Assim, os papéis destes não são mais aqueles da escola costumeira.

Essas discussões sinalizam como se têm debatido sobre educação do campo,

com o intuito de refletir sobre uma política de educação voltada para o contexto

campesino, remontando à ideia de pensar a identidade e a territorialidade de maneira

conjugada. Desse modo, a história e a própria localidade passam a ganhar significados e

ressignificações através do debate sobre a educação.

É importante o aluno do campo compreender a história enquanto vida, assim,

“quanto mais o aluno sentir a História como algo próximo dele, mais terá vontade de

interagir com ela, [...] não como uma coisa externa [...], mas como uma prática” (

KARNAL, 2005, p. 28). A ideia é pensar, compreender e reconsiderar a maneira como

os sujeitos criam e recriam o mundo e significam suas experiências.

A alternância não é uma mera justaposição de espaços e tempos, uns dedicados ao trabalho e outros aos estudos. O currículo integra esses dois

polos despertando nas consciências dos alunos, das famílias, das

comunidades, das instancias políticas e técnicas um ousado projeto de

desenvolvimento social, integrador dos recursos da cidade e do campo.

NOSELLA, 2007, p.10)

Page 73: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

73

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Ora, os conteúdos contemplam as discussões, sobre valorização do local e da

identidade camponesa. Os estudantes, além de aprenderem os conteúdos necessários

para o processo de ensino aprendizagem, aprendem, de maneira prática, técnicas que

perpassam sua vida no universo campesino.

O enfoque para as relações do mundo do trabalho maranhense podem

necessariamente compor os livros didáticos e/ou paradidáticos de História no Estado do

Maranhão, tendo em vista que são intrínsecos à realidade e o cotidiano dos estudantes

maranhenses, e é nesse sentido que este projeto se insere almejando a construção de um

livro didático sobre o universo do trabalho no Maranhão.

O campo é algo concreto, e por isso é importante tomar partido de lutas por

políticas públicas educacionais efetivas que contemplem suas especificidades. Assim, é

possível produzir uma (re)escrita histórica norteada pelo reconhecimento e legitimidade

das práticas, narrativas, memórias, identidades, modos de vivência de homens e

mulheres que estão envolvidos com a dimensão campesina e ao longo do tempo foram

excluídos e marginalizados na sociedade.

Segundo Caldart (2010, p. 20) a Educação do Campo é, “pensar a[...]

particularidade dos sujeitos que vivem do trabalho do campo, [pensar] sua realidade,

suas relações sociais [no campo]”. A Educação do Campo, de acordo com Caldart

(2012, p. 259),

nomeia um fenômeno de realidade brasileira atual, protagonizado pelos

trabalhadores do campo e suas organizações, que visa incidir sobre a política

da educação desde os interesses sociais das comunidades camponesas. Os

objetivos e sujeitos a remeterem às questões do trabalho, da cultura, do

conhecimento e das lutas sociais dos camponeses e ao debate (de classes)

entre projetos de campo e entre lógicas de agricultura que tem implicações no

projeto de país e de sociedade e nas concepções de políticas públicas, de educação e de formação humana.

Partindo dessa concepção, percebe-se que há uma especificidade no que diz

respeito a educação do campo, logo é importante reconhecer que há um modo de

conceber a educação para tal contexto, isto é considerar suas identidades, memórias e

posicionamentos políticos-ideológicos. Afinal, é importante considerar as narrativas dos

Page 74: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

74

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

sujeitos envolvidos no contexto campesino e, assim buscar compreender a realidade

desses sob, à luz de suas experiências cotidianas.

Segundo Caldart (2012), o conceito de educação do campo está em constante

construção, isso porque consiste em uma “nova” prática educativa que nasceu de um

recente processo político de lutas e embates. É fundamental iniciar e pensar o debater

acerca da Educação do Campo sabendo que ela não resultado de políticas públicas

educacionais verticais. Ela foi e está sendo construída “de baixo pra cima”. Isso não

simplifica seu alicerce teórico-metodológico. Portanto, ideia de educação abstrata deve

ser (des)construída.

A Educação voltada para o campo em seu percurso histórico foi se

desenvolvendo ao longo de décadas e devido as muitas transformações desdobrou-se em

duas corrente, causando oposições de ideias. A primeira pautou-se em uma Educação

Rural, constituída a partir dos paradigmas capitalistas e modelo urbanocêntrico. Já, a

segunda foi pensada para uma educação mais humana e que de fato corresponderia a

realidade do campo. Os projetos direcionados a educação do campo foram concebidos

de maneira meramente instrumental, descontextualizada da realidade, voltados apenas

para o trabalho. Para Caldart (2001, p. 62),

não há escola do campo num campo sem perspectivas, com um povo sem horizontes e buscando sair dele. Por outro lado, também não há como

implementar um projeto popular de desenvolvimento do campo sem um

projeto de educação, e sim expandir radicalmente a escolarização para todos

os povos do campo. E a escola pode ser um agente muito importante de

formação da consciência das pessoas para a própria necessidade de sua

mobilização e organização para lutar por um projeto deste tipo.

Além de não promover uma educação de perspectiva mais humana tomou

com referência uma identidade urbana/ industrial, impondo aos camponeses uma

educação de cunho instrumental apenas mão de obra. Essa estrutura silenciou,

narrativas, saberes, memórias, identidades, histórias, legitimou a ideia na qual os

sujeitos do campo não possuíam inteligibilidade, negligenciou grupos indenitários e sua

produção de existência.

Em meio a esse cenário, é somente no fim da década de 60 que as mudanças

chegam de maneira paulatina, após um longo processo de lutas (movimentos sociais,

Page 75: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

75

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

movimentos dos trabalhadores, etc.) a Educação do campo é construída para fortalecer

os povos/trabalhadores(ras) do campo em defesa de uma ideologia-política construída a

partir de outras pedagogias. Após um longo período de embates foi criado o

Observatório sobre a Educação do Campo com o intuito de realizar pesquisar que possa

desenvolver políticas, nas quais o homem e a mulher do campo sintam-se parte

integrante.

Como resultado houve várias ações com o objetivo de fomentar a discussão

no âmbito da Educação do Campo, valorizando os sujeitos do campo inseridos em

processos de participação e construção de conhecimento. Nesse sentido, cabe afirmar

que “toda experiência social produz e reproduz conhecimento e, ao fazê-lo, pressupõe

uma ou várias epistemologias” (SANTOS, 2010. p.52) .

Por conseguinte, é interessante perceber o percurso histórico da Educação

do Campo no Brasil para compreender como esse processo está se dando nos dias atuais

no Estado do Maranhão, bem como o que tem sido feito no Estado para o acesso a uma

educação especifica e diferenciada. Nesse ínterim, será fundamental compreender e

reconsiderar a maneira como os sujeitos criam e recriam o contexto campesino. Desde

modo, o intuito será “quebrar” alguns paradigmas de hierarquização do conhecimento

que fomentam a educação do campo por meio da História e o Ensino de história.

Assim, esta reflexão busca somar à produção de conhecimento “do” e

“sobre” a Educação do campo no Maranhão, constituindo-se enquanto uma nova escrita

da “história oficial” dos sujeitos. Busca-se dar visibilidade e legitimar a história e,

sobretudo, a memória de diversos grupos indenitários no Maranhão, isto é, privilegiar

suas experiências enquanto sujeitos históricos envolvidos no desafio do fazer

historiográfico.

As abordagens tornam-se significativas por se preocupar em elucidar as

vozes de sujeitos historicamente excluídos da História Oficial do Brasil. Memória e

identidades também emergem nesse cenário campesino entram em disputa e também

permeiam discussões.

Primordialmente, na perspectiva de Michael Pollak aponta-se que, “a

importância de memórias subterrâneas [...], como parte integrante das culturas

Page 76: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

76

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

minoritárias e dominadas, se opõem à ‘memória oficial” (POLLAK, 1989, p. 4), nesses

aspectos é importante salientar a memória dos sujeitos que vivem no campo através das

fontes orais, como práticas, formas de resistência e protesto para um reconhecimento e

legitimidade, sob uma perspectiva de produção de conhecimento, próprios desses

sujeitos, “as experiências não só usam linguagens diferentes, mas [..] distintas

categorias, diferentes universos simbólicos” (SANTOS, 2010. p.52).

Assim, para Maurice Halbawachs (2006) a memória é um fenômeno

construído coletivamente e submetido à flutuação, transformações e mudanças

constantes. Em acordo com esta concepção Elizabeth Jelin (2002) ressalta que a

memória está sempre em ‘constante mutação’

Portanto, as identidades também são evidenciadas nesta reflexão, visto que,

a contemporaneidade está sendo apontada como um período no qual as identidades

“entram” em crise. São, indubitáveis as contribuições de Stuart Hall (2011) ao explicar

que “as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em

declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno”.

Nota-se, a construção de novas identidades, visto que outras passam por um

período de declive. Entretanto, faz-se indispensável nessa problemática apontar em que

medidas a construção das identidades dos sujeitos inseridos no cantexto camponês estão

sendo apresentadas em sala de aula.

É necessário refletir acerca das memórias que foram legitimadas pela

História Oficial, as eleitas e “autorizadas” a compor o livro didático. Durante muito

tempo a própria historiografia tem feito a eleição de certas memórias ao mesmo tempo

em que silencia outras (ALMEIDA, 2009; LE GOFF, 2012; PORTEELLI, 2014).

Por muito tempo, uma geração de historiadores, anteriores ao que se pode

chamar de revolução historiográfica (BLOCH, 2001; BRAUDEL, 1989; LE GOFF,

1976; CARDOSO, 1997), elencou como conhecimento histórico válido apenas a

vertente que toma a Europa e o Ocidente como referência/modelo, e isso tem refletido

fortemente na educação básica brasileira.

Page 77: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

77

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desse modo, essas reflexões são importantes, para (re)pensar como História

e Ensino de história podem ser pensadas como possiblidade para construção de uma

Educação do campo que toma como víeis a perspectiva de consciência histórica.

Apresentando discussões que sinalizam para significativas mudanças e rupturas sobre o

ensino de história na educação do campo no Maranhão e, sobretudo, a reflexão de

consciência histórica dos alunos.

Pensar uma escrita histórica norteada pelo reconhecimento e legitimidade

das práticas, das narrativas, das memórias, das identidades, dos modos de vivências de

homens e mulheres que estão envolvidos com a dimensão campesina e que ao longo do

tempo foram excluídos e da sociedade. Fazer essas histórias ecoarem nos espaços

oficiais de formação, como a escola. Demostrando aos discentes a importância de

aprender história e as várias versões dela, quando assim eles poderão se perceber como

sujeitos da história.

REFERENCIAS

ALMEIDA, Dóris Bittencourt. As memórias e a História da Educação: aproximações

teórico-metodológicas. In.: História da Educação, ASPHE/FaE/UFPeL, Pelotas, v.13,

n.27, p.211-243, Jan/Abr, 2009.

BLOCH, Marc. Apologia da História: ou o Ofício de Historiador. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar Editor, 2001.

BRAUDEL, Fernand. Gramática das civilizações. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

BOURDÉ, Guy; MARTIN, Hervé. As escolas históricas. Lisboa: Publicações Europa-

América, 1983.

BURKE, Peter. A Nova História. In: ______ . (org.) A escrita da História: novas

perspectivas.

São Paulo: Unesp, 1992.

CERTEAU, Michel de. A Escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

1982

Page 78: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

78

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

CALDART, Roseli Salete. Educação do Campo. In: CALDART, R. S.; PEREIRA, I.

B.; ALENTEJANO, P.; FRIGOTTO, G. (Orgs.). Dicionário da Educação do Campo.

São Paulo: Expressão Popular, 2012.

________________Sobre a educação do campo. In: SANTOS, C. A. (org.). Educação

do campo: campo – políticas públicas- educação. Brasília, DF: INCRA-MDA, 2008.

________________Pedagogia do movimento sem terra: acompanhamento às escolas.

São Paulo: MST, 2001.

CAVALCANTE, Nina Cátia Alexandre. As concepções de trabalho contidas no livro

didático de história "Das cavernas ao terceiro milênio - da proclamação da

república no Brasil aos dias atuais": a linguagem como prática social. 2013. 141fls.

Dissertação (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Rondônia, Rondônia,

2013.

CARDOSO, Ciro Flamarion. História e paradigmas rivais. In.: ______ ; VAINFAS,

Ronaldo

(orgs.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro:

Campus, 1997.

DOSSE, François. A história. Bauru: EDUSC, 2003.p. 9-10.

GIMONET,J. C. Praticar e compreender a Pedagogia da Alternância dos CEFFAs.

Petropólis, RJ, 2007.

HALBWACHS, Maurice. Memória individual e memória coletiva. In.: A memória

coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A,

2005.

JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memoria. Colección Memorias de la Represión.

Madri: Siglo XXI Editores, 2002.

LE GOFF, Jacques. História. IN.: História e Memória. ______ . Campinas: UNICAMP,

1990, p. 13-148.

NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. São Paulo:

PUC, 1981.

NOSELLA, P. Militância e profissionalismo na educação do homem do campo.

Revista da Formação por Alternância. União Nacional das Escolas Famílias

Agrícolas do Brasil – UNEFAB. Ano 2; n. 4, 2007

Page 79: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

79

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

PORTELLI, Alessandro. Sobre os Usos da Memória: Memória, Monumento, Memória

Involuntária, Memória Perturbante. In.: MELLO, William et ali (Orgs). História,

Memória, Oralidade e Culturas. Fortaleza: Ed. UECE, 2014, p. 13-25.

POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Rio de Janeiro, Estudos

Históricos. vol. 2, p. 3-15, 1989

RÜSEN, Jörn. Didática da história: passado, presente e perspectivas a partir do caso

alemão. Práxis Educativa, Ponta Grossa-PR, v.1, n.1, 15 jul./dez. 2006.

______ . História Viva – Teoria da História III: formas e funções do conhecimento

histórico. Brasília: Ed. da UNB, 2007.

SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do

Sul. São Paulo: Cortez, 2010.

THOMPSON, Edward. A miséria da Teoria ou um planetário de erros – uma crítica

ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981

Page 80: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

80

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A LITERATURA NO ENSINO DE HISTÓRIA PARA A CONSTRUÇÃO DA

MEMÓRIA E IDENTIDADE NA SALA DE AULA

Clécia Assunção Silva1

1. INTRODUÇÃO

Trabalhando a literatura como ferramenta no ensino de história para a

construção da memória e identidade nacional, mostrando a importância da (re)

construção pela força da palavra, que é a literatura, do modo de viver, pensar e agir de

uma sociedade, em uma determinada época e espaço social. O objetivo aqui é discutir

sobre parte da pesquisa de Mestrado, na qual busco refletir sobre a literatura no ensino

de história para a construção da memória e identidade na sala de aula. Na leitura e na

escrita de texto literário podemos encontrar o senso de nós mesmos e da comunidade a

que pertencemos.

A literatura nos diz o que somos e nos possibilita a desejar e a expressar o

mundo por nós mesmos. Isso acontece porque ela nos permite experiências e, ainda

assim, sermos quem somos. É por isso que ela é considerada uma experiência a ser

realizado. Ela é mais do que um conhecimento a ser reelaborado, ela é a incorporação

do outro em mim, sem a renúncia da minha própria identidade (COSSON, 2006).

Cabe assim questionar. Qual o papel que a literatura pode desempenhar no

ensino de História? Como a literatura pode ajudar na construção da memória e

identidade na sala de aula? De início podemos responder que a literatura traz no seu

bojo além de aspectos cognitivos, fatos histórico-culturais, fazendo assim o resgate dos

significados culturais historicamente atribuídos a um meio social, ao autor, a obra, ao

gênero, ao estilo etc. Fazendo assim cada ato de leitura uma descoberta, um fato

inusitado, como também um exercício coletivo e pessoal de reverencia. E quando é vista

1 Aluna do mestrado de História, Ensino e Narrativas da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA.

E-mail: [email protected]

Page 81: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

81

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

pela dimensão cultural, temos o reconhecimento individual dos significados e valores

culturais historicamente associados ao texto.

Antônio Candido (2006) discutindo o fato de que a literatura possui aspectos

da realidade, observa que os aspectos históricos, sociais e culturais estão presentes no

texto literário, mas é o texto que deve fomentar esse contexto, ou seja, o texto literário

não deve ser visto como um lugar onde se busca encontrar um determinado aspecto ou

um fator histórico e social, porque o texto traz uma verdade “imaginada”, “

representada” e expressa esteticamente e esses aspectos são o elo entre o leitor e o real.

Na atualidade, a escola busca formar o cidadão pleno, que saiba perceber o

mundo ao seu redor de forma crítica e saber agir sobre sua realidade. Com este intuito é

necessário que seja oferecido ao educando situações de leitura que oportunizarão a este

o pensar sobre. Assim o acesso a literatura na educação básica é de extrema importância

para a formação cidadã dos alunos. A literatura e a história têm uma relação complexa e

de intimidade, no que se refere aos seus textos e também as discussões travadas em

torno dos mesmos.

Para o historiador, um livro de literatura deixa de ser um passatempo ou

uma distração. E passa a ser uma fonte reveladora de aspectos que não aparecem nas

fontes ditas oficiais e, nos leva a pensar nas representações que um determinado fator

pode ter e suas mudanças no decorrer do tempo, ou seja, é uma nova forma de pensar

história em um âmbito cultural. A literatura, por sua vez, procura na história, uma

inspiração e uma fonte para, a partir de algum fato histórico, construir seu enredo.

O objetivo do ensino de história é compreender os processos e os sujeitos

históricos, desvendando as relações que são estabelecidas entre os grupos humanos em

diferentes tempos e espaços. A metodologia utilizada para esse trabalho num primeiro

momento, foi estudo bibliográfico, devido à necessidade de uma fundamentação teórica

a respeito do tema e constatação da relevância da literatura como fonte para o ensino de

História. Os historiadores precisam estarem atentos as múltiplas possibilidades e

alternativas apresentadas nas sociedades, tanto nas de hoje quanto nas do passado, que

emergiram da ação de forma consciente ou inconsciente dos homens; procurando

Page 82: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

82

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

apontar para os desdobramentos que se impuseram com o desenrolar das ações dos

sujeitos que compõem um determinado meio social (BEZERRA, 2007).

O professor necessita ter conhecimento de outros contextos para usar como

ferramenta no ensino de história. E a literatura pode favorecer aprendizagens essenciais

que auxiliem os alunos em sua formação como cidadãos autônomos, críticos,

participativos, que possam atuar na sociedade com competência, dignidade e

responsabilidade. O uso desta no ensino de história pode favorecer ao aluno se perceber

como ser social, como alguém que vive numa determinada época, oriundo de uma

determinada classe social. É de extrema necessidade, deixar claro que o ensino de

história não tem o intuito de forma historiador, e sim organizar os conteúdos e articular

as estratégias para trabalhar com eles, levando em conta os procedimentos para a

produção de conhecimento histórico.

Assim, a História pensada como processo, busca aprimorar o exercício da

problematização da vida social, tendo esta como ponto de partida, para a investigação

produtiva e, identificar as relações sociais de grupos locais, regionais, nacionais e de

outros povos. As diferenças e semelhanças, as tradições, os conflitos, as igualdades e

diferenças existentes nas sociedades, nos ajudam comparar problemáticas atuais com as

de outros momentos históricos, de forma a analisar criticamente o seu presente e buscar

relações possíveis com o passado afim de agregar valores na construção da sua

identidade.

Neste artigo trabalhamos a literatura no ensino de história para a construção

da memória e identidade nacional, mostrando a importância da (re) construção pela

força da palavra, que é a literatura, do modo de viver, pensar e agir de uma sociedade,

em uma determinada época e espaço social. E fez-se uma subdivisão em três tópicos,

onde o primeiro trabalha a Literatura e o ensino de história, pretende-se mostra a

contribuição que a literatura pode agregar ao ensino de história, o segundo argumenta o

currículo e a identidade, tratando assim, da importância do mesmo ser multicultural,

respeitando e valorizando as características étnicas, e culturais dos diferentes grupos

sociais. Já o terceiro tópico traz a discussão sobre a literatura, memória e identidade,

Page 83: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

83

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

onde a literatura como arte reflete as representações da cultura de um povo conseguindo

traduzir suas peculiaridades locais e expressando na memória os traços do momento

histórico e da realidade social aqui a memória é pensada como um dos elementos

imprescindíveis para a reelaboração identitária de um povo.

2. O USO DA LITERATURA NO ENSINO DE HISTÓRIA PARA A

CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA E IDENTIDADE NA SALA DE AULA

Havia na cidade uma pedra mágica. Durante o dia, escura e opaca, absorvia

a luz e tudo que a circundava. À noite, transmudava-se em brilho iluminando a tudo e a

todos com a luz que recolhera anteriormente. “A literatura trabalha nos interstícios da

ciência: está sempre atrasada ou adiantada com relação a esta, semelhante à pedra de

Bolonha, que irradia de noite o que aprovisionou durante o dia, e, por esse fulgor

indireto ilumina o novo dia que chega”. (Mencionada por Roland Barthes em Aula,

1980, p. 19). Assim funciona o texto literário em relação aos saberes que guarda a cada

escritura, mas sem aprisionar dentro de si. Ao contrário, libera-os com brilho a cada

leitura.

Segundo Barthes, a literatura tem o poder de se metamorfosear em todas as

formas do discurso, pois ela nos narra o que fomos, o que somos e o que seremos. Sua

magia nos transporta para vários lugares, várias épocas, mantendo um diálogo entre

leitor e escritor, tornando o mundo compreensível, repleto de cores, sabores e formas. É

preciso que a literatura ocupe um lugar especial nas escolas e que seja vista como uma

forma de expansão de conhecimentos, experiências e expressão do ser humano.

A literatura abre portas para o conhecimento, é através dela que buscamos

entender a evolução da humanidade, o nosso agir, a história do passado e do presente,

renovamos e tecemos conceitos. O mundo literário é vivo e está presente em nossas

vidas não só no ambiente escolar, mas em nosso cotidiano. Por esse motivo, devemos

valorizá-lo e incentivar a sua prática. Barthes afirma que a literatura faz girar saberes,

não fixa, não fetichiza nenhum deles: ela lhes dá um lugar indireto, e esse indireto é

Page 84: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

84

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

precioso. Por um lado, ele permite designar saberes possíveis – insuspeitos, irrealizados:

a literatura trabalha nos interstícios da ciência: está sempre atrasada ou adiantada com

relação a esta (BARTHES, 2006, p. 18-19).

Nota-se então, que o saber que a literatura mobiliza nunca é inteiro,

acabado, ela não nos diz que sabe alguma coisa, ou melhor dizendo, que ela sabe algo

das coisas, ou que sabe muito sobre os homens.

Antônio Candido nos diz que

a literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser

satisfeita sob pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar

forma aos sentimentos e à visão do mundo, ela nos organiza, nos liberta do caos e portanto nos humaniza. Negar a fruição da literatura

é mutilar a nossa humanidade (CANDIDO 1995, p. 186).

A partir da ideia compartilhado por Antônio Candido o nosso corpo é a

soma de vários outros corpos ou identidades. Ao corpo físico, somam-se um corpo que

é linguagem, um que é sentimento, outro que é o imaginário, um outro que é

profissional, e assim vai sendo construído um ser, isso quer dizer que somos a mistura

de todos esses corpos, e é essa mistura que nos torna ser humanos. E as diferenças

existentes entre nós se devem na forma como nós exercitamos esses diferentes corpos

ou identidades. Quando deixamos de usar um desses corpos, ocorre o atrofiamento do

mesmo por falta de atividades.

Nesse sentido, o nosso corpo designado linguagem funciona de modo

especial. Pois todos nós a usamos de muitas e variadas formas em nossa vida, isso

acontece de tal modo que o nosso mundo é aquilo que ela nos permite dizer, isto é, a

materialização constituída do mundo é, antes de mais nada, a linguagem que o expressa.

E nós constituímos o mundo a partir dela, ou seja, basicamente por meio da palavra.

Sintetizando, podemos dizer que quanto mais exercitamos a linguagem, mais aumentará

o cabedal de informações e mais fortalecida era estará. “Na ordem do saber, para que as

coisas se tornem o que são, o que forma, é necessário esse ingrediente, o sal das

palavras. É esse gosto das palavras que faz o saber profundo, fecundo” (BARTHES,

2006, p. 20).

Page 85: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

85

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

No exercício da literatura, podemos ser outros, viver como os outros, e

ultrapassar o tempo e o espaço de nossa experiência e, ainda assim, sermos nós mesmos.

E é por isso que internalizamos com muita mais intensidade as verdades representadas

na poesia e na ficção. De acordo com Cosson,

a experiência literária não só nos permite saber da vida por meio da

experiência do outro, como também vivenciar essa experiência. Ou

seja, a ficção feita palavra na narrativa e a palavra feita matéria na

poesia são processos formativos tanto da linguagem quanto do leitor e do escritor. Uma e outra permitem que se diga o que não sabemos

expressar e nos falam de maneira mais precisa o que queremos dizer

ao mundo, assim como nos dizer a nós mesmos (COSSON, 2006, p. 17).

É por ter essa função maior de tornar o mundo mais compreensível,

transformando sua materialidade em cores, odores, sabores e formas que são

intensamente humanas que a literatura tem e necessita de lugar especial na escola.

Portanto, para que ela possa cumprir o seu papel de humanizar, precisamos mudar os

rumos da escolarização.

[…] A literatura faz girar os saberes […] é categoricamente realista,

na medida em que ela sempre tem o real por objeto de desejo; e direi

agora, sem me contradizer, porque emprego a palavra em sua acepção familiar, que ela e também obstinadamente: irrealista; ela acredita

sensato o desejo do impossível (BARTHES, 2006, p. 23).

Ela traz no seu bojo além de aspectos cognitivos, fatos histórico-culturais,

fazendo assim o resgate dos significados culturais historicamente atribuídos a um meio

social, ao autor, a obra, ao gênero, ao estilo, etc., fazendo assim cada ato de leitura uma

descoberta, um fato inusitado, como também um exercício coletivo e pessoal de

reverencia. E quando é vista pela dimensão cultural, temos o reconhecimento individual

dos significados e valores culturais historicamente associados ao texto.

3. LITERATURA E ENSINO DE HISTÓRIA

O Ensino de História, assim como das demais disciplinas tem o intuito de

assegurar a formação cidadã e fornecer subsídios para progredir no meio social do

Page 86: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

86

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

trabalho. Desse modo o ensino precisa ser feito de forma contextualizada, sendo que

para isto o professor necessita ter conhecimento diversificado. De acordo com Karnal,

o professor é o elemento que estabelece a intermediação entre o

patrimônio cultural da humanidade e a cultura do educando, e necessário que ele conheça, da melhor forma possível, tanto um

quanto outro. O professor precisa conhecer as bases de nossa cultura:

as formas de organização das sociedades humanas, a evolução das civilizações, as cidades-estados da Antiguidade, a Revolução

Francesa, a escravidão no Brasil, o desenvolvimento do capitalismo,

os movimentos sociais, as condições de vida das populações no

passado, sua cultura material e suas ideias, a música de Beethoven, o cinema de Charlie Chaplin, a literatura de Machado de Assis e por ai

afora. (KARNAL, 2016, p. 23).

O professor necessita ter conhecimento de outros contextos para usar como

ferramenta no ensino de história. E a literatura pode favorecer aprendizagens essenciais

que auxiliem os alunos em sua formação como cidadãos autônomos, críticos,

participativos, que possam atuar na sociedade com competência, dignidade e

responsabilidade. O uso desta no ensino de história pode favorecer ao aluno se perceber

como ser social, como alguém que vive numa determinada época, oriundo de uma

determinada classe social.

Nesse contexto,

Faz parte da construção do conhecimento histórico, no âmbito dos

procedimentos que lhe são próprios, a ampliação do conceito de fontes históricas, que podem ser trabalhadas pelos alunos: documentos

oficiais, textos de época e atuais, mapas, ilustrações, gravuras,

imagens de heróis de histórias em quadrinhos, poemas, letras de música, literatura, manifestos, relatos de viajantes, panfletos,

caricaturas, pinturas, lotos, rádio, televisão etc. O importante e que se

alerte para a necessidade de que as fontes recebam um tratamento adequado, de acordo com sua natureza (BEZERRA, 2007, p. 28).

É de extrema necessidade, deixar claro que o ensino de história não tem o

intuito de forma historiador, e sim organizar os conteúdos e articular as estratégias para

trabalhar com eles, levando em conta os procedimentos para a produção de

conhecimento histórico. Assim, a História pensada como processo, busca aprimorar o

Page 87: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

87

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

exercício da problematização da vida social, tendo esta como ponto de partida, para a

investigação produtiva e, identificar as relações sociais de grupos locais, regionais,

nacionais e de outros povos. As diferenças e semelhanças, as tradições, os conflitos, as

igualdades e diferenças existentes nas sociedades, nos ajudam comparar problemáticas

atuais com as de outros momentos históricos, de forma a analisar criticamente o seu

presente e buscar relações possíveis com o passado a fim de agregar valores na

construção da sua identidade.

O aluno precisa se perceber como sujeito histórico, ser humanizado e nada

mais interessante para isto, do que um ensino de história que o proporcione refletir

sobre essa realidade, pois as informações contidas (conteúdos) se transformam em

conhecimento, e este faz parte do cotidiano do aluno para transforma a realidade que o

cerca pois, o conhecimento histórico por si próprio, carrega profundo potencial

transformador.

Fazendo assim,

perceber a complexidade das relações sociais presentes no cotidiano e

na organização social mais ampla implica indagar qual o lugar que o indivíduo ocupa na trama da História e como são construídas as

identidades pessoais e as sociais, em dimensão temporal. O sujeito

histórico, que se configura na inter-relação complexa, duradoura e contraditória entre as identidades sociais e os pessoais, e o verdadeiro

construtor da História (BEZERRA, 2007, 45).

Assim, é preciso enfatizar que o contexto apresentado pela História não é o

resultado apenas da ação representada pelas figuras em destaque, consagradas pelos

interesses explicativos de grupos, mas sim a construção de forma

consciente/inconsciente e imperceptível de todos os agentes sociais, individuais ou

coletivos pertencente a esse grupo.

4 . CURRÍCULO E IDENTIDADE

Daí percebemos a necessidade de se trabalhar um currículo multicultural

onde podemos contextualizar e compreender o processo da construção das diferenças e

Page 88: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

88

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

das desigualdades. Perceber as diversas identidades contida no ambiente escolar, nos

proporciona um engajamento na luta pela equidade e igualdade de direitos.

A democratização dos contextos educacionais nos remete questionarmos

sobre os currículos em vigor que em grande parcela das escolas, dado seu tratamento

privilegiado aos elementos provenientes da cultura dominante e, daí, à inserção e

problematização daqueles conhecimentos advindos das culturas subordinadas (HALL,

2003). Percebe-se a necessidade de desafiar e desarticular o currículo escolar

monocultural, fazendo assim a desestabilização da hegemonia da cultura ocidental,

passando a questionar as representações, as imagens e os interesses expressos em

diferentes artefatos culturais, buscando explicar as relações de poder existentes nos

mesmos (MOREIRA e CANDAU, 2014).

As investigações sobre o currículo inspirados na multiculturalização

retificam seu papel decisivo na constituição de identidades. Onde “a cultura

transformou-se, assim em um dos elementos mais dinâmicos e imprevisíveis das

mudanças históricas na contemporaneidade” (MOREIRA e CANDAU, 2014, p.8).

Assim o impacto da revolução cultural influencia fortemente na construção da nossa

subjetividade, da nossa própria identidade e, do nosso comportamento no meio social,

perde-se então a visão da identidade de forma coerente, concebida no nascimento e

desenvolvida ao longo da vida, sendo esta substituída pela concepção da identidade

como fragmentada, contraditória e permanentemente em processo de construção, ou

seja, as identidades são construídas culturalmente e formadas pela representação

constituída, no âmbito cultural.

As modificações culturais desestabilizam as estruturas sociais que ancoram

os sujeitos, causando mudanças nos modos de ser, sentir e pensar. Na visão de Hall

(1997), a linguagem assume função primordial quanto à estrutura e organização das

sociedades, dada a intensificação do fluxo de produção, circulação e trocas culturais. A

cultura, por sua vez, exerce um papel constitutivo em todos os aspectos da vida, pois

todas as práticas sociais comunicam um significado. Hall enfatiza que a centralidade da

cultura é um fator constituinte do sujeito, pois a identidade é resultado do processo de

Page 89: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

89

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

identificação que os discursos culturais fornecem, posicionando os sujeitos nos sistemas

simbólicos, ou seja, no interior de cada cultura. O autor assevera que a centralidade da

cultura dissolveu a fronteira entre a subjetividade e a identidade, entre o psíquico e o

social. Qualquer artefato cultural, portanto, implica processos de representação,

identidade, produção, consumo e regulação (MOREIRA e CANDAU, 2014).

A reorganização de todo o campo cultural a partir do impacto da expansão

do capitalismo, é outro fator determinante para a eclosão da educação multicultural. O

acesso à TV e à publicidade foi democratizado, disseminando variadas imagens e textos

culturais que enfraqueceram o poder cultural das elites. Veja-se, por exemplo, o

borramento das fronteiras entre alta e baixa cultura, antes claramente delimitadas pelo

usufruto de artefatos culturais. Hoje, a literatura de ficção científica, a música clássica, o

balé, o esporte amador, etc., se deparam com as produções da indústria cultural, o balé

contemporâneo e o esporte profissional. Estes artefatos da cultura de massa ajudaram a

tornar opaca a linha que separava alta e baixa cultura, produzindo novos deslocamentos

e hibridismos entre os grupos, novas imagens e sentidos, enfim, outras fronteiras.

As modificações culturais desestabilizam as estruturas sociais que ancoram

os sujeitos, causando mudanças nos modos de ser, sentir e pensar. Na visão de Hall

(1997), a linguagem assume função primordial quanto à estrutura e organização das

sociedades, dada a intensificação do fluxo de produção, circulação e trocas culturais. A

cultura, por sua vez, exerce um papel constitutivo em todos os aspectos da vida social,

pois todas as práticas sociais comunicam um significado.

Hall enfatiza que a centralidade da cultura é um fator constituinte do sujeito,

pois a identidade é resultado do processo de identificação que os discursos culturais

fornecem, posicionando os sujeitos nos sistemas simbólicos, ou seja, no interior de cada

cultura. O autor assevera que a centralidade da cultura dissolveu a fronteira entre a

subjetividade e a identidade, entre o psíquico e o social. Qualquer artefato cultural,

portanto, implica processos de representação, identidade, produção, consumo e

regulação. Diante desses argumentos, a questão da identidade e das formas como elas

são representadas tornam-se fundamentais. Onde o que interessa saber é como as

identidades foram produzidas e como as representações que se fazem delas as afetam e

Page 90: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

90

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

imobilizam. O importante é entender como os discursos e práticas atuam de modo a

levar os sujeitos a assumirem certas posições no sistema social e como os sujeitos são

construídos por esses mesmos discursos e práticas. Em outras palavras, é preciso

conhecer o processo de identificação.

5. LITERATURA, MEMÓRIA E IDENTIDADE

A memória, como estratégia narrativa, garante ao narrador conservar o

passado na forma que é mais apropriada a ele. Na realidade, o que se vê então não é

livro sobre memória, nem sobre história, fica na interseção dessas realidades. Aqui a

memória é como um dispositivo de construção textual é a estratégia responsável pela

arquitetura geral do romance penetrando no passado a partir do presente e dessa forma

dando ao leitor vários níveis do passado revisitado, como quadro-cenas.

Pierre Nora afirma que memória é vida, cheia de revitalizações e

identificações através de seu jogo de lembranças e esquecimentos:

[...] porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a

confortam, ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou

flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências,

cenas, censuras ou projeções (NORA, 1993, p. 9).

Sobressai-se, ainda dentro da temática, Jacques Le Goff (1994) quando

afirma que a memória não é uma propriedade da inteligência, mas a base sobre a qual se

inscrevem as concatenações dos atos. Para o autor, a memória representa uma invenção

em nível complexo, sendo conquistada progressivamente pelo homem na busca do seu

passado individual; assim como a história constitui para o grupo social a conquista do

seu passado coletivo. Daí esta ser compreendida como “a propriedade de conservar

certas informações; ou ainda, como conjunto de funções psíquicas que pode levar o

homem a atualizar impressões passadas, ou que ele represente como passadas” (LE

GOFF, 1994, p. 423). Ainda segundo o autor a dualidade memória e história foi

reafirmada; em “Documento/Monumento”, entre “a memória coletiva e a sua forma

científica, a história” (LE GOFF, 1998. p. 535).

Page 91: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

91

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Como a literatura interage com o meio social e cultural sendo visto pelo

historiador como materiais propício a múltiplas leituras, por sua riqueza de significado

para “o entendimento do universo cultural, dos valores sociais e das experiências

subjetivas de homens e mulheres no tempo” (PINSKY; LUCA, 2013, p. 83). Isso

significa que toda ficção está enraizada na sociedade, pois em determinadas condições

de espaço, tempo, cultura e relações sociais, o escritor explora ou inventa possibilidades

de linguagem construindo um objeto autônomo de significados.

Em nível discursivo, parece haver uma mudança que tornou a problemática

cultural parte imperiosa nos estudos acadêmicos. A produção literária dentro ou fora da

academia sempre se relacionou com questões culturais. Partindo de tal premissa, pode-

se dizer que as obras literárias esboçam respostas, implícita ou explicitamente, às tais

questões, bem como oferecem uma gama de modelos implícitos de como se formam

conceitos como cultura, identidade e memória. Em vista do exposto a literatura deixa de

se constituir enquanto texto autônomo e independente e passa a estabelecer

representações espaciais e ideológicas, atribuindo ao mundo literário evidências do

mundo dito real.

A reconstituição da identidade cultural é feita através da memória. A

memória é um recurso essencial para conservação do passado, além de explicar ou

justificar os processos de transformação do presente, sendo ela individual e coletiva,

para Halbawchs (2006), o indivíduo compartilha das duas memórias, e estas se

aproximam no mesmo universo histórico e cultural.

Dessa forma, Halbawchs defende que:

[...] a memória individual existe, mas ela está enraizada dentro dos quadros diversos que a simultaneidade ou a contingência reaproxima

momentaneamente. A rememoração pessoal situa-se na encruzilhada

as malhas de solidariedade múltiplas dentro das quais estamos

engajados (HALBAWCHS, 1990, p. 14).

A memória é uma ferramenta de que o homem dispõe para reconstituir e

reconstruir o passado e assim reafirmar suas identidades no presente. E a literatura serve

como forma para a representação de traços característicos da sua cultura. Para Chauí

Page 92: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

92

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

(1999, p.125), “a memória é uma evocação do passado”. É a capacidade humana para

reter e guardar o tempo que se foi salvando-o da perda total. É a nossa primeira e mais

profunda experiência do tempo. Halbwachs (1990, p.26) diz que “os fatos sociais

consistem em modos de agir, pensar, sentir, exteriores ao indivíduo e dotados de poder

coercitivo pelo qual se lhe impõem”.

Pode-se dizer que a memória é um recurso utilizado pelo homem para

armazenar uma grande variedade de informações, como objetos, gestos, palavras,

músicas, dentre outros. A memória vence o passado, pois tem a função de manter

registrado este passado. E a literatura vem abrir esse diálogo com a atualidade, pois está

inserida na cultura da coletividade a partir do processo cognitivo e comunicativo

diferenciado dos quais o indivíduo define a realidade que faz parte. Nora (1993, p. 9)

sintetiza muito bem a especificidade de cada campo de saber quando diz que “a

memória é um absoluto e a história só conhece o relativo”.

A cultural é representada na obra de arte literária de forma clara. E, a partir

dessa visibilidade, a questão do imaginário é vagarosamente desvelada enquanto ato de

consciência, como modo de perceber o mundo em que autor e leitor estão inseridos.

Desse modo, percebe-se que o texto literário pode se transformar num elemento

mediador da memória, servindo de suporte à cultura, à identidade social e étnica, à

tradição, à possibilidade de materialização de formas simbólicas da vida cotidiana, bem

como aos dramas e tramas históricos. Assim, as entrelinhas do texto literário podem ser

interpretadas como memórias reconstruídas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para tanto, o aluno precisa se perceber como sujeito histórico, ser

humanizado e nada mais interessante para isto, do que um ensino de história que o

proporcione refletir sobre essa realidade, pois as informações contidas (conteúdos) se

transformam em conhecimento, e este faz parte do cotidiano do aluno para transforma a

realidade que o cerca, pois, o conhecimento histórico por si próprio, carrega profundo

potencial transformador. Percebe-se então, que nessa perspectiva o texto literário serve

Page 93: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

93

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

de suporte para o aluno compreender um meio social, os comportamentos, a política e a

cultura de uma determinada sociedade, pois os textos literários possibilitam abordagens

mais complexas que merecem ser introduzidas na sala de aula pelo professor de história.

Nesse sentido este trabalho continua com o debate de ampliação da

literatura como como suporte para o ensino de História e, sendo esta arte, reflete as

representações da cultura de um povo conseguindo traduzir suas peculiaridades locais e

expressando na memória os traços do momento histórico e da realidade social

obviamente, é uma das formas de manifestar a cultura. (PINSKY & LUCA, 2013).

Portanto, sendo a literatura uma instância crítica de reflexão sobre a história, e que

trabalha com as múltiplas representações discursivas presentes nas práticas sociais,

reinventando de forma verossímil e mimética a realidade e, assim problematiza questões

existentes nas sociedades, ela é um meio de refletir sobre a realidade, deixando de ser

mera ficção para dialogar com a realidade.

REFERÊNCIAS

BARTHES, Roland. Aula. São Paulo:Editora Cultrix, 1977.

BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de História: conteúdos e conceitos básicos. In.:

KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 5ª

edição. São Paulo: Contexto, 2007.

CHAUÍ, Marilena. A memória. In: Convite a Filosofia. São Paulo: Ática, 1994.

CANDAU, V. M. Multiculturalismo e educação: a construção de uma nova perspectiva.

In. CANDAU, V. M.(Org.). Sociedade, educação e cultura (s): questões e propostas.

Petrópolis/RJ: Vozes, 2002.

CANDIDO, Antônio. Literatura e sociedade. 8 ed. São Paulo: T. A. Queiroz;

Publifolha, 2006.

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.

HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções de nosso tempo.

Educação e realidade, Porto Alegre, v. 22, n. 02, p.15-46, jul. /dez. 1997.

Page 94: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

94

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

_________. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora

UFMG, 2003.

HALBWACHS, Michel. Memória coletiva. Tradução de Beatriz Sedou. São Paulo:

Centauro, 2006.

KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 5ª

edição. São Paulo: Contexto, 2007.

LE GOFF, Jacques. A história nova. São Paulo, Martins Fontes, 1990.

________________. História & Memória. 7ª Ed. Campinas – SP: Editora da Unicamp,

2013.

NORA, P. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História

(Revista do Programa de Estudos Pós-graduados em História/Departamento de História,

PUC-SP), São Paulo, v.10, p.7-28, 1993.

PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA, Tânia Regina de (orgs.). O historiador e suas

fontes. São Paulo: Contexto, 2013.

Page 95: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

95

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

GÊNERO, MULHERES E ENSINO DE HISTÓRIA

Gleiciane Brandão Carvalho1

1. INTRODUÇÃO

É necessário reconhecer que a construção de comportamentos e práticas

democráticas, e justas, devem ter no espaço escolar um lugar central. A escola é hoje

nomeadamente um local tanto de discussão de saberes e disseminação de

conhecimentos como de possibilidade de construção de sujeitos reflexivos e críticos e,

ao mesmo tempo, de reprodução de ideologias dominantes nas quais comumente cabe

aos homens um lugar de superioridade em relação às mulheres, algo similar ao que

ocorrer na relação negro/não negro, pobre/ não pobre. Se esse é um debate que toma

fôlego, sobretudo a partir do século passado com a luta pelos direitos civis das mulheres

e de seu lugar como sujeitos históricos, resta saber até que ponto se mantém a

construção da subserviência do feminino num mundo que não deixa de ser marcado pela

dominação e hegemonia masculina.

Ao mesmo tempo, a escola pode, sob certa perspectiva, ser vista como uma

caricatura da sociedade. Por ela passam como não passam por nenhum outro lugar,

limitadas por diminutivos, todas as idéias que uma sociedade quer transmitir para

conservar aquilo em que se acredita ou quer que se acredite (MORENO, 1999)

Esta pesquisa tem como foco a descrição e análise de discursos e

representações de gênero e de mulheres, em suas múltiplas conexões com outras

variáveis, a exemplo da classe (mulheres pobres e de outros estratos sociais) e do

pertencimento étnico-racial (mulheres negras, mulheres mestiças, mulheres brancas), no

universo do Ensino de História, a partir de Cabo Verde. Assim, tem-se como foco

buscar compreender as diversas formas de expressão do conceito de gênero e a presença

das mulheres, tanto em livros didáticos de história como no cotidiano escolar.

1Licenciada em Ciências Humanas- Sociologia, Campus de Bacabal, Universidade Federal do Maranhão. Membra do

Grupo Núcleo de Ensino Pesquisa e Extensão Sobre África e Sul Global (UFMA/UEMA/IFMA), Especialista em Educação, Pobreza e Desigualdade social- UFMA, Mestranda em Ensino História e Narrativas- UEMA

Page 96: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

96

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

O enfoque de análise aqui proposto perpassar questões acerca de

estereótipos e discriminação, dando-se destaque às representações da mulher, da mulher

negra, da mulher pobre e de outras vinculações e pertencimentos étnico-raciais, e como

isso se configura desde uma perspectiva de gênero. Qual lugar da mulher na história de

Cabo Verde, como podemos perceber o papel por elas desempenhado? Qual lugar da

mulher na literatura didática? Como são representadas as diferenças de gênero? Como

essas diferenças/desigualdades são tratadas e urdidas no universo escolar e nos livros

didáticos? Como a educação pode significar mudanças nas percepções das identidades

de gênero?

2. GÊNERO E MULHERES COMO FONTE DE ESTUDO

Na historiografia contemporânea, a categoria gênero é um termo recente e se

relaciona, embora não se reduza, à história social e à história das mulheres. Ao longo de

toda a história da escrita da história, chegando-se à profissionalização da disciplina

histórica no final do século XIX, o papel das mulheres e, mais que isso, a inscrição do

que seria o feminino e mesmo seu lugar na narrativa e no processo histórico, quase

sempre esteve subordinada à presença e à representação dos homens.

Seria sobretudo a partir da primeira geração da Escola dos Annales, com

Lucien Febvre e Marc Bloch, que começou a ser lançado um novo olhar sobre a imagem

das mulheres, desta vez como sujeitos históricos. Isto acabou ampliando as

possibilidades para a história das mulheres, na medida em que foi proporcionado “o

desenvolvimento de conceitos capazes de relacionar o cotidiano dos seres individuais e

concretos aos sistemas abstratos e aos processos históricos em que estavam inseridos”.

(DIAS, 1992)

A partir de uma conexão direta entre a história das mulheres e o movimento

feminista, passou-se, como lembra Michelle Perrot (1992), ao “desenvolvimento de uma

antropologia histórica na qual o estudo da família e os papéis sexuais estavam em

primeiro plano”.

Page 97: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

97

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Assim, com o gênero, novas temáticas passam a ser abordadas no campo

historiográfico: ao estudo das mulheres, somam-se aqueles das crianças, das famílias e

das ideologias presentes nos gêneros.

Se, de um lado, pode-se afirmar que de dentro das próprias transformações

do campo historiográfico foi surgindo uma nova ênfase sobre o feminino, de outro lado,

não se pode deixar de reconhecer que será sobretudo com as primeiras manifestações

feministas, que incluíam demandas como a extensão do direito de voto às mulheres, que

o debate sobre a história das mulheres e mesmo sobre uma visão mais política sobre o

gênero, toma corpo. No campo do feminismo, desde os anos 1960, surgem

preocupações em problematizar não apenas a história das mulheres como aquela

construída a partir do conceito de gênero.

Como lembra Boaventura de Santos Souza (2002), o feminismo é daqueles

poucos movimentos que se torna de fato emancipatório: partindo de uma demanda

apresentada por uma realidade concreta, percebível no senso comum (aquela da

desigualdade produzida por uma diferença de gênero), constrói-se uma reflexão teórica

profunda, uma teoria propriamente dita, a teoria feminista, mas esta teoria não se esgota

no mundo da reflexão teórica, ela, em certa medida, volta ao mundo da vida, e atinge os

espaços do mercado, da produção, da cidadania, da comunidade, atinge, assim, o mundo

da educação e do ensino formal. Será assim importante tentar observar como este

conhecimento que se apresenta como emancipador, isto é, promotor da igualdade de

gênero e de reconhecimento da história das mulheres enquanto sujeitos, se realiza na

realidade do ensino de história a partir de algumas de suas experiências no Maranhão.

O fato é que, a partir da década de 1960, surgem preocupações em se

teorizar e problematizar o conceito de gênero. Geralmente, são militantes feministas

inseridas no mundo acadêmico, as principais responsáveis por trazer esse debate para o

interior das universidades e escolas. Nessa esteira, vão surgindo os estudos da mulher.

A institucionalização dos estudos do gênero e da mulher se dá nos anos 1980. Os

estudos feministas acabaram evidenciando uma série de discursos de dominação

masculina: por exemplo, mostraram que quando as mulheres exerciam atividades fora

Page 98: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

98

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

do lar, comumente essa atividade era vista como algo secundário, uma espécie de

trabalho de apoio; denunciaram a presença diminuta ou a ausência feminina nas

ciências, nas artes e nas letras, bem como na política e na economia.

Extremamente significativo é notar que os estudos relacionados ao

feminismo vão se tornando fonte de discussões em diversas áreas, escapando ao próprio

universo estrito de origem do movimento, aquele do feminismo. É quando o termo

gênero ganha notoriedade. Como argumenta Joan Scott (1992), a categoria gênero se

propõe para a análise histórica no sentido de compreender e explicar significativamente

o caráter relacional, transversal dos processos sociais. Gênero é uma categoria de

análise histórica, cultural e política, e expressa relações de poder, o que possibilita

utilizá-la em termos de diferentes sistemas de gênero e na relação desses com outras

categorias, como raça, classe ou etnia, e, também, levar em conta a possibilidade da

mudança. (SCOTT, 1992).

Nos Estados Unidos, Joan Scott trabalha no cruzamento do feminismo e a

da história das mulheres. Do outro lado do Atlântico norte, na França, Michelle Perrot

(1992) questiona o lugar da história das mulheres dentro da disciplina de história:

mostra que os primeiros trabalhos sobre as mulheres tinham como preocupações o

debate sobre dominação e opressão, e posteriormente vão se preocupando cada vez mais

em dar visibilidade a mulheres guerreiras, ativas, criando-se o que se poderia chamar de

cultura feminina.

No contexto do Brasil, parece ter sido somente a partir dos anos 1980 que as

discussões sobre essa temática se tornam mais difundidas. De modo geral, uma das

questões centrais se torna tentar entender como o gênero constrói identidades.

Como lembra Buttler (2013), a invisibilidade das mulheres no mundo das

representações reflete no modo como a figura feminina tem sido historicamente

apreendida pela sociedade e nos locais a elas destinados.

Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea

humana assume no seio da sociedade. (BEAVOUIR, 1967). Ou seja, a mulher é uma

Page 99: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

99

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

construção social variante, que pode se modificar de acordo com o local, costume,

cultura, religião e época.

Gênero tem sido cada vez mais usado como uma referência qualquer que

tenha a ver com a distinção masculino/feminino, incluindo as construções que separam

corpos “femininos” dos corpos “masculinos”. E nessa construção social a mulher foi

sempre vista como o outro.

Na realidade, as mulheres foram oprimidas, excluídas e silenciadas da

história oficial do mundo, e aparecem nos livros didáticos como “figurantes” no

processo de construção social do país; pouquíssimas mulheres e muito menos mulheres

negras são citadas e apresentadas nos livros didáticos.

No decorrer da história as representações de gênero foram pautadas dando

ao homem a obrigação de ser forte, e à mulher de ser submissa, fraca e frágil e isso

perpassou os anos. Precisa-se problematizar até que ponto estes estereótipos ainda se

poderiam observar no livro didático e na história ensinada.

No que tange especificamente às mulheres negras é importante salientar que

dentre as desigualdades, a desigualdade contra a mulher negra ainda é uma das mais

alarmantes, visto que esta é constantemente vítima de preconceito de gênero e racial.

Esse preconceito é fruto da “herança de um processo injusto de abolição da escravatura

e de uma sociedade construída sobre base patriarcal e machista colocou as mulheres

afrodescendentes como alvo de duplo preconceito, o racial e o de gênero. (SANTOS,

2009) Para a compreensão dessa condição, a que foi submetida a mulher e seus desafios

de resistência e superação, faz-se necessário buscar relações entre o presente e o

passado.

Os estudos sobre essa temática revelam quão dramática e exacerbada é essa

desigualdade em que as mulheres e, particularmente, as mulheres negras e pobres, estão

inseridas, e apontam que são as maiores vítimas da desigualdade em nossa sociedade.

Desigualdade que não está relacionada apenas com as péssimas condições

socioeconômicas da população negra, mas também pela negação cotidiana de ser

mulher e negra como algo positivo. Os estereótipos, a imagem e os papéis sociais

Page 100: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

100

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

destinados as mesmas tentam alimentar um sentimento de inaptidão intelectual,

inferioridade e exclusão social.

De acordo com Pereira e Freire (1991), o público, o oficial e os “grandes”

nomes da história continuam com lugar assegurado, enquanto as mulheres, os pobres, as

crianças, como não estão efetivamente presentes na vida pública, continuam de fora, ou

no máximo entram como parte complementar, fora do texto principal, na maioria das

vezes ganhando o status de peculiar e exótico.

Partindo do pressuposto que gênero é uma expressão social história, Scott

(1990) em seu artigo intitulado “Gênero: uma categoria útil de analise história” coloca

gênero como uma percepção das diferenças entre os sexos, sendo construído para

demarcar relações de poder e afirma que “inscrever as mulheres na história implica

necessariamente na redefinição e o alargamento das noções tradicionais do que é

historicamente importante para incluir tanto a experiência pessoal e subjetiva quanto as

atividades públicas e políticas.”

De um lado “gênero” foi desenvolvido e é sempre usado em oposição a

“sexo”, para descrever o que é socialmente construído, em oposição ao que é

biologicamente dado (NICHOLSON, 2000)

Nicholson (2000), assim como Scott, parte do pressuposto que gênero é uma

construção social para diferenciar homens e mulheres e compreende que a sociedade

forma além de personalidade e comportamento, o modo como o corpo aparece, ou seja,

a maneira como a sociedade representa o corpo e os espaços que esses sujeitos vistos a

partir dos seus corpos ganharam na história.

Lauretis (apud CASTRO, 1992) acredita que gênero é um construído nos

interstícios, na própria ambiguidade de estar através e contra discursos. Partindo das

ideias de Barbosa (2007), reconhece-se que as relações sociais sobre o feminino e o

masculino muitas vezes não coincidem com as práticas cotidianas, e as identidades de

gênero são comumente construídas desde este lugar ambíguo.

A partir do momento que gênero foi visto como categoria vê se a

necessidade de problematizá-lo compreendendo seu papel em cada período histórico.

Page 101: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

101

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

3. GÊNERO, MULHERES E ENSINO DE HISTÓRIA

A disciplina de História dispõe de subsídios para compreender as

diversidades que nos cercam, e a escola faz parte da construção da identidade do aluno.

Por meio de sua organização, seja da estrutura física ou das práticas pedagógicas, a

escola institui valores que auxiliam na (des)construção de estereótipos que inferiorizam

as mulheres, principalmente as mulheres negras. O conceito de gênero e raça atrelado à

educação auxilia o aluno a compreender o processo de construção histórica e os papeis

socais de cada sujeito em uma dada sociedade.

Trabalhar gênero em sala de aula possibilita que o estudante entenda a

construção do ser “homem” e do ser “mulher” em uma dada sociedade e um período

específico do tempo, buscando resgatar silêncios esquecidos da história, principalmente

de mulheres que dificilmente aparecem como seres agentes na construção histórica do

mundo.

A inserção da discussão em torno de gênero na história enquanto disciplina

possibilita compreender que a participação das mulheres na construção social não foi

tão passiva e nem submissa, trabalhando dessa forma a mulher na história de maneira

mais problematizada. Compreendendo e demonstrando os papéis destinados às

mulheres em cada período histórico, a participação em fenômenos históricos e sua

contribuição em cada um deles, auxiliando a romper com alguns estereótipos que tem

contribuído para inferiorizar a mulher e colaborando assim para equidade entre alunos e

alunas a partir do momento que conseguem se ver como sujeitos históricos e não

simplesmente o outro.

Nos PCNs a questão sobre gênero encontra-se nos eixos transversais. De

acordo com Gadelman (2003, p. 213), a inclusão de gênero nos debates da sociedade

contemporânea é fundamental. A autora também critica as formas como se discute

gênero nos PCNs, pois nessas diretrizes “a categoria gênero aparece esvaziada dos

aspectos políticos e históricos, dizendo respeito, ao contrário, unicamente no âmbito da

família e das relações interpessoais”.

Page 102: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

102

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Nesse sentido, Tania Silva (2008) aborda sobre a invisibilidade das

mulheres nas narrações dos acontecimentos históricos e que isso foi uma questão que

alcançou até mesmo a historiografia de países nos quais as lutas das mulheres, suas

manifestações, por direito e igualdade havia se iniciado séculos antes no Brasil e em

Cabo Verde. Ou seja, a exclusão do papel da mulher das narrativas históricas e o

homem como ser universal é uma discussão que existe a muito tempo e por isso deve

ser trabalhada em sala de aula.

Nessa perspectiva, como lembra a filósofa Ivone Gebara, o discurso da

igualdade universal do seres humanos ocultou e oculta a desigualdade histórica e

cultural na experiência vivida, e este oculto atinge muito mais as mulheres que os

homens, bem como muito mais negros que brancos, e pobres que ricos.

A partir do momento que gênero foi visto como categoria vê se a

necessidade de problematizá-lo compreendendo seu papel em cada período histórico.

Ganldeman (2003), que discute gênero e ensino, relata que “cada vez mais

os historiadores contemporâneos têm reivindicado para a história um papel

desestabilizador, por assim dizer”. Nesse pensamento, é central “a noção de

contingência. A noção de que as coisas não precisavam necessariamente ter sido como

foram e principalmente, a de que não precisam continuar sendo de determinada maneira.

Assim, gênero seria “uma série de artefatos sociais sobrepostos aos dados biológicos do

sexo”. (GANDELMAN, 2003, p. 210)

É importante salientar que no livro didático a sociedade é representada na

grande maioria das vezes pelo “homem” branco. A mulher e os negros são apresentados

em alguns poucos momentos. De acordo com Chartier (1991, p. 183), há uma dupla via

quando se pensa em representação: a construção das identidades sociais como

resultantes sempre de uma relação entre representações impostas que detêm o poder de

classificar e de nomear e a definição de aceitação ou resistência que cada comunidade

produz de sim mesma; outra que considera o recorte social objetivado como tradução do

critério conferido à representação que cada grupo dá de si mesmo, logo a sua

Page 103: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

103

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

capacidade de fazer reconhecer a sua existência a partir de uma demonstração de

unidade..

De acordo com os PCNs a disciplina de História tem como função combater

as visões anacrônicas e etnocêntricas sobre acontecimentos sociais do passado e dos

dias atuais. Vendo gênero como temática, verifica-se que é de suma importância a

abordagem desse tema em sala de aula como forma de combater visões unicêntricas de

história, além de compreender as particularidades que foram atribuídas e que são

atribuídas ao gênero na sociedade atual.

Em todo os PCNs, há uma preocupação em se trabalhar a formação cidadã e

crítica do indivíduo e por isso é necessário que se estabeleça relações entre identidades

individuais, sociais e coletivas. Sendo que, nesse contexto, a memória é fator primordial

na construção da identidade.

A memória é um elemento constituinte do sentido de identidade, tanto

individual quanto coletivo, na medida em que ela é também um fator extremamente

importante no sentido de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em

sua construção de si. ( POLLAK, 1992, p. 5)

O livro didático é uma importante ferramenta na construção social do

indivíduo, tendo em vista que grande parte dos estudantes de escolas públicas possuem

apenas ele como material de pesquisa e fonte de conhecimento.

O fato é que é fundamental a inclusão dos estudos sobre gênero nos

currículos escolares (GANDELMAN, 2003), numa perspectiva de se compreender a

ideia de gênero como uma construção cultural (SCOTT, 1990; NICHOLSON, 2000), e

se reconhecer a questão da memória como importante para entender o que de fato foi

importante para escrita histórica, compreendendo-se a memória como um fenômeno

construído social e individualmente (POLLAK, 1989, 1993)

Os livros didáticos e o professor são ferramentas importantes na construção

identitária do indivíduo, um enfoque maior sobre as questões relacionadas a gênero faz

o aluno reconhecer como as construções sociais foram pautadas e como a memória aí se

alicerça. O ensino é um lugar de produção e transmissão de saberes e auxilia em uma

Page 104: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

104

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

reflexão do aluno sobre o seu “lugar na memória” relacionando o passado com o

presente.

Partindo do pressuposto de Nora (1993) a memória é vida, sempre carregada

dos grupos vivos e, nesse sentido ela está em permanente evolução, aberta à dialética da

lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável

a todos os usos e manipulações. A história é a reconstrução sempre problemática e

incompleta do que não existe mais. (NORA, 1993, p.8) E é nessa reconstrução que

algumas memórias são desconsideradas da construção histórica do sujeito. Ainda de

acordo com Nora (1993) a memória está em permanente evolução, aberta à dialética da

lembrança e do esquecimento, inconstante de suas deformações sucessivas, vulnerável a

todos os usos de manipulações susceptíveis de longas latências e de repentinas

revitalizações. (NORA, 1993, p.16)

Chartier (1991, p. 183) afirma que a “construção das identidades sociais

como resultante sempre de uma relação entre representações impostas pelos que detêm

o poder de classificar e de nomear e a definição de aceitação ou resistência que cada

comunidade produz de si mesma”

Deve-se destacar, com o reconhece Bitencourt (2002), que o livro didático é

um portador de sistema de valores, de uma ideologia, de uma cultura. Livros dessa

natureza transmitem estereótipos e valores de grupos hegemônicos, generalizando temas

de acordo com a visão eurocêntrica.

O livro didático é uma importante ferramenta na construção social do

indivíduo, tendo em vista que grande parte dos estudantes de escolas públicas possuem

apenas ele como material de pesquisa e fonte de conhecimento. O livro didático tem

uma força extremamente relevante. Trata-se de um recurso didático fundamental na

formação dos alunos. Trata-se portanto de um objeto muito influente no ambiente

escolar. Seus conteúdos, suas imagens, suas metodologias, despertam a curiosidade do

alunado.

Entende-se que o livro didático é uma importante ferramenta na construção

social do indivíduo e que após a implementação da Lei 10.639/2003, que torna

Page 105: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

105

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro brasileira nos currículos das

instituições de ensino básico, esse material passou obrigatoriamente a reservar um

espaço para se trabalhar acerca do continente africano.

Nos assuntos destinados a relatar sobre Cabo Verde, mais especificamente

sobre a descolonização de Cabo Verde, presente nos assuntos do terceiro ano do ensino

médio, percebe-se uma análise superficial sobre o conteúdo, além de não problematizar

acerca da presença das mulheres nesse contexto.

É sabido que Cabo Verde assim como o Brasil constitui um país onde os

padrões de gênero detêm um impacto significativo sobre a população feminina. De

acordo com Grassi (2003), as mulheres representam cerca de 64% dos analfabetos,

possuem as menores taxas de instrução e possibilidade de frequentar escolas, sobretudo,

aquelas que vivem no meio rural. A partir de 1990, com o apoio político internacional, é

possível observar que os níveis educacionais alcançaram índices satisfatórios,

possibilitando um maior acesso a educação. Isso pode ser verificado no aumento das

taxas de alfabetização no ensino básico, secundário e superior. Todavia, isso não

significou a diminuição da pobreza relativa, especialmente, quando analisada segundo

critérios de gênero. Ao avaliar a questão da pobreza entre os agregados familiares

chefiados por mulheres, Furtado (2008) percebe que embora os índices de analfabetismo

tenham se tornado menos desiguais entre homens (17%) e mulheres (19%), à medida

que aumenta o nível de escolaridade são os agregados chefiados por homens que estão

mais representados: 10% destes completaram o ensino secundário contra 5% das

mulheres

É necessário problematizar cada vez mais acerca das discursões

relacionadas a gênero e mulheres, tanto em Cabo Verde, quanto no Brasil a fim de

perceber o quão estigmatizada tem sido a mulher na escrita histórica.

Page 106: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

106

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É necessário notar conexões e rupturas entre as representações e práticas

instituintes das diferenças entre homens e mulheres na história produzida nos livros

didáticos e aquela ensinada em sala de aula, e ainda a vivência no cotidiano. Isto é,

perceber como se conectam a memória histórica sistematizada no livro didático e aquela

memória histórica vivida no cotidiano escolar na qual mulheres e homens tem papeis

inscritos frequentemente desde o lugar da natureza, e não da cultura. Entendendo o

espaço do ensino de história e da história ensinada no cotidiano escolar – quando se

conectam narrativa histórica e o ensino, acaba se configurando como lócus privilegiado

da produção de identidades que potencializam determinados tipos de posição social, a

exemplo daquelas relacionados ao gênero, em suas conexões com a raça/cor e a classe.

Pois, de fato cotidiano escolar é um local propício para interações e trocas

de culturas, onde a mente pode se abrir para esses assuntos, onde a relação ensino-

aprendizagem se faz presente, o conhecer passa a ser uma forma de garantir posições na

sociedade. É no cotidiano escolar que iremos aprender a nos identificar como

indivíduos, como cidadãos, sendo neste mesmo local onde aprenderemos o “certo” e o

“errado”, por isso desde cedo devemos ensinar isso a nossas crianças e adolescentes,

para que não saíam da escola com informações negativas, preconceituosas sobre tudo

aquilo que acompanhará em toda sua vida, não servindo apenas para sua trajetória

escolar, mas para sua formação como indivíduo.

REFERÊNCIAS

BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de História: fundamentos e métodos. - 4. ed. São

Paulo: Cortez, 2011.

DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Teoria e métodos dos estudos feministas: perspectiva

histórica e hermenêutica do cotidiano. In: COSTA, Albertina de Oliveira &

BRUSCHINI, Cristina (org.) Uma questão de gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos

Tempos; São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1992,

Page 107: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

107

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

FURTADO, Cláudio. Dimensões da pobreza e da vulnerabilidade da pobreza em Cabo

Verde: uma abordagem sistemática e interdisciplinar. Dakar: Codesria, 2008

GEBARA, Ivone. Rompendo o Silêncio. São Paulo: Editora Vozes, 2000.

GRASSI, Marzia. Rabidantes; comercio espontâneo transatlântico em Cabo Verde.

Portugal: Instituto de Ciências Sociais e Spleen Edições. 2003

MARLI, André. O cotidiano escolar, um campo de estudo. In. PLACCO, Vera Nigro de

Souza (Orgs.). O coordenador pedagógico e o cotidiano da escola. São Paulo: Loyola,

2003.

MORENO, Montserrat. Como se ensina a ser menina: o sexismo na escola. Trad.

MOREIRA, Jailma dos Santos Pedreira. Feminismos locais na sala de aula. In.

SANTOS, Cosme Batista dos; GARCIA, Paulo C. S.; SEIDEL, Roberto H. ( Orgs.).

Crítica Cultural e Educação Básica: diagnósticos, proposições e novos agenciamentos.

São Paulo: Cultura Acadêmica,2011.

POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Rio de Janeiro, Estudos

Históricos. vol. 2, p. 3-15, 1989.

SANTOS, Boaventura Sousa. A razão crítica da razão indolente: contra o desperdício da

experiência. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2002.

SCOTT, Joan W. "Gênero: uma categoria útil de análise histórica". Educação e

Realidade,

Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 5-22, jul./dez. 1990.

SILVA, Tatiana Raquel Reis. A arte de comerciar: gênero, identidades e

empoderamento feminino no comércio informal transatlântico das rabidantes cabo-

verdianas. Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Estudos Étnicos e

Africanos. Universidade Federal da Bahia, 2012.

ZAMPARONI, Valdemir. A África e os estudos africanos no Brasil: passado e futuro.

Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-

67252007000200018&script=sci_arttext> Acesso em 12 de Setembro de 2015

Page 108: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

108

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

O ENEM E O ENSINO DE HISTÓRIA: A IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA

LOCAL NO ENSINO MÉDIO

Francineia Pimenta e Silva

1. INTRODUÇÃO

Nossa atuação como professora de História da rede Estadual de Ensino do

Maranhão há 13 anos nos permitiu perceber muitas ações isoladas de professores de

História levando seus alunos para conhecer a historicidade que lhe cerca através de

atividades extraclasse em locais de memória da cidade, por entender que a realidade

local na qual o aluno está inserido é fundamental para sua compreensão de mundo.

Fatos como estes revelam que as políticas educacionais organizadas sem a participação

do professor comprometem de forma significativa o processo ensino aprendizagem, haja

vista que as determinações sobre o que ensinar, desconstrói o princípio de autonomia da

escola. Bittencourt chama atenção, “o professor é quem transforma o saber a ser

ensinado em saber aprendido, ação fundamental no processo de produção do

conhecimento. Conteúdos, métodos, e avaliação constroem-se nesse cotidiano e nas

relações entre professores e alunos”1. Embora não tenhamos aqui a pretensão de discutir

politicas educacionais, registramos nossas ressalvas por compreender a importância do

professor na definição das políticas públicas educacionais.

Considerarmos a possibilidade de transformar nossa problemática sobre a

importância do ensino de Historia do Maranhão no Ensino Médio, em objeto de estudo

no Programa de pós-graduação em Historia, Ensino e Narrativas da Universidade

Estadual do Maranhão- UEMA. Para tanto nosso objetivo com esse trabalho é analisar

as implicações do ENEM para a minimização do ensino da História Local nas aulas de

História do Ensino Médio, tomando como referência a voz dos professores e alunos do

CE liceu Maranhense, escola campo de nossa pesquisa por meio da aplicação de

questionários cujas questões investigaram sobre o ENEM e o ensino de História local.

1BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004. p. 50.

Page 109: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

109

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

O fato de ser preenchido pelo próprio pesquisado, sem a

presença do pesquisador, garante o anonimato muitas vezes

necessário. O anonimato contribui para que o pesquisado se

sinta mais seguro e, consequentemente favorece respostas mais

verdadeiras2.

Esta temática nos interessou mais ainda pela expectativa de identificar o

direcionamento dado pelos documentos oficiais que regulamentam a educação básica,

especificamente a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), as DCNEM (Diretrizes

Curriculares Nacionais para o Ensino Médio) e, principalmente, o ENEM que é um

mecanismo de avaliação que interfere diretamente no cotidiano escolar do Ensino

Médio, portanto o privilegiamos também como alvo de nossa abordagem.

Importante, observar a compreensão de como o ENEM trouxe implicações

pedagógicas no campo do currículo para o Ensino Médio, orientando a seleção e

ordenamento dos conteúdos. Nossa hipótese é de que a implantação do Exame Nacional

de Ensino Médio - ENEM - reforçou a minimização dos conteúdos de História local nas

aulas do Ensino Médio. Por isso, a importância de uma análise mais detida sobre as

prerrogativas do Exame Nacional do Ensino Médio- ENEM - e seus os efeitos na

minimização dos conteúdos de História local, no Ensino de História do Maranhão.

Diante do protagonismo do ENEM e suas fortes implicações no cotidiano da

sala de aula, direcionando os conteúdos a serem abordados e interferindo na prática

pedagógica do professor, ressaltamos algumas preocupações dentre as quais, a

minimização dos conteúdos de Historia do Maranhão no currículo escolar. A adesão das

universidades públicas federais ao Exame Nacional de Ensino Médio contribuiu de certa

forma para que o ensino de História local deixasse de fazer parte dos interesses dos

alunos e sua presença nos planos anuais das instituições escolares públicas fosse restrita

a temas vinculados ao contexto nacional como exige o referido exame. Com isso,

acredita-se que os conteúdos abordados nos livros didáticos, geralmente História Geral e

do Brasil, satisfazem as necessidades dos alunos no que tange ao componente curricular.

2FACHIN, Odília. Fundamentos de Metodologia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.p.151.

Page 110: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

110

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Nessa lógica, desconsideram a importância da História local como campo

essencial para a compreensão da realidade em que os discentes estão inseridos.

De acordo com os PCN’S, as escolhas do que ensinar são provenientes de

fatores inerentes a realidade social do aluno, não exclusivamente das mudanças

historiográficas. A construção da noção de identidade faz parte do objetivo do ensino de

História. Portanto, estabelecer uma relação entre o particular e o geral, no que tange ao

indivíduo é essencial. Priorizar sua localidade e sua cultura permite identificar as

diferenças e ao mesmo tempo a compreensão do outro3.

2. O ENEM E A REORGANIZAÇÃO CURRICULAR DO ENSINO MÉDIO

O Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM), como uma política

educacional reorganizou a base curricular do Ensino médio no Brasil, dando a este

maior visibilidade. As bases legais que o instituíram como mecanismo de avaliação

contribuíram para um replanejamento das propostas pedagógicas direcionadas ao ensino

médio, promovendo inovações introduzidas no processo educativo. Porém, é necessário

compreender as bases histórica da educação brasileira sobre as quais está assentado o

processo de (re)organização do ensino médio no Brasil (re)conhecendo-se as legislações

e as políticas públicas que definiram sua identidade integradora na atualidade.

Criado pela portaria nº 438, de 28 de maio de 1998, o ENEM já tinha suas

bases lançadas desde 1996, pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que na ocasião

estabeleceu as chamadas competências e habilidades como matrizes de referência para o

exame. A proposta do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

Anísio Teixeira) instituição responsável pela normatização e execução do mesmo, era

de início elaborar um modelo de avaliação para aferir o rendimento dos alunos do

ensino médio, a partir dos conteúdos adquiridos nesse período.

3 BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação e Tecnológica. Parâmetros Curriculares

Nacionais: Ensino Médio. Brasília, 1999. p. 41-55.

Page 111: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

111

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

O exame promoveria o reconhecimento das possíveis falhas no currículo

dessa fase escolar dos estudantes e indicaria os caminhos para as mudanças previstas

para melhorar a qualidade da educação no país, desde então. A Portaria MEC nº 438,

definia enquanto objetivo do ENEM, o de proporcionar uma avaliação de desempenho

dos alunos, ao término de sua escolaridade básica, obedecendo a uma estrutura de

competências associadas aos conteúdos disciplinares, apreendidos na escola pelos

estudantes. Em seu Artigo 5º, a portaria estabelece ainda,

A participação no ENEM é voluntária, circunscrita aos egressos do ensino médio em qualquer um de seus cursos,

independentemente de quando o concluíram, e aos concluintes da

última série do ensino médio, também em qualquer uma das suas modalidades, podendo o interessado participar do exame quantas

vezes considerar de sua conveniência4.

Em 1998 a não obrigatoriedade do exame, e o fato de sua proposta ainda

não contemplar a ideia de seleção que proporcionasse uma porta de acesso para o

mercado de trabalho ou para complementação dos estudos nas universidades públicas,

como viria a acontecer posteriormente, talvez por isso a adesão dos estudantes tenha

sido mais restrita, como demonstra a participação na primeira edição realizada em 1998.

Foram 157,2 mil inscritos e 115,6 participantes de acordo com o INEP na comparação

com os anos seguintes, pode-se constatar um aumento significativo5. Naquele momento

o ENEM, era visto como uma avaliação de referência individual, que permitia ao

examinando verificar seu desempenho em relação aos outros participantes através de

um boletim individual divulgado após correção das provas no site do INEP.

O ENEM ocupou o lugar dos principais vestibulares do país, e passou a

orientar as propostas curriculares definindo os conteúdos abordados nas salas de aula,

assim entende-se nesta investigação que a exigência das diretrizes que amparam o

4BRASIL. Portaria MEC Nº 438, de 28 de maio de 1998. Institui o Exame Nacional do Ensino Médio

ENEM. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Ministério da Educação, Brasília, DF, 1

jun. 1998. Seção 1, p. 5. 5BRASIL. Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM): Relatório pedagógico 2002. Brasília:

MEC/INEP, 2002.

Page 112: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

112

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

exame, interfere diretamente na possibilidade de lograr êxito quanto a parte

diversificada, haja vista que fatores como a carga horária, o despreparo dos professores

e quiçá o desinteresse dos alunos por conteúdos que não são contemplados pelo ENEM,

geram um descompasso na aplicação da letra da lei da LDB, que prevê uma parte

diversificada para o currículo, mas no entanto deixa-a de fora do exame que averigua a

qualidade do Ensino Médio.

Em 2009, as mudanças implantadas deram origem ao novo ENEM, através

da portaria nº109 de 27 de maio deste mesmo ano. Nessa reformulação, o número de

questões aumentou de 63 para 180, o MEC incluiu o método da seleção unificada, onde

as universidades públicas federais aderiam ao projeto usando as notas do exame como

porta de acesso aos cursos de graduação. O MEC acenava para a possibilidade de

locomoção dos estudantes pelo território nacional, pois a medida previa que o mesmo

utilizasse sua nota na instituição desejada independente da região. De acordo com o

MEC, mesmo que o vestibular tradicional desempenhe de maneira satisfatória a função

de selecionar os candidatos mais preparados para cada um dos cursos, dentre os que se

inscreveram, ele traz implícitos inconvenientes, por exemplo, a descentralização dos

processos seletivos, que acaba limitando o pleito e favorecendo os candidatos com

maior poder aquisitivo, capazes de diversificar suas alternativas na disputa por uma das

vagas oferecidas6.

Nessa nova versão, o MEC disponibilizou uma lista de conteúdos, o que foi

denominado de objetos de conhecimentos presentes na matriz de referência, estes

seriam, portanto os conteúdos possíveis de serem exigidos pelo exame. A proposta

inicial do MEC era que estes conteúdos fossem elaborados em parceria com as

instituições. O documento diz que, a inovação seria uma avaliação estruturada a partir

de uma matriz de habilidades e um conjunto de conteúdos integrados a elas. Esta

estrutura traria para perto do exame das Diretrizes Curriculares Nacionais e dos

6BRASIL. Portaria MEC Nº 109 de 27 de maio de 2009. Institui Dispõe sobre Alterações da Portaria

438/98. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Ministério da Educação, Brasília, DF, 1

out. 2009. Seção 3, p. 49.

Page 113: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

113

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

currículos exercidos nos colégios, contudo sem abdicar o padrão de prova situado nas

competências e habilidades7.

Desse modo, o ENEM, acabou por determinar os conteúdos a serem

trabalhados nas salas de aula. Em meio a isso, as escolas organizaram seus currículos e

os alunos direcionam seus interesses nesse sentido, visando à aprovação. Os conteúdos

de história local que não estão inseridos nos contextos abordados, ou que não estão

presentes nos livros didáticos parecem não ter mais significado. O Exame é um modelo

de avaliação que prima por uma história nacional em detrimento das especificidades

locais e regionais. Mediante as características regionais do nosso país, um exame com

essas características remete algumas discussões, considerando as diversas realidades

brasileiras do norte ao sul. As particularidades e problemas, experiências em todos os

grupos de pais, professores e alunos sugerem aparências bastante diversas, demandando

estudos e comprometimento, na finalidade de gerar, a médio e longo prazo equiparação

de rendimentos, partindo de um trabalho formativo e cooperativo em grandes

proporções8.

O ENEM endossa as políticas de financiamento mediante os resultados de

desempenho dos examinados, o governo federal tem nele um instrumento que permite

aferir a realidade educacional de todo o país e diagnosticar o fosso entre a rede

particular e pública de ensino. O monitoramento da educação a partir desses

instrumentos de avaliação perpassa pela imposição de instituições financeiras como o

Banco Mundial que tem seus alicerces capitalistas e precisam, portanto ajustar todos os

setores incluindo o educacional aos moldes dos organismos internacionais. Assim o

ENEM além de direcionar os conteúdos, o acesso às universidades também insere a

educação na cadeia financeira. E limita as especificidades regionais de uma participação

mais concreta.

7BRASIL. Ministério da Educação. Matriz de Referência para o ENEM. Brasília: MEC/INEP, 2009. 8FAMBRINI, V. O impacto do ENEM no processo seletivo da PUC. São Paulo: Faculdade de

Educação, PUC-SP, 2002. Dissertação de Mestrado em Educação, Faculdade de Educação PUC-SP,

2002.

Page 114: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

114

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

3. O LUGAR DA HISTÓRIA LOCAL NO ENSINO DE HISTÓRIA

A partir do século XX, a história política deixa de ser determinante, na visão

dos historiadores ligados a Escola dos Annales, que por sua vez defendem que a tarefa

das ciências humanas é explicar o social, “no lugar da história política ou do Estado, de

alguns indivíduos ou das elites, ao invés da historia narrativa e factual, linear e detentora

da verdade, eles queriam estudar a sociedade, os grupos sociais”9.

Epistemologicamente, as correntes contemporâneas, se harmonizaram com o ambiente

intelectual e político que inspiravam um desejo de fazer a revolução historiográfica,

encerrando com o reinado da historia política e arcando com os custos da renovação,

onde os povos e a sociedade seriam os protagonistas. Aproximar a historia das outras

áreas do conhecimento passou a ser uma preocupação dos historiadores que distribuíram

seus interesses, desejosos de ir ao fundo das coisas e de captar os fenômenos registrados

numa longa duração.

As novas perspectivas históricas que condenaram a historia política

tradicional, passaram a incorporar alguns termos e conceitos, no sentido de justificar

uma possível decadência ou mesmo uma omissão em relação ao político. “A isso se

segue uma exigência metodológica mínima: a obrigação de compreender os conflitos

sociais e políticos do passado por meio das delimitações conceituais e da interpretação

dos usos da linguagem feitos pelos contemporâneos de então”.10

O lugar secundário que

a historia política assumiu teve com a segunda geração dos Annales uma abordagem

centrada no tempo curto, constatou-se, portanto, a necessidade de agregar novos

argumentos teóricos e empíricos para fortalecer as exigências das múltiplas histórias, de

uma historiografia que se convencionou chamar de “nova história”. Noutro patamar de

observação, pretendeu- se redefinir o político a partir da noção de social e

representação. Constituem objeto da historia social a busca das gêneses das sociedades

9LARA, Silvia Hunold. A herança dos Annales: o princípio e seus discípulos. Porto Alegre: Editora da

UFRGS. 2000, p. 235-245. 10KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de

Janeiro: Contraponto, 2006. p. 103.

Page 115: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

115

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

ou as estruturas constitucionais, de tal modo como as relações entre grupos, camadas e

classes; a história social investiga as conjunturas nas quais ocorreram determinados

eventos, focando nas estruturas históricas de médio e longo prazo11

.

Enquanto campo de pesquisa a historia local ocupa o interesse dos

historiadores a partir das décadas de 1960 e 1970, quando a instancia cultural passou a

ser uma preocupação, de repente valores e atitudes passaram a significar uma

possibilidade de compreensão da realidade. “A História Local traz uma maneira

bastante complexa de pensar e fazer a Historia, em termos de aprendizagens e

concepções, colocando em destaque a perspectiva da diversidade e pluralidade das

identidades”12

. Nessa perspectiva consubstanciamos mais uma vez a História Local

como uma produção historiográfica reconhecida entre as novas formas de escrita, pois a

mesma ao aproximar-se de historicidades culturais que dar voz as especificidades

convertem-se em conhecimento histórico. Em face do exposto, a teoria da historia é

desafiada por novas questões e mudanças sociais e culturais que renovam as construções

teóricas e reforçam a cientificidade das narrativas contemporâneas.

O encontro dos historiadores com a questão regional coincide com o período

em que o conceito de “região” advém por intensas alterações, propostas especialmente

pelos geógrafos. Muitos geógrafos têm deixado a antiga e difundida utilização

determinista do conceito como sinônimo de “região natural”, ou seja, de um conjunto

relativamente homogêneo de dados naturais como clima, relevo, vegetação, hidrografia

etc, cuja influência se amontoar-se a ação do homem e até mesmo a determina13

. O

termo “região” é definido pelos geógrafos críticos como a categoria espacial que

expressa uma especificidade, uma singularidade dentro de uma totalidade, assim a

região configura um espaço particular dentro de uma determinada organização social

mais ampla, com a qual se articula.14

Essa concepção inova ao conferir uma

11KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de

Janeiro: Contraponto, 2006. p. 103. 12SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. O ensino de história local e os desafios da formação da consciência histórica. In: MONTEIRO, Ana Maria

F.C.GASPARELLLO, Arlette Medeiros, MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Ensino de História: Sujeitos, saberes e práticas. Rio de Janeiro: Ed. Maud X,

2007. p.190.

13 AMADO, Janaína. História Regional e Local. In: ___. República em Migalhas. São Paulo: Marco Zero, 1990. p.8.

14 AMADO, Janaína. História Regional e Local. In: ___. República em Migalhas. São Paulo: Marco Zero, 1990.

Page 116: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

116

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

possibilidade de análise mais enriquecedora à medida que alia a questão geográfica um

pouco de historicidade. O que pretendemos demonstrar é que o conceito de região

legitima as diferenças e a diversidade que existem na organização espacial brasileira,

nos ajudando a compreender os aspectos políticos, sociais, econômicos, históricos e

ideológicos que interferem nessa configuração e propiciam uma historiografia regional.

O regionalismo é visto como um elemento da nacionalidade brasileira. [...]

As regiões, no Brasil, se definiram, então, por histórias deferentes.15

Estaria na

historiografia regional à possibilidade de aglutinar as especificidades de um

determinado lugar, desmistificando a ideia de homogeneidade elaborada pelo Instituto

Histórico Geográfico Brasileiro, que ao reproduzir o modelo de civilização europeia

transforma a história regional e local em mera complementação da historia nacional. “É

privilegiada a perspectiva de considerar as regiões não nas suas especificidades,

descartando com isso a polêmica do regionalismo, mas na sua intrínseca organicidade

ao conjunto nacional” 16

.

A incorporação desses novos elementos na historiografia, nos remete a

debater também nessa pesquisa sobre a História enquanto disciplina, repensando o fazer

docente a partir de novos patamares.

Abriu-se uma perspectiva com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional lei N° 9394/96, de valorização do ensino regional, a saber:

Art.26 - Os currículos do ensino fundamental e médio

devem ter uma base nacional comum, a ser complementada em cada

sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da

sociedade, da cultura, da economia e da clientela. 17

Dessa forma o ensino de Historia do Maranhão, contempla os interesses

pedagógicos e curriculares dessa nova conjuntura educacional comprometida com a

1990,p.8.

15 ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes. 2009. Ed. Cortez, p.75.

16GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história

nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 1, p. 23-24. 1988.

17BRASIL. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília-DF: Casa Civil, 1996. p. 14-15.

Page 117: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

117

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

ideia de “base nacional comum” exigida pelo novo modelo de acesso à universidade

publica o ENEM. Haja vista que este por sua vez, contribui para a definição dos

conteúdos a serem abordados nas escolas de ensino médio de todo o país.

O ensino de História e as mudanças pelas quais a disciplina tem passado e o

contexto em que ela se encontra hoje, com o intuito de compreender a incorporação do

estudo de História do Maranhão no currículo das escolas do ensino médio, como

também a pratica do docente pra tornar esse conteúdo, interesse do aluno. O palco de

investigação que estamos titulando de “ensino de História” tem como núcleo inicial a

metodologia do ensino da Historia, porém ampliou-se expressivamente nas últimas

décadas, englobando primeiramente as questões relacionadas com o “como” ensinar,

passando pela discussão sobre os conteúdos (o que ensinar) e objetivos (para quem, a

serviço de quem e por que ensinar) chegando a busca sobre a aprendizagem histórica

como fenômeno social, capaz de assinalar elementos para a compreensão da

atualidade18

.

Dito de outra forma o ensino da história local é uma perspectiva

metodológica que possibilita ao aluno indagar-se sobre o mundo da qual faz parte,

colocando as especificidades em conexão com o espaço nacional.19

Algumas

possibilidades de trabalho com a história local encontram respaldo na teoria de Jorn

Russen, cuja concepção sobre a consciência histórica relacionada a relevância das

experiências individuais e coletivas se aprimoram constituindo identidade ao sujeito20

.

A articulação entre a história universal, nacional e local recria possibilidades

de envolvimento dos alunos nas aulas de História, pois demanda o reconhecimento da

heterogeneidade e distinção das particularidades que permeiam a compreensão das

raízes históricas que aproximam os sujeitos sociais. As diversas metodologias que o

18CERRI, Luís Fernando (Org). Ensino de História e educação: olhares em convergência. Ponta Grossa. Paraná: Ed. UEPG, 2007.

19 SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. O ensino de história local e os desafios da formação da consciência histórica. In: MONTEIRO, Ana Maria

F.C.GASPARELLLO, Arlette Medeiros, MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Ensino de História: Sujeitos, saberes e práticas. Rio de Janeiro: Ed. Maud X,

2007.

20Ibid.

Page 118: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

118

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

trabalho com a história local desperta coloca o aluno na condição de protagonista da sua

historicidade, colocando o de frente com seu objeto de estudo, propiciando experiências

que despertam indagações e permite descobertas que constituem sentido ao fazer

pedagógico nas aulas de História.

A riqueza das fontes no trabalho com o local diversifica e amplia as

possibilidades de aprendizagens, ademais propõe um ”aprender a aprender”21

que vai

além dos livros didáticos e vincula o aluno ao espaço social em que vive. Levando em

conta os desafios de ensinar História hoje para essa juventude irrequieta e cheia de

informações, considerando ainda as diversas realidades da sala de aula, percebemos

como é urgente redefinir o conhecimento histórico que chega até eles. Acreditamos que

o ensino da História do Maranhão com metodologias que incitam a participação abre

novas perspectivas para o Ensino de História. O perfil do aluno hoje aumenta o desafio

do professor, principalmente o de História que precisa desconstruir sua relação com as

narrativas factuais, que tornam a disciplina coadjuvante na formação do aluno. “Trata-se

de gerações que vivem o presenteísmo de forma intensa, sem perceber liames com o

passado e que possuem vagas perspectivas em relação ao futuro pelas necessidades

impostas pela sociedade de consumo que transforma tudo, incluindo o saber escolar em

mercadoria” 22

.

Diante dessa argumentação, com a qual concordamos atribui-se História o

papel de estimular posturas críticas, daí a necessidade de aulas que dialoguem com a

pluralidade de saberes e potencialize praticas pedagógicas inovadoras ligadas ao aparato

tecnológico que intensifica o conhecimento do mundo e de si mesmo.

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

Essa investigação envolveu o debate sobre o ENEM e o ensino de História,

com o intuito de encontrar o lugar da História Local no ensino médio, em meio às

21 UNESCO. Relatório da reunião Educação para o Século XXI. 1999. 22BITTENCOURT. Circe. Capitalismo e cidadania nas atuais propostas curriculares de História. In: ___. (Org.). O saber histórico na sala de aula. 2. ed.

São Paulo: Contexto, 1998. p. 14.

Page 119: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

119

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

especificidades que envolvem a relação do ENEM enquanto política de avaliação que

definiu as normas de orientação do trabalho na sala de aula com a minimização dos

conteúdos de história local pela disciplina história no nível médio de ensino. Com a

expectativa de confirmar nossa inquietude buscamos conhecer a priori o ENEM a partir

da portaria 438/98 que institucionalizou o exame e seus principais pressupostos

enquanto instrumento avaliativo que teve seu nascedouro em meio às políticas

neoliberais da década de 1990.

Nesse âmbito o exame tornaria um mecanismo para diagnosticar os

problemas do ensino médio a partir da avaliação dos egressos da educação básica e

medir a qualidade do ensino ofertado nas escolas. A análise da portaria 438/98 nos

permitiu conhecer a estruturação do exame pautada nas competências e habilidades e

em perfeita sintonia com os documentos oficiais que regem a educação – a LDB, as

DCNEM e os PCN`s, bem como a observação das mudanças ocorridas ao longo de sua

implantação, entre elas a reformulação de 2009, que inclusive repercutiu no cenário

brasileiro caracterizando o exame como um modelo novo agora reconhecido como

Novo ENEM, que dentre as novidades implantou uma matriz de referência que lista os

conteúdos nomeados de objetos de conhecimento e associados as suas respectivas

competências e habilidades que fazem parte das áreas de conhecimento.

No conjunto dos estudos realizados nos deparamos ainda com a necessidade

de discutirmos nosso objeto de estudo- a História Local, (definida por nós como lugar

cuja singularidade aproxima o aluno da sua historicidade, a História do Maranhão) e sua

relação com o ensino de História, em meio às mudanças historiográficas que permitiram

a escrita da história avançar rumo às novas perspectivas do saber histórico.

A diversidade de abordagens na historiografia contemporânea permitiu a

ampliação do campo de atuação do historiador, com a incorporação de novas fontes e

novos objetos de estudo. A história local, por exemplo, apresenta novas perspectivas

que rompe com a ideia de nação, concepção criada pelo Estado moderno e amparada

aqui no Brasil pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) que conforme

MARTINS (2013, p.137) alcançou significativa uniformidade dos comportamentos das

Page 120: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

120

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

pessoas no interior de seus territórios. A nação homogênea ignorava as especificidades

locais.

REFERÊNCIAS

AMADO, Janaína. História Regional e Local. In: ___. República em Migalhas. São

Paulo: Marco Zero, 1990.

ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes. 2009. Ed.

Cortez, p.75.

BITTENCOURT. Circe. Capitalismo e cidadania nas atuais propostas curriculares de

História. In: ___. (Org.). O saber histórico na sala de aula. 2. ed. São Paulo: Contexto,

1998. p. 14.

BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo:

Cortez, 2004. p. 50.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação e Tecnológica. Parâmetros

Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília, 1999. p. 41-55.

BRASIL. Portaria MEC Nº 438, de 28 de maio de 1998. Institui o Exame Nacional do

Ensino Médio ENEM. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Ministério

da Educação, Brasília, DF, 1 jun. 1998. Seção 1, p. 5.

BRASIL. Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM): Relatório pedagógico 2002.

Brasília: MEC/INEP, 2002.

BRASIL. Portaria MEC Nº 109 de 27 de maio de 2009. Institui Dispõe sobre Alterações

da Portaria 438/98. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Ministério da

Educação, Brasília, DF, 1 out. 2009. Seção 3, p. 49.

BRASIL. Ministério da Educação. Matriz de Referência para o ENEM. Brasília:

MEC/INEP, 2009.

CERRI, Luís Fernando (Org). Ensino de História e educação: olhares em

convergência. Ponta Grossa. Paraná: Ed. UEPG, 2007.

FACHIN, Odília. Fundamentos de Metodologia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

Page 121: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

121

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

FAMBRINI, V. O impacto do ENEM no processo seletivo da PUC. São Paulo:

Faculdade de Educação, PUC-SP, 2002. Dissertação de Mestrado em Educação,

Faculdade de Educação PUC-SP, 2002.

GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto

Histórico Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional. Estudos

Históricos, Rio de Janeiro, n. 1, p. 23-24. 1988.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos

históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. p. 103.

LARA, Silvia Hunold. A herança dos Annales: o princípio e seus discípulos. Porto

Alegre: Editora da UFRGS. 2000, p. 235-245.

MARTINS, Marcos Lobato, História Regional, In: PINSKY, Carla Bassanezi ( Org).

Novos temas nas aulas de História, 2ª ed, São Paulo: Contexto, 2013.

SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. O ensino de história local e os desafios da formação da

consciência histórica. In: MONTEIRO, Ana Maria F.C.GASPARELLLO, Arlette

Medeiros, MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Ensino de História: Sujeitos, saberes e

práticas. Rio de Janeiro: Ed. Maud X, 2007.

Page 122: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

122

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A HISTÓRIA DO MARANHÃO NO CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO

(1996 – 2016)

Márcio Henrique Baima Gomes1

1. O CURRÍCULO ESCOLAR

Nesta seção, pretende-se abordar as relações entre o currículo e o ensino de

História levando-se em consideração que o currículo é um artefato social e histórico e

como tal tem influência sobre o ensino da disciplina de História.

1.1 Currículo: conceito e implicações para o ensino de História

Etimologicamente, a noção básica do termo currículo é de origem latina,

Scurrere, correr, que se refere a curso (ou carro de corrida) (GOODSON, 1995).

Designa também, o que deve ser aprendido e ensino em determinada instituição de

ensino, conteúdos e programas previamente definidos. Consideramos esse entendimento

inicial importante para a discussão. Mas é bom lembrar que a noção de currículo vai

muito mais além e não se esgota em hipótese alguma na etimologia uma, vez que

somente o significado não abrange outras questões (históricas, sociais, culturais, etc.)

que permeiam o currículo.

Ampliando a definição, consideramos também que o currículo pode ser

entendido como:

[...] a seleção dos conhecimentos historicamente acumulados, considerados

relevantes e pertinentes em um dado contexto histórico, e definido tanto por

base o projeto de sociedade e formação humana que a ele se articula; se

expressa por meio de uma proposta pela qual se explicitam as intenções da formação, e se concretiza por meio das práticas escolares com vistas a dar

materialidade a essa proposta. (BRASIL, 2013, p. 179, grifo nosso).

Segundo a citação acima, o currículo deve contemplar os anseios de

formação da sociedade por meio do conhecimento selecionado e disposto no próprio

1 Aluno do Programa de Pós-Graduação em História, Ensino e Narrativas – PPGEHN-UEMA.

Page 123: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

123

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

currículo, para se efetivar no cotidiano das práticas escolares dos respectivos sistemas

de ensino, resultado também dos contextos históricos e sociais específicos.

É de suma importância, ao iniciarmos uma discussão sobre o currículo,

levarmos em conta que o mesmo é entendido aqui como um construto social e histórico,

marcado por intencionalidades, objetivos e interesses sociais, políticos e ideológicos. Na

condição de construto social, o currículo escolar existe para atender a certos objetivos

humanos de natureza específica, principalmente voltado para a área da organização do

conhecimento (GOODSON, 1997). Sendo assim, o currículo deve ser cuidadosamente

analisado levando em consideração as forças históricas, sociais, econômicas, culturais,

ideológicas e políticas que o produz e o concretiza no interior da sociedade.

Encarado dessa forma, o currículo não pode ser entendido como instrumento

de formação neutro, ou seja, desprovido de um sentido maior, uma vez que o mesmo

extrapola o âmbito do escrito/técnico em suas diretrizes e normas para o ensino. É

também um produto da cultura onde se institucionaliza e serve de referência para a

organização do ensino e, por conseguinte, do tipo de sociedade que se pretende

construir, nos mais diversos níveis.

O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão

desinteressada de conhecimento social. O currículo está implicado em

relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares. O

currículo produz identidades individuais e sociais particulares. O currículo

não é um elemento transcendente e atemporal – ele tem uma história,

vinculada as formas especificas e contingentes de organização da sociedade e

da educação. (MOREIRA; SILVA, 1994, p. 8).

O currículo2 implica, portanto, em um processo de intenções e seleções que

demarca, em um determinado contexto histórico os anseios de formação da sociedade,

que tem como vetor inicial de grande alcance as relações de ensino-aprendizagem dos

2 Segundo Goodson (1997) a existência do currículo escrito serve de fonte para o entendimento de toda

estrutura institucionalizada de escolarização existente. Portanto, ao se investigar a natureza e o propósito

dos currículos escolares podemos vislumbrar as expectativas de formação da sociedade que se

concretizam nos sistemas de ensino. Podemos considerar também que da forma como a sociedade

seleciona, transmite e avalia o conhecimento nos seus mais diversos níveis educacionais, se reflete as

tensões e disputas de classe no meio social/educacional.

Page 124: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

124

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

sistemas escolares. Dessa forma, as relações de ensino estão completamente permeadas

pela intencionalidade dos currículos que são estabelecidos como normas a serem

seguidas nos respectivos sistemas de ensino, determinando a prática docente e seu

reflexo sobre as disciplinas e conteúdos escolares inseridos e que deverão ser

trabalhados nas salas de aulas ou em outros espaços de formação.

Com o currículo assim concebido é possível verificar com clareza as implicações sociais da escolarização e do conhecimento promovidos pela

escola. Consequentemente tudo que os alunos e alunas aprendem mediante

um modelo de ensino e aprendizagem específico, é determinado por variáveis

sociais, políticas e culturais que interagem em um determinado espaço

geográfico e em um particular momento histórico. (SANTOMÉ, 1998 apud

MARTINS, 2014, p. 42).

Tomando como base a citação anterior, podemos observar que na prática

nem sempre o que é aprendido na escola se relaciona com a vida cotidiana dos

educandos uma vez que o currículo pode ser distorcido ou não adaptado a realidade

social e cultural da clientela a qual o mesmo se destina.

As estruturas das disciplinas (carga horária, dias letivos) que conhecemos na

atualidade emergem da legislação educacional vigente e da organização e inserção

curricular, própria de cada sistema de ensino, que por sua vez devem atender a

determinadas demandas políticas, sociais, econômicas e culturais.

As disciplinas que integram o currículo escolar são influenciadas por uma

série disputas, e não estão livres, assim como o currículo, de sofrerem mudanças. É bom

lembrar que o modelo de educação e currículo brasileiro se encontra amparado em

legislação e referenciais válidos em todo país. Mais adiante trataremos de explicar

melhor a fundamentação legal do currículo segundo a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional / LDB, Lei 9.934/1996, e sob a ótica das Diretrizes Curriculares

Nacionais Gerais para a Educação Básica3 , dando atenção especial a disciplina de

História.

Na transição do século XX para o XXI, inúmeras foram as mudanças que

romperam com modelos que eram tidos como inabaláveis. Globalização, revolução

3 Parecer CNE/CEB nº 7/2010 e Resolução CNE/CEB nº 4/2010.

Page 125: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

125

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

digital e novas mídias, velocidade da comunicação eliminação de barreias culturais,

pressionou os sistemas escolares a adotarem uma nova proposta para a educação.

Consequentemente, essas demandas educacionais implicariam em alterações

curriculares. Dessa forma, é necessário imprimir um ritmo de desenvolvimento

educacional que possa ser assimilado pela maioria, e contemple os anseios de formação

e identidade histórica da sociedade. A nível regional, o ensino de História do Maranhão

no Ensino Médio poderia contribuir para a formação de uma identidade histórica, capaz

de reforçar a noção de pertencimento e valorização da cultura maranhense. Vivenciamos

esse embate entre a História Integrada (com conteúdos da História Geral e da História

do Brasil) e a História do Maranhão (mencionada em alguns poucos conteúdos da

História do Brasil).

As escolas são ao mesmo tempo, espaços de reflexão e tensões em

decorrência dos desafios que as mesmas enfrentam com a emergência de novos

paradigmas na sociedade do terceiro milênio, sem deixar de mencionar é claro, as

profundas desigualdades sociais que se refletem no sistema escolar.

Nesse sentido, é importante repensarmos o papel do currículo escolar, uma

vez que, como construto social e histórico, é resultado das transformações que irão

construí-lo e reconstruí-lo durante o seu processo de elaboração e legitimação nos

sistemas que o adotam, o que por sua vez estão permeados por novas

[...] formas de socialização, novos processos de produção e até mesmo novas definições de identidade individual e coletiva. Diante desse mundo

globalizado, que apresenta múltiplos desafios para o homem, a educação

surge como uma utopia necessária e indispensável. O fundamental é que os

alunos se apropriem de competências básicas que lhes permitam desenvolver

a capacidade de continuar aprendendo. (CIAMPI, 2010, p. 2).

A concepção de currículo a ser adotado pelos sistemas de ensino leva em

conta, de uma maneira lógica e também sociocultural, as mudanças e exigências do

novo contexto histórico que surge, alterando os padrões educacionais existentes.

Como exemplo, podemos considerar segundo Ciampi (2010, p. 11), que

com as transformações ocorridas na transição do século XX para o XXI no campo das

Page 126: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

126

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

tecnologias de informação, “a natureza do saber” se alterou, uma vez que o processo de

produção da sociedade capitalista também passa para outro estágio de desenvolvimento.

Para Young (1989 apud MENEZES; SANTIAGO, 2014, p. 48) as questões

relativas ao currículo precisam ser analisadas levando-se em conta o contexto social,

histórico e econômico em que a constituição do mesmo está situada, para possibilitar a

compreensão das relações de poder que marcam a sua elaboração.

Daí então, um currículo que por sua vez venha a se basear na noção de

competência4, por exemplo, imbuído de uma forte influência do novo momento do

sistema de produção capitalista, cujo objetivo seria formar indivíduos que se integrem

ao mercado, onde o saber deixa de ser formativo para ser útil ao sistema produtivo. O

saber deixa de ser a fonte de onde se retira os indivíduos da ignorância e passa a ser um

instrumento para potencializar a mão de obra no processo de produção capitalista.

“Nesse sentido, constata-se que a racionalidade técnica se opõe à visão humanista, à

visão crítica e aos movimentos de emancipação; que o caráter efêmero das

competências faz obstáculo à perspectiva universalista dos saberes.” (VALLE, 2014, p.

83). Assim, o ensino desempenha um papel importante nesse processo de reordenação

do saber propagado nas escolas.

O ensino desempenha aqui um papel de destaque: assegura e atualiza as

competências e as qualificações dos trabalhadores, o que é essencial quando

se deseja dispor de uma mão de obra capaz de adaptar-se às mudanças

contínuas que resultam do progresso da tecnologia. Essa superabundância de informações nas sociedades pós-modernas, nas quais as mídias são

onipresentes, coloca novos problemas para a escola, que não é mais a

principal fonte de informação. (RAJOBAC; ROMANI, 2011, p. 14 - 15).

Com o exemplo acima, é possível determinar que o currículo, dando vazão

ao processo de ensino, não se resume a uma lista escrita de normas técnicas, conteúdos

4 Segundo Ciampi (2010, p. 6, grifo do autor), o conceito de competência, pode ser entendido como a

capacidade de agir de forma eficaz em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas

sem limitar-se a eles. Para enfrentarmos uma situação, colocamos em ação vários recursos cognitivos,

entre os quais os conhecimentos. As competências não são, em si mesmas, conhecimentos. “Elas utilizam,

integram, ou mobilizam os conhecimentos”. As competências são, para Perrenoud (1999, p. 8, grifo do

autor) “[...] complexas operações mentais cuja orquestração só pode construir-se ao vivo, em função tanto

do seu saber e de sua perícia quanto de sua visão da situação.”

Page 127: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

127

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

e procedimentos. O currículo expressa as intencionalidades de determinados grupos ou

setores (políticos e econômicos) da sociedade. Não há neutralidade na constituição dos

currículos escolares. E dependendo de quem os elabora, os reflexos no ensino e

desenvolvimento das disciplinas podem ser positivos ou negativos, podem aprisionar o

indivíduo/educando ou libertá-lo intelectualmente. Consideramos também que por meio

da educação escolar, grupos dominantes podem exercer sua influência e controle de

forma dissimulada, interferindo na programação curricular. “Quem desconfiaria que as

escolas e os professores podem estar a serviço da dominação econômica?” (MELÔNIO,

2012, p. 109).

É certo também que os currículos dos sistemas de ensino nem sempre são

aceitos de forma passiva pelos agentes educacionais, “[...] esse conhecimento não é

mais percebido como algo estático, como um conjunto de informações e materiais

inertes, para ser absorvido passivamente.” (MOREIRA; SILVA, 1994 apud

GASPARELLO, 2004, p. 87).

Existem constantes disputas e tensões permeiam a institucionalização de um

currículo em um sistema escolar. As relações entre o conhecimento posto pelo currículo

e os agentes que viabilizam ou materializam o mesmo por meio das práticas

pedagógicas são dinâmicas e também ambíguas. E na luta pela construção de um

currículo crítico-emancipatório5 é que nos deparamos com essa dinamicidade e as

contradições no campo da construção e legitimação do currículo escolar. “As dimensões

curriculares ora se aproximam, se mantêm, ora se distanciam, ora se contrapõem num

movimento real, dinâmico, dialético, logo, histórico.” (SILVA; FONSECA, 2010, p.

25).

5 Paulo Freire foi um dos grandes pensadores da educação brasileira a propor uma alternativa ao currículo

técnico, padronizado, mecânico. Suas ideias deram fundamento ao paradigma curricular de

racionalidade crítico-emancipatória. Inicialmente, Paulo Freire critica a chamada “educação bancária”,

que se assentava nas teorias tradicionais do currículo, entendido nessa concepção como instrumento

técnico e acrítico, se distanciando da realidade social dos educandos. Ao criticar esse modelo de

educação, Freire nos mostra que “[...] o currículo padrão, o currículo de transferência é uma forma

mecânica e autoritária de pensar sobre como organizar um programa, que implica, acima de tudo, numa

tremenda falta de confiança na criatividade dos estudantes e na capacidade dos professores!” (FREIRE;

SHOR, 2008 apud MENEZES; SANTIAGO, 2014, p. 50).

Page 128: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

128

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A tensão entre grupos divergentes na construção do currículo escolar é

colocada pela argumentação de Freire (1980), onde o mesmo reconhece que a educação

com uma proposta de currículo crítico-emancipatório, que se opõe ao currículo

tradicional, mecânico e acrítico, deve ter como principal objetivo a transformação do

homem em sujeito crítico, capaz de transformar a realidade em que se encontra inserido.

Nessa perspectiva, “[...] é preciso que a educação esteja – em seu conteúdo, em seus

programas e em seus métodos [...]” (FREIRE, 1980, p. 39) – adaptada para este fim

maior.

A defesa de um currículo crítico-emancipatório serve como base para

repensar as práticas de ensino nas escolas, com o reflexo sobre as disciplinas e seus

respectivos conteúdos, uma vez que é a partir da matriz curricular que encontramos o

que ensinar em cada disciplina, quais conteúdos devem ser abordados ou não. A

exemplo, podemos mencionar o que ocorre com as Diretrizes Curriculares da Rede

Estadual de Ensino, implementada a partir de 2013. Os conteúdos de História do

Maranhão praticamente não são mencionados na matriz curricular por disciplina que é

apresentada nesse documento. Questiona-se então o potencial crítico de um currículo

que não propõe a discussão e o ensino da história do seu povo, não resguardando o

lugar da História do Maranhão.

Em relação aos livros didáticos de História que são distribuídos pelo

Programa Nacional do Livro Didático – PNLD6 aos alunos das escolas públicas no

Brasil, a maioria segue a linha da História Integrada7 que, utilizando o critério temporal

e linear de base eurocêntrica, articula, quando possível, a História do Brasil, da América

e da África (SILVA;FONSECA,2010). Nesse caso, a supressão ou o silenciamento de

6 O PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) tem como finalidade melhorar a qualidade dos livros

didáticos que são distribuídos pelo governo federal para as escolas públicas. Após um processo de

avaliação, os livros e as coleções didáticas recebem conceitos diferenciados, e, em alguns casos, são

excluídas do processo de compra pelo Estado. Por razões diversas, os professores das escolas continuam

interferindo pouco no processo de indicação e compra dos livros, que continua favorecendo a utilização

das coleções didáticas das editoras com maior poder de influência no mercado.

Segundo o Guia de Livros Didáticos PNLD 2011 – História, anos finais do ensino fundamental,

entende-se por livros de História Integrada, as coleções cujo agrupamento pauta-se pela evocação da

cronologia de base europeia, integrando-a quando possível, a abordagem de temas relativos a História

brasileira, africana e americana.

Page 129: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

129

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

conteúdos regionais, como a História do Maranhão é quase certa na maioria das

coleções de História Integrada.

Cabe então aos docentes da disciplina de História refletirem sobre os

mecanismos de elaboração dos materiais didáticos sobre a égide do currículo oficial

para que não se reproduzam modelos e discursos hegemônicos/eurocêntricos sobre o

ensino de História.

Não estamos aqui dizendo que isso é ruim ou bom, mas que é uma realidade

que deve ser analisada, pois os docentes precisam ter consciência dos

processos de produção dos manuais que utilizam como suportes didáticos em

suas aulas. Pensar o livro didático e sua produção é ampliar as margens de

reflexão sobre métodos e formas nas quais o ensino – em nosso caso, de

história – vem sendo efetivado no Brasil, e assim, construir espaço para um

ensino independente, consciente e crítico. (MATOS, 2012, p.73)

Podemos considerar então, que a produção dos materiais didáticos que

seguem as propostas curriculares vigentes, pode se constituir em um “[...] instrumento

de controle do ensino por parte dos diversos agentes do poder” (BITTENCOURT, 2009,

p. 298), sejam eles instituições de governo nas suas mais diversas esferas ou o próprio

mercado editorial que acabada ditando suas regras na produção e distribuição dos

materiais didáticos com uniformidade na organização dos conteúdos na área de História.

Dessa forma, segundo Matos (2012, p. 63-64),

[...] a partir da criação da Comissão Nacional do Livro Didático, instituiu-se

no Brasil uma nova cultura editorial que investirá em manuais escolares sob

as orientações dos governos, visando à aprovação dos mesmos, ou até, como

ocorre nos dias atuais, à aquisição dos livros/produtos pelo próprio Estado

[...].

A defesa e manutenção de um currículo nacional não se assentam apenas

nos ideais de qualidade e de cidadania para o ensino nas regiões brasileiras, leva em

conta também aspectos de ordem gerencial e prática para o governo nacional, como

facilitar a mobilidade dos alunos de um estado para outro, padronizar a produção de

livros didáticos (o que afeta consideravelmente os conteúdos da História regional),

instituir sistemas de avaliação ou capacitação dos professores da rede pública em todo

Brasil (MATOS, 2012).

Page 130: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

130

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A produção de livros e conteúdos didáticos para as escolas públicas de

Ensino Médio, que serão distribuídos em todas as regiões do Brasil, estariam alinhadas

a uma estrutura curricular nacional que, a grosso modo, é pensada inicialmente para

amalgamar e reconhecer a base nacional comum8 e a parte diversificada

9. A questão é

que, como disposto nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, caberá

“[...] aos órgãos normativos dos sistemas de ensino expedir orientações quanto aos

estudos e às atividades correspondentes à parte diversificada do Ensino Fundamental e

do Médio, de acordo com a legislação vigente [...]” (BRASIL, 2013, p. 32), ou seja, é da

competência dos estados e municípios atuar no sentido se viabilizar os estudos e os

conhecimentos sobre as características regionais e locais. Paradoxalmente, mesmo com

a abertura oficial para se trabalhar aspectos relacionados a história regional e local,

encontramos um cenário pouco favorável para discutir e colocar em prática essas

questões, principalmente no tocante ao ensino de História do Maranhão.

A dessacralização e a flexibilização do currículo escolar nacional, e a

atuação crítica dos profissionais da educação diretamente envolvidos com ensino de

História se faz necessário nesse momento em que, em uma primeira análise, o poder

público estadual e municipal manifestam pouco interesse em relação a História do

Maranhão.

Preliminarmente, sem esgotar outras possibilidades de compreensão,

podemos considerar que não é por falta de pesquisas ou de uma historiografia regional

que os conteúdos de História do Maranhão não estão sendo contemplados no currículo

da rede de ensino estadual. É provável que a falta de interesses dos gestores públicos no

financiamento e distribuição de materiais didáticos específicos sobre a História do

Maranhão, ou ainda que o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) tenha

inviabilizado o estudo da História Regional, ou até mesmo uma possível falta de

8 Segundo Moaci Alves Carneiro (2015, pp. 318-319), “A base nacional comum constitui, em termos de

desenvolvimento sob forma de disciplinas, o conjunto de conteúdos programáticos articulados que

garante, aos sistemas educacionais do país, se organizarem adequadamente para, respeitadas as

diversidades culturais, regionais étnicas, religiosas e políticas, construírem uma sociedade múltipla e

democrática”. 9 Ainda segundo Carneiro (2015, p. 319), “A parte diversificada do currículo, por outro lado, atende as

necessidades de uma escola que trabalha práticas pedagógicas e conhecimentos referidos a contextos

específicos e a realidades culturais, econômicas sociais e políticas demarcadas no espaço e no tempo.

Page 131: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

131

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

formação docente capaz de dificultar o ensino de História do Maranhão nas escolas da

rede estadual.

É possível que as soluções para as indagações acima partam da ação do

poder público, ou ainda dos próprios professores da rede estadual ao se mobilizem no

sentido de propor a valorização, o estudo e o ensino de História do Maranhão, ou ainda

da formação docente nas licenciaturas de História a partir do aprofundamento dos

estudos sobre a História do Maranhão.

Dessa forma, as relações entre o ensino de História, quer nacional, quer

regional ou local e os currículos institucionalizados encontram-se completamente

imbricadas. Machado (1999, p. 114), considera que

[...] o ensino de história é executado sob um planejamento curricular,

pressupõe-se, antes de mais nada, que esse esteja estruturado

condizentemente com as possibilidades da clientela a ser entendida,

estruturando o programa de conteúdos e sua seleção de forma a possibilitar a

construção conceitual necessária para a aprendizagem significativa.

As questões epistemológicas e práticas que consolidam a relação entre o

currículo e o ensino, muitas vezes conflituosa, definem quais disciplinas e conteúdos

devem fazer parte do cotidiano escolar nas redes de ensino público, sejam elas

nacionais, regionais ou locais. Com base nessa argumentação, abordaremos na próxima

seção os efeitos dessa relação entre currículo e ensino, no que se refere a História do

Maranhão.

2. O ENSINO DE HISTÓRIA DO MARANHÃO: do surgimento da disciplina aos

dias de hoje

Nesta segunda seção, objetivamos fazer uma análise sobre surgimento e a

trajetória da disciplina História do Maranhão, que vai do início da Primeira República

até o presente momento em que a referida disciplina não faz mais parte do currículo do

Ensino Médio da rede estadual de ensino do Maranhão.

2.2 No início da República nasce a disciplina de História do Maranhão

Page 132: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

132

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A constituição das disciplinas escolares não pode ser compreendida apenas

pela lógica de articulação técnico-científica e inserção curricular que se apresentam nos

sistemas escolares. É importante considerar como parte fundamental desse processo, o

sistema de crenças e valores em um determinado contexto histórico e social

(HOBSBAWN; RANGER, 2012 apud MARTINS, 2014, p. 57), assim como também a

prática e a cultura escolar, as representações sociais, os materiais didáticos que estão

acessíveis a comunidade escolar (ABUD, 2005, p. 29).

Dessa forma, é importante caracterizar o contexto histórico, social e político

em que surge a disciplina escolar de História do Maranhão, e a maneira como tal

contextualização tem influência nesse processo, uma vez que currículo, disciplina

escolar, seleções de conteúdo, entre outros elementos da cultura escolar, não são

impenetráveis, mas o contrário, emergem do meio social em que estão inseridos.

O surgimento da disciplina escolar História do Maranhão ocorre no

momento em que o Brasil, e também o Maranhão, sentem os reflexos da transição do

regime monárquico para o regime republicano, instaurado no final do século XIX, e em

processo de consolidação nas três primeiras décadas seguintes.

Ao se fazer um recorte histórico-temporal do período compreendido entre

1889 e 1930, conhecido como Primeira República ou República Oligárquica, buscamos

destacar o momento como sendo de grande transformação e/ou adaptações das

instituições nacionais, em especial a questão educacional, em função da implantação do

regime Republicano. Porém, é importante frisar

[...] que também do ponto de vista da história da educação nem a República

se implanta a partir de 1889 nem a Primeira República termina em 1930.

Simples marcos cronológicos, essas duas datas de forma alguma significam mudanças profundas no sistema escolar brasileiro. (NAGLE, 1997, p. 261)

Concordando com a citação acima, de fato, não são somente os marcos

cronológicos que determinam as rupturas ou permanências na História. Na prática, eles

representam referências temporais selecionadas para a compreensão do tempo histórico

em uma determinada sociedade. O que movimenta a história é o fluxo social da

existência humana no tempo, com seus avanços, recuos e permanências, que na maioria

das vezes extrapola os marcos a rigidez dos marcos cronológicos.

Page 133: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

133

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

No período da Primeira República (1889 – 1930), era nítida a preocupação

de se discutir a identidade e os rumos da nação brasileira. Os vários seguimentos da

sociedade tinham algo a dizer - políticos, militares, empresários, trabalhadores,

médicos, educadores, e também artistas e intelectuais. A educação se torna alvo de

grande debate e interesse por parte do Governo e da sociedade civil. Como propõe

Nagle (1997), o novo regime republicano vai discutir inicialmente quais os rumos que a

nação deve tomar para alcançar o progresso, e a educação nesse propósito, adquire

status de “redenção”.

A República recebe uma herança caracterizada pelo fervor ideológico, pela

sistemática tentativa de evangelização: democracia, federação e educação

constituíam categorias inseparáveis apontando a redenção do país. A

República proclamada recebe assim um acervo rico para pensar e repensar

uma doutrina e um programa de educação. (NAGLE, 1997, p. 261, grifo nosso.)

De fato, era necessário repensar a instrução nacional naquele momento,

ainda mais quando o mesmo era pouco eficaz e desarticulado em relação aos interesses

sociais. No alvorecer da República, o jornalista e crítico literário José Verissimo10

em

sua obra mais conhecida - A Educação Nacional, de 1890 - já tecia severas críticas ao

modelo de instrução da época, considerado pelo mesmo fragmentado e incapaz de se

constituir como um sistema orgânico verdadeiramente nacional.

A crítica mais contundente dirigia-se ao que considerava excessos do regime

federativo implantado pela República. Para ele, a situação do ensino primário

teria se agravado ainda mais, pois, sob a forma da federação, foi concedida a

cada estado plena liberdade para gerir os negócios da instrução pública.

(SCHUELER; MAGALD, 2008, p. 41)

Como assevera Schuller e Magald (2008), a descentralização ocorrida a

partir da implantação do federalismo, complicou ainda mais a situação da instrução

pública. As oligarquias em cada um dos Estados não conseguiam administrar de forma

coerente os recursos voltados para a educação, situação que ainda hoje é entrave na

10

Jornalista e crítico literário, José Veríssimo Dias de Matos nasceu no Pará em 1857, transferiu-se para o

Rio de janeiro me 1891, onde faleceu em 1916. Suas primeiras obras foram publicadas ainda no Pará. O

destaque da sua obra virá a público no Rio de Janeiro, primeiro nas páginas do Jornal Brasil e depois em o

Imparcial. Como educador, teceu importantes análises sobre os problemas do sistema educacional do país

na jovem República, herdeira de problemas como a recente escravidão, e tantos outros. (PILETTI;

PILETTI, 2013, p. 112).

Page 134: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

134

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

melhoria da educação pública nacional. O novo regime republicano propôs então um

programa de reformas para alinhar um projeto de educação nacional.

Muitas foram as reformas educacionais nesse período (Benjamin Constant,

de 1890, Epitácio Pessoa, 1901; Rivadávia Correa, 1911; Carlos Maximiliano, de 1915;

Luís Alves e Rocha Vaz, 1925.), cujo intuito de uma maneira geral, era estruturar e

sistematizar a educação nacional, de maneira a garantir então um projeto de

desenvolvimento mais amplo, que atenderia as demandas do novo regime republicano

instaurado em 1889.

Infelizmente, os resultados dessas reformas educacionais não foram

totalmente satisfatórios. Umas das razões para o fracasso dos projetos educacionais

nacionais seria a própria política federalista do novo regime republicano, que acentuou a

autonomia dos Estados e controle das oligarquias, tanto no plano político e econômico,

como também no plano educacional, com as suas tradicionais disparidades regionais.

“Cada província, ou estado da federação, apresenta singularidades significativas nos

processos de construção dos sistemas, normas e redes de ensino primário e secundário.”

(GOMES, 2002 apud SCHUELER; MAGALD, 2008, p. 40). A questão do ensino ficou

à mercê dos interesses políticos e econômicos locais, o que só aprofundou a distância

entre as redes de educação estaduais.

Todas essas reformas, porém, não passaram de tentativas frustradas e, mesmo

quando aplicadas, representaram o pensamento isolado e desordenado dos

comandos políticos, o que estava muito longe de poder comparar-se a uma

política nacional de educação. (ROMANELLI, 1991, p. 43, grifo nosso).

No Maranhão do início da República, ocorreram também ajustes

institucionais próprio do período de transição política em andamento (do Império à

República). Segundo a historiadora maranhense Lúcia Castro (2013), as notícias sobre a

educação no Maranhão no alvorecer da Primeira República não seriam muito

satisfatórias em função do contexto vigente, onde o

[...] desequilíbrio econômico porque passou o Maranhão irá se refletir no

social, cultural e na vida política da região durante todo esse período. Nesse

sentido, diremos que o ludovicense sentiu saudades do tempo do Império,

período considerado a Idade do Ouro do Maranhão, onde os ápices dos

ciclos econômicos do algodão e da cana-de-açúcar, proporcionaram o

enriquecimento cultural dos filhos da terra. (CASTRO, 2013, p. 284, grifo do

autor.)

A crise política em que se encontrava o Maranhão no início da República,

devido a descontinuidade das ações dos governadores nomeados em mandatos curtos e

irregulares afetou negativamente a educação maranhense nesse período (MARTINS,

Page 135: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

135

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

2014). Os interesses das oligarquias que comandaram o Estado foram priorizados em

detrimento das questões sociais e educacionais do período. “Em várias regiões

brasileiras, violentas disputas entre os grupos oligárquicos reforçam a sensação de

regressão social.” (DEL PRIORE; VENANCIO, 2010, p. 244).

Não tardariam, no entanto, as mudanças no cenário educacional

maranhense. O movimento reformista nacional, mesmo não tendo alcançado seus

objetivos por completo, serviu para viabilizar ações em favor da instrução pública,

seguindo o discurso do progresso e do papel redentor que a educação assumiu no novo

regime republicano.

Cabe destacar, no contexto maranhense, as reformas curriculares no Liceu

Maranhense e a criação da Escola Normal logo após a implantação do regime

republicano. O Liceu Maranhense passou a dotar um currículo inspirado no Positivismo,

que priorizou disciplinas científicas, diminuindo o espaço das disciplinas humanísticas.

Tanto o Liceu quanto a Escola Normal apresentavam disciplinas de cunho científico

nesse período.

Segundo Antônio Azevedo (1999), as ideias positivistas tiveram grande

influência no Brasil, sendo decisivas para a consolidação do ideário republicano. O

movimento republicano apoiou-se no ideário positivistas, tendo de Benjamim Constant

(1836-1891) como uma das figuras mais relevantes.

Na educação, a influência positivista se fez presente nas reformas

curriculares no início da República brasileira, o que definiu a inserção de disciplinas

voltados para as ciências exatas, contrapondo-se a educação de tradição humanista,

predominante nos currículos anteriores. Como assevera Piletti e Piletti (2013), quanto

aos conteúdos curriculares, “[...] verificou-se uma redução da carga horária dedicada às

humanidades e aos Estudos Sociais, em benefício de Matemática e Ciências e outros

estudos [...]” (PILETTI; PILETTI, 2013, p. 117).

O Liceu Maranhense e a Escola Normal tiveram um papel significativo para

instrução pública no Estado na fase inicial do regime republicano. O primeiro, foi

responsável pela formação de muitos jovens que mais tarde ocupariam um lugar de

destaque na sociedade maranhense. Já a segunda, contribuiu para a formação de

Page 136: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

136

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

professores que atuaram no sistema de ensino, o que se constitui em um avanço para a

instrução pública maranhense.

Em 14 de janeiro de 1911, o inspetor geral da instrução pública Antônio

Lôbo11

, divulga o seu parecer sobre a situação das escolas primárias e grupos escolares

da capital, destacando a condição satisfatória do trabalho dos professores em exercício

nesse período. Sobre as professoras normalistas, o inspetor tece elogios:

[...] todas ellas diplomadas pela nossa Escola Normal, e muitas delas

dispondo já de longos anos de prática continuada de ensino, que os seus

esforços não foram totalmente infructiferos e que as promoções realizadas

nos grupos e as approvações concedidas nas escolas representam o atestado

seguro da realidade de semelhante fructificação. (ARQUIVO, 1911)

Tal apontamento do relatório da Inspetora Geral da Instrução Pública de

1911 sinaliza para novos caminhos, ainda com alguns obstáculos, que a Escola Normal

seguiria no Maranhão Republicano, uma vez que nesse momento há o entendimento que

a educação seria o meio para impulsionar o desenvolvimento econômico e social na

região.

Para tanto, foi necessário o investimento e reformas na instrução pública,

expandindo o número de Escolas Normais, estruturando o currículo, adquirindo

materiais didáticos, acompanhando a frequência dos discentes, reformando e

construindo novos prédios escolares, entre outros (SILVA, 2015). É nesse contexto que

surge a disciplina de História do Maranhão, disposta no currículo da Escola Normal.

No ano de 1900, como resultado do processo de reestruturação da Escola

Normal promovida por Benedito Leite, o programa de ensino é modificado com a

inserção da disciplina de História do Maranhão, cabendo ao Prof. Antonio Baptista

Barbosa de Godóis a missão de ministrar as aulas da referida disciplina.

O ensino de História já se encontrava presente nos currículos do Liceu e da

Escola Modelo. Estando sobre a influência do modelo curricular francês, a disciplina era

ministrada a partir da perspectiva eurocêntrica. Como afirma Abud (2011, p. 163-164): 11

Jornalista, poeta, romancista, professor, tradutor, publicista e polemista compulsivo. Dirigiu a

Biblioteca Pública, o Liceu Maranhense e a Instrução Pública. Diretor d´ARevista do

Norte (1901/1906), periódico ricamente ilustrado, e do jornal A Tarde(1915/1916); colaborou em

diversos outros órgãos da imprensa maranhense. Antônio Lobo é, sem favor nenhum, uma das mais

importantes figuras de sua geração. Amigo da mocidade, foi o principal agitador de ideias de seu tempo

e o entusiasta da renovação mental do Maranhão. Um dos fundadores da Academia, onde,

curiosamente, não teve papel relevante, ali instituiu a Cadeira Nº 14, patrocinada por Nina Rodrigues.

Page 137: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

137

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A História e seu ensino, no Brasil, encontram suas raízes mais longínquas na

historiografia francesa. Surgiram ao mesmo tempo e com os mesmos

pressupostos: positividade e linearidade dos acontecimentos históricos. O

nascimento da História no Brasil coincide temporalmente com o nascimento

do curso secundário e a inclusão da História como uma de suas matérias.

Nesse contexto, o modelo francês continua a existir mas tendo que

incorporar elementos da História do Brasil, com intuito de forjar uma identidade para a

jovem República brasileira. Essa condição abre o precedente para a inclusão de uma

disciplina de caráter regional, como a História do Maranhão.

Sem fugir da atribuição de fomentar o sentimento de pertença entre os

cidadãos da jovem República, como aconteceu com o ensino de História do Brasil, a

História do Maranhão vai demarcar não só o posicionamento dos intelectuais

maranhenses sobre que tipo de história deveria ser ensinada, como também despertar o

orgulho pelo Maranhão por parte dos seus cidadãos, resgatando um passado glorioso e

indicativo de progresso, que se contrapunha a um presente marcado por dificuldades no

início do regime republicano (MARTINS, 2014, p. 80).

Em 13 de abril de 1905, a disciplina de História do Maranhão passou a fazer

parte do currículo oficial da rede estadual de ensino (MARTINS, 2014, p 77). O ensino

dessa disciplina ganha maior projeção social, inclusive material didático específico para

ser trabalhado na rede, demonstrando a sua relevância no período.

É importante destacar a obra História do Maranhão para uso dos “alunos”

da Escola Normal, de autoria do professor Barbosa de Godóis, publicada em 1904. A

História do Maranhão enquanto saber histórico disciplinar ganha força. Temos então um

pioneirismo relativo a abordagem sobre a história regional com desdobramentos para a

história local.

Com essa produção podemos inferir que obras como a de Barbosa Godóis,

deram enfoque a uma outra escrita da história que colocou em evidência elementos da

construção da identidade maranhense, em conformidade é claro, com o que se projetava

no cenário político e cultural nacional, no discurso da intelectualidade republicana que

no Maranhão tinha seus adeptos.

Consideramos também a importância do lugar social em que a produção

Page 138: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

138

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

historiográfica se opera, pois, o autor fala a partir do seu papel enquanto intelectual

maranhense daquele período, ou seja, admitir a influência da realidade da qual faz parte,

e que a mesma pode ser apropriada “enquanto atividade humana”, sua práxis. Portanto,

a operação histórica se refere à combinação de um lugar social, de práticas científicas e

de escrita, que resultam nas obras e publicações, reconhecidas pelos seus pares

(CERTEAU, 1982, p. 66), um grupo seleto de intelectuais que compactuam na

elaboração de um projeto de nação republicana.

Dessa forma, a ênfase sobre a história regional e local não se opõe ao

contexto histórico nacional. E a inclusão da disciplina História do Brasil e de História

do Maranhão no currículo oficial demonstram o interesse político e ideológico da elite

intelectual que conduziu a acomodação do regime republicano. Nas palavras de Gomes

(2013, p. 317, grifo nosso):

Ao mudar o protocolo oficial, erguer monumentos, criar datas cívicas e

rebatizar ruas, peças e instituições com os nomes de novos heróis nacionais, o

regime procurava, na verdade, conquistar os corações e mentes dos

brasileiros até então arredios ou apáticos diante da Proclamação da

República. No fundo, buscava-se dar uma identidade ao país, deslocada

de seu passado monárquico, projeto que acabaria por alterar o próprio

ensino de história do Brasil e teria grande impacto nos livros didáticos,

na literatura, no teatro, na pintura e em outras formas de arte.

Na próxima seção, abordaremos uma outra etapa da disciplina de História

do Maranhão, buscando compreender os impactos das alterações curriculares ocorridas

no período de 1930 até a década 1980, sobre a referida disciplina.

2.3 Os Estudos Sociais e a História do Maranhão

A década de 1930 representou um momento singular no que diz respeito as

transformações no campo educacional, e como reflexo, os currículos escolares passaram

por mudanças. O debate entre a educação científica e a educação humanista ainda não

estava superado. E a disciplina de História estava situada nesse contexto, com a

responsabilidade de formar cidadãos preparados para conduzir a nação brasileira ao

progresso. Cabe ressaltar, no entanto, que mesmo com uma política nacionalista forte no

início da chamada “Era Vargas”, o ensino de História do Brasil continuou sem maiores

alterações em seu currículo. “ A história nacional continuou sendo um apêndice da

Page 139: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

139

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

História da Civilização, assim como a História da América” (BITTENCOURT, 2009, p.

81).

Em relação a História do Maranhão no final da República Velha e início da

Era Vargas, permaneceu a exaltação da cultura regional abordada nos conteúdos e

manuais didáticos, assim como também os desfiles cívicos eventos comemorativos

relacionados a memória regional/local contemplados na instrução pública (MARTINS,

2014).

Ainda na Era Vargas, com a reforma Capanema12

(Lei 4.224 de 1942)

ocorreu uma maior valorização do ensino de História do Brasil, inclusive o aumento da

carga horária dessa disciplina. Os principais conteúdos continuavam a cumprir os

objetivos da formação da nacionalidade.

De um modo geral, podemos inferir que o estudo da disciplina de História

do Brasil até o início da década de 1970, esteve vinculado a uma concepção de

“genealogia da nação”, que alternava a valorização de aspectos políticos ou

econômicos. O personagem principal dessa história continuaria sendo o Estado-nação,

comandado pelas elites (BITTENCOURT, 2010).

Na década de 1970, o Brasil se encontrava em uma conjuntura autoritária, e

o governo mais uma vez alterou os currículos escolares. Temos a emergência dos

currículos tecnicistas, alinhados a proposta nacional-desenvolvimentista do governo

civil-militar. Os efeitos sobre as Ciências Humanas se fizeram sentir nas mudanças

ocorridas nas disciplinas escolares. A História do Brasil, como exemplo das mudanças

ocorridas, “[...] se mescla a estudos de Geografia, Educação Moral e Cívica e

Organização Social e Política do Brasil (OSPB), formando uma amálgama de

conhecimentos sem base científica” (BITTENCOURT, 2010, p. 197). Essa mescla

configurou o saber na área de Estudos Sociais.

Sobre as novas orientações curriculares instituídas a partir da Lei nº. 5.692,

12 O ensino secundário foi modificado pelo Decreto-lei n. 4.224, de 9 de abril de 1942 (PILETTI;

PILETTI , 2013, p. 186).

Page 140: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

140

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

de 11 de agosto de 1971, o ensino de História regional e local do Maranhão se integram

aos currículos de formação para o Magistério. “No ensino primário, a disciplina foi

nomeada Estudos Regionais do Maranhão.” (MARTINS, 2014, p. 130).

Martins (2014) destaca como obras didáticas de referência para a disciplina

de Estudos Regionais do Maranhão no período, o livro Pequena História do Maranhão

(1959), de Mário Meireles, e o livro Terra das Palmeiras (1977), de Nadir Nascimento e

Deuris Moreno Dias Carneiro.

Ao fazer uma análise das obras, Martins (2014) reconhece a influência dos

Estudos Sociais do Maranhão no período, pelo próprio alcance dessas produções

didáticas que foram introduzidas na rede escolar maranhense, produzindo memórias

sobre a trajetória histórica do povo maranhense, com material e didático e metodologia

específica. Sobre esse aspecto, a autora reconhece que

Os livros didáticos em questão de início não foram comprados pelo poder

público. Com o avanço dos programas de implementação do ensino, o

alcance dos livros didáticos ampliou-se no contexto dos sistemas públicos

educacionais propiciando a difusão do conhecimento histórico local

disciplinarizado. (MARTINS, 2014, p. 143).

No entanto, a autora faz ressalvas em relação a obra de Mário Meireles,

Pequena História do Maranhão. Reconhece que os conteúdos abordados no livro são

desprovidos de qualquer problematização. A obra foi inovadora para o ensino da história

regional no período de implantação dos Estudos Sociais, mas, em contrapartida, possuía

uma abordagem tradicional da História (MARTINS, 2014, p. 137).

Quanto a obra Terra das Palmeiras, de Nadir Nascimento e Deuris Moreno

Dias Carneiro, a análise de Martins (2014, p. 144) é mais positiva, ao reconhecer que “A

metodologia utilizada na referida disciplina preconizava como complementação ao livro

didático, o emprego de métodos ativos [...]”, em que se considera o aspecto cognitivo do

aluno no aprendizado, valorizando a relação com o meio em que o esmo se encontra

inserido.

O livro Terra das Palmeiras permeou a mentalidade popular maranhense no

período em que esteve em circulação, sendo considerado um dos grandes fenômenos

editoriais da história regional do estado do Maranhão.

Page 141: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

141

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Em pesquisa realizada pelo autor no mês de junho de 2016, direcionada a

educadores da rede pública do Estado, é possível confirmar o alcance da obra Terra das

Palmeiras na formação escolar dos educadores. Ao todo foram 42 profissionais que se

dispuseram a responder aos questionamentos sobre a presença da produção científica de

autores maranhenses, dentre os quais o livro Terra das Palmeiras. Vejamos resultados.

1 - Na sua formação escolar, você estudou com o livro Terra das

Palmeiras?

73,8% disseram ter estudado com o Livro Terra das Palmeiras.

2 – Você obteve conhecimento sobre a realidade histórica, social e

geográfica do Maranhão estudando com o Terra das Palmeiras?

57,1% responderam que sim, obtiveram conhecimentos sobre história, social

e geográfica do Maranhão.

Interpretando os dados, é possível verificar que a o livro Terra das

Palmeiras esteve presente na formação escolar de uma geração que atualmente se

encontra exercendo à docência. O que surge como questionamento, no entanto é: como

um livro de História regional de grande circulação na rede escolar maranhense, e que

contribuiu para a formação inicial de uma geração de professores deixou de ser

publicado e distribuído nas redes de ensino do Estado?

Sobre esse questionamento, Martins (2014) sinaliza para a não adequação da

obra ao contexto curricular no período posterior a vigência da LDB 9394/96. E mesmo

sendo praticamente uma das únicas fontes sobre a História do Maranhão presente por

aproximadamente três décadas nas escolas do estado, deixou de fazer parte do catálogo

do PNLD no ano de 2007.

Mesmo diante do revisionismo no âmbito da produção histórica e dos

avanços nas medidas educacionais relacionadas ao currículo escolar por meio

do PNLD, o livro didático Terra das Palmeiras manteve-se soberano como

obra de História do Maranhão, caracterizando a única opção de embasamento

para conteúdos históricos regionais no sistema público de ensino. Assim,

durante 30 anos, constituiu o principal referencial adotado pelos estudantes

para o aprendizado da história local, galgando um lugar na memória

educacional maranhense. (MARTINS, 2104, p. 158).

Page 142: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

142

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Podemos inferir que no cenário educacional maranhense da década de 1970

até a primeira década do século XX, o ensino de História do Maranhão esteve presente

nas escolas, contribuindo para a formação da identidade cultural do seu povo.

Analisaremos no próximo tópico, a atualidade da disciplina de História do Maranhão.

2.4 O presente da disciplina de História do Maranhão

Ao iniciarmos esse estudo sobre o ensino de História do Maranhão, algumas

indagações vieram à tona. Como o os novos paradigmas da História e do ensino tiveram

efeitos (ou não) sobre o ensino de História no Maranhão na rede pública estadual? Se a

própria história nacional, frente aos avanços da globalização vem perdendo espaço,

como garantir o ensino de História do Maranhão nessas escolas? Para Bittencourt (2010,

p. 186),

Trata-se de uma reflexão sobre o ensino de História do Brasil relacionado ao

problema da identidade nacional no atual momento histórico em que as

histórias nacionais, não apenas entre nós, cabe ressaltar, mas em todos os

países do mundo ocidental, têm sido questionadas e repensadas, sobretudo no que se refere à produção escolar.

A preocupação em relação ao ensino de História do Maranhão não é recente

como já foi apontado nas seções anteriores. Estudos mais atuais, como o de Cabral

(1987)13

intitulado “Ensino de História do Maranhão no 1° grau (3a. e 4a. séries), já

apontava uma série de dificuldades enfrentadas pelos profissionais que ministravam

aulas de História do Maranhão nesse período. Segundo a autora, ao se referir a um dos

livros didáticos mais adotados nas escolas da época, a mesma ressalta que

[...] a periodização tradicional e o rol de conteúdo sugerido no documento oficial, os livros didáticos começam registrando os fatos históricos referentes

ao Maranhão Colônia. Esses acontecimentos, entretanto, são narrados

13 Maria do Socorro Coelho Cabral nasceu em 4 de julho de 1946, em Balsas, Maranhão. Formou-se em

História pela Pontifícia Universidade Católica, de Goiás. Foi professora da Universidade Federal do

Maranhão, durante 25 anos, em São Luís. Fez mestrado em História na Pontifícia Universidade

Católica, de São Paulo, e doutorado pela Universidade de São Paulo. Autora de três livros, dentre

eles Caminhos do gado é obra de referência.

Page 143: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

143

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

segundo uma ótica que não mostra a complexidade da trama histórica, ou

seja, não contempla a participação dos vários segmentos que compõem a

sociedade maranhense[...]. (CABRAL, 1987, p. 11).

Já sobre a atualidade do Maranhão, naquele período, Cabral (1987, p. 16)

considera que falta criticidade e questionamento no teor do conteúdo analisado:

Os dados sobre o Maranhão atual contidos nesses livros também não

levantam nenhum questionamento, destacando sempre a ação dos

governantes e ocultando os conflitos e as contradições. Segundo esses livros,

estamos todos, em comum cooperação, construindo o progresso do

Maranhão.

Uma outra contribuição da professora Cabral (1987) com seu estudo diz

respeito a problematização da questão curricular. A mesma apontou que a maioria das

escolas pesquisadas naquele período não elaborava os seus programas e se limitavam a

seguir o livro didático e os conteúdos sugeridos pelo currículo oficial.

A autora fez uma crítica à maneira como a História do Maranhão era

ensinada. Propôs também que professor deveria ter uma postura mais autônoma, e

questionar tanto o currículo quanto material didático a que tinham acesso no intuito de

buscar um ensino mais crítico e significativo para o aluno.

A história do Maranhão, ensinada nas escolas, não deve se constituir, pois,

num relato sem vida, que deve ser memorizado pelo aluno, provocando por isso, muitas vezes, por parte deste, descaso e desinteresse. Para isso o

professor tem que questionar o livro didático e os guias curriculares, a fim de

se tornarem instrumentos úteis na aprendizagem. (CABRAL, 1987, p. 10).

Como podemos observar, em meados da década de 1980 o ensino de

História do Maranhão necessitava de uma reformulação, assim como também a própria

História do Brasil, dada as circunstâncias do período. De acordo com Bittencourt (2010,

p.197)

As reformulações curriculares iniciadas em meados da década de 1980, no

momento dos intensos debates de redemocratização do país, trouxeram novas

perspectivas para o ensino de História do Brasil. O aumento da produção

historiográfica, contemplando variados temas, as críticas a uma determinada

formulação da História Política, a crescente produção da História Social e a

mudança do perfil dos alunos criavam novas necessidades e possibilidades de

repensar o ensino de História nacional e de seu papel na constituição da

identidade nacional.

Dessa forma, os estudos historiográficos se ampliaram, viabilizando mais

pesquisas na área do ensino, e também as discussões sobre a História regional e local.

Page 144: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

144

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Com as produções dos programas de pós-graduação em História, muitos trabalhos

foram elaborados com temáticas e documentação disponíveis em acervos regionais e

locais, surgindo então uma nova geração de historiadores preocupados com a as “[...]

conexões obliquas entre o regional, o local e o nacional, em que o elemento espacial

ganha relevância, ombreando-se ao tempo” (MARTINS, 2014, p. 142).

Em busca de mais pesquisas sobre o ensino de História do Maranhão,

tomamos conhecimento de um estudo um pouco mais recente, especificamente, uma

monografia de graduação cuja autora é Santos (1999), intitulado O ensino de História

do Maranhão no 1º Ciclo (3ª e 4ª séries). O mesmo faz referência ao trabalho docente, e

também aos livros didáticos adotados para o ensino de História do Maranhão. A autora

destaca também as limitações dos livros didáticos adotados para o ensino nessa área:

[...] esses livros focalizam com muita superficialidade os aspectos ligados à

História do Maranhão. Por exemplo, na fase da República Nova, os enfoques dados são superficiais e muito resumidos. E dificilmente uma criança irá

entender esse tipo de texto. O assunto é colocado de forma bem solta,

dificultando assim, uma maior compreensão do texto. (SANTOS, 1999, p.

47).

Santos (1999) continua tecendo uma crítica ao ensino de História

desprovido de “vida” em seus relatos, enfadonho e desinteressante, o que acaba por

qualificar a História como disciplina “decorativa”. Conclui dizendo que:

Tendo como base essas observações, não se poderia qualificar os pressentes

livros como adequadamente satisfatórios. A História do Maranhão ensinada

através desses manuais, constitui-se, pois, num relato de fatos, datas, de

vultos ilustres. E a vida da classe menos favorecida, seus anseios, suas reivindicações, a vida cotidiana do homem simples, onde fica? (SANTOS,

1999, p. 54).

Em outro trabalho de natureza igual ao aludido por último, com autoria de

Ferreira (2002), intitulado O Processo de Ensino Aprendizagem no Brasil: reflexões

sobre o ensino de História no Maranhão, chama atenção pelo título, mas o conteúdo

destoa do que se procura, pois não está diretamente relacionado ao ensino de História do

Maranhão propriamente dito. No entanto, é uma importante fonte de pesquisa para se

analisar a evolução do ensino de História no Brasil, assim como a posição do ensino de

Page 145: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

145

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

História na legislação educacional atual.

Como dissemos, com avanço dos cursos de pós-graduação no contexto

maranhense, o cenário para pesquisas no campo da educação e do ensino se tornou mais

favorável e produtivo, trazendo à tona as discussões relativas aos conhecimentos de

caráter regional, seja no campo da educação ou da história.

No final da década de 1980 surge o Programa de Pós-Graduação em

Educação da UFMA. Vinculado a esse programa, existe um núcleo específico voltado

para o estudo da História da Educação, o NEDHEL - Núcleo de Estudos e

Documentação em História da Educação e Práticas Leitoras, que têm apresentado

produções sobre a história e cultura educacional maranhense.

Não poderíamos deixar de mencionar também Programa de Pós-graduação

Cultura e Sociedade da UFMA, com trabalhos de referência sobre a História do

Maranhão, dentre os quais é importante destacar a dissertação da Profª. Msc. Dayse

Marinho Martins intitulada Currículo e historicidade: a disciplina História do

Maranhão no sistema público estadual de ensino (1902 – 2013), apresentada em 2014.

O estudo de Martins (2014) se constitui em uma fonte segura e consistente

no que diz respeito a compreensão das práticas curriculares na sua relação com o

surgimento e ensino da disciplina de História do Maranhão e a atual situação em que a

referida disciplina se encontra, bem como o ensino decorrente da mesma.

Destacamos também o funcionamento do Programa de Pós-Graduação em

História e Narrativas (PPGHEN) do curso de História da Universidade Estadual do

Maranhão, do qual essa pesquisa faz parte. O PPGHEN tem como principal foco

[...] qualificar profissionais dedicados à docência no ensino básico e

contribuir com o seu papel de agente condutor de práticas pedagógicas. A

finalidade é atualizar competências e habilidades capazes de proporcionar um

refinamento teórico-metodológico e pedagógico do historiador-docente, ante

as novas diretrizes para o Ensino de História, estabelecidas desde a

elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Assim, pretendemos

contribuir para a transformação do professor-docente em agente ativo do

processo de construção de novas estratégias pedagógicas, capazes de alterar o

cotidiano do ensino da História em nosso Estado. Para tanto, a reflexão sobre os aspectos epistemológicos e metodológicos que envolve o campo da

História, será apreendida a partir da interface entre História, Ensino e

Narrativas, eixos a serem desenvolvidos e articulados a partir do

Page 146: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

146

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

conhecimento historiográfico, estratégias metodológicas e múltiplas

linguagens, inseridas no cotidiano escolar. (PPGHEN, 2013, p. 1)

O PPGHEN trará grandes contribuições para o ensino de História no Estado

do Maranhão à medida que as pesquisas realizadas no programa alcançarem os seus

destinatários, teremos resultados satisfatórios, principalmente no que diz respeito ao

ensino de História do Maranhão.

Ainda assim, de um modo geral, podemos afirmar que o quantitativo de

pesquisas sobre o ensino de História do Maranhão não é suficiente para possibilitar

maior aprofundamento da problemática em questão, o que não inviabiliza um esforço de

pesquisa para se preencher essa lacuna.

Como foi observado, os estudos relativos ao ensino de História do

Maranhão aqui mencionados, tinham como foco discutir as possibilidades de ensino

dessa disciplina nas redes educacionais do Estado. A problemática ainda persiste em

função da não efetivação dessa disciplina no contexto escolar maranhense na atualidade.

A análise das Diretrizes Curriculares da Rede Estadual de Ensino,

implantada em 2013 no Estado do Maranhão, são um exemplo de ambiguidade em

relação ao ensino de História do Maranhão, pois definem “o que deverá ser ensinado;

como deverá ser ensinado; o que deverá ser avaliado (MARANHÃO, 2014, p.37, grifo

nosso) sem no entanto deixar claro quais conteúdos de História do Maranhão deverão

ser trabalhados. Nas matrizes curriculares por área de conhecimento que são

apresentados nas Diretrizes Curriculares (2013) para o ensino de História no Ensino

Médio, existe apenas uma menção à História do Maranhão.

Em outro documento importante que foi objeto de análise, as Orientações

Normativas para o Funcionamento Escolar da Rede Estadual de Ensino de 2015,

verificou-se a ampliação da quantidade de conteúdos de História do Maranhão na sua

estrutura curricular. Tais conteúdos aparecem a título de “sugestão”, mas ainda assim, se

observou um maior destaque para os conteúdos de História do Maranhão em relação as

Diretrizes Curriculares de 2013.

Na proposta das Diretrizes Curriculares da Rede Estadual de Ensino, a

Page 147: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

147

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

disciplina de História tem como principal objetivo estimular nos estudantes a noção de

que os mesmos são sujeitos da sua própria História (MARANHÃO, 2014). Como então

contemplar a perspectiva da historicidade dos educandos da rede de ensino se os

mesmos não têm acesso a história da sua própria região? Da sua cidade? Do seu bairro?

No próximo capítulo, faremos uma abordagem mais específica sobre as questões

referentes as Diretrizes Curriculares da Rede Estadual de Ensino de 2013 e as

Orientações Normativas de 2015 no tocante ao ensino de História do Maranhão, na

intenção de apontar direcionamentos a alguns desses questionamentos.

A historicidade, como propõe Cerri (2011) é condição própria da existência

humana, antes mesmo de ser ensinada ou pesquisada. É o que dá sentindo a experiência

humana no tempo, nos permitindo evoluir na perspectiva da coletividade aos

estabelecermos laços de identidade comuns, que por sua vez vão se solidificando

através de um passado/história também comuns.

Devemos considerar também que tal processo (atribuir sentido a experiência

humana no tempo) não é natural, apesar de ser intrínseco a vida humana. Na

coletividade, produzimos narrativas históricas que, dependendo das intenções (sociais,

políticas, culturais), serão legitimadas ou não. E a escola, através do seu

currículo/ensino e transmissão do conhecimento/narrativa para as gerações futuras, tem

um papel significativo, cabendo a disciplina escolar de História orientar os indivíduos

quanto a relação que os mesmos travam com o tempo histórico.

Dessa forma, atribuição de sentido a História pelo educando seria mais

eficaz quando o mesmo experimentasse discutir com maior frequência narrativas que

são próximas da sua realidade. Palpáveis, no sentido de se integrar ao contexto em que

compartilham suas vivências e as relacionam com a História do lugar em que se

encontram.

Conhecer o lugar onde se vive, como se deu sua formação, a forma de integração entre os elementos humanos que o compõem, sua organização

política e cultural, enfim, sua história, permite ao sujeito compreender sua

sociedade, e dessa forma agir sobre sua realidade. Além disso, o

conhecimento e a compreensão acerca de seu espaço social é essencial para a

formação e a afirmação da noção de pertencimento e identidade (PRADO;

MACEDO, 2013, p. 1204).

Page 148: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

148

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Com a ausência de um ensino de História significativo nas escolas, os

educandos são privados de “[...] simbolizar o seu lugar, de situar-se numa complexa

rede de forças e de analisar as suas relações [...]” (CERTEAU, 1989, p. 13), ou seja,

perde-se a capacidade crítica e de representação da realidade na qual estão inseridos.

Não estamos aqui a defender que o estudo da História das sociedades a nível

mundial ou nacional não seja significativo. A inserção de estudos históricos sobre a

região/local no currículo não invalida o estudo sobre global e o nacional, já

comtemplados há décadas nas propostas curriculares vigentes para a disciplina escolar

de História.

Segundo Martins (2010), as exigências por novas narrativas e interpretações

da história local e regional vem crescendo. Seguindo esse argumento, é interessante

propor uma valorização da História regional/local (em especial a História do Maranhão)

nos currículos e livros didáticos no intuito de tornar o ensino de História mais

significativo e proveitoso aos alunos do Ensino Médio da rede Estadual do Maranhão.

A importância do ensino de História Regional na Educação Básica demarca o

dimensionamento entre o local e global, de modo a estabelecer a

possibilidade do aluno se perceber e se posicionar como sujeito dentro dos

processos sociais. Os conteúdos referentes à essa abordagem regional devem

se pautar em três grandes princípios: contribuir para a formação intelectual e

cultural dos estudantes, favorecer o conhecimento de diversas sociedades

historicamente constituídas, por meio de estudos que considerem múltiplas

temporalidades e proporcionar a compreensão deque as Histórias individuais

e coletivas se integram e fazem partes da História. (MARTINS, 2014, p.

177).

Não haveria antagonismos entre esses recortes históricos nas práticas de

ensino, e sim, complementariedades, que seriam fundamentais para a compreensão do

papel e da historicidade dos sujeitos que atuam ao mesmo tempo e em dimensões

espaciais distintas na construção de identidades histórico-sociais.

Em uma conjuntura onde a globalização tem influência na circulação de

ideias, valores e comportamento através do consumo de massa e das novas tecnologias

de comunicação, é importante analisar as relações entre o global, nacional,

Page 149: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

149

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

regional/local.

Acredita-se que a globalização trouxe um grande impacto sobre a identidade

nacional na contemporaneidade. Esse fato é percebido pela integração cada vez maior

dos mercados, pelo intercâmbio cultural, pela comunicação em tempo real, pela

[...] ‘compressão espaço-tempo’– a aceleração dos processos globais, de

forma que se sente que o mundo é menor em e as distâncias mais curtas, que

os eventos em um determinado lugar têm impacto imediato sobre pessoas e

lugares situados a uma grande distância. (HALL, 2015, p. 40).

Esse impacto da globalização acarretaria em um processo de

homogeneização cultural? Devemos considerar que os processos de trocas culturais

entre os diversos povos do mundo foram, e são dinâmicos. E mesmo quando há a

imposição de uma cultura sobre a outra, e a possibilidade de se perder uma estabilidade

identitária, os particularismos do nacional – regional – local resistem e se articulam,

produzindo novas identificações sociais sem perder a originalidade. Nas palavras de

Martins (2010, p. 138)

[...] aos observadores mais atentos da história do último quartel do século XX

e dos acontecimentos do início do terceiro milênio, fica claro que o planeta

não caminha no sentido de ser libertado das originalidades regionais e locais.

É verdade que a globalização afeta cada quilômetro quadrado da superfície

terrestre, aumentando a pressão sobre as culturas tradicionais e sobre as

regiões. [...] Mas também é verdade que ela faz isso de maneira desigual. Os impactos da globalização não desencadeiam processos iguais no Brasil e na

China, no interior mineiro ou na metrópole paulista. Enfim, o regional

continua importante.

Pode ocorrer ainda, o fortalecimento das identidades regionais e locais por

parte de certos grupos que se sentem ameaçados diante da presença de culturas

exógenas com a expansão da globalização. O que poderia gerar um processo de

homogeneização, acaba tendo dois possíveis efeitos: o fortalecimento ou a produção de

novas identidades.

É certo que a globalização pode contestar e deslocar as identidades (HALL,

2015), sem, contudo, acabar com as mesmas. Portanto, o discurso sobre a

impossibilidade de afirmação das identidades regionais e locais com sua história e

Page 150: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

150

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

tradições específicas, é precipitado. Da mesma forma também, é afirmar que o ensino de

História do Maranhão, depois da implantação do ENEM – Exame Nacional do Ensino

Médio, está fadado a desaparecer das salas de aulas, em função do caráter de seletor

unificado do referido exame para todo o Brasil, ocasionando “ [...] um decréscimo na

participação do ensino de história local e regional na composição das provas que que

seriam respondidas pelos concluintes do Ensino Médio em território nacional”

(SILVA;ARAÚJO, 2015, p. 8).

Em 1998, o MEC institui pela Portaria nº 438, o Exame Nacional do Ensino

Médio (ENEM), na perspectiva de avaliar a qualidade da educação pública do país. Em

2009, o exame passa ser o instrumento de seleção para o ingresso nas universidades

públicas em todo país. Com o intuito de padronizar o processo de avalição, o antigo

vestibular foi substituído pelo ENEM.

A nota do ENEM oferece uma referência cujo desempenho serve: a) para

escolhas futuras em relação ao universo de trabalho e continuidade dos

estudos; b) como modalidade alternativa ou complementar aos processos de

seleção do universo de trabalho; como modalidade alternativa ou

complementar aos exames de acesso aos cursos profissionalizantes pós-médios e à educação superior; para ascender a programas governamentais

como o PROUNI; e) como exame supletivo para os maiores de 18 anos,

permitindo a certificação de conclusão do ensino médio; f) como avaliação

de desempenho das escolas de ensino médio; g) como avaliação do

desempenho acadêmico dos estudantes que ingressam nas instituições de

ensino superior (PILETTI, 2010 apud MARTINS, 2014, p. 194).

O ENEM hoje, é a porta de acesso para as universidades públicas, institutos

de ensino superior federais, faculdades e universidades privadas. Também é instrumento

de avalição de desempenho dos estudantes a nível nacional. Sendo o ENEM seletor

nacional unificado para o ingresso nas instituições de nível superior, impõe aos

estudantes de todo o país programas com abordagens dos conteúdos dispostos no

currículo nacional. Os professores do Ensino Médio diante de tal realidade, precisam

trabalhar para que seus alunos alcancem resultados satisfatórios no ENEM (MOURA

PINTO; PACHECO, 2014), focando nos conteúdos globais que são exigidos pelo

exame. Como consequência, a História Regional fica em segundo plano.

A partir do impacto das políticas curriculares nacionais, ocorreu uma

Page 151: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

151

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

diminuição nas abordagens relativas a História Regional e Local. E a História do

Maranhão não mais se constitui como disciplina do currículo do Ensino Médio do

Estado. A abordagem temática da disciplina “[...] vem se desagregando diante das

propostas que centralizam o ensino de História a partir dos conteúdos previstos do MEC

e dos exames nacionais [...] ” (MARTINS, 2014, p. 198).

Atualmente, somente a Universidade Estadual do Maranhão – UEMA (o que

estimula a procura dos alunos pela História do Maranhão) exige em seu programa de

processo seletivo Processo Seletivo de Acesso à Educação Superior – PAES) conteúdos

de História do Maranhão. As universidades que utilizam o ENEM como critério para o

ingresso de estudantes em suas instituições priorizam conteúdos globais, em detrimento

dos conhecimentos regionais e locais, ainda mais quando se trata da disciplina de

História.

O que nos chama atenção em relação ao processo seletivo para acesso de

alunos à UEMA e o seu programa que contempla a História do Maranhão, é o fato de os

alunos do Ensino Médio da Rede Estadual de Ensino não possuírem um livro didático

específico para História do Maranhão. Como os mesmos podem alcançar um bom

desempenho nesse processo seletivo sem acesso ao conteúdo de História do Maranhão?

Nas escolas onde a pesquisa foi realizada, nenhum material didático relativo a História

do Maranhão foi encontrado, o que só dificulta aprendizagem desse conteúdo.

A competição entre os estudantes nas escolas públicas do Estado na

atualidade é acirrada. Cada questão é importante para alcançar o resultado esperado e

ingressar na UEMA. Sendo assim, alguns alunos da rede que podem investir em cursos

pré-vestibulares, assistem as aulas de História do Maranhão, e os que não tem como

fazer esse investimento saem em desvantagem. Mesmo sabendo que pelo sistema de

cotas para as escolas públicas os alunos da rede concorrem entre si, cria-se uma

diferenciação quanto ao acesso à História do Maranhão.

O Processo Seletivo de Acesso à Educação Superior – PAES - UEMA

acontece em duas etapas. A primeira é uma

[...] prova constituída de 60 (sessenta) questões objetivas de múltipla escolha,

por área de conhecimento, abrangendo os conteúdos programáticos dos

Page 152: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

152

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

componentes curriculares que integram o ensino médio, segundo as diretrizes

dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s. [...] prova constituída de 12

(doze) questões analítico-discursivas, abrangendo conteúdos programáticos

de 2 (dois) componentes curriculares que integram o ensino médio,

específicos por curso, e prova de produção textual, segundo as diretrizes dos

Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s. (UNIVERSIDADE, 2016a, p. 7-

8)

Na segunda etapa, as questões analítico-discursivas vão exigir uma bagagem

muito consistente do candidato. Em relação a História, é provável que o mesmo não se

sairá bem se não souber desenvolver uma escrita lógica e coerente com discurso

histórico, seja ele globalizante ou regional. De certo que, se o candidato não teve acesso

ao conhecimento sobre a História do Maranhão, o mesmo será prejudicado na soma

total dos resultados, e provavelmente não ingressará na UEMA, se estiver concorrendo

as vagas dos cursos mais procurados.

Dessa forma, uma possível ausência do ensino de História do Maranhão nas

escolas públicas de Ensino Médio implicaria em um duplo processo de exclusão: o

primeiro diz respeito ao fato de alunos se encontrarem privados de conhecer a história

de sua região, do seu Estado, e em segundo lugar, a dificuldade em fazer uma boa

segunda etapa no processo seletivo da UEMA.

Fica claro um descompasso entre a proposta curricular do Estado e os

conteúdos que são exigidos pela UEMA quando a questão é História do Maranhão. Essa

incongruência pode se manifestar no cotidiano escolar da rede de ensino estadual.

Confirmamos esse distanciamento quando comparamos o programa de História da

UEMA com “o que deve ser ensinado” a partir das Diretrizes Curriculares do Estado,

em vigor desde de 2013.

Diante de tal realidade acerca do ensino de História do Maranhão, é possível

que a história e a cultura do povo maranhense se encontrem em vias de um

“silenciamento” pelo fato de não ser ensinada com mais frequência nas salas de aula das

escolas públicas do Estado?

Sabemos que a História Regional/Local é de suma importância para o

resgate e a afirmação da cultura e identidade de um povo. É importante para os

indivíduos, sensibilizados por meio de uma reflexão sobre as questões do regional/local,

Page 153: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

153

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

contextualizar historicamente e problematizar a sua noção de identidade, seu lugar no

mundo, como sujeitos de sua própria história.

Sendo assim, defendemos uma maior presença da História do Maranhão no

currículo e nas salas de aulas do Ensino Médio da rede Estadual por entendermos que o

protagonismo de um povo se torna efetivo quando o mesmo conhece e reconhece a sua

própria história. E para conhecer a sua própria história, a mesma precisa ser ensinada e

valorizada nas escolas, e em outras instituições que dialogam com a sociedade.

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

Diante do exposto, consideramos que a análise do currículo sob a

perspectiva de constructo social e histórico, mediador das relações entre escola,

conhecimento e sociedade (SILVA; GUIMARÃES, 2012) contribuiu

consideravelmente para o entendimento da atual situação do ensino de História do

Maranhão nos espações escolares em que a pesquisa foi realizada. Fruto da

intencionalidade, tensões e ambiguidades que norteiam os eu processo de construção, o

currículo acaba por expressar os anseios de formação educacional da sociedade em que

é estabelecido como elemento norteador das práticas educativas. Seus efeitos são

sentidos na organização escolar e na sala de aula. Dessa forma, a inclusão ou

silenciamento de determinada disciplina ou conteúdos no currículo escolar, expressa o

interesse de certos grupos especializados na sua elaboração, e que nem sempre se

encontram dispostos a contemplar a participação dos professores nesse processo.

Consideramos também a importância de se discutir a historicidade do ensino

de História, entendendo que as diversas formulações e reformulações sofridas em cada

período destacado na pesquisa foram frutos de intensas disputas políticas, educacionais

e sociais. Essa trajetória nos permitiu reconhecer avanços e conquistas, bem como

retrocessos e permanências, que fizeram (e fazem) parte das elaborações sobre o que é o

ensino de história hoje.

Page 154: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

154

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Essa abordagem nos permitiu ainda reconhecer a trajetória da História do

Maranhão enquanto saber disciplinarizado, sem a qual não seria possível compreender a

atual situação do ensino de História do Maranhão nas escolas selecionadas para a

pesquisa. Hoje, a história do Maranhão não é mais disciplina do currículo da rede

estadual de ensino. E nas escolas onde a pesquisa foi realizada, o ensino de seus

conteúdos é praticamente inócuo tendo em vista a relevância dada a História Regional e

Local nas diretrizes curriculares nacionais e regionais.

REFERÊNCIAS

ABUD, Kátia Maria. A guardiã das tradições: a História e o seu código curricular.

Educar em Revista, Curitiba: Editora UFPR , n. 42, p. 163-171, out./dez. 2011.

ABUD, Kátia Maria. Processos de construção do saber histórico escolar. História e

ensino, Londrina, v. 11, jul. 2005.

ACADEMIA MARANHENSE DE LETRAS. Disponível:

<http://www.academiamaranhense.org.br/?p=492>. Acesso em: 26. jun. 2016.

ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO – APEM. Relatório da

Inspetoria de Instrução Pública, 1911.

AZEVEDO, Antônio Carlos do Amaral. Dicionário de nomes, termos e conceitos

históricos. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

BACELLAR, Carlos. Uso e mau uso dos arquivos. In: PINSKY, Carla Bessanezi (Org.).

Fontes históricas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006. p.71.

BERUTTI, Flávio; MARQUES, Adhemar. Ensinar e aprender história. Belo

Horizonte: RHJ, 2009.

BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de história: conteúdos e conceitos básicos. In:

KARNAL, Leandro (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 6.

ed. São Paulo: Contexto, 2003. p. 47.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos.

São Paulo: Cortez, 2004.

Page 155: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

155

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

__________. Ensino de História: fundamentos e métodos. 3. ed. São Paulo. Cortez,

2009.

__________. Identidade nacional e ensino de história do Brasil. In: KARNAL, Leandro

(Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas.6. ed. São Paulo:

Contexto, 2010,

p.185-204.

BRASIL. MEC. Guia de livros didáticos: PNLD 2010: Historia. Brasília, 2009, p.327.

_______; Guia de livros didáticos: PNLD 2008: Historia. Brasília, 2007; _______. Guia

de livros didáticos: PNLD 2011: Historia. Brasília, 2010, p.17.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação: Lei

Federal nº 9.394/96 de 24 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da

educação nacional. Disponível em:

<https://www.mpes.mp.br/Arquivos/Anexos/03fe25bf-f2c9-459a-bee2-

f00c1b0b2a0e.pdf>. Acesso: 12 maio 2016.

__________. Parâmetros Curriculares Nacionais - História. Brasília: MEC / SEF,

1997.

__________.Parâmetros Curriculares Nacionais - História. Brasília: MEC / SEF,

1998.

__________. Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino Médio. Brasília: MEC /

SEF, 1999. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/cienciah.pdf>.

Acesso em: 12. maio 2016.

__________. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica.

Brasília, 2013. 562 p.

CABRAL, Maria do Socorro Coelho. O ensino de história do Maranhão no 1º grau.

1987. Disponível em:

<http://www.pppg.ufma.br/cadernosdepesquisa/uploads/files/pesquisa%201(1).pdf.>.

Acesso em: 24 set. 2014.

CAIMI, Flávia; MACHADO, Ironita A. P.; DIEHL, Astor Antônio (Org.). O livro

didático e o currículo de história em transição. Passo Fundo: Ediupf, 1999.

CARNEIRO, Moaci Alves. LDB fácil: leitura crítico-compreensiva artigo a artigo.

23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

CASTRO, Lúcia. Que Ilha Bela! São Luís, o tempo reconstrói a tua história (1612 –

2012). São Luís: 360° Gráfica e Editora, 2013.

Page 156: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

156

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

CERRI, Luís Fernando. Ensino de história e consciência histórica: implicações

didáticas de uma discussão contemporânea. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011.

CERTEAU, Michel de et al. A nova história. Rio de Janeiro: Edições 70, 1989.

CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

1982.

CIAMPI, Helenice. Ensinar história no século XXI: dilemas curriculares. In:

ENCONTRO REGIONAL DA ANPUH, 20., 2010. São Paulo. Resumos... Disponível

em:

<https://www.google.com.br/webhp?sourceid=chromeinstant&ion=1&espv=2&ie=UTF

8#q=ensinar+hist%C3%B3ria+no+s%C3%A9culoXXI%3A+dilemas+curriculares>.

Acesso em: 28. nov. 2015.

COSTA, Odaléia Alves da. A produção da disciplina escolar e os escritos em torno

dela: os estudos sociais do Maranhão. 2008. Dissertação (Mestrado em Educação)-

Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2008. Disponível em:

<www.ufpi.br/subsiteFiles/ppged> Acesso em: 12 ago. 2016.

COSTA, Rodrigo Biagini. PCN de história na escola: caminhos e descaminhos para a

construção da cidadania. Marília, 2010. 203 f. Dissertação (Mestrado em Educação) –,

Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2010.

CRESWELL, John W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto.

2. ed. Porto Alegre: Artemed, 2007.

DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo:

Editora Planeta do Brasil, 2010.

FERNANDES, José Ricardo Oriá. Ensino de história e diversidade cultural: desafios e

possibilidades. Cad. Cedes, Campinas, v. 25, n. 67, p. 378-388, set. /dez. 2005.

FERREIRA, Domingos Sebastião Cantanhede. O processo de ensino e aprendizagem

no Brasil: reflexões sobre o ensino de História no Maranhão. 2002. Monografia

(Graduação em História) – Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2002.

FERREIRA, Marieta de Moraes; FRANCO, Renato. Aprendendo história: reflexão e

ensino. São Paulo: Editora do Brasil, 2009.

FONSECA, Selva Guimarães; OLIVEIRA, Zeli Alvim de. Avaliação, currículo e

história no ensino médio: um campo de relações. Revista de Educação PUC-

Campinas, Campinas, n. 21, p. 75-91, nov. 2006.

Page 157: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

157

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

FONSECA, Thaís Nivia de Lima e. História e ensino de história. 3. ed. Belo

Horizonte: Autêntica Editora, 2011.

FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação, uma introdução ao

pensamento de Paulo Freire. 4. ed. São Paulo: Moraes, 1980. 102 p.

FREITAS, L. C. et al. Dialética da inclusão e da exclusão: por uma qualidade negociada

e emancipadora nas escolas. In: Escola Viva: elementos para a construção de uma

educação de qualidade social. GERALDI, C. M. G.; RIOLFI, C. R.; GARCIA, M. F.

Campinas: Mercado de Letras Edições e Livraria Ltda., 2004.

GASPARELLO, Arlette Medeiros. Construindo um novo currículo de História. In:

NIKITIUK, Sônia M. Leite (Org.). Repensando o ensino de história. 5. ed. rev. São

Paulo: Cortez, 2004, p. 85 -100

GOMES, Laurentino. 1889: como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um

professor injustiçado contribuíram para o fim da Monarquia e a Proclamação da

República no Brasil. São Paulo: Globo 2013.

GOMES, Ângela de Castro. A escola republicana: entre luzes e sombras. In:

SCHUELER; Alessandra Frota Martinez de; MAGALDI, Maria Bandeira de Mello.

Educação escolar na Primeira República: memória, história e perspectivas de

pesquisa. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tem/v13n26/a03v1326.pdf>

Acesso em: 29 mar. 2015.

GOODSON, I. A construção social do currículo. Lisboa: Educa, 1997.

GOODSON, I. Currículo: teoria e história. Petrópolis: Vozes, 1995.

GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: O instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma História Nacional. Estudos

históricos. Rio de Janeiro, n.1, 1988, p. 5-27.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 12. ed. Rio de Janeiro:

Lamparina, 2015.

HOBSBAWN, E.; RANGER, T. (Org.) A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 2012.

KARNAL, Leandro (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 6.

ed. São Paulo: Contexto, 2003.

LE GOFF, Jacques. Memória. In__ História e Memória. 5ª ed. Campinas - São Paulo:

Page 158: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

158

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Editora da UNICAMP, 2003.

LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J.F de; TOSCHI. Educação escolar: política, estrutura

e organização. 2. Ed. São Paulo: Cortez, 2005.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar. 2. ed. São Paulo:

Cortez, 1995.

MACHADO, Ironita A. P. O currículo de história. In: CAIMI, Flávia; MACHADO,

Ironita A. P.; DIEHL, Astor Antônio (Org.). O livro didático e o currículo de história

em transição. Passo Fundo: Ediupf, 1999. p. 113 – 116.

MARANHÃO. Diretrizes Curriculares. 3ª ed. Secretaria de Estado da Educação do

Maranhão. SEDUC. São Luís, 2014.

MARANHÃO. Orientações Normativas para o Funcionamento Escolar. Secretaria

de Estado da Educação do Maranhão. SEDUC. São Luís, 2015.

MARTINS, Estevão Rezende de. Historicidade e consciência histórica. In: Jörn Rüsen

e o Ensino de História. SCHIMIDT, Maria Auxiliadora (org.). Curitiba: Ed. UFPR,

2011.

MARTINS, Dayse Marinho. Currículo e Historicidade: a disciplina História do

Maranhão no sistema público estadual de ensino (1902-2013). 2014. 263 f.

Dissertação (Mestrado em Cultura e Sociedade ) – Universidade Federal do Maranhão,

Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade, São Luís, 2014.

MARTINS, Marcos Lobato. História regional. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.).

Novos temas nas aulas de História. São Paulo: Contexto, 2010. p. 135 – 152.

MATOS, Júlia Silveira Matos. A história nos livros didáticos: o papel das políticas

governamentais na produção e veiculação do saber histórico. Historiae, Rio Grande:

Editora FURG, v. 3, n. 1, 2012.

MEINERZ, Carla Beatriz. História viva: a história que cada um constrói. Porto Alegre:

Mediação, 2001.

MENEZES, Marilia Gabriela de; SANTIAGO, Maria Eliete. Contribuição do

pensamento de Paulo Freire para o paradigma curricular crítico-emancipatório.

Pro-Posições. v. 25, n. 3, ano 75, p. 45 – 62, set./dez. 2014. Disponível em: <

http://dx.doi.org/10.1590/0103-7307201407503>. Acesso em: 12 maio 2016.

MOREIRA, A. F. B.; SILVA, T. T. (Org.). Currículo, cultura e sociedade. São Paulo:

Cortez, 1994.

Page 159: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

159

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

MOURA PINTO, Monike Gabrielle de. AGUIAR PACHECO, Roberto de. O ENEM

como

referência para o ensino de história. 2014.

NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU, 1976.

__________. A Educação na Primeira República. In: FAUSTO, Boris. (Org.) História

Geral da Civilização Brasileira – volume 2: sociedade e instituições (1889-1930). 5ª

ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

NASCIMENTO, Diego da Luz. Identidade e ensino de História: um estudo de livros

didáticos. Disponível em:

<http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1308573383_ARQUIVO_DiegoAn

puhRevisado[1].pdf.>. Acesso: Acesso em: 12 jun. 2016.

NIKITIUK, Sônia M. Leite (Org.). Repensando o ensino de história. 5. ed. rev. São

Paulo: Cortez, 2004, p. 85 -100.

OLIVEIRA, Josenilda Sales de; SILVA, Valéria Patrícia Araújo. Currículo tradicional

e ensino de História: emancipar x docilizar. Disponível em:

<http://www.editorarealize.com.br/revistas/conedu/trabalhos/TRABALHO_EV056_M

D1_SA9_ID11304_17082016145821.pdf>. Acesso: 11 nov. 2016.

PAIM, Elison Antônio; PICOL, Vanessa. Ensinar história regional e local no Ensino

Médio: experiências c desafios . Revista Hisória & Ensino. Londrina, v.13, p.107-

1Z6, set.2007. Disponível em:

<www.uel.br/revistas/uel/index.php/histensino/article/download/11647/1033.>. Acesso:

15 jul. 2016.

PERENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre:

Artes Médicas Sul, 1999.

PILETTI, Claudino; PILETTI, Nelson. História da educação: de Confúcio a Paulo

Freire. São Paulo: Contexto, 2013.

PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Novos temas nas aulas de história. São Paulo:

Contexto, 2010.

PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. O que e como ensinar: por uma história

prazerosa e consequente. In: KARNAL, Leandro (Org.). História na sala de aula:

conceitos, práticas e propostas. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2010, p. 17 – 36.

Page 160: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

160

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

POLLACK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Revista estudos históricos, v.

2, n. 3, 1989, p. 3-15. Disponível em:

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2278/1417>. Acesso em:

12 jun. 2016.

PORTO, Ana Luiza Araújo Porto. Entre Práticas e Saberes Históricos: Um diálogo

entre o ensino de História Contemporânea e as teorias curriculares pós-críticas.

Disponível em: <http://anais.anpuh.org/wp-

content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S24.0867.pdf.>. Acesso: 10 dez. 2016.

PRADO, Daniel Porciuncula; MACEDO, Sabrina Meirelles. Reflexões acerca do

ensino de História: a história local e a consciência histórica. Revista latino-

americana de história, v. 2, n. 6, ago. 2013. Edição Especial.

PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

-PPGHEN – UEMA. 2013. Apresentação. Disponível em: <

http://www.ppghen.uema.br>. Acesso em: 13. jun. 2016.

RAJOBAC, Raimundo; ROMANI, Simone. Jean-Lrançois Lyotard e a condição Pós-

Moderna: perspectivas para os fundamentos da educação. Signos, ano 32, n. 1, p. 9-

17, 2011. Disponível em: <file:///C:/Users/User/Downloads/184-741-1-PB.pdf>. Acesso

em: 23 dez. 2015.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. 14. ed. Petrópolis:

Vozes, 1991.

RUCKSTADTER, Flávio Massami Martins; RUCKSTADTER, Vanessa Campos

Mariano. As origens do ensino de História no Brasil colonial: apresentação do

epítome cronológico, genealógico e histórico do padre jesuíta António Maria Bonucci.

Disponível em:

<http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario8/_files/u5hx7ie

c.pdf>.Acesso: 20 abr. 2016.

RÜSEN, Jörn. Aprendizagem histórica: fundamentos e paradigmas. Curitiba: W.A.

Editores, 2012.

__________. História Viva – teoria da história III: formas e funções do

conhecimento histórico. Brasília: Ed. da UNB, 2010.

SANTOS, Romênia Mitoura dos. O ensino de história do Maranhão no 1º Ciclo (3ª e

4ª séries). 1999. Monografia (Graduação em História) - Universidade Federal do

Maranhão, São Luís, 1999.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar história. São Paulo:

Page 161: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

161

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Scipione, 2004.

SCHUELER; Alessandra Frota Martinez de; MAGALDI, Maria Bandeira de Mello.

Educação escolar na Primeira República: memória, história e perspectivas de

pesquisa. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tem/v13n26/a03v1326.pdf>

Acesso em: 29 mar. 2015.

SILVA, Diana Rocha da. A institucionalização dos grupos escolares no Maranhão

(1903-1920). São Luís: Editora UEMA, 2015.

Silva, Edimar Gonçalves da; Araujo, Patrícia Cristina de Aragão. Ensino de História

Local e Regional: o descompasso do Exame Nacional do Ensino Médio no Brasil.

Disponível em:

<.http://www.editorarealize.com.br/revistas/eniduepb/trabalhos/TRABALHO_EV043_

MD1_SA6_ID1179_27072015031107.pdf.>. Acesso: Acesso em: 15 ago. 2016.

SILVA, Marcos Antônio da; FONSECA, Selva Guimaraes. Ensino de história hoje:

errâncias, conquistas e perdas. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 31, n. 60,

p. 13-33, 2010.

SILVA JÚNIOR, Astrogildo Fernandes. A ciência da história e o ensino de história:

aproximações e distanciamentos. OPSIS, Catalão, v. 11, n. 1, p. 287-304 , jan./jun.

2011.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO. Edital nº 99/2016 - PAES -

Reitoria/UEMA, 2016a. Disponível em: <http://www.paes.uema.br/wp-

content/uploads/2016/07/edital.pdf> Acesso em: 15 ago. 2016.

__________. Estatística de candidatos/vaga por curso e campus: 01-São Luís – PAES –

2016b. Disponível em: <http://www.uema.br/wp-

content/uploads/2015/11/EstatisticacandidatosvagaPaes2016.pdf>. Acesso em: 15 ago.

2016.

VALLE, Ione Ribeiro. Sociologia da educação: currículo e saberes escolares. 2. ed.

Florianópolis: Ed. da UFSC, 2014.

WELFORT, Madalena Freire. A paixão de conhecer o mundo: relato de

uma professora. 7ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

Page 162: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

A EDUCAÇÃO DA MULHER NO ASSENTAMENTO CAJAZEIRA – MA: A

CONTINUIDADE DOS ESTUDOS A PARTIR DO PRONERA

Ilma do Socorro Santana Pinheiro

1. INTRODUÇAO

A educação é vista não apenas como forma de as pessoas se tornarem

economicamente mais produtivas, mas como uma condição para a liberdade (RUA e

ABRAMOVAY, 2000, P, 72).

Esta pesquisa problematiza qual o impacto do PRONERA no assentamento

Cajazeira e até que ponto o PRONERA contribuiu para a ascensão social das

educadoras egressas do projeto UEMA/INCRA convênio nº 13.000/07 realizada no

assentamento Cajazeira. Para essa contribuição pensou-se em analisar os impactos do

PRONERA no assentamento Cajazeira no município de Barra do Corda – MA,

especificando o PRONERA no Maranhão, em especial caracterizar o PRONERA no

assentamento Cajazeira e conhecer a sua relação com a ascensão social das mulheres

educadoras do PRONERA.

Parece-me que é urgente pesquisar as desigualdades históricas sofridas pelos

povos do campo. Desigualdades econômicas, sociais e para nós desigualdades

educativas, escolares. Sabemos como o pertencimento social, indígena, racial, do campo

é decisivo nessas históricas desigualdades. Há uma dívida histórica, mas há também

uma dívida de conhecimento dessa dívida histórica. E esse parece que seria um dos

pontos que demanda pesquisas. Pesquisar essa dívida histórica (ARROYO, 2004,

p.104).

Desse modo, a crítica feminista também deve compreender como a

categoria das “mulheres”, o sujeito do feminismo, é produzida e reprimida pelas

estruturas de poder por intermédio das quais busca-se a emancipação (BUTLER,

2003,19).

É nesse sentido que a educação tem um papel relevante na

emancipação da mulher na sociedade como forma de libertá-la de uma condição social

imposta pelos limites das relações de gênero construídas historicamente.

Page 163: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

163

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A história da mulher apareceu como um campo definível principalmente nas

duas últimas décadas. Apesar das enormes diferenças nos recursos para ela alocados, em

sua representação e em seu lugar no currículo, na posição a ela concedida pelas

universidades e pelas associações disciplinares, parece não haver mais dúvida de que a

história das mulheres é uma prática estabelecida em muitas partes do mundo (BURKE

apud SCOTT, 1992).

Desde muito tempo, as mulheres das classes trabalhadoras e camponesas

exerciam atividades fora do lar, nas fábricas, nas oficinas e nas lavouras.

Gradativamente, essas e outras mulheres passaram a ocupar também escritórios, lojas,

escolas e hospitais. Suas atividades, no entanto, eram quase sempre como são ainda

hoje, em boa parte rigidamente controladas e dirigidas por homens e geralmente

representadas como secundárias (LOURO, 2010).

Nesse contexto, assim, não mais focalizam-se as mulheres no mundo do trabalho, da

política, no terreno da educação, ou dos direitos civis, mas também introduzem-se

novos temas na análise, como família, a maternidade, os gestos, os sentimentos, a

sexualidade e o corpo, entre outros. Convém ressaltar, que as diferentes tendências

radicais encontram-se e completam-se em sua denúncia da sociedade patriarcal.

O argumento predominante são que as mulheres são oprimidas e

exploradas individual e coletivamente em razão de sua identidade

sexual. Acorrente radical postula que não há domínio privado em uma

existência pessoal que não seja político e da primazia às lutas das

mulheres. (SWAIN, 2000, p.18)

Assim, o questionamento radical interessa-se em particular às múltiplas

manifestações sociais de opressão / exploração das mulheres; às relações de

interdependência entre reprodução biológica e a produção social; ao arbítrio da divisão

social em domínio público e privado e à desvalorização – ocultação do trabalho

mercantil e não mercantil produzido pelas mulheres.

Page 164: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

164

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Dentre os múltiplos espaços e as muitas instâncias onde se pode observar a

instituição das distinções na qual são constituídas pelos gêneros, destaca-se neste estudo

o Assentamento Cajazeira, situado a 36 km da sede do município de Barra do Corda,

onde as mulheres são sujeitos fundamentais no processo de plantio e colheita e de

colaboração na renda familiar. Cajazeira conta com 500 residências onde moram 3.000

habitantes, porém a capacidade de assentados para o INCRA é de 202 famílias apenas.

No âmbito dessa questão, nota-se a relevância da temática em apreço, pois

ao dizer que as mulheres são diferentes dos homens se constitui, a princípio, numa

afirmação irrefutável. Assim para (BUTLER, 2003) “em primeiro lugar, devemos

questionar as relações de poder que condicionam e limitam as possibilidades

dialógicas”.

Nesse contexto, a escolha do tema encontra-se em princípio, vinculada a

minha experiência enquanto estagiária do Programa Nacional de Educação em áreas de

Reforma Agrária (PRONERA) em parceria com o Instituto Nacional de Colonização em

Reforma Agrária (INCRA) e a Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Alia-se a

isso, outra experiência vivenciada como aluna do Curso de Aperfeiçoamento em Gênero

e Diversidade na escola, que contribuiu significativamente para articular os

conhecimentos adquiridos durante o processo de aprendizagem enquanto estagiária com

os fundamentos teóricos tão bem abordados durante o curso de aperfeiçoamento.

2 A EDUCAÇÃO COMO PROCESSO EMANCIPATÓRIO DA MULHER

As conquistas obtidas na luta pela emancipação feminina passaram a ser

vistas como conquistas da civilização, que os homens deviam ampliar em próprio

interesse, por ser uma condição do progresso humano (ALVES et al, 1982).

Embora a história das mulheres esteja certamente associada à emergência do

feminismo, este não desapareceu, seja como presença na academia ou na sociedade em

geral, ainda que os termos de sua organização e de sua existência tenham mudado.

À medida que se consolidava a história das mulheres tornava-se mais nítida

a forma pela qual ela própria seria capaz de contribuir inovando, questionando ou

Page 165: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

165

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

reforçando algumas linhas básicas da historiografia, sobretudo daquela influenciada pela

nova História.

Nessa perspectiva, a ausência da educação feminina pode ser explicada pela

exclusão da mulher do processo educativo pelo menos até o final do século XVII, quase

dois séculos de diferença em relação aos homens (ARIES, 1981).

Observa-se que as concepções de gênero diferem não apenas entre

sociedades ou momentos históricos, mas no interior de uma dada sociedade. Assim,

bem coloca a autora:

A questão da mulher é em grande parte uma questão econômica, mas pode

acontecer que seja ainda mais uma questão cultural [...] mas antes de mais ela

é uma questão de direito, porque é apenas na base dos direitos escritos [...]

que podemos pretender encontrar-lhe uma solução que seja segura

(GONÇALVES, 2006, p. 29).

Durante muito tempo se pensou que seria muito difícil mobilizar as

mulheres trabalhadoras, porque se considerava irregular e provisória sua inserção no

mercado de trabalho. Também prevalecia a convicção de que elas fossem as principais

depositárias e reprodutoras dos valores patriarcais dominantes na sociedade rural

brasileira (PINSKY, 2011, p.645).

No campo, a autoridade do chefe de família – do pai ou do marido –

extrapola o espaço doméstico e muitas vezes impõem-se, negando a participação das

mulheres nas decisões nas cooperativas, nos bancos, nas associações de produtores e

nos sindicatos (PINSKY, 2011).

Para Lucena (2003, p.130) as mulheres brasileiras trabalham cada vez mais,

sendo que o trabalho é um valioso recurso para modificar a situação político-cultural-

econômico do Brasil. É nesse contexto que podemos pensar que as mulheres tem

relações muito específicas com o trabalho. Além disso, a mulher brasileira vem se

tornando cada vez mais a única responsável pela família, pois as mulheres vem

assumindo a responsabilidade da família, porém ganha menos que o homem e é maioria

entre os trabalhos de carteira assinada. Essa diferença de rendimentos entre os sexos,

embora presente, tem registrado redução com o passar do tempo, em razão, sobretudo,

do aumento do nível de escolaridade das mulheres.

Page 166: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

166

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Segundo Toledo (2008, p. 33) a mulher não nasceu oprimida, mas passou a

sê-lo devido a inúmeros fatores, dentre as quais os decisivos foram às relações

econômicas, que depois determinaram toda superestrutura ideológica de sustentação

dessa opressão: as crenças, os valores, os costumes, a cultura em geral.

No que concerne a memória e a cultura, o camponês recusa-se a assumir sua

identidade, pois:

[...] ao longo de sua história, foi considerado como “rude” e inferior. O

próprio campo é visto como um espaço inferior à cidade. A consciência de

classe passa pela consciência de identidade, que, no caso aqui discutido, é a

da cultura camponesa [...] (COMILO, 2008, p. 21).

Na cultura camponesa uma vez que a palavra foi dita, ela e somente ela já

basta, sendo esta regulada pela honra. O tempo possui uma concepção diferenciada do

homem urbano, pois o homem do campo está sempre utilizando o tempo de colheita e

plantio como referência. Por outro lado, o artigo 28 da LDB aponta direcionamento

específico à escola do Campo. Na oferta de educação básica para a população rural, os

sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação, às

peculiaridades da vida rural e de cada região, no que se refere a organização escolar do

campo, especialmente:

I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e

interesses dos alunos da zona rural;

II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às

fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;

III - adequação à natureza do trabalho na zona rural (LDB, 1996).

Os povos do campo têm uma raiz cultural própria, um jeito de viver e de

trabalhar, distinta do mundo urbano, e que inclui diferentes maneiras de ver e de se

relacionar com o tempo, o espaço, o meio ambiente, bem como de viver e de organizar a

família, a comunidade, o trabalho e a educação. Nos processos que produzem sua

existência vão também se reduzindo como seres humanos. (ARROYO; CALDART;

MOLINA, 2004 p. 16).

Assim sendo é de extrema importância mencionar a pretensão em entender o

gênero como constituinte dos sujeitos. Ao aceitarmos que a construção do gênero é

Page 167: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

167

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

histórica e se faz incessantemente, estamos entendendo que as relações entre homens e

mulheres, os discursos e as representações dessas relações estão em constante mudança.

A construção de gênero também se faz por meio de sua construção (LAURETIS, 1994,

p. 209).

Entende-se que o conceito passa-se a ser usado, então como um forte apelo

relacional, já que é no âmbito das relações sociais que se constroem os gêneros. Deste

modo, ainda que os estudos continuem priorizando as análises sobre as mulheres, eles

estarão agora, de forma muito explícita, referindo-se também aos homens. Busca-se,

intencionalmente, contextualizar o que se afirma ou se supõe sobre os gêneros, tentando

evitar as afirmações generalizadas a respeito da “Mulher” ou do “Homem”.

Há pouco avanço, segundo Lauretis, em dizer que a diferença sexual é

cultural; o problema que permanece é o de conceber as diferenças (sejam elas

consideradas culturais, sociais, subjetivas) “em relação ao homem – sendo ele a medida,

o padrão, a referência de todo discurso legitimado”.

Lauretis (1986, p.12) aponta, que o próprio significado da diferença sexual é

colocado em termos de oposição o que é um modo de compreensão que está muito

próximo da conhecida expressão “anatomia do destino”.

Dessa forma, as desigualdades só poderão ser percebidas e desestabilizadas

e subvertidas, na medida em que:

Estivermos atentas/os para suas formas de produção e reprodução. Isso

implica operar com base nas próprias experiências pessoais e coletivas, mas

também, necessariamente, operar como apoio nas análises e construções

teóricas que estão sendo realizadas (LOURO, 2010, p.121).

Assim sendo, temos de admitir que qualquer iniciativa ou proposta de

desestabilização dos atuais arranjos sociais, de acolhida ou de estímulo a novos arranjos

precisa contar, necessariamente, com a construção de redes de aliança e solidariedade

entre os vários sujeitos envolvidos na prática educativas e escolares – dentro e fora da

escola

De acordo com Cardoso (1997, p.279), gênero tem sido, desde a década de

1970, o termo usado para teorizar a questão da diferença sexual. Assim,

Page 168: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

168

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

[...] Foi inicialmente utilizada pelas feministas americanas que queriam

insistir no caráter fundamental social das distinções baseadas no sexo [...]o

gênero se torna, inclusive, uma maneira de indicar as “construções sociais” –

a criação inteiramente social das ideias sobre os papéis próprios aos homens e

às mulheres.

Dentro dessa visão, a relação de poder e status entre grupos está ligada à

identidade social, que permite ao grupo dominante na sociedade, por deter o poder e o

status, impor valores e ideologias que, por sua vez, servem para legitimar e perpetuar os

estatus quo. Vale lembrar, ‘que os indivíduos nascem já inseridos numa estrutura e,

simplesmente em função do sexo ou classe social, entre outros itens, são “colocados”

num ou noutro grupo (LUCENA, 2003).

Scott (1988), aponta o equívoco de se conceber o par “diferença-igualdade”

como um “dilema”, ao qual as feministas teriam necessariamente de se entregar.

Lembra que a luta primeira se centrava na reivindicação da igualdade entre mulheres e

os homens (igualdade social, política, econômica).

Portanto, se admitimos que a escola não apenas transmite conhecimentos,

nem mesmo apenas os produz, mas que ela também fabrica sujeitos, produz identidades

étnicas, de gênero, de classe; se reconhecemos que essas identidades estão sendo

produzidas através de relações de desigualdade; se admitimos que a escola está

intrinsecamente comprometida com a manutenção de uma sociedade dividida e que faz

isso cotidianamente, com nossa participação ou omissão; se acreditamos que na prática

política, isto é, que se transforma e pode ser subvertida; e, por fim, se não nos sentimos

conformes com essas divisões sociais, então certamente, encontramos justificativas não

apenas para observar, mas, especialmente, para tentar interferir na continuidade dessas

desigualdades (LOURO, 2010, p.85)

Quando afirmamos que as identidades de gênero e as identidades sexuais se

constroem em relação, queremos significar algo distinto e mais complexo do que uma

oposição entre dois polos; pretendemos dizer que as várias oposições de sexualidade e

de gênero são interdependentes, ou seja, afetam umas às outras.

Ainda, que os movimentos coletivos mais amplo sejam certamente

importantes, nos sentido de interferir na formulação de políticas públicas- em particular

Page 169: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

169

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

políticas educacionais – dirigidas contra a instituição das diferenças e a perpetuação das

desigualdades sociais, também parece urgente exercitar a transformação a partir das

práticas cotidianas mais imediatas e banais, nas quais estamos todas/os

irreversivelmente envolvidas/as. Há, no entanto, um modo novo de exercer essa ação

transformadora, pois, ao reconhecer o cotidiano e o imediato como políticos, não

precisamos ficar indefinidamente à espera da completa transformação social para agir

(LOURO, 2010, p.122).

Afinal, homens e mulheres, através das mais diferentes práticas sociais,

constituem relações em que há constantemente, negociações, avanços, recuos,

consentimentos, revoltas, alianças. Nas palavras de Foucault (1988, p.91) “lá onde há o

poder, há resistência e, no entanto esta nunca se encontra em posição de exterioridade

em relação ao poder”. A resistência ou melhor, a multiplicidade de pontos de

resistência, seria inerente ao exercício do poder.

Desse modo, é importante trabalhar os conceitos citados para que haja uma

melhor compreensão do que é o PRONERA, educação do campo, memórias e

identidades, e assim, possa-se discutir e analisar as narrativas das mulheres campesinas

que buscam a ascensão no campo educacional e de que forma o PRONERA contribuiu

para sua vida profissional e pessoal.

Portanto, constitui-se como tarefa epistemológica a busca dos elementos

estruturados das relações desiguais entre os sujeitos. Considerando a relevância dos

aspectos da formação educacional na vida da mulher do campo.

3 METODOLOGIA

Para investigar e analisar os impactos do PRONERA no assentamento

Cajazeira em Barra do Corda – MA, fundamenta-se no método objetivo exploratória

que para (PRODANOV, 2013, p.52) “permite o estudo do tema sob diversos ângulos e

aspectos”. E para o seu delineamento, recorreu aos procedimentos técnicos da pesquisa

de campo que requer como primeiro passo uma realização de pesquisa bibliográfica

sobre o tema em questão com referência à natureza das fontes, buscando assim, extrair

Page 170: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

170

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

os elementos empíricos através dos instrumentos como questionários e entrevistas para

fins de interpretação dos dados.

Para tanto, realizar-se-á uma pesquisa de natureza qualitativa e quantitativa,

buscando ampliar os conhecimentos relativos a educação do campo e a alfabetização de

jovens e adultos. Tal estudo será analisado a partir da pesquisa de campo, bem como

investigar as políticas educacionais para a Educação do Campo desde o período

imperial, passando pela Primeira República, e chegando à atualidade.

Optou-se pelos pressupostos da pesquisa qualitativa que, segundo Triviños

(1987), não admite visões isoladas, fragmentadas. A ênfase é no processo de

investigação, que ocorre através de uma interação constante possibilitando avanços e

reformulações na pesquisa. A pesquisa qualitativa pode ser caracterizada como a

tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e características situacionais

apresentadas pelos entrevistadores, em lugar da produção de medidas quantitativas de

características ou comportamentos (RICHARDSON 1999, p.12).

Com a pesquisa qualitativa pretende-se analisar as narrativas que foram

realizadas com as mulheres alfabetizadora do Assentamento Cajazeiras, na expectativa

de coletar informações em relação a educação da mulher com o processo emancipatório,

assim como compreender e diagnosticar as principais perspectivas das mulheres do

campo a partir do processo educacional.

Nessa concepção, será realizada uma investigação no assentamento no que

diz respeito ao papel da educação, e se a ampliação da escolaridade trouxe melhorias e

qual a contribuição do PRONERA na sua vida pessoal e profissional.

Além disso, será realizada uma análise quantitativa mediante aplicação de

questionários com questões fechadas para perceber qual o perfil das mulheres que atuam

como educadoras da Educação de Jovens e Adultos no assentamento e assim confrontar

os dados com o referencial teórico.

Tendo definido a modalidade da pesquisa, a escolha dos procedimentos

metodológicos, visando apreender a forma plena no universo da investigação,

estabeleceu-se dois instrumentos para a coleta de dados: a pesquisa de campo - que

permitirá um contato significativo com o objeto de estudo, na perspectiva de analisar as

Page 171: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

171

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

principais dificuldades em continuidade ao estudo; e, a entrevista semiestruturada, que,

de acordo com Triviños ao mesmo tempo em que valorizam a presença do pesquisador,

oferecem ao informante liberdade e espontaneidade, o que enriquece a investigação e

resgate da literatura (TRIVIÑOS, 1987).

Sendo a categorização um dos procedimentos indispensáveis na análise de

conteúdo, Minayo recomenda que trabalhar com categorias significa agrupar elementos,

ideias ou expressões em torno de um conceito. Neste sentido a opção é pela análise dos

dados, prestando atenção ao rigor epistemológico, controle ideológico e

comprometimento com a fidedignidade das informações (MINAYO, 1995).

Para o autor esta abordagem:

É a expressão das Ciências Sociais, porque descreve o desafio da pesquisa

social, ou seja, [...] o objeto das Ciências Sociais é essencialmente qualitativo

[...] possui instrumentos e teorias capazes de fazer uma aproximação da

suntuosidade que é a vida dos seres humanos em sociedade, ainda que de

forma incompleta, imperfeita e insatisfatória. Por isso, ela aborda o conjunto de expressões humanas constantes nas estruturas, nos processos nos sujeitos

nos significados e nas representações (MINAYO, 1995, p. 15).

De modo geral este trabalho se perfaz através de uma pesquisa bibliográfica

e de mídia sustentada o seu referencial teórico, e se concentra em um estudo de campo.

Assim, o universo da pesquisa será constituído pelas mulheres do campo do

assentamento Cajazeira. Sendo que a amostra será definida pelo critério de

acessibilidade isto é, a seleção será mediante a facilidade de acesso aos sujeitos

pesquisados.

4 PERSPECTIVAS DA MULHER DO CAMPO A PARTIR DO PROCESSO

EDUCACIONAL

No projeto ofertado no assentamento Cajazeira, contava-se com sete

mulheres ao total, sendo seis educadoras e uma coordenadora local. Uma das

educadoras não reside mais no assentamento, morando atualmente no Estado de São

Paulo.

Page 172: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

172

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Neste processo de aplicabilidade do questionário, a identificação das

participantes das entrevistadas será caracterizada pelas iniciais dos nomes.

Tabela 11 – Perfil da coordenadora local e educadoras egressas do PRONERA no

assentamento Cajazeira (2016)

Nome Idade Estado Civil Filhos Raça/cor Religião Escolaridade

R. D.B 35 a Casada 2 Parda Católica Ens. Superior incompleto

E. S. R 38 a Solteira 1 Parda Católica Ens. Superior Completo

J. D. S 34 a Casada 2 Branca Católica Ensino Médio (magistério)

M.A.L 33 a Solteira 1 Branca Católica Ens. Superior incompleto

R. P. S 56 a Casada 4 Branca Católica Ens. Superior Completo

W.M.C 52 a Casada 2 Branca Católica Ens. Superior Completo

Fonte: Elaborada pela pesquisadora com base em questionários aplicados, 2016

Dentre as mulheres que responderam ao questionário, cinco delas realizaram

o Curso de Magistério pelo PRONERA e uma no ensino fundamental, também

escolarizada pelo Programa em 2007-2009. Outro ponto a ser observado em relação à

escolaridade são as mulheres que prosseguiram com os estudos após o término do

projeto, sendo que três delas atualmente tem nível superior completo, duas estão em

fase de término no Curso de Pedagogia, e uma delas realizou o Ensino Médio no Curso

de Magistério.

É importante observar que das seis mulheres que responderam ao

questionário, quatro consideram-se como raça/cor branca, duas delas se identificaram

de cor parda. A faixa etária das educadoras varia entre 33 e 56 anos.

Observa-se, pelo levantamento dos dados, que as educadoras têm um

número reduzido de filhos, sendo que apenas uma educadora tem quatro filhos. Esse

resultado se organiza na intencionalidade das mulheres em crescer profissionalmente e

buscar melhorias de vida para sua realização pessoal e ajustando a jornada de trabalho,

estudos a tarefas domésticos.

Page 173: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

173

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

As mudanças são visíveis em relação ao complemento da escolaridade, e

uma das variáveis, talvez a mais importante, é a explicação da queda da fecundidade em

que:

[...] O avanço da escolaridade feminina, pois há uma significativa correlação

entre mais anos de estudo e menor número de filhos. De 1981 a 2013, a

proporção de mulheres jovens adultas, de 25 a 34 anos, com ensino médio

completo passou de 19% para 65%, enquanto a taxa de analfabetismo

funcional caiu de 38% para 6% nesse grupo (GOIS, 2016, p.01)

Nesse contexto, as educadoras estão mais preocupadas em sua vida

profissional e conceder melhor condições de vida para os filhos. Para Gois (2016), na

matéria em o Globo intitulada “Mais educação, menos filhos”, o autor aponta que as

mulheres brasileiras do Nordeste, que se encontram entre as 20% mais pobres do país,

estão tendo um número reduzido de filhos.

Essa preocupação percebe-se na PNAD (2013), a média era de duas crianças

por mulheres no Nordeste. Assim, as educadoras do Projeto em Cajazeiras que tem um

a dois filhos têm idade entre 33 e 52 anos. Das seis educadoras, incluindo a

coordenadora local, quatro atuam como professoras concursadas, três exercem a

profissão no assentamento Cajazeira e uma no município de Barra do Corda. As demais

educadoras que estão no trabalho doméstico são as que têm ensino superior incompleto.

Assim, para Bulgacov et al. (2010) a mulher trilha a sua carreira tentando

equilibrar a vida com a família e os seus objetivos pessoais com a vida profissional,

diferente do homem que busca o trabalho como sua principal atividade, sem colocar

nenhuma outra ação no meio. Percebe-se então, que a atividade fora e dentro do lar para

as mulheres é uma alternativa de gerar renda, organizando o seu tempo, seu futuro e seu

destino profissional. Desse modo, as mulheres estão cada vez mais ingressando no

ensino superior, “[...] consequentemente, o nível educacional das mulheres é maior do

que o dos homens na faixa etária dos 25 anos ou mais [...]” (PORTAL BRASIL, 2016).

Porém as mulheres ainda estão na invisibilidade do trabalho, essa condição

consiste na redução da remuneração e a dupla jornada de trabalho, porém as políticas

públicas para as mulheres rurais, que foram implementadas pelo Governo Federal por

meio do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, têm o intuito de buscar

Page 174: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

174

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

melhorias quanto à remuneração adequadas à jornada de trabalho e acesso com o

desenvolvimento na educação, “[...] estimulando uma inserção soberana na família, na

economia e na participação cidadã [...]” (DI SABBATO, 2009, p.9).

Destaca-se a responsabilidade das mulheres pelo trabalho doméstico e

dos cuidados que elas têm em função da sua conexão à maternidade. Essa visão é

pensada mediante o trabalho destinado ao homem como produtivo, enquanto às

mulheres destina-se a esfera reprodutiva. Em muitos casos, as mulheres participam

tanto dos trabalhos produtivos quanto reprodutivos.

Constata-se que as mulheres do assentamento têm mais acesso a

educação, e esse fato se dá devido ao desejo de obter um bom emprego e poder

ajudar com as despesas da casa, como apontou à educadora (R. D. B, 35 anos).

Logo, percebe-se esse acesso às salas de aula quando se observa um número

expressivo de mulheres inseridas no mercado de trabalho, e essa inserção só é

possível a partir “das conquistas obtidas na luta pela emancipação feminina

passaram a ser vistas como conquistas da civilização” (ALVES; PINTANGUY,

1982, p. 36).

Porém, nem sempre a inserção dessas mulheres nos bancos escolares foi

positiva, ainda se percebe que a mulher fica a mercê somente do trabalho doméstico,

sem muitas possibilidades de estudos, nesse caso, “[...] o papel designado à mulher

resumia-se em ser boa esposa e excelente mãe [...]” (COLLING, 2010, p.37).

Essa afirmação se adequa com a opinião do marido de uma das

educadoras quando o projeto em Cajazeira iniciou, pois os homens não permitiam as

mulheres serem escolarizados em São Luís - MA, pois para eles a “mulher é para

cuidar dos filhos” (João, 2007), porém, esse pensamento mudou com a persistência

das educadoras em continuar no Programa. Contudo, veremos que a

responsabilidade da mulher enquanto educadora do PRONERA não mudou nos

papéis que elas exercem “os papéis de esposa, de mãe, de filha, de organizadora do

orçamento doméstico, de provedora, de profissional competente” (GIULANI,

p.651,2011) pelo contrário, ficava ainda mais atarefada com triplas jornadas de

trabalho.

Page 175: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

175

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

REFERÊNCIAS

ARROYO; CALDART; MOLINA. (org.) Por uma educação do campo. Petrópolis:

Vozes, 2004.

ARIES, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: Zahar,

1981

ALVES, Branca Moreira; PINTANGUY, Jaqueline. O que é Feminismo. 2 ed. São

Paulo: Brasiliense, 1982.

BRASIL. [Lei Darcy Ribeiro (1996)]. LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional: lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases

da educação nacional. – 5. ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação Edições

Câmara, 2010. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara

/2762/ldb_5ed.pdf>. Acesso em: 23 out. 2014.

BUTLER, Judith P. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio

de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

BURKE, Peter (Org). A escrita da História: novas perspectivas; tradução de Magda

Lopes. São Paulo: Editora UNESP 1992.

CARDOSO, Ciro Hamarion, VAINFAS, Ronaldo. (Orgs). Domínio da história:

ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997.

COMILO, Maria Edi da Silva. A construção coletiva da escola: a Escola Chico

Mendes e sua História. In: ANGHINONI, Celso; MARTINS, Fernando José (Org.).

Educação do campo e formação continuada de professores. Porto Alegre; Campo

Mourão: ESTE dições; FECILCAM, 2008.

FOUCOAULT, M. História da sexualidade. Vol. 1: a vontade de saber. Rio de

Janeiro: Grall, 1988.

GONÇALVES, andréa lisly. História & gênero. Belo horizonte: autêntica, 2006.

LAURETIS, T. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, H. (Org.). Tendências e

impasses - O feminismo como crítica da modernidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade e educação: Uma perspectiva pós-

estruturalista. 11 ed. Rio de Janeiro. Vozes, 2010.

LUCENA, Maria Inês. (Org,). Representações do feminismo. Campinas, SP: ed.

Átomo, 2003.

Page 176: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

176

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

MINAYO, M. C. S. (Org.) Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis:

Vozes, 1994.

MELO, E. J. Gênero e Jornada de Trabalho em Assentamentos Rurais. Cartilha do

Coletivo de Gênero do MST. São Paulo, 2011.

PINSKY, Carla Bassanezi. História das mulheres no Brasil / Mary Del Priore (org.);

10. Ed. São Paulo: Contexto, 2011.

PRODANOV, Cleber Cristiano. Metodologia do trabalho científico: métodos

técnicas da pesquisa e do trabalho. 2 ed. Novo Hamburgo: Feevale, 2013.

RUA, M. G.; ABRAMOVAY, M. Companheiras de Luta ou “Coordenadoras de

Panelas?” Brasília: Ed. Unesco, 2000.

RICHARDSON, R. J & PERES, J. A de S. [et al]. Pesquisa Social: métodos e

técnicas. 3 ed. São Paulo:Atlas, 1999.

SWAIN, Tania Navarro (org). Feminismo: teorias e Perspectivas. Textos de História:

Revista do Programa de Pós-Graduação em história da UnB, Brasília: UnB, 2000.

SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Vol.

20. 1995.

TOLEDO Cecília. Mulheres: O gênero nos une, a classe nos divide. 2 ed. São Paulo:

Sundermann, 2008.

Page 177: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ENTRE O ORAL E O ESCRITO: EDUCAÇÃO NOS EXEMPLA LLULLIANOS

EM FÉLIX, O LIVRO DAS MARAVILHAS (1288-1289)

Flávia Santos Gomes

A supremacia do oral sobre o escrito na sociedade medieval é fato há muito

discutido, questões como os índices de analfabetismo e a falta de acesso à cultura

letrada são elementos que acompanham as explicações sobre a predominância da

oralidade no medievo.

Neste sentido, Jacques Verger destaca que o escrito, no ocidente medieval,

assumiu função de “simples ligação ou anexo da oralidade e da memória” (VERGER,

2001, p. 10). Percebemos assim a estreita relação ente o oral e o escrito na sociedade

medieval.

Ao discutir sobre a ascensão dos códigos jurídicos no medievo, Batany

afirma que mesmo as leis são tornadas públicas e, portanto, aceitas socialmente, não no

momento de sua aprovação enquanto legislação, mas a partir do momento que esta é

lida publicamente e sua composição seguiam o que o autor denominou “modelos de

diálogos”. Ou seja, sobre sua composição repousava a ideia que esta era feita para ser

publicizada oralmente, como podemos perceber no texto a seguir:

Um senhor que recebe uma carta, mesmo que sua instrução lhe permita

inicialmente examiná-la por si próprio, faz em seguida que ela seja relida em

voz alta, para melhore compreendê-la, melhor compreender a voz de seu

correspondente [...] quase sempre, o escritor ditava sua obra em voz alta, ás

vezes após tê-la rascunhado sobre tabuinhas enceradas, logo apagadas,

simples auxílio da memória. (BATANY, 2002, p. 390)

Em geral, os textos medievais são construídos na perspectiva da leitura

pública, assim, a esta estaria à serviço da narrativa e estava cercada de elementos

populares que aproximavam o leitor/ouvinte dos textos/narrativas, estes em geral

escritos e propagados pelos clérigos, grupo que dominava a cultura escrita no Ocidente

Medieval.

Ao pensar a categoria erudito na sociedade medieval Verger destaca que na

Alta Idade Média, esta era composta por clérigos e monges que em geral restringiam-se

à leitura e escrita do “latim de maneira mais ou menos correta” (VERGER, 1999, p. 16)

e que os leigos compunham, em geral, uma massa de iletrados. Destaca ainda que nos

séculos XII e XIII embora se percebesse o aumento da quantidade de laicos que

Page 178: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

178

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

dominavam, mesmo que superficialmente, a leitura e a escrita, estes pertenciam à uma

elite, fato que nos leva a entender que significativa parte da sociedade medieval

continuava à margem do acesso à educação formal (VERGER, 1999).

Compreendemos assim a preponderância do oral sobre o escrito na

sociedade medieval por meio da perspectiva da limitação do acesso às camadas mais

populares espaços de ensino na Idade Média.

Mesmo dentro do currículo educacional medieval, baseado no sistema das

Artes Liberais, o oral assume um papel de relativa importância. Dividido em trivium

(gramática, lógica e retórica) e quadrívium (geometria, aritmética, astronomia e

música), as artes liberais formavam a base do conhecimento na Idade Média, compondo

o trivium, “as artes da palavra e do signo” e o quadrivium “as artes dos números e das

coisas” (VERGER, 2001, p. 74).

Nos reportaremos aqui essencialmente às artes do trivium para destacarmos

a estreita relação ente o oral e o escrito na estrutura de saber do ocidente medieval.

Na obra Didascalicon, que Marchionni descreve como “um divisor de águas

no saber mundial” (2001, p.9), encontramos uma “introdução aos estudos” à qual

tinham acesso os estudantes do início do segundo milénio. Escrita em 1127 por Hugo de

São Vítor (1096-1141), esta obra tinha como base outros expressivos pensadores da

educação na Idade Média, como Santo Agostinho, Marciano Capella e Isidoro de

Sevilha (MARCHIONNI, 2001).

Ao discorrer sobre as artes do trivium, Hugo de São Vítor descreve a

gramática inicialmente como a “ciência de falar sem erro” e posteriormente completa

“atua gramaticalmente qualquer um que escreve e fala corretamente” (HUGO DE SÃO

VÍTOR, 2001, p. 129).Assim, percebemos que esta disciplina, conhecimento ou ciência

como refere-se o autor, não estaria associada unicamente à escrita, mas essencialmente à

oratória.

Ramon Llull, filósofo catalão medieval que viveu entre 1232 e 1316, em

Doutrina para Crianças (1274-1276) reafirma o conceito estabelecido por Hugo de São

Vítor e conceitua a gramática como “falar e escrever retamente” (LLULL, 2010, p. 54)

e afirma ser esta o “portal pelo qual se passa para saber as outras ciências” (LLULL,

Page 179: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

179

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

2010, p. 54). A Retórica por sua vez seria “falar bela e ordenadamente, através das

palavras que são agradavelmente ouvidas” (LLULL, 2010, p. 55).

Percebemos assim que, mesmo no universo da cultura letrada, o falar ocupa

lugar de destaque, nos séculos XII e XIII, período que Le Goff afirma ter havido uma

ascensão da escrita, chegando defender a ideia de uma “civilização do livro”, servindo a

grafia constantemente ao propósito da oralidade, uma vez que esta última alcançaria

maior público, pois os livros ainda estavam relegados à uma pequena parcela da

sociedade, em geral “ricos e poderosos”. (LE GOFF, 2010, p. 180-182)

Ao se reportar à questão da escrita no mundo medieval, Batany destaca que

se faz necessário “encontrar a fala atrás do escrito (...), tentar escutar sua voz”

(BATANY, 2002, p. 388-394). Isto serve ao propósito ao qual nos debruçamos, que é

pensar como si constrói o sistema educacional nas obras do filósofo catalão Ramon

Llull.

Na obra Didascalicon, acima citada e da qual já falamos da importância no

cenário medieval, Hugo de São Vítor destaca uma característica fundamental para

pensar a educação por meio da oralidade e escrita no mundo medieval que é a questão

da necessidade da brevidade dos ensinamentos. Para o autor o ato de ensinar deve estar

amparado da síntese para facilitar a aprendizagem.

Quando ensinamos, tudo deve ser resumido sinteticamente e exposto de

maneira a ser facilmente compreendido, devendo bastar uma exposição

quanto mais breve e rigorosa possível sobre aquilo que está sendo tratado,

para evitar que, ao multiplicarmos as explicações não pertinentes, turbemos ao estudante ao invés de edifica-lo. Não deve ser dito tudo aquilo que

podemos dizer, para que não seja dito de modo menos aproveitável aquilo

que devemos dizer. (HUGO DE SÃO VÍTOR, 2001, p. 145)

A obra que nos propomos analisar aqui, a fim de identificarmos os modelos

educativos propostos por Llull para a composição de uma sociedade harmônica – que

seria alcançada com a efetivação da pedagogia llulliana, esta por sua vez, não serviria

unicamente ao propósito da educação formal, mas em especial à uma educação que

levaria os homens à salvação.

Page 180: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

180

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Propomo-nos a analisar obra Félix, O Livro das Maravilhas (1288-1299)

que está permeada pela relação oral-escrito, composta essencialmente com o uso do

exemplum, gênero amplamente utilizados nas obras medievais, e que servem ao

propósito do ensinamento breve.

Este estilo é utilizado na obra do maiorquino com função educativa, sendo

caracterizados pela brevidade e fácil memorização, a fim de instruir os homens entre

outras coisas, sobre os padrões de comportamento, os dogmas religiosos, o

conhecimento das coisas, o ordenamento social e principalmente a forma como alcançar

as glórias do paraíso, uma vez que o propósito maior da obra de Llull era conduzir a

sociedade à salvação.

O EXEMPLUM E SUA FUNÇÃO EDUCATIVA EM FÉLIX, O LIVRO

DAS MARAVILHAS (1288-1299)

A obra Félix, o livro das maravilhas de Ramon Llull foi escrito entre 1288 e

1289 durante a visita de Ramon à cúria romana e à corte de Felipe, o Belo, e marca o

momento em que o autor entra no cenário político europeu para além de Maiorca.

Na visita à Roma Ramon tinha por finalidade convencer o Papa Honório IV

da importância da edificação de mosteiros onde fossem ensinadas a língua árabe e dos

demais infiéis a clérigos que se dedicassem à conversão destes, entretanto, por ocasião

do falecimento do pontífice Ramon dirige-se à corte francesa.

A obra é uma novela que tem como finalidade a educação do mundo cristão.

Passando uma visão pessimista da sociedade em que vive, pois, segundo o autor, os

homens não estavam no cumprimento do propósito de sua criação, “conhecer, amar e

seguir a Deus”. Assim, Ramon desenvolve uma narrativa que tem como protagonista

Félix, que segundo Batllori seria uma “extensão metafórica e literária do próprio Llull”

(BATLLORI apud COSTA, 2009, p. 13).

Toda a narrativa é construída com base nos exempla, que Jacques Le Goff

conceitua como “conto breve dado como verídico (=histórico) e destinado a ser inserido

Page 181: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

181

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

num discurso a fim de convencer um auditório por meio de uma lição salutar” (LE

GOFF, 1994, p. 123).

O autor afirma ainda ser o exemplum:

É uma historinha, dada como verídica e destinada a inserir-se num discurso

(em geral um sermão) para convencer um auditório através de uma lição

salutar. A história é curta, fácil de guardar, convence. Utiliza-se da retórica e

dos efeitos da narrativa, impressiona. Engraçada ou, mais frequentemente, de

dar medo, a historinha dramatiza. O que o pregador oferece é um pequeno

talismã, que, bem compreendido e realmente levado a efeito na prática, deve

trazer a salvação. É uma chave para o paraíso (LE GOFF, 2007, p. 16)

Fica claro no conceito do autor a importância do exemplum no discurso, um

estilo que serve à propagação por meio da oralidade que compre à funcionalidade da

educação, da padronização do comportamento humano a fim de conduzir os homens à

salvação.

Le Goff afirma ainda que o exemplum teve no século XIII sua “idade de

ouro”, justo o período em que Ramon viveu maior parte de sua vida (1232-1316),

recebendo grande influência deste estilo, popular entre os frades mendicantes, aos quais

Llull tinha grande admiração e buscava seguir seus modos de vida (LE GOFF, 1994).

Segundo Matoso, estes breves textos de caráter sapiencial são mutuamente

baseados nas narrativas populares e transmissoras de “preceitos que a Igreja

institucional, as ordens religiosas ou os pregadores procuram difundir a partir do fim do

século XII” (MATTOSO, 2013, p. 193), inserindo-se no contexto da propagação da

pregação como meio de conversão, estes textos possuem um forte caráter educativo,

uma vez que são carregados dos valores morais e religiosos que se pretendiam para a

época.

Quanto à do exemplum na funcionalidade da educação moral dos homens

medievais, Mattoso afirma que na Península Ibérica as narrativas exemplares ganharam

popularidade, uma vez que “vem ao encontro da tradição mediterrânica transmitidas

pelos árabes, e acolhida com interesse pelos clérigos nas cortes senhoriais e régias”

(MATTOSO, 2013, p. 194).

Page 182: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

182

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

É neste contexto que Ramon Llull desenvolve a obra Félix, o livro das

maravilhas, construído com ampla utilização do exemplum, que na obra assume a

função de educar por meio das possibilidades de analogias que podem ser feitas na vida

cotidiana dos homens medievais, e está sempre inserido na busca das ‘verdades’, dos

‘conhecimentos’ inquestionáveis, que na concepção dos homens do período, entre ele

Llull, vem de Deus.

De origem na Antiguidade greco-romana, o exemplum é cristianizado,

cumprindo na Idade Média uma intensa função educativa, tidos como “instrumentos de

ensino e/ou edificação” do homem, dando ciência a este sobre como agir em diferentes

situações, tendo os exempla como “semelhança”1 de qual postura tomar frente às

adversidades vividas (LE GOFF, 1994, p. 123).

O exemplum llulliano esboça-se temporal e espacialmente em lugares não

definidos, contrariando-se, pois, ao tempo histórico, no qual Le Goff afirma estar

amparado os textos exemplares do século XIII, o tempo do exemplum llulliano é o da

eternidade, que o autor visa garantir aos homens ao lado de Deus, uma vez que sua obra

tem como finalidade máxima a salvação humana.

Ao caracterizar os exempla contidos em Félix, o livro das maravilhas,

Ricardo da Costa afirma:

O exemplum luliano nunca é realista e não pretende ter um valor de

documento histórico. Embora o objetivo seja o mesmo, o de converte ou

reformar através de histórias moralizantes, Ramon busca uma atemporalidade

e uma utopicidade aplicáveis universalmente. (COSTA, 2009, p. 16)

O prólogo nos é bastante revelador quanto às finalidades da obra que, em

nossa ótica, visa promover a educação do mundo cristão, forjando os modelos

pretendidos ou rechaçados pelo autor e pela sociedade do período. Como era comum

nas obras de Ramon, ele dedica Félix, o livro das maravilhas a Deus que, segundo

discutimos anteriormente, era a figura central da mentalidade da época, para a qual

todas as estruturas convergiam. Assim inicia-se a obra:

1 O termo ‘semelhança’ é usado em Félix, o livro das maravilhas para nominar os exempla.

Page 183: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

183

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Deus, em virtude de Sua Bondade, Grandeza, Eternidade, Poder, Sabedoria e

Vontade, começa este livro das Maravilhas.

Em tristeza em languidez estava um homem em terra estranha.

Fortemente se maravilhava como as gentes deste mundo conheciam e

amavam tão pouco a Deus, que criou este mundo com grande nobreza e

bondade e o deu aos homens a fim de que por eles fosse amado e conhecido

(LLULL, 2009, p. 30 grifo nosso).

Como citamos anteriormente a obra é permeada por um tom pessimista e

crítico, conforme podemos observar desde o início da obra. Também destacamos

anteriormente que a obra fora escrita durante a viagem de Ramon à Santa Sé e à corte de

Felipe, o Belo fato que é posto na obra quando o autor destaca que o homem,

personagem inicial da narrativa, encontra-se em “terra estranha”, assim, tanto o homem

quanto Félix são representações literárias do próprio Llull, percebendo-se em algumas

passagens que o protagonista da obra é um personagem autobiográfico do autor.

A falta de homens que conhecessem e amassem a Deus no mundo

configura-se como o elemento inicial para a composição da obra, feita a fim de que

fossem conhecidas pelos homens as formas de retornar-se ao cumprimento da ‘primeira

intenção’ da Criação.

No texto que segue ao citado anteriormente, temos a apresentação de Félix,

protagonista da narrativa, que recebe de seu pai, o homem citado anteriormente, a

missão que ele cumprirá no decorrer da obra.

Este homem tinha um filho que muito amava e tinha por nome Félix, ao qual

disse estas palavras:

-Amável filho, quase mortas estão a sabedoria, a caridade e a devoção, e

poucos são os homens que estão na finalidade para qual Nosso Senhor os

criou. Não existem mais o fervor e a devoção que costumavam existir nos

tempos dos apóstolos e dos mártires que, por conhecerem e amarem a Deus,

definhavam e morriam (LLULL, 2009, p. 30).

Eis que neste fragmento Ramon explicita os modelos sociais perfeitos da

época e que são refletidos na obra, o ideal dos apóstolos e dos mártires, aos quais o

próprio filósofo se põe a seguir e que transformará no padrão de perfeição de santidade

em sua obra.

Ramon enfatiza que as virtudes estão em desuso e que precisam ser

retomadas, tendo como ideal o tempo dos apóstolos e mártires. O ideal de santidade não

Page 184: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

184

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

é único durante toda a medievalidade, no decorrer período os modelos se transformam,

com a valorização de padrões diferentes ou ainda a coexistência de modelos diversos.

Vauchez destaca alguns destes modelos que se configuraram como padrões de santidade

no decorrer do período. Em geral estes indivíduos, que são vistos exemplos de

seguidores e imitadores de Deus, em especial na pessoa do Filho, que buscavam em

vida aproximar-se da “perfeição cristã”.

Os séculos XII e XIII são marcados pela valorização do estilo de vida

eremítico caracterizado pela vida de contemplação, adotando uma postura de seguidor

do exemplo de Cristo. O eremita do período em questão é essencialmente um peregrino

e um pregador (VAUCHEZ, 1989).

Filho de seu tempo, é justamente neste ideal de santidade que Ramon Llull

irá seguir, e é este padrão que irá propagar como exemplo a ser seguido. Ao colocar

Félix como um homem que anda pelo mundo em busca da ‘verdade’, que será

encontrada, no decorrer da obra, a partir do momento que este personagem se encontra

com outros diversos homens que seguem também este modelo.

Estes andarilhos, que seguem ao propósito de ensinar e aprender, inspiram-

se no exemplo de Cristo, que podemos encontrar no Evangelho de Mateus quando assim

fala Jesus: “Jesus percorria toda a Galileia, ensinando em suas sinagogas, pregando o

Evangelho do Reino e curando toda e qualquer enfermidade do povo” (Mateus 4, 23).

Antes de adentrarmos no modelo humano representado por Félix na obra,

retornamos ao prólogo da novela a fim de percebermos o propósito dado ao protagonista

por seu pai e que será seguido e defendido como ideal de comportamento do bom

cristão no decorrer da narrativa. A missão dada a Félix é a seguinte:

Convém que vás maravilhar-te onde a caridade e a devoção se foram. Vai

pelo mundo e maravilha-te porque os homens cessam de amar e conhecer a

Deus. Que toda tua vida seja em amar e conhecer a Deus, e chora pelas faltas

dos homens que ignoram e desamam a Deus (LLULL, 2009, p. 30).

Como já dissemos anteriormente, Ramon usa um tom depressivo na obra,

por considerar que os homens já não cumprem ao propósito da Criação, assim, propõe

que Félix maravilhe-se com o fato dos homens não mais conhecerem e amarem a Deus.

Page 185: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

185

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Na viagem Félix encontra ou tem conhecimento de diversos modelos

humanos – reis, cavaleiros, peregrinos, clérigos, mulheres, sábios, burgueses –

exaltados e/ou condenados por Ramon a fim de que os homens percebessem os padrões

a serem seguidos ou negados para que o projeto universalista da sociedade proposto por

Llull fosse efetivado.

Num caminho criteriosamente pensado por Ramon Llull, a busca por

conhecimento empreendida por Félix segue a seguinte ordem: De Deus, Dos Anjos, Do

Céu, Dos Elementos, Das Plantas, Dos Metais, Das Betas, Do Homem, Do Paraíso, Do

Inferno. Os dois primeiros livros referem-se aos seres celestiais (Deus e os Anjos), os

seis livros seguintes alude-se à Criação de Deus (céu, elementos, plantas, metais, bestas

e homens) e os dois últimos referem-se ao destino das almas após a morte (paraíso ou

inferno).

Seguindo à lógica da Criação, Félix segue conhecendo o mundo partindo de

Deus e dos anjos, adquirindo ciência sobre a ‘verdade’ de Suas existências, em seguida

parte a conhecer o mundo que, assim como na Criação, principia com a criação do céu e

da terra, no primeiro dia, e encarra com o homem, no sexto dia, e, finalmente, parte para

rumo desfecho da obra, o destino da humanidade ao fim de sua viagem, o paraíso ou o

inferno.

O termo ‘maravilha’ que é central na obra, a começar pelo subtítulo ‘o livro

das maravilhas’, é usado no sentido de ver, observar. Diferente do ‘maravilhoso’

discutido por Jacques Le Goff, que herança da tradição pagã é cristianizada no decorrer

da Idade Média referindo-se ao sobrenatural e ao milagroso, relacionado diretamente às

ações de Deus, mas, visto por vezes como ilusões ou magia diabólica, associadas à

engodos produzidos por Satã. (LE GOFF, 1990; LE GOFF, 2002). Ricardo da Costa

destaca que o maravilhar-se em Ramon Llull com “ato de admiração”, “de

experimentar”, refere-se à uma “curiosidade intelectual”:

O ato de maravilhar-se, conceito que percorre todo o Livro, é a forma

llulliana de contemplação do mundo, ao lado da meditação solitária

tipicamente medieval, uma “evasão metafísica e transcendental do mundo real”. O maravilhoso em Ramon Llull é, sobretudo, pura admiração, um ato

de experimentar sentimentos de admiração. (COSTA, 2009, p. 15)

Page 186: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

186

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Em um ato tipicamente clerical, cumprindo ao propósito ao qual é destinado

por seu pai, Félix é obediente e sai a andar pelo mundo maravilhando-se com as ações

dos homens.

Félix foi obediente ao seu pai, do qual se despediu com a graça e a bênção de

Deus. E, com a doutrina que seu pai lhe deu, andou pelos bosques montes e

planícies, pelos lugares ermos e povoados, encontrou com príncipes e

cavaleiros pelos castelos e pelas cidades e se maravilhava com as maravilhas

que existem no mundo. Perguntava o que não entendia, explicava o que sabia

e metia-se em trabalhos e perigos a fim que a Deus fizesse reverência e

honra. (LLULL, 2009, p. 29-30)

Destacamos neste fragmento da obra que Félix se dispõe a cumprir o

propósito de ser um andarilho, um viajante, em busca essencialmente de conhecimento,

para tanto ele percorre diversos espaços, encontra com inúmeros personagens e passa

por diversas provações, expondo-se ao perigo. Félix pode assim ser então caracterizado

como um peregrino, que se expõe aos perigos do mundo em busca de observar o

comportamento humano e pondo-se à uma prova física e espiritual.

Para os homens medievais, dedicar-se à peregrinação estava relacionado à

purificação do corpo, à expiação dos pecados, por meio da qual se purificaria a alma

conduzindo os homens à proximidade com Deus e consequentemente à salvação (SOT,

2002).

Assim, o exemplo que Félix passa aos homens medievais é o do penitente, o

peregrino que mortifica o corpo, purificando-o, a fim de cogitarem as glórias do Paraíso,

pois segundo Costa, “o objetivo da obra é salvar almas perdidas, pois à medida que o

leitor caminhar com o protagonista da novela conhecerá Deus e suas obras” (COSTA,

2009, p. 15)

O comportamento de Félix é condizente com o entendimento e submete a

sua vontade para o pleno cumprimento de sua missão. O segundo objetivo da missão do

protagonista é o martírio, a peregrinação.

Estes dois elementos, conhecimento e peregrinação, são as bases do

comportamento de Félix, o que o aproxima dos eremitas, sem dúvida o modelo humano

mais recorrente na obra.

Page 187: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

187

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Os eremitas descritos na obra, a exemplo do próprio Félix, fazem dos

lugares ermos em que vivem os seus claustros, seguindo uma vida próxima à monástica,

vivem a preservação da virgindade e em estado de oração, somando-se a estas práticas o

estado de contemplação, a busca do conhecimento, a mortificação do corpo por meio do

martírio e a dedicação à pregação, por meio da propagação das “verdades da fé”

adquiridas pela observação do comportamento humano, da contemplação da obra de

Deus e do estudos da Filosofia e da Teologia.

Em Félix, o livro das maravilhas Llull explicita sua intensa preocupação

com a necessidade de que os homens conheçam a Deus. Para Llull, os homens que mais

conhecem a Deus são os que mais possuem a capacidade de amá-Lo. Assim, nutrido de

conhecimento os homens estariam mais aptos a valorizar a Deus e sua criação. Como

percebemos no fragmento a seguir, no qual Félix mostra seu desejo em saber o que é

Deus.

-Senhor eremita, disse Félix, sabereis me dizer o que é Deus? Desejo muito

sabe-lo, porque com o conhecimento que teria ao saber o que é Deus, minha vontade exaltar-se-ia parara amar a Deus mais fortemente do que O amo,

pois é natural que graças ao entendimento iluminado a vontade tenha

mais força para amar aquilo que o entendimento conhece (LLULL, 2009,

p. 37 grifo nosso)

Da mesma forma que conhecer Deus é caminho para mais fortemente amá-

lo, Ramon defende que o conhecimento de Deus auxilia os homens a afastarem-se do

pecado e dos deleites do mundo.

Quando os homens deste mundo têm prazeres nos deleites temporais, mas

não amam estes deleites pelo Criador para que com eles e neles saibam amá-

lo e conhecê-Lo, Deus se distancia daqueles homens, e por este

distanciamento, os homens não podem ter conhecimento de Deus, nem em Deus podem ter deleite que teriam se O conhecessem. Porém, quando deixam

de amar os deleites deste mundo, usando dos deleites e do mundo para amar a

Deus, então os deleites do mundo e o mundo interrogam o homem, e lhe

ensinam o modo de amar e de ter conhecimento de Deus. Por isso belo filho,

disse o eremita, podereis ter neste mundo o conhecimento do que é Deus. Se

amardes o mundo por ele mesmo, Deus fará que o mundo o afaste do amor a

Ele; se amardes o mundo para conheceres a Deus, ele fará que o mundo vos

signifique Deus (LLULL, 2009, p. 39).

Page 188: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

188

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Para Llull, o conhecimento de Deus não pode ser alcançado por todos os

homens, a exemplo desta questão, o autor afirma que os burgueses não seriam capazes

de ter a ciência de Deus, e que, suprindo tal impossibilidade, os homens que não

possuíssem conhecimento de Deus fossem movidos pela fé. Como podemos perceber no

exemplum a seguir:

- Numa cidade, um mercador, que tinha muitos dinheiros e com ele

trabalhado por muito tempo, ficou muito doente, tanto corporal como espiritualmente. Ele estava doente espiritualmente porque duvidava da Santa

Trindade de Nosso Senhor Deus, já que não podia entender que Deus pode

ser Um em essência e em Trindade de pessoas. E como não entendia, e crer

não sabia, duvidava da fé, pela qual dúvida estava em estado de danação (...)

enquanto aquele mercador estava nesse grande perigo, desejou ter trabalhado

tanto para amar e conhecer a Deus da mesma forma que tinha juntado as

riquezas deste mundo, as quais sabia que não poderiam ajudá-lo (...) Assim,

pelo grande desejo que o mercador tinha de servir a Deus, Ele lhe espirou a

luz da fé em sua alma, com a qual entendeu o que não entendia da Santa

Trindade de Deus não devia descrer, pois Deus ordenou a fé nos homens para

que com a fé eles acreditem no que não entendem, já que a Trindade é coisa

tão elevada para se saber que os homens que são mercadores e negociantes de coisas mundanas não podem entende-La. (LLULL, 2009, p. 51)

O conhecimento de Deus estava assim relegado aos homens que por meio

do sacrifício corporal, da contemplação, da purificação, do seguimento dos preceitos

cristão, do exercício das virtudes e do afastamento do mundo e dos vícios

aproximavam-se de Deus.

Félix, o livro das maravilhas tem uma variedade de modelos educativos

maior que O livro dos mil provérbios, o modelo de comerciante, grupo que ganha

notoriedade principalmente a partir do século XII, período do ‘renascimento urbano’ e

do florescimento comercial’, expresso na primeira obra, não chega a ser citado na

segunda. Associado ao pecado da usura que Jacques Le Goff afirma ser “um dos

grandes problemas do século XIII”, especialmente pelo fato do tradicional antagonismo

entre o cristianismo e o apego aos bens materiais, em especial ao dinheiro (LE GOFF,

2007, p. 12).

Page 189: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

189

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

O apego ao dinheiro, avareza, elevado à condição de pecado, responsável

pela condução dos usurários ao inferno era negado pela Igreja, que amparada na

tradição bíblica, o coloca como não pertencente às coisas de Deus2.

No exemplum a seguir Ramon discorre sobre como os bens materiais são

incapazes de satisfazer os homens:

Um mercador tinha mil besantes3 e desejou poder ter outros mil. Quando teve

dois mil, imediatamente desejou ter mais, e assim ganhou cem mil besantes, mas ainda não obteve a satisfação em sua alma. Por isso, o mercador ficou

muito maravilhado e cogitou que a satisfação de seu desejo não estava nos

dinheiros, e teve opinião que seu desejo ficaria satisfeito em ter castelos, vilas

e posses, os quais desejou ter e teve, mas ainda não encontrou satisfação, pois

quanto mais comprava e tinha, mais crescia sua vontade de ter vilas e

castelos. Enquanto o mercador multiplicava suas riquezas vendo que não

podia saciar-se, pensou em sua alma que podia saciar-se tendo mulher e

filhos. E teve mulher e filhos, e ainda não satisfeito, desejou ter honraria e

muitas outras coisas. E quanto mais tinha, mais sua alma desejava ter. muito

fortemente se maravilhou o mercador por não poder saciar sua alma com

nada deste mundo, e no fim considerou ter Deus em sua alma. E então

quando amou e serviu a Deus com o que Deus lhe tinha dado, ficou satisfeito e pleno, e não quis ter mais nada. (LLULL, 2009, p. 40)

Na Idade Média havia uma visão pessimista sobre o mercador, o comércio,

costumeiramente associado ao judeu e sua prática inevitavelmente conduziria à danação

eterna. Entretanto, Ramon propõe que por meio da fé, do desamor ao dinheiro e

especialmente da caridade estes homens poderiam cogitar a salvação. Isso nos mostra,

que o burguês, embora em um contexto geral apresente-se na Idade Média como um

homem em estado de danação, para Llull é parte integrante do projeto educativo que

visa levar a sociedade à salvação.

Assim, nos exempla llullianos, o autor visa dar alternativas para que este

grupo social cogite alcançar as glórias do paraíso, uma vez que o projeto pedagógico de

2 Sobre contrariedade entre dinheiro e Deus, encontramos exemplos no Evangelho de Mateus: “Então

Jesus disse-lhes: “O que é de César, dai a César: o que é de Deus, a Deus”. E ficaram muito admirados a

respeito dele” (Mateus, 12, 17); “Ninguém pode servir a dois senhores. Com efeito, ou odiará um e amará

o outro, ou se apegará ao primeiro e desprezará o segundo. Não podeis seguir a Deus e ao Dinheiro”

(Mateus, 6, 24). 3 Besante, originalmente a versão bizantina do solidus romano e, durante séculos, uma das moedas

básicas do comércio no Mediterrâneo – Ricardo da Costa.

Page 190: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

190

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Ramon é universalista, uma vez que inclui tanto a educação do mundo cristão quanto a

conversão de todos os homens ao Cristianismo, vista como verdadeira fé.

Destacamos que na viagem de Félix são os mestres que seguem à vida

eremita, costumeiramente caracterizados como santos homens que transmitem ao

personagem o conhecimento do mundo e que vivem a mortificação do corpo por meio

da fome, do sofrimento, das doenças e da morte, havendo assim uma íntima relação

entre a santidade, almejada pelos homens, o sofrimento e a salvação.

Em Félix também percebemos a importância do conhecimento de Deus para

a salvação dos homens, o protagonista por duas vezes cai em pecado, a primeira por

questionar a existência de Deus, nesta ocasião, exposta logo no início da obra, ele

encontra com uma pastora temente a Deus e que é morta por uma raposa ao defender

seu rebanho. Félix cogita como Deus havia permitido que uma mulher tão fiel havia

sido abandonada por Ele. A partir de então o protagonista terá, por meio dos

ensinamentos do um ‘santo homem’, o conhecimento da existência de Deus, sobre o que

é Deus, sobre a Unidade e a Trindade, de onde Ele existe, da Encarnação e por fim da

Paixão.

O segundo momento em que Félix cai em pecado se dá por meio da dúvida

da fé. Ao presenciar como o mundo está corrompido da intenção de sua Criação, pois

em seu caminho encontra com um clérigo na companhia de uma “louca fêmea” a quem

estava conduzindo até um prelado com que ‘cometeria pecado’. Uma falta tida como tão

grande por um alto membro da Igreja, leva Félix a questionar da fé como percebemos

no fragmento a seguir:

Félix considerou muito a respeito do prelado que andava com a louca fêmea.

Depois considerou a pobreza na qual Jesus Cristo e os apóstolos estiveram no

mundo. Enquanto Félix assim cogitava teve a opinião que o prelado não

acreditava em Jesus Cristo, nem na fé católica, porque se acreditasse, veria que por causa da louca fêmea ele estava contra Deus e contra sua ordem.

Enquanto Félix assim cogitava, teve a tentação de pensar que a vida de Jesus

Cristo foi em vão, e começou a duvidar de sua fé, dúvida que o fez cair em

grande meditação. (LLULL, 2009, p. 68)

Page 191: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

191

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Como citamos anteriormente, para Llull o maior pecado é aquele cometido

pelo membro da Igreja, pois este deveria mais fortemente cumprir o propósito da

Criação e manter-se fiel à Primeira Intenção, a fim de dar exemplo à sociedade.

Percebemos na descrição de Ramon da ‘louca fêmea’ o modelo de mulher

negado na concepção do autor, associada à vaidade e à luxúria, este era o

comportamento a ser evitado pelas mulheres medievais. Félix repreende a mulher

advertindo-a quanto ao seu estado de danação:

- Oh, louca fêmea! Como me fazes muito maravilhar! Choraste quando caíste

do palafrém na água e molhaste tuas vestimentas, ornadas para poder usá-las

na sujeira da luxúria. Louca fêmea, por que não choras por caie da celestial

glória para a qual foste criada? Tu mesmo te enterraste no caminho pelo qual

cairás no abismo infernal, pois tem destruído e sujado teu lembrar, teu

entender e teu amar no fedor da luxúria. Chora louca fêmea, porque perdeste

Deus e porque sujaste tua alma em tal vil obra. (LLULL, 2009, p. 68)

O questionamento da fé que surge em Félix, mostrando-se como porta de

entrada para outros vícios, o protagonista. Esta concepção era comum entre os

medievais, especialmente o pecado da luxúria, que segundo Llull “emporcalhava o

corpo” levando a ama à danação, era visto como condição para que o desejo pela prática

dos demais vícios se manifestassem.

Félix, pela descrença, pela dúvida na “encarnação do Filho de Deus”,

incorre no pecado da luxúria. Ao sofrer a “tentação muito grande de pecar” com uma

mulher que perdera seu filho e que estava a caminho de um eremitério, indo ao encontro

de Blaquerna, caracterizado como santo homem que tinha muito conhecimento de

Teologia e Filosofia.

Esta mulher, que é descrita na obra como devota e sábia, estava a caminho

de um eremitério no qual buscaria consolo pela grande ira e sofrimento em que se

encontrava devido à morte de seu filho.

Nesta passagem encontramos o que para Ramon era um dos padrões de

comportamento feminino, caracterizada pela devoção, pela grande sabedoria e pelas

santas palavras.

Page 192: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

192

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A seguir dá-se mais um encontro com um eremita (Blaquerna) do qual Félix

receberá por meio de diversos exempla as respostas aos seus questionamentos e a saída

para a situação de pecado na qual estava. Fortalecido na ciência e na fé Félix sai errante

pelo mundo a descobrir a Criação de Deus.

Na obra fica claro que todos os elementos da Criação possuem as virtudes

originárias de Deus, como criaturas de Deus, perfeito em virtudes, toda a Criação recebe

e reflete exemplo da perfeição divina. Assim, a busca de Félix em conhecer o mundo

mostra aqui seu sentido, conhecer a Deus por meio de Sua criação.

Outra característica comum aos homens medievais expressa na obra é a do

homo viator. O homem medieval vê a vida como uma passagem, uma viagem, na qual

caberia a cada um tornar-se merecedor de ao fim da jornada de desfrutar das glórias do

paraíso. A morte seria assim, para os homens medievais, o momento em que todas as

suas ações, em vida, seriam medidas e os seus destinos, salvação ou danação eterna,

seriam definidos mediante seus merecimentos (PAYEN, 1996)

O próprio Félix, no decorrer da narrativa, mostra-se como um seguidor da

vida eremita, virgem, em busca do conhecimento, viajante, o protagonista, em sua

jornada, no cumprimento da missão proposta por seu pai, percorre diversos espaços, que

tanto podem ser relacionados com o real – bosques, vilas, cidades, cortes – quanto

podem estar relacionados ao imaginário maravilhoso. É o caso da fábula que compõe o

sétimo livro de Félix, O livro das maravilhas, uma fábula onde os personagens são

animais que compõem um reino, aos moldes dos reinos humanos.

Na fábula segue-se, neste reino maravilhoso, a eleição de um rei, dentre os

animais o escolhido fora o Leão, entretanto, discordâncias surgem entre as bestas sobre

a soberania do Leão frente aos demais animais. A escolha do rei é conduzida na fábula

em meio a um jogo de interesses dos animais, em busca de um rei que concordasse com

as particularidades de cada um, e cada personagem defende a realeza de um animal

diferente, enaltecendo as virtudes de cada “candidato” à realeza, dentre elas destacam-se

grandeza, humildade, beleza, ligeireza e especialmente força, característica que acaba

por conduzir definitivamente o Leão ao posto.

Page 193: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

193

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A seguir, dá-se a escolha dos conselheiros do rei, ponto primordial da obra

uma vez eu a intencionalidade da obra repousa justo no aconselhamento ao rei da

“maneira sobre a qual deve reinar e como deve se proteger dos maus conselhos e dos

homens falsos” (LLULL, 2009, p. 235).

Na obra o mal conselheiro do rei é a personagem Dona Raposa, que insufla

outros integrantes da fábula contra o Leão, chagando mesmo a tramar sua morte.

Entretanto, seguindo às virtudes divinas, que devem ser exercitadas pelos reis a fim de

conduzir seus súditos à salvação, em especial à justiça, o Leão mantém a finalidade de

sua função, mata a Dona Raposa e restitui o ordenamento no reino.

Os pesquisadores que se dedicam a analisar o Livro das bestas afirmam que

esta fora feita em para Felipe IV, o Belo (1268-1314) rei da França. Como afirmamos

anteriormente, Félix, O livro das maravilhas foi composto durante a visita de Ramon à

corte francesa. Ao caracterizar o reinado de Felipe IV Jacques Krynen afirma:

Com Felipe, o Belo, a França experimenta de súbito, em todos os campos,

um absolutismo monárquico exasperado. Isso é incontestável. Entretanto, parece que esta maneira de governar se quer absolutamente pura, não

somente consolidada por princípios e procedimentos extraídos do direito

romano, mas plenamente justificada na missão religiosa da realeza capetiana

(KRYNEN, 2013, p. 297).

Felipe, o Belo converge com as características de um bom administrador e

de rei temente a Deus que busca exercer a função de conduzir seu povo à salvação. No

exemplum a seguir Ramon deixa muito claro quais seriam as atribuições encontradas em

um bom rei e em um mal rei:

- Um louco rei desejava ser rei e senhor do reino de outro rei que era muito

sábio, tinha bons costumes e mantinha seu reino em paz e justiça. Este rei que

era sábio desejava ser rei do reino do louco rei, porque lhe parecia má coisa

um rei reinar onde não existissem sabedoria, justiça e regimento. Aconteceu

que ambos os reis combateram, aquele rei que tinha sabedoria e justiça foi

vencido e o louco rei foi senhor do reino do rei vencido. O louco rei manteve

os dois reinos que possuía em grande sofrimento, porque não era sábio em possuir a terra, e, por sua ignorância e mau costume as gentes tiveram em

guerras e na pobreza, e muito mal se seguiu. (LLULL, 2009, p. 44)

Page 194: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

194

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

As mesmas características contidas no exemplum anterior são encontradas

em diversos outros, como percebemos no texto a seguir:

- Em uma terra havia um rei que era muito belo e tinha muito bons costumes

nas virtudes. Aquele rei tinha grande poder sobre as gentes e riquezas,

era forte e tinha coragem muito nobre. Um cavaleiro seu tinha grande

desejo de que existissem no muno muitos reis semelhantes a ele, para que no

mundo houvesse amor e concórdia entre um rei e o outro, e que ao mesmo tempo o mundo estivesse em tal disposição que Deus fosse conhecido e

amado pelas gentes (LLULL, 2009, p. 44. Grifo nosso).

A vontade do cavaleiro de que houvesse mais reis bons, expressa na última

citação é associada ao maior conhecimento e amor de Deus pelos súditos, ou seja, ao

cumprimento da intenção da criação de Deus. Assim, o reino ordenado, conduzido por

um rei de bons costumes seria também condição de salvação do seu reino, enquanto o

mal rei seria o responsável pela danação das gentes.

Como dissemos anteriormente, o principal modelo expresso na obra é o de

eremita – homem que se retira da vida em sociedade para viver em contemplação,

expiando pelos pecados da humanidade e desenvolvendo por meio da Filosofia e da

Teologia o conhecimento de Deus, aproximando-se Dele e cogitando as glórias da

Salvação – percebemos isto por meio da recorrência deste padrão na obra, sem sombra

de dúvidas ele é o mais citado.

Nota-se principalmente a importância destas figuras na obra por ser

representado pelo protagonista. Félix é um eremita e se põe como modelo a ser seguido.

No desfecho da obra – ao chegar a uma abadia, onde após contar sobre suas

experiências, encontra a morte, fim de todos os homens – é enaltecida a necessidade de

que mais homens como ele se dediquem à vida eremita em busca das ‘maravilhas’ da

Criação, por meio das quais se conhece Deus.

O ato de contar as experiências vividas é comum na Idade Média, constitui-

se como um elemento educativo, uma vez que, pelo exemplo, ínsita os homens a

tomarem uma postura semelhante à do narrador, e busca dar testemunho das obras e das

‘verdades’ de Deus. Em Félix, o livro das maravilhas Ramon assim afirma:

Page 195: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

195

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Félix contava todos os exemplos e as maravilhas ao abade e aos monges e,

em recontar, o abade e todos os monges se deleitavam, porque eram palavras

muito prazerosas de se ouvir, e existiam muitas coisas de sabedoria e de

doutrina, e muitas coisas o homem sabe a respeito do estado deste mundo e

do outro (LLULL, 2009, p. 346)

É por meio do recontar, enquanto ato de doutrinar, de educar que ao fim da

vida Félix encontra, na abadia onde morre. No leito de morte, desolado por não poder

continuar no propósito de andar pelo mundo ‘maravilhando-se’ Félix pede a Deus: -

“Senhor Deus, se te agrada que eu falhe em cumprir este ofício, que Tu o dês a outro

que seja mais digno que eu, e que aquele complete, por mérito, o que falhei por ter a

vida abreviada” (LLULL, 2009, p. 347).

Segue-se a narrativa do sepultamento de Félix, enterrado na dita abadia

diante do altar, momento no qual durante a pregação do abade um monge descrito como

“homem santo, de boa vida” (LLULL, 2009, p. 347) se dispõe a seguir a missão de

Félix.

O monge [...] clamou misericórdia ao abade, ajoelhou-se diante dele e de

todo o convento e, em lágrimas e com grande devoção, pediu que recebesse o

ofício que Félix tinha, e que andasse pelo mundo conforme o que fora

concebido a Félix. O abade e todo o convento consentiram, colocaram-lhe o

nome de “segundo Félix”.

O abade deu sua bênção a Félix, e Félix andou pelo mundo recontando o

Livro das Maravilhas, e multiplicando-o conforme as maravilhas que, por

todos os tempos, tivessem naquele monastério um monge que recebesse

aquele ofício, e que tivesse o nome de Félix (LLULL, 2009, p. 347-348).

Assim, Félix configura-se como o modelo ideal de homem em busca da

santidade e da salvação. Suas atividades em vida serviriam para orientar a sociedade a

forma como cogitar a o gozo das glórias do Paraíso, todos os personagens com que

Félix encontra ou de quem ouve falar são elementos para sua construção enquanto

homem que alcança a sabedoria da Criação e principalmente a ciência de Deus, que na

obra é tida como caminho para que os homens alcançassem a salvação.

A obra revela-se assim como um manual educativo, que visa por meio das

semelhanças expostas dar conhecimento aos homens de como comportarem-se em vida

a fim de alcançar no pós-morte a salvação, objetivo maior dos homens medievais, que

Page 196: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

196

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

se daria, como discutido, por meio da prática das virtudes, do afastamento dos vícios e

do cumprimento dos dogmas estabelecidos pela Igreja.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cada sociedade e tempo histórico produz seus modelos humanos. Como visto, o

modelo humano instituído na Idade Média foi amparado na religião cristã. Frente à uma

sociedade diversificada e heterogênea, principalmente quando nos referimos à Baixa

Idade Média, período em que viveu Ramon Llull, e sobre o qual refletem suas obras, o

Cristianismo foi o fator unificador desta sociedade.

Para Ramon Llull a educação seria o meio de ordenar a sociedade em torno

de um projeto pedagógico pautado nos dogmas cristão. Assim, o autor visava fornecer à

sociedade ocidental do século XIII modelos de comportamento que deveriam ser

seguidos e que tinham como fundamento o pleno segmento dos preceitos cristãos.

Frente à dinamicidade da sociedade do século XIII, os diversos indivíduos – reis,

mulheres, cavaleiros, citadinos, comerciantes – deveriam servir ao princípio de amar,

adorar e servir a Deus. A fé cristã seria assim o elemento de coesão destes diversos

grupos.

Os exempla enquanto elemento educativo levava aos homens medievais os

valores pretendido na época a fim de dar aos indivíduos modelos que deveriam ser

seguidos ou refutados pelos homens do século XIII.

Assim, os modelos humanos aqui expostos, assim como os demais

integrantes da sociedade medieval estão ligados pela religiosidade, fator primordial para

se compreender a sociedade do ocidente medieval. Ambos faziam parte de um mesmo

projeto de ordenamento social que tinha como função maior levar os homens à Salvação

no pós-morte.

REFERÊNCIAS

Fontes

LLULL, Ramon. Doutrina para Crianças. Disponível em:

<http://www.ricardocosta.com/sites/default/files/pdfs/doutrina.pdf>, 2010. Acesso em

17/09/2014.

Page 197: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

197

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

LLULL, Ramon. Félix, O Livro das Maravilhas. Trad. Ricardo da Costa. São Paulo: Ed.

Escala, 2009.

SÃO VÍTOR, Hugo de. Didascálicon. Da arte de ler. Rio de Janeiro: Vozes, 2001.

Bibliografia

BASCHET, Jérôme. A civilização feudal. Do ano mil à colonização da América. São

Paulo: Globo, 2006.

BATANY, Jean. Escrito/oral. In. LE GOFF, Jacques e SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário

Temático do Ocidente Medieval. São Paulo: EDUSC, 2002, p.383-395.

BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Ed. 2001.

COSTA, Ricardo da. A novela da Idade Média: O Livro das Maravilhas (1288-1289) de

Ramon Llull. In. LLULL, Ramon. Félix, O Livro das Maravilhas. Trad. Ricardo da Costa.

São Paulo: Ed. Escala, 2009, p. 9-26.

COSTA, Ricardo da. Las Definicines de las Siete Artes Liberales e Mecánicas en la

Obra de Ramon Llull. Editora Mandruvá: São Paulo, 2005.

COSTA, Ricardo da. Reordenando o conhecimento: a Educação na Idade Média e o

conceito de Ciência expresso na obra Doutrina para Crianças (c. 1274-1276) de Ramon

Llull. Publicado na Internet: www.ricardocosta.com/vita.htm. Acesso em 13/01/2016.

FLORI, Jean. Cavaleiro. In. LE GOFF, Jacques e SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário

Temático do Ocidente Medieval. São Paulo: EDUSC, 2002, p.185-201.

GOMES, Flávia Santos. A Educação nas obras de Ramon Llull (1232-1316): uma

proposta para a salvação das almas. São Luís: UEMA, 2007.

JAULENT, Esteve. Introdução. In. LLULL, Ramon. O Livro dos Gentios e dos Três

Sábios (1274-1276). Rio de Janeiro: Vozes, 2001.

KRYNEN, Jacques. Felipe IV, o Belo. LE GOFF, Jacques. Homens e mulheres da Idade

Média. São Paulo: Edição Liberdade, 2013, p.194-198.

LE GOFF, Jacques. A bolsa e a vida. Economia e religião na Idade Média. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

LE GOFF, Jacques. A Civilização do Ocidente Medieval. São Paulo: EDUSC, 2005.

LE GOFF, Jacques. O Homem Medieval. Lisboa: Editora Estampa, 1989.

LE GOFF, Jacques. O Imaginário Medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1994.

LE GOFF, Jacques. O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval. Rio de

Janeiro: Edições 70, 1990.

LE GOFF, Jacques. Os intelectuais na Idade Média. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.

Page 198: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

198

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

LE GOFF, Jacques. Rei. In. LE GOFF, Jacques e SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário

Temático do Ocidente Medieval. São Paulo: EDUSC, 2002, p. 395-414.

MATTOSO, José. Poderes Invisíveis: o Imaginário Medieval. Lisboa: Círculo de

Leitores, 2013.

PAYEN, Jean Charles. O Homo Viator e o Cruzado. In. BREAT, Herman & VERBEKE,

Werner. A morte na Idade Média. São Paulo: USP, 1996, p. 211-232.

SCHMITT, Jean-Claude. Deus. In. LE GOFF, Jacques e SCHMITT, Jean-Claude.

Dicionário Temático do Ocidente Medieval. São Paulo: EDUSC, 2002, p. 301-318.

SILVA, Kalina Vanderlei e SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2009.

VAUCHEZ, André. O santo. In. LE GOFF, Jacques. O Homem Medieval. Lisboa: Editora

Estampa, 1989, p. 210-230.

VERGER, Jacques. Cultura, Ensino e Sociedade no Ocidente nos séculos XII e XIII.

São Paulo: EDUSC, 2001.

VERGER, Jacques. Homens e Saber na Idade Média. São Paulo: EDUSC, 1999.

Page 199: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

199

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

ENTRE A ESCOLA E O TERREIRO: ENCANTARIA E CULTURA

ESCOLAR NO MARANHÃO

Reinilda de Oliveira Santos

1. INTRODUÇÃO

O interesse em discutir religiões afro brasileiras em sala de aula surgiu de

uma entrevista com um filho do afamado pai de santo José Negreiros1 durante o

desenvolvimento do trabalho monográfico. Na ocasião ele alegou ser a escola o

ambiente em que se sentiu mais reprimido e recriminado por fazer parte de terreiro.

Partindo dessa inquietação, decidir perceber os espaços e não espaços ocupados pelas

religiões afro brasileiras no âmbito escola de são Luís percebendo suas fragilidades na

cultura escolar, com foco na trajetória dessa temática no âmbito educacional do país.

Em um país onde, segundo Fernandes (2005), o mais adequado seria

falarmos em “culturas brasileiras” ao invés de “cultura brasileira” ainda é comumente

perceptível um desconhecimento e despreparo em se trabalhar essa diversidade cultural

no ambiente escolar. Constantemente, é observado na sociedade, manifestações de

incompreensão e preconceito existente em relação às religiões afro-brasileiras. No

universo escolar, crianças e adolescentes oriundos dessas vertentes religiosas

geralmente passam por situações constrangedoras devido a esse processo de desrespeito

que está arraigado na própria constituição do Brasil. Na realidade, é nesse ambiente que

elas se sentem mais reprimidas em assumir determinadas identidades.

Antes de tudo, deve-se destacar que em vários estados do Brasil é possível

perceber a disseminação dos cultos afros. Esta proliferação pode ser vista, de certa

forma, como a vitória de saberes e fazeres que, através de homens e mulheres africanos

que atravessaram o oceano, se arraigaram á sociedade brasileira. Assim, variando de

acordo com a origem territorial africana e o contato com práticas e saberes nativos, foi

se configurando um campo múltiplo, diversificado e rico de expressões culturais e

religiosas de marca popular e negro-mestiça. No caso do Maranhão, tornou-se muito

1 SANTOS, Reinilda de Oliveira. José Negreiros: “pulava e brincava, rufava o pandeiro”. In: Boletim da

Comissão Maranhense de Folclore. Número 56, junho de 2014, p. 14-15.

Page 200: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

200

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

comum o Tambor de Mina, no Piauí o Catimbó, no Amazonas a Pajelança, em Alagoas,

Sergipe e Pernambuco o Xangô, na Bahia o Candomblé, na região central a Umbanda, e

na região sul o que se convencionou denominar de Batuque. Essas são categorizações

comuns, entretanto há inúmeras variações no âmbito de cada uma dessas regiões.

Em vista disso, é inquestionável a necessidade de se explorar esses temas

em sala de aula levando em conta sua diversidade e peculiaridades. No Maranhão, a

partir da análise da literatura existente sobre a temática e experiência no universo da

macumba2, pode-se aferir que são mais comuns na cidade de São Luís a pajelança e o

tambor de mina, contudo no interior do estado essas expressões recebem classificações

diversas: Badé, Berequete, Pajelança, Jirumga, Panguará, Iemanjá, Baía, Terecô, Cura,

Brinquedo de Cura ou simplesmente Brinquedo.

Desta forma a escola, que deveria ser um ambiente que subsidiasse uma

leitura crítica da diversidade religiosa existente no país, muitas vezes se posiciona de

forma inadequada, trazendo elaborações equivocadas com o intuito de desqualificar e

demonizar essa religião. Diante disso é válido frisar que, além das ações afirmativas de

grupos específicos como o movimento negro e o advento da lei 10.6393, um passo

importante e demasiado necessário que precisa ser trilhado é o da mudança no processo

educacional, sobretudo, no ensino fundamental. Nesse contexto, a disciplina de História,

assim como a de Ensino Religioso,4 deve colaborar nesse processo de valorização e

legitimidade das diferentes concepções de religião, desde que as mesmas sejam

ministradas por profissionais qualificados para tal tema, concentrando, assim, a atenção

2 De acordo com Berkenbrock (1998) o termo está associado à vertente religiosa de origem afro originaria

no Rio de Janeiro, e embora seja utilizada de forma pejorativa por não membros das religiões afro brasileiras é uma referencia comumente utilizada por membros de terreiros, sobretudo, no interior do

estado, para designar a as festas, além de ser um instrumento musical. É interessante destacar que na

maioria das vezes os membros desconhecem os termos “acadêmicos”, “cientificizados” e em vista disso,

o termo acaba abarcando as diversas vertentes. 3 O advento da Lei nº 10.639/2003 se deu em meio a um intenso debate social amplificado pela mídia,

que expressava os primeiros impactos da implantação de programas de ação afirmativa em algumas

universidades brasileiras. O texto das "Diretrizes" apresenta dimensões normativas relativamente

flexíveis, sugerindo referências, conteúdos e valores para a ação docente, em consonância com o

pressuposto formativo e educativo da valorização da pluralidade cultural - mote, aliás, já presente nos

Temas Transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais, de 1998. (PEREIRA, p.01, 2001) 4 Tendo base legal pela Constituição Brasileira/1988, art. 210 e LDB/1996, art. 33 alterado pela Lei 9475.

Page 201: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

201

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

necessária para se compreender a diversidade cultural e religiosa existente no país,

voltado principalmente para realidade a qual os alunos estão inseridos.

Vale destacar que o terreno da questão religiosa é, no campo educacional,

um dos mais árduos a se debater, especialmente no que se refere à cultura afro-

brasileira, considerando não apenas o processo histórico de estigmatização dessas

religiões desde o Brasil Colônia, mas também os movimentos mais recentes de ataque,

fomentado ,sobretudo, por igrejas evangélicas. Assim é necessário problematizar esse

tema nas escolas, pois, de um lado, ao incorporar essa discussão, abre-se a possibilidade

de um rompimento real com o proselitismo no ambiente escolar, por outro, deve-se

reconhecer este como um espaço indispensável para se pensar a problematização das

relações étnico-raciais no país. Partindo assim do pressuposto de que é significativo

criar um sentimento de pertencimento do aluno á realidade histórica.

Para tanto é preciso construir leituras sobre o mundo e sobre si

capazes de fornecer o sentimento de identidade (por conseguinte, de

pertencimento) e ao mesmo tempo a capacidade crítica para reconhecer e lidar com as diferenças e situa-las no tempo, (ou seja,

situá-las historicamente) nesse sentido pode-se dizer que o objetivo da

História escolar é ensinar/aprende a pensar historicamente rompendo com as naturalizações e abrindo o horizonte de expectativa. (ROCHA,

2009, p.16)

Com isso, acredita-se que o Ensino de História é um campo profícuo para a

formação de “consciência histórica”, conceito desenvolvido por Rusen (2007), que

aprofunda uma defesa da necessidade de uma interligação entre ciência e ensino, amplia

a possibilidade de se compreender a relação aluno-professor e o papel da aprendizagem,

tornando-se o arcabouço teórico fundamental para o trilhar desse trabalho. Esta

informação torna-se pertinente uma vez que inclui a história científica como uma das

possibilidades, de orientação e constituição de identidades na vida prática. Vale lembrar

que sua compreensão é fundamental para os atuais estudos nas áreas de teoria e ensino

de história, afinal sua teorização acerca da história a torna mais abrangente ao entender

que todo o indivíduo é capaz de interpretar historicamente seus atos e se orientar na vida

prática. Neste sentido, a história científica como conhecemos, para Rüsen, será apenas

uma das facetas do conhecimento histórico.

Page 202: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

202

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Posto isso, é interessante observar a relação do ensino com o tempo

histórico no processo de assimilação de conteúdos, “para fomentar a consciência

histórica”. “Rusen acredita que este processo ocorre através de narrativas do presente a

fim de explicar o passado,uma vez que o passado seria uma representação abstrata do

presente e serve para o engendrar da consciência histórica.” (CERRI, 2011, p.05). Com

isso, para problematizar o conteúdo referente às religiões de matrizes africanas, os

educadores precisam explanar acerca desse passado religioso, a fim de conscientizarem

os alunos de seu papel na história e fazê-los entender como se deu esse processo e,

sobretudo, a importância dele nos dias atuais. Sobre isso Monteiro salienta que:

Em primeiro lugar, o fundamental é levar o aluno a compreender e

aprender determinado conteúdo ou conceito, os quais fazem parte da História e são recontextualizados na cultura escolar, materializando as

correlações de força presentes no espaço de ensino – seja esse formal

ou não. Dessa forma, os conteúdos eleitos na História ensinada revelam uma faceta da História e, ao mesmo tempo, silenciam outras

tantas histórias. [...] A construção de um conhecimento que transpassa

o espaço físico da escola e o espaço conceitual da História é o

combustível motriz da História ensinada. (MONTEIRO, 2011, p.116)

Com isso, o professor deve ser preparado para priorizar a autocrítica, a

autoavaliação e trocar experiências, pois os alunos precisam ter consciência de si dentro

da história. Desta forma torna-se necessário fazer esse diálogo envolvendo os diferentes

tempos históricos, e essa ação não pode ser realizada como uma iniciativa isolada, mas

como fruto de um esforço coletivo em prol de um melhoramento na educação.

A história não deve e não pode confundir-se com o simples

aprendizado de conteúdos, mas deve perseguir a possibilidade de

adquirir competências especificas capazes de fundamentar uma reelaboração incessante da experiência temporal com relação ás

experiências passadas. Mas do que passar conteúdos através de uma

boa didática estas teriam que dá condições de criar as bases para o estabelecimento de relações com o passado que são necessariamente

distintas segundo os presentes vividos. (GUIMARÃES, 2009, p.49)

Após trazermos ao debate o que Rüsen define por razão, é interessante

pensar o papel do professor nesse processo de criação e definição de consciência dos

processos históricos, pois o pensador alemão trabalha com a ideia de que a consciência

histórica, formada por meio da razão, é desenvolvida através daquilo que o indivíduo

Page 203: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

203

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

valida como racional embasado na sua capacidade argumentativa. Segundo Bitencourt,

“atualmente, considera-se necessário ao público escolar das mais diferentes faixas

etárias [...] partir do conhecimento do vivido (senso comum) para que se possa situar as

problemáticas enfrentadas na vida em sociedade.” (2004, p.190), Pois como salienta

Rocha (2009, p. 18 ), “a História ensinada está entre a história do senso comum, a vida

prática e o que é produzido na corte acadêmica.” Não há como desvincular a vivência

do aluno dos conteúdos ministrados em sala de aula no processo de construção da

consciência histórica e do próprio aprendizado.

De acordo com o argumento de Martins, “a tessitura dos processos

reflexivos do pensamento e da consciência histórica se dá em diferentes círculos da vida

pessoal e social.” (p, 2001.45) Assim, pensar o ensino de história e seus

desdobramentos implica compreender a complexa maquinaria que circunda a realidade

escolar. Com isso, é interessante repensar, por exemplo, a forma de organização

curricular e também incentivar ações pedagógicas, esse é um dos passos mais

importantes nesse processo, a partir daí os professores reformulariam meios de

implantação do que está posto no currículo. Partindo disso, no âmbito da sala de aula é

interessante inicialmente trabalhar a sensibilização dos alunos, fazendo com que estes

entendam as diferenças religiosas dentro do contexto da História da nação,

contextualizando com o ambiente no qual estão inseridos.

Neste sentido, é válido pensar que o motor da transformação historiográfica

é a demanda social, a realidade dos alunos, ou seja, a revisão da historiografia não

começa na academia, mas na sociedade e nesse momento se inclui a escola, como local

visível destes descompassos. Assim, é a partir da vivência dessas pessoas que o

professor precisa considerar o processo de problematização de determinados assuntos.

Esta informação torna-se pertinente uma vez que inclui a história científica como uma

das possibilidades de orientação e constituição de identidades na vida prática. Ou seja,

dentre os inúmeros polos formadores do pensamento histórico, capazes de atribuírem

sentido e orientação, à escola cabe o papel da inserção do conhecimento metodizado

como realimentação do conhecimento cotidiano. Nessa perspectiva,

Page 204: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

204

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A formação histórica é, antes, a capacidade de uma determinada

constituição narrativa de sentido. Sua qualidade específica consiste

em (re)elaborar continuamente, e sempre de novo, as experiências

correntes que a vida prática faz do passar do tempo, elevando-as ao nível cognitivo da ciência da história, e inserindo-as continuamente, e

sempre se novo (ou seja: produtivamente), na orientação histórica

dessa mesma vida. Aprender é a elaboração da experiência na competência interpretativa e ativa, e a formação histórica nada mais é

do que uma capacidade de aprendizado especialmente desenvolvida.

Essa capacidade de aprendizado histórico precisa, por sua vez, ser aprendida. (RÜSEN, 2007, p.94)

Assim, ao ensino da História pode-se dizer, cabe uma dupla missão: a de

identificar a tradição presente nas narrativas e a de propiciar o desenvolvimento da

competência narrativa dos alunos, garantindo que não se perca neste processo a

racionalidade contida no conhecimento histórico em sua dimensão científica, capaz de

satisfazer interesses e orientar o aluno para um entendimento da sua vivencia.

Na realidade, como propõe Rüsen (2010) o indivíduo não mobiliza sua

consciência histórica intencionalmente, mas a utiliza com a necessidade de atribuir

significado a fluxos sobre o qual não possui controle. Ele a vivencia desde a percepção

de sua própria historicidade, até a inserção da consciência em diferentes contextos da

história humana. Ela é, de modo geral, inerente ao estar no mundo. Por outro lado,

advoga sobre a intencionalidade do agir no tempo, afinal os seres humanos só podem

agir no mundo se o interpretarem e interpretarem a si mesmo de acordo com suas

intenções.

Dessa forma, a relação entre a teoria da História e o ensino se dá na medida

em que compreendemos como dimensão da ciência especializada da história, sua

relação com o cotidiano, com os interesses e com a orientação da vida prática. Nesse

sentido se faz necessário frisar como a vida prática está sendo problematizada em sala

de aula, com foco especifico nas práticas religiosas. Na realidade, pensar a História

enquanto objeto de prática pedagógica e, sobretudo, fazer uma relação entre a História

escrita e a ensinada é uma tarefa árdua. Daí a importância de pensar em seus percalços

antes de entender como ela pode ser melhorada.

Page 205: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

205

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

2. RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS: REFLEXÕES HISTÓRICO-

CULTURAIS NO COTIDIANO ESCOLAR

Tendo em vista que, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDB) n.º 9.394/96 estabelece, de início, no seu inciso III, do art. 3° que o ensino

deverá respeitar o “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”, o professor tem

que estar atento em não transmitir em sala de aula suas concepções religiosas e, sim,

como lembra CARNEIRO (1998), pelo “eixo igualdade/alteridade”. A heterogeneidade

cultural é o foco das escolas e do componente curricular, sobretudo das disciplinas

História, Sociologia e Ensino Religioso, entretanto, ocorre o contrário nas salas de aulas

do Brasil. Mesmo em lugares com fortes traços afro-brasileiros as escolas focam os

estudos apenas em católicos e protestantes. No caso do Maranhão, as religiões de matriz

africana deveriam ter uma abordagem ampla. Mesmo tendo em vista que o ensino

público deve ser laico os educadores têm que conviver com a religião para enegrecer,

não substituindo um sistema por outro e, sim, promover um diálogo.

A lei 10.639/03 muitas vezes é desconhecida pelos professores, pouco se

questiona se ela de fato está sendo seguida ou se as escolas estão preocupadas em

ensinar esses conteúdos aos alunos e como estão repassando, pois, para efetivar a real

aplicação da mesma, os diretores, a equipe pedagógica e os professores precisam

aprofundar o conhecimento teórico metodológico sobre o assunto e viabilizar condições

para consolidação deste conhecimento, com a intenção de implantar na escola uma

prática antirracista. Tendo em vista que uma prática que repudie o racismo e qualquer

forma de preconceito nas escolas, pode contribuir para um esclarecimento e

reconhecimentos dos alunos enquanto pertencentes á história, com voz e participação

ativa neste processo.

Assim, a prática e o ato de reflexão dessa prática exercida no espaço da sala

de aula contribuem para o surgimento de uma ressignificação do conceito de docente,

aluno, aula e de aprendizagem. Nessa perspectiva o professor deve assumir o papel de

facilitador e mediador do conhecimento, proporcionando uma aprendizagem em que o

estudante seja sujeito do processo de ensino-aprendizagem. Agindo como mediador, o

Page 206: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

206

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

docente está dando a oportunidade aos alunos de terem autonomia na construção do seu

próprio conhecimento como forma de compreender a realidade social em que vivem.

Nessa perspectiva, percebe-se que a preparação do professor para o ensino

voltado para a pluralidade cultural seja um importante caminho, bem como o estímulo

ao diálogo entre as diversas disciplinas, na tentativa de superar o eurocentrismo cristão,

que colocou o negro e sua cultura como inferiores no seio do processo histórico

educacional brasileiro. Assim, o primeiro passo é levar em conta os traços culturais que

formaram o povo brasileiro e, no que se refere à temática, considerar a imensidão de

caracteres do branco e do negro. Já é sabido que a contribuição cultural do africano

sempre foi posta sob um olhar etnocêntrico do europeu, mas, temos que aprender a

reconhecer a criatividade e perseverança dos seus descendentes em tentar reavivar seus

costumes e suas crenças. Como aponta Rodrigues (1977) “de todas as instituições

africanas, entretidas na América pelos colonos negros ou transmitidas aos seus

descendentes puros ou mestiços, foram às práticas religiosas do seu fetichismo as que

melhor se conservaram no Brasil.” (p. 240). Nessa perspectiva Monteiro argumenta

que:

Pensar o espaço da sala de aula como “lócus” argumentativo é um

desafio pedagógico para o professor na produção de sentido histórico

e na desnaturalização da realidade conforme o senso comum. A nosso ver, a função epistemológica essencial da História ensinada desafia o

professor a buscar meios e estratégias para que o aluno olhe com

estranheza para o que comumente é naturalizado e, em muitas das vezes, dogmatizado. (MONTEIRO, 2011, p. 114)

Apesar disso, o que vem acontecendo, em geral, é que o profissional adota a proposta

interconfessional cristã, evitando buscar informações sobre outras religiões, não

propondo um diálogo entre as diversidades religiosas, o entendimento do homem entre

o sagrado e a relação entre si, impossibilitando que o aluno tenha o sentimento de

pertencimento á História.

Sabe-se que as religiões afro-brasileiras fazem parte do grupo de religiões

minoritárias, mas não quer dizer que seja menos importante do que o catolicismo,

religião historicamente majoritária no Brasil. Assim, tendo em vista as comunidades

Page 207: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

207

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

religiosas, o movimento negro e outros grupos que vêm buscando valorizar suas raízes

africanas para redimensionar seu papel na sociedade brasileira a escola desempenha

papel primordial nessa militância e busca de reconhecimento e consolidação.

Com isso, diante da delicadeza e gravidade dessa temática o ambiente

escolar ao ser sensibilizado sobre o problema do racismo e preconceito, torna-se

responsável pela promoção de uma educação antirracista, no sentido de não medir

esforços para garantir igualdades de condições de aprendizagem visando essa

diversidade. Contudo temos o contrario dessa realidade, neste sentido, CAPUTO

destaca que:

Nos terreiros, as crianças e adolescentes sentem orgulho de sua fé, são tratados com respeito, recebem cargos como os adultos da hierarquia

do culto e aprendem, entre outras coisas, um vocabulário imenso em

yorubá. Já na escola, eles escondem a fé e inventam formas de invisibilidade para não serem discriminados. (CAPUTO, 2012, p.187)

Em andanças pelo maranhão, na casa Fanti Ashanti, e em contato com as

crianças oriundas de lá, a autora destaca que há forte semelhança entre a realidade

vivida pelas crianças da baixada fluminense, local onde fez pesquisas e as do maranhão

no tocante ao preconceito sofrido nas escolas, ela narra que as crianças desse terreiro

também relatam discriminação nas escolas. Welington Ferreira, por exemplo, conta que

sempre se sentiu discriminado. “Uma vez uma professora de matemática que era da

igreja católica disse que todo mundo que frequenta candomblé é filho do coisa ruim.

Nesse dia fechei meu caderno e sai da aula para chorar escondido.” (2012, p.190)

Portanto, “a maioria dessas mesmas crianças, ao serem discriminadas,

sentem vergonha e inventam maneiras de se tornarem invisíveis.” (CAPUTO, 2012, p.

197) a autora entrevista inúmeras crianças, e no geral as respostam são parecidas, a

escola é vista como local de maior preconceitos e discriminação e muitas vezes são

obrigados a adotar o catolicismo como mecanismo de defesa, ela destaca certa

imposição do desvalor dessas vertentes religiosas, enquanto há uma necessidade de

fortalecimento e legitimação do cristianismo.

Posto isso, é nítido que passado tantos anos do processo de escravidão os

membros das religiões afro brasileiras ainda omitem e disfarçam suas crenças por medo

Page 208: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

208

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

de repressão, sobretudo, no ambiente escolar e optam pelo silêncio de sua fé.

“continuaremos vendo que a escola, ao discriminar o candomblé, contribui ainda mais

para aumentar a dificuldade de identificação positiva de alunos (as) negros (as) com a

escola.” (CAPUTO, 2012, p. 208)

Na realidade não podemos perder de vista que a educação pública foi e

ainda é marcada pela catequese, com isso é preciso pensar nos impactos dessa

educação, que subtraiu um continente inteiro da História. Para entender a história da

educação brasileira, deve-se compreender primeiramente a chegada dos portugueses,

com seus métodos educacionais oriundos da igreja católica. No período colonial os

jesuítas fundaram o colégio da Companhia de Jesus, com isso percebemos a

perversidade em impor um modelo educacional, em que os próprios habitantes da

colônia eram excluídos, sendo obrigados a apreender uma história que em nada lhe

identificavam. Muitos anos depois, quando os jesuítas foram expulsos do Brasil, o

ensino público passou para as mãos de outros setores da Igreja Católica. Quase 500

anos depois e, apesar de, em 1891, a primeira Constituição republicana ter separado o

Estado da Igreja, o papel da escola pública, muitas vezes, ainda se reveste de práticas

de catequização e conversão, em que se evidenciou a imposição da educação europeia,

branca e católica no país. Com reflexo desse processo a história e cultura das

populações indígenas e dos africanos foram ignoradas.

Contudo, com o passar do tempo, inúmeras mobilizações por parte de

representações dos movimentos negros e alguns outros grupos da sociedade lutaram

para inserir sua história nos currículos escolares. Posto isso, podemos perceber que há

mais de cinco décadas há reivindicações por parte de movimentos sociais e outros

segmentos da sociedade pela inserção do negro na sociedade nacional, pautado no

pressuposto de diminuição do racismo através do acesso a educação. Na percepção de

Bakke “essa é uma mudança significativa em termos de posicionamento político e

marca o processo de gestação desse segundo projeto de nação que vem repercutir, para

além dos meios de militância nos dias de hoje.” (BAKKE, 2011, p.08)

Os anos 1970 são marcados por grande efervescência de discussões sobre

a temática, sobretudo no que tange o reconhecimento e valorização da identidade

Page 209: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

209

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

negra. Em 1978 cria-se o Movimento Negro Unificado5, que consegue com o processo

de redemocratização e através de mobilizações, inserir algumas contribuições na

Constituição de 1988. Outros marcos merecem destaque nesse processo, como os

desdobramentos da “Marcha 300 anos de Zumbi dos Palmares”, realizada no dia 20 de

novembro de 1995, contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida, nessa ocasião cerca

de 30 mil pessoas se reuniram em Brasília para denunciar a ausência de políticas

públicas para a população negra. Em reconhecimento à importância de Zumbi, a data

foi transformada em 1971 no Dia Nacional da Consciência Negra.

[...] ao perceberem a inferiorização dos negros, ou melhor, a produção e a reprodução da discriminação racial contra os negros e

seus descendentes no sistema de ensino brasileiro, os movimentos

sociais negros (bem como os intelectuais negros militantes) passaram a incluir em suas agendas de reivindicações junto ao

Estado Brasileiro, no que tange à educação, o estudo da história do

continente africano e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a

cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional brasileira. Parte desta reivindicação já constava na declaração final

do I Congresso do Negro Brasileiro, que foi promovido pelo Teatro

Experimental do Negro (TEN), no Rio de Janeiro, entre 26 de agosto e 04 de setembro de 1950, portanto, há mais de meio século.

(SANTOS, 2010, p. 23)

No âmbito educacional a ideia primeira de se trabalhar o conteúdo de

África foi instituída em 1997 com os Parâmetros Curriculares Nacionais, através dos

temas transversais no que tange à pluralidade cultural6 e efetivado em 2003 com a lei

10.639. A ideia era pensar na valorização das diversas contribuições dos povos

africanos na dita sociedade plural e multicultural, ou seja, situar os grupos étnicos

5DOMINGUES Petrônio. Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo, Niteró,

v.12, n.23. 2007. P.114 Disponível em http://www.scielo.br/pdf/tem/v12n23/v12n23a07 acesso em: 27

de jan de 2017. 6 O tema Pluralidade Cultural oferece aos alunos oportunidades de conhecimento de suas origens como

brasileiros e como participantes de grupos culturais específicos. Ao valorizar as diversas culturas

presentes no Brasil, propicia ao aluno a compreensão de seu próprio valor, promovendo sua auto-estima

como ser humano pleno de dignidade, cooperando na formação de autodefesas a expectativas indevidas

que lhe poderiam ser prejudiciais. Por meio do convívio escolar, possibilita conhecimentos e vivências

que cooperam para que se apure sua percepção de injustiças e manifestações de preconceito e

discriminação que recaiam sobre si mesmo, ou que venha a testemunhar — e para que desenvolva

atitudes de repúdio a essas práticas. (PCNs, 1997, p.137)

Page 210: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

210

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

presentes no território nacional percebendo sua crucial importância para a construção

do país enquanto nação.

A temática da Pluralidade Cultural diz respeito ao conhecimento e à

valorização de características étnicas e culturais dos diferentes

grupos sociais que convivem no território nacional, às desigualdades socioeconômicas e à crítica às relações sociais discriminatórias e

excludentes que permeiam a sociedade brasileira, oferecendo ao

aluno a possibilidade de conhecer o Brasil como um país complexo, multifacetado e algumas vezes paradoxal. Este tema propõe uma

concepção que busca explicitar a diversidade étnica e cultural que

compõe a sociedade brasileira, compreender suas relações, marcadas

por desigualdades socioeconômicas e apontar transformações necessárias, oferecendo elementos para a compreensão de que

valorizar as diferenças étnicas e culturais não significa aderir aos

valores do outro, mas respeitá-los como expressão da diversidade, respeito que é, em si, devido a todo ser humano, por sua dignidade

intrínseca, sem qualquer discriminação. A afirmação da diversidade

é traço fundamental na construção de uma identidade nacional (PCNs, 1997, p.121)

Desta forma, a inserção do conteúdo de África e cultura afro-brasileira na

literatura didática brasileira se deu devido a inúmeras pressões sociais e foi gestado

durante muitos anos, tendo seu marco mais significativo em 2003, com a realização do

ato público do então presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva em sancionar a lei

10.639/037 e depois a lei complementar, 11.645/08

8, ambas tratam da inserção na

educação brasileira da história e cultura de indivíduos que colaboraram no processo de

construção do país.

Dessa maneira, o papel do professor é fundamental, ele deve fazer do seu

trabalho no ambiente escolar, um espaço de transformação epistemológica, não apenas

reproduzir, mas fazer emergir uma produção de novos conhecimentos através de uma

reflexão crítica dos alunos. Tendo em vista que, a prática educativa é percebida como

8 O ano de 2008 demarcou a promulgação da Lei 11.645, que dispõe sobre a obrigatoriedade do

tratamento da temática afro-brasileira e indígena em todo o sistema escolar brasileiro. Tal lei viria

ampliar o sentido previamente constituído pela lei 10.639, do ano de 2003, que pela primeira vez na

história do país tornava obrigatório o enfrentamento escolar da questão das relações étnico-raciais em

todas as suas implicações curriculares e cotidianas. As duas leis representam um ponto importante de

mudança numa estrutura de silenciamento e produção de muitos estereótipos que, ao longo de mais de

um século, vem demarcando práticas e discursos escolares. (PNLD, 2016, p. 31)

Page 211: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

211

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

um traço cultural compartilhado que estabelece uma relação com outros contextos da

sociedade, o que dificulta ainda mais o papel do professor no âmbito escolar para o

êxito em trabalhar com esses temas. Vale frisar que desconstruir concepções a muito

arraigadas e construir novos conhecimento sobre um continente complexo e

polissêmico como a África é complicado para os professores de história da Educação

Básica no Brasil. Esse fato pode ser justificado tanto pela imagem negativa, pautada,

sobretudo no processo de escravidão, que foram construídas e perpetuadas nos

matérias didáticos, quanto pelo desconhecimento dos profissionais da área sobre o

conteúdo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no exposto é válido destacar que as identidades religiosas são

frequentemente negadas e consequentemente silenciadas no espaço escolar, e com isso o

preconceito ganha contornos ainda mais nítidos, e é ante a esse contexto que as crianças

oriundas dessas vertentes religiosas criam estratégias de invisibilidade e adoção do

catolicismo como a religião a que pertencem. A proposta aqui foi delinear dificuldades e

identificar aspectos que permitam oferecer aos educadores do país contribuições para

trabalhar este tema na cultura escolar.

Por fim, saliento que a escola tem um papel importante no processo de

reconhecimento e valorização e deve contribuir para o empoderamento dos sujeitos

socioculturais, sobretudo, os subalternizados e negados. E esta tarefa passa por

processos de diálogo entre diferentes conhecimentos e saberes presentes na escola e

estratégias como a utilização de linguagens plurais, variedade de recursos didáticos, uso

da realidade dos alunos como forma de problematizar certos conteúdos, enfim, os

educando possuem ferramentas para ajudar no combate ao preconceito e discriminação

que marcam o contexto escolar.

Acredito ser essa uma importante forma de construção de uma escola mais

democrática e dinâmica, o que supõe articular igualdade e diferença nas salas de aula.

Tendo em vista que a dimensão cultural é inerente aos processos pedagógicos, pois,

como assegura Candal, (2008) “está no chão da escola” e potencia processos de

Page 212: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

212

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

aprendizagem mais significativos, no instante em que permite que os alunos se sintam

pertencentes enquanto sujeitos ativos. Ajudando assim no processo de combate a esse

silenciamento, invisibilidade e sentimento de inferiorização desses sujeitos.

REFERÊNCIAS

ABUD, Kátia Maria. A guardiã das tradições: A história e o seu código curricular.

Tempo, v.11, n.21, p 163-171,2006.

ALVES, Nilda e GARCIA, Regina Leite. O sentido da escola. Petrópolis: DP ET alii,

2008.

ANDRÉ, Marli. E. D. A. de. A etnografia da prática escolar. São Paulo: Papirus,

1995.

BAKKE, R. R. B. Na escola com os orixás: o ensino das religiões afro-brasileiras na

aplicação da Lei 10.639. Tese de Doutorado. Programa de Pós Graduação em

Antropologia Social, FFLCH/USP, 2011.

BARROS, Antonio Evaldo Almeida. O Pantheon Encantado: culturas e heranças étnicas

na formação de identidade maranhense. 2007. 317 p. Dissertação (Mestrado em Estudos

Étnicos e Africanos) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Centro de Estudos

Afro-Orientais, Salvador, Universidade Federal da Bahia, 2007.

BENJAMIN, Roberto. A África está em nós: História e cultura afro-Brasileira. João

Pessoa: Editora Grafset, 2004. 184p.

BERKENBROCK, Volney J. A experiência dos orixás- um estudo sobre a experiência

religiosa do candomblé. Rio de janeiro: Vozes, 1998.

CANDAU, V. M. e LEITE, M. S. Diálogos entre Diferença e Educação (2006); In:

CANDAU. V. M. (org) Educação Intercultural e Cotidiano Escolar. Rio de Janeiro: 7

Letras,

CAPUTO, Stela Guedes. Educação nos terreiros: e como a escola se relaciona com

crianças de candomblé. – 1ª Ed. – Rio de Janeiro : Pallas, 2012.

Page 213: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

213

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

CARNEIRO, M. A. LDB fácil: leitura crítico-compreensiva: artigo a artigo. 5. ed.

Petrópolis, RJ: Vozes, 1988.CERRI, Luis Fernando. Ensino de história e consciência

histórica. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011.

CRUZ, Robson Rogério. Macumba na sala de aula: dilemas e desafios do ensino da

“cultura negra” entre educadores evangélicos. Paper apresentado na 26ª reunião

brasileira de antropologia. Porto Seguro, 01 a 04 de junho de 2008.

D’ADESKY, Jaques. Racismo e anti-racismo no Brasil .Rio de Janeiro.Pallas Editora,

2001.

DOMINGUES Petrônio. Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos

históricos. Tempo, Niteró, v.12, n.23. 2007. P.114 Disponível em

http://www.scielo.br/pdf/tem/v12n23/v12n23a07 acesso em: 27 de jan de 2017.

FERNANDES, José Ricardo Oriá. Ensino de História e Diversidade Cultural:

desafios e possibilidades. Cad. Cedes, Campinas, v. 25, n. 67, p. 378-388, set./dez.

2005.

FLORES, Elio Chaves. Etnicidade e ensino de História: a matriz cultural africana.

Tempo, v. 11, n. 21, 2006.

GUIMARÃES, Manoel Luis Salgado. A escrita da Historia e ensino da História, tensões

e paradoxos. IN, ROCHA, Helenice. MAGALHÃES, Marcelo.GONTIJO, Rebeca

(orgs). A escrita da História Escolar: Memória e historiografia. Rio de janeiro.

FGV,2009. P35-50..

LODY, Raul. Patrimônios dos Terreiros Mina Jeje e Mina Nagô e das festas de São

Luís. Comunicado Aberto 24, Coleções Maranhenses, 1995a.

LODY, Raul. Cultura material dos Xangôs e candomblés: em torno da etnografia

religiosa. Rio de Janeiro: FUNARTE/INF, 1987.

MAGGIE, Yvonne. Guerra dos Orixás: Um estudo de ritual e conflito. Rio de

Janeiro:Zarah,

MARTINS. Estevão C de Rezende. História: Consciência, Pensamento, Cultura,

Ensino. Educar em Revista. Curitiba. Brasil, nº 42, out./dez., editora UFPR, p,43-58.

2011.

Page 214: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

214

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

MENESES, J. G. de C. et. al. Educação básica: políticas, legislação e gestão. SP:

Pioneira Thomson Learning, 2004.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/SECRETARIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA.

Orientações e ações para a educação das relações étnico-raciais. Brasília: SECAD,

2006.

MONTEIRO, Ana Maria F. C. A história ensinada: Algumas configurações do saber

escolar. História & Ensino, v. 9,p. 37-62, out. 2003.

MOREIRA, Flavio Barbosa e CANDAU, Vera Maria. Educação Escolar e cultura(s):

construindo caminhos. Em: Revista Brasileira de Educação. N.23, 2003.

NUNES, A. E. da S. e OLIVEIRA, E. V. (orgs.). Implementação das diretrizes

curriculares para a educação das relações étnico-raciais e o ensino de História e

Cultura Afro-Brasileira e Africana na educação profissional e tecnológica: Lei

10.639/03 na rede federal de educação profissional e tecnológica Brasília: MEC,

SETEC, 2008.

NUNES, Herliton Rodrigues. Perseguição religiosa: a pajelança na imprensa

codoense entre os anos de 1894-1896. Boletim da Comissão Maranhense de Folclore,

São Luís, n. 34, p. 9-12, jun. de 2006.

OLIVEIRA, L. B. et. al. Ensino Religioso no Ensino Fundamental. SP: Cortez, 2007.

OLIVEIRA, Maria da Glória. Historiografia, memória e ensino de história:

percursos de uma reflexão. História da Historiografia, n. 13, dez. 2013, p. 130-143.

PEREIRA, Júnia Sales. Reconhecendo ou construindo uma polaridade étnico-

identitária? Desafios do ensino de história no imediato contexto pós-Lei nº 10.639.

Estudos Históricos, v. 21, n. 41. jan./jun. 2008.

PRANDI, Reginaldo (org.) Encantaria brasileira: o livro dos mestres, caboclos e

encantados. PALLAS: Rio de Janeiro, 2001a. .

ROCHA, Helenice; MAGALHÃES, Marcelo; GONTIJO, Rebeca. A Escrita da História

Escolar: memória e historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009, p.13-32

RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. 5. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1977.

RÜSEN, Jörn. História Viva – Teoria da História III: formas e funções do

conhecimento histórico. Brasília: Ed. da UNB, 2007.

Page 215: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

215

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

SANTOS, Jocélio Teles dos. O poder da cultura e a cultura no poder : a disputa

simbólica da herança cultural negra no Brasil. Salvador : EDUFBA, 2005.

SANTOS, Maria do Rosário Carvalho & SANTOS NETO, Manoel dos. Boboromina,

terreiros de São Luís. Uma interpretação sócio-cultural. São Luís: SECMA/SIOGE,

1989.

SILVA JÚNIOR, Astrogildo Fernandes. A ciência da história e o ensino de história:

aproximações e distanciamentos. OPSIS, Catalão, v. 11, n. 1, p. 287-304 ,jan-jun

2011.

SILVA, Marcos Antônio da; FONSECA, Selva Guimarães Fonseca. Ensino de

História hoje: errâncias, conquistas e perdas. Revista Brasileira de História, v. 30, n.

60, 2010.

SANTOS, Reinilda de Oliveira. José Negreiros: “pulava e brincava, rufava o

pandeiro”. In: Boletim da Comissão Maranhense de Folclore. Número 56, junho de

2014, p. 14-15.

SANTOS, Sales Augusto do. A Lei n. 10.639 2003 como fruto da luta anti‐racista do

Movimento Negro. In.: MEC/BID/UNESCO. Educação anti‐racista: caminhos

abertos pela Lei Federal nº 10.639/03 /Secretaria de Educação Continuada,

Alfabetização e Diversidade. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de

Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. Disponível em:

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12814&Ite

mid=872 Acesso 07 de fev. de 2017.

LEGISLAÇÃO

BRASIL. Ministério da Educação. PNLD 2017: História – Ensino fundamental anos

finais / Ministério da Educação – Secretária de Educação Básica – SEB – Fundo

Nacional de Desenvolvimento da Educação. Brasília, DF: Ministério da Educação,

Secretária de Educação Básica, 2016. 140 p.

______. Parâmetros Curriculares Nacionais-Temas transversais. Brasilia:

MEC?SEF,1998.

Page 216: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

216

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

______. L. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988.

______. Plano Nacional de Educação 2014-2024. Brasília: Ediçoes Câmara, 2014.

______. Lei de Diretrizes e Bases Nacionais. Lei número 9394, 20 de dezembro de

1996.

MARANHÃO. Plano Nacional de Educação 2014-2024. São Luis, 2014.

,

Page 217: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

217

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

DESLOCANDO O SABER:

A HISTÓRIA COMO VIDA DESDE O SUL GLOBAL1

Aldina da Silva Melo2

Estudar África é interpretar, compreender e

sentir uma certa sociedade, no tempo e no

espaço, na plenitude da sua complexidade

(PIMENTA; VICTOR, [s.l]).

1. INTRODUÇÃO

Se for verdade que o mundo é epistemologicamente diverso, como propõe

Boaventura Santos (2009), e que a História preocupa-se em analisar a ação contínua de

homens [e mulheres] no tempo, como afirma Marc Bloch (2001), então os

questionamentos deste trabalho são: 1) Por que a Historiografia oficial tem privilegiado

as narrativas do norte do globo, especificamente da Europa, e silenciado, quando não

hierarquizado, as do sul global, sobretudo aquelas que emergem de e sobre África? 2)

Como a História tem construído, a partir de narrativas eurocêntricas, o “outro” não

europeu como diferente, como desigual, como “não humano”? 3) Como, ao longo dos

tempos, a História da África foi gestada e apropriada pela “Historiografia Oficial”

europeia? São essas algumas das inquietações a serem refletidas neste trabalho.

Os campos “revolucionários” da história, como a geração dos Annales ou a

historiografia alemã, não reconheceu por muito tempo a História da África, negando aos

africanos a condição de humanidade e produtores de história. Isso se reflete fortemente,

por exemplo, no silênciamento sobre África impressos na/pela “História Oficial”. Ora,

as transformações da ciência histórica em África impactou o campo da História

1 Este artigo consiste em um recorte da minha pesquisa de mestrado intitulada “A África na sala de aula

na África: os zulus se reinventam”, sob orientação do Professor Dr. Antonio Evaldo Almeida Barros. Esta

pesquisa é desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em História, Ensino e Narrativas -

Mestrado Profissional, na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História, Ensino e Narrativas – Mestrado, da

Universidade Estadual do Maranhão. Membro do Núcleo de Pesquisa, Ensino e Extensão sobre África e o

Sul Global - NEÁFRICA. Bolsista FAPEMA.

Page 218: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

218

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

mundial, e levou a comunidade de historiadoras(es) a repensar sua práxis, bem como a

própria lógica da História.

Desse modo, no intuito de dar visibilidade as histórias do Sul global e

promover um diálogo, e não uma cisão, entre as epistemologias do Sul e do Norte, este

trabalho pretende analisar o modo como a história da África foi representada pela

historiografia oficial. A intenção é chamar a atenção para a necessidade de um

deslocamento e descolonização do saber, como possibilidade de reconhecimento de

outras formas de conhecimentos oriundas das experiências e narrativas dos sujeitos do

Sul global. Assim, para este estudo fez-se um levantamento bibliográfico acerca de

como as Ciências Humanas, com destaque para a História, construíram a História da

África e como tal construção impactou nas representações sobre África pela

historiografia oficial europeia.

2. HISTÓRIAS DA ÁFRICA: REPENSANDO A HISTORIOGRAFIA

OCIDENTAL

“Não civilizada”, “a-histórica”, “não humana”, “não desenvolvida” esses

são alguns dos adjetivos com os quais África foi historicamente representada pela

“historiografia oficial”. Em contrapartida, o ocidente, especificamente a Europa, foi

representado como “civilizado”, “humano” e “desenvolvido”. À Europa foi destinado o

lugar por excelência da história, da produção do conhecimento. Os europeus impuseram

sua história como universal e todos os outros povos passaram a ser pensados a partir do

crivo eurocêntrico. Ora, mas ao fazer isso, são violentadas e silenciadas outras histórias,

outras culturas, outros modos de organização social, outras formas de ver, sentir, pensar

e se inscrever no mundo.

Em se tratando da universalização da história europeia e do silenciamento

da História da África, dois aspectos devem ser problematizados, a saber: as Ciências

Humanas, sobretudo as narrativas históricas, tenderam, e muito, a desconsiderar,

homogeneizar e hierarquizar as experiências dos sujeitos, dando vozes a uns e

Page 219: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

219

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

silenciando outros; A própria ideia de “África” foi construída no/pelo/a partir do

ocidente.

No tocante as Ciências Humanas, é evidente que “a epistemologia ocidental

tem subestimado certas formas de conhecimento [...]” (PIMENTA; VICTOR, [s.l], p.

6), como os que partem de África. Até o final do século XX, por exemplo, a

historiografia tendeu, e muito, a desconsiderar as especificidades dos grupos étnicos

africanos e de suas culturas. Isso foi mudando, embora lentamente, a partir do que ficou

conhecido com revolução historiográfica provocada pela Nova História (MELO, 2014).

Nesse sentido, recai-se num problema de ordem epistêmica da produção de

conhecimento. Afinal, como narrar a história da África se os padrões de narração

sempre foram europeus? Em África e as disciplinas: as contribuições da pesquisa sobre

a África às ciências sociais e humanas, coletânea publicada em 1993 pela Universidade

de Chicago, diversos autores são instigados a responderem o questionamento de um

reitor/diretor de instituto a um chefe de departamento: “por que, numa conjuntura de

escassez de recursos, contratar um historiador [ou antropólogo, economista, cientista

político, filósofo, estudioso da literatura] que seja especialista em África, em vez de um

perito em outra área geográfica?” (SLENES, 2009, p. 21-22). De acordo com Robert

Slenes (2009), a resposta unânime dada pelos autores da coletânea a tal pergunta foi que

os estudos africanistas marcaram profundamente a própria formação

teórica e metodológica de suas respectivas disciplinas no século XX (é o caso especialmente na antropologia), provocaram profundas

reinterpretações dentro delas (o caso particularmente na história, na

história da arte e nos estudos literários na segunda metade do século) ou prometiam fazer isso dentro em breve (na economia e na ciência

política) (SLENES, 2009, p. 22).

Steven Feierman (1993) teve um artigo publicado nessa coletânea, no qual

chama a atenção para o modo como as ciências humanas, de modo particular a História,

teceu a história de África. As narrativas usadas nessa tessitura criaram a cisão

dicotômica hierárquica entre Norte e Sul. Convencionou-se situar o Norte como

produtor de conhecimento e o Sul como produtor de “sabedorias” (FEIERMAN, 1993).

É evidente que essa perspectiva impactou e influenciou as produções historiográficas

sobre o continente africano.

Page 220: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

220

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Houve uma época em que os historiadores pensavam que certas

civilizações (aquelas ocidentais) apresentavam seus problemas

naturais, que alguns líderes políticos (Thomas Jefferson, Napoleão)

mereciam ser conhecidos, e que períodos e desenvolvimentos particulares (o Renascimento, o Iluminismo, o surgimento do Estado-

Nação) mereceriam nossa atenção. (FEIERMAN, 1993, p. 167)3.

Essa visão sugere que “outros lugares, outros povos, outros

desenvolvimentos culturais menos centrais para o curso da civilização ocidental não

contariam. Atualmente, tudo isto foi colocado em questão” (FEIERMAN, 1993, p.

167)4. Houve uma descentralização no campo da pesquisa na academia. O que foi antes

construído como história universal era na verdade apenas algo muito seletivo, local e

parcial (FEIERMAN, 1993). A partir daí os estudos africanos ganham destaque e força

dentro do universo acadêmico. Para Robert Slenes (2009) “desde aproximadamente os

anos de 1960 desmoronou-se boa parte do mundo que as ciências humanas haviam

construído” (SLENES, 2009, p. 19), e os historiadores foram levados a repensar os

alicerces nos quais a história da humanidade foi construída.

Esses historiadores se tornaram cientes de que seus próprios escritos,

seus modos de construção da narrativa, escondem alguns tipos de

conhecimento histórico mesmo quando eles apresentam outros, e que suas escolhas de temas e métodos é um produto de seu próprio tempo

e circunstâncias, não algo que brota inevitavelmente do progresso

impessoal da ciência histórica. (FEIERMAN, 1993, p. 168).5

Esse tempo e circunstância da qual fala Feierman (1993) leva a

problematizar outro aspecto da ciência histórica que deve ser considerada: o lugar

social de produção de conhecimento dos historiadores. De fato, Michel de Certeau

(1982) já convidava a comunidade de historiadores a refletirem sobre o lugar de

produção do conhecimento histórico. Esse lugar social da produção do conhecimento

3 Once upon a time historians used to know that certain civilizations (Western ones) were their natural

subject matter, that some political leaders (Thomas Jefferson, Napoleon, Charlemagne) were worth

knowing about, and that particular periods and developments (the Renaissance, the Age of

Engligtenment, the rise of the nation-state) were worthy of our attention. (FEIERMAN, 1993, p. 167). 4 Other places, other people, other cultural developments less central to the course of Western civilization

did not cout. Now all of that has come into question. (FEIERMAN, 1993, p. 167). 5 These choices have become acutely aware that their own writings, their ways of constructing a narrative,

conceal some kinds of historical knowledge even while they reveal others, and that their choice of subject

and method is a product of their own time and circumstances, not an inevitable outcome of the impersonal

progress of historical science. (FEIERMAN, 1993, p. 167).

Page 221: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

221

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

historiográfico possuiu por muito tempo uma singularidade ocidental (CERTEAU,

1982), gestado na/pela Europa e que tomou as experiências dos europeus como um

espelho e/ou modelo e as transformou em universais.

O conhecimento historiográfico é sempre centralizado, diz Certeau (1982)

em a Escrita da História. O “[...] historiador escreve [...] sendo ele próprio inserido em

um espaço e um tempo” (GINZBURG, 2008, p. 216). Essa escrita geralmente parte do

espaço e tempo europeu e impõe-se como universal. Assim, o Sul global foi sempre

pensado a partir do Norte. Ora, o conhecimento produzido na/a partir da Europa tem

sido posto como universal e aplicado a todas as outras realidades do mundo,

esquecendo-se que o mundo é plural e que diversas e singulares são as experiências dos

sujeitos.

A pluralidade, a diversidade e a singularidade de África e dos povos

africanos foram brutalmente violentadas pelas Ciências Humanas. África foi sempre

representada com narrativas que a exotizaram, quando não a inferiorizaram e a

desumanizaram. Friderick Hegel declarou que “a África não é um continente histórico;

ela não demonstra nem mudança nem desenvolvimento. Os povos negros são incapazes

de se desenvolver e de receber uma educação. Eles sempre foram tal como os vemos

hoje” (FAGE, 2010, p. 8). E um professor de História Moderna da Universidade de

Oxford, por exemplo, afirmou que “pode ser que, no futuro, haja uma história da África

para ser ensinada. No presente, porém, ela não existe; o que existe é a história dos

europeus na África. O resto são trevas… e as trevas não constituem tema de história”

(FAGE, 2010, p. 8-9).

O discurso de uma África que só existe a partir da Europa era

constantemente reafirmado pelo discurso científico do século XIX. Durante a missão

civilizadora de Portugal em terras africanas, Teixeira Botelho chega a dizer que “o

intelecto do negro é muito inferior e incapaz de compreender os horrores da servidão;

além disso a raça é propensa ao vício, à incúria e à inércia, e, abandonada a si própria,

em breve cairia na mais selvagem brutalidade” (BOTELHO, 1921, p. 160 apud

MENESES, 2010, p. 59). Na revista África Ilustrada, volume I, 1892-1893, comumente

Page 222: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

222

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

os discursos das ciências eram acionados para legitimar e impor a “inferioridade” dos

africanos, a não dignidade do uso de “humano” aos africanos

[aos negros] a precocidade, a mobilidade, a agudeza própria das

crianças não lhes faltam; mas essas qualidades infantis não se transformam em faculdades intelectuais superiores [...]. Há decerto, e

abundam documentos que nos mostram ser o negro um tipo

antropologicamente inferior, não raro do antropoide, e bem pouco digno do nome de homem. A transição de um para o outro manifesta-

se, como se sabe, em diversos caracteres; o aumento da capacidade da

cavidade cerebral, a diminuição inversamente relativa do crânio e da

face, a abertura do ângulo facial que daí deriva e a situação do orifício occipital. Em todos estes sinais os negros se encontram colocados

entre o homem e o antropoide (MENESES, 2010, p. 60).

Percebe-se os esforços das várias narrativas científicas do período colonial

em construir a identidade dos africanos como não pertencente à humanidade. Em A

evolução da historiografia em África, Fage (2010) apresenta uma genealogia da história

de África, destacando vários períodos históricos que foram desconsiderados pela

historiografia europeia.

Os primeiros trabalhos sobre a história da África são tão antigos

quanto o início da história escrita. [Os historiadores grego-romanos e os historiadores islâmicos medievais tinham uma visão limitada da

África tropical pela escassez de contatos que podiam estabelecer com

ela]. (FAGE, 2010, p. 1)

Mesmo os primeiros trabalhos sobre África já tendo uma longa datação, por

muito tempo reforçou-se a representação, no campo das ciências humanas, das culturas

africanas como igualitárias e estáticas, enquanto as “civilizações” europeias como

dinâmicas e superiores. Mas, entendendo que o mundo é epistemologicamente diverso

(SANTOS, 2010), por que as narrativas que tecem a História têm negligenciado e

obliterado a História da África?

A ideia de África foi construída na Europa e disseminada em todo o mundo.

De acordo com Anthony Kwame Appiah (1997), tal ideia teve como base a exploração

colonial sobre todo o continente africano. Appiah (1997), que propõe que se

problematize África na filosofia da cultura, defende que os africanos não pertencem a

uma “raça” comum, como impôs a perspectiva eurocêntrica. Dentro desse mesmo viés e

a partir da análise de teóricos africanos e afro-americanos, Appiah analisa como a

Page 223: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

223

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

“identidade africana” foi construída, e o quanto tais construções são “perigosas” e

violentas.

África é portadora de uma grande diversidade de povos e culturas,

“portanto, é errônea a percepção de uma África cristalizada em dezenas de povos e

centenas de ‘tribos’, com suas culturas específicas consolidadas” (PEREIRA, 2013, p.

15). É preciso rejeitar qualquer retrato homogeneizador, afinal, os africanos não têm

uma cultura, língua ou vocabulário religioso e conceitual em comum (APPIAH, 1997).

De fato, o processo da colonização em África não visava apenas colonizar as terras

africanas, mas, sobretudo, a colonização do saber. E o modelo de conhecimento imposto

foi então o eurocêntrico. Mas é bom lembrar que “o eurocentrismo não é

exclusivamente a perspectiva cognitiva dos europeus ou apenas dos dominantes do

capitalismo mundial, mas também do conjunto dos educados sob sua hegemonia”

(QUIJANO, 2009, p. 74-75).

Achille Mbembe (2001) muito corrobora nesse debate acerca da

constituição da identidade africana. Em As formas africanas de Auto-inscrição, o

teórico analisa e critica as diferentes formas com as quais se tentou construir e

representar a identidade africana a partir, basicamente, de um discurso nativista, por um

lado, e de outro, instrumentalista. Se, de um lado, Appiah adverte para o perigo da

construção da “identidade africana”, por outro, Mbembe “alerta para os perigos

advindos da busca irrefletida de uma alteridade africana sem o devido reconhecimento

das especificidades culturais, políticas e geográficas em África” (MBEMBE, 2001, p.

171).

Essa visão leva Mbembe afirma que

a história africana [...] é essencialmente governada por forças que

estão acima do controle dos africanos. Em última análise, considerava-se o africano como apenas um sujeito castrado, o passivo

instrumento de gozo do mundo. Sob tais condições, não poderia haver

uma visão mais radicalmente utópica que a sugestão de uma África

desconectada do mundo: o sonho louco de um mundo sem Outros (MBEMBE, 2001, p. 181).

Page 224: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

224

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

O “outro” africano foi construído basicamente a partir de três eventos

históricos: a escravidão, o colonialismo e o apartheid (MBEMBE, 2001). Apesar de

África não se reduzir a estes três eventos,

de acordo com a narrativa dominante, os três eventos citados

acarretaram a ausência de bens [...]. A isto se seguiu uma experiência

singular de sujeição, caracterizada pela falsificação da história da África pelo Outro, o que resultou em um estado de exterioridade

máxima (estranhamento) e de “desrazão”. A escravidão, a colonização

e o apartheid são considerados não só como tendo aprisionado o sujeito africano na humilhação, no desenraizamento e no sofrimento

indizível, mas também em uma zona de não-ser e de morte social

caracterizada pela negação da dignidade, pelo profundo dano psíquico

e pelos tormentos do exílio. (MBEMBE, 2001, p. 174).

É presente nesse debate a negação do “ser” e da humanidade dos povos

africanos. Essa visão se reflete fortemente na educação básica no Brasil. No caso

brasileiro, Anderson Ribeiro Oliva (2003; 2004) questiona o que sabemos sobre África,

o que a historiografia produziu sobre os africanos e como a História de África tem sido

abordada nos bancos escolares. Oliva denuncia que há cerca de 50 anos, “África

transitava no esquecimento daqueles que têm por ofício lembrar o que todos

esqueceram: os historiadores” (OLIVA, 2004, p. 10).

Ao que tudo indica, os silêncios sobre África no Brasil começaram a ser

quebrados, sobretudo, a partir da formação dos núcleos de pesquisas em História da

África no Brasil, do crescimento do número de publicações internacionais sobre a

História do continente africano, da atuação dos movimentos negros, da aprovação da

Lei 10639/03 e da obrigatoriedade de se estudar África nos cursos de graduações

(OLIVA, 2003).

Ainda no caso brasileiro, Valdemir Zamparoni (2007) questiona qual

referência cultural que temos de África e dos africanos no Brasil? Qual a imagem de

África e dos africanos que circulam em nossos meios midiáticos e acadêmicos e que

ajudam a formar nossa identidade?

A resposta é que o que ainda hoje predomina é a de uma África

exótica, terra selvagem, como selvagem seriam os animais e pessoas

que nela habitam: miseráveis, desumanos, que se destroem em sucessivas guerras fratricidas, seres irracionais em meio aos quais

Page 225: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

225

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

assolam doenças desvastadoras. Enfim, desumana. Em outra vertente

o continente é reduzido a uma cidade, nem mesmo um país. O termo

África passa, nesses discursos, a servir para referenciar um lugar

qualquer exótico e homogêneo (ZAMPARONI, 2007, p. 46).

E Zamparoni (2007) acrescenta ainda que

essas imagens não são aleatórias. Foram gestadas na Europa ao longo de séculos e tomaram corpo no Brasil. Recentes estudos mostraram

que [...] os homens da ciência, particularmente médicos, participaram

ativamente da discussão e produção de conhecimento no âmbito do racismo científico (ZAMPARONI, 2007, p. 46).

Sem dúvidas, as representações de África “inferior” à Europa foram sendo

moldadas ao longo de séculos. No XVIII, por exemplo, “[...] a principal tendência da

cultura europeia começava a considerar de forma cada vez mais desfavorável as

sociedades não-europeias e a declarar que elas não possuíam uma história digna de ser

estudada” (FAGE, 2010, p. 7). Nessa época, o consenso entre os ditos intelectuais

europeus era de que “[...] os objetivos, os conhecimentos, o poder e a riqueza de sua

sociedade eram tão preponderantes que a civilização europeia deveria prevalecer sobre

todas as demais” (FAGE, 2010, p. 8). Ora, seguindo essa lógica, seria evidente que a

Europa inscrevesse sua história como portadora de todo o conhecimento, em

contrapartida, as sociedades não europeias não teriam história digna para ser contada ou

mesmo inscrita.

Mas, se como coloca Boubo Hama e Joseph Ki-Zerbo (2010, p. 23), “o

homem é um animal histórico” – e o africano é pois um homem – então ele não escapa a

essa definição. E “como em toda parte, ele faz sua história e tem uma concepção dessa

história” (HAMA, KI-ZERBO, 2010, p. 23), embora tenha sido silenciada por muito

tempo no âmbito da “Historiografia Oficial” europeia. Mas o fato de ser silenciada não

significa que ela não exista. O silenciamento pode ser compreendido como mais um dos

mecanismos acionados pelo eurocentrismo para reforçar a identidade de “superioridade”

da Europa, para pensar o mundo em termos hierárquicos e dicotômicos ou mesmo para

confinar África ao mundo do esquecimento.

Apesar das várias tentativas de silenciamento e da negação da condição de

humanidade a África, “os africanos têm consciência de serem os agentes de sua própria

Page 226: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

226

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

história” (HAMA, KI-ZERBO, 2010, p. 23), mesmo isso sendo impugnado pelos

escritos históricos, que negam a própria concepção de História e Tempo africano.

Analisando o lugar da história nas sociedades africanas, Hama e Ki-Zerbo (2010)

afirmam que o tempo em África é mítico e social, e a história como vida, é sempre

engendrada na prática. E tal enfoque mítico não deslegitima o caráter de cientificidade e

veracidade da História ou do tempo africano, muito pelo contrário, afinal, “toda história

é originalmente uma história sagrada” (HAMA, KI-ZERBO, 2010, p. 28).

Na perspectiva de uma história sagrada, assume grande importância a

tradição oral em África. Ela é apontada como “o único caminho para penetrar a história

e o espírito dos povos africanos” (BÃ, 2010, p. 167). De acordo com Hampaté Bã

(2010, p. 169), “a tradição oral [no contexto africano] baseia-se em uma certa

concepção do homem, do seu lugar e do seu papel no seio do universo”. E isso deve ser

levado em consideração pela história, pelas ciências humanas.

Ora, a partir da prerrogativa de que o mundo é diverso e pluricultural, é

preciso que se considere nas abordagens das ciências humanas os saberes que circulam

o mundo, que se promova o diálogo entre as epistemologias do Norte e do Sul global,

sem necessariamente hierarquizá-las ou dicotomizá-las. Dentro desse mesmo viés,

Boaventura de Sousa Santos (2010) diz ser urgente a necessidade de se criar um mapa

emancipatório como um meio de imaginar e viver novas e diferentes possibilidades na

produção do conhecimento e nas experiências sociais dos sujeitos. As narrativas das

ciências humanas negligenciaram por muito tempo o lugar de África na história da

humanidade, acarretando em uma série de desigualdades sociais que perduram ainda

hoje.

O modo como a História da África foi gestada e apropriada pelas ciências

humanas, e mesmo pela ciência histórica, construíram os africanos como os “últimos

outros” humanos. As representações produzidas sobre África pela História tiveram

impacto muito mais forte na própria construção do conhecimento e da identidade do

“ser africano”. As narrativas ocidentais que representaram os africanos os inseriram

como sendo os últimos “outros” desumanos, além de reduzi-los a corpo, natureza e

sexualidade.

Page 227: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

227

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A historiografia tem privilegiado largamente as narrativas dos sujeitos do

Norte do globo e acionado o discurso de alteridade para representar o africano como “o

outro” não humano. Isso porque a História da África foi gestada e apropriada pelo

ocidente e impactou diretamente as representações sobre os africanos. Os europeus

construíram uma identidade superior de si e a História tive grande peso nessa

construção. O discurso da ciência histórica foi um dos responsáveis por fundamentar e

legitimar a “superioridade” da Europa e por narrar os africanos como os “últimos

outros”. Como diz Maria Paula Meneses, “o peso das representações coloniais sobre

África marcou e marca ainda o imaginário de muitos sobre o continente”.

Nesse sentido, é urgente, e necessário, a problematização de que tipo de

conhecimento histórico está sendo produzido e quais suas finalidades. É preciso se

romper com a vertente que tende a pensar o mundo e os sujeitos numa perspectiva

“unilateral”. É necessário, “desvendar novas formas de pensar o conhecimento, gerando

novas formas de acomodar a diversidade do saber da humanidade” (MENESES, 2009,

p. 208). É mister o deslocamento e descolonização do saber, possibilitando assim o

diálogo entre o mosaico de experiências humanas oriundos também das experiências e

narrativas de sujeitos do sul global.

REFERÊNCIAS

Bibliografias

APPIAH, Kwame Anthony. A invenção da África. In.: Na casa de meu pais: a África

na filosofia da cultura. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

BLOCH, Marc. Apologia da História: ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro:

Zahar, 2001.

CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Florense Universitária,

1982.

Page 228: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

228

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

FAGE, J. D. A evolução da historiografia da África. In: KI-ZERBO, J. História Geral

da África I: Metodologia e pré-história da África. 2. Ed. Brasília: UNESCO, 2010, p.

1-22.

FEIERMAN, Steven. African Histories and the dissolution of World histories. In.:

BATES, R.; MUDIMBE, V.Y.; O´BARR, Jean. Africa and the Disciplines. The

contribution of research in Africa to the social sciences and humanities, Chicago: The

University of Chicago Press, 1993, p. 167-212.

GINZBURG, Carlo. O extermínio dos judeus e o princípio da realidade. In.:

MALERBA, Jurandir (org). A história escrita: teoria e história da historiografia. São

Paulo: Contexto, 2008, p. 211-232.

HAMA,Boubo; KI-ZERBO, Joseph. Lugar da história na sociedade africana. In: KI-

ZERBO, J. História Geral da África I: Metodologia e pré-história da África. 2. Ed.

Brasília: UNESCO, 2010, p. 23-35.

MBEMBE, Achille. As formas africanas de Auto-inscrição. Estudos Afro-Asiáticos,

ano 23, n. 1, 2001.

MELO, Aldina da Silva. Dançando com os Zulus: representações de gênero em

Kwazulu-Natal, África do Sul. 2014. 91 f. Trabalho de Conclusão de Curso

(Monografia) – Ciências Humanas – Sociologia, Universidade Federal do Maranhão –

Campus de Bacabal, Bacabal, 2014.

MENESES, Maria Paula Guttierrez. Os espaços criados pelas palavras: racismo,

etnicidades e o encontro colonial. In.: GOMES, Nilma Lino (Org.). Um olhar além das

fronteiras: educação e relações raciais. Belo Horizonte: Autêntica, 2010, p. 55-76.

______. Corpos de Violência, Linguagens de Resistência: as complexas teias de

conhecimento no Moçambique contemporâneo. In.: SANTOS, Boaventura de Sousa;

MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2009, p.

177-214.

OLIVA, Anderson Ribeiro. A História da África nos bancos escolares:

Representações e imprecisões na literatura didática. Estudos Afro-asiáticos, 2003, v. 25,

n. 3, p.421-461.

______ . A história da África em perspectiva. In.: Revista Múltipla, Brasília, ano 9, v.

10, n. 16, jun. 2004.

PEREIRA, Analúcia Danilevicz. África pré-colonial: ambiente, povos e culturas.

História da África e dos Africanos. Petrópolis: Vozes, 2013, p. 15-55.

Page 229: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

229

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Pimenta, Carlos; Kajibanga,Victor. Epistemologia dos Estudos Africanos. Disponível

em <<http://www.fep.up.pt/docentes/cpimenta/textos/pdf/EEA_V2.pdf>> Acesso em

05 de dez. de 2015.

QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder e classificação social. In.: SANTOS,

Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do Sul. São

Paulo: Cortez, 2009, p. 73-118.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento Abissal: das linhas globais a

uma ecologia de saberes. In.: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula

(Orgs.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2009, p. 21-72.

SLENES, Robert W. A importância da África para as Ciências Humanas. Respostas ao

racismo: produção acadêmica e compromisso político em tempos de ações afirmativas.

Campinas: UNICAMP, 2009, p. 19-32.

ZAMPARONI, Valdemir. África e os estudos africanos no Brasil: passado e futuro.

Multiculturalismo, 2007, p. 46-49.

Entrevista

SANTOS, Boaventura de Sousa. Entrevista cedida a Roger Dale e Susan Robertson. In.:

GOMES, Nilma Lino (Org.). Um olhar além das fronteiras: educação e relações

raciais. Belo Horizonte: Autêntica, 2010, p. 15-30.

Page 230: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

COMITÊ DE DEFESA DA ILHA DE SÃO LUÍS: UMA PROPOSTA DE

MATERIAL PEDAGÓGICO

Ana Raquel Alves de Araújo*

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo expor a proposta de um material

pedagógico que aborde a trajetória do Comitê de Defesa da Ilha de São Luís, do ano do

seu surgimento, em 1980, até 1984. Criado como resposta ao projeto de instalação de

uma fábrica de alumínio norte-americana chamada ALCOA (Aluminium Company of

American), esse movimento ecológico, considerado pioneiro no estado, organizou um

conjunto de ações para impedir a consolidação do empreendimento, mas que acabou

sendo inaugurado em agosto de 1984. Compreende-se que o tema sobre o Comitê se

constitui numa oportunidade para abordar o conceito de sujeito histórico, permitindo

indagar qual o lugar que os grupos organizados ocupam na trama da história e, ao

mesmo tempo, problematizar a questão ambiental emergente no Maranhão na década de

1980.

Como orientação para propor esse material, foram analisados os Parâmetros

Curriculares Nacionais de História, publicados em 1998, e os Parâmetros Curriculares

Nacionais – Temas Transversais – Meio Ambiente, lançado no ano anterior. Esses

documentos serviram de justificativa e de iniciação, no caso da questão ecológica, para

aprofundamento posterior sobre essa temática. Em seguida são abordados os

fundamentos teóricos da educação ambiental. O objetivo é, a partir dos seus

pressupostos, balizar o trabalho com a questão ecológica nas disciplinas escolas, tanto

para uma abordagem de forma isolada ou conjunta.

Também é discutido o ensino de história na perspectiva de abordar a relação

sociedade-natureza que tradicionalmente esteve ausente dos temas desse componente

curricular. A ideia é esclarecer como a temática do meio ambiente, por meio da

trajetória do Comitê de Defesa da Ilha de São Luís, pode se inserir no ensino de história

a partir da interdependência de vários elementos da realidade. Por último, serão

* Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História, Ensino e Narrativas – PPGHEN/UEMA.

Bolsista FAPEMA.

Page 231: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

231

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

apresentados os eixos centrais da proposta do material pedagógico que estruturarão a

construção posterior do texto para o material.

2. QUESTÃO ECOLÓGICA, EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ENSINO DE

HISTÓRIA

Foram analisados os Parâmetros Curriculares Nacionais: História (1998),

documento publicado pelo Ministério da Educação, e voltado para o ensino

fundamental, procurando primeiramente contemplar o conceito de sujeitos históricos.

Um dos objetivos expressos no documento a ser alcançado pelos alunos é “questionar

sua realidade, identificando problemas e possíveis soluções, conhecendo formas

político-institucionais e organizações da sociedade civil que possibilitem modos de

atuação” (BRASIL, 1998, p. 43).

Com base nesse objetivo, a atuação do Comitê de Defesa da Ilha de São

Luís se constitui em exemplo de como sujeitos históricos coletivos se organizaram

fazendo oposição às formas político-institucionais nas décadas de 1970 e 1980, e que

apresentou significado relevante e de conteúdo novo para a história brasileira. Maria da

Glória Gohn considera esses anos os mais ricos da história do país em relação aos

movimentos sociais, que naquele momento, articulavam-se como forma de

enfrentamento ao regime Empresarial Militar1, e, concomitantemente, elaboraram

propostas para a mudança social (GOHN, 2013, p. 113-114 e 125).

Nas palavras de Maria da Glória Gohn,

o surgimento de inúmeros movimentos sociais em todo território

nacional, abrangendo diversas e diferentes temáticas e problemáticas,

como das mulheres, negros, crianças, meio ambiente, saúde,

1 O termo empresarial militar é referente às elaborações de René Dreifuss em sua obra 1964: A conquista

do Estado, em que defende que a sociedade civil participou de maneira preponderante na organização do

golpe militar. Os civis, a que o autor se refere, se reuniram no complexo IPES/IBAD. Após o golpe

chegaram a ocupar cargos na burocracia estatal. Demian Bezerra de Melo corrobora com esse

entendimento em artigo intitulado A miséria da historiografia: uma crítica ao revisionismo

contemporâneo, em que o autor aponta que o golpe foi arquitetado com o apoio de civis, especificamente

a classe burguesa e empresarial, articulados no IPES. Essa instituição foi criada no início do governo de

João Goulart, e foi responsável pela campanha de desestabilização desse governo e pelo golpe de Estado.

O IPES também chegou a planejar um projeto de poder que se consolidou durante todo o período

ditatorial.

Page 232: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

232

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

transportes, moradia, estudantes, idosos, aposentados, desempregados,

ambulantes, escolas, creches etc., todos, em seu conjunto, revelaram a

face de sujeitos até então ocultos ou com as vozes sufocadas nas

últimas décadas (GOHN, 2013, p. 126).

Esses sujeitos ocultos estavam apartados do âmbito político de forma, que

impedia qualquer debate sobre as decisões estatais. E no caso do Comitê, os sujeitos

expressavam a insatisfação com o modo de operação das políticas de desenvolvimento

no Maranhão realizadas de maneira escusa e, obviamente, autoritária, excluindo

ocasiões de debate com a sociedade civil. Disso é possível entender o surgimento desse

movimento, que ocorreu de maneira contingencial, por não se formar a partir de uma

teoria ecológica em que seus participantes se considerassem ecologistas/ambientalistas.

Mas se constituiu como um movimento de denúncia, que mobilizou a sociedade

maranhense para fazer frente às ações tanto do governo como da ALCOA.

A atuação do Comitê também é entendida como ações de educação

ambiental, só que realizada por meios informais, visto que promovia palestras,

caminhadas, distribuía panfletos, realizava atos públicos, e até mesmo o lançou de um

livro, colocando em pauta temas como lixo químico, acúmulo de poluição, ecologia de

forma geral, além de questões relacionadas aos trâmites de instalação da fábrica de

alumínio, como as denúncias de corrupção e privilégios dados à multinacional.

A trajetória dessas ações coletivas em defesa da ilha maranhense foi

percebida como uma oportunidade para introduzir a temática da questão ambiental no

componente curricular de história sobretudo porque a relação sociedade-natureza não

chega a se constituir, tradicionalmente, em tema da disciplina. Por isso buscou-se nos

PCN – História as sugestões de conteúdos que estivessem articulados, ao mesmo tempo,

com o tema do meio ambiente e com ações sociais da sociedade civil. Foram elencados

dois de maior aproximação com o objetivo aqui proposto: “1) As lutas e as conquistas

políticas travadas por indivíduos, classes e movimentos sociais; 2) A relação entre o

homem e a natureza” (BRASIL, 1998, p. 48).

Dos PCN história passou-se a analisar os Parâmetros Curriculares

Nacionais – Temas Transversais – Meio Ambiente, publicado em 1997. A construção

Page 233: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

233

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

argumentativa desses PCN está elaborada a partir de uma abordagem sistêmica da

questão ambiental, contra a concepção de conhecimento fragmentado, na qual a escola

se baseia para estabelecer as disciplinas. Os PCN Meio Ambiente defendem que

a complexidade da natureza exige uma abordagem sistêmica para seu

estudo, isto é, um trabalho de síntese, com os diversos componentes

vistos como um todo, partes de um sistema maior, bem como em suas correlações e interações com os demais componentes e seus aspectos

(BRASIL, 2001, p. 22).

A partir de uma visão holística, capaz de apreender a complexidade dos

problemas ambientais, os PCN Meio Ambiente direcionam a discussão para um embate

sobre a natureza da crise que a humanidade vive atualmente: crise ambiental ou crise

civilizatória? O questionamento da crise atual que ameaça toda a humanidade levou os

estudiosos a perceberem que a origem da crise está no modelo de desenvolvimento.

É o físico Fritjof Capra (2006) que oferece uma explanação convincente

sobre as limitações da visão de mundo mecanicista da ciência cartesiana-newtoniana

que embasaram a formulação do modelo de desenvolvimento da contemporaneidade.

Segundo Capra, essa visão é obsoleta, e é incapaz de resolver os problemas atuais, e

propõe uma visão ecológica, em que os fenômenos biológicos, psicológicos, sociais e

ambientais sejam percebidos como interdependentes. Na sua proposta está explícita a

promoção de uma nova ciência, que seja capaz de assimilar mentalmente a realidade na

sua complexidade.

Marcos Reigota corrobora com Capra ao sugerir o rompimento definitivo

com a velha ciência, carregada de autoridade, de “validação” de discurso, propondo

uma prática pedagógica consciente da questão ecológica, que considere a “importância

dos sentidos e da subjetividade nas atividades científicas e cotidianas com a natureza,

abandonando o paradigma racionalista de ciência e de exploração dos recursos naturais”

(REIGOTA, 2004, p. 19).

Com base na concepção de ciência que as pesquisas no campo da física

contemporânea ofereceram, a questão ambiental é concebida, primeiro, como um

problema sistêmico, que engloba a totalidade do planeta em que as partes estão inter-

Page 234: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

234

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

relacionadas e só podem ser entendidas como um processo dinâmico. E segundo,

tomando o ser humano como parte desse todo que influencia e é influenciado pelo meio.

Essa natureza holística do problema ecológico é o maior obstáculo para a sua resolução,

já que envolve a totalidade a partir de dois vieses: o do espaço geográfico da Terra e da

vida de mulheres e homens (CAPRA, 2006; REIGOTA, 2004, p. 18).

As conferências internacionais que abordaram a temática ecológica, a partir

dos anos 1970, como a Conferência de Estocolmo (1972) e a Conferência de Tbilisi

(1977) resultaram na formulação da educação ambiental como estratégia de vencer esse

obstáculo. A primeira compreendeu como necessária uma consciência ambiental, e a

segunda marcou a institucionalização da educação ambiental, chegando a resultar no

documento publicado pela UNESCO: A Educação Ambiental: as grandes orientações

da Conferência de Tbilisi, lançando seus pressupostos fundamentais: 1) a aquisição de

novos conhecimentos e valores; 2) novos padrões de conduta; 3) a interdependência. E

com a proposta de que estes devem ser trabalhados a partir de um enfoque

interdisciplinar e sistêmico (RAMOS, 2001, p. 205).

A proposta de uma prática pedagógica da educação ambiental implica,

inicialmente, o trabalho com a concepção de meio ambiente, e como o ser humano se

relaciona com seu entorno. Com base na visão holística, o meio ambiente compreende o

que circunda o ser humano, independente de se tratar de algo natural ou produzido

socialmente. Assim, meio ambiente é mais que os elementos naturais.

De acordo com Elisabeth Ramos,

o meio ambiente é um conceito chave para o debate das questões ambientais, pois envolve questões de poder, tanto no universo

econômico quanto ideológico. Não pode ser visto isoladamente, e tão

pouco ser reduzido à sua dimensão biofísica, ou ser tratado segundo os parâmetros da tradição científica e filosófica hegemônica,

reproduzindo a dicotomia cartesiana entre o homem e a natureza. Em

outras palavras, o meio ambiente não se refere apenas aos aspectos naturais de um lugar, tais como o ar, o solo, a água, a fauna e a flora,

mas pressupõe o ser humano e o produto de suas ações. Ao maximizar

os efeitos naturais, ao não considerar as repercussões sociais das

relações do ser humano com seu ambiente, e ao não problematizar essas relações, reduz-se os problemas ambientais aos problemas de

poluição e de destruição da flora e da fauna. Onde e como fica o social

e o político? (RAMOS, 2001, p. 212).

Page 235: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

235

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Ramos sugere que a principal problemática que se coloca como obstáculo da

educação ambiental para que se concretize os seus objetivos é o paradigma da

fragmentação, no qual está baseado o conhecimento científico, que no século XX

consolidou a divisão das ciências, em naturais e humanas, e que ainda é hegemônico.

Porém, a concepção de meio ambiente também se constitui em uma

problemática porque ainda não é um termo bem definido tanto na comunidade científica

como no senso comum. Marcos Reigota oferece várias definições de especialistas e

também de professores, coletadas com uma turma de pós-graduação, para demonstrar a

variedade de entendimento (REIGOTA, 2004, p. 12-14 e 70-71). Conclui que, por

apresentar um caráter difuso e variado, e por não haver um consenso entre os cientistas,

meio ambiente é uma representação social, ou seja, um “senso comum que se tem sobre

um determinado tema, onde se incluem também os preconceitos, ideologias e

características específicas das atividades cotidianas (sociais e profissionais) das

pessoas” (REIGOTA, 2004, p. 12).

Dentre as várias definições colhidas por Reigota, o autor cria uma definição

que, segundo ele, pode orientar os interessados na aplicação da educação ambiental:

Meio ambiente é

o lugar determinado ou percebido, onde os elementos naturais e

sociais estão em relações dinâmicas e em interação. Essas relações

implicam processos de criação cultural e tecnológica e processos históricos e sociais de transformação do meio natural e construído

(REIGOTA, 2004, p. 14).

Nessa definição, o autor confirma as bases da filosofia da ciência defendidas

por Capra que apontam, com base nos fundamentos da física contemporânea, a

concepção de equilíbrio dinâmico para o entendimento de que o meio ambiente está em

constante transformação e, que se constitui tanto nos elementos provenientes da

natureza como nos que são criados pelos seres humanos.

A educação ambiental se inicia com o questionamento das concepções

dominantes sobre o meio ambiente que excluem os fatores sociais e políticos da questão

ecológica, e que muitas vezes a colocam como uma questão de atitude individual,

Page 236: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

236

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

perdendo a multiplicidade de aspectos. Por isso ramos defende que a problematização

deve ser ampliada para as consequências e resultados da base material de produção da

sociedade, observando seu princípio de desigualdade, que interfere de forma desigual

sobre os seres humanos e sua relação com a natureza (RAMOS, 2001, p. 215).

O questionamento sobre a base material de produção da humanidade

implica na condução de uma educação política porque não é neutra e não é inofensiva

quanto ao desnudamento da realidade para os alunos ao abordar o princípio de

desigualdade. O que se realiza é uma tentativa de desenvolver uma compreensão sobre a

gestão do meio ambiente, a atuação dos Estados e do mercado, em especial, das

multinacionais, e dos padrões modernos de produção e de consumo.

Isso é complementado pela ressalva de Pelegrini e Vlach, ao afirmarem que

o tratamento da questão ambiental trará resultados pífios se

permanecer restrito ao discurso pedagógico e desconsiderar a luta

política e ideológica que vem sendo travada, no mais das vezes, por motivos econômicos e estratégicos, segundo interesses de corporações

e Estados hegemônicos, em nível planetário (PELEGRINI e VLACH,

2011, p. 188).

O que as autoras abordam é a ação da educação ambiental a partir da

exigência de uma luta política. É o mesmo que Reigota defende: uma educação

ambiental enquanto educação política, em que as propostas se aproximem da conquista

da autonomia da sociedade civil, e da construção de uma sociedade mais justa. Para isso

é necessário a problematização da condução autoritária das sociedades, onde o poder

político é exercido para o benefício dos grandes grupos econômicos (PELEGRINI e

VLACH, 2011, p. 189; REIGOTA, 2004, p. 22).

De acordo com essa perspectiva, é possível perceber porque a configuração

política mundial se constituiu em um desajuste ambiental entre países ricos e pobres,

tornando a temática ambiental variada, pois o uso dos recursos naturais difere

dependendo da condição econômica do país.

As sociedades pobres e tradicionais prejudicam o meio ambiente local

de muitas maneiras, e vão prejudicá-lo ainda mais quando tiverem o dobro ou o triplo da população; mas, são os países industrializados

que estão causando os problemas ambientais globais mais graves

Page 237: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

237

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

como o efeito estufa, o buraco na camada de ozônio, o esgotamento

dos recursos naturais não-renováveis e a acumulação de lixo tóxico.

(MARTINE, 1996, p.13 apud PELEGRINI e VLACH, 2011, p. 190).

Assim, uma regulação mundial deve considerar essas diferenças, que vão

além do tratamento dos recursos humanos, mas também é reflexo da dinâmica

econômica com trocas desiguais entre os países, e a sujeição dos países pobres às taxas

abusivas dos juros dos empréstimos do FMI (Fundo Monetário Internacional) e da

OMC (Organização Mundial do Comércio), que só reforçam a tendência à pobreza, que

leva ao desrespeito aos direitos humanos e aos direitos de autonomia dos povos

(PELEGRINI e VLACH, 2011, p. 190).

É interessante pontuar o caso do Brasil, país pobre, que mergulhou em uma

dívida externa exorbitante no início da década de 1980. O governo, ainda ditatorial

naquele período, implementava uma política de favorecimento dos investimentos com a

concessão de benefícios às indústrias que quisessem se instalar no país. Foi o que

ocorreu com a fábrica norte-americana ALCOA que se instalou no Maranhão nesse

período. Considerada uma “indústria suja”, foi rejeitada na Austrália, mas recebeu aval

e privilégios fiscais e de infraestrutura do governo para que se instalasse no Brasil.

Nesse episódio é possível vislumbrar a complexidade que a questão

ecológica suscita, como a gestão econômica e o modelo de desenvolvimento

promovidos pelo governo, a atuação das multinacionais nos países pobres e a condução

autoritária na decisão sobre a implantação desse empreendimento. Disso, se compreende

a necessidade do enfoque holístico e do esforço para apreender a complexidade das

relações entre os elementos da realidade.

Os temas citados acima já estão presentes em alguns conteúdos tradicionais

do ensino de história. Dessa forma, a inserção da educação ambiental vai promover a

conexão entre esses temas e o lugar da natureza no viver social. O objetivo principal é

discutir as mudanças das relações sociedade-natureza ao longo do tempo, e como

assumiram um novo ritmo após a revolução industrial, a partir do século XVIII, em que

os recursos naturais passaram a ser explorados em uma escala cada vez mais

Page 238: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

238

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

destruidora, e o consumo ganhou uma proporção que, se não realizada uma intervenção,

o planeta não se sustentará.

Para Ely Bergo de Carvalho (2012), a constituição do ensino de história é

resultado da representação disjuntiva de natureza e cultura, que excluiu desse

componente curricular os temas “naturais”. Circe Bittencourt (2003) e Carvalho

propõem que a inserção da temática do meio ambiente natural em história perpassa a

contribuição da historiografia com o que denominou-se chamar de história ambiental.

Mas diante da escassez de produções com esse foco, os autores coadunam a ideia de que

“fazer educação ambiental no ensino de história não se reduz a transmitir o saber

produzido alhures” (CARVALHO, 2012, p. 113). Na ausência de trabalhos de história

ambiental, Bittencourt sugere a realização de estudos do meio, aproveitando para

relacionar história local e história mundial, como oportunidade de discutir a

complexidade da questão ambiental.

Outro ponto a ser discutido na inserção da educação ambiental na sala de

aula é a totalidade, que pressupõe a supressão das barreiras entre as áreas de estudo. Isso

significa fazer uso da interdisciplinaridade. Há um entendimento comum de que, por

essa perspectiva, as disciplinas escolares deveriam ser extintas. Mas Circe Bittencourt

(2011) pontua que para existir interdisciplinaridade, é preciso além das disciplinas, que

estas “estabeleçam vínculos epistemológicos entre si, e a criação de uma abordagem

comum em torno de um mesmo objeto de conhecimento” (BITTENCOURT, 2011, p.

256).

Ainda é Bittencourt que destaca que, paradoxalmente, o trabalho

interdisciplinar exige do professor o aprofundamento do seu campo de trabalho, com o

bom entendimento dos conceitos, para que possa realizar a melhor seleção dos

conteúdos. Deixando para a parte metodológica o trabalho conjunto dos professores, em

que deverão decidir os caminhos da atividade a ser desenvolvida (BITTENCOURT,

2011, p. 256).

Page 239: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

239

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

José Alves de Freitas Neto, ao abordar a transversalidade, salienta que os

temas transversais propostos pela legislação brasileira2, aí incluso o Meio Ambiente,

devem estar associados à realidade de cada escola para balizar a reflexão dos conteúdos

a serem ensinados em sala de aula. É uma proposta para superar a visão conteudista ao

focar nos temas do cotidiano dos alunos, na compreensão da realidade em que eles

vivem, e, consequentemente, sugerir uma mudança na prática escolar (FREITAS

NETO, 2003, p. 62-65).

Por isso essa também é a perspectiva da educação ambiental, bem explicada

por Ramos:

A educação ambiental é antes de tudo uma questão da educação geral, portanto, não pode ser apresentada apenas como uma nova

estratégia de ensino sem que sejam questionados os fundamentos, os

princípios epistemológicos e conceituais sobre os quais a educação da sociedade atual se desenvolve. A visualização desta perspectiva não

permite, pois, a ingenuidade de se defender, quer a escola como

simples lugar de transmissão de conhecimentos, quer a escola

transformadora da sociedade com o apelo sentimental de salvadora dos problemas, no caso, os problemas ambientais (RAMOS, 2001, p.

216).

A formulação da educação ambiental foi pensada para romper

definitivamente com a velha ciência e propor uma prática pedagógica consciente da

questão ecológica inserida na realidade do aluno. Assim, a proposta de um material

pedagógico, pode auxiliar o professor nessa tarefa. A abordagem sobre o Comitê de

Defesa da Ilha de São Luís, que foi um movimento ecológico maranhense, surgido a

partir de uma questão local gerada por fatores ligados à conjuntura política e econômica

nacional, e às modificações no capitalismo mundial, pode oferecer subsídios para

refletir sobre as influências na vida dos moradores da ilha, como o fornecimento de

água e energia à ALCOA, enquanto bairros da capital sofriam problemas com a falta de

água e a energia elétrica chegava ao consumidor final a preços exorbitantes.

2 Aqui interessa que o tema Meio Ambiente, juntamente com Saúde, é uma das propostas de Temas

Transversais lançadas pelo Ministério da Educação do Brasil, além dele tem foram propostos Ética,

Pluralidade Cultural, Orientação Sexual e por último, Consumo e Trabalho.

Page 240: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

240

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Todas essas questões podem ser trabalhadas as relacionando com os temas

já tradicionais do ensino de história. O objetivo principal é fazer com que os alunos

percebam as interligações e, obviamente, a totalidade da questão que a “simples”

instalação de uma fábrica de alumínio pode suscitar. Aproveitando para, a partir de um

único objeto histórico, introduzir problematizações do cotidiano dos alunos.

3. A PROPOSTA

Propõe-se a produção de livro físico paradidático, voltado para o público do

ensino fundamental maior, que possa ser utilizado pelo professor, mas também possa

ser manuseado pelo aluno sem a mediação do docente. O livro será construído em torno

de três questões para nortear a construção da narrativa.

1) O que foi o Comitê de Defesa da Ilha de São Luís?

Nesse eixo será abordado a apresentação do tema, a sua relevância histórica

em relação à defesa do meio ambiente, e também o engajamento político da sociedade

maranhense. Será trabalhado, principalmente, o conceito de sujeitos históricos colet ivos.

A perspectiva é mostrar que indivíduos se organizaram em torno da causa ambiental na

tentativa de defender o meio ambiente da ilha de São Luís, questionando o governo, e

exigindo a participação da população na decisão sobre o empreendimento em um

contexto de Transição política.

2) Por que a ilha de São Luís precisava ser defendida?

Compreende as relações entre o local e o mundial, a partir da noção do que

é uma empresa multinacional (ou transnacional), do porquê da ALCOA decidir se

instalar em um país periférico como o Brasil, seguido dos motivos para a escolha da ilha

de São Luís e das facilitações oferecidas pelo governo brasileiro, na época ditatorial.

Para isso será necessário a explanação sobre as modificações do capitalismo no século

XX, em especial, a partir da sua segunda metade, e o que isso significava para os países

pobres, como era o caso brasileiro, e como o governo empresarial militar promovia a

constituição de uma economia favorável aos grandes grupos econômicos.

3) Como o Comitê defendeu a ilha de São Luís?

Page 241: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

241

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Por último, pretende-se abordar as estratégias de ação do Comitê, suas

conquistas e seus fracassos, concluindo com o significado da sua trajetória, entre os

anos de 1980 e 1984, para a história do Maranhão. Assim, a partir desse material, a

intenção é oferecer subsídios para um trabalho com o tema do meio ambiente no ensino

de história, de maneira holística e política, pois questionadora do modelo de

desenvolvimento imposto à sociedade maranhense.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sugestão descrita nesta proposta se constitui na primeira experiência na

produção de um material pedagógico, e ainda não passou pelas etapas da diagramação.

Mas este artigo se propôs a abordar a etapa inicial de formulação de um tema profícuo

para a sala de aula, em especial, para as aulas de história.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de História e do Meio Ambiente

ofereceram direcionamentos para a construção desta proposta ao apontar as

problematizações que o tema possibilitava, podendo avançar na produção de um

material suficientemente rico nos caminhos a serem tomados pelo professor ao fazer o

seu uso. O professor é mencionado porque será ele que decidirá como utilizar esse

material, traçando os objetivos, as etapas e os métodos a serem trilhados, e os resultados

a serem alcançados, de acordo com sua sala de aula e com as condições da instituição de

ensino em que trabalha. Pode ainda se juntar a professores de outras áreas para

promoverem um projeto interdisciplinar. O importante é refletir sobre o que exatamente

se pretende com esse tema em sala de aula e como alcançar os objetivos a partir da

utilização do material paradidático.

REFERÊNCIAS

BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo:

Cortez, 2011.

______. Meio ambiente e ensino de história. História & Ensino, Londrina, v. 9, p. 37-

62, out. 2003.

Page 242: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

242

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros

curriculares nacionais: história. Brasília: MEC / SEF, 1998.

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros

curriculares nacionais: meio ambiente: saúde. Brasília: MEC / SEF, 2001.

CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 2006.

CARVALHO, Ely Bergo de. “A natureza não aparecia nas aulas de história”: lições de

educação ambiental...História oral, v. 1, n. 15, p. 107-129, jan.-jun. 2012.

FREITAS NETO, José Alves. Transversalidade: a transversalidade e a renovação no

ensino de história. In: KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula: conceitos,

práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2003, p. 57-74.

GOHN, Maria da Glória. História dos movimentos e lutas sociais: a construção da

cidadania dos brasileiros. 8. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2013.

PELEGRINI, Djalma Ferreira; VLACH, Vânia Rúbia Farias. As múltiplas dimensões

da educação ambiental: por uma ampliação da abordagem. Sociedade & Natureza,

Uberlândia, ano 23 n. 2, 187-196, maio/ago. 2011.

RAMOS, Elisabeth C. Educação ambiental: origem e perspectivas. Educar, Curitiba, n.

18, p. 201-218, 2001.

REIGOTA, Marcos. Meio ambiente e representação social. 6. ed. São Paulo: Cortez,

2004.

VIOLA, Eduardo. O movimento ecológico no Brasil (1974-1986): do Ambientalismo à

Ecopolítica. In: PÁDUA, José Augusto (org.). Ecologia e Política no Brasil. Rio de

Janeiro: Espaço e Tempo: IUPERJ, 1987, p. 63 – 110.

Page 243: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

243

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

ENSINO DE HISTÓRIA QUESTÃO NO MARANHÃO

Mariana da Sulidade

1. INTRODUÇÃO

História e Ensino de História são caminhos que nem sempre se cruzam em

sala de aula, a distancia estabelecida entre os conteúdos presentes no livro de história e

reflexão e produção do conhecimento histórico faz parte de uma invenção antiga que

estabeleceu um fosso entre ensino a pesquisa. Mas uma outra questão se coloca de

forma imperativa: o que pensar e refletir em sala de aula sobre o tempo, a humanidade e

o espaço, e que relação essa dinâmica estabelece com a construção do conhecimento

histórico e suas múltiplas linguagens?

A operação historiográfica apresentada por Michael Certaeu na obra A

Escrita da História oferece-nos um espaço para pensar o processo de formalização do

conhecimento histórico. Ao pensar a produção do discurso sobre o tempo e como é

produzido a história, o autor desmonta a anatomia da operação historiográfica como um

cirurgião do tempo, ou melhor da escrita sobre o tempo e dos modos operantes. É bem

verdade que a análise filosófica do autor em questão chamou atenção sobre o fazer da

prática (operação) historiográfica, o que dizer? como dizer? onde é fabricado o dizer?

de certa forma essas indagações contribuíram para a reflexão teórica sobre o

conhecimento histórico.

O conhecimento e elaboração do mesmo em sala de aula, ora os materiais

didáticos e paradidáticos que circulam em sala de aula também são historiografia?

Arrisco dizer que uma vez que tal "escritura" dialoga com determinada produção e

especificidade de uma linguagem de conhecimento, no caso o conhecimento histórico, é

sim, uma produção historiográfica

(... )Mas receptível é apenas a teoria que articula uma prática, a saber,

a teoria que por um abre as práticas para o espaço de uma sociedade e, que, por outro lado, organiza os procedimentos próprios de uma

Page 244: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

244

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

disciplina. Encarar a história como uma operação será tentar, de

maneira necessariamente limitada, compreendê-la como relação entre

um lugar (um recrutamento, um meio, uma profissão, etc.),

procedimentos de análise (uma disciplina) e a construção de um texto (uma literatura). É admitir que ela faz parte da “realidade” da qual

trata, e que essa realidade pode ser apropriada “enquanto atividade

humana”, “enquanto prática”. DE CERTEAU, 2002, p. 66

Compreender a prática escolar em combinação com De Certeau lança luz ao

objeto que nos interessa O ensino de História e a Questão Agrária no Maranhão, ou

seja, traduzir uma historiografia que pontue sua relevância no ensino de história na

construção de saber histórico de uma lugar social, ou mesmo na perspectiva de

construir uma operação em que consiste o conhecimento histórico em ação

Como Certeau, emprego-o para designar a própria operação em que

consiste o conhecimento histórico empreendido em ação. Essa escolha de vocabulário tem uma vantagem importante que não aparece se se

reserva esta denominação para a fase escrita da operação, como o

sugere a própria composição da palavra: historiografia, ou escrita da

história. Para preservar a amplitude do termo historiográfico, não chamo a terceira fase de escrita da história, mas de fase literária ou

escriturária, quando se trata do modo de expressão, fase

representativa, quando se trata da exposição, do mostrar, da exibição da intenção historiadora considerada na unidade de suas fases, a saber,

a representação presente das coisas ausentes do passado. RICOEUR,

2007, p. 148 apud PENA, 2012)

No sentido de contribuir para a construção do conhecimento histórico

procuramos desenvolver um ensino de história capaz reconhecer a relevância da

Questão Agrária e dos agentes envolvidos que pese a atuação dos movimentos de luta

pela terra, na construção política e social do Maranhão e do Brasil tendo em vista as

particularidades do estado durante a Ditadura Empresarial-militar e no processo de

Redemocratização, a partir dos conflitos emergentes em torno das disputas pela terra

nos anos de 1979-1988 no Maranhão.

Page 245: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

245

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

2. ENSINO DE HISTÓRIA E QUESTÃO AGRÁRIA NO MARANHÃO:

REPENSANDO O CONHECIMENTO HISTÓRICO.

A problemática da Questão Agrária é crucial para compreender o caráter de

mudança e continuidade em torno da história política, econômica e social do país. Terra

e poder formam o binômio cuja permanência marcaram e marcam as relações

construídas em diferentes tempos históricos no Brasil. Impossível pensar nos

desencontros políticos do Brasil e não pensar na Questão Agrária, assim como pensar

em movimentos sociais sem pensar nas diversas atuações do movimento camponês.

O presente trabalho possui o propósito de analisar a Questão Agrária no

Maranhão envolvendo as categorias de propriedade, posse, terra, poder, trabalho,

reforma agrária e movimento camponês a partir dos conflitos emergentes em torno das

disputas pela terra na Ditadura Civil Militar nos anos de 1970-1988 no Maranhão,

conferindo uma revisão do material didático utilizado nas escolas públicas de Educação

Básica.

Ademais esse período é marcado por forte mobilização política dos

camponeses. No Maranhão, nos anos de 1975-1985, o cenário de disputas agrárias e

modificações do campo são alvos de pesquisas e denúncias sobre a situação do

camponês, das comunidades tradicionais e da estrutura fundiária do estado. Em um

contexto dúbio de autoritarismo e abertura política os conflitos ligados à terra se

estendem por todo estado, do Bico do Papagaio às regiões de Pindaré, Baixada e

Mearim mostram as multiplicidades de organização política e sobretudo os impactos das

políticas estatais de fortalecimento do latifúndios na vida de milhares maranhenses. A

despeito de um historiografia marcada pela ausência do reconhecimento da luta

camponesa no período da Ditadura Civil Militar é válido reconhecer que os sujeitos

envolvidos nas disputas agrárias durante o período ditatorial lançaram mão de diferentes

estratégias na luta de acesso à terra.

Durante a Ditadura Civil Militar o projeto de concentração fundiária passa

ser o centro da política econômica. Nas décadas de 1970-1980 o que vemos é tanto a

repressão militar ao movimento camponês quanto a emergência do agronegócio.

Page 246: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

246

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Embora compreendamos o Estado como o principal patrocinador da política

latifundiarista, é importante ressaltar os movimentos contra-hegemônicos envolvidos na

problemática da Questão Agrária. Assim, podemos observamos a emergência do

movimento camponês, do movimento quilombola, da questão indígena e de tantas

formas possíveis de modo de produção e relação com a terra negligenciados pelas

políticas públicas em especial às de cunho estadual.

A partir da década de 1980 o debate sobre a Questão Agrária ganha fôlego

com o processo de abertura política. A criação do MST (Movimento Sem Terra), da

Comissão Pastoral da Terra e do "alargamento" da participação da sociedade civil. A

participação política, todavia, pode ser encarada como limitada visto o modelo de

transição política negociada com permanência da tradição autoritária do Brasil

verificados pelas limitações da própria redemocratização do país.

A tarefa de repensar o ensino de História do Maranhão pautando na questão

agrária está intimamente relacionado com os conceitos de tempo histórico e sujeito

histórico uma vez que permite o conhecimento de um conjunto complexo de vivências

humanas ligadas à questão agrária do estado através do reconhecimento de diferentes

relações com a terra. É compreendendo a realidade histórica do estado que se desperta a

noção de pertencimento e de sujeito ativo, noções essas de extrema importância para o

saber histórico escolar.

Nesse contexto, os estudos históricos desempenham um papel

importante, na medida em que contemplam pesquisas e

reflexões das representações construídas socialmente e das

relações estabelecidas entre os indivíduos, os grupos, os povos e

o mundo social, em uma época. Nesse sentido, o ensino de

História pode fazer escolhas pedagógicas capazes de possibilitar

ao aluno refletir sobre seus valores e suas práticas cotidianas e

relacioná-los com problemáticas históricas inerentes ao seu

grupo de convívio, à sua localidade, à sua , região e à sociedade

nacional e mundial (PCN, 1998, p.34)

A ausência das discussões sobre a questão agrária no ensino de História,

assim como seu silêncio nos materiais didáticos contribuem de forma drástica para: a)

Page 247: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

247

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

hierarquização de temas históricos; b) incompreensão das especificidades e da

multiplicidade da sociedade maranhense, que dificulta a percepção do aluno sobre si

como sujeito histórico e sobre a realidade que o cerca; c) dificuldade em conhecer

realidades históricas singulares, distinguindo diferentes modos de relação nelas

existentes gerando uma percepção única de uma realidade histórica múltipla

comprometendo a noção de multiplicidade do saber e do tempo histórico.

3. LIVRO DIDÁTICO E A LUTA PELA TERRA: APONTAMENTOS PARA UM

DIÁLOGO SOBRE ENSINO DE HISTÓRIA

Pontuadas as questões acerca da historicização do livro didático em sala de

aula, retomamos a presença da luta pela terra nos livro didáticos. Como explicitamos no

primeiro momento do presente texto, essa temática tem grande relevância, uma vez que

as múltiplas experiências de resistência de grupos distintos em uma sociedade são

indispensáveis para uma leitura do tempo que agregue sujeitos históricos com realidades

históricas divergentes.

Se por um lado, a qualidade do livro didático tem sido significativa para

construção de uma material diversificado e crítico, em que pese a historicidade desse

processo, avaliamos também um grau ainda hierarquizado na produção do saber

histórico que evidencia um contexto de homogeneização do ensino de História através

da pasteurização do material didático, que tem como eixo de produção e

problematização das realidade das regiões sul e sudeste, tal aspecto coloca em questão o

caráter urgente de se repensar o ensino História Local e da relação entre conhecimento

histórico e saber histórico escolar.

Para tanto, diante das minhas experiências em sala de aula durante as

disciplinas de Estágios I e II na Rede Pública, e posteriormente, como professora de

História na Educação Básica da Rede Privada, foi possível perceber a ausência de

materiais didáticos, ou paradidáticos, voltados para entender a questão agrária assim

como sua interface na formação do Maranhão Contemporâneo. A questão da terra é

transferida para problemas referentes à disciplina de Geografia, impossibilitando a

Page 248: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

248

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

construção do conhecimento histórico sobre o tema e sobre as categorias que envolvem

a relação SER HUMANO e NATUREZA: as diversas formas de relação com a terra

(propriedade, posse etc), as defesas políticas e os variados modelos de reforma agrária,

as diferentes maneiras de exploração da natureza, as múltiplas sociedades e suas

especificidades com a terra, assim como a luta dos movimentos sociais rurais e suas

pautas políticas. Todo esse arranjo historiográfico é indispensável para pensar a História

do Maranhão.

Nesse contexto de homogeneização do ensino de História, através da

pasteurização do material didático, que tem como eixo de produção e problematização

da realidade das regiões sul e sudeste, evidencia-se o caráter urgente de se repensar o

ensino História no Maranhão e da relação entre conhecimento histórico e saber histórico

escolar.

Grande parte das escolas públicas tem utilizado a Coleção Projeto Aribabá -

História como único material didático disponível para alunos da Educação Básica do

Ensino Fundamental II sendo produzido em São Paulo.

A temática da questão agrária aparece apenas uma vez durante os ciclos do

Ensino Fundamental II referente às discussões sobre às Reformas de Base. o material

não apresenta distinção entre reforma agrária e questão agrária e sobretudo não aborda

as especificidades das lutas pela terra.

Durante o ano letivo o aluno do 9º terá contato com um texto de três

parágrafos sobre as problemáticas a respeito da Questão Agrária do país. Termos como

"desapropriação", "arrendamento" não são explicitados no texto (Projeto Aribabá, 2012,

p. 210).

Na Biblioteca da Escola Modelo (instituição pública de ensino) há

disponível o livro didático História do Maranhão, que embora não utilizado na sala de

aula consiste em um dos poucos materiais didáticos sobre o Maranhão. O livro tem 102

páginas abarcando o período colonial até o Maranhão na Nova República. A autora

Maria Nadir Nascimento (ligada a Secretaria de Educação do Governo de Roseana

Sarney -2000) faz referências às lutas camponesas de forma geral e sintética.

Page 249: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

249

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Sobre os territórios indígenas e outras ocupações tradicionais, estes são

mencionados no inicio do material fazendo referência ao processo de colonização.

A Ditadura Empresarial Militar é abordada em duas páginas e pela primeira

vez a autora apresenta três parágrafos sobre as condições dos camponeses no Maranhão

(FIGURA II). Nas atividades sugeridas pela autora há um enunciado que solicita o

aluno a citar "duas grandes obras do Governo Sarney". Embora a autora faça referência

de forma rápida às condições dos camponeses e as relacione ao problema da Questão

Agrária do estado, o material se faz insuficiente, não dando conta das complexas

relações entre terra e poder no período ditatorial.

FIGURA I FIGURA II

Fonte: NASCIMENTO, 2001, p. 87. Fonte: NASCIMENTO, 2001, p. 22.

As condições dos materiais didáticos apresentados e seus silenciamentos

sobre a questão agrária e as especificidades históricas do Maranhão justificam o

presente trabalho e sua validade em construir um novo conhecimento histórico a partir

da elaboração de material paradidático que contemple as contradições a respeito da

estrutura agrária no Maranhão.

A Universidade Estadual do Maranhão é a responsável, há vinte anos, pela

formação de grande parte (senão a maioria) do professores de História no estado do

Maranhão. Durante a graduação relevantes problemáticas são postas para discussão

historiográfica e construção do conhecimento histórico. Não raras vezes essas questões

Page 250: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

250

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

se transformam em problemas-chave para a iniciação à pesquisa científica que resulta

em trabalhos de conclusão de curso.

Enquanto isso, já em sala de aula, professores contam com discussões

frágeis a respeito das complexas relações históricas, com materiais didáticos

insuficientes para se pensar noções básicas do ensino de História. Tal fenômeno revela

uma invenção duradora: o desencontro entre Pesquisa e Ensino e expõe a lacuna entre

conhecimento histórico e saber histórico escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Levando em consideração aas contribuições de uma História Política (o que

não é menos importante) optamos por uma interpretação política pautada na luta de

classe sobre a atuação do Estado e das relações deste com a sociedade civil nas pautas

sobre questão agrária. Conferir uma análise histórica do Maranhão sem falar sobre as

problemáticas agrárias é impossível. Compreender o fenômeno político entre terra e

poder no estado Maranhão é o ponto nodal para se construir o conhecimento histórico

sobre o Maranhão Contemporâneo e se reconstruir enquanto sujeito histórico

participante desse processo.

A relacionado dos conceitos de tempo histórico e sujeito histórico nos

permite o conhecimento de um conjunto complexo de vivências humanas ligados à

questão agrária do estado através do reconhecimento de diferentes relações com a terra.

É compreendendo a realidade histórica do estado que se desperta a noção de

pertencimento e de sujeito ativo, noções essas de extrema importância para o saber

histórico escolar.

RFERÊNCIAS

BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo.

Cortez, 2004.

______. Livros didáticos entre textos e imagens. In: O saber histórico na sala de

aula. 11 ed. São Paulo: Contexto, 2010.

Page 251: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

251

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar História: das origens do homem à era digital.

São Paulo: Moderna, 2011. 9 v.

CAMARGO, Aspásia. Questão Agrária, crise de poder e Reformas de Base (1930-

1964) In: III. O Brasi1 Republicano. FAUSTO, Boris (Orgs) Vol. 10. São Paulo. Difel,

1986.

CERRI, Luis Fernando. Ensino de História e Consciência Histórica. Implicações

didática de uma discussão contemporânea. Rio de Janeiro. FGV, 2011.

CERTEAU, M. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.

FONSECA, Selva Guimarães. Os caminhos da História Ensinada. Campinas - São

Paulo. Papirus, 1993.

LINHARES, Maria Yeda & TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. Terra

prometida. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1999.

___________. História da Agricultura Brasileira. Combates e Controvérsias. Rio

de Janeiro. Brasileense, 1981.

MELANI, Maria Raquel Apolinário. Projeto Araribá: História. São Paulo: Moderna,

2010.

MENDONÇA, Sonia Regina. A Questão Agrária no Brasil. A classe dominante –

natureza e comportamento 1964-1990. São Paulo. Expressão Popula, 2010.

MIRANDA, S. R.; LUCA, T. R. O livro didático de história hoje: um panorama a

partir do PNLD. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 24, nº 48, p.123-144.

2004.

NASCIMENTO, Maria Nadir. História do Maranhão. São Paulo: FTD, 2001.

RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP: Editora da

UNICAMP, 2007.

RÜSEN, Jörn. História Viva: teoria da história: formas e funções do conhecimento

histórico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2007.

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Ensino Fundamental. História

Brasília: MEC, 1998.

POULANZTAS, Nicos. Poder político e classes sociais. Rio de Janeiro. Paz e Terra,

2000.

SILVA, Carla Luciana Souza da. Veja: o indispensável partido neoliberal. (1989-

2002). Tese (Programa de Pós graduação em História) UFF, Niterói, 2005.

Page 252: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

RELEMBRANDO O ESQUECIMENTO: AS ESPECIFICIDADES DA LEI DE

ANISTIA ATRAVÉS DA IMPRENSA NO MARANHÃO

Leonardo Leal Chaves

1. JUSTIFICATIVA

Reverberando a política de conciliação nacional fundamentada sobre os

benefícios de uma anistia atrelada à ideia de uma imposição do esquecimento como

peça fundamental para que haja a tão reclamada "pacificação da família brasileira", o

jornal O Estado do Maranhão apresenta em suas páginas, quando da discussão acerca da

elaboração do projeto de anistia, um vasto desfile de expressões como "necessidade de

se esquecer o passado", a existência de um "clima amistoso e de confraternização" e da

redemocratização como o resultado do "trabalho em comum" para se referir a concessão

dessa medida.

Mesmo nas publicações no ano de 1978 figuram notícias sobre as

possibilidades (já insinuantemente restritas) de se pensar a anistia dentro dos limites

prefixados pelo governo. Anunciava-se o retorno de políticos cassados com base nos

AI's, o posicionamento de órgãos como a OAB criticando uma anistia restrita e matérias

sobre a defesa dos direitos humanos.

Em uma publicação na edição de 08 de dezembro de 1978, replicada do

Jornal do Brasil, o periódico apresenta o futuro presidente Figueiredo com sua "mão

estendida aos brasileiros numa proposta de conciliação nacional" de modo a garantir a

tarefa nacional de "fazer deste país a democracia que todos sonhamos". Curioso notar

que na mensagem que antecede o projeto de lei da anistia Figueiredo conclui com uma

emblemática frase sobre sua convicção da importância do envio deste para apreciação

dos congressistas, afirmando ter "a mesma serena confiança com que, na informalidade

da vida cotidiana, estendo a mão a todos os brasileiros".

Amplificando a tese das microtransformações que conduziriam o Brasil

rumo à redemocratização, em uma reportagem sobre o posicionamento do líder da

Arena no Senado, o senador Eurico Resende declara que medidas como a queda do AI5,

a revogação dos banimentos e a extinção das Comissão Geral de Investigações (CGI)

permitiriam completar o processo rumo à anistia. Muito embora afirmasse que a

Page 253: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

253

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

concessão deste benefício deveria ser restrita e sem outra providência intermediária,

devido à "promiscuidade de políticos e criminosos comuns".

No fluxo da "harmonização do país", as palavras do deputado federal Edson

Vidigal, eleito pela Arena, em entrevista publicada no dia 13 de janeiro de 1979 se

tornam emblemáticas do posicionamento do jornal acerca dessa ideia de pacificação.

Segundo Vidigal, "não podemos perder tempo em querelas que não interessam à causa

maior, dividem os homens, impedem o diálogo e com as quais o povo diretamente nada

tem a ver." Deste modo, mostra-se evidente a tentativa quase que diária de construir um

consenso sobre a necessidade desse "desarmamento do espírito".

Continuam as reportagens e trechos de entrevistas que corroboram a

perspectiva pacificadora da anistia, mesmo que reiteradas vezes fique evidente a

manifestação favorável a uma anistia restrita, sob alegação de manutenção da ordem

nesse processo de transição. Em março de 1979 é apresentada a transcrição de um artigo

chamado "O clima da democracia" que vincula os relativos avanços em direção à

redemocratização e à liberdade de imprensa. Democracia esta que só seria possível se

houvesse concessão a seus governados de benefícios a que eles tem direito. Logo, a

anistia deveria ser limitada e controlada para evitar tumulto ou revanchismos contra o

próprio governo.

Nos meses que antecedem a sanção à Lei da Anistia, se intensificam as

matérias que apresentam pontos de vista aparentemente díspares como atos promovidos

pelos representantes locais do Comitê Brasileiro para a Anistia ou o posicionamento do

deputado emedebista Haroldo Saboya afirmando que essa anistia é a mais dramática da

história brasileira e por isso mesmo será a de frutos mais duradouros. Essa convergência

de interesses pelo "bem comum" se integra perfeitamente na lógica de consonância com

o discurso do Executivo. Assim, na véspera da aprovação da Lei são veiculados os

passos finais em direção a esse projeto de anistia recíproca, restrita e garantidora da

impunidade dos "crimes conexos" que, obviamente, não são abordados pelo jornal.

No mesmo mês de agosto é veiculada a entrevista com Clemente Domingos

Pinheiro, presidente do Sindicato dos Arrumadores de São Luis, sobre os problemas

trabalhistas, salariais e anistia. Esta última abordada tangencialmente e exaltando que os

Page 254: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

254

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

sindicatos foram favorecidos com o indulto da anistia e a possibilidade de volta à cena

política de seus dirigentes que foram afastados. O jornal apresenta as afirmações de uma

agremiação tão combatida e perseguida pelos AI's e que agora se mostra receptiva ao

projeto proposto pelo governo.

Nas palavras do próprio José Sarney, em 29 de agosto de 1979, chamando

esta luta pela anistia de "traumática e difícil", caracteriza essa fase atravessada por

Figueiredo como necessária para a reconciliação entre os brasileiros e fundamental para

"cicatrizarmos as feridas do passado", devendo, portanto, ser saudada a anistia.

A pequena introdução ao tema que será aqui, por excelência, o foco de

investigação, deixa clara não só a importância que o projeto de Anistia obteve nas

páginas do mais destacado impresso maranhense, O Estado do Maranhão, como o

envolvimento direto de importantes figuras do cenário local nos embates em torno do

projeto. Tais questões, todavia, continuam ausentes daquele que é considerado o mais

poderoso instrumento condutor da prática pedagógica: o material didático. Distante,

assim, do cotidiano escolar nas escolas de Educação Básica do Maranhão, mais

especificamente de São Luís.

O ano de 2014 foi marcado pela explosão de lançamentos bibliográficos,

documentários, filmes, exposições, programas televisivos e intensos debates que tinham

como foco os cinquenta anos do movimento, ora considerado Civil-Militar, ora somente

Militar, ou ainda Empresarial-Militar, responsável pela ruptura institucional que

promoveu a destituição do então presidente, democraticamente eleito, João Goulart.

Esta miríade de produções, todavia, embora tenha chegado até a sociedade

como um todo, não foi capaz de romper o fosso que separa a produção dita acadêmica e

o cotidiano escolar.

Sustento tal hipótese a partir de minha prática docente como professor

regente da rede privada de ensino da cidade de São Luis. No material didático,

instrumento básico de atuação do colégio Educator, não acompanhou a pluralidade de

interpretações, de hipóteses, manteve-se distante dos embates pela memória entre

perseguidos e perseguidores do regime e, principalmente, não trouxe para o centro de

Page 255: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

255

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

suas explicações as especificidades do período da ditadura, aqui caracterizada como

Empresarial-Militar, no Maranhão.

Ainda predominam, não só no material básico do Colégio Educator,

como também nos livros didáticos utilizados nas escolas da rede pública, municipal e

estadual, as leituras do período ditatorial que tem no Centro-sul do país o palco por

excelência dos principais acontecimentos históricos. Nesse sentido, são nacionalizadas

explicações que dão conta do universo histórico de cidades como Rio de Janeiro, São

Paulo e Minas Gerais, mas que não contemplam as especificidades das demais regiões

do Brasil, como por exemplo o Maranhão. A proposta de estudo aqui apontada caminha

em outra direção. O que está sendo aqui proposto é a recuperação das especificidades do

período da Ditadura Empresarial-Militar no Maranhão como forma de, não só elaborar

um texto meramente acadêmico, mas como e, principalmente, promover algum tipo de

intervenção nas práticas pedagógicas até então vigentes. Nesse sentido, propõe-se aqui a

construção de um canal direto, dinâmico e interativo, ou seja, um blog histórico capaz

de fornecer ao corpo docente, e quiçá discente, múltiplas ferramentas capazes de

possibilitar o repensar e a reelaboração das estratégias pedagógicas no ensino das

singularidades maranhenses durante o período ditatorial.

No entanto, faz-se necessário destacar que, nas palavras de Jayme Pinsky

e Carla Pinsky (2005), o elevado grau de transformação nas esferas políticas e

econômicas ocorridas no final do século passado acentuaram o ceticismo entre

professores e estudantes de História em geral em relação ao próprio conhecimento

histórico e seu potencial transformador. Nas escolas, este ceticismo desdobrou-se no

questionamento acerca do sentido do ensino de história. Paralelo a tal processo, o

próprio livro didático, enquanto instrumento ímpar do processo de aprendizagem,

também tem sua validade posta em xeque, principalmente diante da explosão de novas

tecnologias que passaram a ser vistas como sepultadoras do livro impresso. Sepultados

seriam, também, tanto a figura do professor como agente de ensino (tidos como

comunicadores inábeis e incompetentes) quanto das propostas curriculares ligadas às

realidades nacional e local (vistas como inadequadas e ultrapassadas).

Assim,

Page 256: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

256

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

procurando acompanhar as mudanças, os novos tempos, muitos

professores acabem comprando a ideia de que tudo que não é muito

veloz é chato. Na sala de aula, o pensamento analítico é substituído

por "achismos", alunos trocam a investigação bibliográfica por informações superficiais dos sites "de pesquisa" pasteurizados, vídeos

são usados para substituir (e não complementar) livros. E o passado,

visto como algo passado, portanto superado, tem tanto interesse quanto o jornal do dia anterior (PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla,

2005, p. 17-18).

No entanto, ainda destacam os autores, absorvidas as críticas iniciais, há a

necessidade premente de mostrar que é possível desenvolver uma prática de ensino

adequada aos novos tempos: rica em conteúdo, socialmente responsável e sem

ingenuidade ou nostalgia.

A proposta da construção de um blog está em consonância com as reflexões

acima apresentadas. Não se advoga aqui que a utilização de um recurso poderoso, de

livre e direto acesso e em consonância ao cotidiano conectado de alunos e professores

venha a significar o abandono da investigação bibiográfica ou da importância das fontes

documentais. Contribui-se, deste modo, para a renovação e crítica do conhecimento

científico relacionando-o à produção do saber escolar. Segundo Forquin (apud

MONTEIRO, 2003, p. 11)

a produção do saber escolar é permeada pela dimensão educativa que

desempenha papel estruturante em sua configuração, contribuindo de forma significativa para sua especificidade epistemológica, além de

ser instrumento fundamental para a crítica, superação e reconstituição

do senso comum.

Assim a transmissão e assimilação dos saberes selecionados compõem uma

cultura escolar diferenciada que transcende os limites da própria escola no que tange à

reorganização, reestruturação e transposição didática desses saberes. Deste modo, a

construção de uma ferramenta atual, dinâmica e interativa se insere na perspectiva de

instrumentalizar a transformação das práticas pedagógicas do profissional docente em

sua atuação diária, tornando-o crítico e seu

Page 257: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

257

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Em função da longa duração do período ditatorial, será realizado um corte

cronológico e temático para que essa proposta se torne viável de realização no período

de duração do mestrado. Assim, o blog terá como tema central o processo de transição

política da Ditadura rumo à democracia, sendo, portanto, privilegiadas questões como:

a) o projeto de abertura durante o governo Geisel marcado por avanços e retrocessos; b)

o fim do AI5 no governo Figueiredo e seus desdobramentos políticos e institucionais; c)

a aprovação da Lei da Anistia; d) o renascimento dos movimentos sociais, cujo ápice foi

a campanha pelas Diretas Já; e) as eleições estaduais de 1982; f) o retorno dos exilados;

g) a eleição indireta da chapa Tancredo-Sarney, seguida pela morte do primeiro e pela

posse do segundo.

Para que as singularidades do Maranhão possam emergir em meio a esse

arco de questões aqui anunciadas, esse estudo terá como corpus documental uma

multiplicidade de fontes compostas por jornais de circulação local, como O Estado do

Maranhão, O Imparcial e O Jornal Pequeno, música compostas por artistas regionais,

produção literária, fontes iconográficas, entrevistas como personagens destacados do

período e outras possibilidades que poderão vir a ser construídas durante a pesquisa.

Esta proposta identifica-se com a linha de Historiografia e Linguagens uma

vez que se concebe como variáveis intrinsecamente articuladas conhecimento

historiográfico, aspectos metodológicos e cotidiano escolar. Tal perspectiva materializa-

se no projeto de produção de uma linguagem midiática (o blog histórico) como

estratégia para intervenção no cotidiano escolar.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

Em sua obra Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no

Brasil 1974-1985, publicado em 2009, Francisco Carlos Teixeira se propõe a analisar o

que chama de “crise das ditaduras”, elencando seus atores e condicionantes principais,

bem como entender a natureza das ditaduras latino americanas, evitando assim a

“instrumentalização do esquecimento” ensejada como arma política contra as

democracias, pela Lei de Anistia.

Page 258: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

258

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Os intensos movimentos de redemocratização por toda a América Latina

no final dos anos 1970 e a década de 1980, objetivando a substituição dos governos

militares, tem estreita relação com o contexto internacional. Francisco Carlos Teixeira

refere-se especificamente à eleição do democrata Jimmy Carter em 1979 que recoloca

na agenda governamental questões como a defesa dos direitos humanos, crítica a um

partido oficial (ou instituição que se apresente como tal), restabelecimento da liberdade

de expressão e de organização e denúncias de práticas das polícias políticas na repressão

das dissidências. Constitui-se, desta forma, espaço para a atuação das oposições no

Brasil e em todo continente latino americano, sinalizando o encerramento de um longo

histórico de apoio dos Estados Unidos a essas ditaduras, devendo cada governo

“empenhar-se em direção à redemocratização – no falar político do continente, era o

momento das aberturas -, capazes de estabelecer regimes democráticos estáveis”.

(TEIXEIRA, 2009, p. 252)

Como condicionante externo, são apresentados os impactos das crises na

economia mundial notadamente a crise do petróleo (1973) e crise dos juros (1982)

obrigando o Brasil, para cumprir suas obrigações referentes a seu endividamento

externo, a aumentar suas exportações enquanto financia as importações de petróleo. Não

obstante o esgotamento do modelo econômico do “milagre”, este, isoladamente, não

explica o início da abertura, mas sim seu ritmo.

Essa abertura se desenrolaria no Brasil através de dois pontos de ação: a

tentativa de inserção do Brasil em um Estado do Direito (Projeto Geisel-Golbery) e a

elástica vitória do MDB nas eleições parlamentares de 1974, demonstrando assim uma

clara insatisfação popular com o regime. As pressões e críticas efetuadas por uma

sociedade civil organizada através de Igrejas, sindicatos, artistas, imprensa e

universidades impeliam o MDB a uma postura mais firme diante do regime militar,

condicionando os projetos de abertura internamente.

Desta forma, o autor apresenta a constitucionalização do país como

resultado de uma lenta, gradual e segura distensão, que comportaria garantias básicas ao

regime: evitar o retorno de pessoas, instituições e partidos anteriores a 64; proceder-se

lentamente (aproximadamente 10 anos, garantindo a escolha segura do sucessor de

Page 259: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

259

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Geisel) e a incorporação de uma Constituição sem que esta fosse fruto de uma

constituinte. Em outros termos, reconstitucionalização sim, mas não exatamente uma

redemocratização. O país deveria permanecer sob a tutela militar continuada,

procedendo com uma abertura lentamente ritmada e limitada, resultando na escolha do

candidato de Geisel e Golbery, o então chefe do SNI, João Baptista Figueiredo.

Dentro do projeto de abertura, um dos pontos principais na agenda de

Figueiredo é a questão da anistia, apresentada como “item fundamental para a retomada

do processo político de abertura, cada vez mais sob o risco de ultrapassagem do governo

pelo movimento popular” (TEIXEIRA, 2009, p.269). A mobilização popular

intensificava sua luta contra violação dos direitos humanos dos presos políticos e o

retorno dos exilados, enquanto multiplicavam-se as bandeiras em torno do lema Anistia

ampla, geral e irrestrita pelas ruas, salas de aula, clubes e igrejas.

Decretada em 28 de agosto de 1979, sem negociação com a oposição, a

Lei 6.683, que concede anistia e dá outras providências, assegurou que não houvesse

revanchismos contra o regime e seus agentes. Contudo, esta deveria ter devolvido ao

governo a iniciativa e controle sobre o processo de abertura, retirando dos seus críticos

sua principal bandeira de mobilização popular (potencializada pela criação, em 1975 e

1978, respectivamente, do Movimento Feminista pela Anistia e do Comitê Brasileiro

pela Anistia). A tentativa da linha-dura de desestabilizar o projeto de abertura toma

forma com vários atentados a bombas, como no episódio do Riocentro em abril de

1981.

Como fase final da abertura, Francisco Carlos Teixeira nos mostra o

crescimento dos movimentos populares e da atuação de partidos políticos de oposição

reivindicando, depois das relativas conquistas da lei de anistia e do retorno dos exilados,

eleições diretas para presidência. Apresentando-se deste modo, a tentativa de uma

transição pactuada, em detrimento de uma forte ruptura de uma transição por colapso,

demonstra-se ameaçada. Sobre as Diretas Já, nos escreve que esta

Page 260: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

260

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

representava um rompimento radical com a abertura limitada e

pactuada que o regime vinha implantando e levaria, através da eleição

de um presidente pelo voto direto, com uma Constituinte, a uma

ruptura constitucional extremamente desfavorável para as forças que implantaram a ditadura militar no país (TEIXEIRA, 2009, p.273)

Conforme encerra seu artigo, o autor nos mostra o imobilismo do regime

militar aliado à falta de recursos e projetos que superassem a crise em torno da abertura,

já que seu ritmo era ditado pelas mobilizações nas grandes cidades e pela forte disputa

em torno dos partidos políticos e suas lideranças visando o Colégio Eleitoral que em 15

de janeiro de 1985 põe fim aos 21 anos de ditadura elegendo Tancredo Neves à

presidência do Brasil.

No artigo Anistia e crise política no Brasil pós-64, publicado na edição de

dezembro de 2002 da revista Topoi, Renato Lemos destaca a importância de

percebermos a anistia como parte da tradição política brasileira expressa na preservação

dos interesses fundamentais das classes dominantes, pela via da conciliação, e pela ideia

do desdobramento de uma contrarrevolução preventiva como estratégia anticrises.

São apresentadas as fundamentações do caráter contrarrevolucionário da

prática conciliatória das elites brasileiras e do surgimento de uma contrarrevolução

como forma de garantir a conciliação, defendidas pelos historiadores José Honório

Rodrigues e Arno Mayer, respectivamente.

Deste modo, o que se mostra como uma política de conciliação é, para

José Honório Rodrigues, sempre um instrumento utilizado para contornar as

contradições dentro da minoria dominadora, atenuando suas divergências internas.

Mesmo em nome da concessão de benefícios para o povo seu objetivo é a manutenção

da ordem.

A opção pela adoção de uma atitude conciliatória garante a harmonia

conservadora. Contudo, ao mostrar-se fraco e menos autoconfiante em tempos de crises,

a tendência a conciliação é substituída por métodos “mais eficazes”. Para Arno Mayer, a

contrarrevolução é a forma com frequência escolhida para garantir a conciliação.

A formulação das ideias de contrarrevolução surgidas na esteira da

Revolução Francesa são adaptadas ao longo do tempo e passam por uma importante

Page 261: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

261

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

transformação em sua função: adaptam-se aos interesses das camadas dominantes da

burguesia. Reitera Mayer que a contrarrevolução é um produto da instabilidade e, de

modo pretensamente harmonioso, desenvolve-se como uma estratégia anticrises. As

classes dominantes são convencidas de que a crise é revolucionária e que necessário se

faz uma “contrarrevolução preventiva” (Mayer apud Lemos).

Em sua análise sobre a Lei de Anistia, Lemos a caracteriza como

resultado de uma

grande transação entre setores moderados do regime militar e da

oposição, por iniciativa e sob o controle dos primeiros. Integrou a

agenda de microtransformações, buscadas desde 1973 por lideranças militares e civis do governo: ampliação do leque de oposições

partidárias, abrandamento da legislação repressiva etc. (Lemos, 2002,

p. 293)

Pode-se entender a anistia como um instrumento contrarrevolucionário

agindo preventivamente no contexto de crises políticas sinalizando sua gravidade. Atua-

se na divisão e enfraquecimento no campo dos contestadores e reunifica setores

divergentes dentro do bloco dominante, (re)alinhando seus interesses fundamentais e,

consequentemente, garantindo a ordem.

O resultado expõe-se como uma limitação do confronto de posições,

impedindo assim que se compreenda a raiz do problema que gera a crise, com seus

elementos tendendo a agravar-se. Configura-se assim a preparação do regime para outra

forma sem descartar a tutela militar, demonstrando seus limites, desde logo, pelo

direcionamento estritamente burguês na condução do processo político, preservando

assim as condições necessárias para manutenção da dominação política de nossa

burguesia “desprovida de vocação transformadora”. (Lemos, 2002, p. 293)

Os embates entre os diferentes projetos políticos que resultaram na Lei de

Anistia inserem-se na agenda de transição do regime de modo “lento, gradual e seguro”,

bem como na repercussão da retumbante vitória da oposição democrática e pelo

crescimento de movimentos que exigiam a redemocratização do país. Ao final do

governo Geisel, algumas medidas como o abrandamento das formas de dominação

política são tomadas. A revogação dos Atos Institucionais e a reforma da Lei de

Page 262: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

262

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Segurança Nacional são exemplos da distensão pretendida. Contudo, o ritmo e a

condução do processo de abertura expressos nestas medidas não eram bem vistos pela

oposição militar de direita que se encontrava às voltas com o retorno de políticos

cassados pelo regime e pela suspensão dos processos em andamento na Justiça Militar.

A esquerda, por sua vez, exigia a anistia “ampla, geral e irrestrita” (lema

do CBA) juntamente com a apuração dos crimes praticados em nome do Estado contra

seus opositores políticos e a consequente punição dos culpados. Parte da oposição

entendia o projeto do governo como uma tentativa de “esvaziamento da mobilização

pela anistia”. (2002, p. 295) aliada a reforma partidária que visava o enfraquecimento da

oposição pelo seu fracionamento. A consubstanciação do caráter restrito da Lei se

apresenta sob a forma de exclusão do benefício da anistia os condenados por crimes de

terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. A tentativa de imprimir uma marca de

reciprocidade foi a inclusão dos acusados de “crimes conexos” (a saber, tortura,

assassinato e desaparecimentos forçados, por exemplo).

Guiados pelo “espírito da conciliação” que norteava a reciprocidade da

Lei, anistiou-se eticamente todos aqueles que sustentaram a violenta ditadura militar,

bem como obstou a apuração de tais crimes em nome da Segurança Nacional. A

manutenção de indivíduos e instituições também é típica de transições negociadas

conduzidas sob a força da ordem ditatorial, como estratégia de sobrevivência das

diferentes frações de classe dominante. Evitar que a situação de crise política evolua

para uma mobilização revolucionária, contestando a ordem social, demonstra-se uma

preocupação principal para evitar o aprofundamento das cisões no interior do bloco

dominante, expresso na natureza restrita e recíproca da Lei de Anistia.

O efeito simbólico de reparação foi juridicamente alcançado através da

Lei 9.140 de 1995, que oficializa a morte de pessoas “desaparecidas” por motivos

políticos, bem como estabelece uma indenização de acordo com o princípio da

reconciliação e em nome de uma pacificação nacional. Não obstante, o alto escalão

militar, funcionários do governo e civis envolvidos com as práticas obtusas de ação ou

financiamento da repressão aos opositores do regime seguem, na prática, juridicamente

irresponsáveis e nunca serão condenados por seus crimes, devido a reciprocidade

Page 263: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

263

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

embutida na Lei de anistia. O sentimento de “revanchismo” então reclamado pelos

militares desencadeia uma série de reações sobre o conteúdo desta lei, desde oposição às

investigações de desaparecimentos e tortura até discordâncias sobre os valores das

indenizações.

Lemos encerra sua análise observando atentamente o sentido do vocábulo

anistia, tanto em seu sentido jurídico quanto no linguajar leigo, sendo este “um ato de

perdão que torna inexistente uma atitude anteriormente considerada negativa.

Etimologicamente, anistia significa esquecimento”. (Lemos, 2002, p. 301). Decretada

esta, a natureza criminosa ligada a um determinado ato torna-se inexistente, adoção

politicamente conveniente ao legislador. Encontramos então a finalidade da natureza

política da anistia: a pacificação da sociedade pela via do esquecimento.

Opondo-se a tese que o Estado ditatorial militar estaria se transformando

em Estado democrático, Décio Saes em A questão da “transição” do regime militar à

democracia no Brasil, parte da crítica à ideia que o Estado é “uma organização

material/humana que pode, mesmo numa sociedade como a nossa (isto é, capitalista) ser

colocada a serviço de ‘todo o povo’, do ‘bem comum’ ou do ‘interesse geral’” (Saes,

2001, p. 33). A caracterização da função latente do Estado de atenuar os conflitos de

classes, limitando-os, expõe seu caráter classista, colocando-se a serviço dos interesses

mais gerais da classe exploradora.

Ao observar a “transição brasileira”, Saes levanta o esclarecimento

conceitual entre as formas de Estado burguês e regimes políticos burgueses, em suas

variantes ditatoriais e democráticas. Deste modo, as transformações

na forma do Estado burguês correspondem a mudanças na relação de

forças dentro do aparelho de Estado lato sensu: isto é, a relação de

forças entre o conjunto dos ramos propriamente burocráticos desse aparelho (administração civil, polícia, Exército, Justiça etc.), de um

lado, e um órgão de representação propriamente dita (Parlamento), de

outro lado. A forma ditatorial [...] de Estado burguês consiste na

monopolização, pela burocracia de toda a capacidade decisória

puramente estatal [...] em detrimento do órgão de representação

política . (Saes, 2001, p. 35)

Page 264: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

264

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A militarização do Executivo (historicamente, a variante predominante

da forma ditatorial) sobrepondo-se sobre outros ramos civis certamente se diferencia da

forma democrática de regime político burguês pela participação efetiva do Parlamento

no processo decisório estatal, mesmo que não seja de modo “equilibrado” ou

dominante. Travam-se então contínuas disputas sobre repartição da chamada

“capacidade estatal total” entre o Parlamento e a burocracia, notadamente a militar.

No que tange a ideia dessas lutas no seio do aparelho de Estado burguês,

o autor nos esclarece a respeito da expressão “regime político”, assim entendido como o

padrão de organização da luta política dentro dos limites fixados pelo próprio Estado

burguês, ou seja, caracteriza-o como “cena política” distinguindo-o de “aparelho de

Estado”. Dentro dessa perspectiva, o modo ditatorial militar de regime político

impossibilita o pleno exercício das liberdades políticas, exclui a participação partidária

“civil” no processo decisório estatal e, na cena política, as Forças Armadas consolidam-

se como único partido.

Após os esclarecimentos conceituais, Décio Saes questiona como

poderíamos caracterizar a forma de Estado e o regime político no Brasil de 1988, ano

em que seu texto foi escrito. Assim, provoca-nos se as microtransformações registradas

no aparelho de Estado e na cena política brasileira, como revogação dos AI’s, a lei de

Anistia e revisão da Lei de Segurança Nacional, engendradas desde o governo

Figueiredo, nos autoriza a classificar a “Nova República” brasileira como uma

democracia burguesa ou apenas uma transmutação daquela velha ditadura reformulada

em seus aspectos secundários e com um discurso adaptado.

Apresenta-nos também a oposição à tese de que o Estado brasileiro de

então poderia ser considerado como democrático ou até mesmo semidemocrático (o que

nos leva a inferir também seu caráter semiditatorial), apoiada na esteira de que esses

“descolamentos moleculares” no jogo político não seriam suficientes para concretizar a

democracia burguesa. A necessária presença de alguns elementos nesta forma de

Estado, tais como “instituições políticas”, “pluripartidarismo” e “eleições majoritárias”

Page 265: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

265

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

não são suficientes para a concretização de uma democracia burguesa já que, inseridos

em uma ditadura militar burguesa, desempenham funções diferentes.

Logo, em uma democracia burguesa, é indispensável que o sistema

partidário (Parlamento) tenha

função governativa real, repartindo com a burocracia estatal (civil e

militar) a capacidade decisória estatal total; e isso implica a existência de possibilidades concretas de via política, civil e pré-burocrática,

ativa. Ou seja: numa democracia burguesa, a burguesia ‘governa’ (no

sentido mais amplo da palavra) simultaneamente por meio da burocracia estatal e do sistema partidário/Parlamento. (SAES, 2001.

p.39)

Caracterizada dessa forma, cabe às instituições políticas aparentadas com

traços dessas democracias burguesas cumprir a função de ocultar o caráter militarizado

do processo decisório estatal. Sua própria legitimação se dá perante os olhos das classes

trabalhadoras, sendo a presença de políticos civis no topo dos Executivos uma das mais

importantes dessas "instituições".

A manutenção do poder das Forças Armadas sobre o processo decisório

se dá sob forma de um "duplo protetorado", tanto sobre a burocracia civil, como sobre

os políticos que ocupam os cargos eletivos. A atuação do Conselho de Segurança

Nacional e do Serviço Nacional de Informação prefixando os limites do quadro político,

delimitando o quadro político geral, é obedecida pela não abordagem de temas "tabus",

reservado apenas às Forças Armadas, e pelo proposital vazamento da posição militar

sobre temas de responsabilidade civis.

Em suma, a presença e a influência desse subaparelho militar

metamorfoseado em seu discurso e carapaça continua(va) agilizando uma rede estatal

paralela, tornando o então presidente José Sarney um "refém civil do alto comando das

Forças Armadas". A análise do próprio processo constituinte, dentro desta perspectiva,

se desenrola dentro dos limites ditados pelos militares, atuando desta forma como o

grande partido político da burguesia.

Page 266: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

266

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Esse breve painel historiográfico não esgota a discussão sobre o tema,

mas demonstra que há um intenso debate entre os historiadores acerca da transição

brasileira que necessita fazer parte do cotidiano escolar. Assim sendo, o blog histórico

pode constituir-se em um espaço de interseção entre a produção historiográfica e novas

fontes documentais, tornando possível o desvendar das singularidades maranhenses

durante o processo de abertura.

Em relação ao uso de impressos, faz-se necessário destacar que a

imprensa será aqui considerada como Aparelho Privado de Hegemonia, conceito

construído pelo teórico Antonio Gramsci e publicizado em sua obra Cadernos do

Cárcere, recentemente lançado no Brasil, sob organização de Carlos Nelson Coutinho.

Nessa perspectiva conceitual, a imprensa é um poderoso instrumento na construção de

consenso em torno de um determinado projeto que se pretende hegemônico. Assim,

transforma-se em partido, organizador da vontade coletiva. No entanto, vale a pena

destacar que os embates em torno da conquista da hegemonia também estão presentes

nos próprios impressos, que, portanto, publicizam projetos diretamente relacionados às

frações de classe ou interesses específicos que definem sua linha editorial. Desta forma,

a multiplicidade e a complexidade dos projetos em disputa no processo de condução da

abertura política podem ser apreendidos através de uma análise comparativa entre

impressos distintos, como aqui está sendo proposto quando da investigação nos jornais

O Estado do Maranhão, O Imparcial e O Jornal Pequeno. Destaca-se ainda, que a

seleção e publicização de tais impressos em um blog histórico podem viabilizar novos

estudos e novas formas de condução do ensino da história recente do Maranhão.

3. OBJETIVOS:

Geral:

- Construir um blog histórico que tenha como tema central o processo de transição da

Ditadura, enfatizando as especificidades maranhenses e publicizando novas ferramentas

pedagógicas capazes de alterar o ensino desta temática nas escolas de educação básica.

Page 267: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

267

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Específicos:

- Selecionar e disponibilizar no blog novas fontes documentais sobre a transição política

brasileira, com destaque para as singularidades maranhenses.

- Publicizar propostas pedagógicas para o ensino da transição capazes de promover uma

intervenção no cotidiano escolar.

- Construir um canal de interatividade no qual docentes e discentes possam dialogar,

promovendo assim um profícuo e rico debate sobre o tema.

- Possibilitar novas perspectivas interpretativas sobre a história recente do Maranhão

que, em função do livre acesso ao blog, poderão cruzar a fronteira entre a academia e o

universo escolar.

4. METODOLOGIA

O processo de construção do blog dar-se-á em dois momentos distintos:

um primeiro em que será realizado um arrazoado teórico, metodológico e conceitual no

qual serão discutidas questões como o mapeamento da historiografia sobre o tema, o

uso de impressos como arcabouço documental, a importância do uso de novas

tecnologias como ferramenta pedagógica. O segundo será destinado ao processo

propriamente dito de construção do blog. Para tal, metodologicamente a pesquisa

seguirá os seguintes caminhos:i) levantamento e seleção de novas fontes para o estudo

das especificidades maranhenses durante o processo de Abertura, com ênfase nos

impressos O Estado do Maranhão, O Imparcial e O Jornal Pequeno ii) A investigação,

nas fontes selecionadas, das temáticas a) o projeto de abertura durante o governo Geisel

marcado por avanços e retrocessos; b) o fim do AI5 no governo Figueiredo e seus

desdobramentos políticos e institucionais; c) a aprovação da Lei da Anistia; d) o

renascimento dos movimentos sociais, cujo ápice foi a campanha pelas Diretas Já; e) as

eleições estaduais de 1982; f) o retorno dos exilados; g) a eleição indireta da chapa

Tancredo-Sarney, seguida pela morte do primeiro e pela posse do segundo; iii) a

Page 268: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

268

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

elaboração, tomando como referência o corpus documental selecionado, de propostas

pedagógicas capazes de promover a intervenção no cotidiano escolar.

REFERÊNCIAS

1. Legislação

CONGRESSO NACIONAL. Comissão Mista sobre a Anistia. Brasília, 1982

Decreto nº 84.143, de 31 de outubro de 1979, Regulamenta a lei nº 6.683, de 28 de

agosto de 1979, que concede anistia e dá outras providências.

Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, concede anistia e dá outras providências.

Lei nº 9.140 de 04 de dezembro de 1995, reconhece como mortas pessoas desaparecidas

em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas.

Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002, Regulamenta o artigo 8º do Ato de

Disposições Constitucionais Transitórias e dá outras providências.

Mensagem 59 de 28 de junho de 1979.

Mensagem 267 de 28 de agosto de 1979.

2. Jornais

O Estado do Maranhão. Janeiro à dezembro de 1978-1979

O Imparcial. Janeiro à dezembro de 1978-1979

Jornal Pequeno. Janeiro à dezembro de 1978-1979

3. Obras Gerais

CHARTIER, Roger. A História Hoje: Dúvidas, Desafios, Propostas. In: Estudos

Históricos, N°13. Rio de Janeiro, CPDOC-FGV, 1994.

DREIFUSS, René. 1964: a conquista do Estado. Ação política, poder, e golpe de

classe. Rio de janeiro: Vozes, 1987.

FERREIRA, Jorge. O Governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964. In:

FERREIRA, Jorge; DELGADO, Licília (orgs.) O Brasil Republicano. O tempo da

experiência democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio

de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003

Page 269: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

269

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

FICO, Carlos. Além do Golpe. Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura

Militar. Rio de Janeiro: Record, 2004

FURET, François. O Historiador e a História: Um Relato de François Furet. IN:

Estudos Históricos, N° 1, CPDOC-FGV, 1988

GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas – A Esquerda Brasileira: das ilusões

perdidas à luta armada. São Paulo: Ática, 1987

GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere, vol. 3. Maquiavel e a Política do Estado

Moderno (caderno nº 13). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

JULLIARD, Jacques. A Política. In: GOFF, Jacques & NORA, Pierre.(0rg.) História:

Novos Problemas, Novos Objetos e Novas Abordagens. São Paulo, Francisco Alves,

1988

LEMOS, Renato. “Anistia e crise política no Brasil pós-64”. Topoi. Revista de

História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ; 7

Letras, n. 5, setembro de 2002, pp.287-313.

MONTEIRO, Ana Maria. A história ensinada: algumas configurações do saber

escolar. História & Ensino. Londrina, v.9. p. 09-36, out. 2003

PADRÓS, Enrique Serra. (2007). América Latina: Ditaduras, Segurança Nacional e

Terror de Estado. Revista História e Lutas de Classe, ano 3- edição nº 4. pag.49.

PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla. O que e como ensinar. Por uma história prazerosa e

consequente. In: KARNAL, Leandro (org). História na sala de aula: conceitos,

práticas e propostas. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2005. p.17-36.

REIS, Daniel Aarão. O Colapso do colapso do populismo ou a propósito de uma

herança maldita. In: FERREIRA, Jorge. O populismo e sua história: debate e crítica.

Rio de Janeiro: civilização Brasileira, 2001.

RODEGHERO, Carla Simone. A anistia de 1979 e seus significados, ontem e hoje. In:

REIS, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (orgs.) A

ditadura que mudou o Brasil. 50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.

SAES, Décio. República do Capital. Capitalismo e processo político no Brasil. Rio

de Janeiro. Boitempo, 2001

SILVA, Francisco Carlos Teixeira. Crise a ditadura militar e o processo de abertura

política no Brasil, 1974-1985. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Licília (orgs.) O

Page 270: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

270

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Brasil Republicano. O tempo da ditadura. Regime militar e movimentos sociais em

fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003

SKIDMORE, Thomas E. Brasil: De Castelo A Tancredo 1964 – 1985. Rio de Janeiro:

Paz e Terra, 1988.

Page 271: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

271

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A DITADURA EM QUADROS E QUADRINHOS: A LINGUAGEM

ICNOGRAFICA DA CRÍTICA ILUSTRADA NA PRÁTICA DE ENSINO

SOBRE A DITADURA EMPRESARIAL-MILITAR BRASILEIRA (1975-1985)

Adriano Negreiros da Silva

1. INTRODUÇÃO

O ensino de História do Brasil sobre abertura política de fins do período

ditatorial brasileiro, por muito tempo suavizou as agruras sofridas pelos opositores do

regime pela exaltação apaixonada e também consciente daqueles anos derradeiros e a

possibilidade da retomada do Estado de Direito com nossa débil e torta democracia. Em

verdade, os livros didáticos brasileiros foram convenientes para por uma “pá de cal” à

memória problematizada sobre aquele tempo histórico.

Dessa forma, revisitar esse passado, tão presente, é uma necessidade. Afinal,

suas heranças não cessam nos noticiários e na política nacional. Elaborar meios para

quebrar os silêncios e prover à sociedade trabalhos historiográficos que despertem o

entendimento e a criticidade sobre esse contexto atroz são medidas honestas e coerentes

a um ensino pleno de História.

Assim, não há como pensar em um ensino de História pleno sem o uso de

múltiplas linguagens no processo de ensino-aprendizagem. Para esse trabalho, a

linguagem imagética satírica (charges, cartuns, caricaturas e tiras) presente em grandes

periódicos e jornais alternativos será pilar. Pois, sendo detentora de uma inegável

capacidade comunicacional, é impossível nos furtarmos à sua capacidade como

evidência histórica. Tendo em vista, a relevância e potencialidade dos seus registros em

Mestrando do Programa de Pós-Graduado em História, Ensino e Narrativas (PPGHEN). Bolsista de Mestrado da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do

Maranhão (FAPEMA). Membro do Núcleo de Pesquisa em História Contemporânea (NUPEHIC),

coordenado pela professora do curso de História Licenciatura da Universidade Estadual do Maranhão –

UEMA, Profª. Drª. Monica Piccolo Almeida. Professor Substituto do Departamento de História e

Geografia da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).

Page 272: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

272

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

possíveis estudos sobre a disseminação de discursos e ideários diversos. A crítica

ilustrada é parcial por excelência, funciona para quem a detém; seu caráter persuasivo e

penetrante na mentalidade das massas interessava a todas as vertentes e segmentos

sociais e de poder do período ditatorial brasileiro.

Dessa forma, são objetivos projetados para esse trabalho, a análise das

peculiaridades e confrontos nos discursos da crítica ilustrada presente em periódicos

(convencionais e alternativos) da cidade de São Luís, capital do Maranhão, no contexto

da ditadura empresarial-militar brasileira e a partir desse produto de análise, elaborar

um material paradidático ilustrado, direcionado ao ensino fundamental

(especificamente, turma do 9º ano), que exponha as perspectivas ideológicas e políticas

do país no contexto de transição e final da ditadura (1975-1985) por um método de

ensino-aprendizagem instigante e autônomo.

2. A CRÍTICA ILUSTRADA E O ÚLTIMO DECÊNIO DA DITADURA

EMPRESARIAL MILITAR

O Brasil nas décadas de 1960, 1970 e 1980, esteve envolto em um contexto

político conturbado de ditadura. Nas duas primeiras décadas, o país vivenciara um

período político muito rígido em que a ditadura empresarial-militar ascendeu e se

consolidou; a restrição ideológica vigorava aparatada pelos braços coercitivos do

Estado. Na transição da década de 1970 para 1980, há o advento de um revés na

sistemática política nacional; a redemocratização estava em curso. Uma grande euforia

toma conta de ampla parcela da população com a abertura política. Os discursos que

aclamam o Brasil, enquanto uma possibilidade democrática, a partir daquele momento,

imperam. Democracia e liberdade eram palavras de primeira ordem. Vários segmentos

de classe as ratificavam nos gritos e discursos apaixonados pelas ruas de mãos dadas

por uma nova era política simbolizada na campanha por eleições diretas, as “Diretas já”.

A população brasileira estava mobilizada nesse contexto. Movimentava-se e

expressava a sua condição por diversos canais, dentre eles, a crítica ilustrada

(caricaturas, charges, cartuns e quadrinhos ou tiras). Nesse contexto, ascenderam e

Page 273: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

273

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

notabilizaram-se nos meios jornalísticos da grande imprensa e imprensa alternativa do

país discussões sobre os destinos políticos, sociais e econômicos, através do

mencionado discurso imagético satírico. Uma arte discursiva e crítica que há muito

permeava o cotidiano jornalístico do país acompanhando os debates e contextos

políticos de perto, proporcionando assim, um valioso caminho comunicativo e vestígio

histórico.

Deste modo, sendo a crítica ilustrada detentora de uma inegável capacidade

comunicacional, é impossível nos furtarmos à sua relevância como evidência histórica e

meio de acesso à inteligibilidade pretendida junto à prática de ensino-aprendizagem dos

conhecimentos históricos. Visto que, observados em particular, todos os seus

subgêneros exercem um viés comunicativo com seu receptor. A caricatura não é

subordinada à estética, tem validade crítica por expor as imperfeições dos padrões

sociais, um flagelo direcionado a ridicularizar. O cartum tem temáticas amplas, não

versa sobre fatos delimitados no tempo e espaço; o que lhe confere um caráter universal,

genérico; seus temas são a fome, a corrupção, a criminalidade, a paz, etc.

A charge é a crítica burlesca de um fato ou acontecimento específico de

conhecimento público. Tem como matéria-prima para a sua inteligibilidade, os fatos do

dia-a-dia e o conhecimento prévio do leitor. Ela está presente em jornais e revistas, tem

papel importante na opinião pública, pois viabiliza a disseminação do pensamento

reflexivo por meio da imagem sobre um acontecimento e o que oculto nas suas

entrelinhas. Visa polemizar, refletir, desnudar e trazer à tona por via do humor tudo que

está maquiado por outros discursos.

Por fim, a tira ou quadrinhos, em suas histórias transitam discursos entre a

abrangência temática dos cartuns e a especificidade das charges na exposição da

sociedade. Direto, trata-se de um texto curto construído em um ou mais quadros, com a

presença de personagens fixos quase sempre, que criam uma narrativa com desfecho

inesperado no final; conciliando textos imagético e escrito ao mesmo tempo, como

regra.

Portanto, como elemento da arte cômica, “o riso ‘castiga os costumes’.

Obriga-nos a cuidar imediatamente de parecer o que deveríamos ser” (BERGSON,

Page 274: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

274

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

1982, p. 13). Dessa forma, a crítica ilustrada funciona como o vetor do cômico que

extrai pelo ridículo o que está oculto e presente na matéria-prima diária da charge, do

cartum, da tira ou quadrinho e da caricatura. Tendo em vista, a proeminência e

potencialidade dos seus registros em possíveis estudos sobre a disseminação de

discursos e ideários múltiplos.

Logo, enquanto seres plurais, detemos múltiplas capacidades

comunicacionais que não somente a linguagem verbal. A primazia da língua, como

forma e meio de comunicação padronizada, é explicada por um condicionamento

histórico que nos levou à crença de que as únicas formas de conhecimento, de saber e de

interpretação do mundo são aquelas veiculadas pela linguagem verbal, na sua

manifestação oral ou escrita; haja vista, que essas nos permeiam de maneira mais

constante e usual. Tal distinção nos fez por muito tempo acreditar cegamente que o

único meio autêntico e sólido de comunicação seria pela escrita alfanumérica, excluindo

e no máximo, relegando às outras formas não-verbais para um patamar secundário e

constantemente suspeito de ilegitimidade (SANTAELLA, 2003).

Por conseguinte, as autoras Crislane Barbosa Azevedo e Aline Cristina Silva

Lima vão além. Enfatizam que no âmbito da educação histórica essa visão negativada

adveio de uma herança dos antigos sistemas educacionais, que concebiam esse tipo de

arte como “negativa” para a formação das crianças (AZEVEDO e LIMA, 2011). Essa

concepção, para os padrões atuais de fonte histórica, é no mínimo retrograda e

limitadora das possibilidades imbricadas nos códigos imagéticos. A crítica ilustrada faz

parte da construção do conhecimento histórico.

A partir do que se desenvolveu na Nova História, que se configurou como

uma corrente historiográfica surgida na segunda metade do século XIX na França,

através de historiadores como Jacques Le Goff e Pierre Nora (correspondente à terceira

geração da chamada Escola dos Annales) foi observada a expansão do universo do

historiador, que passou a dispor de uma ampla variedade de novas abordagens

históricas, ou seja, houve a ampliação do conceito de fontes históricas.

A proeminência da palavra sobre a imagem, por exemplo, quebrou-se;

porém, sem prescindir da escrita alfanumérica. Hoje, podemos trabalhar junto aos

Page 275: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

275

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

alunos diversas evidências históricas, por exemplo: documentos oficiais, textos de

época e atuais, mapas, ilustrações, gravuras, imagens de heróis de histórias em

quadrinhos, poemas, letras de música, literatura, manifestos, relatos de viajantes,

panfletos, caricaturas, pinturas, lotos, rádio, televisão, etc. O importante é que se alerte

para a necessidade de que as fontes recebam um tratamento adequado, de acordo com

sua natureza (KARNAL, 2003). “O essencial é enxergar que os documentos e os

testemunhos só falam quando sabemos interrogá-los” (BLOCH, 2002, p. 27). Toda

imagem se bem trabalhada pode vir a ser uma evidência histórica. Haja vista, que não

buscamos uma “janela literal” para o passado. Por exemplo, não podemos ter em uma

pintura da escola romântica francesa ou inglesa do século XVIII, um indício “melhor”

que um rabisco chárgico qualquer do mesmo período.

A priori, o tratamento das imagens figura como uma “balança” em busca de

equilíbrio entre os perigos da forma e do conteúdo. Uma vez que, por exemplo,

tomando os aspectos da forma em excesso, podemos ser iludidos pelo primor da técnica

realista de uma pintura ou desenho, e sem percebermos, já estaremos a olhá-los como a

própria realidade de uma dada época a eles relacionada. Do mesmo modo, ainda dentro

da forma, se temos uma imagem de estética confusa, podemos incorrer a uma série de

interpretações de seu conteúdo alheias às reais evidências contidas. Destarte, os

testemunhos de imagens são sempre mais confiáveis quando expõem pelo método de

investigação àquilo que os seus confeccionadores não sabiam que estavam transmitindo,

mesmo dentro de suas intenções (BURKE, 2004).

A linguagem é eminentemente um fator de interação, em detrimento das

concepções de língua como fluxo de pensamento ou como estrutura tão somente. Ela

encontra sua essência no fenômeno social da interação verbal e não-verbal (enunciação

ou enunciações), próprio do indivíduo humano por sua necessidade de comunicação. A

linguagem seria como um macro elemento, composto por micro elementos distintos uns

dos outros, que são os gêneros. Esses gêneros conteriam características próprias, o que

garantiria autonomia em relação aos demais. Isso não quer dizer, no entanto, que não

possam compartilhar características, haja vista que gêneros linguísticos são inter-

Page 276: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

276

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

relacionais e autônomos. São relativamente estáveis, assim, não funcionando como

caminhos fixos que paralisem a atividade social (SANTAELLA, 2003).

Logo, através do humor despertado pela caricatura, cartum, charge e

quadrinhos, aflora um valioso caminho comunicativo que se gesta entre o autor e o

leitor. Uma relação que está localizada no tempo, cujos aspectos irão variar de acordo

com os objetivos, os conhecimentos prévios e os elementos socioculturais que

englobam tanto o autor da ilustração, quanto o público leitor de seus trabalhos. Sendo

que em nenhum momento a História estará dissociada e, por consequência, também, se

gestará um meio efetivo de inteligibilidade do conteúdo histórico aos discentes; situação

que poderá diluir recorrentes estigmas da disciplina de História como “matéria

decorativa, monótona e chata”.

Assim, o que se conclama é a utilização de fato da linguagem icnográfica da

crítica ilustrada no universo escolar. É sabido, segundo Crislane Azevedo e Aline Lima,

que desde a segunda metade do século XIX, esses gêneros (as autoras dão destaque às

Histórias em Quadrinhos – HQ’s) ingressaram no ambiente escolar como ferramenta de

ensino, apesar da suspeição sobre a validade de sua utilização por muitos profissionais

da área da educação. “O fato é que o professor não pode utilizar as HQs apenas como

ilustração ou reforço para o conteúdo desenvolvido nas aulas. Sem reflexão não há

aprendizado” (AZEVEDO e LIMA, 2011, p. 66).

Ainda segunda essas autoras, o trabalho com imagens e sua demonstração

como fonte histórica são importantes atividades a serem desenvolvidas em sala de aula.

Nesse sentido, é imprescindível fazer com que os alunos percebam a importância de

refletir sobre o que veem e a partir disso, interpretar, compreender e reinterpretar a

história.

Dessa maneira, a priori, o imperativo aqui, está na capacidade de

analisarmos a crítica ilustrada enquanto uma paródia reflexiva da realidade política

brasileira na ditadura empresarial-militar (1964-1985) sob o ângulo de visão analítica de

charges, cartuns, caricaturas e quadrinhos de alguns jornais locais e nacionais da grande

imprensa e imprensa alternativa da cidade de São Luís, capital do estado do Maranhão.

Observando suas peculiaridades e confrontos discursivos; os déficits criados pela sua

Page 277: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

277

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

não utilização no âmbito escolar e a carência (ou mesmo, inexistência de materiais

didáticos de História com foco local). Desse modo, a elaboração de um material

paradidático ilustrado direcionado ao público discente do ensino fundamental sobre o

tema, que exponha as vertentes ideológicas e políticas em oposição e outras abordagens

que lhe competem, faz-se fundamental para que se atinja o modelo de educação

multifacetada expresso nos Planos Curriculares Nacionais de História.

3. LINGUAGEM ICNOGRÁFICA, HUMOR E ENSINO DE HISTÓRIA

O imperativo desse trabalho está na capacidade de analisar as ilustrações

satíricas (charges, cartuns, caricaturas e quadrinhos) enquanto uma paródia reflexiva da

realidade, com seus traços de humor munidos de transcendência e deformidade sobre o

real, ou seja, o cotidiano sobre o qual os ilustradores se debruçam para compor seus

textos, recriando significados e ampliando reflexões para então exercer a comunicação

independente de seu teor entre o emissor e o receptor.

Assim, sobre esses subgêneros linguísticos temos primeiramente a

caricatura. Essa se incumbe de exagerar, ressaltar certas características do retratado,

com a intenção gozadora de atingir diretamente seu alvo com o ridículo. Logo, a

caricatura tem por característica fundamental a distorção anatômica, excedendo nos

traços mais marcantes da personalidade retratada.

Outro subgênero mordaz é a charge, que tem natureza intrínseca ao

jornalismo, pois partilha do factual cotidiano dentro de uma perspectiva de curta

duração. Efêmera, seu objetivo é a crítica burlesca de um fato ou acontecimento

específico de conhecimento público através do olhar do chargista. Ela pode se

apresentar de dois modos: somente através de imagens ou combinando imagem e texto

escrito. Tendo como matéria-prima para a sua inteligibilidade, os fatos do dia-a-dia e o

conhecimento prévio do leitor.

Diferente da caricatura e da charge, os cartuns são textos atemporais, que

veem o seu sentido atravessar os séculos sem ter seu entendimento prejudicado.

Geralmente, não fazem nenhuma referência a alguma personalidade ou fato do

Page 278: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

278

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

noticiário em específico, por exemplo, um escândalo da política nacional. Pelo

contrário, suas temáticas são amplas, tendendo a ser menos comprometido com o dia-a-

dia dos fatos; o que lhe confere um caráter universal. Seus temas versam entre o bem e o

mal, a guerra e a paz, o ambientalismo, a fome, a miséria, etc.

Por fim, temos os quadrinhos ou tiras, a evolução desse subgênero só foi

possível graças ao desenvolvimento da imprensa. Dessa forma, são atrelados a temáticas

conectadas à realidade (política, social, cultural, entre outros) por sua identidade

jornalística. Uma característica elementar é a criação de personagens fictícios com

identidades próprias (principal elemento de distinção para com os cartuns e as charges),

por exemplo: “Níquel Náusea” de Gonzales; “As cobras” de Luís Fernando Veríssimo;

“Mafalda” de Quino; “Graúna” de Henfil e outros.

Dada a sua validade como fonte histórica, esses subgêneros linguísticos

atenderiam a demanda de um ensino de história prazeroso e de múltiplas vias de acesso

ao conhecimento do passado que o entorna. Pois, como assevera Jayme Pinsky e Carla

Bassanezi Pinsky, no capítulo “Por uma História prazerosa e consequente” do livro “A

História na sala de aula”, organizado por Leandro Karnal, o objetivo primeiro do

conhecimento histórico é a compreensão dos processos e dos sujeitos históricos, o

desvendamento das relações que se estabelecem entre os grupos humanos em diferentes

tempos e espaços (KARNAL, 2003). Para tanto, é fundamental que o aluno tenha prazer

no saber e compreenda-se como ser inseparável do tempo pretérito da sociedade em que

vive.

Contudo, para que a sátira ilustrada seja inteligível ao leitor em todo seu

potencial de criticidade são necessários elementos referenciais, concernentes ao

contexto social, político, cultural, etc. Uma vez que nenhuma crítica ilustrada se cria do

nada, não surge sem uma base, acontece sempre a partir de outro texto, fato ou elemento

que justifique a paródia, a crítica ilustrada não causa seus efeitos se não for produzida a

partir de um contexto, de um fato referencial, de uma realidade local que a justifique.

Portanto, sua utilização como recurso didático não é mera alegoria para complementar

aula. Os quadrinhos, cartuns, caricaturas e charges podem, e devem, ser alçados ao

Page 279: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

279

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

protagonismo de análise, ser um vetor atraente e instigante aos alunos sem se constituir

como uma alegoria.

O conhecimento histórico, como área científica munida de vários caminhos

inteligíveis, tem influenciado o ensino, os conteúdos e os métodos tradicionais de

aprendizagem. Contudo, não têm sido essas transformações as únicas a afetarem o

ensino de História. As escolhas do que e como ensinar são provenientes de uma série de

fatores e não exclusivamente das mudanças historiográficas. Associa-se com as

transformações da sociedade, especialmente a expansão escolar para um público

culturalmente diversificado, com a intensa relação dos estudantes com as informações

difundidas pelos meios de comunicação, com as contribuições pedagógicas e com

propostas pedagógicas que defendem trabalhos de natureza interdisciplinar (MEC/SEF,

1997).

Por isso, esse trabalho inevitavelmente partirá para uma proposta de

abordagem do uso da crítica ilustrada em sala de aula conciliada à investigação histórica

e a outros ramos do conhecimento também. Afinal, o fato captado pelo ilustrador é

sempre fundido a uma série de cargas simbólicas e sócio-históricas que materializado na

ilustração satírica, não mais é o fato em si, mais o enunciado do fato e seus múltiplos

sentidos. Logo, o enunciado é permeado por uma significação que lhe atravessa, pois o

sentido está no todo e não só no fim. O aluno alcança essa significação através dos

componentes do desenho, como, por exemplo, as figuras de linguagem. Esse caráter

metafórico da imagem vinculado a palavras resulta em um modo de conhecimento

interativo, criativo, crítico, reflexivo e irradiante.

Destarte, a partir dessa compreensão basilar, temos como primordial a

composição de uma análise discursiva entre alguns dos canais jornalísticos da grande

imprensa e imprensa alternativa e seus respectivos trabalhos ilustrados no contexto da

ditadura empresarial-militar. Por esse viés, utilizaremos a categoria teórica do

intelectual marxista italiano Antônio Gramsci, no caso, o conceito de Aparelhos

Privados de Hegemonia e sua eficácia na construção de estereótipos políticos à opinião

pública.

Page 280: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

280

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Em que a possibilidade ou impossibilidade do desenvolvimento de

consenso, isto é, momentos em que os valores das classes dominantes são adotados

pelas classes dominadas como se seus fossem, demandando-se que seja instituído um

campo de significados agregados. Os aparelhos privados de hegemonia se tornam assim

instrumentos culturais de pensar e construir, fazer e desconstruir. (GRAMSCI, 2005).

Para tanto, quem orquestrava esses aparelhos? Para elucidar tal questão, nos

valeremos da carga conceitual de autores como René Dreifuss, historiador e cientista

político uruguaio que esmiuçou como poucos as entranhas da ditadura empresarial-

militar por meio de obras como “1964: a conquista do Estado - a ação política, poder e

golpe de classe”. Conceito esse que se confronta ao de “civil-militar”, inclusive,

elaborado pelo mesmo autor, tendo em vista que não admitia pela complexidade sócio-

político-econômico daquele contexto histórico brasileiro, o reducionismo dos militares

como agentes unilaterais na consecução e controle do Estado pela via anti-democrática

golpista.

Para Demian Melo, a expressão “civil-militar” foi apresentada pela

historiografia como meio mais coerente para adjetivar o golpe de 1964 e o consequente

regime. Seu propósito foi apresentar a ação golpista e os governos do período ditatorial

como não restritos a atuação única das Forças Armadas. Adverte que segmentos civis

vinculados ao capitalismo nacional e transnacional, por exemplo, apoiaram o golpe e

participaram da condução do processo político entre abril de 1964 até 1985, quando a

historiografia majoritária limita o encerramento do regime. Contudo, é interessante

frisar, que por conta de apropriações teóricas superficiais do conceito de Dreifuss, parte

da historiografia (à qual se vincula Demian Melo) passou a encampar uma denominação

diferente, e também elaborada por Dreifuss, ditadura como “empresarial-militar”

(MELO, 2012).

Para René Dreifuss, a liderança do processo político que culminou no golpe

em 1964 não foi protagonizada exclusivamente pelos militares. Seus conspiradores

estavam distribuídos em diversos nichos civis, entre eles a iniciativa privada, nacional e

internacional. Tendo na atuação de associações como o IPES (Instituto de Pesquisa e

Estudos Sociais) e o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) os mecanismos

Page 281: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

281

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

necessários para tal ação golpista; somado ainda o apoio da burguesia tradicional,

setores oligárquicos (no qual se insere Victorino Freire) e rede de apoio das forças

armadas (DREIFUSS, 1987).

Sobre esse período, desenvolveu-se uma vasta bibliografia sobre o foco de

abordagem tanto da grande imprensa, quanto da imprensa nanica ou alternativa.

Segundo Bernardo Kucinski, diante da truculência progressiva da ditadura, gestou-se

um sentimento de contraposição e crítica ao Estado de Exceção por meio de segmento

da imprensa, denominado como imprensa alternativa, nanica ou independente. Ela, em

contrapartida a complacência de parte da grande imprensa nacional diante do regime

militar, fazia críticas sistemáticas do modelo econômico e político e realidade social do

país com deboche e muito humor. (KUCINSKI, 1991).

A questão é que uma parcela da historiografia brasileira padronizou o relato

sobre a história do regime no centro sul-sudeste, como sendo a história de todo o país. A

história da Ditadura Empresarial-Militar Brasileira abrange todos os estados,

independente da sua extensão e/ou distância. Cada um é coautor e colaborador da

história nacional, não estando necessariamente sujeito unilateralmente às influências do

centro-sul, pois, a priori, cada um viveu o regime no seu contexto regional repleto de

singularidades.

Logo, depreende-se que tal pesquisa deve priorizar as questões concernentes

a ditadura empresarial-militar no Maranhão, em específico, São Luís, nos dez últimos

anos do regime (1975-985) mantendo um diálogo saudável e não submisso com a

historiografia do centro-sul do país. Assim sendo, até que ponto a crítica ilustrada

presente na imprensa alternativa (O Baú de Cartuns e A Folha de São Luís), ou mesmo

incutida na grande imprensa (Jornal Pequeno, O Imparcial e O Estado do Maranhão),

pôde transitar disfarçadamente pela opinião pública? O que definia a permissividade ou

não para com essas imagens? Afinal, tínhamos uma capacidade ilustrativa nos pequenos

jornais realmente incômoda e na grande imprensa, realmente apologética ao regime?

Qual era o real nível de perseguição da censura? A população tinha acesso efetivo a esse

meio linguístico icnográfico? Quais as temáticas recorrentes dessas críticas ilustradas

tanto na grande imprensa, quanto na imprensa nanica local? Como pensar os potenciais

Page 282: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

282

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

confrontos discursivos desse vetor linguístico no processo de ensino-aprendizagem dos

discentes ao estudarem o conteúdo de ditadura empresarial-militar ainda no ensino

fundamental? Quem são os autores das ilustrações? Depois da leitura dessas imagens,

qual a impressão do conteúdo histórico para o aluno? Como levar ao conhecimento dos

alunos todas essas problematizações sem que a imagem pareça alegoria, assumindo, de

fato, o seu protagonismo?

Poucas perguntas de um amplo e complexo arco de questionamentos que

podem revelar um passado jornalístico maranhense aguerrido e/ou conivente através da

imagem, frente ao contexto de transição e final da ditadura empresarial-militar (1975-

1985). Nesse corte cronológico, teremos como foco temático os seguintes aspectos: a

coerção e censura utilizada pela ditadura e viabilizada pelo Ato Institucional Nº 5 (AI-

5); o Milagre Econômico; a Abertura Política e o Movimento das “Diretas Já”.

Essas questões nortearão a todo tempo o foco prioritário de análise das

imagens satíricas. A crítica ilustrada nesse trabalho funcionará como um auxílio

paradidático para que compreendamos, e façamos com que os alunos também entendam

a realidade histórica do país no contexto em questão por um prisma de múltiplos vieses

e como a democracia nascida ao final desse corte cronológico guarda em seu âmago

“heranças” não superadas no modelo de República Democrática vigente.

4. IMAGEM, HUMOR E ESCOLA: POR UM ENSINO DE HISTÓRIA

INSTIGANTE

Esse trabalho se desenvolverá em sintonia com um dinamismo nos diálogos,

discursos e debates. Nesse processo as fontes a serem utilizadas giram em torno de

jornais, fundamentalmente; logo, pesquisas em bibliotecas e acervos de órgãos

públicos1 e/ou privados serão cruciais. Além de outras fontes como: livros relacionados

1 As fontes primárias dos jornais da grande imprensa (Jornal Pequeno, O Imparcial e O Estado do

Maranhão) de São Luís - MA necessárias para a realização do projeto já foram levantadas (assim como as

da imprensa alternativa), por meio de minha participação como bolsista graduado e de outros bolsistas (no

período de 01/05/2013 a 30/04/2015), todos vinculados ao Núcleo de Pesquisa e História Contemporânea

(NUPEHIC), no projeto “Organização, Indexação, Informatização e Publicização do Acervo Documental

Page 283: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

283

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

à temática; revistas especializadas de época, ou não; quadrinhos ou tiras, charges,

cartuns e caricaturas variadas; biografias de artistas da área; artigos correlatos, imagens,

fotos, entre outros.

Assim, à medida que a pesquisa se desenvolver, uma troca de informações e

ideias com outros campos do saber serão quase que uma condição para a conclusão do

trabalho. Para tanto, diálogos com a linguística, a semiótica, a sociologia e o jornalismo

se farão necessários a todo tempo. Nesse último, por exemplo, é que se encontrará a

matéria-prima (fontes históricas) relacionada ao contexto desse trabalho, os jornais de

época da grande imprensa e imprensa alternativa ludovicense. Logo, apesar da relação

de proximidade ou distanciamento com a realidade do humor ilustrado jornalístico da

imprensa alternativa no eixo sul-sudeste e alguns outros focos regionais, há de se

ressalvar que a prioridade de abordagem será a crítica ilustrada dos jornais

ludovicenses.

Portanto, pensando uma lógica de poder estatal empresarial-militar no Brasil

com um centro (sul-sudeste) e áreas periféricas (nordeste, por exemplo) analisaremos a

coerção e censura utilizada pela ditadura e viabilizada pelo Ato Institucional Nº 5 (AI-

5); o Milagre Econômico; a Abertura Política e o Movimento das “Diretas Já”.

Trabalharemos com as perspectivas de abrangência e legitimidade do poder do Estado

por vias discursivas da crítica ilustrada apologéticas em jornais de grande rodagem da

capital maranhense (por exemplo, Jornal Pequeno, O Imparcial e O Estado do

Maranhão). Para então adentrarmos ao estudo das vias de crítica ilustrada oposicionista,

investigando a atuação de alguns jornais alternativos (O Baú de Cartuns e Folha de São

Luís, por exemplo) na transição do regime ditatorial para o regime democrático.

Sendo a crítica ilustrada um texto que expõe uma realidade de maneira

opinativa e parcial, mediante a persuasão pela imagem, logo, temos um vetor

ideológico. São inúmeras as linguagens, tais como: artes plásticas, cinema, teatro,

televisão, internet, entre outros. Contudo, é a crítica ilustrada uma linguagem legítima e

sobre História Contemporânea Brasileira Presente no Maranhão (1964-2002)”, coordenado pela

professora Dra. Monica Piccolo Almeida, docente do Curso de História Licenciatura da Universidade

Estadual do Maranhão. Esse macroprojeto teve como instituição de fomento a Fundação de Amparo à

Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA).

Page 284: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

284

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

um vetor factual histórico, compilado em quatro subgêneros imagéticos (caricatura,

cartum, charge e quadrinhos), que nos dará os indícios necessários a tal investigação

histórica sob um prisma não convencional de análise. Destarte, ao esmiuçar seus

conceitos e elucidar os seus objetivos centrais, permitam ao leitor, mediante um olhar

satírico, irônico e humorístico, uma reflexão e/ou compreensão do comportamento

humano em diferentes situações e épocas, fazendo deste gênero de imagem uma fonte

potencial na tentativa de revertemos as debilidades do ensino sobre esse contexto

histórico brasileiro, inserindo, assim, esse arcabouço documental no cotidiano escolar

da Educação Básica de São Luís - MA.

Pois, como afirma Mikhail Bakhtin em sua obra Marxismo e Filosofia da

linguagem, a natureza de todo sistema de comunicação, de toda linguagem é

eminentemente ideológica e múltipla. Todo signo é ideológico, caracterizado como uma

realidade ideológica, que tem sua materialidade e que se constrói no ambiente social da

comunicação, pela interação verbal e não-verbal. Dessa forma, estudaremos a

intencionalidades incutidas em cada desenho analisado, a crítica propriamente dita pelo

olhar da forma e do conteúdo mediante auxílio da linguística, ao analisarmos o discurso

pela iconografia e sua acessibilidade informativa consequente.

Contudo, cientes de que a imagem é concebida como uma via profunda e

variada de apreensão do passado; todavia, não menos perigosa. Esse tipo de fonte

histórica impõe certos cuidados quando da investigação e elaboração do saber histórico,

haja vista que “para utilizar a evidencia de imagem de forma segura, e de modo eficaz, é

necessário, como no caso de outros tipos de fonte, estar ciente de suas fragilidades”

(BURKE, 2004, p.18).

Por conseguinte, este projeto além do aspecto científico de análise

icnográfica histórica, tem por finalidade também conectar o âmbito acadêmico e

escolar. Criar pontes indestrutíveis entre esses dois universos, teoricamente

indissociáveis, mas que podem ser proficuamente articulados por uma prática

pedagógica diversificada. O que é produzido pelos círculos intelectuais de construção de

conhecimento de uma sociedade, deve ser entendido e apreendido pela mesma na

formação humana e social dos indivíduos que a compõem. De maneira, que não basta

Page 285: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

285

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

pensar em linguagens variadas sobre um determinado conhecimento, sem que o mesmo

não reverbere na sociedade; pois, do contrário, teremos apenas uma retórica acadêmica,

circunscrita aos seus muros materiais e imateriais.

Por conseguinte, temos na escola o meio de irradiação e diálogo elementar

desse conhecimento. A aprendizagem de metodologias apropriadas para a construção do

conhecimento histórico, seja no âmbito da pesquisa científica seja no do saber histórico

escolar, torna-se um mecanismo essencial para que o aluno possa apropriar-se de um

olhar consciente para sua própria sociedade e para si mesmo.

Segundo Holien Gonçalves Bezerra, no capítulo “O Ensino de História:

conteúdos e conceitos básicos” do livro “A História na sala de aula”, organizado por

Leandro Karnal, apesar dos estudantes terem no conhecimento algo efêmero, ainda

assim devem ser observados meios que cristalizem o próprio conhecimento, mas não de

uma forma mecânica e decorativa. O aluno deve ter condições de aprender refletindo o

mundo ao seu redor, logo: problematização das questões propostas, delimitação do

objeto, exame do estado da questão, busca de informações, levantamento e tratamento

adequado das fontes, percepção dos sujeitos históricos envolvidos (indivíduos, grupos

sociais, entre outros), estratégias de verificação e comprovação de hipóteses dinâmicas,

organização dos dados coletados, aprimoramento dos conceitos, proposta de explicação

para os fenômenos estudados, elaboração da exposição, redação de textos. Todos esses

pontos são necessários para a formação educacional do discente (KARNAL, 2003).

Assim sendo, o importante é que a disposição dos conteúdos e sua

articulação pedagógica leve em conta esses procedimentos para a produção do

conhecimento histórico. O aluno deve compreender-se como peça ativa no processo de

ensino, fazendo-se um artesão do próprio conhecimento, o qual será elaborado na

interação com materiais transcendentes e isentas dos vícios conteudistas, ou seja, como

alude o próprio Parâmetro Curricular Nacional de História (Ensino Fundamental). O

discente deve utilizar as diferentes linguagens (verbal, matemática, gráfica, plástica e

corporal) como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar e

usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a

diferentes intenções e situações de comunicação e, por conseguinte, saber utilizar

Page 286: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

286

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir

conhecimentos (MEC/SEF, 1997).

A história não é dogma, ou seja, é constante, mutável. Porém, isso não lhe

confere a pecha relativista e/ou ficcionista que por vezes salta ao imaginário do aluno a

partir do seu senso comum; afinal, refletir não é necessariamente relativizar. Dessa

maneira, questionar a realidade ao seu entorno observando problemas e tratando de

resolvê-los, valendo-se para isso do pensamento lógico, da criatividade, da intuição, da

capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação

é uma noção primordial para que mais que quantidade do conhecimento, tenhamos a sua

qualidade como um norte vitalício (MEC/SEF, 1997).

Adiante, todo esse produto de análise entre o universo acadêmico e sua

preocupação em reverberar no âmbito do ensino escolar terá sua expressão na confecção

de um material paradidático de linguagem icnográfica e abordagem histórica não

habitual. O foco primário será compilar todas as discussões (a coerção e censura

utilizada pela ditadura e viabilizada pelo Ato Institucional Nº 5 (AI-5); o Milagre

Econômico; a Abertura Política e o Movimento das “Diretas Já”) acerca do período em

questão da ditadura empresarial-militar (observada pelo prisma da grande imprensa e

imprensa alternativa da cidade de São Luís - MA e seus discursos da crítica ilustrada)

com abordagens e imagens (caricaturas, charges, cartuns e quadrinhos) diversificadas.

Em verdade, intenta-se que ao longo do ensino fundamental, os alunos

gradativamente possam ler e compreender sua realidade e tenham condições para ter um

posicionamento crítico. Nesse sentido, a partir da elaboração desse material paradidático

escolar, almeja-se que os discentes possam utilizar esse recurso e que essa ação lhes

desperte o interesse por métodos de pesquisa e de produção de textos de conteúdo

histórico diversos (linguagem escrita, iconográfica, sonora, cênica, entre outras).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho se configurou mais como uma análise preliminar, que um

objeto acabado. Ainda há muito a se contribuir à historiografia da ditadura empresarial-

Page 287: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

287

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

militar, principalmente, em seus últimos anos. A democracia sonhada renasceu torta e

eivada daquilo que em um sentido utópico de democracia jamais poderia ter, vícios

antidemocráticos. Logo, como se pôde perceber, a investigação histórica por caminhos

que privilegiem múltiplas linguagens para uma historiografia consoante ao seu tempo e

a um ensino de História aprimorado, existem, há muito tempo, por sinal. Não se deve ter

o uso da icnografia, por exemplo, no ofício do historiador como algo absurdo, uma vez

que os signos são um conjunto compreensível que não pressupõe hierarquia entre si.

Destarte, a crítica ilustrada presente nos grandes jornais e jornais

alternativos são vestígios históricos autônomos e de amplo potencial para o

desenvolvimento da própria concepção de escrita da História, pois são muitos os que

têm a linguagem icnográfica por inferior. Ao buscar o ensino de História e sua relação

com a iconográfica, o humor e a escola, novos meandros se abrem e o entrelaçamento

desses universos parece possível. A charge, o cartum, a caricatura e os quadrinhos/tiras

são transcendentais e necessários ao ensino.

Tudo que está imbricado em seus traços é permeado de códigos inteligíveis

a qualquer um, o indivíduo só precisa estar vivo para um dos múltiplos sentidos lhe

tocar; visto que é uma arte do cotidiano para todos os indivíduos sociais. A sociedade

heterogênea que é, faz então catarses por meio da crítica ilustrada através do cômico,

pela reflexão burlesca. Desse modo, por vezes, a sensação que temos é a de que os

chargistas e/ou cartunistas nos leram a mente e falaram por nós.

REFERÊNCIAS

FONTES PRIMÁRIAS:

O Estado do Maranhão (grande imprensa – São Luís - MA) – (1975-1985)

O Imparcial (grande imprensa – São Luís - MA) – (1975-1985)

O Jornal Pequeno (grande imprensa – São Luís - MA) – (1975-1985)

O Baú de Cartuns (imprensa alternativa – São Luís - MA) – (1975-1985)

A Folha de São Luís (imprensa alternativa – São Luís - MA) – (1979-1985)

BIBLIOGRAFIA:

Page 288: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

288

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

AZEVEDO, Crislane Barbosa; LIMA, Aline Cristina Silva. Leitura e compreensão do

mundo na educação básica: o ensino de História e a utilização de diferentes

linguagens em sala de aula. Roteiro, v. 36, n. 1, p. 55-80, jan./jun. 2011.

BERGSON, Henri. O RISO - ensaio sobre a significação do cômico / Henri Bergson.

- segunda edição, Rio de Janeiro: ZAHAR EDITORES, 1983.

BLOCH, Marc Léopold Benjamin. Apologia da História, ou o Ofício do Historiador;

tradução: André Telles, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2002.

BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política.

Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 15. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009.

Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:

história, geografia / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília : MEC/SEF, 1997.

BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem / Peter Burke; tradução Vera

Maria Xavier dos Santos; revisão técnica Daniel Aarão Reis Filho. – Bauru, SP:

EDUSC, 2004.

CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia? São Paulo: Editora Brasiliense, 1997.

CIRNE, Moacy. Uma introdução política aos quadrinhos. Rio de Janeiro, Achiané /

Angra, 1982.

DREIFUSS, René. 1964: a conquista do Estado. A ação política, poder e golpe de

classe. Rio de Janeiro: Vozes,1987.

FLÔRES, Onici. A leitura da charge. / Onici Flôres – Canoas: Ed. ULBRA, 2002.

GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere, vol. 3. Maquiavel e a Política do Estado

Moderno (caderno nº 13). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

História da imprensa no Brasil / Ana Luiza Martins e Tania Regina de Luca,

(organizadoras). – 2. Ed. – São Paulo: Contexto, 2011.

JORGE, Sebastião Barros. A linguagem dos pasquins / Sebastião Jorge. – São Luís:

Lithograf, 1998.

KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários: nos tempos da Imprensa

Alternativa. São Paulo: Scritta, 1991.

MAINGUENEAU, Dominique. Gênese dos Discursos. Tradução de Sírio Possenti.

Curitiba: Criar Edições, 2005.

MOREIRA ALVES, Maria Helena. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Editora

Vozes, 2°edição, 1984.

NERY, João Elias. Charge e Caricatura na construção de imagens públicas. São

Paulo: PUC/SP. Tese de doutoramento em Comunicação e Semiótica. 1998.

NICOLAU, Marcos. As tiras e outros gêneros jornalísticos: uma análise

comparativa. Revista Eletrônica Temática. João Pessoa-PB: 2009.

SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica? / Lúcia Santaella. – Coleção 103, 2ª edição,

São Paulo: Editora Brasiliense, 2003.

PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. O que e como ensinar: por uma História

prazerosa e consequente. In: KARNAL, Leandro (org.) História na sala de aula:

conceitos, práticas e propostas. São Paul o: Contexto, 2003, p. 17-36.

PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2008.

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In. Estudos Históricos. Rio de

Janeiro: CPDOC/FGV, vol. 2, n. 3, 1989.

Page 289: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

289

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

OBRAS COMPLEMENTARES:

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 12ª Edição – 2006 –

HUCITEC. Site: http://pt.scribd.com/doc/14893277/Mikhail-Bakhtin-Marxismo-e-

Filosofia-Da-Linguagem-Doc. Acesso em: 28/11/2011.

CASTRO, Lívio Bruno Rêgo. Ditadura militar e repressão no Maranhão: memórias

de sobreviventes. São Luís - MA: Universidade Estadual do Maranhão, 2007. 80

páginas, Monografia, Curso de História, São Luís, 2007.

DUARTE, Wagner Martins. Censura política? Sim. Moral, também. A divisão de

censura e diversões publicadas no regime militar (1964-1985). São Luís - MA:

Universidade Estadual do Maranhão, 2012. 82 páginas, Monografia, Curso de História,

São Luís, 2011.

GUILHON, Maria Virginia Moreira. Sarneísmo no Maranhão: os primórdios de

uma oligarquia. A origem e desenvolvimento do instituto de previdência do Estado

do maranhão: interesses, atores e processos de intermediação (1938-1982).

Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do

Maranhão, 1996.

FICO, Carlos. Além do golpe: a tomada do poder em 31 de março de 1964 e a

ditadura militar / Carlos Fico. – Rio de Janeiro, Record, 2004.

GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. A esquerda brasileira: das ilusões

perdidas à luta armada. São Paulo: Ática, 1987.

INDURSKY, Freda. A fala dos quartéis e outras vozes / Freda Indursky. - -

Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1997.

MELO, Demian Bezerra de. Ditadura “Civil-Militar”?: Controvérsias

historiográficas sobre o processo político brasileiro no pós-1964 e os desafios do

tempo presente. Espaço Plural • Ano XIII • Nº 27 • 2º Semestre 2012 • p. 39-53 • ISSN

1518-4196.

SILVA, Francisco Carlos Teixeira. “Crise da ditadura e o processo de abertura

política no Brasil,1974-1985”. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia (orgs.). O

Brasil Republicano. O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em

fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

SILVEIRA, Mauro César. A batalha de papel: a charge como arma na guerra

contra o Paraguai / Mauro César Silveira. – Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2009.

MOREIRA ALVES, Maria Helena. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Editora

Vozes, 2°edição, 1984.

O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX /

organização Jorge Ferreira e Lucília de Almeida Neves Delgado. – 2ª ed. – Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. – (O Brasil Republicano; v.4).

O Pasquim: A Subversão do Humor. Documentário dirigido por Roberto

Stefanelli/Produção: TV Câmara, 2004.

REIS, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade / Daniel Aarão Reis. –

Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.

SILVA, Adriano Negreiros da. Traço a traço: análise da crítica ilustrada presente

em jornais ludovicenses no contexto do regime militar brasileiro – 1964-1974 /

Page 290: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

290

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Adriano Negreiros da Silva.– São Luís, 2012. Universidade Estadual do Maranhão,

Monografia, Curso de História.

Page 291: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

HISTÓRIA ECONÔMICA E ENSINO DE HISTÓRIA: CONCEITOS

ECONÔMICOS EM PERSPECTIVA

Werbeth Serejo Belo

1. INTRODUÇÃO

Partindo de novas experiências durante alguns estágios curriculares de

ensino de História no ensino básico, algumas reflexões teórico-metodológicas tem

emergido em torno do período caracterizado, erroneamente, como “milagre econômico”

(1969-1973) em função dos elevados índices de desenvolvimento econômico que o

Brasil obteve então.

Em alguns livros didáticos, como no intitulado “História: conecte”, lançado

pela editora Saraiva e de autoria de um grupo composto por destacados historiadores da

atualidade e professores do departamento de História da Universidade Federal

Fluminense, Ronaldo Vainfas, Sheila de Castro Faria, Jorge Ferreira e Georgina Santos,

temos o período do milagre econômico trabalhado através do binômio crescimento

econômico e “endurecimento” do regime ditatorial. De forma que aqueles anos,

Foram os piores tempos da ditadura, conhecidos como “anos de chumbo”,

mas também um período de grande crescimento econômico, fator

fundamental para a legitimação do regime militar perante a sociedade

brasileira (FARIA. VAINFAS. [et al]., 2014, p.720).

Percebe-se que no trecho apresentado os autores não se propõem a

apresentar a quem esse crescimento econômico beneficia na sociedade, nem no texto

principal nem como informação extra em algum texto paralelo.

Esses dois pontos são de extrema importância para a compreensão do

período. A grande questão a qual se pretende analisar aqui está em torno da abordagem

dada a essas temáticas, sobretudo no que diz respeito à temática do desenvolvimento

econômico ocorrido no período.

No livro didático intitulado Oficina de História, de autoria de Flavio de

Campos1 e Regina Claro

2, ao contrário do livro anteriormente mencionado, já temos

1 Professor doutor do departamento de História da Universidade de São Paulo. 2 Doutoranda na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

Page 292: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

292

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

uma percepção minuciosa de que o “milagre econômico” brasileiro beneficiou

determinada fração social burguesa. Como pode ser percebido no trecho a seguir,

As taxas de crescimento econômico eram mantidas também pela expansão

das linhas de crédito ao consumidor – privilegiando a classe média, ávida

por bens de consumo duráveis – e pelo estímulo à poupança interna,

atualizada pela correção monetária das taxas de juros. Dirigido por

tecnoburocratas civis e militares, o Brasil era anunciado pelas campanhas

oficiais como um iminente integrante do Primeiro Mundo (CAMPOS,

CLARA. 2015. P. 702. Grifos nossos).

Esta minuciosa percepção de quais frações de classe estão sendo

privilegiadas pelo projeto desenvolvimentista é um posicionamento eficaz para que os

alunos possam perceber que havia um objetivo da defesa dos interesses de determinada

classe no jogo político-econômico do período. Além disso, esta demarcação é eficaz,

também, para que se perceba e seja discutida a própria nomenclatura dada ao período, a

saber: “milagre econômico”.

Um terceiro material didático em análise intitulado História: conexões com

a História, elaborado por Alexandre Alves3 e Letícia Fagundes de Oliveira

4 e lançado

pela editora Moderna, apresenta o período do “milagre econômico” de forma que

também apresenta uma análise que localiza bem os grandes beneficiados desse período,

ou seja,

A entrada maciça de capitais estrangeiros também impulsionou a

economia brasileira. Ao mesmo tempo, o aumento da população urbana

garantia mão de obra farta e de baixo custo para a expansão industrial

dos grandes centros econômicos do país. Além disso, a censura e a

repressão dificultavam os protestos contra a política de arrocho salarial do

governo e contribuíam para implantar uma ordem fortemente disciplinada no

mundo do trabalho (ALVES. OLIVEIRA, 2015, p. 651).

É importante destacar que mesmo adotando livros didáticos que apresentem

uma escrita bem elaborada a respeito do período aqui apresentado é necessário que os

3 Mestre e doutor em ciências (área: História econômica) pela faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas da Universidade de São Paulo. 4 Mestre em ciências (área: História Social) pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da

Universidade de São Paulo. Professora e Ensino Superior.

Page 293: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

293

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

professores de História do ensino básico possam apresentar debates a respeito das

relações que não são expostas no material didático, como a relação existente entre

Estado, economia, política e sociedade, muito importante para que não sejam

naturalizadas relações que são historicamente construídas.

Além da temática a respeito do termo “milagre econômico” e das frações

privilegiadas nesse período, é válido perceber que os materiais didáticos em questão

utilizados no ensino de história aqui no Maranhão são elaborados a partir de uma

perspectiva que pretende abordar a realidade histórica do centro-sul como hegemônica,

sem levar em consideração as especificidades regionais. Portanto, pensando nessa

questão como um dos pontos centrais desta pesquisa e, ainda, na utilização de impressos

locais para a constituição de um novo saber histórico a respeito do período, nos

propomos a utilizar impressos locais com o intuito de aproximar a produção acadêmica

do cotidiano escolar e de perceber as especificidades regionais do Maranhão ao longo

do período do “milagre brasileiro”.

Então, acredita-se que a partir da análise historiográfica a respeito do

período e a inserção de novas linguagens, como o uso dos impressos, gráficos, tabelas,

podemos elaborar uma nova abordagem a fim de construirmos no ensino básico um

conhecimento histórico de forma que possamos auxiliar os alunos a perceberem a

diversificação de fontes para o historiador, rompendo com a caracterização da história

como unicamente escrita a partir de documentos oficiais.

Assim, este trabalho se insere na linha de pesquisa deste programa de pós-

graduação intitulada: historiografia e linguagens, a fim de construirmos uma história

econômica a partir da utilização dos impressos locais, gráficos, tabelas, que não cause

um afastamento do aluno ao se analisar as questões econômicas do período. Portanto em

consonância com o terceiro eixo da já mencionada linha de pesquisa: História,

Historiografia e Recursos Didáticos – novas fontes de pesquisa / novas estratégias

pedagógicas.

Para tanto, serão utilizados impressos locais, gráficos, tabelas, de modo que

a seleção de reportagens/editoriais a ser feita tem como base de sua escolha a área da

História que se pretende trabalhar, a História Econômica.

Page 294: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

294

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Portanto, far-se-á a seleção de reportagens/editoriais que abordam a questão

econômica entre 1969-1973 de forma que se possa construir um conhecimento histórico

em sala de aula a partir da apresentação de temas transversais que estarão contidos no

dicionário de História econômica para crianças que pretendemos elaborar, de modo que

este material possa auxiliar tanto professores quanto alunos do ensino básico a

entenderem as relações capitalistas entre Estado e sociedade a fim de que os fatos não

pareçam emergir a partir de uma simples relação causa-consequência.

2. PERSPECTIVAS EM TORNO DO ENSINO DE HISTÓRIA

A História como disciplina escolar tem passado por uma série de

reformulações. No entanto, segundo Katia Abud (2006), esta permanece com o mesmo

código curricular durante muito tempo, tendo sido permanente a reprodução da história

dos grupos dominantes e muitas vezes legitimada pelas “narrativas dos feitos daquela

classe, comprovados pelos documentos que os mesmo protagonistas produziam”

(ABUD, 2006, p. 167).

O primeiro marco de grandes reformas data da reforma feita por Francisco

Campos (ministro da educação e saúde) em 1931 que, segundo a autora, “transformou

radicalmente o ensino” dando “autonomia às escolas” (ABUD, 2006, p.167). O segundo

marco data de 1942 – reforma Gustavo Capanema (ministro da educação) - que,

segundo Abud, “não modificou os aspectos essenciais dos programas de História para o

curso ginasial” (ABUD, 2006, p. 168).

Dentre as reformulações do ensino de História que possibilitam renovações

metodológicas, temos a utilização de novas fontes como forma de elaboração de

estratégias didáticas em salas de aula do ensino básico. Essas estratégias emergem de

novas pesquisas acadêmicas em torno da utilização destas fontes. Essa nova relação dos

historiadores com suas fontes permitiu uma “transformação do próprio entendimento

daquilo a que se está chamando como contemporâneo; de sua história e de sua

historiografia. Essa transformação tem como eixo central a mundialização da noção de

historicidade” (PICCOLO, 2010, p.36).

Page 295: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

295

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s (2000, p. 28),

temos como uma das competências dos alunos “Criticar, analisar e interpretar fontes

documentais de natureza diversa, reconhecendo o papel das diferentes linguagens, dos

diferentes agentes sociais e dos diferentes contextos envolvidos em sua produção”.

Portanto, competência a ser desenvolvida com o uso dos impressos, análise de gráficos

e tabelas, além da discussão de conceitos econômicos, como estratégia didática eficaz

para desenvolver o olhar crítico e analítico dos alunos.

A História como disciplina escolar tem sido discutida por diversos

estudiosos que se dedicam à exaustiva pesquisa de diversos elementos que podem

auxiliar no aprimoramento do ensino de História. Alguns pontos merecem ser

destacados, a fim de que possamos perceber os pontos centrais destes debates.

Holien Gonçalves Bezerra (2003) aponta que a História “busca aprimorar o

exercício da problematização da vida social, como ponto de partida para a investigação

produtiva e criativa, buscando identificar as relações sociais de grupos locais, regionais,

nacionais e de outros povos” (BEZERRA, 2003, p.44) o que mostra que a História tem

por função despertar a capacidade crítico-analítica dos indivíduos em sociedade e não

um simples registro dos acontecimentos passados como ponto de partida para a

compreensão das relações contemporâneas do indivíduo. Partindo desse pressuposto,

percebemos a ampliação da noção de História que rompe com o positivismo do século

XIX e traça novos caminhos adotando uma nova função que se assemelha a uma ação

social.

Nesse contexto de reformulação da História como ciência, o ensino de

História deve acompanhar essas reformulações de forma que a escrita da História

quanto pesquisa acadêmica deve estar relacionada ao ensino de uma nova história em

salas de aula do ensino básico, a fim de que possa haver a recomposição do ensino a

partir das inúmeras reformulações historiográficas dos últimos anos, pois,

[...] identificar as mudanças, que são de ordem conceitual, abre caminhos

para melhor conhecer o processo numa análise que reconheça a pluralidade

de saberes e o papel das diferentes subjetividades e interesses envolvidos no

processo (MONTEIRO, 2003, p.15).

Page 296: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

296

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Entre essas reformulações nos diversos campos da História temos a

preocupação com a utilização de alguns conceitos como: História, Processo Histórico,

Tempo, Sujeito Histórico, cultura, cidadania, Estado, entre outros (BEZERRA, 2003)

que podem ser alvo de debates para a construção do conhecimento histórico. Segundo

Circe Bittencourt (2008) é uma das tarefas do pesquisador “selecionar os conceitos-

chave, contextualizá-los e utilizá-los na organização e sistematização dos dados

empíricos” (BITTENCOURT, 2008, p. 191).

Acreditamos que não seja somente tarefa do pesquisador tomar determinada

postura, mas também, do professor de História do ensino básico, haja vista que os

conceitos são aplicados a momentos distintos e em sociedades díspares. Portanto, a

apresentação e contextualização destes conceitos em sala de aula são de fundamental

importância para que os alunos possam compreender a lógica de toda uma estrutura

social e relacioná-la a determinada conjuntura estudada. Segundo Bittencourt o

conhecimento histórico escolar produz-se “por intermédio da aquisição de conceitos,

valores e informações” (BITTENCOURT, 2008, p. 195).

Além da discussão a respeito dos conceitos empregados a determinadas

conjunturas e estruturas temos que a utilização das diversas fontes como recurso para

uma nova abordagem da história em sala de aula tem um caráter valioso na construção

do conhecimento histórico renovado, sobretudo pela ampliação do conceito de fontes

históricas desde a Escola dos Annales.

Os impressos se constituem como fonte privilegiada para as diversas

análises históricas. No entanto é necessário que se faça um trajeto para a utilização

desses periódicos como forma de construção do conhecimento histórico em um

ambiente escolar:

A catalogação de fontes, a organização e a análise que permita uma interpretação do material são ações que envolvem tanto o professor como os

alunos, propiciando um aprendizado que visa à valorização da História e do

acervo histórico. (RODRIGUEZ, 2010, p. 37).

Page 297: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

297

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Para a utilização dos impressos em sala de aula é preciso perceber o

processo de produção desta fonte e estar atento a um método de análise específico que

envolva todo o processo constitutivo desta fonte, isto é,

A produção do documento não se fecha em si mesma, ela está

contextualizada e adquire conotação histórica à medida que reflete ou explica

um fato e um tempo específicos da produção humana, seja ela material ou

simbólica. (RODRIGUEZ, 2010, p. 43).

O trabalho que se pretende iniciar neste programa de pós-graduação nasceu

a partir de reflexões feitas durante estágios curriculares de ensino de história.

Paralelamente ao ensino de História estávamos em processo de conclusão de curso,

realizando pesquisa envolvendo o campo da História econômica com o tema:

posicionamento do jornal O Imparcial frente à política econômica do “milagre

econômico”.

Este trabalho foi realizado a partir do projeto intitulado Publicizando o

Acervo Documental sobre História Contemporânea Brasileira Presente no Maranhão

(1964-1985) coordenado pela prof.ª Dr.ª Monica Piccolo ao longo do ano de 2013 e

2014 culminando no trabalho monográfico intitulado Uma perspectiva “imparcial” do

“milagre econômico”: construindo o consenso em torno do projeto desenvolvimentista.

Algumas inquietações surgiram a partir de duas experiências que ocorreram

de forma concomitante: a pesquisa acadêmica e o momento de experiência inicial no

ensino básico: a) a resistência que há, por parte dos alunos, em fazer análises

econômicas de diversos temas da história; b) o questionamento a respeito da

“veracidade” das fontes, nos levando a perceber que, para os alunos, a história só

poderia ser escrita a partir das chamadas fontes oficiais; c) a desconexão entre teoria de

Estado Capitalista e a sequência dos fatos históricos de forma que, no livro didático em

uso, os fatos emergem unicamente por decisões do poder executivo sem nenhuma

relação com defesa de interesses; d) a ausência de gráficos e apresentação de fontes

alternativas no material didático que ampliem - e facilitem - a compreensão dos alunos a

Page 298: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

298

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

respeito do “milagre econômico” e; e) a não relativização e análise em torno do termo

“milagre econômico” no livro didático.

Então o que se propõe neste tópico é uma discussão teórico-conceitual que

apresente análises em torno destas inquietações e uma relação com a renovação do

ensino de História, mas, sobretudo, do ensino de História Econômica da ditadura

Empresarial-Militar5. Levando-se em consideração que no âmbito da História

Econômica do período do regime ditatorial pós-1964 um dos períodos que causa mais

discussões é o período caracterizado como “milagre econômico”, nos concentraremos

nas análises do ensino de História do dito regime ditatorial entre 1969 e 1973 (governo

Médici).

Partindo da primeira inquietação supracitada - a resistência que há, por parte

dos alunos, em fazer análises econômicas de diversos temas da história – é que

iniciaremos as discussões que nos propomos a fazer nesta sessão.

Ciro Flamarion Cardoso (2002) em sua obra Os métodos da História aponta

que “a história econômica não pode (...) limitar-se a um mero comentário de índices e

curvas, ou à construção de modelos puramente econométricos” (CARDOSO, 2002, p.

49) é necessário que esta esteja inserida na lógica globalizante e da totalidade, a fim de

que se possam perceber as relações que ocorrem nas esferas políticas e sociais de dada

sociedade. 5Debates que dizem respeito à própria caracterização do regime, a atuação dos principais agentes

envolvidos durante todo o período e, ainda, das próprias instituições inseridas no Estado Restrito que

atuaram como ferramentas para que determinado projeto se tornasse hegemônico, além de instituições no

âmbito da Sociedade Civil que foram agentes também na disputa por hegemonia, tem sustentado diversos

argumentos a respeito do período ditatorial vivido no Brasil a partir de 1964. René Dreifuss (1987)

analisa os principais aparelhos localizados na Sociedade Civil que visavam sustentar um projeto em

hegemonia. Lista os agentes inseridos nesses aparelhos – sobretudo tecnoempresários – e aponta que estes

agentes eram membros da Sociedade Civil que estavam ligados aos militares do Estado Restrito e, muitas vezes, se localizam no Estado Restrito também. O objetivo de Dreifuss é perceber, então, o golpe e o

regime como Civil-Militar, tese que rebate a sustentada por Carlos Fico de Regime Militar. Portanto,

Dreifuss localiza no Estado Restrito a atuação desses civis e sua ligação ao capital multinacional e

associado, o que nos permite aferir que as reformulações ocorridas em toda a estrutura financeira do país

e, claro, o próprio episódio golpista de 1964, estavam diretamente relacionados à reformulação capitalista

que vinha ocorrendo mundialmente desde 1945. (DREIFUSS, René. 1964: a conquista do Estado. Ação

política, poder e golpe de classe. Rio de Janeiro: Vozes, 1987.). Portanto, a partir da leitura de René

Dreifuss a concepção sobre o golpe aqui adotada é Empresarial-Militar, pois os militares e os grandes

grupos de empresários estavam na condução do novo projeto que almejava se tornar hegemônico, haja

vista que estes civis, segundo Dreifuss, podem ser chamados de “empresários ou, na melhor das

hipóteses, de tecno-empresários” (DREIFUSS, 1987, p.417).

Page 299: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

299

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Inúmeras fontes podem ser utilizadas para a elaboração de esquemas que

facilitem a compreensão de relações socioeconômicas, como dados estatísticos, por

exemplo. Além disso, “os dados econômicos são absolutamente necessários à

elaboração da história social” (CARDOSO, 2002, p. 51) o que demonstra a imbricação

entre os campos de conhecimento da História e não uma atomização destes.

Os trabalhos, no campo da História Econômica podem estar inseridos em

dois eixos que caracterizam perspectivas de análise diferentes que culminam em escritas

distintas. O primeiro eixo tem como referência os especialistas anglo-saxões que tem

“certa dependência da ciência econômica, uma sólida formação econômica e

matemática e limitavam-se à esfera econômica não recorrendo à análise social”

(CARDOSO, 2002, p. 53) o que nos permite constatar uma aproximação com a

elaboração de quadros numéricos excessivos para a explicação de determinada

conjuntura sem se ater a outras relações políticas e sociais.

O segundo eixo tem como referência os historiadores da Europa Continental

(especialmente os franceses) que “não separavam a análise econômica dos fatores

históricos globais e, principalmente, da análise social” (CARDOSO, 2002, p.53).

Portanto, a relação que se pretende fazer neste trabalho entre História Econômica e

ensino de História tem por base a análise econômica que segue a lógica do segundo eixo

interpretativo, portanto, este trabalho privilegia a análise do “milagre econômico”

percebendo a imbricação constante entre as esferas econômica, política e social.

Portanto, partindo desse eixo de análise que pretendemos elaborar o dicionário de

História Econômica para crianças que servirá de apoio a professores de História e

alunos. Este material deverá ser composto de fontes históricas que auxiliem na lógica de

compreensão do “milagre econômico” de modo que não seja construída uma História

em sala de aula que privilegie somente fontes oficiais em detrimento das chamadas

“novas” fontes.

No que tange ao conceito de estrutura muito utilizado nos trabalhos que

envolvem a História Econômica em diversas instâncias, entende-se aqui que para o

historiador a estrutura e os movimentos são inseparáveis, isto é, a estrutura não deve ser

entendida como um conceito estagnado, mas como um conceito mutável que

Page 300: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

300

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

acompanha os movimentos conjunturais que variam de acordo com o tempo e a

sociedade que se pretende analisar. Portanto, os “fenômenos conjunturais (...) vem à luz

e se explicam pelas contradições da estrutura econômica” (CARDOSO, 2002, p. 263).

As fontes que podem ser utilizadas em análises econômicas variam de

acordo com o tema que se pretende abordar. Como exemplo de fontes, temos: livros

contábeis, mercuriais, relações, memoriais e outros documentos oficiais, documentos

aduaneiros, registros cartoriais (CARDOSO, 2002).

Além destas fontes, tem-se o uso de “periódicos e jornais diários em que

haja cotações de certos artigos” (CARDOSO, 2002, p. 283). Percebendo a possibilidade

desta utilização que se pretende analisar a construção do conhecimento histórico em sala

de aula e produzir o dicionário de História Econômica para crianças, no campo da

História Econômica, a partir da utilização de impressos locais.

Entremos agora no debate a respeito da segunda inquietação acima exposta:

o questionamento a respeito da “veracidade” das fontes, nos levando a perceber que,

para os alunos, a história só poderia ser escrita a partir das chamadas fontes oficiais.

Este ponto nos leva ao debate a respeito do uso dos impressos como fontes latentes para

a construção de um novo saber histórico em sala de aula haja vista que

O uso das fontes no ensino de história pode ser uma estratégia adequada e

produtiva para ensinar história a indivíduos que não têm como objetivo se

tornar historiadores, mas para os quais o conhecimento da história pode fazer

muita diferença na compreensão do mundo em que vivem (PEREIRA. SEFFNER, 2008, p. 113).

Os impressos não se constituem como fontes que pretendem trazer à

realidade dos alunos uma verdade inquestionável a respeito do período. Vale salientar

que o que se busca neste trabalho é uma aproximação entre a escrita da história

conforme o método científico e o ensino de história e não uma representação de uma

única “verdade” a respeito do tema ensinado em sala de aula, haja vista que não é

função do historiador, nem do professor de história, apresentar uma única verdade, mas,

sim, analisar, criticar para que se possa chegar ao mais próximo possível das funções de

Page 301: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

301

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

um historiador que, segundo Dosse, são três: a função crítica, cívica e ética (DOSSE,

2012, p. 19).

Tais funções serão exercidas a partir da compreensão que temos da relação

entre o historiador e seu objeto: a renovação do caráter científico e histórico da História

Contemporânea e a reconstrução de um entendimento acerca das relações entre passado

e presente (NORA, 1992, p.49).

Então, os impressos como fontes para uma nova abordagem didática do

ensino de História são utilizados partindo do pressuposto de que são Aparelhos Privados

de Hegemonia, conceito elaborado como parte do conceito de Estado do filósofo

italiano Antonio Gramsci.

Enquanto para Marx e Lenin o Estado Capitalista era composto por

superestrutura e infraestrutura, para Antonio Gramsci (2012) 6 em Cadernos do

Cárcere: notas sobre a política de Maquiavel, esse Estado é elaborado a partir de uma

concepção de que este (o Estado) é ampliado, isto é, o Estado é Sociedade Política

(Estado no sentido restrito) e Sociedade Civil. No seio da Sociedade Civil estão os

Aparelhos Privados de Hegemonia7 e, inseridos nesses aparelhos – ou não – estão os

intelectuais orgânicos8 que transitam entre a Sociedade Política e a Sociedade Civil com

o objetivo da nacionalização deste projeto. Segundo Carlos Nelson Coutinho,

6 A obra aqui utilizada foi escrita entre 1932 e 1934. “Um dos fundadores do Partido Comunista Italiano.

Estudou literatura na Universidade de Turim, cidade aonde frequentou círculos socialistas. Filiou-se ao

Partido Socialista Italiano, tornando-se jornalista e escrevendo para o jornal do Partido (L'Avanti) e tendo

sido editor de vários jornais socialistas italianos, tendo fundado em 1919, junto com Palmiro Togliatti, o

L'OrdineNuovo. O grupo que se reuniu em torno de L'OrdineNuovo aliou-se com Amadeo Bordiga e a

ampla facção Comunista Abstencionista dentro do Partido Socialista. Isto levou à organização do Partido

Comunista Italiano (PCI) em 21 de janeiro de 1921. Gramsci viria a ser um dos líderes do partido desde

sua fundação, porém subordinado a Bordiga até que este perdeu a liderança em 1924. As teses de Gramsci

foram adotadas pelo PCI no congresso que o partido realizou em 1926. Em 1924, Gramsci foi eleito deputado pelo Veneto. Ele começou a organizar o lançamento do jornal oficial do partido, denominado

[[L'Unità]]. Em 8 de novembro de 1926, a polícia fascista prendeu Gramsci (apesar de sua imunidade

parlamentar, permaneceu preso até próximo da sua morte, quando foi solto em liberdade condicional dado

ao seu precário estado de saúde. (Disponível em:

www.marxists.org/português/dicionário/verbetes/g/gramsci.htm) 7 São considerados aparelhos privados de hegemonia as instituições localizadas na sociedade civil como a

imprensa, por exemplo, utilizadas para garantirem a hegemonia de determinado projeto, ou mesmo,

garantirem que um novo projeto se torne hegemônico. 8 Os intelectuais orgânicos podem ou não colaborar na elaboração do projeto que pode vir a ser

hegemônico, no entanto, como foi dito no corpo do texto, seu principal objetivo é a nacionalização do

projeto.

Page 302: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

302

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

O pensador italiano (Norberto Bobbio) indica corretamente uma diferença

essencial entre os conceitos de Sociedade Civil em Gramsci e em Marx:

enquanto Marx identifica Sociedade Civil com base material, com infraestrutura econômica, a Sociedade Civil em Gramsci não pertence ao

momento da estrutura, mas ao da superestrutura. (COUTINHO, 1989, p.73).

Portanto, para Gramsci, as relações são estabelecidas de forma dual, isto é,

através da coerção e do consenso e dentro da Sociedade Civil e da Sociedade Política9 e,

ainda, em uma relação entre ambas. Quando a disputa ocorre dentro da sociedade

política Gramsci caracteriza como fissura do bloco no poder e, quando na Sociedade

Civil, podem ser caracterizadas como movimentos contra - hegemônicos. Esses

movimentos contra hegemônicos se tornam hegemônicos a partir da crise de hegemonia

de determinado projeto que conduz a organização do Estado. Esta crise de hegemonia

ocorre

[...] ou porque a classe dirigente fracassou em algum grande empreendimento

político para o qual pediu ou impôs pela força o consenso das grandes massas

(como a guerra), ou porque amplas massas (sobretudo de camponeses e de pequenos burgueses intelectuais) passaram subitamente da passividade

política para uma certa atividade e apresentam reivindicações que, em seu

conjunto desorganizado, constituem uma revolução. Fala-se de “crise de

autoridade”: e isso é precisamente a crise de hegemonia, ou crise do Estado

em seu conjunto. (GRAMSCI, 2012, p.60).

Há, ainda, para Gramsci, os partidos, que são responsáveis por organizar a

vontade coletiva que geralmente são movimentos contra – hegemônicos, isto é, que

possuem projetos diferentes do que o que está hegemônico.

No que tange à tomada de poder, para Antonio Gramsci, a partir de sua

concepção ampliada do Estado, o poder pode ser tomado de duas formas: no que ele

chama de Guerra de Movimento e Guerra de Posição. Guerra de movimento seria a

tomada do poder de assalto e a chamada Guerra de Posição seria a tomada do poder a 9 A partir das concepções de sociedade civil e sociedade política Gramsci elabora os conceitos de

sociedade ocidental e sociedade oriental. Essa divisão de formas de sociedade em ocidental e oriental

nada tem a ver com a divisão geográfica, mas com a capacidade de organização da Sociedade Civil. A

Sociedade de tipo Oriental possui uma Sociedade Civil fraca, isto é, com pouca capacidade de

organização, enquanto nas Sociedades de tipo Ocidental a Sociedade Civil é forte. São exemplos de

Sociedade de tipo Oriental as em que predomina a forma de Estado Imperialista.

Page 303: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

303

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

partir da elaboração de projetos contra hegemônicos capazes de serem nacionalizados e

se tornarem hegemônicos a partir de estratégias.

Os pontos supracitados serão relacionados neste trabalho à produção

historiográfica sobre a ditadura Empresarial-Militar de 1964, especificamente no que

diz respeito ao “milagre econômico”, que tem sido alvo de debates no âmbito

acadêmico e fora dele também, sobretudo no ano de 2014 com advento dos 50 anos do

golpe. Além disso, serão base da elaboração do dicionário de História Econômica para

crianças a ser utilizado por professores como ferramenta paralela à elaboração de suas

aulas sobre o “milagre econômico” de forma que estes profissionais possam ampliar

discussões em torno do período acrescentando concepções que pouco são apresentadas

nos livros didáticos, como: capital financeiro, imperialismo, conglomerados de

financeiras, hegemonia, desenvolvimento, entre outros.

A concepção de Estado supracitada e os pontos paralelos a esta concepção

podem ser fundamentais para rompermos com a terceira inquietação apresentada neste

trabalho: a desconexão entre teoria de Estado Capitalista e a sequência dos fatos

históricos de forma que, nos livros didáticos citados, os fatos emergem unicamente por

decisões do poder executivo sem nenhuma relação com defesa de interesses.

No que diz respeito à quarta inquietação - a ausência de gráficos e

apresentação de fontes alternativas no material didático que ampliem - e facilitem - a

compreensão dos alunos a respeito do “milagre econômico” – acreditamos que a

História econômica do período caracterizado como “milagre econômico” tem sido

utilizada em larga escala nacionalmente para suster debates acerca do

desenvolvimentismo adotado pela política econômica do período. No entanto,

localmente, tem-se uma produção escassa a respeito da análise desta política econômica.

Além disso, são escassos também estudos que se proponham a analisar

como a imprensa escrita local se posiciona frente a essa política desenvolvimentista

adotada entre 1969 e 1973, isto é, são necessárias análises, por exemplo, sobre o

posicionamento institucional dos impressos locais, o espaço destinado a reportagens que

consolidem – ou não – essa política econômica para posterior relação com o ensino de

Page 304: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

304

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

História e estratégias do uso dos impressos como forma de compreensão da lógica do

período.

Este trabalho se insere na nova lógica do fazer historiográfico do Tempo

Presente sem tentar romper com a história política, mas seguindo o que Marieta Ferreira

(2000) aponta como um caminho percorrido pela história desde os Annales que tinha

como principal objetivo “questionar a hegemonia da história política” (FERREIRA,

2000, p.116), este trabalho, então: privilegia a história econômico-social; acredita que

comportamentos coletivos tem mais importância sobre o censo da história que os

comportamentos individuais; prima pela análise das estruturas e; objetiva identificar as

relações (...) que comandam os mecanismos econômicos, organizam as relações sociais

e engendram as formas do discurso (FERREIRA, 2000, p.116).

Além disso, este trabalho, em um segundo momento, pretende perceber

como os conceitos econômicos podem ser utilizados na construção do conhecimento

histórico em sala de aula a fim de despertar os profissionais em ensino de história para

uma renovação do método de ensino da história nas escolas básicas.

Então, partindo do conceito de transposição didática10

elaborado por

Chevallard e apresentado por Ana Monteiro no trabalho intitulado A História ensinada:

algumas configurações do saber escolar temos como pano de fundo teórico as análises

que nos propomos a fazer os conceitos de educação e jornalismo elaborados por

Antonio Gramsci. O filósofo italiano parte do princípio de que a escola é “o instrumento

para elaborar os intelectuais de diversos níveis” (GRAMSCI, 2012, p. 19), portanto esfera de construção

do conhecimento e formação de intelectuais, neste caso, intelectuais tradicionais e possíveis intelectuais

orgânicos11.

10Segundo Chevallard, a transposição didática nos remete à “passagem do saber acadêmico ao saber

ensinado e, portanto, à distância eventual, obrigatória que os separa, que dá testemunho deste

questionamento necessário, ao mesmo tempo em que se converte em sua primeira ferrameta”

(CHEVALLARD, Y. La transposicióndidáctica. Del saber sábio al saber ensiñado. Buenos Aires: Aique

grupo editor, s.d. Apud: MONTEIRO, Ana Maria F. C. A História ensinada: algumas configurações do

saber escolar. Londrina, Historia & Ensino, v.9, p. 37-62, out. 2003. 11 Os intelectuais orgânicos não necessitam, necessariamente, de uma educação formal pra executarem

sua função na sociedade civil, ou seja, para nacionalizarem determinado projeto que almeja estar

hegemônico. Esta é a diferença apresentada pelo autor entre os intelectuais tradicionais – que são os que

necessariamente precisam de uma educação formal para assim serem chamados - e os intelectuais

orgânicos.

Page 305: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

305

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A partir deste princípio Gramsci apresenta sua formulação a respeito da

escola: a chamada escola unitária. Segundo Gramsci,

A escola unitária (...), ou de cultura geral, deveria assumir a tarefa de inserir

os jovens na atividade social, depois de tê-los elevado a um certo grau de

maturidade e capacidade para a criação intelectual e prática e uma certa

autonomia na orientação e na iniciativa (GRAMSCI, 2012, p. 37).

Portanto, o que se pretende neste projeto é, a partir da concepção de escola

unitária como formadora de sujeitos ativos em sociedade, repensar a prática do ensino

de História como ferramenta de formação crítico-analítica dos alunos a fim de que estes

possam atuar em sociedade. Então o ensino de História se insere na lógica do sistema

escolar básico de forma que essa escola seja, nas palavras de Antonio Gramsci, uma

“escola criadora”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABUD, Katia Maria. A guardiã das tradições: a História e seu ensino curricular.

Tempo, v.11, n.21, p. 163-171, 2006.

ALVES, Alexandre. OLIVEIRA, Letícia Fagundes de. História: conexões com a

História. 2 ed. São Paulo: Moderna, 2015.

BEZERRA, Holien Gonçalves. Conceitos básicos. Ensino de História: conteúdos e

conceitos básicos. IN: KARNAL, Leandro (org.) História na sala de aula: conceitos,

práticas e propostas. São Paulo: contexto, p.37-48, 2003.

BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo:

Cortez Editora, p. 183-220, 2008.

CAMPOS, Flávio de. CLARO, Regina. Oficina de História, volumen único. 1 ed. São

Paulo: Leya, 2015.

CARDOSO, Ciro Flamarion S. Os métodos da História. Rio de Janeiro: Edições

Graal, 2002.

COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político.

Rio de Janeiro: Campus, 1989.

Page 306: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

306

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

DOSSE, François. História do Tempo Presente e historiografia. IN: Revista Tempo e

Argumento, Florianópolis, v.4, nº1, p.5-22, jan/jun., 2012.

DREIFUSS, René. 1964: a conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de

classe. Rio de Janeiro: Vozes, 1987.

FERREIRA, Marieta de Moraes. História do Tempo Presente: desafios. IN: Cultura

Vozes, Petrópolis, v.94, nº3, p.111-124, maio/jun., 2000.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Vol. 03. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2012.

_____. Cadernos do Cárcere. Vol. 02. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

MONTEIRO, Ana Maria F. C. A história ensinada: algunas configurações do saber

escolar. História & Ensino, v.9, p. 37-62, out. 2003.

NORA, Pierre. De L'Histoire Contemporaine au Présent Historique. Actes de la

journée d'études de l'IHTP. Paris: CNRS, 14 mai, 1992.

PEREIRA, Nilton Mullet. SEFFNER, Fernando. O que pode o ensino de história? Sobre

o uso de fontes na sala de aula. Anos 90. V.15, n.18, p. 113-128, dez. 2008.

PICCOLO, Monica. Reformas Neoliberais no Brasil: A privatização nos Governos

Collor e Fernando Henrique Cardoso. Niteroi: Tese de doutorado, 2010.

RODRIGUÉZ, Margarita Victoria. Pesquisa histórica: o trabalho com fontes

documentais. IN: COSTA, Célio Juvenal. MELO, Joaquim José Pereira. FABIANO,

Luiz Hermenegildo (orgs.). Fontes e métodos em História da educação. Dourados:

Ed. UFGD, p. 35-48, 2010.

VAINFAS, Ronaldo. FARIA, Sheila de Castro. [et al]. Conect: história, volume

único. 1. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

Page 307: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

GOVERNO JOÃO GOULART E IMPRENSA: UMA PROPOSTA DE

RECONFIGURAÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA DO

MARANHÃO.

Manoel Afonso Ferreira Cunha1

1. INTRODUÇÃO

O centro de análise deste trabalho é a elaboração de uma dissertação de mestrado

e um produto didático sobre o Governo João Goulart (1961 a 1964) que sirva como recurso

metodológico nas escolas da Rede Básica do Maranhão abordando as nuances do último

mandato democrático antes da ditadura empresarial-militar2 e tendo como arcabouço

documental os impressos maranhenses.

Os jornais a serem investigados serão o Jornal Pequeno e O Imparcial , dois dos

maiores veículos de comunicação do Estado do Maranhão naquele período. A partir da

construção desse conhecimento histórico temos outros objetivos: refletir sobre as

especificidades do Maranhão no contexto do Governo Goulart e destacar a importância da

utilização dos jornais impressos como importante ferramenta pedagógica.

Passados cinquenta anos do golpe de 1964 e trinta anos do processo de

redemocratização, notamos ainda inúmeras permanências do regime ditatorial vigente por

duas décadas anos em nosso país. Uma dos principais, sem dúvida, é a pouca ou quase

inexistente abordagem desse período da história do Brasil sob uma perspectiva regional em

materiais didáticos no ensino público e privado do Estado.

1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação: História, Ensino e Narrativas vinculado ao curso de História da

Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Membro do Núcleo de Pesquisa em História Contemporânea

(NUPEHIC) vinculado à mesma instituição. Bolsista de Mestrado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Ciência no Maranhão (FAPEMA). 2 A adoção do termo "Empresarial-Militar", no que se refere tanto ao golpe de 1964 quanto ao regime autoritário

subsequente, representa a marcação de um posicionamento dentro dos embates teóricos em torno do caráter da

conspiração que destituiu João Goulart do executivo federal e dos posteriores anos de estado de exceção. Tendo

em vista a utilização do termo "Civil-Militar" por uma corrente revisionista que confirma e reproduz uma série

de mistificações sobre o período, endossamos a aplicação do termo "Empresarial-Militar", originalmente

proposto pelo historiador René Armand Dreifuss em sua obra 1964: a conquista do estado. Ação política, poder

e golpe de classe, na qual é ressaltado o caráter classista do Golpe e da Ditadura.

Page 308: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

308

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

2. OS JORNAIS E OS ESTUDOS DO TEMPO PRESENTE

Outro ponto a ser considerado é o estudo da História do Tempo Presente3, tendo

em vista que as investigações históricas acerca desse período (governo Goulart e golpe de

1964) estão englobadas nessa categoria. Portanto, é de suma importância atentar para o

entendimento pleno desse momento ímpar para a História Contemporânea nacional, tendo

como foco a análise dos principais estudos históricos sobre essa temática.

Aquele que se propõe a escrever sobre a História das últimas cinco, seis décadas,

tem que ter noção do quanto o mundo mudou nesse pouco intervalo de tempo, como afirma o

historiador Eric Hobsbawm:

E, para aqueles que querem escrever a história do século XX, uma das

preocupações mais importantes reside no simples fato de saber, sem

nenhum esforço especial, o quanto as coisas se modificaram. Os últimos trinta ou quarenta anos foram os mais revolucionários da história. O mundo,

ou seja, a vida dos homens e mulheres que vivem na Terra, nunca foi

transformado de maneira tão profunda, dramática e extraordinária dentro de um período tão curto. (HOBSBAWM, 1995, p.107)

Em consonância com os estudos sobre o Tempo Presente, temos a necessidade

de enfatizar a pontualidade da utilização dos jornais impressos enquanto fontes para a

produção de conhecimento histórico.

Após a superação da noção dominante ao longo do século XIX de que os jornais

eram documentos pouco apropriados para o desenvolvimento de reflexões sobre o passado,

os impressos constituíram-se fontes primordiais para a produção histórica atual. Falando da

realidade da historiografia brasileira, o recurso aos jornais trouxe grandes avanços às

pesquisas históricas.

Necessário salientar que o uso da imprensa enquanto fonte histórica se dava de

maneira apenas secundária, como recurso para confirmação de análises pautadas em outras

documentações. Utilizar-se de periódicos impressos tem benefícios para a produção

3 Como afirma Hobsbawm, o tempo presente é o período durante o qual se produzem eventos que pressionam o

historiador a revisar a significação que ele dá ao passado, a rever as perspectivas, a redefinir as periodizações,

isto é, a olhar, em função do resultado de hoje, para um passado que somente sob essa luz adquire significação.

(FERREIRA, p.9, 2000)

Page 309: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

309

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

historiográfica, pois estas, enquanto objetos de estudo, são instrumentos de intervenção

social e manipulação de determinados interesses.

Não há como negar que para o estudo da História do Brasil contemporâneo,

utilizar fontes impressas tem grande relevância. Tânia Regina de Luca, no seu artigo

História dos, nos e por meio dos periódicos, presente no livro Fontes Históricas, organizado

pela professora Carla Bassanezi Pinsky, afirma que o papel desempenhado pelos jornais em

qualquer tempo histórico, mas especialmente em períodos de regime autoritário, tem

ressonância nas preocupações contemporâneas.

Para Tânia de Luca, uma melhor historicização das fontes impressas, em especial dos

jornais, requer:

Condições materiais e técnicas em si dotadas de historicidade, mas que se

engatam a contextos socioculturais específicos, que devem permitir localizar a fonte escolhida numa série, uma vez que esta não se constitui

em um objeto único e isolado. Noutros termos, o conteúdo em si não pode

ser dissociado do lugar ocupado pela publicação na história da imprensa,

tarefa primeira e passo essencial das pesquisas como fontes históricas. (DE LUCA, 2008, p.139)

A aula de História tem sua perspectiva ampliada a partir do momento em que

existe a percepção de que a sala de aula é um espaço de compartilhamento de experiências

individuais e coletivas, de relação dos sujeitos com diferentes saberes envolvidos na produção

do saber escolar (SCHIMIDT, p.299, 2005). Ao recuperar a vivência pessoal e coletiva de

alunos e professores, notá-los como participantes da realidade histórica, contribui-se para a

construção de uma consciência histórica. Ao oferecer uma "função prática" de dar identidade

aos sujeitos, a consciência histórica dá uma dimensão temporal à realidade que em os alunos

vivem. Sendo assim, cabe pontuarmos às diferentes conceituações do que é História.

O conceito de História pode ser empregado de várias formas segundo Estevão

Martins em artigo intitulado História: consciência, pensamento, cultura, ensino, publicado na

revista paranaense Educar em Revista, no ano de 2011. O primeiro emprego se dá no sentido

de que a História se refere à totalidade das ações humanas no tempo e no espaço; o segundo, e

mais comum, enquanto produto de procedimentos teóricos e metodológicos de investigação

do passado, ou seja, a ciência da História através de uma narração demonstrativa; e a última

Page 310: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

310

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

se define como um produto finalizado da narrativa científica, a chamada historiografia,

submetida à convenções e controles metódicos de espacialidade.

Neste sentido, o propósito deste trabalho, que já foi exposto acima, nasce de um

importante debate acerca de como a História, enquanto matéria escolar, ainda apresentar uma

grande defasagem entre o conhecimento histórico produzido na academia, através de pesquisa

científica, e os seus "resultados" difundidos nos sistemas de ensino pedagógicos da educação

básica. Em Historiografia, memória e ensino: percursos de um reflexão , a professora Maria

da Glória Oliveira destaca que dentro do ofício de historiador, um dos traços e tarefas mais

importantes é a sua atuação como professor de História.

Em convergência com os estudos acerca do ensino de história e da importância do

papel do professor em sala de aula, apontamos também a necessidade de elaboração de

materiais didáticos, e no caso específico do trabalho proposto aqui nesse espaço textual, um

material paradidático. Marieta Moraes Ferreira, em Desafios do ensino da História, entende

que os materiais didáticos devem desenvolver a capacidade crítica do aluno mediante

problematização dos diversos discursos e interpretações existentes.

3. GOVERNO JANGO E O GOLPE DE 1964: UMA REVISÃO HISTORIOGRÁFICA.

O debate historiográfico sobre a conjuntura que levou ao golpe em 31 de março de

1964 parte de interpretações tanto no campo da História quanto da Ciência Política. Os

primeiros estudos históricos relativos ao Golpe de 1964 tardariam, tendo em vista as

dificuldades inerentes a chamada "História do Tempo Presente", além é claro da carência de

fontes documentais.

Discutir as mais diversas concepções sobre esse momento histórico, seja no

campo da história ou da ciência política, constitui-se parte importante deste projeto.

Identificar e refletir sobre as principais perspectivas de entendimento do Golpe de 1964 é de

suma importância para qualquer investigação, seja voltada para a educação e suas estratégias

pedagógicas ou para a pesquisa acadêmica. Com objetivo de problematizar as relações entre

Estado e oposição, levando em consideração os complexos mecanismos de dominação

Page 311: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

311

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

política e social a partir do golpe de 1964, Maria Helena Moreira Alves4 faz uma análise do

período presidencial de João Goulart.

A cientista política afirma que o governo de Jango foi o período mais fecundo

para a organização proletária no país. Naquele momento o clima político fomentava o

desenvolvimento de formas de organizações mais profundas e efetivas, no entanto, parte da

sociedade brasileira não via aquela politização das massas com bons olhos, como vemos:

A rápida organização da classe trabalhadora e do campesinato assustou as

classes mais altas, que nunca antes haviam sido forçadas às mínimas

concessões em questões como salários, condições de trabalho ou mesmo organização sindical. (MOREIRA ALVES, 1985, p.22)

Nesta visão, o golpe de Estado, orquestrado pelos setores dominantes da

sociedade brasileira, em aliança com o capital internacional, teve como premissa ideológica a

Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento:

Um dos meus principais objetivos é examinar como a Doutrina de Segurança

Nacional e Desenvolvimento tem sido utilizada para moldar as estruturas de Estado, impor formas específicas de controle da sociedade civil e delinear

um projeto de governo do Brasil. (MOREIRA ALVES, 1985, p.27)

Outra vertente da Ciência Política que confere menos atenção ao Golpe como

resultado de uma ação projetada de uma coalizão de classes e foca a análise no regime em

seus anos subsequentes, tem como precursor Alfred Stepan e sua obra “Os militares na

política: mudanças de padrões na vida brasileira”. Segundo o estudioso, as Forças Armadas

nada mais era que um subsistema que inserido em um sistema político de maior amplitude,

calcando suas ações a partir da busca de unidade interna e de uma ação regente, ou melhor,

"moderadora".

Portanto, as três armadas buscavam reequilibrar, em unidade, pelo viés autoritário,

o sistema político em crise, atribulado por desavenças e pressões ideológicas diversas. Para

Stepan, o golpe rompe com modelo de intervenção militar na política nacional, levando o

exército a permanecer no poder por muito mais tempo.

4MOREIRA ALVES, Márcia Helena. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Editora Vozes, 2°edição, 1984.

Page 312: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

312

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

No campo da História alguns trabalhos merecem destaque. Nesta parte

enfatizaremos pesquisas de diversas orientações teóricas e que trazem perspectivas

importantes sobre o tema. Para iniciar, traremos pontuais contribuições dos estudos que

tomaram como eixo teórico o marxismo.

Seguindo uma tendência de força dentro da ciência política na década de 1980,

que recolocou a ação política no eixo de análise, René Armand Dreifuss, autor da obra 1964:

A Conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe, publicada em 1981, produz

uma tese extremamente pontual acerca do que foi a conjuntura do governo Goulart e do Golpe

de 1964. Sustentado por uma vasta documentação, o historiador uruguaio analisa a luta por

hegemonia desencadeada pela grande burguesia em associação com o capital multinacional.

As reflexões de Dreifuss, ao colocarem luz sobre duas importantes organizações

empresariais existentes na década de 1960 no Brasil, o Instituto de Pesquisas e Estudos

Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), acabam por destacar o

caráter extremamente classista do movimento político autoritário exitoso em 31 de março.Ao

classificar essas agências (IPES e IBAD), na visão gramsciana, como Aparelhos Privados de

Hegemonia, Dreifuss prova que os empresários elaboraram um projeto de tomada e

remodelamento do Estado brasileiro.

Existia, portanto, claro propósito de explicitar que o capital multinacional e

associado não encontrava correspondente liderança política na figura de João Goulart.

Naquele momento, na ótica de Gramsci, acontece a nacionalização de um projeto de classe,

ou melhor dizendo, de fração de classe, falando especificamente do capital multinacional e

associado.

Sendo assim, o complexo IPES/IBAD, para Dreifuss, se constitui enquanto

Estado-Maior da burguesia multinacional, pois esta passa a planejar e desenvolver um projeto

de condução ao poder, ou seja, de tomada do Estado. Para isso, amplas campanhas de

desestabilização do presidente João Goulart foram realizadas, envolvendo atividades de

instrução anticomunista e também de profunda crítica ao "atraso" das oligarquias rurais, do

intervencionismo estatal e da corrupção desenfreada incrustada, segundo eles, na essência

política "populista".

Page 313: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

313

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

O segundo grande trabalho no campo do marxismo, relacionado aos estudos sobre

o golpe de 1964 e a ditadura empresarial militar de 1964 foi o livro “O Combate nas Trevas.

A Esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada”, de Jacob Gorender, historiador

marxista e membro do Partido Comunista Brasileiro. Em sua famosa obra, Gorender traz uma

excelente análise daqueles momentos efervescentes vividos pelo Brasil na década de 1960.

Enfocando o espectro da atuação das esquerdas, Gorender tem postura crítica em

relação ao presidente João Goulart que, acima de sua condição política pessoal, preferiu

manter a ordem burguesa com tal, sem responder ao golpe. Para ele, Jango evitou um

confronto por medo de perder o controle político. O historiador vai mais além ao falar de uma

literatura corrente sobre esse momento da história recente do Brasil

Tornou-se corrente na literatura acadêmica a assertiva de que, no pré 64,

inexistiu verdadeira ameaça à classe dominante brasileira e ao imperialismo.

Os golpistas teriam usado a ameaça apenas aparente como pretexto a fim de implantar um governo forte e modernizador. (GORENDER, 1987, p.66).

Novas interpretações sobre o governo João Goulart, sua destituição (Golpe de

Estado em 1964) e o regime seguinte (Ditadura) ganharam força nos últimos anos. Na visão

destes, no contexto político da primeira metade da década de 1960, todos os sujeitos

históricos de relevância para o cenário nacional, seja à direita (militares "duros", liberais,

conservadores, direita civil, empresários), ou à esquerda (PCB, Brizola, as Ligas Camponesas,

CGT, UNE, sindicalistas, progressistas, nacionalistas, militares subalternos), tinham

pretensões conspiracionistas, sendo o Golpe iminente.

No âmbito dos historiadores, as concepções de Argelina Figueiredo encontram

respaldo nas elaborações de Daniel Aarão Reis Filho, e mais uma vez a pesquisa do cientista

político a tese de Dreifuss é alvo de críticas. Para Reis Filho, existe uma superestimação da

atuação do IPES. Isto posto, fica mais que compreensível que na concepção do autor de “O

colapso do populismo", a direita se apresenta como uma mera força de reação perante o

radicalismo das esquerdas, acusado-as estas de terem uma leitura apenas instrumental do

regime democrático.

Page 314: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

314

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Um dos maiores expoentes dessa operação revisionista, Marco Antonio Villa

afirma em suas pesquisas que direita e esquerda se equivaliam em termos antidemocráticos.

Segundo o pesquisador, inexistia uma cultura política democrática na sociedade brasileira e

que, nessa perspectiva, determinados sujeitos políticos elaboraram um complexo projeto de

destituição do presidente Goulart e de tomada de estado.

Tomando como eixo de análise o comportamento das esquerdas, o historiador

Jorge Ferreira retrata que estas sempre foram radicais, sectárias, intolerantes e que faziam

ponderações revolucionárias e de rompimento institucional. Sendo assim, para o autor de O

governo João Goulart e o golpe civil-militar de 1964, a direita está quase sempre em

comportamento de resposta ao radicalismo das esquerdas, estando aquela "assustada" com as

ações de Brizola, CGT, Ligas Camponesas, subalternos militares, sindicatos, UNE, dentre

outros.

Na contramão da literatura revisionista, surgiu recentemente um campo de estudos

da historiografia que aprofundou os conceitos acerca da categorização do que foi o golpe e a

ditadura subsequente. A terminologia "empresarial-militar", trazida por esses historiadores,

significa um recado para a academia e a sociedade em geral que apenas apontar a ofensiva

golpista e o regime como "civil-militar" pode não ser suficiente, e a até mesmo suscetível a

generalizações.

A necessidade de uso da denominação "Empresarial-Militar", segundo estes

pesquisadores, se dá pelo profundo teor classista existente no Golpe de 1964, e do regime que

entrava em vigência a partir dali. Perceber como importantes associações civis como o

Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática

(IBAD), em aliança com Escola Superior de Guerra (ESG) trabalharam incessantemente em

campanhas conspiracionistas e golpistas que descaracterizavam o regime democrático

denotam a necessidade de identificar quais segmentos civis elaboram um projeto de tomada e

remodelagem de estado.

O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Renato Luís do Couto e

Lemos, em artigo intitulado “Contrarrevolução e Ditadura: ensaio sobre o processo político

pós-1964”, versa sobre o processo político brasileiro de 1964. Sua pesquisa corrobora com a

Page 315: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

315

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

leitura de Golpe e Ditadura Empresarial-Militar que surgiu recentemente em contraposição ao

revisionismo historiográfico sobre a temática aqui no Brasil.

Abordando as temporalidades de Fernand Braudel e a noção de contrarrevolução,

Renato Lemos traça um importante olhar as condições que fomentaram o Golpe de Estado em

1964 e sobre a ditadura subsequente. Na sua visão, explicar as razões do Golpe e da Ditadura

que ele denomina como burguês-militar é retomar cruzamentos históricos de longa, média e

curta duração do período de 1914 a 1989.

Para o historiador, a contrarrevolução é o elemento que conecta os tempos, ou

seja, percebendo a história política brasileira (história da luta de classes) na "longa duração", a

crise da democracia no país, o golpe de estado e o regime autoritário seguinte estão

articulados às lutas de classes no âmbito do sistema capitalista mundial. Assim, a partir da

revolução russa de 1917, passou a existir uma forte tendência à preservação dos privilégios do

capital.

Sendo assim, o Golpe de 1964 foi entendido como uma ação de classe pelo

historiador Demian Bezerra de Melo. Mais que um movimento classista, seus estudos

identificam quais frações da classe dominante conspiraram no golpe e que depois

enriqueceram abruptamente durante a ditadura. Para o autor de “O golpe de 1964 como uma

ação de classe”, a ditadura representou um grande negócio para o grande capital.

Para o pesquisador, algumas evidências reforçam a tese de que houve sim um

Golpe e uma Ditadura Empresarial-Militar. Como evidências disso, temos a aceleração da

acumulação capitalista, a expansão da fração do capital ligada à industria de bens duráveis e o

fortalecimento de outras frações das classes dominantes brasileiras.

Como exemplos eloquentes, pensemos o empresariado ligado à construção

civil (como os grupos Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior e Odebrecht), à industria pesada (Gerdau, Votorantim, Villares, entre outros),

sem esquecer o sistema bancário (de que são exemplos os grupos Moreira

Salles, Bradesco e Itaú), grupos que construíram ou consolidaram seus

impérios naquele contexto. No ramo das telecomunicações, a maior empresa do país, a Rede Globo, cuja trajetória de colaboração com o regime ditatorial

está bem descrita no documentário Muito Além do Cidadão Kane, de Simon

Hartog (Reino Unido, 1993), deve ser incluída na lista. (MELO, 2012, p.3)

Page 316: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

316

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A proposta de análise classificação por "empresarial-militar", surgida na tese de

René Dreifuss, talvez seja um caminho para criticarmos às novas abordagens que procuram

"anistiar historiograficamente" aqueles que procuram equiparar todos os sujeitos sociais que

participaram e viveram aqueles anos. Igualar as responsabilidades da "sociedade" e dos

"golpistas" e "ditadores" possa não ser opção para que as reflexões e análises históricas

contribuam de maneira direta na sociedade.

4. PROPOSTA PEDAGÓGICA: OS JORNAIS E O ENSINO DE HISTÓRIA

Dessa forma, buscamos, por meio do Programa de Mestrado Profissional em

História da Universidade Estadual do Maranhão, através da linha de pesquisa Historiografia

e Linguagens, produzir um recurso didático que investigue de que forma a imprensa escrita

maranhense, através dos jornais O Imparcial e Jornal Pequeno, interpretaram os principais

fatos e notícias referentes à crise institucional do governo Jango.

A partir de questões pontuais como a campanha da legalidade em torno da posse

de João Goulart, da emenda parlamentarista, das reformas de base, do plano trienal, da

conjuntura pré-golpe, do momento do golpe até à posse de militar Castelo Branco,

objetivaremos a construção do conhecimento histórico através da elaboração de um material

paradidático que exponha e problematize esses pontos sob o prisma da realidade maranhense,

servindo de conteúdo auxiliar para os professores de História da rede pública do Maranhão. O

interesse tal material têm em vista responder a uma necessidade muito comum no ensino de

História no Maranhão: a ausência de abordagem em materiais didáticos das escolas, sejam

elas públicas ou privadas, sobre o governo Goulart.

Exemplo claro se dá no colégio Santa Terezinha, localizado no centro de São

Luís. Esta instituição utiliza material da editora Saraiva para o ensino fundamental. Este

material é produzido fora do Estado do Maranhão, e traz um panorama "nacional" com ênfase

em acontecimentos e reflexões elaboradas no centro-sul, especialmente Rio de Janeiro e São

Paulo.

Page 317: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

317

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Fonte: Saber e Fazer História (9 ano): Gilberto Cotrim e Jaime Rodrigues (Páginas

244, 250 e 251)

Este projeto também ambiciona tocar outras questões importantes que justificam a

necessidade de tal pesquisa. Trata-se da essência democrática do ensino estabelecida pelo

Ensino da História. A atual conjuntura brasileira de crise política, de criminalização dos

movimentos sociais, do conservadorismo e da intolerância e preconceito contra minorias

ressaltam ainda mais a importância do conhecimento histórico dentro e fora de sala de aula.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental para a disciplina de

História apresentam alguns objetivos importantes para se relacionar com a perspectiva

democrática de construção da cidadania dos alunos:

Compreender a cidadania como participação social e política, assim como

exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando

o outro e exigindo para si o mesmo respeito; Posicionar-se de maneira

crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas;”

(PCN, 1998, p. 7)

Tais propósitos são condizentes com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional nº 9.394/96, que tem como um dos objetivos finais da Educação, o preparo para o

exercício da cidadania (art. 2º), que também apresenta como princípios basilares o respeito à

liberdade e o apreço à tolerância (art. 3º inciso IV).

Seguindo a linha de pesquisa Historiografia e Linguagens escolhida por este

projeto, a proposta de trabalho descrita no corpo deste texto tem como propósito desenvolver

uma perspectiva crítica, tanto de alunos quanto de professores. O conhecimento

Page 318: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

318

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

historiográfico acerca do governo João Goulart e dos primeiros momentos da Ditadura

Empresarial-Militar, além do enfoque na questão metodológica (jornais maranhenses como

recurso didático) utilizados para a pesquisa, desenvolverão uma consciência crítica que

transformará as ações do profissional docente no cotidiano escolar local.

Portanto, a utilização dos jornais como recurso metodológico para elaboração de

um paradidático que poderá ser usado em sala de aula construirá um conhecimento pautado

nas reflexões sobre as dimensões materiais, práticas e cognitivas do ensino aprendizagem.

Logo, esta pesquisa e produção histórica aqui proposta tem profunda ligação com o eixo

História, Historiografia e Recurso Didático, inserido na linha de pesquisa Historiografia e

Linguagens.

Neste sentido, concluímos que o seguinte projeto de pesquisa se encontra

plenamente contemplado na linha de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em História da

Universidade Estadual do Maranhão. Tal proposta insere-se adequadamente na linha

Historiografia e Linguagens bem como na proposta de Mestrado - História, Ensino e

Narrativas.

Os jornais impressos se apresentam como um importante recurso pedagógico para

o ensino atual por gerar informações que favorecem a aprendizagem e o desenvolvimento

crítico e cognitivo dos alunos. A leitura dos jornais, tanto para professores quanto para alunos,

tem sua vantagem por ser um instrumento de acesso fácil, e de atual e vasta carga de

informações, facilitando a apropriação de conhecimento.

Segundo Theodoro Silva em Revalorização do livro diante das novas mídias.

Veículos e linguagens do mundo contemporâneo: a educação do leitor para as encruzilhadas

da mídia, o discurso jornalístico enaltece três vertentes para o ensino. A primeira linguística,

por apresentar vários tipos de escrita (argumentativa, descritiva, dissertativa e narrativa); a

segunda cognitiva, importante na atualização de informações, conhecimento e crítica; e última

de cidadania, por se mostrar um novo espaço de cultura e socialização que se abre

diariamente.

Os jornais merecem valorização no âmbito pedagógico devido ao fato de

estimular a prática da leitura seja por satisfação pessoal ou por lazer, incentivando que o aluno

também leia em casa, nas bibliotecas e na sala de aula. A partir desse exercício o estudante se

Page 319: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

319

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

tornará um leitor criativo, crítico e consciente da sua realidade, fundamentando suas opiniões

e fugindo do senso comum. Portanto, cabe destacar as principais contribuições da utilização

dos impressos em sala de aula:

- desenvolver o hábito e o prazer pela leitura

- estimular o aluno a ser um sujeito informado e interesses em assuntos particulares e

coletivos

- transformar o aluno em um cidadão crítico, consciente e participante

- viabilizar a utilização dos jornais como recurso didático

- promover a integração entre o currículo escolar e a realidade do dia a dia

- atender aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's)

O estudo da crise institucional que motivou o golpe em 31 de março de 1964 e

que culminou com o rompimento democrático com a deposição do então presidente João

Goulart será efetuado por meio de investigação dos principais jornais impressos em circulação

na capital São Luís no período de 1961 a 1964. Esse recorte cronológico marca desde a posse

de João Goulart até a ascensão ao poder do marechal Castelo Branco no 11 de abril de 1964.

Os periódicos que serão objetos de análise são o Jornal Pequeno e o jornal O

Imparcial, dois dos impressos do Estado do Maranhão até os dias de hoje. As fontes estão

acondicionadas na Biblioteca Pública Benedito Leite, centro de São Luís. A instituição

permite livre acesso aos arquivos que se encontram em bom estado de conservação em sua

grande maioria.

O uso e manuseio dos jornais nesta pesquisa vêm a calhar com a opção teórica do

trabalho, tendo em vista que, segundo Antonio Gramsci, os impressos, inseridos no campo

dos meios de comunicação, constituem-se enquanto Aparelhos privados de Hegemonia. Neste

prisma, o posicionamento institucional destes jornais possui papel fundamental na luta de

classes e nas disputas entre projetos de classes e coalizões de classes distintas pelo controle do

aparato estatal.

O Estado ampliado, segundo Antonio Gramsci, consiste na união entre sociedade

civil e sociedade política, isto é, na hegemonia revestida de coerção. Assim, a sociedade civil,

a partir de seus aparelhos privados de hegemonia (sistema escolar, meios de comunicação,

Page 320: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

320

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

partidos políticos, sindicatos, sistema jurídico, Igreja, movimentos sociais, entre outros) se

constitui como espaço de hegemonia, ou seja, o espaço da luta de classes.

Logo, existe a necessidade de pensar as esferas econômicas em conjunto com as

culturais e políticas, ou seja, a realidade social apresenta uma perspectiva totalizadora. Assim,

o Estado apresenta uma figura educadora, "formadora de consenso em relação a determinadas

práticas culturais e morais"

“Uma classe é hegemônica, dirigente e dominante, até o momento em que -

através de sua ação política, ideológica, cultural - consegue manter articulado um grupo de forças heterogêneas, consegue impedir que o

contraste existente entre tais forças exploda, provocando assim uma crise na

ideologia dominante, que leve à recusa de tal ideologia, fato que irá coincidir com a crise política das forças no poder” (GRUPPI, 2000, p. 70).

A partir disso, é importante refletir sobre o protagonismo dos meios de

comunicação na função de construção de consenso em uma sociedade. Aquilo que então é

publicado nos jornais, na ótica gramsciniana, visa reverberar os interesses das classes

dominantes em detrimento das classes trabalhadoras. Isto é, os jornais assumem a função de

partidos políticos, de organizadores da vontade coletiva em torno de um projeto político-

ideológico elaborado por uma classe ou por uma coalizão de classes.

É neste campo que vai existir a possibilidade de universalização de um projeto de

classe, ou de frações de classe. Será na sociedade civil que as classes dominantes poderão se

tornar dirigentes, isto é, quando elas se tornam núcleo do Estado restrito. Partindo desta

perspectiva que os meios de comunicação, apresentados aqui como aparelhos privados de

hegemonia, que vamos problematizar sobre a função dos jornais durante o governo de João

Goulart e, principalmente, sobre as interpretações a respeito do golpe empresarial-militar de

1964.

Sendo assim, torna-se sumariamente necessário uma reflexão cuidadosa sobre os

editoriais, matérias, reportagens, imagens, colunas que expressem a opinião do jornal e

também do seu corpo de jornalistas. Os jornais, por diversos momentos, apresentaram

comportamentos convergentes e divergentes sobre determinados assuntos já pesquisados em

outros trabalhos que exigiam uma análise mais simples.

Page 321: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

321

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

No entanto, este projeto objetiva algo mais profundo, levando em consideração o

posicionamento dos jornais O Imparcial e Jornal Pequeno em relação a momentos marcantes

como a campanha da legalidade em prol da posse de Jango, a solução parlamentarista para a

questão, bem como outros temas (plebiscito presidencialista, greves, reformas de base, golpe ,

a ação do Supremo Comando Revolucionário e também a posse de Castelo Branco).

O primeiro momento será destinado a leitura da historiografia produzida sobre o

governo João Goulart e a ditadura, tanto em âmbito nacional quanto regional. Fará também

parte deste estágio a análise de obras de fundamentação teórica e historiográficas já

destacadas anteriormente. Essas primeiras etapas são de suma importância para uma melhor

leitura e compreensão das fontes jornalísticas que serão analisadas na pesquisa.

A segunda parte será marcada pelo mapeamento dos acervos documentais do

Jornal Pequeno e Jornal do Dia, localizados na Biblioteca Pública Benedito Leite.

Posteriormente essas fontes serão fotografadas, com enfoque nas matérias e/ou editorias de

cunho econômico e político do governo João Goulart.

Feito isso, o terceiro e último momento será analisar as matérias e editoriais,

tentando perceber o posicionamento destes jornais durante o período de 1961 a 1964,

contribuindo para a produção de conhecimento histórico a partir de novas estratégias

pedagógicas relacionadas à elaboração de material instrucional sobre esse período da história

do país, levando em consideração às peculiaridades do nosso Estado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste sentido, a pesquisa apresenta grande relevância, pois poderá contribuir no

caminho de solução para esse problema, já que o trabalho aqui proposto visa ampliar o

conhecimento da academia e da sociedade maranhense sobre esse importante momento da

História Política brasileira, estabelecendo novas estratégias pedagógicas através da elaboração

de um material paradidático sobre o período pré-golpe.

Sendo assim, necessita-se destacar as especificidades e singularidades históricas

do Maranhão, servindo de elo para o desenvolvimento de maiores estudos sobre a temática em

Page 322: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

322

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

nosso Estado. Pensando a realidade brasileira, especificamente o panorama local, ainda há

muito a se fazer com os jornais.

Existem atualmente importantes projetos de estudo utilizando os jornais para

racionar determinada temática, no entanto, o que ainda falta na historiografia nacional e,

principalmente, na escrita da História do Maranhão, são investigações acerca dos próprios

jornais, ou seja, uma história da própria imprensa.

REFERÊNCIAS

ANHUSSI, Elaine Cristina. O uso do jornal em sala de aula: sua importância e

concepções de professores / Elaine Cristina Anhussi. - Presidente Prudente: [s.n], 2009.

COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. Rio de

Janeiro: Campus, 1989.

LEMOS, Renato. Anistia e crise política no Brasil pós-1964. Topoi. Rio de Janeiro, dezembro

2002, pp. 287-313.

Parâmetros Curriculares Nacionais: História. Secretaria de Educação Fundamental.

Brasília: MEC/SEF, 1998.

COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. Rio de

Janeiro: Campus, 1989.

DE LUCA, Tania Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. in PINSKY, Carla

Bassanezi. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2008.

DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de

Classe. Petrópolis: Vozes, 1981.

FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização, 2011.

FICO, Carlos. Além do Golpe: versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar.

Rio de Janeiro: Record, 2004.

FILHO, Eduardo Meinberg Albuquerque Maranhão. Para uma História do Tempo

Presente. Revista Catarinense de História, Florianópolis, n.17, p.137-151, 2009.

GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas – A Esquerda Brasileira: das ilusões perdidas

à luta armada. São Paulo: Ática, 1987.

GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere, vol. 3. Maquiavel e a Política do Estado

Moderno (caderno nº 13). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

HOBSBAWM, Eric. J. O Presente como História: escrever a história de seu próprio

tempo. Novos Estudos CEBRAP N.° 43, novembro 1995 pp. 103-112.

IANNI, Octávio. O colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

1971.

LDB nacional [recurso eletrônico] : Lei de diretrizes e bases da educação nacional : Lei nº

9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação

nacional. – 11. ed. –Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015. – (Série

legislação ; n. 159)

LEMOS, Renato . Contrarrevolução e ditadura: ensaio sobre o processo político

brasileiro pós-1964. Marx e o marxismo, v. 2, p. 111-138, 2014.

Page 323: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

323

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

MACHADO, Eduardo de Andrade. História do Tempo Presente: um desafio possível.

http://tempopresente.org/index.php?option=com_content&view=article&id=5310:historia-do-

tempo-presente-um-desafio-possivel&catid=36&Itemid=127.

MELO, D. B. A Miséria da Historiografia: uma crítica ao revisionismo contemporâneo.

Rio de Janeiro: Consequência, 2014.

_____________Ditadura 'civil-militar'?: controvérsias historiográficas sobre o processo

político brasileiro no pós-1964 e os desafios do tempo presente. Espaço Plural (Marechal

Cândido Rondon. Online), v. 27, p. 39-53, 2012.

MOREIRA ALVES, Márcia Helena. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Editora

Vozes, 2°edição, 1984.

REIS FILHO, Daniel Arão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá. A Ditadura que

mudou o Brasil: 50 anos do Golpe de 1964. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.

__________________________ O Golpe e a Ditadura Militar: quarenta anos depois

(1964-2004). Bauru, SP: Edusc, 2004.

SILVA, E. T. Revalorização do livro diante das novas mídias. Veículos e linguagens do

mundo contemporâneo: a educação do leitor para as encruzilhadas da mídia. In: Integração

das Tecnologias na Educação. Ministério da Educação, Secretaria de Educação a Distância

Esplanada dos Ministérios, Bloco L - Brasília/DF. 2005. (p.32-37)

SPOHR, Martina . A relação empresarial-militar entre Brasil e Estados Unidos no golpe

de 1964. Militares e Política (UFRJ), v. 9, p. 52-63, 2012.

STEPAN, Alfred. Os militares na política. As mudanças de padrões na vida brasileira.

Rio de Janeiro: Artenova, 1975.

SKIDMORE, Thomas. Brasil de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

VILLA, Marco Antonio. Ditadura à brasileira 1964-1985: A democracia golpeada à

esquerda e à direita. São Paulo, 2014.

_____________________ Jango, um perfil. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2004.

Page 324: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

324

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

HISTÓRIA DO MARANHÃO NA SALA DE AULA: A CONSTRUÇÃO DA

ORDEM POLÍTICA IMPERIAL NA PROVÍNCIA DO MARANHÃO

(1823-1841)

Yuri Givago Alhadef Sampaio Mateus

1. JUSTIFICATIVA

Essa temática de pesquisa teve início com o projeto de iniciação científica1

desenvolvido ao longo da graduação em que analisei a participação popular nas lutas

sociais e políticas no período que corresponde à construção da nova ordem imperial no

Maranhão no pós-independência, apresentando suas motivações, características e a

relação dos segmentos populares com as elites liberais e seu ideário político. A pesquisa

resultou também na monografia de conclusão de curso intitulada: A Setembrada: lutas

políticas e participação popular no Maranhão oitocentista (1831-1832), além de alguns

trabalhos apresentados em congressos acadêmicos.

Na pesquisa monográfica analisei a participação popular nas lutas sociais e

políticas no período inicial da Regência por meio do estudo da Setembrada, um

movimento antilusitano ocorrido em 1831 na cidade de São Luís e em algumas partes

do interior da província, que contou com a participação dos liberais exaltados, povo e

tropa. O período regencial foi a primeira experiência brasileira de descentralização

política e durante essa fase o país foi palco de uma série de rebeliões que se espalharam

pelas províncias. Dentre as revoltas ocorridas em 1831, no contexto da abdicação do

imperador D. Pedro I, a que ocorreu no Maranhão recebeu o nome de Setembrada,

1 Intitulado “Cabras, Patrioteiros, Balaios e Bem-Te-Vis”: disputas políticas e participação popular no

Maranhão (1823 – 1841)’’ que foi coordenado pela Profa. Dra. Elizabeth Sousa Abrantes, do

Departamento de História e Geografia, da Universidade Estadual do Maranhão, tendo como subprojeto o

plano de trabalho intitulado “Bandidos ou rebeldes? - a participação popular nas lutas políticas no

Maranhão imperial (1823-1841)”, desenvolvido nos anos 2013 a 2015 no programa de iniciação

científica (PIBIC-FAPEMA). Em 2014, esse projeto de iniciação científica recebeu a Menção Honrosa no

XXVI SEMIC (Seminário de Iniciação Científica). No ano de 2015, esse projeto de iniciação científica

foi premiado como Bolsista Destaque no XXVI SEMIC (Seminário de Iniciação Científica).

Page 325: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

325

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

eclodindo no mês de setembro, com novos episódios de sublevação em novembro e uma

resistência que se estendeu até julho de 1832 contando com a liderança popular.

Apresentei neste estudo monográfico as motivações e características do

movimento, com destaque para a participação popular que foi omitida pela

historiografia tradicional e consolidou a imagem de que as camadas populares eram

rebeldes sem causa, desordeiros, vadios, bandidos, dentre outros adjetivos de conotação

pejorativa. Esses grupos de indivíduos sociais ficaram à margem da história, esquecidos

pela historiografia. No entanto, estudos recentes apontam uma nova leitura sobre a

participação popular nas lutas políticas do Maranhão pós-independente. Além da análise

documental, fiz uma breve análise bibliográfica da Setembrada, uma vez que é um tema

pouco abordado na historiografia maranhense, até o momento sem nenhuma obra

histórica completa dedicada ao tema, sendo seu estudo contemplado em alguns

capítulos de obras sobre o contexto político do Maranhão pós-independência, além de

um romance histórico.

A pesquisa possibilitou conhecer a temática de história política e social do

Maranhão na primeira metade do século XIX. A partir da monografia surgiu o interesse

de fazer abordagens didáticas e colocar essas questões além das discussões acadêmicas

e estendê-la a educação básica, especificamente ao Ensino Médio, permitindo ao aluno

conhecer esses processos históricos.

Muitas vezes a História Regional, sendo mais específico a História do

Maranhão, tem permanecido longe dos interesses e alcance dos alunos. Isso acontece

devido alguns fatores como a ausência de um material didático que aborde a História do

Maranhão. Outro fator foi à adesão das universidades públicas ao Exame Nacional de

Ensino Médio (ENEM) que fez com que os alunos dessem atenção a história que não

contempla os estudos regionais. Sobre a história regional, Giron (2000, p. 28-29, grifo

nosso), diz que:

[...] a história regional, filha do espaço e da dependência,

considerada por muitos como apenas bastarda do Clío [...] O

preconceito contra a história regional é tão antigo como a própria

História. Já os gregos rejeitam a história regional, ao estudar grandes

mudanças históricas que excluem, não só a história local, como os historiadores locais. A concepção histórica dos gregos,bem como sua

Page 326: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

326

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

filosofia, permanecem ao longo dos séculos. A história regional

continua sendo repelida para fora da história geral, tanto então como

agora. Tal rejeição tem um sentido e obedece a alguns pressupostos

teóricos e ideológicos.

Segundo os PCN’S, a importância da história no currículo escolar não se

prende apenas a uma preocupação com a identidade nacional, porém a disciplina pode

oferecer contribuição específica ao desenvolvimento dos estudantes como sujeitos

conscientes, capazes de apreender a História como conhecimento, como experiência e

prática de cidadania. O Saber histórico escolar, como conhecimento produzido no

espaço escolar, desempenha um papel de tornar o aluno um observador atento das

realidades em sua volta, capacitado para estabelecer relações, comparações e

relativizando sua atuação no tempo e espaço. Isso é importante para a construção de

uma história local parcialmente desconhecida, desvalorizada, esquecida ou omitida.

Geralmente os livros didáticos trazem em seu conteúdo temas mais gerais, e

às vezes de cunho historiográfico conservador e não trazendo a tona temas mais

específicos da História Regional. Ao observamos os livros didáticos, os espaços dados a

História do Maranhão, quando isso acontece, são minúsculos, sem muita expressão.

Sabemos que para a produção de um material didático há todo um processo e salienta

Engel (2009) que as produções didáticas são consideradas produto cultural dotado de

alto grau de complexidade, tendo sua autoria plural, na qual fazem parte, além do autor,

as figuras do editor, dos programadores visuais e dos ilustradores. Sobre quem produz o

livro didático Engel (2009, p. 30), diz que “enquanto formulador de um discurso

historiográfico específico, o autor do livro didático pode utilizar a produção

historiográfica acadêmica para fundamentar o conhecimento histórico abordado em

termos de argumentos de autoridade, buscando sua legitimação”.

Como quase não existem livros didáticos2 sobre História do Maranhão para

o Ensino Médio, e por na maioria das vezes desconhecerem as produções acadêmicas,

2 O professor de história, Joan Botelho, das redes pública, particular e cursos preparatórios de vestibular e

concurso, em 2007, lançou o livro intitulado Conhecendo e debatendo a História do Maranhão que visou

atender ao Ensino Médio, as provas de vestibulares e concursos, todavia não traz em seu conteúdo

questões que levem os alunos a pensarem como sujeitos ativos servindo apenas como um manual para

responder a provas de questões decorativas.

Page 327: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

327

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

os professores da educação básica utilizam as obras dos historiadores por ofício, como

Mário Martins Meirelles com sua obra História do Maranhão, publicada em 1960;

Carlos Lima em sua obra História do Maranhão, publicada em 1981. O que leva na

maioria dos casos o professor a reproduzir o conteúdo ideológico desses livros sem

tecer críticas e sem levar os alunos a refletirem sobre os processos históricos.

A motivação para fazer esse trabalho, através do Programa de Mestrado

Profissional em História, Ensino e Narrativas da Universidade Estadual do Maranhão,

por meio da linha de pesquisa Memória e Identidade, é contribuir para a produção

didática da história do Maranhão, divulgar a pesquisa acadêmica e a necessidade de

levar os alunos a tomarem conhecimentos da História do Maranhão, refletindo sobre os

processos históricos para ajudar na formação desses alunos, enquanto sujeitos ativos,

capazes de lerem o mundo a sua volta. Além de contribuir para que os alunos conheçam

interpretações da história do Maranhão, reflitam sobre suas origens e identidade e

passem a valorizar a pluralidade étnica, cultural que constitui a formação social do

Maranhão. De acordo com Cerri (2011, p. 116):

Retirar os jovens do presente contínuo é abrir as portas para a

sensibilidade em relação ao passado e a compreensão da dinâmica do

tempo [...] Conhecer as surpresas, as mudanças imprevistas do desenrolar dos acontecimentos abre as portas da inteligência a

possibilidade histórica. Viver apenas o presente tende a reproduzir a

condição atual – com todas as suas mazelas – pela ausência de sujeitos

interessados em tentar fazer as coisas de outra forma.

Dessa forma, este projeto de pesquisa propõe-se a produzir um material

paradidático destinado aos estudos de História Regional do Maranhão, fazendo recorte

temporal nos momentos históricos da Independência, Setembrada e Balaiada, ocorridas

na primeira metade do século XIX, na preocupação de trazer a memória histórica, as

identidades políticas com destaque para consciência política das camadas populares

envolvidas nesses movimentos, pois como afirma Engel (2009), os segmentos

subalternos, livres, libertos e cativos, tidos pela sua extrema “ignorância”, costumam ser

Page 328: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

328

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

vistos como aqueles que são incapazes de formular projetos políticos próprios, agindo

como “massa de manobra” das classes dominantes.

No Maranhão, existe um grupo organizado pelo professor da rede pública

Jânio Rocha que desenvolve o Projeto Balaiada, articulado por meios de grupos no

whatsapp, blog e facebook, tem por objetivo tentar reabilitar a Balaiada, inventar uma

tradição de comemorações, ou seja, pretende promover o resgate histórico cultural e,

ainda, a promoção do turismo voltado à história do movimento, especialmente na

Semana da Balaiada, que deve ocorrer todos os anos na segunda semana de dezembro,

tendo como marco o dia 13 de dezembro, considerado na historiografia como o início

do movimento balaio.

Esta pesquisa tem como objetivo levar para a educação básica (Ensino

Médio) os três importantes movimentos (Independência, a Setembrada e a Balaiada) que

constituem o processo de construção da ordem política imperial. Não se trata de querer

excluir a história nacional ou desqualificá-la negando sua importância, mas consiste em

não omitir outras histórias que ocorrem no Brasil. Bittencourt (2008, p. 168) advoga que

a história regional proporciona, na dimensão do “[...] estudo do singular, um

aprofundamento do conhecimento sobre a história nacional, ao estabelecer relações

entre as situações históricas diversas que constituem a nação” e coloca a importância da

memória para a história local. Para a autora, a “memória é, sem dúvida, aspecto

relevante na configuração de uma história local tanto para os historiadores como para o

ensino”. Desse modo acreditamos que esse trabalho se enquadra na linha de pesquisa

Memória e Identidade.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

No Brasil, os anos de 1980 e 1990 foram marcados por tentativas de

professores e intelectuais, que tinham interesses com o ensino de história, de

formularem propostas que congregassem a nova identidade nacional a formar alunos

socialmente críticos, revendo a história dos vencedores e dando espaço para outras

histórias, como a dos vencidos, dessa maneira tentando trazer para sala de aula homens

Page 329: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

329

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

e mulheres comuns e convencê-los do protagonismo essencial do povo nos processos

históricos (CERRI, 2011).

Segundo os autores Gontijo, Magalhães e Rocha (2008), os métodos do

professor de história na escola e do professor de história acadêmica são distintos,

porque o primeiro mobiliza outros recursos e saberes para além daqueles utilizados na

construção da história na academia. O segundo se orienta pelas regras de um método de

análise crítica das fontes e pelo exercício da narrativa escrita, dessa maneira o

conhecimento ganha uma forma complexa, que age com recortes, porém, propõe grande

número de articulações entre eles, de maneira a mobilizar os recursos críticos do leitor,

juntamente, estimular sua sensibilidade e emoções.

A história escolar se orienta por regras pedagógicas próprias, adaptadas aos

diferentes graus de formação dos alunos; por práticas aprendidas e pela erudição

conquistada mediante a formação profissional/intelectual do docente como historiador;

por saberes obtidos na vida e pela vivencia em sala de aula. A histórica acadêmica,

atualmente, encontra-se mais interessada em multiplicar as hipóteses, aumentando o

campo de possibilidades (GONTIJO, MAGALHÃES, ROCHA, 2008).

Para Cerri (2011), os professores de história com seu trabalho produzem em

seus alunos parte das suas identidades pessoais, políticas e profissionais, participando da

construção da identidade do outro. A “memória nacional, cuja construção é feita

sistematicamente a partir de uma série de instituições, da escola aos arquivos, passando

pelas festas e pelos monumentos de comemoração” (JOUTARD, 1993, p. 528). O

historiador Cerri (2011, p. 105, grifo nosso), chamou atenção para como a função do

ensino de história vem sendo desempenhando:

Por muitas décadas, e atravessando os séculos XIX, XX e XXI, a

função do ensino de história vem sendo a produção e reprodução da

identidade nacional. Com suas origens no século XIX, o ensino de história que conhecemos se vincula a um contexto de expansão da

educação pública o conjunto da população (juntamente com os

avanços do sufrágio universal e a consolidação das nações baseadas na soberania popular, e não mais na soberania monárquica).

Page 330: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

330

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A memória não guarda o passado, e sim uma representação dele, que

acontece de maneira seletiva, pois o indivíduo rememora aquilo que faz parte do meio

dele naquilo que ele se sente inserido. Vale lembrar que um fato uma vez acontecido

nunca mais se repete o que vai acontecer são leituras, interpretações sobre ele. A

memória individual é aquela absorvida pelo indivíduo e se reflete as próprias

experiências vividas por ele, porém, contêm aspectos da memória do grupo no qual o

indivíduo foi socializado. A memória coletiva são os fatos enquadrados pela memória

oficial daqueles indivíduos (HALBWACHS, 2004).

Giron (2000), afirma que é “por meio da memória que o discurso do sujeito

se torna possível”. O historiador Le Goff (1990, p. 476), diz que a “memória é elemento

essencial do que se costuma chamar de identidade, individual ou coletiva, cuja busca é

uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje” [...]. Para

Neves (2000, p. 113), “a memória, ao constituir-se como fonte informativa para a

História, constitui-se também como base da identidade, por meio de um processo

dinâmico, dialético e potencialmente renovável, que contém as marcas do passado e as

indagações e necessidades do tempo presente”.

Dada à importância da memória no processo de construção da Identidade

dos sujeitos históricos veremos como a historiografia tradicional ou oficial criou a

memória das camadas populares nas revoltas tidas como badernas e sem cunho político

na historiografia maranhense. No século XIX, o Maranhão foi marcado por vários

momentos de contestação da ordem em que foram protagonistas os segmentos

populares. Essas participações ou mesmo a visibilidade desses sujeitos precisam ser

melhor analisadas, pois os registros da historiografia tradicional em relação à

participação popular tem sido marcados por uma visão negativa. “Tradicionalmente, a

história tem sido encarada, desde os tempos clássicos, como um relato dos feitos dos

grandes. [...] o principal tema da história continuou sendo a revelação das opiniões

políticas das elites” (SHARPE, 2011, p. 40). A história desde muito tempo vem sendo

escrita ressaltando os grandes feitos dos grandes homens:

Desde os tempos de Heródoto e Tucídides, a história tem sido

escrita sob uma variada forma de gêneros: crônica monástica,

Page 331: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

331

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

memória política, tratados de antiquários, e assim por diante. A

forma dominante, porém, tem sido a narrativa dos acontecimentos

políticos e militares, apresentada como a história dos grandes

feitos de grandes homens – chefes militares e reis (BURKE, 2010, p.17, grifo nosso).

A História enquanto campo de conhecimento ganha seu lugar como Ciência

no século XIX. A escola metódica alemã, com destaque para o historiador prussiano

Leopold Von Ranke, contribui com seus aportes teóricos para imprimir um caráter

científico à História de acordo com os parâmetros de cientificidade em voga. Esse

historiador foi considerado como o pai da historiografia alemã. A sua proposta era

descrever os fatos históricos tal como realmente aconteceram. O historiador, dessa

forma, deveria reproduzir fielmente os documentos oficiais mantendo a imparcialidade.

A objetividade científica era destacada pelos historicistas no estudo do passado, faziam

análises lineares da História, ou seja, baseadas nos acontecimentos políticos, nos

grandes personagens históricos como reis, príncipe, governadores, etc. Os temas

políticos eram considerados como o “motor” das mudanças da sociedade, e nessa linha

de compreensão a produção cientifica levava em consideração a história dos Estados e

dos governantes. Os historiadores da corrente historiográfica “positivista” selecionavam

os eventos mais importantes, partindo do pressuposto de que os fatos falavam por si

próprios, precisando ser ordenados numa ordem cronológica e linear para reviverem o

passado real da humanidade. Por essa razão foram criticados pelos historiadores do

século XX como sendo “metódicos” ou “historiadores narrativos” (RODRIGUES,

2011).

A corrente historiográfica dita positivista em sua narrativa tradicional

buscava criar um consenso nos conflitos existentes, porque era um olhar de cima, das

elites políticas. Os outros grupos sociais estavam intencionalmente esquecidos, ou “à

margem” do processo histórico. A objetividade e a neutralidade diante do fato histórico

faziam com que o historiador tivesse um compromisso metódico diante do documento,

sendo praticamente obrigado a narrar o passado sem interpretação ou juízo do

acontecimento. O Estado Nacional era tido como o “motor” das transformações e do

progresso da História. A escola marxista trouxe para o cenário acadêmico aqueles

Page 332: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

332

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

sujeitos históricos que até então eram “esquecidos” ou “marginalizados”, os “vencidos”

das elites políticas e dos chefes de Estado (Reis, príncipes, etc.). As questões sociais e

econômicas passaram a categoria de sujeitos no processo histórico. Mas, o pequeno

enfoque dado às análises culturais e mentais, resultou numa visão parcial e determinista

da história, a perda da caracterização das ações individuais e o descrédito do

“acontecimento”, tornando-se de fato uma visão reducionista do passado

(RODRIGUES, 2011).

Essas duas escolas historiográficas possibilitaram um amadurecimento

teórico e metodológico dos estudos históricos. Mas, diante da necessidade de dar novos

olhares ao passado, ganhando novas tonalidades, surge a crítica feita pela Escola dos

Annales, fazendo com que a Ciência histórica atingisse sua fase adulta com novos

métodos, novas formas de abordagens, fontes, problemas, etc. Para os fundadores da

Revista dos Annales, a Escola Positivista da História, exaltava as ações “vazias” dos

líderes políticos, valorizando os estudos biográficos de reis, príncipes, chefes de Estado,

embasados nos fatos e acontecimentos políticos, não dando importância às ações dos

grupos sociais. Os historiadores da chamada nova história não poupavam críticas aos

historiadores “positivistas”, dizendo que estes visitaram apenas a superfície factual do

passado histórico. Por conseguinte, a Escola dos Annales, no século XX, representou

um fim ao velho ídolo da história política factual (RODRIGUES, 2011).

Com as mudanças ocorridas na historiografia no século XX, na forma de se

escrever a história, foi possível o diálogo com outras ciências como a sociologia,

economia, antropologia, assim como caracterizar os excluídos da história, dando um

novo lugar e entendendo seus anseios, motivações e revoltas. Trazer à tona a memória

histórica desses sujeitos que são vistos de maneira marginalizada.

A “História vista de Baixo” é importante para auxiliar no estabelecimento

da identidade das classes inferiores, necessita ser retirada dos lugares miseráveis e

utilizada para criticar, redefinir e consolidar a corrente principal da história (SHARPE,

2011). Segundo Barros (2004) a Nova História Política abriu espaço correspondente

para uma “História vista de Baixo”, ora se preocupa com as grandes massas anônimas,

como também se preocupa com o “individuo comum”. Dessa forma, quando a Nova

Page 333: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

333

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

História Política adota como seu objeto um indivíduo, não tem por objetivo a

excepcionalidade das grandes figuras políticas que antes os historiadores historicistas

afirmavam serem os grandes e únicos condutores da História. Para Sharpe (2011, p. 40),

ao se referir a “História vista de Baixo”:

[...] a maior parte daqueles que escreveram a história vista de baixo

aceitaram, em um sentido amplo, a opinião de que um dos resultados

de terem seguido essa abordagem tem sido demonstrar que os membros das classes inferiores foram agentes cujas ações afetaram o

mundo (às vezes limitado) em que eles viviam.

Ao caracterizarmos esses excluídos da história utilizaremos os conceitos

trabalhados por Hobsbawm (2010) em sua obra Bandidos3, em que analisa o banditismo

social, a fim de perceber nas ações populares formas de reação às injustiças sociais que

sofriam aqueles vistos como cidadãos de segunda classe, como um perigo à ordem

social. O ladrão nobre vai iniciar sua carreira na marginalidade não porque gosta do

crime, mas como vítima da injustiça social. O ladrão nobre “não é inimigo do rei ou

imperador, fonte de justiça, mas apenas da nobreza, do clero e de outros opressores

locais” (HOBSBAWM, 2010, p 69). Estabelecendo um paralelo com as lideranças da

Setembrada, os revoltosos desse período não eram inimigos do imperador, porque

quando estão comemorando o resultado do 13 de setembro, na Proclamação do redator

do Farol, o mesmo afirma “[...] que devemos manter sem mancha esta revolução.

Ordem e respeito às autoridades e a segurança individual” (apud. ABRANCHES, 1970,

p. 148).

De acordo com Barros (2004), é no dia a dia que as massas populares são

informes: executam como que silenciadas as tarefas que poderão garantir-lhes a

sobrevivência diária. As massas falam à história por meios de números que registram a

sua laboriosa e sofrida passividade. Porém, quando advém uma insurreição, um protesto

público, um motim, pela primeira vez a massa despossuída será escutada não através da

passividade dos números emudecidos, e sim por meio dos gestos violentos e ruidosos.

3 Segundo Hobsbawm, o termo tem origem no italiano bandito, que em síntese significa banido.

Page 334: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

334

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Não existe limitação para aquilo que pode ser tomado como fonte histórica.

Para a História Social podemos achá-las em documentações oficiais (públicas) ou

particulares, se informarem dados massivos sobre uma sociedade. Para aqueles

indivíduos que foram de classes sociais elevadas, chega-se a conhecê-los por meio de

uma documentação vasta, como já é por nós conhecida. Por outro lado, ao pobre,

excluído, só adquirem voz quando os mesmo cometem um crime ou são acusados de tal

(BARROS, 2004).

Nos anos de 1970, começam a surgir múltiplos estudos sobre os

movimentos sociais no Brasil, enfatizando a história das camadas populares e suas

formas de resistências, aspectos esses que são destacados por uma “história vista de

baixo”. Não mais aquela produzida numa linha positivista que dava a conotação às

camadas populares de bandidos, “arraia-miúda”, “ralé” e “plebe ignara”. A

historiografia que trata dos movimentos sociais do século XIX no Brasil passou a ter

uma nova visão com novas abordagens metodológicas e novas fontes documentais, que

resultam em romper com a visão tradicional positivista, apresentando as camadas

populares brasileiras se manifestando em defesa de seus interesses, indo de encontro a

uma ordem dominante elitista e autoritária que vigorava no Brasil desde sua

colonização. Estudos historiográficos se propuseram a ressaltar as atuações de gente

comum, de homens e mulheres que participaram de muitos movimentos sociais e

populares e que passaram apagados ou deram lugar a uma história com versão falsa que

esconde as lutas e os conflitos (DIAS, 2003).

O Brasil e sua história são marcados por muitos movimentos de resistência

da população em relação aos padrões de dominação do colonizador europeu, ou das

elites nacionais, fazendo parte as populações nativas, os escravos negros, os mestiços e

mulatos, explorados pelos donos dos meios de produção (DIAS, 2003). Outro aspecto a

ser levado em consideração são os estudos regionais, pois nossa história concentra-se no

eixo Centro-Sul não dando ênfase as demais regiões brasileiras. Partindo desses

pressupostos, acreditamos que aos nos voltarmos para a nossa história local podemos

contribuir de forma significativa na mudança desses quadros na historiografia, na

Page 335: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

335

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

memória e buscar reconhecimento nacional para os nossos movimentos que fizeram

parte na construção da nova ordem do que chamamos hoje de Estado Nacional.

Na historiografia brasileira, as interpretações tradicionais apresentavam a

independência do Brasil de forma amistosa, como se todas as regiões aderissem quase

de imediato ao grito do Ipiranga, excluindo as camadas populares desse processo. A

independência política brasileira é interpretada como a aliança entre o príncipe

português e o “Partido Liberal Brasileiro”, havendo uma partilha de poderes entre o

monarca e os “homens bons”, ou seja, a junção entre o monarca e o liberalismo

constitucional correspondia a uma postura Moderada (MOREL, 2005). Assim, o

modelo de sistema político criado foi de exclusão e o poder concentrou-se na elite da

época, grandes fazendeiros e comerciantes (ABRANTES, 1996).

A lusofobia foi um sentimento recorrente nos brasileiros no período

imperial. Aparecia em vários segmentos da sociedade, os quais protestavam contra a

presença lusa no comércio de grosso trato e varejo das principais cidades do país.

Para a população miúda, esses portugueses não passavam de exploradores que

concorriam até mesmo em empregos considerados subalternos (BESSONE, 2008).

Assim, após a “adesão” do Maranhão a Independência a situação dos

portugueses passou a ficar instável, pois os que se reconheciam como brasileiros não

aceitavam suas presenças porque eram vistos como inimigos do Brasil e da causa

brasileira, sofriam “com saques, arrombamentos de casas e lojas, atos de violência e

repulsão como nas 'surras - chamadas de 'lustros' -, sofridas em lugares públicos”

(GALVES, 2010, p. 215). Esses episódios foram registrados na historiografia

maranhense durante a Setembrada, movimento antilusitano que teve início no dia 13

de setembro de 1831 na cidade de São Luís e em algumas partes do interior da

província, que contou com a participação dos liberais exaltados, povo e tropa.

Os termos balaios e bem-te-vis estão ligados à revolta da Balaiada, ocorrida

entre 1838 e 1841, na banda oriental do Maranhão, com desdobramentos até o sul da

província. A historiografia tradicional atribuiu aos rebeldes oriundos das camadas

populares a denominação de balaios, enquanto os liberais foram denominados bem-te-

Page 336: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

336

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

vis, mesmo que os registros indiquem que também os segmentos populares fizeram uso

desse simbolismo relacionado às ideias liberais.

Pretendemos questionar a memória daqueles como Thomas Alexander

Cochrane, Lord Cochrane, tido como o responsável pela capitulação do Maranhão no

processo de Adesão a Independência do Brasil e Luís Alves de Lima e Silva, que é

conhecido como “Duque de Caxias”, o “pacificador” da Balaiada, que são tidos como

heróis, como aqueles que puseram fim as badernas causadas pelas camadas populares,

como apresenta historiografia tradicional ou oficial que ainda são reproduzidas nos

livros didáticos. Sabendo que os “trabalhos regionais de pesquisa em história regional

servem para ampliar os horizontes da história nacional, oferecendo novas leituras da

multifacetada sociedade brasileira, sem abandonar o espaço, o tempo e a memória”

(GIRON, 2000, p.38).

3. OBJETIVOS

3.1 Objetivo Geral

Elaborar um material paradidático sobre a História política do Maranhão

imperial, no contexto do processo de Independência (1823-1841), com destaque

para a relação entre as elites liberais e as camadas populares.

3.2 Objetivos Específicos

Analisar a produção didática utilizada em sala de aula sobre o processo de

construção da ordem imperial no Maranhão Oitocentista.

Apresentar as interpretações da historiografia atual sobre a História política do

Maranhão na primeira metade do século XIX.

Destacar o protagonismo das camadas populares nos movimentos políticos e

sociais que marcaram o processo de construção da nova ordem imperial

(Independência, Setembrada e Balaiada).

Page 337: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

337

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

4. METODOLOGIA

De acordo com Cerri (2011, p. 115), “a metodologia da história consiste

essencialmente em saber o que aconteceu e em que nos baseamos para conhecer esses

fatos”. O historiador procura saber quem produziu as informações e quais eram as

possibilidades de que as coisas tivessem acontecido de outra maneira. O método

histórico esquadrinha os sujeitos suas intenções, ligações sociais e interesses em jogos,

para entender a informação trazida por cada um. Partindo para o ensino, se os alunos

puderem fazer isso e identificar pessoas e interesses que estão por trás de reportagens,

ações governamentais, processos históricos, a história terá cumprido outras de suas

funções educativas.

O professor de história se depara como fará com que os seus alunos tenham

uma aprendizagem significativa com os conteúdos que selecionou. A transposição

didática é o processo no qual o saber científico é transformado em saber escolar e

traduzido de maneira em que o aluno possa aprender (DREHMER, 2008). Para Fonseca

(2003), o trabalho em sala de aula demanda um professor que esteja sempre em situação

de investigação, que desperte a curiosidade, a criatividade e o interesse pelo ensino que

tem como pressuposto a descoberta. A historiadora Maria Aparecida Leopoldino Tursi

Toledo (2004), apresenta uma problemática no ensino de história ao afirmar que a

abordagem dominante permanece ainda privilegiando os fatos e a memorização dos

conteúdos estabelecidos.

Quanto ao ensino da história local “tem sido indicada como necessária para

o ensino por possibilitar a compreensão do entorno do aluno, identificando o passado

sempre presente nos vários espaços de convivência” (BITTENCOURT, 2008, p. 168).

Dessa forma, o trabalho intitulado História do Maranhão na sala de aula: a construção

da ordem política imperial na província (1823-1841) propõe como produto final a

produção de um material paradidático, com discussões da atual historiografia,

documentos, imagens, atividades interativas, reflexões. Assim, no primeiro momento

faremos uma análise bibliográfica de como autores locais e nacionais trabalham essas

questões da ordem política imperial. Como fundamentação teórica, utilizaremos

Page 338: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

338

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

trabalhos que tratam da nova História Política e da História Social, e também teóricos

da educação que tratem sobre as novas abordagens do ensino.

Em seguida, partiremos para as análises das fontes primárias oficiais, tanto

aquelas já utilizadas na pesquisa monográfica, assim como novas fontes, como um

acervo de ofícios expedidos pelas autoridades a fim de tratar das medidas para contornar

os acontecimentos políticos do contexto em análise, as Atas do Conselho Provincial e

Conselho Presidial, Relatórios e Falas dos Governantes, que se encontram no Arquivo

Público do Estado do Maranhão. Outro acervo precioso é constituído pelos jornais da

época, localizados na Biblioteca Pública “Benedito Leite”.

Desse modo, os textos e documentos selecionados darão uma visão do

processo histórico compreendido entre a Independência, Setembrada e Balaiada. Sua

escolha obedecerá a critérios que levem em considerações os seguintes aspectos: a

programação de leituras consideradas essenciais aos alunos de ensino médio;

apresentação da historiografia referente aos oitocentos; adequação dos textos, na sua

escrita e forma, para atender as reais condições de ensino e aprendizagem na educação

maranhense.

O paradidático será dividido em capítulos contendo textos e documentos em

cada um deles, que virão precedidos de uma apresentação do assunto e de questões que

poderão servir para discussões e trabalhos em sala de aula. Pequenos comentários

acompanharão os textos ou/e documentos que comporão os capítulos na finalidade de

proporcionar ao aluno elementos para uma melhor compreensão dos mesmos. O

paradidático servirá de estímulo para que os alunos e professores aprofundem leituras

acerca da história do Maranhão Oitocentista, especificamente a construção da ordem

política imperial na província (1823-1841).

O nosso tema está vinculado à preocupação de analisar a participação das

camadas populares nos movimentos políticos e na conjuntura da construção do Estado

Nacional brasileiro, onde apresentaremos as lutas políticas que se seguiram à adesão da

independência no Maranhão até culminar nos movimentos da Setembrada e da Balaiada,

inserindo essa abordagem no ensino de educação básica (Ensino Médio). Essa é uma

problemática nova, pois como já nos referimos anteriormente, a historiografia oficial

Page 339: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

339

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

não lhe deu importância, sendo a identidade dos rebeldes populares omitida pela

historiografia tradicional, o que se refletiu na sala de aula.

Como serão discutidas essas questões no paradidático, na Independência

abordaremos que esse processo não se deu de maneira amistosa, mas através de guerras

civis iniciadas do interior com a formação de um exército libertador originado das

províncias do Piauí e Ceará, que para alguns foram os que efetivaram a capitulação,

enquanto o Lorde Cochrane aparece como consolidador do que era iminente. Assim,

questionaremos sua imagem de responsável pela capitulação do Maranhão no processo

de Adesão a Independência do Brasil. Muitos dos que lutaram a favor da Independência,

após sua concretização foram excluídos. O feriado de 28 de julho que marca a adesão do

Maranhão à independência do Brasil, é pouco conhecido, discutiremos o porquê do seu

esquecimento/silenciamento, talvez por recair em um mês de férias quase não se sabe da

sua existência.

Quanto a Setembrada daremos destaque para a participação popular

mostrando por meio das atas do Conselho Presidial a Representação do “povo e tropa”

encaminhada ao então governo exigindo que suas reivindicações fossem atendidas, caso

contrários não largariam as armas. Em relação à Balaiada, daremos destaque à

participação popular e a resistência escrava ocorrida no Maranhão nesse período,

liderada por Cosme Bento das Chagas, conhecido por “Negro Cosme”. Outro aspecto de

reflexão na Balaiada, que merece ser colocado em xeque, é a memória heroicizante

construída sobre a figura de Luís Alves Lima e Silva, o “Duque de Caxias”, tido como

“pacificador” por ter debelado as rebeliões ocorridas no Maranhão, fazendo com que os

rebeldes conhecessem a mais dura face da repressão para a época. Desse modo, os

alunos poderão observar que a participação popular esteve presente nesses processos de

forma ativa, contribuindo para desconstruir a ideia de que a história é feita de heróis, de

uma história que está pronta e acabada como transparece em alguns livros didáticos.

Sabemos que o ensino de história do Maranhão enfrenta problemas quanto

à exclusão dos conteúdos a serem aplicados na educação básica (Ensino Médio). Isso se

deve em parte pelas ausências bibliográficas que abordem a história local de forma

didática e pelas escolas seguirem um currículo nacional para que os alunos tenham

Page 340: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

340

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

condições para prestar o Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM). A exceção ainda

ocorre no vestibular da Universidade Estadual do Maranhão que não aderiu a esse

programa, mas mesmo assim os alunos na maioria das vezes só tem acesso aos

conteúdos de história do Maranhão em cursos preparatórios de pré-vestibular,

prejudicando aqueles que não têm condições financeiras para pagá-los.

Com essas problemáticas, cremos que será possível o desenvolvimento

deste estudo no Programa de Mestrado Profissional em História, Ensino e Narrativas da

Universidade Estadual do Maranhão na linha de pesquisa Memória e Identidade,

considerando a familiaridade com o tema da pesquisa e a disponibilidade de tempo para

nos dedicarmos às atividades do Curso.

REFERÊNCIAS

ABRANCHES, Dunshee de. O Cativeiro. 3 Ed. São Luís: Edições AML, 2012.

_______. A Setembrada: a revolução liberal de 1831 em Maranhão. Rio de Janeiro:

Oficinas Gráficas da S.A. Jornal do Brasil. 1970.

ABRANTES, Elizabeth Sousa. A Balaiada e os Balaios: uma análise historiográfica.

Monografia (Graduação em História) – Universidade Federal do Maranhão. São Luís,

1996.

ASSUNÇÃO, Matthias Rohrig. Cabanos contra Bem-te-vis: a construção da ordem pós-

colonial no Maranhão 1820-1841. In: PRIORE, Mary Del; GOMES, Flavio (Org). Os

senhores dos rios: Amazônia, margens e histórias. Rio de Janeiro: Elsevier. 2003.

_______. A Guerra dos Bem-te-vis. São Luís: SIOGE, 1988.

BARROS, José D’Assunção. O Campo da História: especialidades e abordagens. 4

Ed. Petrópolis: Vozes, 2004.

BESSONE, Tânia. Lusofobia. In: VAINFAS, Ronaldo (Org). Dicionário do Brasil

Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 500-501.

BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo,

Cortez Editora, p. 183-220, 2008.

BOTELHO, Jean. Conhecendo debatendo a história do Maranhão. São Luis: Fort

Gráfica, 2007.

Page 341: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

341

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

BRASIL. Secretária de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:

história, geografia. Brasília: MEC/SEF, 1997, v.5, p. 19-45.

BURKE, Peter. A Escola dos Annales: 1929-1989. São Paulo: Edit. Univ. Estadual

Paulista, 2010.

CERRI, Luís Fernando. Ensino de história e consciência histórica: implicações

didáticas de uma discussão contemporânea. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011.

DREHMER, Regina das Graças Figueiredo Godinho. O Ensino de história na

educação básica: reflexões e conceitos sobre metodologias. 2008. 108 f. Dissertação

(mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do

Vale do Itajaí, Santa Catarina. 2008.

DIAS, Claudete Maria Miranda. Entre Movimentos sociais do século XIX: história e

historiografia. In: Anais do Encontro Nacional de História. ANPUH, 2003, João Pessoa:

2006. p. 1-9. Disponível em: <>. Acesso em: 10. 01. 2015.

ENGEL, Magali Gouveia. Memórias e histórias dos balaios: Interpretações entre os

saberes acadêmicos e a história ensinada .IN: ROCHA, Helenice, Magalhães, Marcelo e

Gontijo, Rebeca. A escrita da história escolar. Memória e historiografia. RJ: FGV

editora, 2009, p. 329-344.

FONSECA, S. G. Didática e prática de ensino de história. Campinas: Papirus, 2003.

GALVES, Marcelo Cheche. “Ao público sincero e imparcial”: imprensa e

independência do Maranhão (1821-1826). Tese (Doutorado em História) - Universidade

Federal Fluminense, Niterói, 2010.

_______. Independência é traição: quase um ano após o Grito do Ipiranga, o Maranhão

se mantinha fiel a Portugal e resistia, armado, à “autonomia” que vinha do Sul. Revista

de História, Rio de Janeiro, dez. 2008. Disponível em: www.revistadehistoria.com.br

Acesso em: 26 jun. 2013.

GIRON, Loraine Slomp. Da memória nasce a História. In: LENSKIJ, Tatiana;

HELFER, Nadir Emma (Orgs) A memória e o ensino de História. Santa Cruz do Sul:

EDUNISC – ANPUH – RS, 2000, p. 23-38.

GODÓIS, Antônio Batista Barbosa de. História do Maranhão: Para uso dos alunos da

escola normal. 2 Ed. São Luís: EDUEMA, 2008.

HALBWACHS, Maurice, Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, 1994.

HOBSBAWM, Eric. Bandidos. 4 Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010.

Page 342: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

342

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

JOUTARD, Ph. Memória Coletiva. In: BURGUIÈRE, André. (Org). Dicionários das

Ciências Históricas. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1993, p. 526-528.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas, Editora da UNICAMP, 1990.

LIMA, Carlos de. História do Maranhão a Monarquia. 2 Ed. São Luís: Editora

Instituto GEA, 2008.

MATEUS, Yuri Givago Alhadef Sampaio. A Setembrada: lutas políticas e

participação popular no Maranhão oitocentista (1831-1832). Monografia (Graduação

em História) – Universidade Estadual do Maranhão. São Luís, 2015.

MEIRELES, Mário (1960). História do Maranhão. São Luís: Siciliano, 2001.

MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos

e sociabilidades imperiais (1820-1840). São Paulo: HUCITEC, 2005.

NEVES, Lucília de Almeida. Memória, História e sujeito: substratos da identidade. In.

Revista História Oral. São Paulo: Associação Brasileira de História Oral, v. 3, p. 109-

116, 2000.

ROCHA, Helenice; MAGALHÃES, Marcelo; GONTIJO, Rebeca. A Escrita da

História Escolar: memória e historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009, p.13-32.

RODRIGUES, André Wagner. História, Historiografia e Ensino de História em

relação dialógica com a Teoria da Complexidade. Rio de Janeiro: editora

MULTIFOCO, 2011.

SHARPE, Jim. A história vista de baixo. In: BURKE, Peter (org.) A escrita da

História: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 2011.

TOLEDO, Maria Aparecida Leopoldino Tursi. A história ensinada sob o império da

memória: questões de História da disciplina. História, 2004, vol.23, no. 1-2, p.13-32.

Page 343: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

MODELOS EDUCATIVOS NA OBRA DOUTRINA PARA CRIANÇAS, DE

RAMON LLULL

Natasha Nickolly Alhadef Sampaio Mateus

1. JUSTIFICATIVA

O nosso interesse em analisar a educação medieval iniciou-se com o

projeto de pesquisa na iniciação científica durante a graduação1. Analisamos então a

importância da religiosidade para o homem medieval, e como os aspectos educacionais

eram fundamentais na busca pelo modelo ideal de cristão. Como trabalho de conclusão

de curso, elaboramos a monografia“Educação e Religiosidade na obra Doutrina para

Crianças (1274-1276) de Ramon Llull”, buscando perceber a relação entre a educação

medieval e a religiosidade, destacando a principal finalidade da educação daquela

época: educar para salvar.

O objetivo da pesquisa atual desenvolvida no Mestrado em História, Ensino

e Narrativas é dar seguimento à investigação sobre educação medieval, analisando a

obra Doutrina para Crianças, de Ramon Llull (1274-1276), compreendendo a

interpretação de ensino que o autor nos oferece, por entendermos que o presente de cada

época é único e particular. Desta forma, Llull nos apresenta o seu projeto pedagógico, o

currículo educacional e os principais elementos da educação como condição

fundamental para o alcance do ideário cristão, destacando a importância da

recordação/memória, ou seja, recordar as normas de comportamento, os ensinamentos

da Sagrada Escritura.

Durante a Idade Média a educação teve uma finalidade para além de

objetivos terrenos, pois o Homem daquela época não se via apenas como um ser preso

ao mundo terreno, mas acreditava em uma vida pós-morte. A memória estava no centro

do cristianismo, existia a preocupação com a preservação do passado. Por isso

interrogamos: qual o lugar do passado na sociedade medieval?

A educação sempre foi uma temática importante para os seres humanos,

embora o conceito e a função não sejam cabíveis para todo tempo histórico, visto que

1 Nos anos de (2012-2013) fomos bolsista de iniciação científica sob a orientação da Profª. Drª. Adriana

Zierer, com o trabalho intitulado “A salvação da Alma segundo as obras Doutrina para Crianças e Felix

o Livro das Maravilhas de Ramon Llull (1232-1311)”.

Page 344: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

344

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

cada época varia sua forma de ver o mundo e se comportar diante do mesmo. A

educação tem suas inúmeras finalidades. E para alcançá-las é fundamental um

direcionamento, seja no plano terreno ou espiritual.

Pensando nisso a fonte Doutrina se encaixa perfeitamente para

compreendermos o plano espiritual no medievo, já que na época serviu como um

manual pedagógico, um manual de instruções e preservação da memória cristã,

apresentando os possíveis modelos de comportamento que os indivíduos poderiam

seguir para alcançar a salvação da alma, além de trazer o currículo educacional da

época, que eram as disciplinas do trivium e quadrivium (desde o século V): gramática,

lógica e retórica; aritmética, geometria, musica e astrologia. Essa base da educação

medieval seria correspondente ao nosso ensino fundamental e médio.

Por que ensinar as sete artes liberais? Qual importância dessas disciplinas?

Para os grandes intelectuais da Idade Média, essas disciplinas tinham imensurável valor

para tais finalidades: contemplar as criações de Deus, apreciar a arte divina

(quadrivium) e permitir que as pessoas exprimissem de modo convincente e inteligível a

ação da sabedoria divina (WOOR JR, 2008. P.45) “As artes sete liberais revelaram ao

homem o seu lugar no universo e ensinaram-no a apreciar a beleza do mundo” (WOOR

JR, 2008. p. 45).

Além de nos apresentar os modelos educativos para se tornar um bom

cristão, Llull apresenta o programa de estudos, fundamentais para aprendizagem. O

autor aponta a importância da gramática, o aprendizado dos cálculos, a necessidade de

se comunicar bem, saber outras línguas, de se entender a música. O autor também

destaca outro aspecto necessário para aprendizagem do cristão: o uso da memória; para

ele era condição essencial para preservar o conhecimento.

Primeiramente é essencial não esquecermos que religião e educação

estavam intimamente ligadas. Seria impossível compreendermos a educação medieval,

sem levarmos em consideração o forte pensamento religioso da época. Para o homem

medieval, o referencial de todas as coisas era o sagrado, a “manifestação do sagrado”

(FRANCO JÚNIOR, 2001, p. 30), e as bases fundamentadas nos preceitos cristãos. Era

a mistura do visível com o invisível, do material com o imaterial. Durante a Idade

Page 345: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

345

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Média perdurou o ideal clássico quanto à formação da personalidade, ou seja, o

propósito de se plasmar o cristão perfeito, na aquisição das virtudes. A obra Doutrina

para Crianças revela-se como um manual que, além de indicar as regras de

comportamento e os ideais cristãos, define como função de manter e defender a fé cristã

com objetivo central de ensinar como ser um bom cristão e obter a salvação.

Por isso, inicialmente destacamos que o propósito de fazer ponte entre

memória, educação e identidade se dá pelo fato de que a memória cristã foi um

elemento fundamental na constituição da identidade daquela sociedade, visto que a

educação desejou preservar isso, já que a questão elementar, motivação e finalidade, era

a formação da consciência cristã.

É certo que a civilização medieval foi eminentemente religiosa, e

isso não apequena a proposta de educação daquela época. Acreditamos que temos muito

que aprender com aquela sociedade. Para isso é necessário nos despirmos de

preconceitos, e trazer para nós os pontos relevantes, respeitando a crença e forma de ver

o mundo de cada época, pois “o Homem, e, portanto a História é formado por seus

sonhos, fantasias, angústias e esperanças” (FRANCO JÚNIOR, 2001).

Ramon Llull foi um homem do seu tempo, e claro, foi influenciado pela

sociedade em que viveu e pelo convívio com outras pessoas. A princípio considerava-se

um pecador inútil, e na metade de sua vida e na metade de sua vida, momento de sua

“conversão”, passou ao dedicar-se integralmente à vivência do cristianismo, embora

tenha se mantido como um homem leigo, isto é, não pertencente ao grupo dos

eclesiásticos. Apesar da distância de séculos, é possível conhecermos parte de sua vida,

graças a sua autobiografia Vida Coetânea que chegou até nós, traduzida em catalão de

meados do século XV, do original escrito em Latim. Essa obra foi ditada, acredita-se, a

um amigo de Ramon Llull, um monge de Vauvert.

Nesse trabalho buscaremos mostrar como Ramon Llull, deixou um legado

de ensinamentos consolidados, e criou um projeto pedagógico, trazendo informações

importantes para compreendermos a pedagogia medieval. As obras deste filósofo

mostram como sua vida foi marcada pelos padrões cristãos, e forte uso da razão na

produção de sua Arte.

Page 346: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

346

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Pouco se sabe da sua vida até os trinta anos, quando se converteu ao

cristianismo. Em sua autobiografia Vida Coetânea ele fala brevemente sobre sua vida,

sua adesão profunda à religião, destacando seus objetivos, e viagens que fez ao longo de

sua trajetória cristã. Ramon Llull foi um filósofo catalão do século XIII que elaborou

um projeto pedagógico, tendo como objetivo central levar o homem à salvação. A

formação educacional e científica do homem medieval do século XIII sofreu mudanças

significativas para que os mesmos pudessem se preparar para o novo saber. O

crescimento urbano, o surgimento das universidades e conhecimento greco-árabe que se

disseminava no Ocidente Cristão mudava as relações já existentes naquela sociedade,

divulgando um “novo mundo do saber”. Llull participou dessas mudanças, e ao mesmo

tempo, lamentava a sociedade daquela época.

Através de suas importantes obras literárias, conseguimos perceber que

propôs uma espécie de reformulação da sociedade, baseado no contexto em que vivia,

levando o leitor a ter uma educação cristã e elevar o seu pensamento espiritual, sendo a

vida terrena apenas passageira. Os manuais eram considerados espelhos, gênero literário

que traça o retrato de um ideal moral: “Encontrarás, filho, neste livro um espelho em

que poderás contemplar a saúde de tua alma” (LLULL, 2010, p. 43). O manual não se

reduz apenas a um tratado de moral ou espiritualidade, mas vai além, visando à

formação educacional. Como é de se esperar, no medievo, todas as lições estão voltadas

para Deus.

Ramon Llull viveu em contexto histórico extremante conturbado, nasceu na

Catalunha em 1232, em sua obra Vida Coetânea conta que antes de se entregar aos

serviços cristãos, estava envolvido nas “práticas mundanas”, mas após ter visto mais de

cinco visões do Cristo ressuscitado, converteu-se ao cristianismo. Para André Vauchez

as visões eram um importante meio de comunicação entre o homem e Deus

(VAUCHEZ, 1995, p. 162).

Após a sua conversão escreveu vários livros, e estes sempre voltados para

assuntos religiosos, filosóficos e dedicando grande parte para temas como a educação e

exemplos de conduta. O processo educativo, na concepção de Llull é convocado para

contribuir na transmissão de valores e conhecimentos de forma espontânea no ambiente

Page 347: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

347

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

familiar, religioso e no convívio social, entre outros, até a formulação de estratégias de

ensino, ou seja, uma educação centrada na formação de um bom cristão.

As fontes primárias que utilizamos são de extrema importância, pois são

reveladoras tanto da vida como da educação medieval. A obra “Doutrina para

Crianças” escrita por volta de (1276-1278) foi dedicada ao seu filho Domingos e pode

ser considerada como um dos primeiros manuais pedagógicos voltados à educação

infantil. Nesta obra podemos destacar os fortes ensinamentos cristãos. Compõe-se de

um Prólogo e treze capítulos, ao longo dos quais todos os ensinamentos giram em torno

de Deus e dos preceitos da Igreja Católica.

A orientação pedagógica da Idade Média daria continuidade a um plano e

educação traçado por Santo Agostinho. Na sua obra De Doctrina Crhistiana estimulou,

sobretudo, os estudos dos intelectuais cristãos, e serviu de ideário e programa para as

escolas. Para esse mestre a inteligência humana era composta por memória, inteligência

e amor, e a Sagrada Escritura era o principal foco da aprendizagem, e juntamente com

ela o ensino das sete artes liberais, as línguas e as ciências.

Nas igrejas e nos mosteiros, através dos livros, o saber antigo preservou-se.

Houve uma transmissão às gerações da Idade Média. Alguns autores da Antiguidade

foram de extrema importância, pois elaboraram manuais e enciclopédia tais como Santo

Agostinho e Marciano Capela. Já na Idade Média podemos destacar Cassidoro, Boécio,

Santo Isidoro de Servilha e São Beda que também copiaram manuscritos, produzindo

também manuais e enciclopédias.

Os monges desenvolveram um papel fundamental no resgate e na

conservação da cultura, permitindo que o pensamento do mundo antigo fosse

transmitido na Idade média. Os mosteiros, mais que centros religiosos, foram também

centros de ensino. A corrente educacional que cobre os primeiros séculos da Igreja

medieval corresponde ao período em que começam os trabalhos dos primeiros padres,

quase todos educadores que procuraram conciliar a cultura greco-romana com o

cristianismo.

Desta forma, por meio do Programa de Mestrado Profissional em História

da Universidade Estadual do Maranhão, com a linha de pesquisa Memória e

Page 348: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

348

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Identidade, queremos dar continuidade a nossa pesquisa com a qual temos uma

familiaridade. Tivemos a oportunidade de trabalhar com a temática desde o 3º período,

através da bolsa de iniciação cientifica PIBIC/UEMA (2012-2013), até o presente. Essa

pesquisa já nos deu alguns frutos como apresentação de trabalhos fora do Estado e

publicação de capítulos de livros (MATEUS, 2016; MATEUS; ZIERER, 2014). Através

das nossas investigações desejamos ampliar os estudos sobre essa temática, tentando

estabelecer a relação entre educação, religiosidade, memória e identidade.

A importância dessa pesquisa não se dá somente pelo estudo do passado

medieval, mas podemos perceber a forte presença da educação medieval em nosso

presente. Como alguns modelos educativos nos nossos dias ainda preservam a memória

cristã? Quais heranças desse currículo educacional cristão temos hoje em nossa

educação? Como a educação e religiosidade se fortalecem na sociedade atual?

Precisamos reconhecer, ou melhor, compreender nossas raízes.

Na UEMA os estudos sobre o imaginário medieval têm se fortalecido na

área de Antiga e Medieval, através da criação de dois grupos de pesquisa na Uema,

o Brathair (Grupo de Estudos Celtas e Germânicos) e o Mnemosyne (Laboratório de

História Antiga e Medieval). Também são fortalecidos pelo importante papel exercido

pelos Encontros Internacionais de História Antiga e Medieval do Maranhão, iniciados

em 2005 e com realização bi-anual, onde sempre há atividades voltadas ao imaginário e

à educação através das conferências, mini-cursos e oficinas oferecidas por docentes

internacionais e nacionais. E importantes instituições como a ABREM – Associação

Brasileira de Estudos Medievais, também têm contribuído para o desenvolvimento

desses estudos.

O filósofo Ramon Llull, ainda é pouco estudado no Brasil, ele possui cerca

de mais de duzentos e oitenta obras, muitas foram preservadas e têm sido traduzidas

para nossa língua, o que permite estudarmos e compreendermos melhor seus

pensamentos. As obras lulianas tem contribuído bastante para inúmeras temáticas,

dentre as quais a educação. Hoje, a produção do filósofo maiorquino, vem cada vez

mais, chamando a atenção dos estudiosos (COSTA, 2006, p. 6).

Page 349: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

349

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Diante disso, acreditamos que nossa pesquisa se enquadra de forma coerente

com a linha de pesquisa Memória e Identidade e na proposta do Mestrado História,

Ensino e Narrativas, pois o ensino cristão é memória e esta se manifesta, seja no

calendário, na comemoração de Jesus ou através da pregação, tendo o cristianismo

como base da fé, através da memorização e da recordação. O papel da memória no

ensino medieval é sempre lembrar, recordar e formar uma identidade cristã coletiva.

A espiritualidade está presente desde o início da História, são os homens

sempre preocupados com seu destino final. A suposta existência de uma vida pós-morte

muda complemente a conduta aqui em baixo, e a concepção de Além ganhou suas novas

interpretações ao longo do tempo, cada sociedade adaptando conforme as suas crenças.

Não importa se hoje vivemos um cotidiano agitado, tecnológico, ou científico, as

pessoas continuam acreditando em Deus e na vida depois da morte. Os espíritos

continuam existindo para muitas pessoas, as preces, as orações não perderam seu valor.

2. PROBLEMATIZAÇÃO

O tempo sem dúvida é uma das nossas maiores problemáticas, pois ele

não para, mas passa sem ficar estático, e não deixa um filme completo dos seus

acontecimentos. Isso nos causa um desconforto por não conseguirmos acompanhá-lo.

Assim cabe aos homens e mulheres a tarefa singular de reconstruir, fazer ou refazer o

passado, já que eles são dotados de mistérios, e entram em cena com sua mente,

memória e intelecto, formando assim as memórias que acarretam uma “representação

seletiva do passado”.

A memória é a presença do passado, segundo Halbwachs a memória

individual é a mistura do vivido, ou seja, ela não é puramente individual, pois o

indivíduo não está sozinho. Na perspectiva do autor toda memória é coletiva “[...] cada

memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva” (HALBWACHS,

1994, p. 69). Assim podemos dizer que cada indivíduo tem as suas particularidades,

porém está inserido em um meio coletivo, em uma construção psíquica, mas jamais

puramente individual.

Page 350: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

350

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A construção da identidade está diretamente ligada à memória, já que

tanto no plano individual quanto no coletivo ela permite que cada geração compartilhe

com as outras, vínculos que passam de geração em geração sendo vivida no cotidiano de

outro tempo, de outra sociedade. Os indivíduos, a sociedade, procuram preservar o

passado, dar continuidade a algo já experimentado, já vivido, ou seja, reconstruir

memórias.

Para Patrick Geary a palavra memória no vocabulário medieval possui um

leque de sentidos. Para o mesmo autor a memória estava no centro do cristianismo:

englobava toda comemoração de ritual, celebração dos mortos, relíquias sagradas. Na

Idade Média a memória histórica oficial foi construída pela Igreja. A ação litúrgica, por

exemplo, a oração pelos mortos, é uma forma de comemoração, é um fazer memória. O

processo educativo era trazer á memoria “verdades” esquecidas, a igreja era uma grande

educadora, dela partiram os modelos educativos e as praticas de formação para se tornar

um bom cristão.

Segundo Le Goff “a memória cristã se manifesta essencialmente na

comemoração de Jesus, anualmente na liturgia que o comemora do Advento ao

Pentecostes, através dos momentos essenciais do Natal” (LE GOFF, 1994, p. 446).

Para o mesmo autor, “as numerosas representações do Inferno, do Purgatório e do

Paraíso, que devem ser vistas na maioria das vezes como ‘lugares de memória’, cujas

divisórias lembram as virtudes e os vícios” (LE GOFF, 1994, p. 434).

Os homens medievais se apropriaram do passado, e isso fica claro no

aspecto religioso, para construir o presente daquela sociedade (OLIVEIRA, 2009, p.

686). Esta presença do passado no presente é perfeitamente identificável na obra de

Llull que apresentava a constante necessidade da preservação do passado bíblico, que

era revivido e incorporado no presente. (LE GOFF, 1994, p.222). “A memória do

passado esteve tão presente no passado medieval” (OLIVEIRA, 2009, p. 686). Era

possível “reviver” o passado contido na Bíblia.

Para Ricardo da Costa, a Idade Média é um tempo que colocou a memória

como uma das funções da alma, um tempo que realçou a memória como fundamento do

conhecimento, um tempo que dignificou a memória como a posse do bem, aos preceitos

Page 351: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

351

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

do cristianismo. A Idade Média legou ao ensino a necessidade de se saber de memória o

que se aprendia. “Nesse tempo, saber era saber de cor, com o coração” (COSTA, 2006,

p. 15).

Nossa pesquisa se desenvolve no campo da História do imaginário, ou seja,

decifrar a “realidade do passado por meio de suas representações, tentando chegar

àquelas formas, discursivas e imagéticas, pelas quais os homens expressaram a si

próprios e o mundo” (PESAVENTO, 2014, p. 42).

Segundo Pesavento, entende-se por imaginário um sistema de ideias e

imagens de representação coletiva que os homens, em todas as épocas, constituem para

si, dando sentido ao mundo, formando uma identidade coletiva. Imaginário é, portanto,

um aspecto tão importante das sociedades humanas quanto aquilo que chamamos de

realidade concreta.

Imaginário incorpora elementos simbólicos diversos que produzem e são

produzidos pelas representações sociais. Desta forma, existe alguma relação entre

imaginário e símbolos. Assim, para chegar até as sensibilidades de um outro tempo, é

preciso que elas tenham deixado um rastro, que cheguem até presente como um registro

escrito ( PESAVENTO, 2014, p. 46).

Ao apresentar a construção da identidade cristã, por meio de Llull, é

importante destacarmos, como afirma Patrick Geary (2006) que “A memória era

memória do pecado e de Deus, a memória como distração e como consciência, a ponte

entre a perfeição intemporal do Criador e da natureza temporal e múltipla da criatura

humana imperfeita”, ou seja, a memória estava ligada as questões do Além. Para Santo

Agostinho, a memória guarda o que se aprende com o coração (COSTA, 2009, p. 45).

Praticamente todas as correntes de ensino na Idade Média destacavam a importância da

memória no processo de absorção do conhecimento para se chegar à Sabedoria, ao

conhecimento bíblico.

Diferentemente do mundo antigo, da crença em vários deuses, na Idade

Média se fortalecerá a concepção de um Deus uno, aquele que rege toda a existência. E

como centro irradiador de valores, a Igreja Católica, designará uma espécie de “um

manual de comportamentos”. Assim temos de um lado a Igreja, uma instituição

Page 352: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

352

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

soberana, e do outro a figura de Deus único. O que isso influencia na educação? Muitas

coisas.

Os cristãos tinham sua fé voltada incansavelmente para salvação da alma, e

queriam se livrar dos tormentos do Inferno, das penas, do medo das coisas que

poderiam contemplar depois da morte. Por isso eles viviam em um constante combate,

lutando contra os prazeres carnais. Estavam cientes, através dos ensinamentos clericais,

que a vida terrena era simplesmente uma passagem para a glória ou para o Inferno.

Acreditavam que os indivíduos que ainda tivessem pecados teriam uma chance de

redimi-los no Purgatório, por onde passariam por tormentos temporários antes de atingir

o Paraíso.

A decisão estava sobre cada indivíduo, ele seria o responsável por qual

conduta de vida escolher através do seu livre-arbítrio. Aqueles que se purificassem dia

após dia, santificassem o seu corpo, honrassem a Deus e a Santa Igreja Católica

alcançariam um lugar especial na eternidade segundo o pensamento cristão “O destino

da humanidade ressuscitada não depende apenas da vontade de Deus todo-poderoso,

pois este respeita as regras que fixou, fazendo a situação dos homens e mulheres no

Além depender de como se comportaram durante sua vida terrena” (LE GOFF, 2002. p.

21-34). A luta era constante, mas:

Sobre esse campo de batalha de vida ou morte que é o mundo o

homem tem por aliados Deus, a virgem, os santos, os anjos e a igreja e sobre tudo, a sua fé e suas virtudes; mas têm também inimigos: Satã,

os demônios, os heréticos e, sobretudo, seus vícios e a vulnerabilidade

advinda do Pecado Original. A presença do Além deve ser sempre consciente e viva para o cristão, pois arriscar a salvação a cada

instante de sua existência, e mesmo se ele não está consciente, esse

combate por sua alma é travado sem trégua aqui embaixo. (LE GOFF, 2002. p. 22).

O imaginário daquela sociedade se afligia, pela constante transmissão da

memória, esta que sempre lembrava que o Inferno era para pecadores e o Paraíso para

aqueles que tivessem conseguido formar uma identidade cristã. Existia o pavor

constante de não conseguir a tão desejada salvação, já que havia um lugar determinado

para cada um diante da sua conduta aqui na terra. Llull acreditava que os seres humanos

Page 353: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

353

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

poderiam atingir o Paraíso através de corretas normas de comportamento, isto é, através

da educação.

Os espaços do Além podem ser atestados nas escrituras “Nos três

evangelhos ditos ‘sinóticos’, a versão de Mateus (25, 31-46) diz que depois do Juízo

Final, no fim do mundo Cristo fará os bons (os ‘justos’) sentarem-se a sua direita e os

maus à esquerda [...]” (LE GOFF, 2002. p. 22).

Segundo Baschet (2006), “não se pode compreender o homem medieval,

sua vida em sociedade, suas crenças e seus atos sem se considerar o inverso do mundo

dos vivos: o domínio dos mortos, onde cada um deve, finalmente, receber uma

retribuição á sua altura” (BASCHET, 2006, p. 374), retribuição essa que seria a danação

eterna ou beatitude paradisíaca. Na Idade Média, o aqui embaixo é concebido

juntamente com Além, que confere o verdadeiro sentido e traça uma verdadeira

perspectiva. (BASCHET, 2006, p. 375).

Segundo Adriana Zierer, em Oralidade Ensino e Imagens na Visão de

Túndalo (2013), a autora afirma que, no pensamento cristão o fiel se debatia entre o

desejo do Paraíso e medo do Inferno, e as ações enquanto vida eram determinantes “a

posição oficial no Ocidente desde o século XII foi de que ações em vida determinavam

o local para onde iam os mortos, sendo alguns deles já eternamente em estado de

danação” (ZIERER, 2013, p. 105).

Essa relação com o invisível é um forte traço da sociedade cristã. Todas as

atitudes humanas se resumem as virtudes e vícios. Tudo girava em torno dos critérios

clericais, ou seja, “vícios e virtudes” liga-se ao fato de que a moral oferece um discurso

totalizante sobre o mundo, assim a Igreja intervém na sociedade com a “missão” de

libertar o homem do pecado, das vaidades. Como era característica do período

medieval, existia uma forte contrariedade entre vícios e virtudes (BASCHET, 2006, p.

376). Ao longo de sua obra, Ramon Llull tratou muitas vezes das virtudes cardeais

(prudência, justiça, temperança e fortaleza) e três virtudes teologais (caridade, fé e

esperança), que são criações especificamente cristãs, e adquiridas pelo hábito guardado

na memória.

Page 354: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

354

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A grande preocupação da Igreja era sustentar um discurso de boa conduta

para sociedade. Por isso era tão importante á prática das virtudes, e em contrapartida o

distanciamento dos vícios. Por exemplo, a inveja que levava a uma desenfreada

competição entre as pessoas, a ira que induzia a violência e a agressividade, o orgulho

que era um tipo de pecado mais temido pelos clérigos, esses três pecados rompiam com

a harmonia cristã. Por isso a importância da memória, o lembrar era determinante, pois

ter em mente que o pecado era responsável pela sentença eterna, era trazer a memória a

condenação eterna,

Entende quão grande pena tem a alma do homem infernado, pois a memória

lembrará que em todos os tempos terá pena, o entendimento entenderá que perdeu a Glória que não tem fim, e a vontade odiará a memória que

lembrará a infinita pena, e o entendimento que entenderá a Glória que

perdeu. Por isso, cada uma dessas potências terá pena na outra e em si

mesma. (LLULL, 2010, p. 91, grifo nosso).

Nesse sentido, nosso propósito é compreender de que maneira as

praticas educativas formuladas por Ramon Llull, podem nos ajudar a compreender o

ensino e estabelecer a estreita relação entre passado/presente no que diz respeito às

formas de educar. De acordo com Llull os homens devem aprender a Amar a Deus,

usando sua mente racional, para atingirem a glória que não terá fim. Era buscando a

sabedoria e aproximação com o Criador que o homem poderia consolidar uma boa

educação voltada para salvação da alma: “A educação é acostumar o outro ao hábito

mais próprio à obra natural. Pois assim como a natureza segue seu corpo e não se desvia

de sua obra, as crianças, no princípio, se acostumam à boa educação ou má” (LLULL,

2012, p. 78).

Cabe apontar que Ramon Llull transmitia oralmente a mensagem cristã,

através de sermões com objetivo de serem memorizados, para que aqueles que tivessem

a oportunidade de ouvi-lo, lembrassem sempre da mensagem do cristianismo. “O ensino

cristão é memória, o culto cristão é comemoração (LE GOFF, 1994, p. 377). Nosso

intuito, portanto, é o expandir o conhecimento sobre a História da Educação Medieval,

Page 355: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

355

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

ressaltando limites, bem como a relação entre memória e identidade, compreendendo as

particularidades do ensino medieval.

3.OBJETIVOS

GERAL:

Analisar a obra Doutrina para Crianças como manual pedagógico de

preservação e divulgação da memoria cristã para salvação da Alma.

ESPECÍFICOS:

Identificar a utilização da memória como ferramenta para a construção do

projeto-pedagógico Luliano.

Apontar os ensinamentos de Llull para a educação com base nos preceitos

cristãos através da obra Doutrina para crianças .

Discutir a oralidade como uma estratégia na transmissão dos ensinamentos

religiosos, na obra Doutrina para crianças e vida coetânia, por Ramon Llull.

4. METODOLOGIA

Para alcançarmos os objetivos propostos, nossa pesquisa se debruçará nos

estudos atualizados sobre a nossa temática, ou seja, as diversas produções

historiográficas que abordam sobre os temas como: educação medieval, religiosidade,

identidade e memória.

Pesquisar sobre a educação, é trilhar por um campo do saber bastante

delicado, pois é necessário ter bastante cuidado para não cometermos anacronismos, já

que hoje vivemos em um tempo, onde a palavra “educação” tem sentidos tão complexos

e ao mesmo tempo confusos, com finalidades tão amplas. Em se tratando do medievo a

educação tinha uma finalidade bastante clara, educar para salvar. Assim tentaremos

mostrar que apesar das finalidades religiosas, a educação tinha um currículo educacional

que objetivava aperfeiçoar o homem.

Page 356: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

356

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

O modelo de “cristão perfeito” é tratado repetitivamente na obra Doutrina.

Para Llull o cristão perfeito era aquele que tinha uma boa educação, que para o mesmo

autor só poderia adquiri-la através do exercício da memória, do constante “hábito do

lembrar”, ou seja, era necessário que cada indivíduo guardasse e lembrasse sempre do

passado bíblico. Assim cada cristão deveria manter sempre um bom comportamento, e a

educação formaria o cristão perfeito.

O estudo sobre educação medieval será feito através das fontes primárias

“Vida coetânia” e “Doutrina para Crianças” de Ramon Llull. A obra Vida coetânia é

uma autobiografia de Ramon Llull, onde o mesmo relata que sua vida, antes dos trinta

anos, era “mundana” e totalmente longe dos padrões cristãos, assim essa obra serviria

como um exemplo para outras pessoas, ou seja, era muito comum no medievo, as

pessoas utilizarem sua conversão para alcançar outras pessoas ensinando como ter um

comportamento, ser um bom cristão para ser salvo. Nessa obra ele aponta como foi sua

conversão e desejo que teve posteriormente de construir escolas, mostrando sempre sua

preocupação com a educação cristã.

Na obra Doutrina para Crianças analisaremos de forma minuciosa os traços

primordiais da educação e religiosidade medieval, já que a educação medieval foi

construída através da memória cristã, e isso fica bastante claro quando o filósofo Llull

se propõe a construir um projeto- pedagógico que conduzissem o individuo a moral e a

fé cristã. Essa obra foi dedicada ao seu filho Domingos, onde o autor apresentava

métodos, filosofia, e principalmente os modelos educativos formulados por ele. Há

nessa obra, uma tentativa da preservação da memoria, do cristianismo, buscava-se então

fortalecer e construir uma identidade cristã. Dessa forma nos debruçaremos nas

memórias registradas de Ramon Llull, já que seu projeto pedagógico era destinado a

manter viva a memória de Cristo, a evangelizar e, portanto, formar um bom cristão.

Pretendemos fazer uma análise comparativa com outros educadores, e

dentre esses, Santo Agostinho, que foi um grande contribuidor para Educação Medieval,

considerado como principal teórico cristão, apresentou em suas obras as normas de

conduta e a pedagogia religiosa cristã. Tentaremos compreender a construção dos

aspectos educacionais propostos, Tanto por Santo Agostinho como por Ramon Llull.

Page 357: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

357

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Para isso será necessário o contato com obras sobre filosofia Medieval,

utilizaremos a obra do autor Gilson “A Filosofia na Idade Média” e outras. Para nos

aprofundarmos sobre a temática, educação medieval utilizaremos as obras “História da

Educação Medieval” do autor Rui Afonso da Costa, onde o mesmo fez uma pesquisa

apresentando os legados da Educação da antiguidade, as mudanças e permanências na

educação medieval e suas finalidades, ele estabelece uma visão panorâmica sobre a

educação.

Algumas obras já traduzidas em português como Homens e Saber na Idade

Média e Cultura, Ensino e Sociedade no Ocidente nos séculos XII e XIII ambas de

Jacques Verger, Os Intelectuais na Idade Média de Jacques Le Goff e Cultura e

Educação na Idade Média de Luiz Jean Lauand. Dentre os pesquisadores nacionais

destacamos o professor Dr. Ricardo Costa (UFES) é um dos autores, aqui no Brasil,

com maior produção sobre Ramon Llull, além de traduzir as obras do filósofo para

nosso idioma. Utilizaremos para o desenvolvimento dessa pesquisa seus artigos, livros,

em específico sobre educação e o Além medieval. Outra pesquisadora que tem se

debruçado e feito trabalhos consolidados na área da educação medieval é a, professora

Drª. Terezinha Oliveira (UEM). Também visamos nos aprofundar nos estudos sobre

memória e Identidade pautados nas obras de autores que levantam tais discussões como

Jacques Le Goff, Pierre Nora, Michael Pollak e outros.

Outro elemento importante a ser analisado é a função da Oralidade utilizada

por Llull, pois o mesmo relata na sua obra Vida Coetânea que viajava para muitas

localidades para falar sobre seu projeto “da verdade cristã”. Como afirma Adriana

Zierer a oralidade é fundamental para regeneração e conversão de outros indivíduos

naquela sociedade eminentemente cristã (ZIERER, 2013, p. 124).

Por fim, será realizada a análise documental, buscando esclarecer as

representações da salvação Medieval nas obras de Ramon Llull, com ênfase na análise

de palavras-chave correlacionadas e de sentidos opostos, tais como Deus x Diabo,

Corpo x Alma, Paraíso x Inferno, Salvação x Danação, Fé x Razão. Como afirmam

Cardoso e Brignoli ao tratar sobre o método comparativo “Para Marc Bloc, é preciso

considerar, através de tal método, tanto as semelhanças quanto às diferenças entre os

Page 358: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

358

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

elementos comparados” (CARDOSO; BRIGNOLI, 1992, p. 411, grifos nossos), ou

seja, estabelecer as aproximações entre os sentidos opostos que compunham o

imaginário do homem medieval, apesar de serem semelhantes (em se tratando de

finalidades), distinguem-se.

REFERÊNCIAS

FONTES

LLULL, Ramon. Doutrina para crianças. (trad. De Ricardo da Costa, e Grupo de

Pesquisas Medievais da UFES III [Felip e Dias de Souza, Revson Ost e Tatiana

Nunes]). Editorial Ivitra,2010.Tradução feita a partir da edição de Gret Schib. Ramon

Llull.Doctrina Pueril. Barcelona: Editorial Barcino, 1972.

Disponível em: <http://www.ricardocosta.com/sites/default/files/pdfs/doutrina.pdf> ;

acesso em 13/02/2017.

LLULL, Ramon. Vida Coetânea. (Trad. Ricardo da Costa) publicado na Internet:

http: www.ricardocosta.com/vita.htm. Trad. Da edição de Gret Schib. Barcelona:

Editorial Barcino, 1972. Acesso em 29/08/2015.

ESTUDOS

BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal. Rio de Janeiro: Globo, 2006.

BARROS, José D’Assunção. O campo da História. 4. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2004.

COSTA, Ricardo. História e memória: a importância da preservação e da recordação do

passado. In: SINAIS - Revista Eletrônica - Ciências Sociais. Vitória: CCHN, UFES,

Edição n.02, v.1, Outubro. 2007. pp.02-15. Disponível em:

<http://www.ricardocosta.com/sites/default/files/pdfs/ricardocosta_artigo.pdf> Acesso

em: 14/09/2015.

CARDOSO, Ciro F.; BRIGNOLI, Héctor P. Os métodos da História, 6 ed. Rio De

janeiro: Graal, 1992, p. 409-420.

HALBWACHS, Maurice, Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, 1994.

LE GOFF, Jacques. « Memória » In: Memória e História. Campinas: Unicamp, 1994.

Page 359: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

359

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

LE GOFF, Jacques. Os intelectuais na Idade Média. 6ªed. Rio de Janeiro: Jose

Olímpio, 2014.

LE GOFF, Jacques. Além. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (Coord).

Dicionário Temático do Ocidente Medieval. São Paulo: EDUSC; São Paulo:

Imprensa Oficial SP, 2002. p. 21-34

LOBRICHON, Guy. Bíblia. In: GOFF, Jacques Le; SCHMITT, Jean-Claude (Coord).

Dicionário Temático do Ocidente Medieval. São Paulo: EDUSC; São Paulo:

Imprensa Oficial SP, 2002, v. I, p. 105-116.

MATEUS, Natasha N. A. S. Uma Orientação Educacional para a Salvação da Alma na

obra Doutrina para Crianças (1276-1278), de Raom Llull. In: MOURA, Fabrício de. O

Poder do Imaginário: diálogos com a Antiguidade, o medievo e outras temporalidades.

Imperatriz: Ethos, 2016, p. 367-389.

MATEUS, Natasha N. A. S; ZIERER, Adriana. A Importância da Salvação para o

Homem Medieval: Paraíso versus Inferno na obra Félix, o Livro das Maravilhas (1287-

1288). In: ZIERER, A.;VIEIRA, A.L; ABRANTES, E.S. (Orgs.). Nas Trilhas da

Antiguidade e Idade Média. São Luís: Ed. UEMA, 2014, p. 329-334.

MOTTA, Márcia Maria Mendes. História, memória e tempo presente. In. CARDOSO,

Ciro Flamarion. VAINFAS, Ronaldo. (org.). Novos domínios da História. Rio de

Janeiro: Elsevier, 2012, p. 21-36.

OLIVEIRA, Terezinha. Memória e história da educação medieval: uma análise da

autentica habita e do estatuto de Sorbonne. Avaliação, Campinas, v.14, n.3, p. 683-

698, nov. 2009. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/aval/v14n3/a09v14n3.pdf >

Acesso em: 14/08/2015.

SOUZA, Ana Aparecida Arguelho de. Literatura e História na Educação Medieval.

Mirabilia, Vitória/Barcelona, v. 13, nº 2, p. 6-26, jun/dez. 2011.

Disponível em: http://www.revistamirabilia.com/sites/default/files/pdfs/2011_02_01.pdf

Acesso em 12/08/2015.

VAUCHEZ, André. A Espiritualidade na Idade Média Ocidental: (séculos VIII a

XIII). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.

Page 360: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

360

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

VERGER, Jacques. Cultura, ensino e sociedade no Ocidente nos séculos XII e XIII.

São Paulo: EDUSC, 2001.

VERGER, Jacques. Homens e saber na Idade Média. São Paulo: EDUSC, 1999.

WOOR JR, Thomas E. Como a Igreja construiu a civilização Ocidental. Tradução de

Elcio Carillo. São Paulo: Quadrante, 2008.

ZIERER, Adriana Maria de Souza . Da ilha dos bem aventurados à busca do Santo

Graal: uma outra viagem pela Idade Média. São Luís: Ed. UEMA, 2013.

Page 361: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

361

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

SABERES DOCENTES E NOVAS TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS: USOS E

POSSIBILIDADES NO O ENSINO DE HISTÓRIA

Maria Aparecida Ferreira de Sousa

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo compreender as ideias e

concepções de professores de História do Ensino Médio da Rede Pública Estadual de

São Luís, Maranhão, sobre o uso das novas tecnologias no ensino História, buscando

analisar as práticas exercidas por esses agentes, a partir de suas representações sobre as

tecnologias educacionais considerando as potencialidades destas para o ensino de

História e a aprendizagem significativa dos alunos com base nas mudanças da sociedade

e, consequentemente, nas formas de aprender e ensinar.

O crescente processo de desenvolvimento social aliado à Globalização tem

suscitado profundas transformações à sociedade contemporânea, afetando variados

aspectos conjunturais e estruturais, entre estes, o setor educacional, trazendo consigo um

novo cenário formativo, com mudanças significativas para o processo ensino-

aprendizagem, em meio às tecnologias de informação e comunicação.

Tal revolução tecnológica afeta o conhecimento e a sociedade atual,

caracterizando-a pelo aumento exponencial do volume de informações circuladas,

apontando, para mudanças necessárias quanto a ação educativa, opondo-se ao

etnocentrismo relativo às disciplinas curriculares, abrindo espaço para acolher

conhecimentos múltiplos, interdisciplinares e veiculados por diferentes meios e

linguagens.

Nessa perspectiva, é importante destacar que a construção do currículo não

deve limitar-se a um enfoque puramente disciplinar, sobretudo quando se estuda o

passado havendo necessidade de se fazer referência às múltiplas experiências dos seres

humanos no tempo, que são, antes de tudo, permeadas por um conjunto de

conhecimentos e aspectos que não podem ser desconsiderados e nem reduzidos a um

Page 362: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

362

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

recorte disciplinar.

A escola é, por excelência, o local de construção, de socialização de saberes

e trocas de experiências e, por isso, deve estar à frente desse processo. Assim, de acordo

com Ferreira (1999, p. 87), “[...] não se pode admitir que justamente a escola, local onde

se deveria produzir conhecimento, fique à margem da maior fonte de informações

disponíveis e mais, não seja capaz de orientar sua utilização”. Urge, portanto, a emprego

de outras propostas educacionais, uma vez que os moldes atuais são incompatíveis à

metodologia tradicional de memorização, repetição e transcrição dos fatos, onde o

professor é considerado detentor do conhecimento.

A demanda crescente por conhecimento abre espaço para o surgimento de

novas metodologias de ensino – aprendizagem e para responder a tais demandas o

professor deve estar preparado para desenvolver com seus alunos estudos e pesquisas

mediado por outros meios, que não simplesmente os tradicionais e enciclopédicos. Essa

postura implica na mudança de comportamento dos envolvidos, principalmente quanto à

construção e aplicabilidade dos conhecimentos.

Nesse contexto, a instituição escolar, enquanto lócus privilegiado de

construção de saberes, deverá necessariamente desenvolver novas competências para o

ensino, incorporando às suas práticas o uso das tecnologias, tendo em vista que a

sociedade mudou, e junto com ela, as formas de aprender e ensinar, pois para esta nova

geração a tecnologia é algo extremamente natural a qual deve ser usado a favor desse

processo.

Sendo a História uma disciplina obrigatória pertencente ao núcleo comum

das matrizes curriculares das escolas brasileiras, conforme estabelece a Lei de Diretrizes

e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/96, faz-se necessário apontar subsídios

que possam contribuir para o debate acerca do processo de ensino dessa disciplina

aliado à utilização de tecnologias, enquanto ferramentas pedagógicas que possibilitem a

construção de conhecimentos mais sólidos, dinâmicos e contextualizados aos alunos

(BRASIL, 1996).

Com base nesse aporte, o aluno poderá ser capaz de compreender que,

atualmente, o estudo da História, sobretudo como resultado das influências oriundas da

Page 363: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

363

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Escola dos Annales, que permitiu a este campo de conhecimento uma significativa

ampliação dos objetos de estudo e das fontes de pesquisa, acerca da atividade humana

no âmbito do diacronismo, vai além da tradicional perspectiva positivista, pautada na

busca por uma verdade e na exploração minuciosa dos fatos políticos e diplomáticos do

passado. Esses traços, por muito tempo, remeteram a referida área do saber à simples

memorização de conceitos e termos científicos transmitidos pelo professor ou

encontrados em livros.

No âmbito das competências, científicas, técnicas, humanas, políticas e

pedagógicas desenvolvidas pelo professor, é essencial propiciar aos alunos condições

para a ampliação da capacidade de pensar crítica e logicamente, fornecendo-lhes meios

para a resolução de problemas inerentes aos conteúdos trabalhados nesse componente,

interligando-os ao seu cotidiano.

As tecnologias, de modo geral, permitem essa abertura, proporcionando

aprendizagem para além da estrutura física da sala de aula convencional, gerando, ao

mesmo tempo democratização de acesso às informações produzidas histórico e

socialmente.

Para o ensino de História, torna-se uma oportunidade particular, pois as

ferramentas tecnológicas ensejam ao indivíduo estabelecer relação entre o local e o

global, compartilhando informações que poderão ser debatidas e construídas

coletivamente, possibilitando a estes sujeitos interagirem com diversos e diferentes

lugares e pessoas.

Partindo dessa conjectura, observa-se que o uso de Tecnologias de

Informação e Comunicação (TICs) pode interferir de forma muito positiva no processo

de ensino e aprendizagem de História, vez que possibilita aos seus agentes (alunos e

professores) vivenciarem de forma mais efetivas as relações sociais que se estabelecem

na contemporaneidade e na qual estão inseridos. Outrossim, destaca-se, nesse contexto,

o trabalho com tecnologias no ensino médio, possibilitando, principalmente, o acesso a

diferentes formas de busca do conhecimento e pesquisa com base em documentos,

filmes, documentários, downloads de livros, visita a diversos espaços históricos,

museus, uso das redes sociais etc. No entanto, o uso de tais elementos está

Page 364: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

364

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

necessariamente ligado à capacidade criativa do professor e do aluno, desenvolvidas no

processo de intercâmbio entre estes segmentos, o contexto social e os meios utilizados.

Assim, o intento da pesquisa é fomentar discussões e trazer contribuições de

novos modelos didáticos-metodológicos para o ensino da disciplina História em meio às

transformações que a sociedade vem passando com o processo de Globalização e das

telecomunicações em que urge saber adquirir e transformar as informações difundidas

em conhecimentos necessários e válidos ao atual momento histórico.

O presente trabalho tem por objetivo apontar caminhos sobre o uso

pedagógico das tecnologias aplicadas à educação, e mais precisamente ao ensino de

História.

A relevância deste estudo, portanto, ocorre no sentido de mostrar o potencial

educativo e didático da TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) no ensino da

disciplina História, buscando, desenvolver uma consciência crítica e responsável sobre a

utilização das mesmas na compreensão da realidade. Essas tecnologias educacionais

podem colaborar para aperfeiçoar narrativas didáticas numa perspectiva crítico-

dialética, sempre em construção, colocando professores e alunos como sujeitos ativos de

compreensão e construção do conhecimento, tornando esse ensino bem mais

interessante, rico e criativo, contrapondo-se a História tradicional e factual.

As TIC’s trazem um mundo para o ambiente educativo, de forma interativa. Os alunos e os professores são agentes a interagir com estes

recursos, despertando o interesse e a vontade de aprender sempre,

funcionando como agente motivador. Não há limite(s) para o que pode ser feito na área educativa e na História. (FERREIRA, 1999, p.148).

O interesse pelo estudo sobre ouso das novas tecnologias no ensino de

História, inserido na linha de pesquisa Historiografia e Linguagens, surgiu a partir de

minha experiência profissional enquanto coordenadora pedagógica do Ensino Médio, da

rede pública estadual de educação do Maranhão e também por desenvolver atividade de

coordenação de ensino junto ao Núcleo de Tecnologias para Educação da Universidade

Estadual do Maranhão, onde foi e está sendo possível estimar as possibilidades

Page 365: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

365

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

oferecidas pelas ferramentas tecnológicas para o processo de ensino e aprendizagem,

especialmente no que refere ao ensino de História, pela dinamicidade inerente a essa

área de conhecimento, que pode ser abordada sob diferentes formas.

No tocante ao cotidiano da escola com relação a rotina vivenciada enquanto

coordenadora pedagógica, trabalhando diretamente com o processo de planejamento dos

professores foi possível lançar um olhar sobre as formas ainda um tanto “tradicionais”

das práticas exercidas pelos docentes, onde surgiu a inquietação, levando-me a refletir

sobre a possibilidade de introdução dos recursos tecnológicos e objetos de

aprendizagens, ao ensino de História na perspectiva de atualização da realidade escolar

aos tempos repleto de novas tecnologias via a criação de uma proposta pedagógica que

traga elementos teóricos e metodológicos para tal empreendimento no espaço escolar.

Outro dado que vale destacar, embora a priori em nível de observação, diz

respeito ao fato de que, mesmo que muitas escolas possuam laboratórios de informática,

estes em sua maioria são subutilizados havendo, ainda, muitas dificuldades para inserir

tais tecnologias no ensino básico, de modo a efetivamente contribuir com o processo de

aprendizagem dos educandos.

2 PROBLEMATIZAÇÃO

A ordem mundial vigente, no entanto, exige novas competências e

formações por parte dos que a integram, sendo papel da educação formar indivíduos a

partir da evolução do próprio conhecimento mediado pelo aparato tecnológico e

midiático ora existente.

Com base nessa realidade interessa lançar os seguintes questionamentos:

Como as novas tecnologias estão sendo incorporadas ao processo ensino-aprendizagem

nas aulas de História? Quais potencialidades essas ferramentas podem oferecer ao

ensino da História no Ensino Médio? O professor de História está preparado para

viabilizar a condução do processo ensino aprendizagem com uso de tecnologias? Que

preocupação os professores veem em aprender usar a tecnologia no Ensino de História?

A que Tecnologias os alunos têm acesso? É possível viabilizar uma proposta

Page 366: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

366

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

pedagógica para minimizar tais deficiências no ensino de História? O que dizer nesta

proposta pedagógica? O que indicar a fazer? Como dizer? Eis nossos desafios nesta

dissertação em formato de proposta pedagógica.

A pesquisa traz também como objetivo investigar as percepções (ideias,

discursos) dos professores de História, do ensino médio da Rede Pública Estadual do

Maranhão, sobre o uso de tecnologias nas aulas de História. Tais discursos nos ajudarão

(e já tem nos ajudado) a construir a proposta pedagógica a qual nos propomos.

Visando responder a esses questionamentos, faz-se necessário:

a) compreender o debate sobre o uso das novas tecnologias no Ensino de

História;

b) discutir concepções pedagógicas sobre novas tecnologias educacionais

no ensino de História;

c) compreender as percepções e as práticas dos professores de História

em relação ao uso das novas tecnologias;

d) analisar as diretrizes educacionais no âmbito Federal, Estadual relativo

ao uso de tecnologias na educação, especialmente no que diz respeito ao

ensino de História;

e) apontar caminhos sobre o uso pedagógico das novas tecnologias no

Ensino de História a partir da construção de uma proposta pedagógica.

3. METODOLOGIA

Quanto ao aspecto metodológico, trata-se de um estudo de natureza

qualitativa, que consiste na capacidade interpretativa e interativa dos dados obtidos, a

partir de experiências vivenciadas pelos atores sociais envolvidos no processo de

investigação, onde se optou pela utilização do método indutivo, caraterizado por

inferências gerais, com base em premissas particulares: “[...] de acordo com o raciocínio

indutivo, a generalização não deve ser buscada aprioristicamente, mas constatada a

partir da observação de casos concretos suficientemente confirmadores dessa realidade”

(GIL, 2008, p.10).

Page 367: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

367

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Considerando-se a definição, quanto aos fundamentos teóricos

metodológicos, trata-se de uma pesquisa de campo, onde a coleta e análise de dados

aconteceu in loco, utilizando-se como instrumento de investigação entrevistas,

realizadas com os sujeitos que compunham o público-alvo da pesquisa.

3.1 Espaços da pesquisa

Entendendo que o estudo de campo consiste na observação e levantamento

dos dados no(s) locais onde acontecem o(s) fenômenos tais como ocorrem

espontaneamente, e que estes em tempo algum podem ser isolados em laboratórios,

dada a inserção em uma realidade dialética permeada por diversos fatores, sejam

econômicos sejam políticos sejam sociais, é que a referida pesquisa ocorreu em 08

(oito) escolas de Ensino Médio da rede Pública Estadual, localizadas na cidade de São

Luís – Maranhão.

A escolha dessas instituições deu-se de forma intencional, levando-se em

consideração seus portes, em termos de estruturas físicas, por se constituírem nas

maiores escolas que agregam esse nível de ensino, e por suas localizações, por

situarem–se nos bairros mais centrais da cidade. Assim foram pesquisadas as maiores

escolas que trabalham exclusivamente com esse nível de ensino, compreendendo os

turnos matutino e vespertino, conforme descritos na tabela 1 – a seguir.

Tabela 1 - Escolas pesquisadas - Centro de Ensino Médio de São Luís – MA

ESCOLA BAIRRO

CE Almirante Tamandaré Cohab

CE Cidade de São Luís Cohab

CE Gonçalves Dias Bairro de Fátima

CE Fernando Perdigão Centro

CE João Francisco Lisboa - CEJOL Centro

CE Liceu Maranhense Centro

CE Margarida Pires Leal Alemanha

CE Paulo VI Cidade Operária Fonte: Elaborado pela autora com base na pesquisa realizada

Page 368: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

368

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

3.2 Sujeitos da pesquisa

A base empírica da pesquisa foi constituída por 20 (vinte) professores

licenciados em História, que atuam no nível do Ensino Médio das escolas supracitadas,

entendidos aqui como sujeitos históricos determinados e também determinantes das

relações que se estabelecem e das práticas que se configuram por meio do uso

pedagógico das tecnologias no trato com essa disciplina. Neste trabalho são

identificados e convencionados pelo código P, seguido de numeração de 1 (um) a 20

(vinte) quando da necessidade de referir-se aos mesmos.

Dada a extensão do campo da pesquisa e as situações semelhantes

encontradas nos espaços pesquisados, o método indutivo configurou-se como o mais

apropriado, tendo em vista a impossibilidade de abarcar a totalidade dos sujeitos, em

função do tempo disponível para a investigação.

3.3 Procedimentos de coleta de dados

Com relação ao procedimento de coletas de dados, optou-se pela utilização

de roteiro de entrevista com vistas à consecução referente aos objetivos e finalidade da

pesquisa. Assim, as questões foram elaboradas com o objetivo de perceber as ideias dos

professores de História quanto ao uso das novas tecnologias no ensino dessa disciplina,

buscando-se mapear tais representações acerca do objeto proposto.

A aplicação desse instrumento baseou-se à luz dos referenciais teóricos, por

meio da pesquisa bibliográfica, por esta constituir-se numa importante e imprescindível

etapa do processo que perpassa todas as fases de investigação, balizando explanações

que facilitam a compreensão acerca do objeto abordado, uma vez que reúne

componentes teóricos que retroalimentam o processo investigativo.

Após as realizações das entrevistas, procedeu-se à transcrição das falas,

respeitando-se os discursos originais dos entrevistados, e considerando-se o potencial de

contribuição dos mesmos para a descrição, construção e compreensão do objeto

estudado.

Page 369: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

369

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Com base nos dados coletas na pesquisa é apresentada a ideia de construção da

proposta pedagógica acerca da utilização de novas tecnologias educacionais no ensino

de História, considerando-se os saberes docentes e as representações que os professores

desta área de conhecimento detêm a esse respeito.

A noção de representação aqui perspectivada está alicerçada nos postulados

epistemológicos de Chartier (1991), ao esclarecer que representações sociais são

determinadas pelos grupos, ou seja:, são percepções do social, discursos que produzem

práticas e buscam legitimar ou justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e

condutas, onde as representações demandam práticas que resultam na construção de um

mundo social e de uma identidade. E de Paul Ricoeur (2007), este, ao tratar da dialética

da representação, entende-a como objeto privilegiado de explicação/compreensão, no

plano de formação dos vínculos sociais e das identidades que estão em jogo,

presumindo-se que as formas como os agentes sociais se entendem estão conectadas na

relação representação-objeto e a ação social, com implicação na representação e

operação dos agentes.

Roger Chartier (2002 apud RICOEUR, 2007) defende ainda as

representações com eco nas recepções, referindo-se às modalidades de operação com

relação os textos (historiográficos) e os novos modos de transmissão destas na era da

representação eletrônica, chamada por ele de revolução da técnica de reprodução e

revolução do suporte de texto, ligadas às prática de leitura, escrita, e apropriação dos

conhecimentos históricos.

A proposta sistematizada, será, direcionada à formação continuada dos

professores História do Ensino Médio, contemplando objetos de aprendizagem que

viabilizem um ensino de Histórico, rico, dinâmico, com base em abordagens históricas

que consolidem as relações entre os indivíduos e a sociedade presente. Compreendendo

que uma proposta pedagógica:

É um caminho, não é um lugar. Uma proposta pedagógica é construída no

caminho, no caminhar. Toda proposta pedagógica tem uma história que

precisa ser contada. Toda proposta contém uma aposta. Nasce de uma

realidade que pergunta e é também busca de uma resposta. Toda proposta é

situada, traz consigo o lugar de onde fala e a gama de valores que a constitui;

Page 370: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

370

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

traz também as dificuldades que enfrentam, os problemas que precisam ser

superados e a direção que a orienta (KRAMER, 1997, p.19).

A elaboração da proposta pedagógica como produto da dissertação será

sistematizada mediante os resultados constatados na investigação realizada com os

professores de História, onde foi possível observar a necessidade de serem propostas

orientações didático-metodológicas às práticas docentes nas aulas de História no Ensino

Médio, considerando-se a atualização e contextualização do ensino dessa disciplina

quanto à demanda e ao público atual.

A proposta visa contribuir para o enriquecimento da aprendizagem de

professores e alunos. Entendemos que, através da formação continuada de professores,

serão delineadas e desenvolvidas aprendizagens, que trarão contribuições

epistemológicas que incidirão sobre o processo de aprendizagens dos próprios alunos,

com vistas à formação cidadã, na medida em que lhes possibilitará a construção de um

conjunto de conhecimentos e de valores modernos, vivos e dinâmicos, permitindo tanto

ao educador quanto ao educando atuarem e participarem dos acontecimentos e

processos relativos ao seu tempo e espaço.

Entendemos que a Nova História traz em seu bojo possibilidades de

incorporação de novas temáticas inerentes ao cotidiano, acarretando concomitantemente

desafios para que o educador a o educando identifiquem suas próprias histórias, nas

quais o professor se projeta como um agente transformador. Sendo assim, mais do que

nunca o ensino da História deve estar aportado no presente, visto que, embora vivendo

em uma sociedade globalizada, existe a necessidade quanto à formação de identidades,

ou seja: da consciência histórica, em meio a esse processo.

Na Contemporaneidade, as relações sociais estão cada vez mais complexas e

mediadas pelas diferentes tecnologias (compreendendo seus produtos e equipamentos)

inseridas no cotidiano das pessoas, o que traz consigo mudanças no modo de ser, agir, e

de se relacionar com o conhecimento na sociedade, exigindo formação

institucionalizada, diferenciada para as gerações do século atual.

Nesse contexto, a legislação brasileira para a educação, Lei nº 9394/96, ao

Page 371: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

371

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

tratar do Ensino Médio, enquanto etapa final da Educação Básica destaca no artigo 35,

Inciso IV, dentre as finalidades desse nível de ensino a “compreensão dos fundamentos

científicos- tecnológicos, relacionando a teoria com a prática no ensino de cada

disciplina”, dentre estas no ensino de História.

Assim,

A educação formal no âmbito das diferentes disciplinas, tem a

responsabilidade de incluir condições favoráveis para o ensino

contextualizado, em que a inserção das tecnologias se torne parte de um

processo amplo, visando empoderar os estudantes para o domínio das

tecnologias de informação para sua atuação como cidadão (PAZIO; GOMES apud MULLER et al., 2015, p.24).

Compartilhando da mesma concepção, Moran (2015, p.8) enfatiza que

A tecnologia não é mero apoio, é um componente essencial da vida atual.

Pessoas não conectadas tem mais dificuldades em entender nosso mundo, em

ampliar as oportunidades de trabalho, de estudo, de participação em redes

importantes para a vida delas.

Nesse panorama, observa-se a necessidade dos segmentos, que compõem a

escola, em adequarem-se às exigências da sociedade presente, assumindo funções para

além da mera transmissão e aquisição passiva de conhecimentos. Onde os professores

possam ser mediadores no processo de busca dos conhecimentos, e os estudantes,

sujeitos ativos e proativos na construção do saber, haja vista que

[...] nos dias de hoje mesmo com todas as mudanças que vem ocorrendo ao

longo da história ainda se encontram muitas práticas pedagógicas, voltadas

ao reducionismo e a falta de reflexão do indivíduo. Dessa maneira encontra-

se na formação do professor um aporte para que ocorram mudanças na

maneira de se olhar e ensinar esses indivíduos (BEHRENS; RODRIGUES,

2014, p.52).

A História, enquanto Ciência e disciplina do currículo escolar, tem

importante função a cumprir na sociedade, e pela dinamicidade inerente a essa área de

conhecimento, em meio às gerações contemporâneas, requer a utilização de diversos

meios e linguagens para a consecução de seus objetivos educativos.

Um ponto crucial que se coloca nessa dinâmica diz respeito à preparação do

Page 372: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

372

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

professor, pois, de acordo com Drucker (2002 apud VASCONCELOS, 2008), os alunos

estão quase sempre prontos para a utilização das tecnologias, enquanto a maioria dos

professores não. Nessa perspectiva, o desafio iminente é justamente a integração desses

professores à cultura tecnológica para no processo de ensino e aprendizagem.

Nessa perspectiva, em se tratando do ensino médio, deve-se levar em

consideração, pela própria essência desse nível de ensino, exposta no inciso II, do artigo

35, LDB nº 9394/96, a preparação básica para o trabalho e para a cidadania, para

continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas

condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores. Considera-se que a sociedade

do conhecimento exige profissionais generalistas. Porém, segundo Moran (2015), há

hoje um descompasso entre a vida social, o trabalho e o cotidiano das pessoas em

relação ao que a escola oferece aos seus alunos e professores.

Em relação ao sujeito generalista, Burke (2012), ao discorrer sobre a

enxurrada de conhecimentos advinda da sociedade presente, mencionando termos como

“explosão do conhecimento” e a consequente “sobrecarga” ou “excesso de informação”,

enquanto fenômenos relacionados principalmente à Internet, diz que estes elementos

podem trazer, no entanto, consequências negativas aos indivíduos, colocando-se como

um desafio às novas gerações o saber lidar com tais informações.

Nessa perspectiva, o grande dilema é tornar a Educação um processo mais

flexível para os segmentos que a compõem (professores e estudantes e demais

profissionais envolvidos) com vistas a adaptar-se aos novos tempos. Para Moran (2015),

um desses desafios é repensar profundamente a formação de professores num mundo

digital, ensejando-lhes compreender o seu espaço no âmbito de um novo modelo de

ensino.

Um outro desafio que se coloca, neste trabalho, em específico, diz respeito

ao entendimento dos conceitos e representações relativos ao uso das Tecnologias, para

além de uma consequência paradoxal, referente ao uso excludente das mesmas. Ou seja:

o que se busca é contribuir para uma proporção crescente de ajustamento de alunos e

professores em atingir os mais ousados objetivos da escola frente aos escopos do

contexto social maior.

Page 373: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

373

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Nesse sentido concordo com Perrenoud (2000, p.128), ao afirmar que

Formar para as novas tecnólogas, é formar o julgamento, o senso crítico, o

pensamento hipotético e dedutivo, as faculdades de observação e de pesquisa, a imaginação, a capacidade de memorizar e classificar, a leitura e a análise de

textos e imagens, a representação de redes, de procedimentos e estratégias de

comunicação.

Estes requisitos compõem, também, as competências necessárias ao uso das

novas ferramentas tecnológicas de informação e comunicação no contexto escolar dadas

suas múltiplas interfaces. De acordo com Drucker (apud VASCONCELOS, 2008, p.73),

esclarece que “A ênfase não pode ser em tecnologia, [...] A quantidade de computadores

nas escolas ou o sistema operacional a ser utilizado são temas secundários. O que conta

é o uso da tecnologia de modo imaginativo”.

Assim, deve-se compreender as transformações que vem atravessando a

sociedade contemporânea, com implicações no processo ensino e aprendizagem, a fim

de que o docentes possam instrumentalizar-se e instrumentalizar seus alunos ao novo

perfil exigido pelo contexto atual.

Encontra-se previsto na Meta 16, do Plano Nacional de Educação (PNE -

LEI nº 13.005/14), garantir a todo(as) os (as) profissionais da Educação Básica

formação continuada em sua área de formação, considerando-se as necessidades,

demandas e contextualizações dos sistemas de ensino.

Nessa perspectiva, uma das questões fundamentais apresentadas pela

pesquisa realizada apontou que os professores têm noção e interesse quanto ao uso das

Tecnologias no ensino de História, no entanto lhes falta formação,

O que se percebe são situações desconfortáveis e as vezes até

constrangedoras que acontecem entre os professores por quererem usar os

recursos do laboratório, mas não se sentirem "competentes" no manejo de

softwares, de sites e de mídias. Sem tempo para fazer suas experiências

próprias, resignam-se e, muitas vezes, acabam rendidos aos métodos

conteudistas e explicadores de outras tecnologias educacionais. Cabe lembrar

que o caderno, o livro didático e o quadro-negro podem funcionar como

verdadeiros objetos de aprendizagens se explorados no limiar de suas

potencialidades. (BRASIL, 2013, p. 15)

Dessa forma, a proposta visa trazer contribuições significativas,

Page 374: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

374

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

apresentando, possibilidades de uso de ferramentas tecnológicas e orientações sobre

lidar com diferentes objetos de aprendizagem para consecução e elaboração de

atividades para serem realizadas com os alunos dentro e fora de sala de aula,

objetivando a integração de metodologias diferenciadas nas aulas de História.

Entendendo que a sala de aula não é o único lócus privilegiado de

aprendizagem, e que a Educação, hoje, segundo Moran (2015), precisa equilibrar o

contato físico com o virtual, as atividades lúdicas com as mais estruturadas, as

atividades mais exploratórias com as mais focadas.

Assim, para agregar o uso de Tecnologias na prática educativa do ensino de

História, faz-se necessária, sobretudo, a preparação do próprio professor. Então, este

passará a ser um mediador da aprendizagem, sem, contudo, e de forma alguma,

enfraquecer, o seu papel enquanto profissional da área. Visto que, nesse sentido, “O

papel do professor é o de ajudar na escolha e validação dos materiais mais interessantes,

roteirizar a sequência das ações previstas e mediar a interação com o grande grupo, com

pequenos grupos e com cada aluno” (MORAN, 2015, p. 10).

Com base no exposto, torna-se fundamental a formação continuada dos

docentes de disciplina História, que já estão em serviço na rede de ensino da Educação

básica, neste caso, em nível de ensino médio, a fim de percebam as diferentes

possibilidades de aplicação e uso das novas tecnologias no processo ensino–

aprendizagem nesse componente curricular.

Conforme afirma Nóvoa (1992, p.29), “[...] a formação deve ser encarada

como um processo permanente, integrado no dia-a-dia dos professores e das escolas, e

não como uma função que intervém à margem dos projetos profissionais e

organizacionais”.

A LDB nº 9394/96 dispõe em seu Artigo 62, Inciso 2º, que, para a formação

continuada e a capacitação dos profissionais de magistério poderão utilizar recursos e

tecnologias de Educação a distância. Nesse mesmo artigo, Parágrafo único, estatui-se

que a formação dar-se-á em local de trabalho ou em instituições básica e superior.

Desta forma propõe-se que a formação continuada dos professores de

História dos Centros de Ensino Médio da rede Pública Estadual do Maranhão, relativa

Page 375: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

375

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

ao uso das novas tecnologias, seja mediada pelo Núcleo de Tecnologias da

Universidade Estadual do Maranhão, por entender que esta, além de compor o quadro

de instituições do Estado, no processo de formação de profissionais das diferentes áreas,

estre estas licenciados em História, enquanto instituição formadora em nível superior,

deve aproximar-se do ensino ministrado na Educação básica do seu Estado, visando,

nesse ínterim, ainda, desmistificar a dissociação entre os referidos níveis, Básico e

Superior.

Pierre Lévy (2009), ao tratar no capítulo X (dez) de sua obra Cibercultura,

sobre a nova relação com o saber, refere-se ao saber-fluxo, indicando que as novas

tecnologias da inteligência individual e coletiva mudam profundamente os dados do

problema da Educação e da formação, indicando que devemos construir novos modelos

do espaço dos conhecimentos. Nesse sentido, afirma que

No lugar de uma representação em escalas lineares e paralelas,

em pirâmides estruturadas em ‘níveis’, organizadas pela noção

de pré-requisitos e convergindo para saberes ‘superiores’, a

partir de agora devemos preferir a imagem de espaços de

conhecimentos emergentes, abertos, contínuos, em fluxo não

lineares, se reorganizando de acordo com os objetivos ou

contextos, nos quais cada um ocupa uma posição singular e

evolutiva (LÉVY, 2009, p. 158).

Assim, defendemos que o referido processo de formação continuada

aconteça em formato de curta duração, fundamentado na modalidade do ensino a

distância, numa perspectiva coletiva e compartilhada, assentada em plataforma de

ensino-aprendizagem, que deverá comtemplar a sistematização do tutorial (passo a

passo) de uso de algumas ferramentas pedagógicas e um fórum, o qual se constituirá de

um espaço de discussão, interação e tira-dúvidas junto aos demais cursistas.

Nessa perspectiva concordo com Behrens (2002, p.64) ao afirmar este que

As práticas na formação do professor devem criar espaço para

contemplar uma dimensão coletiva, em que os professores possam

discutir, refletir e produzir os seus saberes e os seus valores. A proposição de formação continuada num processo participativo leva o

Page 376: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

376

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

professor a sair do seu isolamento em sala de aula, e esse desafio o

impulsiona a discutir com seus pares sobre sua ação docente.

Assim, ao pensar o processo de formação continuada de professores,

principalmente, por tratar-se de um segmento que está em pleno exercício, devem ser

levados em consideração diversos fatores que possibilitem a aceitação e participação

dos mesmos, no processo.

Considerando-se, ainda o rompimento de barreira e a delimitação espaço -

temporal, acredita-se que a referida proposta, se adequada à atividades exercida pelos

docentes, uma vez que estes não precisarão deixar de exercer nenhuma de suas

atividades nem deslocar-se para espaços físicos com vista a participar do Curso. Tal

proposta visa, ainda, tornar-se extensiva a um grande número de professores da Rede,

que de forma presencial seria inviável.

CONSIDERAÇÕES

A pesquisa aqui realizada permite observar que todos os professores

entrevistados possuem Licenciatura em História, sendo, no entanto, a maioria com mais

de vinte anos de exercício docente nessa área de conhecimento. Isto não deixa de ser um

dado relevante para a pesquisa, tendo em vista as mudanças ocorridas nesse intervalo de

tempo, entre a formação recebida por esses profissionais, a ausência de formação

continuada ofertada pela rede de ensino e a geração (público discente) atendida na

sociedade presente.

Nesse contexto, é possível inferir que tais aspectos estejam relacionados às

ideias e representações dos professores acerca do uso das novas tecnologias no ensino

de História e as práticas exercidas pelos docentes no espaço escolar, somadas às

situações estruturais vivenciadas por esses sujeitos.

A realidade encontrada nas escolas pesquisadas assemelha-se, no que diz

respeito ao ambiente, que em geral os professores o concebem como incompatível com

o uso tecnologias educacionais, dadas as dificuldades vivenciados por esses docentes.

Segundo eles, não se permite o uso de outras tecnologias além das tradicionais e usuais

Page 377: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

377

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

utilizadas no dia-a-dia, tais como quadro branco e pincel, livros didáticos e, em alguns

casos, a TV, o data-show, ou seja: demonstra-se, na maioria dos casos, não estarem

familiarizados com as inúmeras possibilidades que poderão ser oferecidas pelas TICs,

para além das paredes da sala de aula e da escola.

Por outro lado, dizem-se conhecedores das novas tecnologias, e atribuem

importância a estas, enquanto equipamentos, recursos que poderão auxiliar o processo

de ensino–aprendizagem da História no contexto atual, porém alegam, na maioria dos

casos, não utilizarem nem mesmo como recurso didático, pelos motivos por eles

destacados: tempo decorrido da formação inicial; falta de formação que os habilite a

manipularem as novas tecnologias; falta de interesse dos alunos nas diversas situações

de aprendizagem nas várias disciplinas, e entre estas a História; ausência de interesse

dos discentes em utilizarem a tecnologia para a aprendizagem, voltando-se mais

especificamente para o aspecto do entretenimento; e falta de condições estruturais

relativas ao espaço escolar.

Tais dilemas ampliam o olhar para as práticas docentes no ensino de

História revelando possibilidades de intervenções com base em proposta pedagógica

voltada para os professores de História, frente às inovações das tecnologias

educacionais nesse campo de trabalho, buscando novos caminhos que visem melhorias,

para o processo ensino e aprendizagem, relativos a essa disciplina, o que não deixa de se

constituir em um desafio permeado por obstáculos provenientes de sua própria trajetória

histórica.

Muitas vezes, esses obstáculos se estabelecem tanto em níveis materiais

quanto intelectuais, no que diz respeito à arquitetura do processo. No entanto, pela

própria dinamicidade inerente a esse componente curricular, e dada sua importância no

que diz respeito à formação do cidadão, faz-se necessário buscar mecanismos que

favoreçam a dinâmica inerente ao ensino da História.

Nessa perspectiva, este estudo tem possibilitado a compreensão de que a

função de ensinar exige, do professor de História, a realização de alguns processos

básicos e fundamentais, tais como uma seleção cultural definida entre os saberes

disponíveis socialmente e historicamente produzidos, percepção quanto aos recortes

Page 378: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

378

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

necessários a serem trabalhados com as atuais gerações, bem como os procedimentos e

recursos apropriados e favoráveis ao contexto.

Essas escolhas implicam, portanto, em opções culturais, técnicas, políticas e

éticas (conscientes ou inconscientes) que favorecerão tanto uma postura crítico-dialética

frente à ação de ensinar ou o contrário, a omissão ou negações de fatos históricos. Tal

seleção se realiza e se expressa nas práticas concretizadas pelos docentes, conforme

suas intenções educativas.

Assim, o ensino deve estar voltado para as transformações vivenciadas pela

sociedade contemporânea, ensejando aos segmentos envolvidos inserir-se no contexto

tecnológico, com vistas a atualizar seus saberes e práticas em sala de aula.

Do mesmo modo, torna-se fundamental que tais profissionais repensem suas

práticas, no sentido de perceber o potencial e as alternativas possibilitadas pela inclusão

da novas tecnologias no fazer pedagógico.

Visto que nas competências: científica, técnica, humana e política

desenvolvidas pelo professor, é essencial o uso pedagógico das tecnologias no seu

trabalho com os estudantes de modo que elas contribuam em relação a aspectos como o

que ensinar, por que ensinar e como ensinar a História, propiciando aos alunos

condições para formação ampla, atraente, construtiva e significativa, enquanto sujeitos

históricos inseridos no contexto contemporâneo.

Nesse contexto, entre os vários desafios, evidencia-se a necessidade de

revisão das metodologias no ensino de História, com vista a contemplar as novas

tecnologias sedimentadas nos processos educacionais, ainda na sociedade

contemporânea. É necessário perceber as transformações e interferências que as TICs

vêm apresentando às Instituições sociais, entre estas as educativas, as quais já se

constituem espaços colaborativos de construção do conhecimento, tendo como atores

principais os professores e os aluno, no processo ativo de construção do conhecimento.

Tal entendimento, referente ao ensino de História auxiliado pelo uso das

TICs, não se constitui apenas na questão de saber utilizar um determinado número de

recursos e programas, mas implica, sobretudo, numa alteração de mentalidade e de

postura perante o processo de ensino e aprendizagem, por parte dos que compõem a

Page 379: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

379

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

escola.

Entende-se que essas ferramentas podem e devem ser utilizadas, não

somente como suporte à realização de apresentações tanto pelos professores quanto

pelos estudantes, mas precisam convir para a produção da aprendizagem de forma

significativa. Pois, enquanto instrumento pedagógico, as TICs precisam ser incluídas na

ação docente do professor de História.

Em relação ao processo de formação para utilização das TICs, trazemos a

compreensão de que estes são conhecimentos que vão agregar valores aos saberes de

que eles já dispõem, construídos em sua trajetória profissional, a fim de que possam

ajustar o seu aprendizado e a sua experiência docente à realidade de sala de aula, frente

às necessidades de seus alunos e dos objetivos pedagógicos a serem atingidos.

Acreditamos, sobretudo, que a discussão da problemática investigada não se

esgota com a realização desta pesquisa, mas, inclusive, enseja espaços para a percepção

de novos olhares e problematizações que poderão surgir com base neste assunto. Está,

portanto, abertas para as considerações que se fizerem necessárias.

REFERÊNCIAS

ABUD. Katia Maria. A guardiã das tradições: a História e o seu código curricular.

Educar em Revista, Curitiba, n. 42, p. 163-171, out/dez.2011.

ALMEIDA. Maria Elizabeth de. Informática e Formação de professores. V. 2.

Proinfo: informática e formação de professores / Secretaria de Educação a Distancia.

Brasília (DF): Ministério da Educação, Seed, 2000.

AZEVEDO. Crislane. A Formação Docente em História como Profissional do

Magistério da Educação Básica. História & Ensino, Londrina, v.21, n.2, p.55-58, julho.

/dez.2015.

AZEVEDO. Patricia Bastos de. MONTEIRO. Ana Maria Ferreira da Costa. Ensino de

História: argumentação e construção de sentido na História ensinada. Revista Práxis

Educativa, Ponta Grossa, v.6, n.1, p. 111-120, jan./jun. 2011. Disponível em:

<http://www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/view/1020/2004>.

Page 380: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

380

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Acesso em: 21 ago. 2016.

BARBOSA, Alexandre de Freitas. O mundo Globalizado. 5. ed. São Paulo: Contexto,

2015.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

BARROS, José de Assunção. O tempo do historiador. Rio de Janeiro: Vozes, 2013.

BEHRENS. Marilda Aparecida; RODRIGUES. Daniela Gureski. Paradigma

Emergente: um novo desafio. Pedagogia em Ação, v. 6, n. 1, 2014. Disponível em:

<http://periodicos.pucminas.br/index.php/pedagogiacao/article/view/9233/7685>.

Acesso em: 26 jul. 2016.

BEHRENS, Marilda Aparecida. A formação pedagógica e os desafios do mundo

moderno. In: MASETTO, Marcos (Org.). Docência na Universidade. 4. ed. São Paulo:

Papirus, 2002.

BEZERRA, Gonçalves Holien. Ensino de História: Conteúdos e conceitos básicos. In:

KARNAL, Leandro. (Org.). História na sala de aula: Conceitos, Práticas e Propostas.

6. ed. São Paulo: Contexto, 2013.

BITTENCOURT. Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos.

4. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

BOURDÉ, Guy; MARTIN, Hervé. As escolas históricas. Lisboa: Publicações Europa-

América, 1983.

BOURDIEU, P. A distinção. Porto Alegre: Zouk, 2007.

BRASIL, Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino

Médio. Brasília (DF), 2000. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf.>. Acesso em: 6 jun. 2016.

______. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/492/2001, de 03 de abril de

2001. Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Filosofia, História,

Geografia, Serviço Social, comunicação Social, Ciências Sociais, Biblioteconomia,

arquivologia e Museologia. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES0492.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2016.

______. Resolução CNE/Cp, nº 1, de 18 de fevereiro de 2002. Diretrizes Curriculares

para a Formação de Professores. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/res1_2.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2016.

______. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Page 381: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

381

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação

Básica. Brasília: Conselho Nacional de Educação, 9 de junho de 2015.

______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei 9.394, de 20 de

dezembro de 1996. Brasília (DF), 1996.

______. Programa Mais Educação / Ministério da Educação - MEC. Caderno digital.

Série Cadernos Pedagógicos. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=123

30-culturadigital-pdf&Itemid=30192>. Acesso em: 15 jul. 2016.

BRITO, Gláucia da Silva; PURIFICAÇÃO, Ivonélia da. Educação e novas

tecnologias: um repensar. Curitiba: IBPEX, 2008.

BRITO, Luciana Souza de. Novas tecnologias: aplicação no ensino da geografia na

Escola Estadual Edvaldo Brandão Correia. Trabalho de Conclusão de Curso

(Licenciatura em Geografia) – Instituto Superior de Educação, Faculdades Jorge

Amado, Salvador, 2007. Disponível em:

<http://artigos.netsaber.com.br/resumo_artigo_7879/artigo_sobre_novas-tecnologias>.

Acesso em: 20 maio 2016.

BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento II. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

CASTELLS, Manuel. A Galaxia da Internet: reflexões sobre a internet, os negócios e

a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. In: A

Sociedade em rede. v. 1. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

CERRI, Luis Fernando. A Formação de Professores de História no Brasil: antecedentes

e panorama atual. Revista história, histórias. Brasília, v. 1, n. 2, 2013.

CERTEAU, Michel de. Uma prática. In: A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 1982.

CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. 2. ed. Belo Horizonte:

Autêntica, 2010.

______. O mundo como representação. Revista Estudos avançados, v. 5, n. 11. 1991.

20p. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/8601/10152>. Acesso

em: 17 jun. 2016.

DARNTON, Robert. O Grande Massacre de Gatos: e outros episódios da história

cultural francesa. São Paulo: Graal, 2011.

Page 382: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

382

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

DICONÁRIO AURÉLIO ON-LINE. Dicionário de Português. Disponível em:

<https://dicionariodoaurelio.com/ferramenta>. Acesso em: 18 jun. 2016.

DOSSE, François. A história. Bauru, SP: EDUSC, 2003.

ELIAS, N. O Processo Civilizador: uma História dos Costumes. v. 1. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar, 2011.

FABENI. Marco Antonio. A inserção de tecnologias digitais na educação básica da

rede estadual de ensino. In: MULLER, Claudia Cristina et al.(Org.). Inovações

educativas e Ensino Virtual: Equipes capacitadas, práticas compartilhadas. Ponta

Grossa: Estúdio texto, 2015.

FILÉ. Valter. Novas Tecnologias, Antigas estruturas de produção de desigualdades. In:

FREIRE, Wendel; et al. Tecnologia e Educação: as mídias na prática docente. 2. ed.

Rio de Janeiro: Wak, 2011.

FERREIRA, Carlos Augusto Lima. A importância das novas tecnologias no Ensino

de História. Brasília (DF): Universa, 1999.

FERNANDES. Sidneia Caetano De Alcântara. As Tecnologias de Informação e

Comunicação no Ensino e Aprendizagem de História: possibilidade no Ensino

Fundamental e Médio. 2012. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade

Católica Dom Bosco, Cidade Campo Grande, 2012.

FOSNSECA, Selva Guimarães. A História na Educação Básica: Conteúdos,

Abordagens e Metodologia. In: I Seminário Nacional: Currículo em Movimento –

Perspectivas Atuais. Anais... Belo Horizonte, Novembro de 2010.

FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da História Ensinada. Campinas. Papirus,

1993.

FRANCO JR., Hilário. Le Goff. In: PARADA, Mauricio (Ed). Os historiadores

Clássicos da História. v. 13. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2014. p.117-140.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São

Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989.

GABRIEL, Martha. Educar / a (r)evolução digital na educação. 1. ed. São Paulo:

Saraiva, 2013.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas.

2008.

Page 383: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

383

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto

Histórico Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional. Estudos

Históricos, Rio de Janeiro, n. 1, p.01 -27, 1988.

HENNIGEN, Inês. A contemporaneidade e as novas perspectivas para a produção de

conhecimentos. Cadernos de Educação, FaE/PPGE/UFPel, Pelotas, n.29, p.191-208,

jun./dez. 2007. Disponível em:

<https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/caduc/article/viewFile/1788/1670>.

Acesso em: 03 jun. 2016.

HOBSBAWN, Eric J. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

IANNI. Otavio. A era do globalismo. 9. ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira,

2007.

KARNAL, Leandro. (Org.). História na sala de aula: Conceitos, Práticas e Propostas.

6. ed. São Paulo: Contexto, 2013.

KENSKI, Vani Moreira. O novo ritmo da informação. 8. ed. Campinas, SP: Papirus,

2012.

______. Tecnologias e ensino presencial e a distância. Campinas, SP: Papirus, 2008.

KOSELLECK, Reinart. Critérios Históricos do Conceito Moderno de Revolução.

In:_____. Futuro passado. Contribuições à semântica dos tempos históricos. Rio de

Janeiro: Contraponto, Ed. PUC Rio, 2006.

KRAMER, Sonia. Propostas pedagógicas ou curriculares: subsídios para uma leitura

crítica, Educação &. Sociedade, Campinas, v.18, n.60, dez.1997. Disponível em:

<http://www.scielo.br/pdf/es/v18n60/v18n60a1.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2016.

KUHN, Thomas. S. A Estruturas das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva,

1998.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de

Metodologia. 5. ed. São Paulo: Atlas 2003.

LE GOFF, J. O Imaginário Medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1994.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34 Ltda, 2009.

LIA, Cristine Fortes; COSTA, Jéssica Pereira da; MONTEIRO, Katani Maria

Nascimento. A produção de material didático para o ensino de História. Revista

Latino-Americana de História, v. 2, n. 6, ago. 2013.

Page 384: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

384

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

LOPES. Claudia Pocho; et al. Tecnologia Educacional: descubra as possibilidades na

sala de aula. 6. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

MACHADO, Claudia; FARIAS, Maria Auxiliadora de Almeida. Das teorias pré-

tecnológicas às abordagens colaborativas. In: II Congresso Internacional TIC e

Educação. Universidade do Minho, [2012?].

MAGALHÃES, Marcelo De Souza; et al. (Orgs.). Ensino de História: usos do

passado, memória e mídia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014.

MARTINS. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à

luz da psicologia histórico‐cultural e da pedagogia histórico‐crítica. Campinas: Autores

Associados, 2013.

MENDES, Flavio Ramos. Tecnologia e a construção do conhecimento na sociedade

da informação. Londrina, 2007. 88f. Dissertação (Mestrado em Educação) -

Universidade Estadual de Londrina. Londrina, 2007.

MESQUITA, Ilka Migilo de; ZAMBONI, Ernesta. A formação de professores na

trajetória histórica da associação nacional de história (ANPUH) In: FONSECA,

Zamboni (Orgs.) Espaços de Formação do Professor de História. Campinas. SP.

Papirus, 2008.

MINAYO, Maria Cecilia de Sousa. O desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa

em saúde. 11. ed. São Paulo. Hucitec, 2008.

MONTEIRO. Ana Maria Ferreira da Costa. Aulas de História: questões do/no tempo

presente. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 58, p. 165-182, out./dez. 2015.

Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/er/n58/1984-0411-er-58-00165.pdf>. Acesso

em: 09 ago. 2016.

MONTEIRO, Ana Maria F. C.; GASPARELLO, Arlette Medeiros; MAGALHÃES,

Marcelo de Souza (Org.) Ensino de História: sujeitos, saberes e práticas. Rio de

Janeiro: Mauad X; FAPERJ, 2007.

MORAN, José Manuel. Uma lenta evolução: entrevista. Guia de Educação a Distância.

2015. Disponível em: <http://www2.eca.usp.br/moran/wp-

content/uploads/2013/12/evolucao.pdf>. Acesso em: 01 ago. 2016.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessário a Educação do Futuro. 3. ed. São Paulo:

Cortez; Brasília (DF): UNESCO, 2011.

Page 385: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

385

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

MULLER, Claudia Cristina et al. (Org.) Inovações educativas e Ensino Virtual:

equipes capacitadas, práticas compartilhadas. Ponta Grossa: Estúdio texto, 2015.

NÓVOA, António (Org.). Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 1992.

PERES, Marcus Vinicius Monteiro. Ensino de História, novas tecnologias digitais e

temporalidade: uma análise discursiva de um material didático em circulação nas

escolas públicas da educação básica. 162 f. Dissertação (Mestrado em Educação) -

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 2016. Nº p. 162.

PERRENOUD, Philippe. Novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes

Médicas Sul, 2000.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. Belo Horizonte:

Autêntica, 2003.

PINTO, Álvaro. O Conceito de Tecnologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.

PINSKY, Jaime. O ensino de História e a criação do fato. 2. impr. São Paulo

Contexto, 2014.

RICHARDSON, Roberto Jary; et al. Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 2012.

RICOEUR, Paul. A memória, a história e o esquecimento. Campina, SP: Unicamp,

2007.

RÜSEN, Jörn. Didática da História: Passado, Presente e Perspectivas a partir do Caso

Alemão. Práxis Educativa. Ponta Grossa, PR. v.1, n.1,15, jul./dez. 2006.

SARLO, Beatriz. Tempo Passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo:

Companhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. História do Ensino de História no

Brasil: uma proposta de periodização. Revista História da Educação, Porto Alegre, v.

16, n. 37, p. 73-91, maio./ago. 2012. Disponível em:

<http://seer.ufrgs.br/asphe/article/view/24245>. Acesso em: 12 jun. 2016.

SIEMENS, George. Conectivismo: uma teoria de Aprendizagem para a idade digital. In:

APARICI, Roberto. Conectados no Ciberespaço. São Paulo: Paulinas, 2012.

SILVA, Marco Antonio da; FONSECA, Selva Guimarães. Ensino de História hoje:

errâncias, conquistas e perdas. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.31, n. 60,

p.13-33, 2010.

Page 386: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

386

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

SOARES, Conceição; SANTOS. Edméa. Artefatos tecnoculturais nos processos

pedagógicos: usos e implicações para os currículos. In: LIBÂNEO, José Carlos;

ALVES, Nilda. (Org.). Temas de Pedagogia: diálogos entre didática e currículo. São

Paulo: Cortez, 2012.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 4. ed. Rio de Janeiro:

Vozes, 2002.

______. Saberes docente e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

TAVARES, Luana Ceciliano. A Educação Histórica e as Mídias digitais construindo

o conhecimento histórico em sala de aula. 2015. 109f. Dissertação (Mestrado em

História) -Universidade Federal Rio Grande, 2015.

THIAGARAJAN, S.; PSIGNA, A.L. Literature Review on the Soft Technologies o

Learning. Basic Research and Implementation in Developing Educational Systems,

2, jul. Cambridge: Harvard University, 1988.

THOMPSON, Edward. A miséria da Teoria ou um planetário de erros: uma crítica

ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

UNESCO. Declaração Mundial de Educação Para todos: Satisfação das

Necessidades Básicas de Aprendizagem. Disponível em:

<http://unesdoc.unesco.org/images/0008/000862/086291por.pdf>. Acesso em: 15 jul.

2016.

UTTA, Bergson Pereira; et al. As Políticas Educacionais no Brasil: desafios e demandas

contemporâneas para a formação docente. Caderno de Pesquisa, São Luís, v.17, n.2,

jan./abr.2010.

VASCONCELOS, Charliton. Peter Drucke e o futuro da Administração no mundo e

no Brasil. set., 2008. Disponível em:

<http://www.administradores.com.br/artigos/economia-e-financas/peter-drucker-e-o-

futuro-da-administracao-no-mundo-e-no-brasil/25131/>. Acesso em: 27 jul. 2016.

VYGOTSKY, Levy. Revista Nova Escola. Grandes Pensadores. Revista Nova Escola,

v. 1-2, ed. 25, abr./jul. 2009.

WHITE, H. Enredo e verdade na escrita da história. In: MADERBA. Jurandir. (Org.). A

história escrita: Teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2008.

Page 387: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

O DESVIO DE FUNÇÃO DOCENTE DE PROFESSORES DE HISTÓRIA NA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO MUNICÍPIO DE SÃO LUÍS

Leonor Viana de Oliveira Ribeiro1

O ensino de história na Educação de Jovens e Adultos ainda é alvo de

grandes desafios na educação brasileira. A docência no ensino de história nem sempre é

aquela caracterizada pela formação do historiador. Ainda é alarmante o número de

professores de História fora da formação específica lecionando a disciplina na Educação

Básica, na modalidade EJA nas escolas das diversas redes de ensino em São Luís.

Fenômeno este, caracterizado como desvio de função docente.

Este estudo apresenta um breve histórico sobre a modalidade EJA no

Brasil; traz considerações sobre a formação docente na educação de Jovens e Adultos;

discute o ensino de História nas turmas de EJA, e caracteriza o fenômeno desvio de

função docente nas redes de ensino à luz da legislação vigente, e ainda, identifica os

índices de formados e não formados em História. Fazendo as discussões através de

gráficos e tabelas que demonstram os dados do censo 2014 e ainda e apresenta os dados

das instituições formadoras para o ensino de História no Maranhão, de 1995 a 2014.

1.1 Educação de Jovens e Adultos no Brasil: breve histórico

A modalidade de ensino Educação de Jovens e Adultos - EJA surgiu há

pouco tempo, porém a prática existe desde os tempos da América portuguesa. A forma

empregada estava associada à educação não infantil, utilizada como meio de conversão

ao catolicismo pregado pelos jesuítas, até 1759. A prioridade educacional era dada às

crianças e jovens, a fim de formá-los para a vida, por meio de uma metodologia que

priorizasse o ensino voltado à religiosidade católica. Aos adultos cabia o trabalho, a

mão de obra dos grandes engenhos, ou mesmo atividades de manufatura daquela época.

Com a Independência, tal situação permaneceu inalterada. A Lei de 15 de

outubro de 1827, a primeira a versar sobre a educação no Brasil Império, e também a

primeira lei a tratar da educação pública no Brasil, visava atender as camadas mais

1 Mestranda no Mestrado Profissional em História Ensino e Narrativas – PPGHEN da Universidade

Estadual do Maranhão, orientanda do Prof. Dr. Marcelo Cheche Galves.

Page 388: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

388

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

pobres da população. Versava sobre o direito constitucional de educação primária

gratuita para todos os cidadãos. Em seu artigo 6º diz:

Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações

aritméticas, práticas de quebrados, decimais e proporções, as noções

mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e

apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos;

preferindo para as leituras a Constituição Império e a História do Brasil (BRASIL, 1827).

Observou-se que em nenhum de seus artigos tratou-se da educação para

adultos, pois a lei trata especificamente do ensino para os meninos, e cabia às

meninas, conforme rege o artigo 11 desta mesma lei, esperar que o lugar onde

morassem fosse populoso na compreensão do Conselho, na qual o texto: “haverão

escolas de meninas nas cidades e vilas mais populosas em que os presidentes em

Conselho julgarem necessário este estabelecimento”. A educação de adultos estava

bem distante de ser ofertada, de forma pública e gratuita.

Nesse tempo, os adultos não dispunham de escolas para estudar, a ausência

de uma lei que fosse capaz de incluir-lhes no processo de escolarização, o trabalho

que era sempre prioridade na vida adulta e a precariedade dos recursos como: boa

iluminação, pessoal especializado e material didático apropriado etc. que ainda hoje

perduram em todos os níveis e modalidades de ensino, contribuíram para que os

adultos ficassem fora do processo de escolarização empregado à época. Segundo a

UNESCO (2008, p.24), “Até fins do século XIX, as oportunidades de escolarização

eram muito restritas, acessíveis quase que somente às elites proprietárias e aos

homens livres das vilas e cidades, minoria da população”.

No Brasil República, somente na década de 1930 a Educação de Adultos

ganhou expressão, com a consolidação de um sistema público de educação a partir da

Constituição de 1934, que criou o primeiro Plano Nacional de Educação, e trouxe no

Art. 150, parágrafo único, alínea (A) que “ensino primário integral gratuito e

frequência obrigatória extensiva aos adultos” (POLETTI, 2012, p.139). Pela primeira

Page 389: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

389

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

vez surge na lei à oportunidade de estudos aos adultos como dever Estado. Tal

situação se explica pela ausência até o momento de um documento que legitimasse a

presença do adulto em sala de aula.

Conforme ressalta a UNESCO (2008, p.25), “Devido às escassas

oportunidades de acesso à escolarização na infância ou na vida adulta, em 1950 mais

da metade da população brasileira era analfabeta, o que as mantinha excluída da vida

política, pois o voto lhe era vedado.” Assim, o desafio a partir de então era incluir-

lhes no sistema educacional da época, pois muitos adultos permaneciam na condição

de analfabetos, por nunca terem frequentado uma escola, e muitos por não

reconhecerem seu potencial para os estudos.

Com o avanço da industrialização e o aumento das populações urbanas

uma parcela crescente da sociedade precisou se qualificar para operar equipamentos e

máquinas, com algum domínio das técnicas de produção. Desde então, a Educação de

Jovens e Adultos ganhou mais evidência. Para as indústrias, seu significado estava

relacionado à mão de obra qualificada, porém para os alunos da EJA, possibilidade de

ascensão social. Enquanto para a sociedade da época poderia significar um grande

progresso para o país; para os políticos traduzia-se em aumento do número de

eleitores, perspectiva atraente, em um país cada vez mais urbano.

Na década de 40, a criação de um Fundo Nacional destinado à Educação de

Jovens e Adultos traz alguns avanços para a modalidade EJA, registre-se ainda a

criação da UNESCO, em 1945, que ao ser instituído solicita aos países integrantes, dos

quais o Brasil é um deles, que atentem para a educação de adultos analfabetos.

Ressalta-se que nesse período o Brasil apresentava altos índices de analfabetismo, o

que deu origem à primeira campanha de alfabetização de adultos no Brasil,

objetivando diminuir um problema que era considerado uma “chaga” na sociedade

brasileira. Daí o termo “erradicar” o analfabetismo, como se o mesmo fosse uma

doença a ser extirpada da nação.

Page 390: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

390

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Em 1947, o professor Lourenço Filho2lança a primeira Campanha de

Educação de Adolescentes e Adultos – CEAA, que tinha como objetivo a alfabetizar a

maior parte da população, e aprofundar conteúdos básicos do ensino regular.

Conforme nos afirma Vieira (2004,19-20 apud LOPES, 2005, p.4) “embora, apesar de,

no fundo, ter o objetivo de aumentar a base eleitoral (o analfabeto não tinha direito ao

voto) e elevar a produtividade da população, a CEAA contribuiu para a diminuição dos

índices de analfabetismo no Brasil”.

A campanha foi interrompida na década de 50, com o fim do período

populista, onde surgiram muitas indagações relacionadas às questões políticas,

ideológicas e diferentes opiniões. Anos mais tarde, viria à tona o paradigma

pedagógico, tendo como precursor o professor Paulo Freire. A alfabetização de adultos

preconizada neste período foi organizada e executada pelos movimentos populares,

como: Movimento de Educação de Base – MEB e Movimento de Cultura Popular –

MCP, tais movimentos utilizavam-se da construção dialética da metodologia de Paulo

Freire para alfabetizar adultos, com uma visão emancipatória dos sujeitos.

Na proposta pedagógica desenvolvida por Paulo Freire, o entendimento da

relação entre problema social e educacional teve como base a relação ensino

aprendizagem. Tal pensamento se expandiu em todos os programas de alfabetização de

adultos realizados na década de 60. As concepções e ideias não foram aceitas pelo

grupo político da época, e com o golpe militar, não houve continuidade da política

nacional de alfabetização de adultos, considerada um risco à ordem. Ainda assim, as

concepções freireanas continuavam a fazer parte da Educação de Jovens e Adultos,

mesmo que em proporções bem menores, para um Programa de abrangência nacional,

instituído pelo próprio Estado.

Em 1967, a Educação de Jovens e Adultos no Brasil enfrenta novos

desafios relacionados à implantação do Movimento Brasileiro de Alfabetização –

MOBRAL, dessa feita, encabeçado pelo próprio governo federal e não pelos

2Educador, psicólogo brasileiro nasceu em Porto Ferreira – SP, em 1937 organizou o Instituto Nacional

Estudos Pedagógicos – INEP, e dirigiu o Seminário Interamericano de Alfabetização de Adultos (1049)

recebeu o título de Maestro de Las Américas.

Page 391: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

391

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

movimentos sociais. Conforme Menezes (2012), o MOBRAL interessava-se pela

alfabetização funcional de jovens e adultos para tanto, a pessoa humana deveria

adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de integração à sua

comunidade, objetivando permitir-lhe melhores condições de vida.

O MOBRAL atendia a população na faixa etária entre 15 e 30 anos,

posteriormente, concentrou suas forças nos chamados analfabetos funcionais,

instaurada a partir de então a “educação integrada”. Em 1985, em seu lugar o governo

instituiu a Fundação Educar, que visava à educação básica, e se propunha a promover

o apoio a programas educacionais por meio de apoio financeiro e técnico do próprio

Ministério da Educação e Cultura – MEC, de organizações não governamentais e

empresas (Parecer CNE/CEB nº11/2000, p.51) tal programa lançou bases para uma

nova proposta de alfabetização de adultos, e teve seu término em 1990.

Nos anos 90 inicia-se o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania –

PNAC no governo Fernando Collor para minimizar os altos índices de analfabetismo

encontrados a época. A partir de 1997 institui-se o Programa Alfabetização Solidária –

PAS no governo Fernando Henrique Cardoso, e por fim, o Programa Brasil

Alfabetizado que surge no governo Lula e se mantém até os dias atuais. Salienta-se,

que tais programas se efetivam através de parcerias entre governo, instituições

públicas, privadas e organizações da sociedade civil.

Em 1996, entra em vigor a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

nº 9.394/96, que no artigo 37, trata da criação de propostas alternativas para o

atendimento da Educação de Jovens e Adultos como modalidade de ensino. Apesar de

todas as mudanças preconizadas na nova LDB, a Educação de Jovens e Adultos inicia

no séc. XXI com alto déficit de atendimento à população jovem e adulta, e um

atendimento precário dos sistemas de ensino aos sujeitos da EJA. Segundo Arroyo

(2005, p.223) afirma que:

[...] a educação popular, a EJA e os princípios e as concepções que as

inspiraram na década de sessenta continuam tão atuais em tempos de exclusão, miséria, desemprego, luta pela terra, pelo teto, pelo trabalho,

pela vida. Tão atuais que não perderam sua radicalidade, porque a

Page 392: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

392

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

realidade vivida pelos jovens e adultos populares continua

radicalmente excludente.

Com a criação dos Fóruns de Educação de Jovens e Adultos no Brasil no

final da década de 90, especificamente por volta de 1996 no Rio de Janeiro, quando

houve a convocação para organização das plenárias locais de preparação para a V

Conferência Internacional da Educação de Adultos - CONFINTEA que aconteceu em

Hamburgo na Alemanha em julho de 1997. Após estas plenárias, surgiram os fóruns de

EJA e a partir de então, em 1999 deu-se o primeiro Encontro Nacional de Educação de

Jovens e Adultos – ENEJA, e em 2005 surge a Comissão Nacional de Alfabetização e

Educação de Jovens e Adultos – CNA-EJA.

Através dessas articulações, vários avanços foram conquistados para esta

modalidade de ensino: melhor articulação das políticas públicas educacionais

incluindo as especificidades da EJA; articulações propositivas com encaminhamentos

para as agendas de políticas educacionais nacionais; inclusão da modalidade EJA na

política de financiamento da educação básica; formação continuada específica aos

professores de EJA; inclusão do livro didático para EJA no Programa Nacional do

Livro Didático - PNLD; e a busca por políticas intersetoriais que atendam as

especificidades do público EJA3.

Neste sentido, é importante salientar o papel dos fóruns de EJA em todo

território nacional. Para Silva (2005, p.1) afirma que:

[...] os Fóruns de EJA configuram-se como sendo um espaço de discussão, reivindicação, de formação intelectual para os

educadores, de intercâmbio de experiências, bem como de uma

nova organização da EJA, tomando corpo a partir dos meados da

década de 90, no país, caracterizados como um Novo Movimento Social (NMS) e contribuindo para a formação de educadores de

EJA.

3Os debates para o fórum EJA no Maranhão tiveram início em 2003, no Congresso Internacional sobre Educação de Jovens e Adultos, promovido pelo Sistema “S”, no prédio da Federação das Indústrias do

Estado do Maranhão – FIEMA. Após o evento, as discussões arrefeceram e só foram retomadas em

2005, quando organizei o convite aos segmentos representativos para que fosse reativado e pudéssemos

participar das plenárias nacionais. Assim, em 2005 o Maranhão participou do Encontro Nacional de EJA

– ENEJA em Brasília - DF. Fui a primeira coordenadora do Fórum EJA no Maranhão.

Page 393: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

393

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A criação dos fóruns de EJA no Brasil deu visibilidade aos alunos desta

modalidade de ensino em quase todo território nacional. Com as novas reformulações

da LDB nº 9.394/96, a modalidade de ensino passou a ter lugar de importância no

planejamento e nas políticas educacionais do Brasil, integrando a Educação Básica. A

partir da criação do FUNDEB em 2007, a modalidade EJA obteve recursos para a

expansão de sua matrícula em todo território nacional, e os alunos com idade superior

a quinze anos começaram a fazer parte da demanda a ser atendida pela EJA.

Com a aprovação do atual Plano Nacional da Educação - PNE, instituído

pela Lei nº 13.005/14, a Educação de Jovens e Adultos aparece no cenário educacional

com grandes desafios a superar. Segundo Brandão, a primeira estratégia do PNE para a

EJA é: “Assegurar a oferta gratuita da Educação de Jovens e Adultos a todos os que

não tiveram acesso na idade própria” (BRANDÃO, 2014, p. 49). Observa-se, que o

PNE repete o texto da LDB nº 9.394/96, tentando assegurar que os sujeitos da

modalidade tenham garantia de matrícula e permanência nos sistemas de ensino.

A procura pela oferta de EJA vem caindo nos últimos anos, não porque o

Brasil atendeu toda sua demanda de baixa escolarização, mas porque a qualidade da

educação ofertada e os moldes como é ofertada não interessa ao público jovem e

adulto. Outro fenômeno está relacionado à oferta de EJA que é vincular sua matrícula

junto a programas sociais como o PROJOVEM4, que doa bolsas de participação para o

público jovem. Ao término dos programas as turmas ficam esvaziadas e a oferta

seguinte nem sempre tem o aporte financeiro para continuidade dos estudos.

O Brasil ainda conta com grandes bolsões de distorção idade/série

produzidos em nossa sociedade pelos próprios sistemas escolares, parte dos alunos que

cursam o fundamental ou médio e fracassam são levados a matricularem-se nas turmas

de EJA. Neste sentido, a demanda da EJA cresce, merecendo das políticas

4Programa do governo federal na modalidade urbano e campo, e tem como objetivo elevar a escolaridade

de jovens com idade entre 18 e 29 anos, que saibam ler e escrever e não tenham concluído o ensino

fundamental, visando à conclusão desta etapa por meio da modalidade de Educação de Jovens e Adultos

integrada à qualificação profissional e o desenvolvimento de ações comunitárias com exercício da

cidadania, na forma de curso, conforme previsto no art. 81 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/expansao-da-rede-federal/194-secretarias-112877938/secad-

educacao-continuada-223369541/17462-projovem-urbano-novo> Acesso em: 14 ago. 2016.

Page 394: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

394

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

educacionais um olhar interessado para mudar tal realidade. Se a demanda cresce, e a

matrícula diminui, algum fenômeno acontece que deve ser interrogado. Como anda o

ensino nas turmas de EJA? Que qualidade de educação lhes é ofertada? Em que

condições trabalham seus professores?

1.2 Considerações sobre a formação docente para o ensino de História na

Educação de Jovens e Adultos

A formação de professores enfrenta, atualmente, velhos e novos desafios.

Certo descrédito no ensino, altos índices de repetência na Educação Básica, baixa

qualidade dos cursos de formação de professores e desvalorização do professor pela

sociedade compõem um cenário desolador. Para Cerri (2013, p.180), “o contexto atual

da formação dos professores de História continua marcado pelas dificuldades, falta de

verbas e problemas sérios nas condições de trabalho dos professores formados”.

Questões perceptíveis ao longo das pesquisas sobre a qualidade da educação

no ensino e na formação dos professores. Vivemos em um mundo em constantes

mudanças, sem dúvidas a formação do professor deve acompanhar tais avanços,

preparando-os para a realidade escolar que encontrarão pela frente. Não inicia neste

século, a busca pela qualidade no ensino, especialmente nos discursos daqueles que

criam as leis e elaboram as políticas educacionais.

Segundo os estudos de Schmidt e Garcia (2006, p.15) dizem que:

[...] as investigações sobre a relação ensino/aprendizagem na década

de setenta, em sua maioria também não conseguiram responder às questões relacionadas com as mudanças e melhorias da qualidade no

ensino, frente aos desafios postos pelas transformações da sociedade

tecnológica, os quais exigiam formação de recursos humanos mais

qualificados e com mais conhecimentos.

O desafio da melhoria da qualidade do ensino permanece nos dias atuais. A

formação dos professores ainda tem lacunas que precisam de respostas por parte das

instituições formadoras. Uma questão importante a ser observada é o enfoque na

Page 395: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

395

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

formação dos educadores. Os currículos de formação do professor de História são

centrados no debate historiográfico/metodológico, sempre bem-vindo, mas pouco

dedicados à docência e suas especificidades na educação básica, lembrando que a sala

de aula é o locus da prática docente.

Cerri (2013, p.186) aponta para “uma longa tradição no Brasil no que se

refere à formação de professores, que remete à dicotomização entre formação teórico-

metodológica/metodológica/historiográfica e a formação para a docência”. As duas

nascem juntas e são inseparáveis na constituição do sujeito, pois o alicerce da prática é

a teoria, e ao praticar estabelecem-se novas teorias, novos porquês e novas respostas

que darão sentido a novos enfoques, e outras pesquisas sobre a educação em relação ao

conhecimento historiográfico.

Há a discussão de que o professor deve ser por natureza um pesquisador,

algo inerente ao seu ofício, e que o exercício da docência exige uma postura

investigativa. Tal concepção é relevante, no entanto, não se deve reduzir ao pesquisar

apenas. Nos estudos de Tardif (2012, p.293) “[...] a importância de melhorar a prática

profissional graças à pesquisa não pode ser reduzida somente à dimensão técnica; ela

engloba também os objetivos mais amplos de compreensão, de mudança e até de

emancipação.”.

A dimensão emancipatória é importante na formação dos sujeitos, mas não

deve ser considerada a única. Existem questões conceituais, epistemológicas que

fazem parte da pesquisa como um todo nos projetos de formação de professores.

Nesse sentido, não se pode trabalhar com o ensino sem a observação, a

análise, ou sem repensar a própria prática vinculando-a a novos saberes sobre o ato de

ensinar e aprender. Para Silva e Fonseca (2010, p.14), “ensinar História não é apenas

repetir, reproduzir conhecimentos eruditos produzidos noutros espaços, existe também

uma produção escolar.” É nela que se dão as observações e reflexões realizadas nos

espaços de sala de aula como fruto de práticas educativas que suscitam conhecimento

para o aluno, e o colocam na posição de aprendizes ativos. Sujeitos que repensam sua

própria história e dão a ela novos significados.

Ainda considerando os escritos de Tardif (2012, p.223) diz que:

Page 396: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

396

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

[...] o saber é um constructo social produzido pela racionalidade concreta dos atores, por suas deliberações, racionalizações e

motivações que constituem a fonte de seus julgamentos, escolhas e

decisões. Nessa perspectiva acreditamos que as ‘competências

profissionais’, estão diretamente ligadas às suas capacidades de racionalizar sua própria prática, de criticá-la, de revisá-la, de

objetiva-la, buscando fundamentá-la em razões de agir.

O professor repensa sua prática para refazê-la e melhorá-la, quando

necessário. Nessas questões que residem sua competência técnica/pedagógica e

epistemológica para o ensino. A formação do docente se faz no processo de construção

e desconstrução de saberes, relacionando práticas cotidianas com novos saberes

adquiridos. Nada está pronto no universo de aquisição do conhecimento, estamos

sempre em processo de aprendizagem, não apenas os possíveis alunos, mas o homem

em sua natureza aprendiz.

[...] atemorizados por uma barbárie cada vez mais presente em

nossos cotidianos, repensar a história e seu ensino pode nos ajudar a

refazer a nossa humanidade esgarçada, tornando o passado não o

lugar seguro para as respostas que nos angustiam, mas a fonte [...] para nossa ação no mundo (GUIMARÃES, 2009, p. 50 apud

OLIVEIRA, 2013, p. 131).

Os conhecimentos adquiridos na disciplina História só farão sentido, se

forem repensados à luz da realidade vivida. Sem este sentido inerente à condição

humana, tornar-se-á a repetição da teoria. “A linguagem historiográfica exerce um

papel, se não fundamental, importante no espaço de aprendizagem da história

ensinada, agindo de forma estruturante no argumento construído pelo professor”

(MONTEIRO, 2011, p. 114). Por conseguinte, sabe-se que a formação do professor

definirá os rumos do ensino no espaço da sala de aula; é a sua formação que em certa

medida definirá sua consciência na formação de novos sujeitos na sociedade de sua

época.

Page 397: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

397

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A formação dos professores de História deve possibilitar um olhar para

além das fontes do saber histórico. Segundo André (2006, p.123 apud AZEVEDO,

2012, p.112).

Ao utilizar ferramentas que lhe possibilite uma leitura crítica da prática docente e a identificação de caminhos para a superação de suas

dificuldades o professor se sentirá menos dependente do poder sócio-

político e econômico e mais livre para tomar decisões próprias.

O contato com a realidade da sala de aula no momento da formação o

levará a refletir sobre sua prática como professor. Não apenas o exercício de cumprir a

carga horária prescrita no estágio, mas o prazer de observar sem intervir sobre o que

acontece no ensino de história. A visão crítica sobre a realidade lhe possibilitará uma

postura diferente frente ao conhecimento seu e de seus alunos. É verdade que há

muitos desafios quanto à formação de docentes no Brasil, mas acredita-se que uma

nova configuração de formação dos professores da Educação Básica no ensino de

História é possível.

1.3 Ensino de História: possibilidades nas turmas de EJA

Neste momento histórico, o ensino de história no Brasil passa por

reformulações do ponto de vista estrutural e na forma como ele acontece em sala de

aula. Nos dias atuais, o olhar dos pesquisadores está mais voltado para as práticas

pedagógicas dos professores, observando como o aluno aprende história, e de que forma

esses conteúdos são abordados para os alunos; analisam-se como os conhecimentos

“aparecem” na sociedade, de que forma são cristalizados a partir da disciplina História,

e seus desdobramentos nos diversos níveis e modalidades da Educação Básica.

Para Rusen (2007, p.32), “Vale lembrar que os processos de aprendizado

histórico não ocorrem apenas no ensino de História, mas nos mais diversos e complexos

contextos da vida concreta dos aprendizes, nos quais a consciência histórica

Page 398: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

398

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

desempenha um papel”. Dessa maneira, o que se aprende nas turmas de EJA sobre

História deve, necessariamente, fazer conexão com a atual história dos sujeitos, pois, os

conhecimentos não estão isolados em determinada época, eles ultrapassam os tempos

históricos dos acontecimentos.

Ainda segundo Rusen (2007, p.32), “[...] um dos problemas do ensino de

história é que o saber histórico pode vir a ser percebido pelos estudantes como ‘um

ramo morto da área do conhecimento”. Penso que reside nessa questão à relevância de

se estudar História: os alunos devem estudar história não apenas para decorar conteúdos

e dar respostas nas avaliações ao final da disciplina, e sim para elaborar e reconstruir

novos conhecimentos que façam sentido, quando articulados ao saber histórico

construído através dos tempos. A História não é um conhecimento linear, isolado no

tempo. Ela é, sobretudo, uma disciplina viva e dinâmica, enquanto se estuda História, se

faz História.

As turmas da Educação de Jovens e Adultos têm um currículo aligeirado,

caracterizado, via de regra, pela carga horária noturna e as especificidades da baixa

escolarização dos alunos da EJA, que têm trajetórias desiguais em relação aos outros

níveis de ensino. Embora sua formação necessite da mesma base de conteúdo ofertada

em todo o sistema de ensino, seja ele, estadual, municipal ou privado, o que se vê na

prática são temas, textos, histórias e significados desconectados, como se esse público

não fosse capaz de saber como os alunos de outros níveis e modalidades de ensino.

Segundo Monteiro (2003, p.18):

Os valores são transmitidos não apenas através dos métodos de ensino (que podem induzir a passividade ou a posturas ativas e

críticas), mas, também por intermédio dos conteúdos selecionados

para o ensino. Eles (os valores) estão presentes em forma de

‘filigrana’ nos conteúdos escolares e revelam as escolhas éticas de uma sociedade.

Não basta ao professor ter um bom método de ensino. Os conteúdos devem

ser articulados conforme os interesses da formação dos sujeitos. O que pensam os

professores sobre os alunos da EJA? O que devem conhecer em relação ao que está

Page 399: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

399

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

posto no Projeto Político Pedagógico - PPP da escola? De que maneira os alunos

articulam o conhecimento dado em sala de aula?

Cabe ao docente analisar, conforme Abud (2011, p.164), “tanto o lugar

específico no currículo como o código disciplinar se definiram pelos interesses da

burguesia.” A história oficial organizada no currículo escolar precisa fazer parte do

cotidiano do aluno, pois, os assuntos ou temáticas que não fazem parte de sua vida e

nada tem a ver com sua própria história, não formam sua identidade histórica. Os

alunos precisam encontrar sentido naquilo que aprendem no que conceituam ou

diferenciam. E este sentido se dá na prática pedagógica do professor.

Para Guimarães (2009, p.49 apud OLIVEIRA, 2013, p. 141):

[...] a história não deve e não pode confundir-se com o simples

aprendizado de conteúdos, mas deve perseguir a possibilidade de

adquirir competências específicas capazes de fundamentar uma

reelaboração incessante da experiência temporal com relação às experiências passadas.

Ao ensinar História o docente deverá considerar os sujeitos aprendizes, e

sua condição para inserção no mundo, partindo do pressuposto de que os homens não

vivem sem história. Eles se reconhecem em sua historicidade. Como salienta

Magalhães, “nesta sociedade, cabe à história, junto com o seu ensino, ‘livrar as novas

gerações’ da amnésia social que compromete a constituição de suas identidades

individuais e coletivas.” (MAGALHÃES, 2006, p. 62). Assim, é na formação que os

sujeitos desenvolvem a construção de suas identidades, orientando a maneira como se

veem no mundo, e como são construídos por ele.

Entre os professores que atuam na modalidade EJA existe uma fala usual

de que o aluno não gosta de estudar. Percebe-se que tais discursos inviabilizam a

melhoria da qualidade do ensino na EJA. Pois, essa postura docente normalmente

ignora o saber existente na experiência do aluno jovem e adulto e estabelece uma

prática de conteúdos fragmentados e desvinculados de sua realidade histórica e social,

como se no saber escolar nenhuma relação houvesse com a realidade vivida. Para que

haja aprendizagem efetiva, o professor buscará em sua sala de aula possibilidades de

Page 400: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

400

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

participação e inserção de seus alunos, para que o conhecimento dogmatizado seja

desnaturalizado.

Na visão de Monteiro (2011, p.114):

Pensar o espaço de sala de aula como “lócus” argumentativo é um

desafio pedagógico para o professor na produção de sentido histórico

e na desnaturalização da realidade conforme o senso comum. A função epistemológica essencial da História ensinada desafia o

professor a buscar meios e estratégias para que o aluno olhe com

estranheza para o que comumente é naturalizado e, em muitas das vezes, dogmatizado.

É importante que o aluno seja capaz de pensar sua própria história, criar

seus próprios argumentos a partir do novo conhecimento articulado em sala de aula. O

aprendiz não deve ser ignorado no processo de aquisição do saber, este deverá

pesquisar conhecer, e assim chegar ao conhecimento histórico. A autonomia do aluno

jovem e adulto o aproximará das discussões de sua própria realidade.

O livro didático poderá ser um aliado do docente, não como fonte única do

saber, mas como possibilidade de aproximação dos conteúdos. Servirá de base para o

aluno fazer suas pesquisas e contrapor ideias trabalhadas na sala de aula, buscando

novas interpretações de forma crítica. As tecnologias trazem novos formatos de

conteúdos, que são a cada dia apropriados, incorporados e resinificados pelos alunos

nos mais diversos espaços e situações de aprendizagem.

Conforme estudos de Silva e Fonseca (2010, p.29):

[...] o livro didático é uma fonte útil para a cultura escolar desde que não mais seja considerado o lugar de toda história. Submetido à

leitura crítica, com ajuda interpretativa do professor e colocado em

diálogo com outras fontes de estudo – acervos, museus e arquivos, livros não didáticos, produção literária e artística, por exemplo -, ele

pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem da

história.

É neste sentido que o professor instrumentalizará o ensino com auxílio do

livro didático, sem considerá-lo a fonte única do que deseja ensinar, dando-lhe a

possibilidade de contrapor ideias e pontos de vista diferentes sobre uma mesma

Page 401: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

401

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

temática, fazendo-o entender que “confrontar diferentes fontes significa colocar em

diálogo uma multiplicidade de vozes e olhares, fazendo emergir sujeitos diversos e

buscando identificar em suas relações, tensões, conflitos, articulações e

temporalidades” (TOLEDO, 2011, p. 61), tornando assim, relevante o aprendizado do

conteúdo historiográfico.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs:

[...] um dos objetivos de ensino de História é, portanto, evidenciar

para o aluno que a construção do conhecimento histórico se nutre

da aproximação entre a História e as demais ciências humanas. Para atender a esses objetivos os professores podem criar situações em

que determinados temas sejam desenvolvidos por meio de trabalhos

interdisciplinares, constituindo um objeto de estudo comum com uma ou mais áreas e explorando a interação delas (BRASIL, 1998,

p. 114).

As diversas áreas do conhecimento articuladas produzem uma melhor

compreensão do que está sendo estudado. É de suma importância levar o aluno a

conhecer e refletir sobre as diversas formas como a nossa sociedade foi ou está

organizada; conhecer os variados grupos que a compõem, e em quais situações existem

e foram criados ou instituídos. “Mostrar ao aluno a necessidade de travar

conhecimento e refletir sobre os diversos modos de viver de diferentes grupos (étnicos,

sociais e populacionais), aliada ao desenvolvimento de uma postura de respeito às

diversidades” (BRASIL, 1998, p.115). Tais situações de aprendizagem posicionarão o

aluno frente ao conhecimento da realidade social de sua época.

Analisando o ensino de História, Silva Júnior (2011, p.290) faz o seguinte

relato: “a análise dos PCNs evidencia uma preocupação do estado com a inclusão da

diversidade cultural no currículo de história, com a formação para a cidadania e com a

intenção de integrar o ensino de história ao cotidiano do aluno.” Surge então, a

necessidade de observar como esta diversidade está sendo tratada na sociedade, e no

espaço escolar. Como ela é desmistificada, discutida ou mesmo induzida a cristalizar-

se. Conhecer como esta temática aparece nos livros didáticos ou mesmo na

argumentação dos professores.

Page 402: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

402

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Segundo Fernandes (2005, p.386):

[...] precisamos, pois, propiciar por meio do ensino em todos os níveis, o conhecimento de nossa diversidade cultural e pluralidade

étnica, bem como a necessária informação sobre os bens culturais

de nosso rico e multifacetado patrimônio histórico. Só assim

estaremos contribuindo para a construção de uma escola plural e cidadã e formando cidadãos brasileiros cônscios de seu papel como

sujeitos históricos e como agentes de transformação social.

O ensino de história na Educação de Jovens e Adultos propiciará o

reconhecimento dos sujeitos jovens e adultos, com saberes próprios de sua experiência,

objetivando que a sala de aula busque novas intervenções didáticas, que respeite sua

condição de aprendizes e a disciplina faça sentido para o aluno. Só assim, cada um dos

conteúdos discutidos será um aprendizado para a vida, não se caracterizando apenas

como respostas à avaliação das disciplinas, sem maiores implicações para a vida.

1.4 Desvio de função docente na Educação de Jovens e Adultos em São Luís

Conforme definição legal, o desvio de função caracteriza-se pelo ato de

exercer função distinta da qual foi nomeado. Nesse sentido, encontra-se na Súmula 685,

do Supremo Tribunal Federal: “É inconstitucional toda modalidade de provimento que

propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado

ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”

(STF, Súmula nº 685).

A partir desse entendimento, observou-se que docentes da disciplina

História das redes estadual, municipal e privada de São Luís, conforme demonstrado

nos dados apresentados a seguir, exerce funções em áreas para as quais não foram

nomeados ou sequer têm formação específica. O desvio da função, neste sentido, está

caracterizado pela ausência de formação em disciplinas diferentes da área/subárea

objeto do concurso ou da contratação pelas redes públicas ou sistemas de ensino.

Conforme interpretação da lei, o que fica configurado, é que: “desvio de função é

quando o servidor passa a exercer atribuições exclusivas de outro cargo, distintas do

cargo para o qual ele prestou concurso” (FERREIRA, 2014, p.05).

Page 403: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

403

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

E neste caso, a função exclusiva está atrelada ao exercício da docência em

área que não é sua especificidade. Para Ferreira (2014,p.2):

[...] a Constituição Federal é intransigente em relação à imposição à

efetividade do princípio constitucional do concurso público, como

regra a todas as admissões da administração pública, vedando

expressamente tanto a ausência deste postulado, quanto seu afastamento fraudulento por meio de transferência de servidores

públicos para outros cargos diversos daquele para o qual foi

originariamente admitido.

Encontra-se no Plano Nacional de Educação - PNE, documento instituído

pela Lei nº 13.005/2014 e elaborado com vinte metas educacionais que devem ser

cumpridas até o ano de 2024, a meta 15: Formação dos profissionais da

educação/professores da educação básica com formação específica de nível superior

(licenciatura na área de conhecimento em que atuam). Seus principais objetivos são:

[...] garantir, em regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, no prazo de um ano de vigência

deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da

educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os

professores e as professoras da educação básica possuam formação

específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam (BRASIL, 2014, p. 35).

A meta acima citada dialoga diretamente com o objeto desta pesquisa, pois

apresenta propostas sobre a política de formação de professores no Brasil no decênio

atual. Entende-se, por meio desse documento, que os sistemas de ensino conhecem as

lacunas quanto à formação de professores para a educação básica, e conhecem as reais

necessidades de formação específica para atuar nos diversos níveis e modalidades de

ensino.

Lê-se na Constituição Federal de 1988 e na LDB nº 9.394/96 que “educação

é um direito de todos,” na prática, a maneira como os sistemas de ensino lidam com

esse direito deixa à margem aqueles que necessariamente deveriam usufruí-lo. As

políticas educacionais de formação de professores no Brasil e as instituições de ensino,

sejam elas públicas ou privadas, tendem a tratar questões relevantes para melhoria do

Page 404: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

404

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

ensino como menos importante para a discussão da qualidade educacional ofertada,

especialmente, nas escolas públicas.

Essa qualidade passa, necessariamente, pela formação do professor e pela

sua atuação na área de formação, obviedade reiterada nos mais variados documentos

que versam sobre a Educação Básica, mas ainda pouco praticada nas redes de ensino do

Maranhão.

Nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica, por

exemplo, pode-se ler:

[...] a qualidade social da educação escolar supõe encontrar

alternativas políticas, administrativas e pedagógicas que garantam o

acesso, a permanência e o sucesso do indivíduo no sistema escolar,

não apenas pela redução da evasão, da repetência da distorção idade-ano/série, mas também pelo aprendizado efetivo (BRASIL, 2010,

p.151).

Neste sentido, a qualidade da educação também se caracteriza por uma

docência exercida por professor com formação específica em sua área de atuação, a fim

de que os alunos consigam avançar nas discussões e aprendizados que se tornem

relevantes sobre a disciplina em questão. A prática competente contribui para a

formação da cidadania não apenas do aluno, mas do próprio professor, uma vez que o

que se diz a respeito da pessoa que se deseja formar é exatamente o mesmo que se deve

exigir para a pessoa formadora, para o docente (RIOS, 2010, p.126). Sabe-se que a

docência se faz na prática e não apenas nos discursos isolados sobre a prática.

A análise a seguir explora os dados coletados junto a Superintendência de

Estatística da Secretaria de Educação do Estado do Maranhão (SEDUC-MA, 2014) 5,

5Superintendência de Estatística da Secretaria de Estado da Educação, comdados que migraram do

sistema de cadastro nacional das escolas que atendem a Educação de Jovens e Adultos no Maranhão.

Esclarece-se que o recenseamento educacional é uma atividade prevista na Constituição Federal, em seu

artigo 208, parágrafo 3º. O inciso I do mesmo artigo garante educação básica obrigatória e gratuita dos 4

(quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela

não tiveram acesso na idade própria, que são os alunos da EJA. A política de cadastro de alunos das redes

e sistemas de ensino faz parte da proposta do Ministério da Educação - MEC de financiamento da

educação e elaboração de indicadores educacionais.

Page 405: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

405

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

vinculados ao EDUCACENSO6 e disponibilizados a partir da política de cadastro do

Ministério da Educação para fins de cômputo da relação aluno/financiamento da

educação.

A partir da análise dos dados que originaram os gráficos apresentados a

seguir, pretende-se avançar em relação a alguns aspectos de interesse dessa pesquisa, a

saber:

1.5 Breve análise sobre os dados da formação inicial dos professores de História na

modalidade EJA em São Luís

Gráfico 1 - Professores formados atuando em História na EJA

Fonte: Superintendência de Estatística SEDUC - MA (2014)

6O Censo Escolar através do sistema EDUCACENSO, é o cadastro de alunos de todo território nacional,

conforme consta no caderno de instruções do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

Anísio Teixeira – INEP é uma pesquisa declaratória realizada anualmente pelo INEP, órgão vinculado ao

Ministério da educação MEC em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios que tem por objetivo fazer um amplo levantamento sobre as escolas de educação básica do

país. É o mais importante levantamento estatístico educacional brasileiro sobre as diferentes etapas e

modalidades de ensino da educação básica e da educação profissional (BRASIL, 2015, p.5). Criado a

partir do decreto nº 6.425/2008, e define em seu artigo 2º que este, [...] será realizado em caráter

declaratório, e mediante coleta de dados descentralizada, englobando todos os estabelecimentos públicos

e privados de educação básica e adotando alunos, turmas, escolas e profissionais da educação como unidades de informação. Os dados são declarados pelas escolas e a responsabilidade pela fidedignidade

das informações prestadas é do poder executivo dos Estados, conforme se observa no parágrafo 1º do

artigo 2º do Decreto nº 6.425/2008, que é o documento de criação do censo nacional. As autoridades do

Poder Executivo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de acordo com suas respectivas

competências, são responsáveis pela exatidão e fidedignidade das informações prestadas para o censo

escolar, e as instituições de ensino são obrigadas a prestar anualmente as informações do seu cadastro de

matrícula, ao INEP conforme expressa o artigo 5º do decreto nº 6.425/2008: “toda instituição de

educação, de direito público ou privado, com ou sem fins lucrativos, é obrigada a prestar as informações

solicitadas pelo INEP, por ocasião da realização do censo da educação ou para fins de elaboração de

indicadores educacionais”.

Page 406: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

406

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

No quadro acima observa-se um total de 351 professores que lecionam

História na modalidade Educação de Jovens e Adultos, nas redes estadual, municipal e

privada do município de São Luís. A maioria dos profissionais (76%) não tem formação

para a docência em História, percentual preocupante e injustificável, dado o grande

contingente de profissionais formados em História, nas últimas duas décadas, no Estado

do Maranhão7.

Segundo a LDB nº 9.394/1996, em seu artigo 22, “a educação básica tem

por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável

para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em

estudos posteriores”. Nesse sentido, assegurar formação indispensável ao exercício da

cidadania significa que os alunos deverão ter acesso ao conhecimento por professores

qualificados, sob pena de os conteúdos disciplinares não corresponderem à formação

desejada.

O Plano Nacional de Educação - PNE, lei nº 13.005/2014, na meta 7,

estabelece a necessidade de: “fomentar a qualidade da educação básica em todas as

etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a

atingir as médias do IDEB.” Como atingir metas do IDEB sem professores exercendo a

função para a qual foram formados? Se em outras áreas do conhecimento a formação é

importante para o exercício da função, na educação ela é imprescindível, visto que os

alunos organizam sua aprendizagem a partir do ensinado em sala de aula.

Sobre a Educação de Jovens e Adultos, a meta 8 do PNE trata da elevação

da escolaridade média da população de 18 a 29 anos:

[...] elevar a escolaridade média da população de dezoito a vinte e

nove anos, de modo a alcançar, no mínimo, doze anos de estudo no último ano de vigência deste Plano, para as populações do campo, da

região de menor escolaridade no país e dos vinte e cinco por cento

mais pobres, e igualar a escolaridade média entre negros e não negros

declarados à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (BRASIL, 2014, p.34).

7Mais adiante, retomarei essa questão.

Page 407: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

407

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Observa-se que a meta é desafiadora, porém, a lacuna apresentada no

gráfico acima coloca em risco o alcance desta meta (para o município de São Luís) no

prazo apontado pelo PNE, visto que ainda temos 76% dos professores de História das

redes de ensino sem formação para atuar nas disciplinas que lhes são atribuídas.

Outra meta do PNE (15), referente à formação de professores, anuncia o

propósito de:

[...] garantir, em regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, no prazo de um ano de vigência

deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da

educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurando que todos os

professores e professoras da educação básica possuam formação

específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de

conhecimento em que atuam (BRASIL, 2014, p. 35).

É forçoso lembrar que de pouco valerá o empenho na formação específica

de nível superior se o campo de atuação do professor permanecer “não específico”,

como na realidade aqui observada.

Como alento, registro que a grande maioria dos professores de História

formados na área são licenciados, e não bacharéis, como se observa no gráfico a seguir:

Gráfico 2 - Formação em História: Licenciatura e Bacharelado

Fonte: Superintendência de Estatística SEDUC - MA (2014)

Page 408: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

408

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Como já observado, menos de 30% do total de professores das redes

públicas de ensino apresentam formação específica para atuação na docência em

História. Por outro lado, entre aqueles que têm formação em História, 97,5% são

licenciados e 2,5% são bacharéis.

Os dados coletados para a pesquisa demonstram que os professores sem

formação em História são formados em: Pedagogia, Matemática, Letras, Ciências

Naturais, Filosofia, Geografia, Engenharia Civil, Ciências Biológicas, Física, Ciências

Econômicas, Ciências Contábeis, Ciências Sociais, Biblioteconomia, Artes, Química,

Ensino Médio e outras.

De volta ao PNE, pode-se ler o seguinte na estratégia 15.9:

[...] implementar cursos e programas especiais para assegurar

formação específica na educação superior, nas respectivas áreas de atuação aos docentes com formação de nível médio na modalidade

normal, não licenciados ou licenciados em área diversa da atuação

docente em efetivo exercício (BRASIL, 2014, p. 80).

Por conseguinte, o professor deve lecionar a partir de um embasamento

teórico resultante de uma formação específica e continuada. Portanto, não é qualquer

formação que qualifica para a docência em História. Por mais óbvio que pareça essa

assertiva, a organização da rede escolar a partir do critério “formação = atuação”

encontra vários obstáculos, dentre eles, acordos cotidianos que inviabilizam decisões

necessárias e viáveis8.

No gráfico seguinte, temos a distribuição da oferta da EJA por rede de

ensino do município de São Luís. O gráfico contém ainda o percentual, por rede, de

professores formados e atuando na área de História.

8Retomarei essa questão mais adiante.

Page 409: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

409

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Gráfico 3-Distribuição dos professores nas redes de ensino

Fonte: Superintendência de Estatística SEDUC - MA (2014)

Conforme se observa no gráfico acima, a rede privada mantém o maior número

de professores com formação em História ministrando aulas na disciplina. Em seguida,

temos a rede municipal (25%) e estadual (19%).

É responsabilidade dos sistemas de ensino manter uma organização para

inserção dos professores em seu quadro de atendimento na educação básica, porém, o

que se vê no gráfico 3transparece uma distribuição aleatória de disciplinas, que ignora a

formação dos professores para atuação na docência da disciplina história. Percebe-se,

com poucas variáveis, a mesma situação nas esferas estadual, municipal e privada.

Evidentemente, a dissociação entre formação e atuação traz consequências

desastrosas. Para os estudantes da EJA, compromete a formação dos sujeitos jovens e

adultos matriculados nas redes de ensino fundamental e médio.

Para a rede estadual de ensino, em que os indicadores são especialmente

graves, temos ainda os seguintes dados:

Page 410: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

410

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Gráfico 4 - Professores com formação em História na Rede Pública Estadual do

Maranhão

Fonte: Superintendência de Estatística SEDUC - MA (2014)

Como já observado, do total de professores de História atuantes na rede de

ensino estadual, apenas 19% tem formação em História. Desse universo, 89% atuam nas

escolas de zona urbana, representando a maioria com formação e seu lugar de atuação;

para a zona rural, os números são ainda mais estarrecedores: menos de 10% (2 de 26)

dos professores da disciplina História atuam na área de formação. Sobre os professores

sem formação na área de História, 67% estão na zona urbana e 33% na zona rural.

Registre-se que a rede pública estadual é responsável pela EJA do Ensino

Médio, portanto, trata-se de atender as especificidades de um público que está prestes a

concluir a educação básica. “O ensino médio, assim como as demais etapas da

Educação Básica assumem diferentes modalidades quando destinadas a contingentes da

população com características diversificadas, como é principalmente, o caso dos povos

do campo” (BRASIL, 2010, p.159). Cada nível de formação tem especificidades

diferentes, que devem ser consideradas pelos gestores na organização dos sistemas de

ensino.

O Ensino médio corresponde à finalização da educação básica para ingresso

na educação superior, fator que exige um cuidado maior por parte daqueles que

planejam a organização do ensino. “No âmbito da educação escolar, o ensino público de

qualidade para todos é uma necessidade e um desafio fundamental” (LIBÂNEO, 2010,

Page 411: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

411

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

p.116). Neste contexto, os professores que atendem a educação básica na disciplina

História, também estão inseridos. O ensino médio nas últimas décadas tem lugar de

destaque nas políticas educacionais, visto que por muito tempo deu-se prioridade ao

ensino fundamental. A partir do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação

Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, os recursos

financeiros foram alocados para atender ao Ensino Médio. Os exames avaliativos ao

final deste nível de ensino demonstram as lacunas existentes na organização dos

sistemas de ensino e na aprendizagem dos alunos.

No gráfico a seguir apresentam-se os dados da rede municipal de ensino, a

formação e o lugar de atuação dos professores da rede.

Gráfico 5 - Professores com formação em história na Rede Municipal

Fonte: Superintendência de Estatística SEDUC - MA (2014)

Entre os 239 (duzentos e trinta e nove) professores atuantes na disciplina

História, na rede de ensino municipal de São Luís, somente 60 (sessenta) são formados

em História, o que representa apenas 25% do número de professores. Outro dado

relevante nesta análise é o número de professores formados em História exercendo a

docência em zona urbana: entre os 185 (cento e oitenta e cinco) que trabalham em zona

urbana, apenas 44 (quarenta e quatro) tem formação específica, dado que representa um

percentual de 23,8% com formação na zona urbana; enquanto na zona rural o percentual

é inferior à zona urbana, não chega a 10% dos formados atuando nas escolas rurais na

modalidade EJA, diante desse cenário, cabe lembrar a responsabilidade dos municípios

pela oferta dos níveis e modalidades de ensino.

Page 412: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

412

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Segundo a LDB nº 9.394/96, artigo 11, inciso V, os municípios incumbir-se-

ão de:

[...] oferecer educação infantil em creches e pré-escolas, e, com

prioridade o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as

necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos

percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.

Depreende-se que, para o município de São Luís, o ensino fundamental

deverá ser prioritariamente atendido e que o ensino médio não será ofertado por ora,

visto que a demanda do ensino fundamental ainda não foi plenamente atendida no

município. Conforme texto do Plano Municipal de Educação – PME, “No censo

demográfico do IBGE de 2010, a população residente de São Luís na faixa etária de 15

anos ou mais era de 774.459 habitantes, destes 36.131eram analfabetos.” (SÃO LUÍS,

2015, p.42). Dado que demonstra que uma parcela significativa desta clientela está na

EJA, com um atendimento abaixo da real necessidade de matrículas, mesmo

considerando que na rede municipal a matrícula do ensino fundamental é maior que no

Estado, tal situação não se constitui demanda plenamente atendida em São Luís.

Conforme se observou no gráfico 5, a zona urbana é mais bem atendida,

ainda que a demanda da EJA no Ensino Fundamental esteja localizada em grande parte

na zona rural, por vários fatores como: baixa escolaridade de sua população, escassez de

escolas, alto índice de evasão no ensino fundamental, ausência de políticas públicas que

articulem a educação ao mundo do trabalho, falta de capilaridade das secretarias para a

matrícula da EJA, desarticulação do ensino escolar com o cotidiano das pessoas, dentre

outras.

Dentre esses e muitos problemas, cabe reiterar, está à atuação dos

professores fora da sua área de formação, problema que não se restringe às redes

públicas que ofertam a EJA.

Embora a EJA seja prioritariamente atendida pelas redes públicas, às escolas

da rede privada também ofertam esta modalidade de ensino, mesmo que em escala

Page 413: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

413

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

menor. Na rede privada, observam-se as mesmas disparidades de formação encontradas

na rede estadual e municipal conforme gráfico abaixo.

Gráfico 6 - Professores com formação em História na rede privada

Fonte: Superintendência de Estatística SEDUC - MA (2014)

Observa-se no gráfico acima que nenhuma escola privada está em zona

rural. A rede privada tem o maior percentual de professores formados atuando na

disciplina História: em um total de 31,25%, com formação específica na disciplina;

enquanto os percentuais de formados atuando na docência da mesma disciplina nas

redes estadual e municipal estão abaixo de 25%. Ainda que um pouco melhores, os

percentuais apresentados para a rede privada revelam que a dissociação entre área de

formação e de atuação dos professores de História é sistêmica: trata-se de um problema

que não se explica pelo raciocínio rede pública x rede privada. Em tese, o problema

poderia residir na pouca oferta/procura por cursos formadores de profissionais na área

de História, mas os dados apresentados a seguir afastam essa possibilidade.

1.6 Instituições formadoras de professores de História no Estado do Maranhão

Priorizei nesse tópico, as duas principais instituições formadoras de

profissionais na área de História: a Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e a

Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), nos dois casos, inclui com ressalvas, os

Page 414: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

414

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

diversos programas de formação de professores ofertados por essas instituições nas

últimas duas décadas9.

O recorte temporal de 1995 até 2014 compreende a vigência da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96, que estabelece a exigência de que

os professores da educação básica tenham formação de nível superior para o exercício

da docência.

Os gráficos a seguir apresentam dados sobre profissionais formados na área

de História pela Universidade Estadual do Maranhão.

Gráfico 7 - Formados em História pela UEMA (1997-2014)

Fonte: Coordenação do curso de História na UEMA

Não é objetivo desse estudo, analisar o histórico da formação dos

profissionais na área de História. Contudo, o gráfico 7 merece algumas considerações: o

período 1997-2000 inclui a formação de profissionais pelo PROCAD (Programa de

9 Ressalto que os programas deformação continuada destas universidades atendem a demanda docente

localizada nos municípios do interior do Estado do Maranhão. Para o município de São Luís, via de regra,

a formação fica a cargo dos cursos regulares de História da UEMA (licenciatura) e da UFMA

(licenciatura e bacharelado). O PROCAD - Programa de Capacitação Docente da Universidade Estadual

do Maranhão, e que posteriormente passou a denominar-se PQD - Programa de Qualificação Docente

formou algumas turmas de professores de História em São Luís especialmente na década de 1990. Após este período, as turmas passaram a ser atendidas, exclusivamente, nos municípios do interior do Estado do

Maranhão. O Programa DARCY RIBEIRO, é uma iniciativa do governo federal em parceria com a

Universidade Estadual do Maranhão que visa graduar professores da rede pública que não possuem a

formação adequada para exercer a função. Já o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação

Básica (PROFEBPAR) é uma parceira do Ministério da Educação (MEC) com as instituições de ensino

superior e secretarias de educação dos estados e municípios com o objetivo de formar professores. No

Maranhão, atuou em parceria com a UFMA, em turmas ofertadas nos municípios do interior Estado. O

PARFOR também faz parte do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica na

modalidade presencial, e fomenta a oferta de turmas especiais em cursos de licenciatura, segunda

licenciatura e formação pedagógica, ofertando turmas no interior do Estado.

Page 415: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

415

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Capacitação Docente), até então concentrado no município de São Luís. É importante

registrar que o PROCAD precedeu a criação de um curso regular de História na UEMA,

campus São Luís; também registro que a queda do número de formados no período

2011-2014 deve considerar, dentre outros fatores, a abrangência de um tempo menor (4

anos), em relação aos períodos 2001-2005 e 2006-2010.

De todo modo, cabe salientar a existência de 418 profissionais formados,

número que se soma aos profissionais formados pela UFMA, conforme gráfico a seguir.

Gráfico 8 - Formados em História pela UFMA (1995-2014)

Fonte: Coordenação do curso de História da UFMA

Em um período de vinte anos, 726 profissionais de História formaram-se

pela UFMA, totalizando, na soma UEMA/UFMA, 1144 profissionais. Esses dados

revelam um grande número de formados na área de História desde a homologação da

LDB até 2014. Parece evidente que não há ausência de profissionais capacitados para a

disciplina História nas escolas da Educação Básica, mas aspectos da gestão, a serem

mais bem explorados adiante, que inviabilizam o acesso do profissional à disciplina de

sua formação.

Na tabela a seguir, apresento dados que abrangem os programas de

formação de profissionais na área de História concentrados, em grande parte, nos

municípios no interior do Estado do Maranhão.

Page 416: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

416

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Esses dados reafirmam o crescimento na formação de profissionais na área

de História e confrontam a dissociação até aqui apontada entre área de formação/área de

atuação dos profissionais de História na Educação de Jovens e Adultos. Neste sentido, a

investigação sobre essa realidade se faz necessária a partir de outras variáveis, visto que

os dados encontrados não justificam o número de professores da disciplina em desvio de

função e sem formação para a docência nesta área do conhecimento.

CONSIDERAÇÕES

O desvio de função docente está presente nos sistemas de ensino de maneira

bem abrangente conforme vimos nos dados. Não só no ensino de História, mas em

outras disciplinas da educação básica. Pensar o ensino de História, e os seus resultados

na formação dos sujeitos, é também não ignorar o que em certa medida pode

comprometer um ensino de qualidade para aos inseridos no processo de ensinar e

aprender.

A formação é para o docente uma base para suas ações pedagógicas em sala

de aula. E neste sentido, a ética de ensinar o que a formação garante, precisa ser

compreendida pelos docentes, pela gestão escolar e pelos diversos sistemas de ensino

que organizam e sistematizam o fazer escolar. É necessário que se estruture políticas

públicas voltadas aos interesses de uma formação que não nega aos sujeitos os aspectos

Page 417: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

417

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

mais importantes na educação básica, que são a construção do sujeito histórico e sua

relação com o mundo através do conhecimento historiográfico.

REFERÊNCIAS

Documentos

BRASIL. Lei de 15 de outubro de 1827. Disponível em:

<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-38398-15-outubro-1827-

566692-publicacaooriginal-90222-pl.html >Acesso em: 20 jul. 2016.

______. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do

Brasil. Brasília, DF: Senado 1988.

______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro 1996. Que estabelece as diretrizes e bases da

educação nacional.

______. Parecer nº 11/2000 Disponível em: <

http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/eja/legislacao/parecer_11_2000.pdf >

Acesso em: 20 jul. 2016.

______. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 685. Veda a transposição de cargo sem

concurso público. Disponível em: <

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=685.NUME.%20

NAO%20S.FLSV.&base=baseSumulas> Acesso em: 20 jun. 2016.

______. Lei nº 13.005, de 20 de junho de 2014. Que aprova o Plano Nacional de

Educação (PNE) e dá outras providências.

______. Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento da Educação Básica e de valorização da educação.

______. Lei nº 6.425, de 04 de abril de 2008. Dispõe sobre o Censo Anual da Educação.

______. Censo Escolar da Educação Básica. Caderno de Instruções, INEP, Brasília,

2015.

______. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino de História. Ministério da

Educação.<Disponível em:

<www.portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf.eja_hist.pdf> Acesso em 24 de julho de

2015.

Page 418: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

418

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

______. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Ministério da

Educação. MEC/SEB/DICEI, 2013.

MARANHÃO, Secretaria de Estado da Educação. Plano Estadual de Educação do

Maranhão (2014-2024), 2013 Disponível em: <

http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/pee/ma_pee.pdf >Acesso em:

20 jun. 2016.

SÃO LUÍS, Prefeitura Municipal de. Plano Municipal de Educação de São Luís 2015

para o decênio (2015-2024), 2015 Disponível em: <

http://www.saoluis.ma.gov.br/midias/anexos/85_documento_base_do_pme_2015.2024_

aprovado_pelo_fme.pdf> Acesso em: 20 jun. 2016.

Bibliografia

ABUD, Kátia Maria. A guardiã das tradições: a história e o seu código curricular.

Educar em Revista, Curitiba. n.42, p.163-171, out/dez. 2011.

ARROYO, Miguel. A Educação de Jovens e Adultos em tempos de exclusão. In:

Construção Coletiva: Contribuições à educação de jovens e adultos. Brasília:

UNESCO, MEC, RAAAB, 2005.

AZEVEDO, Crislane Barbosa. A formação do professor-pesquisador de História.

Revista Eletrônica de Educação. São Carlos, SP: UFSCar, v. 6, no. 2, p. 108-126, nov.

2012.

BRANDÃO, Carlos da Fonseca. Os desafios do Novo Plano Nacional de Educação.

São Paulo: Avercamp, 2014.

BRASIL. Cristiane. Artigo sobre eja alfabetização. Disponível em:

<www.ucb.br/sites/100/103/TCC/12005/CristianeCostaBrasil.pdf >Acesso em: 10

jul.2016.

CERRI, Luís Fernando. A formação de Professores de História no Brasil: antecedentes

e panorama atual. Brasília: História, histórias, vol. 1, n. 2 p.167-186, 2013.

FERNANDES, José Ricardo Oriá. Ensino de História e Diversidade Cultural: desafios

e possibilidades. Cad. Cedes, Campinas, v.25, n.67, p. 378-388, set./dez. 2005.

FERREIRA, Flavia Malavazzi. Breves considerações sobre o desvio de função na

Administração Pública. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez. 2014. Disponivel em:

<http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.51681>. Acesso em: 14 ago.

2016.

Page 419: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

419

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

FORUM EJA BRASIL, Histórico. Disponível em:< http://forumeja.org.br/node/1191>

Acesso em: 04.ago.2016

GOERGEN, Pedro, SAVIANI, Demerval (org.) Formação de professores: a

experiência internacional sob o olhar brasileiro. 2 ed. Campinas, SP: Autores

Associados; São Paulo: Nupes, 2000.

LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira de; TOSCHI, Mirza Seabra.

Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. 9. Ed, São Paulo, Cortez, 2010.

MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Apontamentos para pensar o ensino de História

hoje: reformas curriculares, Ensino Médio e formação de professor. Tempo, v.11, n.21,

p.49 – 64 Jun. 2006.

MAGALHÃES, Olga. A escolha de recursos na aula de História. Educar em Revista,

Curitiba. Especial, p.113 – 120, 2006.

MACHADO, Nilson José. Educação: competência e qualidade 2. Ed. São Paulo.

Escrituras Editor, 2010.

MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Verbete Mobral

(Movimento Brasileiro de Alfabetização). Dicionário Interativo da Educação Brasileira

- Educabrasil. São Paulo: Midiamix, 2001. Disponível em:

<http://www.educabrasil.com.br/mobral-movimento-brasileiro-de-alfabetizacao/>.

Acesso em: 13 de ago. 2016.

MONTEIRO, Ana Maria F. C. Ensino de História: argumentação e construção de

sentido na história ensinada. Práxis Educativa, v.6, n.1, 2011.

MONTEIRO, Ana Maria F. C. A história ensinada: Algumas configurações do saber

escolar. História e Ensino, v.9, p.37-62, out.2003.

OLIVEIRA, Dennison de. Professor. Pesquisador em Educação Histórica. Curitiba:

Intersaberes, 2013.

OLIVEIRA, Maria da Glória. Historiografia, memória e ensino de História: percursos

de uma reflexão. História da Historiografia, n.13, p.130-143, dez.2013.

POLETTI, Ronaldo. Coleção Constituições brasileiras 1934 – Vol. III. Brasília :

Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2012. 162 p.

RIOS, Terezinha Azeredo. Compreender e Ensinar: por uma docência da melhor

qualidade. Ed. Cortez, São Paulo: 2010.

Page 420: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

420

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

RUSEN, Jorn. História Viva – Teoria da História III: formas e funções do

conhecimento histórico. Brasília: Ed. da UNB, 2007.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora; GARCIA, Tânia Maria Braga. Pesquisas em

Educação Histórica: algumas experiências. Educar em Revista, 2006.

SILVA, Eduardo Jorge Lopes. Os fóruns de Educação de Jovens e Adultos e sua

contribuição para a formação de educadores de EJA. UFPB, 2005.<Disponível

em:<www.cereja.org.br/arquivos>Acesso em 20 de julho de 2015.

SILVA, Marcos Antonio da; FONSECA, Selva Guimarães. Ensino de História hoje:

errâncias, conquistas e perdas. Revista Brasileira de História, v.30, n.60, p.13 – 33-

2010.

SILVA JÚNIOR, Astrogildo Fernandes. A ciência da história e o ensino de História:

aproximações e distanciamentos. Opsis. Catalão, v.11, n.1, p.287-304, jan-jun 2011.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis. RJ: Editora

Vozes, 2012.

TOLEDO, Maria Aparecida Leopoldino Tursi (Org). Ensino de história: ensaios sobre

questões teóricas e práticas. Maringá – Paraná: Ed. UEM, 2011.

UNESCO. Alfabetização de Jovens e Adultos no Brasil: lições da prática. Brasília:

UNESCO, 2008.

VIEIRA, Maria Clarisse. Fundamentos históricos, políticos e sociais da educação de

jovens e adultos – Volume I: aspectos históricos da educação de jovens e adultos no

Brasil. Universidade de Brasília, Brasília, 2004.

Page 421: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

O CRISTIANISMO PRIMITIVO NOS LIVROS DIDÁTICOS: TEOLOGIA OU

HISTÓRIA?

William Braga Nascimento

1. INTRODUÇÃO

O projeto de pesquisa em questão, surgiu de inquietações quanto ás

abordagens presente nos livros didáticos, referentes ao cristianismo antigo (Séc. I ao

IV). A permanência de uma leitura pautada, preponderantemente em aspectos de fé, tem

reduzido as experiências plurais desta dimensão que foi/é religiosa, mas que, também

apresentou aspectos políticos. Dessa forma, a desconsideração de uma abordagem mais

ampla nos materiais didáticos sobre esta temática, tem conservado o predomínio de uma

interpretação mais pautada em aspectos teológicos e balizadas pela produção do

conhecimento histórico, o que prejudica a inteligibilidade desta dimensão

religiosa/política no ensino escolar.

No âmbito do currículo da história romana nos materiais didáticos, o

cristianismo tem sido apresentado muito mais como um produto da teologia da história,

sendo revestido de roupas apologéticas. O que se percebe, é certo distanciamento que

este recurso pedagógico contém referente a este objeto, o que se explica, em partes, pela

negligência dos estudos que contemplem os aspectos políticos e sociais desta dimensão

religiosa.

Nesse interim, os livros didáticos, tratados como um material que realiza a

mediação entre o saber acadêmico e o escolar, têm refletido a ausência ou a baixa

demanda de pesquisas sobre cristianismos do período antigo voltadas ao ensino de

história. Diante disso, leituras teológicas têm exercido cada vez mais proeminência no

assunto abordado.

Entrementes, entendemos que é necessário incluir o uso de uma bibliografia

especializada na história dos cristianismos originários, haja vista que, nos materiais

didáticos distribuídos pelo governo federal, não é incomum encontrarmos respaldo para

a construção do conhecimento sobre esta temática, apoiada na Bíblia. Destarte a bíblia -

numa perspectiva histórica - ser um documento comum, assim como diversos outros

produzidos na antiguidade, a sua aplicação nos manuais pedagógicos, como já

Page 422: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

422

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

mencionado, pouco tem contemplado os aspectos históricos com os quais ela se

relaciona.

Horsley (2004), afirma que em decorrência das revoluções burguesas no

século XIX e a separação entre Igreja e Estado, os estudos teológicos cristãos passaram

a assumir uma vertente marcada predominantemente por análises religiosas, excluindo o

mundo social com a qual a bíblia faz relação, a mesma característica, também foi notada

nas posturas oficiais do Estado em excluir as características políticas das dimensões

religiosas.

Dessa forma, criou-se uma leitura parcial sobre esses textos que atendendo a

interesses próprios de suas épocas quando atrelados a instituições – sejam elas,

religiosas ou políticas -, domesticaram o entendimento e os contextos que se mostram

mais problemáticos do que o reducionismo encontrado nos manuais didáticos.

Essa leitura parcial constituída sob bases judaico-cristãs tem conferido

aspectos confessionais e doutrinários ao cristianismo quando visto em seu

relacionamento com o império romano, através da ênfase recaída nas perseguições e

martírios experimentados pelos cristãos por conta apenas da fé, apartado do ambiente

interativo que caracterizava a sociedade romana. A ênfase em apenas um aspecto sobre

os conflitos sociais e religiosos na antiguidade, especificamente no caso em questão,

omite diversas configurações em pró de uma leitura muitas vezes, militante.

Na realidade o tema dos conflitos, especialmente religiosos, não é um

assunto fácil de ser abordado devido a suas implicações éticas e sociais refletidas no

mundo contemporâneo, tanto pelos referenciais pessoais dos autores de livros didáticos,

quanto dos alunos e professores.

Tal aspecto tem produzido um estudo com baixa crítica e análise sobre o

objeto, conferindo ao livro características que reproduzem, num sentido mais específico,

a leitura teológica, corroborando esta como a última palavra acerca do assunto

abordado, deixando á margem, questões que poderiam ser debatidas dentro da sala de

aula.

Ademais, o tratamento de uma história do cristianismo antigo pautada cada

vez mais numa leitura preponderantemente teológica nada tem colaborado para

Page 423: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

423

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

pensarmos em uma educação plural, prevista na Lei N° 9394/96 (LDB), uma vez que

este campo do saber vem exercendo cada vez mais domínio sobre esta temática,

prejudicando a premissa de um conhecimento totalizante que dentro de uma ótica cidadã

de formar adolescentes e jovens críticos através da mediação entre o saber comum e

científico, tem engessado os questionamentos e a abrangência histórica deste

movimento.

Portanto, a partir da construção das memórias sobre os cristianismos

originários, queremos propor com esta pesquisa, uma ressignificação acerca das

abordagens que o cristianismo antigo vem recebendo nos livros didáticos, transferindo

as reflexões históricas produzidas na academia sobre a temática abordada, para o espaço

da sala de aula.

2. TEMA

O tema da pesquisa intitulado de “O Cristianismo Primitivo nos Livros

Didáticos: Teologia ou História?”, tem a antiguidade romana como campo espacial.

Entendemos que a escolha por esse espaço atende a uma demanda histórica crescente

nas últimas duas décadas de explicar historicamente os processos sociais, políticos e

religiosos que envolveram os relacionamentos entre os primeiros cristãos quando o

Império Romano dominava o mundo. Demanda essa, que, nos espaços escolares, vem,

ainda que de forma tímida, atingindo as análises presentes nos livros didáticos, sendo

este último, o nosso campo de observação.

Dessa forma, elencamos os séculos I ao IV d.C, como período temporal a

ser estudado nos LD’s, posto que de forma geral, é sobre esta temporalidade que se

assenta as abordagens dos mesmos quando trata de cristianismo no âmbito da história

romana e, por termos neste período um maior número de fontes disponíveis para realizar

a problematização do tema nos LD’s.

Page 424: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

424

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

3. OBJETIVOS

Objetivo Geral

- Elaborar no âmbito da história das religiões, um material paradidático que recorra a

uma perspectiva historiográfica e conceitual sobre as experiências religiosas no

cristianismo primitivo, desvinculando-a assim, de uma abordagem teológica,

possibilitando uma melhor compreensão deste objeto na prática escolar.

Objetivos Específicos

- Analisar as representações do cristianismo primitivo nos LD’s de ensino médio

adotados em algumas escolas da rede pública de ensino à partir das elaborações do

PNLD e de bibliografia especializada no tema.

- Fornecer um produto sobre o tema voltado aos professores da educação básica de

ensino médio, que possibilite pensar/dialogar as experiências religiosas em sua

diversidade.

4. TEÓRICO

Tendo como entendimento de que os livros didáticos são artefatos culturais

e, portanto, objetos históricos em constante (re)formulações, cabe então apontar, ainda

que breve, as transformações pelas quais o mesmo vem passando nas últimas décadas.

Desde os anos 1990, esses materiais vêm passando por grandes

transformações oriundas de mudanças tecnológicas do mercado editorial brasileiro

(fruto em grande parte, dos processos de implementação do neoliberalismo no Brasil), e

do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), trazendo currículos que apontam para a

ênfase na construção da cidadania e de uma educação que oriente o aluno para o mundo

do trabalho. Todavia, e ressaltando-o como um artefato cultural, os LD’s se inserem em

um complexo emaranhado quanto aos seus processos de confecção (conteúdo, visual,

diretrizes, etc), onde nem sempre é possível identificar a ação de cada agente no produto

final, sendo o mesma, uma “construção coletiva” (MORENO, 2014, apud. BARNABÉ,

2015).

Page 425: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

425

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

No entanto, quanto aos conteúdos específicos das áreas de história, podemos

identificar com base investigativa, alguns de seus agentes que propõem e constroem

determinadas narrativas que incidirão na construção do conteúdo que deverá ser

trabalhado com os alunos em sala de aula. Nesse aspecto, trago a discussão

especificamente para o meu projeto de pesquisa, onde pretendo abordar as

representações do cristianismo primitivo nos livros didáticos.

Tendo os LD’s, como campo de observação e, sendo o objeto histórico em

questão tratado no âmbito das religiões, proponho analisar o mesmo dentro do que se

convencionou chamar nas últimas décadas de História Cultural das Religiões. Esse

conceito consiste em aplicar aos estudo das religiões, as práticas de pesquisas

incorporadas no âmbito da História Cultural, como; Representação, Poder Simbólico e

Apropriação (PETERS, 2015).

Dessa forma, nos valemos dos conceitos elaborados e trabalhados pelo

historiador francês Roger Chartier. Entendendo a cultura como uma prática, Chartier

pensa a mesma através de sistemas de representação e apropriação.

Parafraseando Chartier, Representação, oferece duas possibilidades de

sentido; pode exibir um objeto ausente, substituindo por uma imagem capaz de

reconstituí-lo na memória, ou, exibir uma presença. Para o mesmo autor, “as

representações são sempre determinadas pelos grupos que as forjam” (CHARTIER,

p.17). No entanto, este conceito e os sentidos oferecidos por ele, ficam mais bem

compreendidos quando colocado ao lado do conceito de Apropriação, onde o mesmo a

entende, como uma interpretação das representações.

Ademais, estes conceitos inseridos no campo da história cultural, explicam

que a mesma tem como mote, problematizar a prática social, assim como os textos

utilizados para a realização da pesquisa, abordando-o como uma construção histórica e,

uma representação do social que pode ser (re)apropriada diversas vezes.

Inseridos em um artefato cultural, como os LD’s, a temática do cristianismo

primitivo no âmbito da história romana não pode ser abordada como uma representação

de cunho social neutra, pelo contrário; sua presença se impõe como uma leitura que

busca legitimar determinadas concepções de grupos sociais que, apropriando-se de uma

Page 426: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

426

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

forma de leitura desta religião e, aproveitando-se do vazio existente por longo tempo

sobre este tema nos espaços acadêmicos, incutiram seus pressupostos no âmbito do

espaço escolar, “naturalizando” suas representações de mundo.

Nesse ínterim, historicizando o objeto e, apontando para possíveis

permanências na questão das representações sobre cristianismo primitivo nos LD’s, não

é demais lembrar da chamada “história sagrada” que por muito tempo fez parte dos

currículos escolares no Brasil Império, como se vê adiante:

“Na cultura escolar [..], a história do povo hebreu somada à história do

cristianismo remete a uma prática comum nos primórdios do ensino de

história; a história sagrada. Em 1827, a proposta debatida na

Assembleia dos deputados previa o ensino de história subdividido em História Geral Profana, História Sagrada e História do Império do

Brasil (BITTENCOURT, 2008, p.100).

Ainda segundo a mesma autora;

“[..] com o fortalecimento das ideias republicanas e o posterior

Estado Republicano, a história sagrada enquanto componente

curricular gradativamente desaparece das escolas públicas, embora permaneça nas escolas confessionais. Todavia, seu conteúdo pode

ainda ser visto inserido nos programas curriculares atuais, o que

demonstra que houve um processo de reacomodação” (BITTENCOURT, p 2008, p.115).

Dessa forma, paralelo às representações de Chartier, vemos se constituindo

um processo de reconstrução de memórias sobre este objeto que são responsáveis por

produções de sentido a partir do momento em que são apropriadas por agentes que

interagem com o objeto representado.

No entanto, entendemos que o conhecimento acerca da antiguidade -

especificamente o objeto da pesquisa - não é imutável no âmbito da cultura escolar,

cabendo novas representações quando o espaço da historicização do fenômeno religioso

abre caminhos para perceber os indivíduos que dele participam de suas representações,

bem como os interesses que o cercam.

Page 427: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

427

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Portanto, os aportes conceituais pretendidos à utilização nesta pesquisa,

busca quebrar com a ideia de verdade única sobre o objeto pesquisado, buscando

modificá-lo, posto que tambem será fruto de uma representação de abordagem histórica,

logo, passível de ser reapropriado, aludindo a conceitos específicos sobre o objeto que

vem sendo produzidos no espaço acadêmico nas últimas duas décadas, bem como sua

interligação com as diretrizes elaboradas nos PCN’s de História, articulando habilidades

e competências no âmbito da apreensão do conhecimento.

5. METODOLOGIA

Num primeiro momento, a pesquisa se valerá em realizar um mapeamento

dos livros didáticos de história destinados ao 1º ano do ensino médio distribuídos nas

escolas públicas estaduais sobre o tema da pesquisa. A escolha dos livros, levará em

consideração os indicativos de avaliação propostos pelo MEC à partir do guia de livros

aceitos pelo PNLD de História.

Em outro plano, visando ampliar o entendimento sobre o objeto pesquisado,

entendemos que a transdisciplinaridade atende melhor a proposta metodológica de

procurar oferecer outras representações sobre o movimento cristão primitivo nos LD’s.

Logo, através da junção entre História e Arqueologia em cruzamento com as fontes

documentais, entendemos ser possível proporcionar novas representações sobre nosso

objeto, que recairá na elaboração do material paradidático como produto final.

Quanto ao uso das fontes, cabe aqui algumas advertências quanto a

utilização da Bíblia como fonte histórica. Por muito tempo, foi questionada pela

academia a validade dos textos inclusos neste material e o seu emprego como fonte em

pesquisas historiográficas. A descrença situada em estudos baseados nestas fontes

repousa muitas vezes na falta de método eficiente em tratar do objeto estudado, o receio

de uma pesquisa que utiliza esse material em descambar no proselitismo religioso, bem

como o relacionamento que estes textos possuem com religiões presentes na sociedade,

com seus discursos influentes e ainda vivos no tempo presente. Contudo, dada a

Page 428: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

428

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

conotação histórica da pesquisa, acreditamos não ser empecilho, quando o pesquisador

se utiliza de métodos que não reforcem práticas militantes.

Assim sendo, qualquer documento pode se tornar objeto de estudo histórico,

cabendo ao pesquisador/professor, se abster de juízos valorativos e padrões modernos

quando aplicados a textos antigos, como é asseverado:

Ao historiador cabe o papel de São Tomé, aquele que precisa ver para

crer, que não se baseia num pressuposto de fé, mas na confrontação de dados empíricos ou ideológicos selecionados, cruzados, seriados,

todos fornecidos pela documentação, com as informações colocadas

pela bibliografia concernente ao objeto de estudo, sempre no intuito de se fazer a relação do texto para com o contexto no qual ele foi

produzido. No caso da bíblia especificamente, que se trata de uma

compilação de textos que apresenta gêneros literários diversos, de

diferentes períodos históricos, torna-se necessária a identificação do gênero a que pertence o discurso, a compreensão de tal gênero na

época em que surgiu o relato analisado, a exposição das características

mais gerais do autor (quando conhecido) e, obviamente, a contextualização histórica do relato em questão e para que público ele

se dirigiu (SELVATICI, 2000, p. 93-94).

Ademais, cabe lembrar que, o Cristianismo sempre reivindicou uma base

histórica. No entanto, como vimos, nem sempre sua abordagem ocorre por essa via nos

LD’s. Somente nos últimos anos, vêm acontecendo uma tímida inserção histórica -

ainda que imprecisa - nestes materiais, Dessa forma, pretendemos através das

contribuições acadêmicas especializadas sobre o tema, juntamente com as descobertas

arqueológicas, não esquecendo, é claro, de inseri-los dentro de uma lógica voltada a

cultura escolar, com habilidades e competências encontradas nos documentos oficiais

do Estado brasileiro concernentes à educação (PCN, PNLD), um direcionamento que

vise ao alunos(as) um aprendizado amplo e efetivo sobre a proposta apresentada.

Dessa forma, trata-se de lutar por melhores conteúdos, assim como por

melhores condições de estudo e de trabalho nas escolas. A diversidade cultural, um dos

grandes princípios do PCN de história, nos sugere um conteúdo menos normativo e

mais plural no objetivo de fornecer, entre outras, a tolerância em seus vários níveis e,

uma educação de caráter cidadã.

Page 429: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

429

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

6. FONTES

A tarefa de analisar as representações do cristianismo nos LD’s, bem como

em propor um produto ao final desta pesquisa, exige um vasto acervo de materiais. No

que concerne ás análises sobre os LD’s, os próprios funcionam como uma das fontes

primárias da pesquisa. Além disso, também será usado como norte, o guia de livros

didáticos do PNLD elaborado pelo MEC, assim como o PCN da área de História.

Quanto ao material relacionado ao Cristianismo em si, há outras fontes,

como explicitado: “os manuscritos do Novo Testamento; as escavações arqueológicas

[nas cidades relatas nos textos bíblicos]; as descobertas de Qumran (manuscritos do Mar

Morto) e Nag Hammadi, no Egito antigo, os escritos judaicos; e os testemunhos de fora

do ambiente judaico-cristão” (CHEVITARESE; FUNARI, 2012).

De forma mais específica, as fontes concernentes ao cristianismo ficam

agrupadas da seguinte maneira:

- Os Evangelhos

Mateus (Mt) Marcos (Mc)

Lucas (Lc) João (Jo)

- As Cartas

Paulo aos

Romanos (Rm)

Primeira de Paulo aos

Coríntios (1 Cor)

Segunda de Paulo aos

Coríntios (2 Cor)

Paulo aos

Gálatas (Gl)

- Fontes Arqueológicas

Moedas cunhadas

durante o período

Imperial Romano

Dados sobre escavações de cidades,

como Galiléia, Gamla, Jerusalém e

Nazaré nos tempos de Jesus

Manuscritos de Nag

Hammadi (Ev. de

Tomé)

Page 430: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

430

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

- Escritos de Fora do ambiente Judaico-Cristão

Plínio (Cartas) Tácito (Anais) Suetônio (Vida dos Césares) Josefo (Guerras Judaicas)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GONÇALVES, Ana Teresa Marques; SILVA, Gilvan Ventura. O Ensino de História

Antiga nos livros didáticos brasileiros: balanços e perspectivas. In: CHEVITARESE,

André Leonardo; CORNELLI, Gabrielli & Silva Maria Aparecida de Oliveira (Orgs.).

A tradição Clássica e o Brasil. Brasília: Fortium, 2008.

CHEVITARESE, André; FUNARI, Pedro Paulo. Jesus: Uma Brevissíma Introdução.

Rio de Janeiro, Kliné: 2011.

CROSSAN. John,D. O Nascimento do Cristianismo; o que aconteceu nos anos que se

seguiram à execução

BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: Fundamentos e Métodos. São Paulo:

Editora Cortez, 2004.

_______________, Circe M. Fernandes. Livro didático e conhecimento histórico:

uma história do saber escolar; Tese de doutorado. São Paulo: FFLCH/USP, 1993.

________________. Livros Didáticos Entre Textos e Imagens. In: C. Bittencourt

(Org.), O Saber Histórico na Sala de Aula. São Paulo, Contexto, 1997.

CHARTIER, Roger. A História Cultural Entre Práticas e Representações. Lisboa, Difel,

2002.

POLLACK, Michel. Memória e Identidade Social. Rio de Janeiro. Revista de Estudos

Históricos, vol 5, n.10, 1992, p. 200 – 212.

LAPLATINE, François; TRINDADE, Liana. O que é Imaginário. São Paulo,

Brasiliense, 1997.

PETERS, José L. A História das Religiões no Contexto da História Cultural. Disponível

em: http://www.ufjf.br/facesdeclio/files/2014/09/1.6.Artigo-Jos%C3%A9.pdf Acesso

em 13/02/2017.

PAIVA, Eduardo F. História e Imagens. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

Page 431: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

431

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

SELVATICI, Mônica. Para uma leitura histórica da Bíblia. Gaîa, Rio de Janeiro:

Laboratório de História Antiga/LHIA, n. 2, ano 1, 2000.

Page 432: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

432

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A VALORIZAÇÃO DA IDENTIDADE E CULTURA AFRO-BRASILEIRA NO

COTIDIANO ESCOLAR: ANÁLISE DO ENSINO DE HISTÓRIA APÓS A

IMPLEMENTAÇÃO DA LEI Nº 10.639/2003

Meiriele de Sousa Medeiros1

Enquanto o negro brasileiro não tiver acesso ao

conhecimento da história de si próprio, a

escravidão cultural se manterá no País.

(João José Reis, 1993, p. 189 apud

FERNANDES, 2005, p. 378)

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho possui como objeto de investigação as práticas

educativas sobre a temática História e Cultura Afro-brasileira e Africana, destacando

como está sendo desenvolvido o Ensino de História no século XXI, após a

implementação da Lei Nº 10.639/2003, no cotidiano escolar. Abrange, ainda, a

Historiografia africana, a cultura negra brasileira e o estudo do currículo escolar da

educação básica, resgatando a contribuição do povo negro para a História do Brasil, o

que atribui ao Ensino de História o papel de formar um novo cidadão que seja capaz de

compreender a história do país. Debater sobre a referida temática resultará na aquisição

de uma visão construtiva e inovadora da História e Cultura Afro-Brasileira e

reconhecimento dos afrodescendentes enquanto atuantes na formação da sociedade

nacional.

1 Possui Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, Bacharelado

em Direito pela Faculdade do Vale do Itapecuru – FAI, Especialização em Ensino de História do Brasil:

Cultura e Sociedade pelo Instituto de Ensino Superior Franciscano – IESF, Especialização em Educação

em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA, Especialização em Direito

Público pela Faculdade de Ciências e Tecnologia do Maranhão – FACEMA e Especialização em

Docência do Ensino Superior pelo Instituto de Ensino Superior Franciscano – IESF. Atualmente, é

professora do curso de Direito da Faculdade do Vale do Itapecuru – FAI e Mestranda do Programa de

Pós-Graduação em História, Ensino e Narrativas – PPGHEN da Universidade Estadual do Maranhão –

UEMA.

Page 433: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

433

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Ao ter a História da África2 como eixo temático no Ensino Fundamental e

Médio, o presente trabalho parte da perspectiva que privilegia a Lei N° 10.639/2003,

que tornou obrigatória a inclusão do ensino da História da África e da Cultura Afro-

brasileira nos currículos dos estabelecimentos de ensino públicos e particulares da

educação básica, e a inserção no calendário escolar do dia 20 de novembro como o Dia

Nacional da Consciência Negra. A referida Lei determina que os conteúdos referentes à

História e Cultura Afro-brasileira sejam trabalhados no contexto de todo o currículo

escolar, especialmente, no âmbito das disciplinas de Educação Artística, Literatura e

História do Brasil.

A partir da referida abordagem, torna-se necessário enfatizar a forma como

está sendo ministrada a prática da obrigatoriedade da Lei acima citada. Partindo dessa

concepção, propõe-se analisar as ações do corpo docente diante do ensino de História da

África, no processo educativo, de forma a contribuir com a divulgação das relações

étnico-raciais no contexto escolar, buscando novas perspectivas na transformação

social. Tendo em vista que o sistema educacional brasileiro está repleto de práticas

preconceituosas e racistas, decorrentes da construção de uma escola que não foi

concebida para atender às diferenças, apesar de sua estrutura estar voltada para a

evidencialização das diversidades sociais e culturais, o que constitui fator significativo

para manutenção da situação dominante.

Frente a tal contexto, fica evidente o fato de que a análise da pluralidade3

racial compreende um desafio a ser enfrentado, onde o professor ocupa espaço

primordial na condição de agente multiplicador de ideias e concepções. Sendo que o

2 História das sociedades, escrita e/ou narrada por africanos (as), afrodescendentes e pesquisadores (as) de

outros grupos étnico-raciais que apresentam a África, em suas diversas conexões espaços-temporais, sem

se limitar ao período do capitalismo mundial mercantilista e à escravidão moderna (séculos XVI a XIX).

Cf. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2006. 3 Esse termo se refere às relações sociais em que grupos distintos em vários aspectos compartilham outros

tantos aspectos de uma cultura e um conjunto de instituições comuns. Cf. MINISTÉRIO DA

EDUCAÇÃO, 2006.

Page 434: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

434

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

processo educativo, ao refletir os valores e reiterar abordagens e estereótipos4 de

desvalorização dos afro-brasileiros, contribui de forma decisiva a dificultar e restringir,

ou mesmo impedir, o acesso e o sucesso na vida escolar das crianças, adolescentes,

jovens e adultos negros.

Uma das consequências mais evidentes da desvalorização do negro e

supervalorização do branco naturaliza-se em virtude do estereótipo de inferioridade e

incapacidade dos afro-brasileiros e traduz-se na disparidade do desempenho dos

estudantes negros, que passam a inibir seu potencial, bloqueando o desenvolvimento de

sua identidade5 racial e o cultivar de respeito mútuo entre negros e brancos. Sustenta-se

que o desenvolvimento intelectual do negro é bloqueado pela prática do preconceito do

branco. Assim, o negro demonstra-se duplamente inferior: por natureza e por bloqueio

social.

Dessa forma, acredita-se que a presente análise venha contribuir para

despertar nos docentes a necessidade da prática pedagógica reflexiva, voltada para as

relações étnico-raciais. Pois, sendo o professor sujeito do processo educacional, este

deve buscar a inovação da produção do conhecimento, onde as diversidades possam ser

incluídas no cotidiano escolar e no processo pedagógico de maneira prazerosa,

sobretudo, respeitando as diferenças.

Considerando que, com a inclusão da História e Cultura Afro-brasileira no

currículo oficial da rede de ensino, alunos e alunas negros, brancos e de outros grupos

étnico-raciais, têm a possibilidade de, mediante uma discussão competente e séria sobre

a questão racial na escola, desmistificar a visão que se possui do continente africano.

Assim, com a divulgação da referida temática, espera-se que a escola assuma o seu

papel social de valorização e difusão da cultura africana e da pluralidade da formação

étnica-nacional.

4 Opinião preconcebida, difundida entre os elementos de uma coletividade. Uma tendência a

padronização, com a eliminação das qualidades individuais e das diferenças, com a ausência total do

espírito crítico nas opiniões sustentadas. Cf. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2006. 5 No tocante à identidade racial ou étnica, o importante é perceber os seus processos de construção, que

podem ser lentos ou rápidos e tendem a ser duradouros. Cf. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2006.

Page 435: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

435

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

2. HISTORIOGRAFIA AFRICANA

Ao pensar a História da África, busca-se fazer uma abordagem sobre a

historiografia6 africana, referindo-se à forma como foi elaborada a História da África, a

partir da ótica do colonizador europeu.

Tendo como viés o século XIX, pois, neste corte temporal, a África não

tinha e nem poderia ter história, era a-histórica. Dominava o elemento dinâmico das

sociedades modernas: a transformação dos padrões societários. O máximo que se

poderia ter, juntamente com a fauna e a flora, seria uma história natural. “Faltava-lhe a

instituição marcante das sociedades históricas: o Estado”. (LOPES; ARNAUT, 2008, p.

34).

Segundo Lopes e Arnaut (2008, p. 35), “[...] a concepção hegeliana7

prevaleceu”. Outro fator que contribuiu para a referida concepção foi a ausência de

registros escritos. “Diante disto, a África era vista sob o signo da ausência: faltava

sociedade, Estado, classe e escrita; não produzia cultura, eram passivos e logo, faltava

história”.

No tocante ao paradigma hegeliano, o mesmo aponta a impossibilidade de

trabalhar a história da África, principalmente, do povo negro, anteriormente à presença

europeia, por alegar a ausência de fatos, uma concepção que se estendeu até meados do

século XX.

Referindo-se ao Brasil, conforme Manoel Luís Salgado Guimarães (1988):

Ao definir a Nação Brasileira enquanto representante da ideia de civilização no Novo Mundo, esta mesma historiografia estará definindo aqueles que

internamente ficarão excluídos deste projeto por não serem portadores da

noção de civilização: índios e negros. (GUIMARÃES, 1988, p. 07)

Diante dessa realidade, os povos excluídos da história eram estudados por

meio da antropologia e etnografia, que buscavam recolher o máximo de informações e

6 É a reflexão sobre a produção e a escrita da História. Cf. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2006. 7 A África não é uma parte histórica do mundo; não tem movimento, progressos a mostrar, movimentos

históricos próprios. Cf. SILVA, 2008.

Page 436: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

436

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

catalogá-las. Nesse contexto, pesquisadores afirmam que, na tentativa de entender

diferente, construíram uma imagem genérica sobre a África, ignorando a diversidade

presente no continente.

Corrobora esse entendimento José Ricardo Oriá Fernandes (2005):

Os africanos, que aportaram em nosso território na condição de escravos, são vistos como mercadoria e objeto nas mãos de seus

proprietários. Nega-se ao negro a participação na construção da

história e da cultura brasileiras, embora tenha sido ele a mão-de-obra predominante na produção da riqueza nacional, trabalhando na cultura

canavieira, na extração aurífera, no desenvolvimento da pecuária e no

cultivo do café, em diferentes momentos de nosso processo histórico.

(FERNANDES, 2005, p. 380)

Com o avanço dos estudos, uma nova perspectiva surgiu, contribuindo para

a valorização da cultura que, mesmo sem registro escrito, deixou vestígios na forma

iconográfica instrumental e artística, o que proporcionou a reavaliação histórica e o

desenvolvimento de técnicas de pesquisa e de interpretação para estes tipos específicos

de fontes.

A História da África como disciplina sofreu um novo impulso, após as

primeiras independências na década de 1950. Segundo Arnaut (2008, p. 38), “[...] a luta

contra a dominação colonial passou por um duplo resgate da história. Esta não poderia

ser mais a história dos europeus na África, mas a dos próprios africanos”.

A implantação do projeto História Geral da África, patrocinado pela

Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura - UNESCO, em

1960, contribuiu para a que a temática fosse abordada de forma inovadora. O referido

projeto objetivava uma ampliação global e exaustiva sobre o continente africano,

partindo de uma perspectiva dos próprios africanos de questionar as simplificações e

resgatar dados e fontes históricas.

Page 437: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

437

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

No Brasil, a disciplina “História da África”, em nível de ensino fundamental

e médio, só passou a ser valorizada nos últimos anos, apesar do interesse pelo

continente em função da própria escravidão.

Há poucas décadas, a África só interessava como parte das discussões

acerca do tráfico negreiro, das religiões afro-brasileiras, das

possibilidades comerciais das grandes construtoras ou ainda da

perspectiva política dos partidos de esquerda nos cadernos do terceiro mundo. [...] Neste sentido, poderíamos dizer que a história da África

continuava a ser pensada nos moldes colocados pelos colonialismos:

sempre como reflexo e recebendo os impactos dos processos europeus e ocidentais (ARNAUT; LOPES, 2008, p. 40).

Diante de uma nova abordagem teórico-metodológica e seguindo uma

tendência mundial, o interesse pela história da África tem crescido no Brasil. O tema

vem se destacando com status de disciplina, sendo incorporado, não só na educação

básica, como também nos currículos de graduação de instituições de ensino superior.

3. HERANÇA CULTURAL

A cultura europeia prevaleceu por muito tempo, tornando-se a mais

valorizada no Brasil, enquanto as manifestações culturais afro-brasileiras foram

colocadas à margem da sociedade, sendo, muitas vezes, desprezadas, desestimuladas e

até proibidas. Durante quase todo o século XIX, o último no qual se pratica o tráfico de

escravos no Brasil, foram enviados cativos vindos de vários lugares da África para o

Brasil, abrangendo vários estados. “Atualmente, encontramos no Brasil traços culturais

que existiram ou que, ainda, existem na África. Porém, não podemos esquecer que

nenhuma cultura permanece igual em tempos e espaços diferentes” (ARAÚJO, 2003, p.

15).

Vale ressaltar que a herança negra africana se manifesta através das práticas

religiosas, na música, na dança, na oralidade, na culinária, nas técnicas agrícolas e

também na linguística.

Page 438: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

438

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Sentimos a força da presença africana nos quatros cantos do Brasil o

samba, a capoeira e o candomblé, símbolos étnicos originalmente

negros, são atualmente admitidos dentro e fora do país como sua

marca registrada. [...] Os africanos no Brasil apesar de sua dramática situação de desterrados, não ficariam passivos diante de sua nova

condição. Ao contrário, por meio de sua produção cultural, souberam

conquistar espaços de atuação, no interior de um processo dinâmico de reinvenção de sua identidade étnica em solo brasileiro.

(SCHWARCZ; REIS, 2000, p.34).

Nesta perspectiva, percebe-se que muito do que somos e temos hoje faz

parte de uma grande herança que nos foi deixada pelos povos africanos que muito

contribuíram com a nossa formação social e cultural. Consoante Michel de Certeau

(1982):

Coloca-se como historiográfico o discurso que “compreende” seu outro – a crônica, o arquivo, o documento -, quer dizer, aquilo que se

organiza em texto folheado do qual uma metade contínua, se apoia

sobre a outra, disseminada, e assim, se dá o poder de dizer o que a outra significa sem o saber. Pelas “citações”, pelas referências, pelas

notas e por todo o aparelho de remetimentos permanentes a uma

linguagem primeira (que Michelet chamou “crônica”), ele se

estabelece como saber do outro. (CERTEAU, 1982, p. 101)

A construção e a legitimação da cultura negra no Brasil não se deram

facilmente. A metamorfose dos itens culturais em emblemas de brasilidade se deu nos

anos 1930 e 1940, quando alguns intelectuais brasileiros, imbuídos da responsabilidade

de construir uma identidade para a nação e dotá-la de símbolos que a particularizassem

em relação as demais, tendem a apropriar-se de determinadas manifestações culturais

negras.

Convém mencionar que o aparato simbólico que envolve as representações

existentes sobre o negro assemelha-se, por exemplo, à narrativa do massacre de gatos de

Robert Darnton (2011), que representa que os operários podiam manipular símbolos em

sua linguagem própria e, assim, criticar a realidade de uma maneira ao mesmo tempo

burlesca e sutil. “O simbolismo disfarçava o insulto suficientemente bem para não

sofrerem consequências” (DARNTON, 2011, p. 134).

Page 439: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

439

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

Embora isto reverbere sobre a manipulação de símbolos étnicos em

símbolos nacionais, o fato é que esses símbolos étnicos influenciam na formação do

povo brasileiro até nos dias atuais.

4. O CURRÍCULO E O ENSINO DE HISTÓRIA

Ao estudar a história do currículo, nota-se que, ao longo da história,

surgiram diferentes concepções de currículo. Nesta perspectiva, o currículo é abordado

por várias vertentes, entre elas, de justiça social, contribuições filosóficas, sociológicas,

psicológicas, antropológicas e, também, teorias de aprendizagem e de ensino.

Segundo Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro (2003),

As pesquisas confirmam que o currículo é um campo de criação

simbólica e cultural, permeado por conflitos e contradições, de

constituição complexa e híbrida, com diferentes instâncias de realização: currículo formal, currículo real ou em ação, currículo

oculto. (MOREIRA, 1997, p. 13, 14 apud MONTEIRO, 2003, p. 10).

A origem do Currículo Nacional situa-se nas décadas de 1920 e 1930,

período em que importantes transformações políticas, econômicas e culturais ocorreram

no Brasil. “A influência norte-americana era evidente, principalmente a dos autores

associados ao pragmatismo. Haverá também influência de autores europeus associados

à Escola Nova” (PACHECO, 2005, p. 8). Nas décadas de 1950 e 1960, foram

publicados os primeiros livros sobre currículo no Brasil, sobretudo os de João Roberto

Moreira e Marina Couto. Na década de 1970, foram publicados livros de cunho

tecnicista, com vários representantes. Em 1980, foram publicadas obras na perspectiva

dos estudos críticos com duas vertentes: uma em Paulo Freire, a outra em Saviani. Na

última década, o campo curricular brasileiro conheceu uma significativa produção,

sobretudo com publicação de Antonio Flávio Moreira, Tomaz Tadeu da Silva e Alfredo

Veiga Neto, entre outros.

Segundo Goodsom (1999, p. 67), um dos problemas constantes relacionados

à história do currículo é que se trata de um conceito multifacetado, constituído,

Page 440: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

440

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

renegociado com vários níveis e campos. Este aspecto evasivo do currículo tem,

inegavelmente, contribuído para o surgimento, não só de perspectivas teóricas, que se

estabelecem em forma de arco – segundo linhas psicológica, filosófica e sociológica –,

mas também de perspectivas mais técnicas ou científicas.

Diante dessa situação, o autor afirma que é necessário avançar com firmeza

e análise das linhas, sejam elas filosóficas, psicológicas ou sociológicas, devemos

adotar o conceito de currículo como construção social, primeiramente em nível da

própria prescrição, mas depois em nível de processo e prática. Para alguns

pesquisadores, o “currículo” é uma “práxis”, não um objeto estático, uma práxis

pedagógica que atinge sua concretude no fazer pedagógico completo. No ponto de vista

etimológico, o termo vem da palavra latim scurrere, correr, e refere-se ao curso, à

carreira, a um percurso que deve ser realizado.

A história do currículo é marcada por decisões básicas tomadas, por um

lado, com intuito de racionalizar de forma administrativa. Neste contexto, pesquisas

afirmam que o currículo deve se adequar às exigências econômicas, sociais e culturais

da época, por outro lado, ir à busca de uma perspectiva socialista.

No Brasil, o conteúdo de história foi inserido no currículo do Colégio Pedro

II, em 1838, com objetivo de criar uma identidade nacional homogênea em torno de um

Estado politicamente organizado. Os conteúdos selecionados para a História do Brasil

tinham como referência a produção historiográfica do Instituto de História e Geografia

do Brasil que abordava a história da nação. Astrogildo Fernandes Silva Júnior (2011)

afirma:

Os conteúdos passaram a ser elaborados para construir uma ideia de nação associada a de pátria, integradas como eixos indissolúveis.

Deveriam inculcar determinados valores para a preservação da ordem,

da obediência à hierarquia, de modo que o país pudesse chegar ao

progresso, modernizando-se consoante ao modelo dos países europeus (SILVA JÚNIOR, 2011, p. 295).

No final do século XIX, a influência da historiografia europeia, em relação à

brasileira, acentuou-se. Como ratifica a autora Maria Katia Abud (2011, p. 166): “A

Page 441: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

441

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

produção histórica brasileira herdou seus elementos constitutivos da historiografia

francesa e os adequou à necessidade de construção da identidade nacional brasileira”.

Neste contexto, o ideal nacionalista republicano brasileiro encontrava-se no

processo de formação dos estados-nações. Tais concepções eram influenciadas pelo

pensamento intelectual positivista. Como aponta Morn (2006, p. 123), “o positivismo

trouxe algumas consequências à disciplina, que pretendia basear-se em suas leis”.

O pensamento positivista almejava uma investigação científica objetiva que

buscava no passado a verdade histórica, afastando qualquer especulação filosófica nas

suas análises. Os historiadores positivistas tinham como objetivos acumular

determinados fatos políticos que podiam ser verificados e comprovados, por meio de

documentos escritos (oficiais) produzidos pelo Estado. Nesta perspectiva, buscavam

atingir tais objetivos por meio de técnicas rigorosas de seleção das fontes, críticas ao

documento e organização das tarefas na profissão.

A história dos grupos dominantes, política e economicamente, seria

necessariamente a mesma daqueles que eram por eles governados. Aliava-se ainda à concepção de história dominante a narrativa dos

feitos daquela classe, comprovados pelos documentos (únicas fontes

admitidas) que os mesmos protagonistas produziam (ABUD, 2011, p. 167).

O processo de abertura política ocorrido na década de 80 contribuiu para

que o ensino de História, mesmo estando ainda integrado ao conteúdo de Estudos

Sociais, resgatasse sua autonomia nos planos curriculares. Nesta perspectiva, ocorreram

debates em âmbito nacional, com relação à educação, em termos gerais e, de forma

especifica, do ensino de história.

É importante lembrar que naquele momento, final da década de 1990,

no Brasil, ao lado das contínuas discussões sobre a educação, como a

proposição pelo governo, dos Parâmetros Curriculares Nacionais, a

História e o ensino de História constituíam objeto de preocupações acadêmicas e também de muitos professores do ensino fundamental e

médio (SCHMIDT; GARCIA, 2006, p. 19).

Page 442: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

442

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A aproximação da História com a antropologia realizada no século XX foi

significativa, uma vez que contribuiu para que houvesse uma compreensão da própria

noção de história, cuja existência se deu a princípio, segundo a maioria das obras

didáticas, apenas após a invenção da escrita.

Os povos sem escrita, esquecidos ou anulados pela “história da civilização”, como é o caso das populações africanas e indígenas,

foram incorporados à historiografia, o que obrigou os historiadores a

recorrer a novos métodos de investigação histórica, introduzindo novas fontes de importância fundamental em suas pesquisas, como a

memória oral, a lendas e mitos, os objetos materiais, as construções,

entre outras. (BITTENCOURT, 2004, p. 149).

Nos primeiros anos do século XXI, o Brasil tem desenvolvido um imenso

debate sobre metodologia do ensino de História. Neste prisma, foram produzidas muitas

propostas de renovação das metodologias, temas e problemas de ensino, tendo como

referencial o processo de discussão e renovação curricular. Este processo ampliou a

revalorização da História e Geografia, como áreas específicas do conhecimento.

Partindo do movimento historiográfico e educacional, tornou-se possível compreender

uma nova configuração do ensino de História, uma vez que ocorreu a ampliação dos

objetos de estudos, contribuindo com o ensino aprendizagem.

Dimensões e pressupostos das novas produções são recorrentes, hoje

não só nos PCN’s para o ensino de História, nos temas transversais,

nos textos curriculares das escolas como também na prática cotidiana dos professores nos vários níveis de ensino. São vieses de renovação

que se destacam nas novas propostas de ensino em contraposição às

abordagens que têm como referência a história tradicional. (FONSECA, 2003, p. 244).

Diante dessa situação, é indispensável a participação do professor e do

aluno no ensino e aprendizagem. Os mesmos devem ir além do conteúdo proposto no

Page 443: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

443

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

livro didático e nos currículos prescritos nas diretrizes curriculares e nos projetos

pedagógicos. Conforme MONTEIRO (2011),

O ato de ensinar só se faz significativo quando o ato de aprender se

constitui. Dessa forma, a reflexão sobre os processos de ensino e

aprendizagem se faz necessária e fundamental para a construção da identidade profissional e da possibilidade de repensar sua própria

formação. Nesse sentido, a colaboração do aluno e a sua parceria são

fundamentais para o ensino de História e de qualquer disciplina. [...] A tarefa do professor só tem sentido se o aluno aprender. Na realidade,

os alunos devem tornar-se, de uma maneira ou de outra, os atores de

sua própria aprendizagem, pois ninguém pode aprender no lugar deles.

[...] Em primeiro lugar, o fundamental é levar o aluno a compreender e aprender determinado conteúdo ou conceito, os quais fazem parte da

História e são recontextualizados na cultura escolar, materializando as

correlações de força presentes no espaço de ensino – seja esse formal ou não. Dessa forma, os conteúdos eleitos na História ensinada

revelam uma faceta da História e, ao mesmo tempo, silenciam outras

tantas histórias. [...] A construção de um conhecimento que transpassa o espaço físico da escola e o espaço conceitual da História é o

combustível motriz da História ensinada (MONTEIRO, 2011, p. 116).

É de suma importância a dedicação do professor e que o mesmo se veja

como produtor(a) de história, de conhecimentos de ações que possam viabilizar um

ensino, onde a cultura afro-brasileira seja abordada no cotidiano escolar, contribuindo

para que haja uma revolução de mentalidades para a compreensão do respeito às

diferenças.

A questão do racismo deve ser apresentada à comunidade escolar de

forma que sejam permanentemente repensados os paradigmas, em especial os eurocêntricos, com que fomos educados. Não nascemos

racistas, mas nos tornamos racistas devido a um histórico processo de

negação de identidade de “coisificação” dos povos africanos. (TRINDADE; ROCHA, 2006, p. 56).

A luta de grupos antirracistas contribuiu para que a história e a cultura afro-

brasileira sejam repensadas de forma a valorizar a diversidade, comprometendo-se com

uma educação multirracial e interétnica. Ações coletivas são de suma importância para a

realização da temática. Contemplar o povo negro, neste propósito, contribui para que

haja uma mudança na realidade escolar atual, através de intervenções que venham

Page 444: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

444

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

respeitar a diversidade cultural. THOMPSON (1981) lança o olhar social sobre a

cultura:

Com experiência e cultura estamos num ponto de junção de outro tipo.

As pessoas não experimentam suas experiências apenas como ideias ou como instinto proletário. Elas também experimentam suas

experiências com sentimento e lidam com esses sentimentos na

cultura, como normas, obrigações familiares e de parentesco, e reciprocidades, como valores ou (através de formas mais elaboradas)

na arte ou nas convicções religiosas. Essa metade da cultura (e é uma

metade completa) pode ser descrita como consciência afetiva e moral

(THOMPSON, 1981, p. 189).

Inovações temáticas e teórico-metodológicas poderão ser implementadas no

cotidiano escolar de forma coletiva, gradativa e teoricamente fundamentada. Para tanto,

deve haver uma sensibilização dos docentes, quer para a utilidade das novas

tecnologias, quer para a facilidade da sua utilização, quer, ainda, para o potencial de

motivação que constituem para os alunos, “já que os sistemas multimídia, com as suas

formas novas e flexíveis de representar e de ligar a informação, podem ajudar os

professores a explorar práticas pedagógicas com as quais estão pouco familiarizados”

(PUTNAM; BORKO, 2000, p. 11 apud MAGALHÃES, 2006, p. 127).

Uma abordagem curricular que enfatize a lei nº 10.639/03 é fator primordial

para que se contemple uma pedagogia que respeite as diferenças, que trate a questão

racial como conteúdo inter e multidisciplinar durante todo o ano letivo, estabelecendo

um diálogo permanente entre o tema étnico-racial e os demais conteúdos trabalhados na

escola.

Fundamentar a política escolar direcionada à educação étnico-racial é todo

um processo que requer reflexão e análise do cotidiano escolar, de forma a tratar

pedagogicamente a diversidade racial, focando a contribuição africana para a formação

da sociedade brasileira, assim, desmistificando a visão eurocêntrica implantada na

sociedade por muito tempo.

Page 445: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

445

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O contexto da História e Cultura Afro-brasileira e Africana remete à história

e a identidade de um povo. A lei nº 10.639/2003 é mais uma forma de aprofundar a

temática, de modo a contribuir com a divulgação das relações étnico-raciais, no âmbito

escolar. A implementação da lei é um passo inicial para que haja uma reparação

humanitária do povo negro brasileiro, uma vez que abre um leque de possibilidades para

corrigir os danos materiais, físicos e psicológicos resultantes do racismo e de atitudes

variadas de discriminação.

A diversidade étnico-racial está relacionada ao resgate do sujeito, o que

revela que os sujeitos sociais, sendo históricos, são também culturais. Ela está presente

nas relações entre o homem, enquanto sujeito, e o mundo, na família, nos espaços de

lazer, na escola e demais instituições.

Pesquisas realizadas afirmam que a abordagem das questões étnico-raciais

na Educação Básica depende, demasiadamente, da formação inicial dos profissionais da

educação. Eles ainda precisam avançar para além dos discursos. Ou seja, se, por um

lado, as pesquisas acadêmicas em torno da questão racial e da educação são necessárias,

por outro lado, precisam chegar à escola e sala de aula, alterando, primordialmente, os

espaços de formação docente.

Sendo assim, é importante para a consciência de todos os brasileiros as

contribuições das raças que incidiram para a sua formação e do mundo, como resultante

de múltiplas memórias originárias da diversidade das experiências humanas, em

oposição ao entendimento, até então dominante, de uma memória que resgate,

sobretudo, a história dos negros no conjunto de lutas, anseios, frustrações e sonhos no

presente e no passado.

Com a presente produção, pretende-se, sobretudo, contribuir para a efetiva

implementação da temática História e Cultura Afro-brasileira e Africana no contexto

escolar e propiciar a valorização e difusão da temática. Ressaltando que o conhecimento

de cunho acadêmico e escolar, veiculado por meio de recursos didáticos a que os alunos

Page 446: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

446

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

e família têm acesso, possivelmente, resultará no combate à discriminação racial na

sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABUD, Katia Maria. A guardiã das tradições: a História e o seu código curricular.

Tempo, v. 11, n. 21, 2006.

ARAÚJO, Kelly Cristina. Áfricas no Brasil. Ilustrações, Cristina Battalho. São Paulo:

Scipione, 2003. – (série diálogo na sala de aula).

ARNAUT, Luiz; LOPES, Ana Mônica. História da África: uma introdução. 2 ed.

Belo Horizonte: Crisálida, 2008.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos.

3 ed. São Paulo: Cortez, 2009.

CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

1982.

DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos na rua Saint-Séverin.

In:__________. O grande massacre de gatos: e outros episódios da história cultural

francesa. São Paulo: Graal, 2011.

FONSECA, Selma Guimarães. Didática e prática do Ensino de História:

Experiências, reflexões e aprendizados. Campinas, SP: Papirus, 2003.

FERNANDES, José Ricardo Oriá. Ensino de História e Diversidade Cultural:

desafios e possibilidades. Cad. Cedes, Campinas, v. 25, n. 67, p. 378-388, set./dez.

2005.

GOODSOM, Ivor F. Currículo, teoria e história. Tradução de Attélio Brunetta.

Petrópolis, RJ, Vozes, 1995.

GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Nação e civilização nos trópicos: O Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro e projeto de uma História Nacional. Rio de

Janeiro: Estudos Históricos, 1988.

Page 447: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

447

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

MAGALHÃES, Olga. A escolha de recursos na aula de História. 126. Educar,

Especial. Curitiba: Editora UFPR, p. 113-130, 2006.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e

Diversidade. Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais.

Brasília: SECAD, 2006.

MONTEIRO, Ana Maria Ferreira da Costa. A História ensinada: algumas

configurações do saber escolar. História & Ensino, v. 9, p. 37-62, Out. 2003.

MONTEIRO, Ana Maria Ferreira da Costa. Ensino de História: argumentação e

construção de sentido na História ensinada. Práxis Educativa, v. 6, n. 1, 2011.

MORN, Geraldo Balduíno. O ensino de história e seu currículo: teoria e método.

Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

PACHECO, José Augusto. Escritos curriculares. São Paulo: Cortez, 2005.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora Schmidt; GARCIA, Tânia Maria Braga. Pesquisas em

Educação Histórica: algumas experiências. Educar em Revista, 2006.

SCHWARCZ, Lilia Mortiz; REIS, Leticia Yidor de Sousa. Negras imagens. São Paulo:

Edusp, 2000.

SILVA, Kalina Vanderlei. Dicionário de conceitos históricos. 2 ed., 1ª reimpressão.

São Paulo: Contexto, 2008.

SILVA JÚNIOR, Astrogildo Fernandes. A ciência da história e o ensino de história:

aproximações e distanciamentos. OPSIS, Catalão, v. 11, n. 1, p. 287-304, jan-jun

2011.

THOMPSON, Edward. A miséria da Teoria ou um planetário de erros – uma crítica

ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.

TRINDADE, Azoilde Loretto da; ROCHA, Rosa Margarida de Carvalho. In:

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e

Diversidade. Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais.

Brasília: SECAD, 2006.

Page 448: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

448

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A LINGUAGEM PLUSSIGNIFICATIVA DOS TEXTOS LITERÁRIOS E A

FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ESTRATÉGIAS PARA O ENSINO DE

HISTÓRIA NO ENSINO MÉDIO

Andreya Ingryd de Holanda Araujo Viana Demétrio.

1. JUSTIFICATIVA

Neste instrumento, proporemos algumas discussões sobre a relação entre

literatura, contexto histórico/sociedade e ensino/aprendizagem, a fim de que possamos

responder algumas das maneiras de que a Literatura pode ser utilizada como fonte para

o estudo das sociedades e consequentemente como as aulas de competências

curriculares afins (Linguagens e Ciências Humanas), nas séries iniciais do Ensino

Médio. Podem fazer do aluno, um sujeito de maior criticidade e fazê-lo perceber um

contexto de mundo mais engajado e articulado com os fatos que o circundam.

Segundo Facina (2004), Literatura é aquele campo das “Letras” que

conquistou certa autonomia e especialização no mundo contemporâneo, destacando-se

do que se costumava denominar “belas letras” e que incluiu, além da poesia e da

narrativa, a filosofia, a história, o ensaio político ou religioso. Passou-se a observar que

as obras literárias são frutos do tempo de seus autores/leitores, e, portanto, são

historicamente situadas - são produtos históricos - sendo produzidas numa sociedade

específica, por um indivíduo inserido nela por meio de múltiplos pertencimentos. A

Literatura figura num plano de "discurso privilegiado de acesso ao imaginário das

diferentes épocas".

Na “Poética” de Aristóteles, a Literatura é tratada como "o discurso sobre o

que poderia ter acontecido, ficando a História como a narrativa dos fatos verídicos".

Assim, como a Literatura é um produto cultural, partamos para o entendimento da

Historiografia Literária como reflexo sociológico de dado momento.

A Historiografia faz parte de um processo epistemológico e espelha a

Page 449: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

449

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

produção intelectual de um certo momento passado. Nela estão os

anseios de uma época, as verdades que a dinâmica social das ideias

desfigurará com o passar do tempo. Ela é um fragmento para

compreendermos – numa preocupação de totalidade – esse passado. Portanto, a historiografia, de produção intelectual, passa a ser

vestígios de um determinado acontecimento para quem a analise; o

conhecimento histórico observado a partir de uma perspectiva de historicidade em processo torna-se objeto de análise ou história-

processo no plano do vestígio escrito. (TORRES, 1996)

Entendemos, pois, que os textos literários estão embebidos de historicidade.

E, desassociar tais características no seu estudo está fadado ao fracasso.

É possível uma análise antropológica da criação literária? A Literatura é um

espelho da realidade? Como relacionar as obras literárias e seus autores com o contexto

histórico-social de sua época? Pode a Historiografia Literária passear por outras

disciplinas sem perder o foco de atributo das linguagens? A leitura crítico-literária é o

elo entre outras competências curriculares numa sala de aula do Ensino Médio? O que

apregoa os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e as Orientações Curriculares para

o Ensino Médio (OCEM) no quesito “Ensino de Literatura e Formação de Leitores

Literários” ?

Os PCNs foram elaborados pelo Mistério da Educação para que os sistemas

de ensino e particularmente aos professores tivessem elementos para elaboração e/ou

(re)elaboração dos currículos escolares. A cidadania dos alunos passou a ser o alvo do

projeto político pedagógico das escolas e os PCNs entram como eixo norteador para a a

construção e consolidação dessa proposta. Afinal, segundo Moita Lopes (2006) as

mudanças culturais, sociais, econômicas, políticas e tecnológicas que estão se

efetivando, tem gerado um foco bastante incisivo na temática das identidades. E, com

efeito, a escola não escapa dessas transformações e se vê obrigada a tomar decisões e

alterar suas estratégias e objetos de ensino para responder às necessidades da sociedade.

Nesse sentido, o processo de ensino-aprendizagem nas escolas brasileiras,

tanto nas atitudes pedagógicas dos professores, quanto na maneira de ensinar/olhar

determinados objetos de ensino sofreu forte engajamento e apelo do contexto da

comunidade escolar como num todo. No tocante a Literatura e consequentemente ao

Page 450: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

450

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

texto literário, não devem ser vistos como cópia da realidade nem como apenas um

exercício de linguagem. Deve ser compreendido como um texto construído e

constituído em práticas sócio-históricas e culturais. Portanto, voltamos a discussão da

Literatura como reflexo de um contexto histórico/sociedade.

Ler implica troca de sentido não só entre o escritor e o leitor, mas

também com a sociedade onde ambos estão localizados, pois os

sentidos são resultado de compartilhamentos de visões de mundo entre

os homens no tempo e no espaço (COSSON,2006)

Esse mesmo entendimento é revisitado pelas Orientações Curriculares do

Ensino Médio, 2006:

“Decorre, diferentemente dos outros, de um modo de construção que vai além das elaborações linguísticas usuais, porque de todos os

discursos é o menos pragmático, o que menos visa a aplicação prática.

Uma de suas marcas é sua condição limítrofe, que os outros denominam transgressão, que garante ao participante do jogo da

leitura literária o exercício da liberdade, e que pode levar a limites

extremos as possibilidades da língua. (…) Todos os domínios

discursivos, sem exceção, passaram a exigir e desenvolver habilidades complexas e competências sociais de seus leitores” (PAULINO,2005)

A criação literária é produto de um contexto, realidade esta que tem cunho

histórico, sociológico e mesmo filosófico, percebê-la como algo disforme da

materialidade humana é concedê-la o status da “belle epocque”, arte pela arte

parnasiana.

No entanto, a posição do alunado ante competências curriculares básicas

propostas para a formação do letramento literário, em algumas escolas da capital, ainda

é muito omissa, seja por não identificar o texto literário como fruto de uma concepção

contextualizada, seja por práticas pedagógicas ultrapassadas e desconexas que

distanciam o entendimento conjugado.

Necessitamos remodelar algumas práticas observadas nas salas de aula,

desde os primeiros contatos com o letramento até o Ensino Médio. Ainda, não

identificamos que seja um problema pertinente a dada classe acadêmica – escolas

públicas e privadas destoam em número e não em grau. Portanto, entendemos que o

Page 451: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

451

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

meio mais promissor para se conseguir resultados mais céleres e duradouros é a

formação do professor numa visão menos segmentada das Competências Curriculares.

Precisamos fazer que a comunidade acadêmica/escolar – discentes,

docentes e gestores - perceba que conceitos como Sociedade, Cultura e Contexto

Histórico estão estreitamente relacionados com entendimentos das Ciências Humanas e

da Linguagens.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

D’Onofrio (2000) conceitua a Literatura como “uma fonte de conhecimento

da realidade que se serve da ficção e tem como meio de expressão a linguagem

artisticamente elaborada”, nos leva a diferenciar a literatura da filosofia, das ciências e

das outras artes, evidenciando sua essência – o arranjo artístico do material linguístico –

e sua finalidade principal – um modo peculiar de compreensão da realidade. Com efeito,

um texto literário é um conjunto de elementos linguísticos artisticamente estruturado

que visa transmitir parcelas de significado da realidade. Ou seja, entender que o texto

literário é alheio ao contexto histórico-social é inviável.

Ainda sob a perspectiva de D‘Onofrio (2000), quando analisamos um texto

literário devemos considerar dois fatores: a estrutura artística do texto e a realidade

sociocultural em que ele foi produzido. Daí existir dois métodos fundamentais para seu

estudo: a abordagem interna/sincrônica/estrutural (a obra é analisada em seus elementos

constitutivos, como objeto de arte, independente do autor e da época) e a abordagem

extrínseca/diacrônica (texto literário é visto em seu contexto cultural, influenciado pela

natureza do gênero a que pertence e pelas condições históricas, relacionado com fatores

sociais e com a ideologia da época).

Essas duas modalidades metodológicas são complementares e, o

procedimento de análise e interpretação de uma obra literária deve passar por três etapas

de estudo: a) intratexto (verificação do arranjo estético); b) intertexto (a relação que a

obra estabelece com outros textos do mesmo autor, do mesmo gênero ou da mesma

época) e c) extratexto (os princípios ideológicos e os padrões ético-sociais do espaço e

Page 452: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

452

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

do tempo de produção da obra). Sobressaltamos que para o estudo do texto literário

cabe a ambientação histórica.

Pela abordagem extrínseca da literatura, vemos o texto em sua relação com

o tempo e espaço ao contrário da intrínseca que se vale dos elementos estruturantes do

texto, sua composição interna. Percebemos que não podemos analisar/estudar uma obra

sem o recurso do gênero e da época em que foi produzida. As obras adquirem várias

feições em conformidade com as mudanças da sociedade e explicar o como, o quando e

o porquê perfaz o caminho da historiografia.

Nosso trabalho pretende: "o estudo da biografia do autor, das condições

socioculturais que formaram sua personalidade, das escolas e dos movimentos literários

que lhe forneceram suas referências e do complexo ideológico em que viveu. Por aqui a

análise e a interpretação de um dado texto, procura especialmente verificar até que

ponto o autor é reflexo de sua época"(D`Onofrio, 2000). Ao definirmos os contornos

das Escolas Literárias percebemos que os textos se agrupam pelo sentido que dão a

determinado tema e geralmente esses sentidos são comungados entre si.

Análise Sociológica, Teoria dos Arquétipos, Teoria dos Movimentos e o

Método Comparativo são algumas modalidades desse enfoque histórico e externo da

obra artística apresentadas por Salvatore D‘Onofrio (2000).

A Análise Sociológica considera a literatura como reflexo de um povo nas

diversas fases pelas quais se estrutura. É

como produto e expressão da cultura e da civilização de um povo nas

diversas fases de seu desenvolvimento. A interação escritor-sociedade

é proveniente de fatores como: o escritor (é um ser socializado, que sente e vive problemas políticos, sociais, religiosos e éticos de seu

grupo), a língua (não é um fator individual, mas institucional, coletivo,

cuja função primordial não é artística, mas prática, de comunicação), a

mensagem (mesmo fruto de uma individualidade poética, o autor não foge da tradição cultural de que se serve), o leitor (o escritor tem o

intuito de atingir um público que vive os problemas de sua época,

mesmo que a obra possa ser usufruída também por leitores de outras épocas/realidades).

Page 453: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

453

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A arte é resultado da observação das várias relações que os grupos sociais

estabelecem entre si. Como D`Onofrio apresenta, esse entendimento foi defendido pelo

sociólogo francês Lucian Goldman no estruturalismo genético:

“a forma romanesca parece-nos ser a transposição para o plano

literário da vida cotidiana na sociedade individualista nascida da

produção para o mercado, Existe uma homologia rigorosa entre a forma literária do romance, tal como acabamos de definir, nas pegadas

de Lukács e de Girard, e a relação cotidiana dos homens com os bens

em geral e, por extensão, dos homens com os outros homens, numa sociedade produtora para o mercado”

O Prof. Antonio Candido também comunga desse entendimento chegando a

considerar que "o fator social não apenas como matéria de que se serviria o artista, mas

também e especialmente como determinante do valor estético” (1965). Ou seja, o fator

social deixa de ser algo apenas exterior para tornar-se verdadeiramente um elemento

constitutivo à obra literária.

Também na obra de D`Onofrio (2000) podemos visualizar "A Teoria dos

Arquétipos” que "trata de estudos apoiados em concepções gerais sobre cultura e

civilização dos povos, abordando fases e modos na história da literatura". Na obra citada

Anatomia da Crítica do estudioso norte-americano Northrop Frye;

(…) ele não considera a obra literária como uma produção artística

individual. Defende que o estudo/crítica é uma estrutura do

pensamento autônomo em relação à arte; que o que se aprende não é literatura, mas crítica da literatura; que não existe aprendizado direto

da literatura; que um poema é imitação de outros poemas, fruto de

convenções e gêneros e que, portanto, “para que haja crítica é necessário que a obra examinada seja relacionada com os dados de um

quadro conceptual formado por referência indutiva a uma perspectiva

de conjunto da literatura” (p. 31)

A Teoria dos Movimentos trata da divisão das obras da Literatura Ocidental,

produzidas desde Homero até atualidade em Idades ou Eras, estas subdivididas em

épocas ou períodos. Quem determina a periodização das Eras são os acontecimentos

históricos, ou seja, trata de um método didático cronológico em que nos faz perceber

tudo dentro de uma “linha temporal”: Era Antiga, Era Medieval e Era Moderna. E

muito didático também é a divisão da Literatura por esse prisma. Só reforçando que os

Page 454: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

454

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

acontecimentos históricos são determinantes na compreensão das Escolas Literárias; os

textos são envolvidos de contexto (algo extrínseco) e não somente de caracteres

literários (algo intrínseco).

São histórias da civilização de um povo, confirmando que o texto

literário é composto de um entrelaçamento de historicidade e de

originalidade. Portanto, o período literário é constituído por um

conjunto de obras, espacial e temporalmente delimitado, que se

caracteriza, no plano da expressão, por um sistema de normas e

referências estéticas e, no plano do conteúdo, por um complexo de

ideias indicadoras de uma ampla visão de mundo. Individualizar e

descrever uma época literária, portanto, implica conhecer seu sistema

de normas estéticas e seu código ideológico, passando por sua origem,

sua evolução e sua transformação. (D`Onofrio)

Percebemos, pois, que o processo de evolução da literatura acompanha as

transformações históricas.

Já o Método Comparativo estabelece que só se pode aprender comparando.

A figura da comparação é a base de qualquer conhecimento.

Sem a existência de um segundo termo de comparação não poderia

haver predicação. Todo saber consiste em estabelecer semelhanças e

diferenças e qualquer processo de análise, quer no campo das ciências quer das artes, opera em relacionar dois ou mais elementos. A obra

literária comunga desse caminho. Sem negar as diferenças estruturais

e semânticas que conferem o caráter de unicidade a uma obra literária e fazem com que a distingamos de outras obras da mesma época, do

mesmo gênero e do esmo autor, é possível e necessário que se

encontrem os elementos comuns que a insiram num contexto cultural. Não podemos estabelecer a diferença específica sem antes termos

captado a semelhança genérica. Ou seja, é mais proveitoso capturar as

consonâncias dos contextos que a obra literária pode nos ofertar do

que estuda-la isoladamente em seus aspectos internos.

Resolvemos por utilizar os entendimentos de D`Onofrio para iniciar nosso

trabalho.

Page 455: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

455

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

3. OBJETIVOS

3.1 GERAL

Propor estratégias pedagógicas que permitam alunos das séries iniciais do

Ensino Médio perceberem os textos literários como fontes históricas ricas e

pulverizadas que permitem aproximar os componentes curriculares de Língua

Portuguesa e História.

3.2 ESPECÍFICOS

- Descrever as impressões dos alunos ante textos literários e

históricos

- Apontar fatores que dificultam a aprendizagem contextualizada

das competências curriculares envolvidas

- Elaborar estratégias pedagógicas para o Ensino de História com o

uso de tecnologias e outras linguagens

- Analisar as práticas pedagógicas com as diferentes fontes

históricas e a real eficácia na consecução do processo ensino/aprendizagem

- Entender que o processo de ensino-aprendizagem é resultado de

esforço conjunto e não seccionado dos agentes e conteúdos;

4. METODOLOGIA

A ciência moderna tem usado uma combinação de métodos de pesquisa para

a compreensão e explicação das múltiplas práticas e ações humanas e sociais. São

entendimentos trabalhados por Descartes (através da razão é possível chegar-se à

certeza sobre um fato, segue em parte a lógica de Aristóteles. Método Dedutivo);

Bacon (o conhecimento é adquirido através da observação da realidade, chega-se a

conclusões mais gerais. Raciocínio Indutivo) e Galileu (a conjectura, preferencialmente,

nos remete a termos matemáticos. Método Empírico).

Page 456: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

456

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

A opção pelo método e técnica de pesquisas depende da natureza do

problema que preocupa o investigador, ou do objeto que se deseja

conhecer ou estudar. A utilização de técnicas qualitativas e

quantitativas depende, também, do domínio que o pesquisador tem no emprego destas técnicas. Inexiste superioridade entre ambas desde que

haja correção nas utilizações e adequações metodológicas (SANTOS;

2012).

Recaímos, portanto, no uso da dedução e indução; pesquisa quantitativa e

pesquisa qualitativa. E, qualquer um dos casos exige coleta e atualizações sistemáticas

de dados e acréscimos de novas ideias e teorias.

Adotaremos, contudo, a chamada pesquisa qualitativa ou interpretativa já

que nosso intuito é compreender os fenômenos/situações pela descrição e interpretação.

Pois é interessante que se dê voz às formações/experiências pessoais sem deixar de

perceber os atores e matérias a serem observados. Queremos reconhecer significados,

fatos/acontecimentos, atitudes e desejos de um contexto através de textos literários e por

se tratar de uma pesquisa mais flexível, podemos inferir os diversos eixos históricos

propostos nos PCNs.

Utilizaremos também a abordagem descritiva, pois desejamos propor

estratégias pedagógica. E, portanto, precisamos conhecer as estratégias já desenvolvidas

pela comunidade escolar.

Será do tipo estudo de caso de rotinas didáticas, pois pretende identificar

deficiências e propor correções no processo de ensino-aprendizagem em que

desconsidera o contexto histórico na formação do leitor literário, bem como narrar as

experiências/estratégias bem sucedidas.

Nos próximos dois anos (2016/2017), adotaremos como campo de

observação para nosso trabalho, as séries iniciais do Ensino Médio do Centro de Ensino

Benedito Leite – Escola Modelo, escola pública estadual.

Serão observadas as rotinas de professores e alunos, a fim de que possamos

analisar e relacionar as estratégias pedagógicas, o método de aprendizagem comum e

eficaz entre os discentes e as políticas educacionais de amparo nesse processo.

Os critérios de seleção dos agentes dar-se-á da seguinte maneira:

professores de Língua Portuguesa e História que integrem as séries iniciais; os alunos

Page 457: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

457

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

das referidas séries e os coordenadores e supervisores pedagógicos das áreas de

Linguagens e Humanas.

A coleta e análise de dados ocorrerá em etapas, a saber:

Etapa 1: Serão realizados: a) questionários e entrevistas abertas com os

agentes propostos para diagnóstico e definição de perfis; b) observação direta das

rotinas em sala de aula e de planejamentos pedagógicos para mapeamento das

estratégias falidas e das bem sucedidas no processo de estudo da historiografia e

literatura.

Nessa etapa os informantes serão codificados para garantir o anonimato. O

consentimento esclarecido será obtido verbalmente após explicação dos objetivos do

estudo e finalidade dos resultados.

Ao final, abordemos estratégias para melhorias no ensino-aprendizagem de

Literatura através do viés Histórico, dos alunos das séries iniciais do Ensino Médio, na

Escola Modelo de São Luis/MA – CE Benedito Leite, com o propósito de que o

docentes fortaleçam o planejamento partilhado das rotinas educacionais, além dos

incentivos científicos.

Etapa 2: Cabe aqui as produções partilhadas: a) realização de eventos de

formação continuada para professores com fazimento de uma comunicação científica; b)

elaboração de video aulas para formação de professores contendo estratégias de uso da

Teoria Literária e dos Encaminhamentos Históricos na leitura de textos literários; c)

redação de dissertação

REFERÊNCIAS

ARISTOTELES. Poética. SP: Edipro, 2015

BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria da Educação Média e Tecnológica.

PCN+: Ensino Médio – Orientações Educacionais Complementares aos

Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: Ministério da Educação, 2002.

CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. São Paulo: Nacional, 1965

COSSON, Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.

Page 458: II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ...€¦ · PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS MESTRADO PROFISSIONAL ISBN: 978-85-8227-136-0 didático

458

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS

MESTRADO PROFISSIONAL

ISBN: 978-85-8227-136-0

DEMO, Pedro. Introdução à metodologia da ciência. 2.ed., São Paulo: Atlas, 2008.

D’ONOFRIO, Salvatore. Metodologia do trabalho intelectual. 2.ed., São Paulo: Atlas,

2000.

FACINA, Adriana. Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos

históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed PUC-Rio, 2006

LISITA, Verbena Moreira S.de S. et al. Políticas educacionais, práticas escolares e

alternativas de inclusão escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 2003

MOITA LOPES, L. P. Por uma Ling ística Aplicada Indisciplinar. São Paulo:

Parábola Editorial, 2006

PAULINO, Graça e PINHEIRO, Marta Passos. Ler e Entender: entre a alfabetização e

o letramento. Revista Estudos., v.2.,n.2., Belo Horizonte: Uni-BH, 2004

PINHEIRO, Marta Passos. Letramento literário na escola: um estudo de práticas de

leitura literária na formação da “comunidade de leitores”. Belo Horizonte, 2006. Tese –

Faculdade de Educação da UFMG

SANTOS, Gildenir Carolino. Percurso científico: guia pr tico para elabora o da

normali a o científica e orienta o metodológica. Campinas: Arte Escrita, 2012.

TEIXEIRA, Elizabeth. As três metodologias: acadêmica, da ciência e da pesquisa.

5.ed. Petrópolis,RJ:Vozes, 2008

TORRES, L. H. (1996). O conceito de história e de historiografia. 8 ed, SC: Biblos,

1996