igualdade dissensual-cezar migliorin

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    Igualdade Dissensual:

    Democracia e biopoltica no documentrio contemporneo

    Cezar Migliorin

    Os pratos j se acumulavam sobre a mesa enquanto discutamos algum assunto

    poltico em pauta no momento, Hugo Chavez, Lula, Sarkozy, escolas, hospitais ou ainda

    os filmes do Frederick Wiseman, no me lembro mais. Acho que fui eu mesmo que em

    uma afirmao ingnua, comentei que todos eles, por algum motivo, se diziam

    democrticos , nem sei mais o porqu ou quem. De bate pronto, o Andr Brasil, que at

    ali permanecia mais calado, disse:

    - Tudo democracia!

    ramos umas 10 pessoas que diante de tal afirmao fizemos o silncio necessrio

    para todos pensarem em ir ao banheiro ou para casa. Uma artista marroquina que jantava

    conosco finalmente disse: Hoje, tudo democracia?

    O absurdo e a verdade, contidos naquela frase to precisa, me mobilizaram. Como

    assim tudo democracia? De maneira precisa e irnica aquela frase levava a tudo umadvida sobre a existncia da democracia. impossvel que tudo seja democracia,

    entretanto, nada se diz no-democrtico. A democracia assim aceita como princpio

    geral, valor universal, desejo coletivo, mas a afirmao de que tudo democracia, ao

    mesmo tempo em que reflete um estado das coisas, causa grande estranhamento.

    Facilmente poderamos apontar para um sem nmero de lugares e processos em

    que a democracia falta. Parecia-me claro que a frase comportava essas duas dimenses da

    democracia; presena e ausncia. Por um lado, o discurso da democracia o que funda a

    opinio, a homogeneidade que rechaa a diferena. Por outro lado, e esse o sentido que

    me interessa, a democracia um estar junto instvel, sem que a diferena possa ser

    apagada. Nela residem as potncias do mundo. Mas, a democracia como embate, tenso e

    dissenso, no simples, requer um risco, um excesso, uma luta, uma igualdade

    dissensual.

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    A pessoa para o que nasce (2003)

    O pessoal l da igreja disse: esse povo t fazendo isso pra pegar as fitas pra

    vender e ganhar dinheiro para eles ser que eles vo dar alguma coisa pra vocs?, diz

    Maroca, uma das trs cegas cantoras, personagens principais do filme A pessoa para o

    que nasce,de Roberto Berliner. Elas trazem para o filme a tenso que existe na imagem

    documental hoje. Por um lado, o filme movido pela diferena que se materializa

    naquelas trs mulheres, pela singularidade nos seus modos de vida e pela forma como

    elas do a ver um mundo que vai de Campina Grande, na Paraba, ao palco com Gilberto

    Gil. Berliner e sua equipe saem do Rio de Janeiro muitas vezes e entram em um mundo

    que no o deles, tendo essas trs senhoras como guias, como forma de acesso. Elas so

    o centro do filme e ao mesmo tempo o que mobiliza o deslocamento, geogrfico e

    subjetivo, do filme e do espectador. Por outro lado, o filme recheado por uma

    percepo, por parte delas, que pode ser resumida em algo como: nossos modos de vida

    tm valor, econmico e simblico. Econmico, claro, porque o filme vai ser vendido,

    como diz Maroca, e simblico porque estar perto delas, ouvir sobre suas vidas , em si,

    uma forma de transformao subjetiva de todos, dos realizadores e, talvez, dosespectadores.

    Em 1970, durante uma entrevista, Felix Guattari j explicitava a transformao da

    relao entre vida e capital que se tornaria a base para todo pensamento em torno do

    filsofo Antonio Negri e para a revitalizao da biopoltica como forma de resistncia

    paradoxal. As palavras de Guattari: a primeira fase da revoluo industrial consistia em

    transformar os indivduos em robs, em autmatos, com a fragmentao do gesto dotrabalho1. Agora, cada vez mais, no seio mesmo da evoluo das foras produtivas, est

    colocado o problema das singularidades, da imaginao, da inveno. Cada vez mais, o

    que ser demandado aos indivduos na produo que eles sejam eles mesmos.2

    1 Richard Sennet chama ateno para como, na Alemanha de Otto Bismarck, um modelo militar muito bemsucedido passava a ser empregado nas empresas tambm (A cultura do novo capitalismo, p. 26), iniciando-se ali esse deslocamento da lgica militar para a lgica empresarial.2 Si la premire phase da la revolution industriel a t celle qui consistait a transform les individues enrobot, en automate, avec la parcialization du geste de travail. Maitenant, de plus en plus, dans le sein mme

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    Diversas imagens contemporneas, muitas delas ligadas ao campo do

    documentrio, se encontram atravessadas por esse dilema. A noo de direto de imagem

    apenas parte desta percepo de que a imagem e a vida tm valor.3 Se boa parte do

    documentrio sempre encontrou sua potncia na forma como dava a ver o singular, como

    documentava formas de vida e estticas marginalizadas, seria ele afetado pelo capitalismo

    contemporneo que leva ao limite a singularizao dos desejos e formas de vida, se

    abstendo em disciplinar corpos e mentes para atuar nas possveis capturas da vida e dos

    modos de ser? esta ampla questo que atravessa esse artigo.

    Partilha do sensvel

    Os indivduos circulam por mundos em que lhes permitido e possvel sentir e

    dizer determinadas coisas, de determinadas maneiras. Essas possibilidades so coletivas;

    habitadas, construdas e deslocadas por indivduos singulares. Ao mesmo tempo, no so

    todos os indivduos que ocupam o mesmo lugar nesta ordem do que dado a sentir e

    dizer. Em um mesmo universo, as mesmas linhas que traam um comum definem lugares

    exclusivos. Estas divises so o que o Jacques Rancire chama de uma partilha do

    sensvel, um esquadrinhamento da circulao do que dado a dizer, a ouvir e sentir. Em

    de lvolution de forces productives est poss le probleme de la singularit, de limagination, delinvention. De plus en plus, ce que ser demand aux individues dans la production cest dtre euxmme. (Les Vendredi de la Philosophie. Emisso radiofnica. France Culture, Arquivo INA - 26/04/1970- livre traduo).3 Algumas observaes sobre essa noo a partir do artigo de Comolli de 1999, Au non de personne In:Voir et Pouvoir. A partir desse artigo podemos visualizar que o direito imagem implica uma percepo dovalor da imagem para alm da vida como valor. Essa percepo opera da seguinte forma. S possvelreivindicar um direito de imagem se aquele que est no filme se separa da imagem mesmo. Ou seja, odireito de imagem pressupe o desaparecimento do filme. Como se a imagem no fosse fruto de um

    agenciamento coletivo, de uma escritura com mltiplos atores, mas uma relao direta entre o aparato e oindivduo filmado, o que produzir uma imagem explorvel. Comolli parece neste artigo mobilizado porcasos em que aps o filme feito os personagens recorrem aos tribunais para pedir seus direitos; o casode Giscard dEstaing no filme 50,81% (1974) de Depardon, que tenta proibir a exibio do filme citadopor Comolli e, mais recentemente, o filme de Ser e Ter (tre et Avoir) (2002), de Nicolas Philibert.Comolli pensa esse pedido tambm como uma questo propriamente temporal. O desejo que move essaspessoas aos tribunais, indo at ao impedimento do filme, um desejo de voltar a um estado anterior aofilme, como se ao serem filmados eles perdessem algo. Nesse sentido, no mesmo artigo, Comolli noslembra que o direito imagem tambm o direito ao som, s prprias palavras. E essas so sempre mais oumenos o que se deseja que elas sejam. A reivindicao do direito imagem no est assim desligado de umdesejo de pureza identitria, de fechamento e concentrao sobre si.

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    uma partilha possvel apontar os que tm direito fala e quais as possibilidades do

    sensvel dentro dessa partilha. Ao mesmo tempo, no seu interior, aparecem os indivduos

    e grupos que operam deslocamentos no que possvel ver, dizer e sentir, ou seja, uma

    atividade rara, mas propriamente poltica.

    Para Rancire, toda atividade poltica um conflito para dizer o que palavra e o

    que grito, o que parte de um comum e o que pode ser apenas separado dele. Recortes

    que constituem a prpria dimenso esttica da poltica.

    [Um] recorte dos tempos e dos espaos, do visvel e do invisvel, da palavra e dogrito que define ao mesmo tempo o lugar e o que est em jogo na poltica como

    forma de experincia. A poltica ocupa-se do que se v e do que se pode dizersobre o que visto, de quem tem a competncia para dizer sobre o que visto, dequem tm competncia para ver e qualidade para dizer, das propriedades doespao e dos possveis do tempo4.

    Esta composio entre visibilidades e dizveis o que produz a poltica como

    cena para Rancire, tendo o teatro como modelo. O crtico e cineasta francs Jean-Louis

    Comolli, ao pensar as subjetivaes e o universo do documentrio, faz uso de uma

    metfora teatral tambm. Para Comolli, os indivduos esto constantemente passando de

    uma mise en scne a uma outra. Articulando vrias mise en scne ele constitui a sua

    prpria. Filmar o outro confrontar a minha mise en scne com a do outro, escreveu

    Comolli.5 Comolli expe assim uma percepo do documentrio como espao conflitual.

    Neste mesmo texto, Comolli se aproxima ainda mais dessa noo da poltica como

    constituio de uma cena. Para ele, o cinema que no est sob o risco do real, limpo e

    livre dos acidentes, faz-se com menos corpo e menos real, se protege da cena, o que

    implica seu prprio desaparecimento. Se a co-presena dos elementos que compe uma

    cena no necessria e, pelo contrrio, deve ser domada, a cena que se torna intil. Aretirada, nesse caso, da poltica mesmo.

    Esta percepo esttica da poltica transfere para a linguagem os princpios que

    organizam as noes de justia e democracia. No se trata de, partir de um ideal de

    4 RANCIRE, Jacques.A partilha do sensvel: Esttica e Poltica. So Paulo: Editora 34, 2005, p.145 COMOLLI, J. C. Voir e Pouvoir. Linnocence perdue: cinema, tlvison, fiction, documentaire. Paris,Verdier, 2004, 214.

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    direitos dos indivduos, sempre absoluto e facilmente alienvel da prtica, pensar a justia

    como o que garante uma igualdade entre eles, mas operar na imanncia de como o poder

    se exerce, na distribuio do que pode ser reivindicado por cada grupo e na possibilidade

    de uma determinada fala ou gesto poder operar um comum, deixando de ser rudo para

    circular sem fim definido, mas com a potncia de reconfigurar o espao, o tempo, a

    memria. Esta uma das dimenses polticas das imagens, uma vez que elas se

    apresentam como maneiras de fazer, dizer e sentir que tm a potncia de reconfigurar as

    formas de visibilidade e sensibilidade.

    Mas at que ponto possvel pensar o documentrio como um espaodemocrtico? Porque convocar essa noo para pensar os lugares do filme, do espectador

    e dos indivduos filmados? O problema no novo; toda discusso em torno da

    possibilidade do documentrio dar voz ao outro passa por esse problema da palavra, do

    poder e do compartilhamento de um espao fsico e simblico.

    A palavra e a distribuio dos lugares

    Se entendermos ento que uma partilha do sensvel esta distribuio de lugares

    em que a circulao da palavra e do sensvel encontra passagens e barreiras, trocas e

    surdez, ela no pode ser confundida com o direito fala. Ou seja, quando um indivduo

    ou um grupo tem direito fala, este direito no implica ainda a presena desta fala em um

    espao comum, no implica que ela opere necessariamente uma escuta. O jornalismo,

    tanto impresso como eletrnico, por exemplo, recheado por falas de excludos que no

    chegam a se concretizar como uma forma de reconfigurao de uma partilha. Pelo

    contrrio, as imagens de dor ou o choro dos pais que perderam o filho em umdeslizamento normalmente so as imagens e sons que reafirmam a separao, reafirmam

    a partilha vigente. Nesses casos, a imagem reafirma o no-pertencimento daquele que

    sofre ao universo daquele que produz a imagem ou ao mundo do espectador. O que sofre

    isolado pelo sentimento de injustia que rapidamente se converte em uma acusao: se

    o barraco caiu problema do estado, logo, no parte do meu mundo, posso ir para a

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    prxima imagem, para o prximo rudo. Nesses casos, a existncia de uma palavra ou de

    uma imagem do outro no reconfiguram a experincia sensvel.

    Assim, a poltica no necessariamente presente uma vez que o indivduo tem a

    fala. No por falar que o homem se torna um animal poltico. A palavra no garante o

    logos, uma inscrio simblica na cit. Esta distino reveladora da poltica como

    construo e escritura, ao mesmo tempo em que no nos permite resumir a poltica ou as

    imagens com que trabalhamos ao freqente discurso: tudo poltica. Dominique

    Noguez, por exemplo, ao tratar da dimenso poltica do cinema, se baseia em Aristteles

    para afirmar que todo filme poltico posto que o homem um animal poltico. At

    mesmo a recusa da poltica , ela mesma, direta ou indiretamente poltica6

    , escreveuNoguez. Se seguirmos com Rancire, o que normalmente se chama de poltica ele

    chamar de polcia: o conjunto dos processos nos quais se operam a agregao e os

    consentimentos das coletividades, a organizao dos poderes, a distribuio dos lugares e

    funes e os sistemas de legitimao7. A polcia se configura assim como a instncia

    enunciativa que se separa da tenso da qual a imagem surge. A polcia, para Rancire,

    no uma instituio, mas um princpio de partilha do sensvel que, entre outros recortes,

    delimita a elite; aqueles que falam e so ouvidos sem necessidade de legitimar o que

    dizem, ou seja, a legitimao a prpria forma com que ocupam o espao.

    No campo do documentrio, por exemplo, apolcia pode ser exercida pela voz off

    em forma de uma voz absoluta, que, como sabemos, teve forte presena no documentrio

    clssico, sobretudo quele ligado escola inglesa tendo John Grierson, nos anos 30,

    como lder do grupo e inventor do recurso. Onipresente e Onisciente, a voz off era

    propriamente a distribuidora dos lugares dos indivduos e grupos, organizadora da

    partilha. A presena da polcia hoje est distribuda de maneiras as mais diversas nas

    produes de imagens. Os reality shows configuram o exemplo mais bem acabado dessenovo estatuto dessa instncia organizadora exterior que funciona como polcia.

    Diferentemente da voz off, a polcia em um reality show no precisa nem habitar a

    imagem. As palavras das pessoas filmadas, esse participante/objeto, so sempre

    6 NOGUEZ, Dominique.Le cinma, autrement. Paris: Les ditions du Cerf, 1987, p. 517 Lensemble des processus par lequeles soprent lagrgation et le consentement des collectivits,lorganisation des pouvoirs, la distribuition des places et fonctions et les systmes de ceslgitimation. RANCIERE, Jacques.La Msentente : Politique et philosophie. Paris: Galile, 1995. p. 51

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    direcionadas a esses operadores do jogo em que o espectador transformado em juiz

    (Comolli).

    Podemos ento dizer que a poltica antes a possibilidade de reordenar o que est

    dado a sentir e dizer por sujeitos quaisquer, do que propriamente os discursos feitos pelos

    indivduos e grupos que operam estas reconfiguraes. A poltica assim pode ser pensada

    como o que acontece sem um fim predeterminado, anterior a um objetivo. Antes de ser

    uma informao, ou uma comunicao, ela uma operao de esquadrinhamento do

    espao e do tempo. Aproximamos-nos assim de Agamben, no sentido que entendemos

    que prprio poltica a inveno de meios que so o prprio fim; como Agamben

    explicita nesta passagem de seu artigo,Notas sobre a poltica: A poltica a exibio deuma mediao, o tornar visvel, um meio enquanto tal. No nem o quadro de um fim em

    si, nem de meios subordinados a um fim, mas uma medio pura e sem fim, como campo

    do agir e do pensamento humano.8

    Palavra e poltica, um movimento litigioso

    A palavra habita assim a cena poltica como produtora de um dissenso, trazendo

    para esta cena a possibilidade de irrupo de atores intempestivos, no roteirizados, que

    adentram a poltica sem serem chamados, em um esforo de linguagem que rompe a

    estabilidade dos conflitos pr-existentes. Nesse sentido, a poltica absolutamente

    distinta da denncia da injustia, lio cara ao documentrio que, frequentemente, ao se

    concentrar na denncia de uma injustia, abdica da prpria possibilidade de fazer poltica.

    No final do captulo Cinema, corpo e crebro, do livro AImagem-Tempo,

    Deleuze explora a clebre formulao de que o povo falta e que a poltica no se faz com

    um povo passado, mas com a fabulao de um povo por vir9 e acrescenta: precisoque o ato de fala se crie como uma lngua estrangeira em uma lngua dominante,

    precisamente para exprimir uma impossibilidade de viver sob a dominao10. A noo

    8 La politique est lexhibition dune mdialit, le rendre visible, un moyen en tant que tel. Ce nest ni lasphre dune fin en soi, ni des moyens subordonns une fin, mais une mdialit pure et sans fin commechamp de lagir et de la pense humaine. AGAMBEN, Giorgio. Moyens sans fins: Notes sur le politique.Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004, p. 1299 DELEUZE, G.A imagem-tempo, Cinema 2. S. Paulo: Brasiliense, 1990, p.26610 DELEUZE.A imagem-tempo, Cinema 2, p.266

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    de uma lngua estrangeira no desenvolvida aqui, mas encontra eco quando Deleuze,

    citando Proust, diz: As obras-primas so sempre escritas em uma espcie de lngua

    estrangeira11 e tambm no livro com Guattari sobre Kafka.

    O que primeiramente interessa nessa noo que quando Deleuze fala de uma

    lngua estrangeira, essa lngua uma diferena que racha a lngua dominante. No se trata

    assim de reivindicar um lugar - contra a dominao - no interior da lngua dominante. A

    reivindicao assim uma esttica que parte da igualdade. No h uma hierarquizao

    dessas lnguas nem uma tentativa de falar e de se fazer ouvir na lngua dominante, mas

    tornar a lngua dominante a opresso em si. A lngua como o que divide e determina os

    lugares. A lngua estrangeira aparece ento, por um lado, como o que desestabiliza aspartilhas da lngua dominante e, por outro, como o que funda novos lugares para os atores

    que atuam nessa nova lngua. ainda com a noo de fabulao nesse captulo que

    Deleuze se distncia de um embate dialtico entre duas falas. Pela fabulao h, por um

    lado, a desestabilizao da lngua dominante, que, em si, exclui e, por outro lado, ela

    torna o ato de fala um enunciado coletivo que impossibilita a manuteno da excluso

    daquele que fala.

    Possuir a sua lngua aparece assim como um gesto poltico, forma de produzir

    uma igualdade dissensual. Um gesto que no se desdobra no isolamento de uma

    comunidade de falantes de uma mesma lngua comum, mas que, ao fal-la, encontra

    meios para uma enunciao no subordinada e necessria. Enquanto a literatura

    dominante faz cada caso individual se conectar a outros casos individuais, em uma

    literatura menor, cada caso individual imediatamente ligado poltica12. Nas palavras

    de Deleuze e Guattari: No h sujeito, mas sujeitos coletivos de enunciao13. O carter

    poltico passa pela virtualidade dessa presena que desestabiliza a lngua dominante no

    mesmo gesto que forja meios de uma outra sensibilidade14, no momento em que seusenunciados se tornam coletivos. Deleuze parece estar assim prximo de Rancire na

    medida em que na esttica que a igualdade reivindicada como o princpio. Como

    11 In L'abcdaire de Gilles Deleuze, com Claire Parnet Dirigido e Produzido por Pierre AndreBoutang - Letra S.12 Chaque affaire individuelle est immdiatement branche sur la politique. DELEUZE, Gilles &GUATTARI, Flix. Kafka: pour une Littrature Mineure. Paris, d de Minuit, critique, 1975,p.3013 DELEUZE & GUATTARI. Kafka: pour une Littrature Mineure, p.3314 DELEUZE & GUATTARI. Kafka: pour une Littrature Mineure, p.32

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    escreveu Rancire: Quem parte da desigualdade e se prope a reduzi-la, hierarquiza as

    desigualdades, hierarquiza as prioridades, hierarquiza as inteligncias e reproduz

    indefinidamente.15

    Os plos da frmula esttica de Rancire so, como ele costuma explicitar, o

    consenso e a esquizofrenia16. Na esquizofrenia, aquele que diz que melhor nada dizer,

    posto que o outro no o entenderia, abre mo da poltica ao estabelecer uma relao

    hierrquica, como se as palavras no pudessem afetar e participar de uma mesma partilha.

    Enquanto no consenso, aquele que tudo compreende do discurso do outro impossibilita o

    que absolutamente necessrio composio de um campo democrtico, a tenso, os

    buracos e vazios, entre indivduos falantes e diferentes. O movimento litigioso da fala assim atravessado por uma esttica que mantm afalta de medida e o excesso do outro na

    medida de uma existncia comum.

    Tanto Rancire quanto Deleuze percebem essa presena da palavra como um

    movimento esttico que, em si, pode se configurar como uma forma de poltica, separada

    do discurso e dos embates propriamente discursivos que dela possam sair. O litgio de

    que fala Rancire, a fala como manifestao de uma separao, configura, antes do

    embate discursivo, uma tomada do espao expressivo e sensvel como dissenso poltico.

    Tal ocupao do espao parte do princpio da igualdade e, nesse ponto, no h

    ambigidade para Rancire: Existe a poltica por conta de uma s universal, a igualdade,

    a qual tem a figura especfica da injustia, do dano.17

    Mas, voltemos por hora a Deleuze, que, ao pensar um cinema poltico moderno,

    deixou claro essa articulao: entre a poltica e a esttica e entre a poltica e um devir. A

    primeira caracterstica parte da imagem-tempo como um todo. Rompem-se os vnculos

    sensrio-motores e a poltica no tem como ser pensada dentro da organicidade que

    compunha um futuro como desdobramento da ao. Esta noo de cinema poltico estava

    15 RANCIRE, Jacques.Aux Bords du politique. Paris : La Fabrique, 1998. p.9516 A noo de esquizofrenia utilizada por Rancire diferentemente daquela to trabalhada por Deleuze. Nocampo das imagens, a representao est em questo. O schizo, para Deleuze, uma presena que escapa,como ele coloca emEsquizofrenia e Sociedade (Deus Rgimes de fous, p. 27): como fazer para que o furo(perce/Breakthrough) no se transforme em desmoronamento (breakdown)?. Este lugar intermedirio seaproxima da noo de frase-imagem para Rancire. Enquanto que, para Rancire, o schizo seria mais umdesmoronamento da representao.17 Il y a de la politique en raison dune seule universel, lgalit, laquelle prend la figure spcifique dutort. RANCIRE.La Msentente, p. 64

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    ligada imagem-movimento em que, como escreveu Deleuze: Tudo se passa como se o

    cinema nos dissesse: comigo, com a imagem-movimento, vocs no podem escapar do

    choque que desperta o pensador em vocs18 e, ironicamente, Deleuze conclui: Todos

    sabem que, se uma arte impusesse necessariamente o choque ou a vibrao, o mundo

    teria mudado h muito tempo, e h muito tempo os homens pensariam19. A segunda

    caracterstica se desdobra da primeira. No s no h conexo e transformao ideal entre

    presente e futuro, quanto no h povo pr-determinado que o cinema possa levar a algum

    lugar. O povo falta. Esta ausncia do povo se configura como uma impossibilidade de

    represent-lo. Uma impossibilidade de uma instncia exterior matria flmica apontar

    para o povo e para o seu futuro. Conhecemos os acontecimentos na imagem que racham eintroduzem vazios nessa representao; o que acontece com o falso raccord(como corte

    irracional), a imagem desencadeada e atonal de Godard, a ruptura da unidade entre ator e

    personagem, a ruptura dos monlogos interiores como unidade (Pasolini), a constituio

    de sries, o off que tende a desaparecer, as fronteiras entre o pessoal e o coletivo se

    dissolvem etc. A imagem-tempo assim parte de um projeto de desidentificao do povo

    com ele mesmo. Fazer o povo faltar no apenas uma caracterstica do povo que no se

    representa mais nos nomes que lhe so atribudos, mas um projeto esttico e poltico,

    produtor de uma crise identitria no povo para que este possa constantemente se re-

    apresentar. A criao perptua da poltica e a inveno de um campo democrtico

    substituem, assim, o povo como um ator que prev o efeito de sua existncia, o efeito de

    suas palavras. O cinema poltico moderno, nesse sentido, seria a inveno do povo como

    parte poltica e falante em um campo democrtico em que o prprio povo no est imune

    conseqncia de seu movimento.

    Poltica e escndalo da democracia

    A cena poltica no assim um lugar de acordos que organizam relaes e

    poderes, mas de irrupo de seres falantes, de lnguas e entonaes em um universo que

    perde suas estruturas e seu carter policial de distribuio de lugares j dados, para se

    18 DELEUZE.A imagem-tempo, Cinema 2, p.19019 DELEUZE.A imagem-tempo, Cinema 2, p 190

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    haver com uma suspenso dos lugares que garantiam a desigualdade. A poltica no est

    dada priori, como parte da natureza humana. As partilhas que se vem estveis, onde

    no h mais o lugar de uma subjetividade excessiva, que perturbe a partilha, so

    justamente os lugares em que a poltica tende a desaparecer.

    Esta igualdade na possibilidade de ocupao dos espaos simblicos o

    escndalo da democracia, segundo Rancire. A democracia propriamente a desconexo

    entre ordem civil e ordem natural. Nenhuma ordem natural anterior democracia -

    governo dos mais velhos ou sbios, por exemplo - esse o escndalo da democracia, uma

    ausncia de legitimidade natural que autorize o exerccio do poder. A democracia no

    est dada nem em uma forma de estado nem em uma forma de sociedade, pelademocracia a luta infindvel e constante; poder de umpovo, de uma singularidade que

    no particularmente legitimado por um sistema de estado ou econmico; poder que

    excede, sem ter nenhuma qualidade tica ou social particular; poder que refuta uma

    representao adequada.

    Seria isso ento o que podem essas imagens e sons pertencentes ao documentrio

    e que partem da criao de um espao de interao, de um espao em que indivduos e

    objetos esto expostos s presses uns dos outros? Ou seja, quando nos aproximamos

    dessas obras, quais so os gestos e configuraes que tem a possibilidade de forjar essa

    dimenso poltica? At que ponto possvel pensar o documentrio como um espao

    democrtico, como espao que apreende e fomenta as mutaes do sensvel?

    Jardim Nova Bahia (1971)

    Voltemos ento aos filmes que nos levaram a colocar essa possibilidade de

    pensarmos o documentrio como ator nessa reconfigurao do sensvel a partir dainveno de um campo democrtico. Antes de retomar o filme de Roberto Berliner, A

    pessoa para o que nasce, volto ao filme que se tornou um caso clssico e que s

    recentemente tive a oportunidade de ver no cinema20. Trata-se deJardim Nova Bahia, de

    Aluysio Raulino, discutido por Bernardet em Cineastas e Imagens do Povo. Como

    20 Mostra de Curtas de Goinia: mostra de documentrios histricos organizada por Tet Mattos Goinia,09/2007.

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    sabemos, Raulino entrega a cmera para seu personagem, um gesto que, segundo

    Bernardet, provavelmente o ponto de tenso mxima a que chega a problemtica

    relao cineasta/outro de classe.21 Entretanto, o problema estava longe de ser resolvido.

    Nem a palavra estava dada ao personagem, nem a prtica se tornaria uma forma de

    compartilhar a linguagem entre realizadores e as pessoas presentes no filme. Bernardet

    escreve que mesmo quando ele filma, o poder de deciso, bem como a posse da

    mquina, permanecem nas mos do cineasta. E contra isso o cineasta nada pode fazer,

    pelo menos no que diz respeito a seu filme.22

    Em relao a esta avaliao de Bernardet, talvez duas observaes. A primeira diz

    respeito transformao das tecnologias utilizadas na poca e as dos documentrioscontemporneos pelo menos a maioria deles. O gesto de entregar a cmera continua no

    se constituindo como uma forma efetiva de se entregar apalavra ao outro ou de, com esta

    passagem, resolver uma crise sujeito-cineasta, como anuncia Bernardet. Entretanto, a

    intimidade e facilidade que um indivduo pode ter com uma cmera, mesmo sem ser

    cineasta, vm transformar de maneira definitiva a relao deste com a tcnica. O exemplo

    do filme de Paulo Sacramento, fotografado pelo prprio Aluysio Raulino, O prisioneiro

    da Grade de Ferro (2004), paradigmtico. Ao entregar a cmera para os presos, o

    filme, em diversos momentos da montagem final, utiliza as imagens feitas por Raulino e

    as feitas pelos presos de maneira indistinta. A passagem aqui no mais de um a outro,

    de autorizao para que a imagem fosse feita pelo outro. Estamos em um campo mais

    complexo de compartilhamento e perda da autoria. No h, nesse caso, nenhum tipo de

    aposta que esta entrega da cmera se configure como reveladora do sujeito que produz a

    imagem.

    O segundo ponto em relao ao filme de Raulino diz respeito forma como o

    compartilhamento da cmera no acompanhado do compartilhamento da palavra e daangstia em filmar, ou do prazer em fazer suas prprias imagens. Quando Raulino

    escreve, no final do filme, que algumas imagens foram feitas por Destrudes sem

    qualquer interferncia do realizador, essa passagem difcil de ser levada ao p da letra,

    mesmo como inteno de Raulino. Ela precisa ser nuanada antes de falarmos do fracasso

    21 BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e Imagens do Povo. So Paulo: Brasiliense, 1985. p.12822 BERNARDET. Cineastas e Imagens do Povo, 137.

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    da empreitada de Raulino. Primeiramente, somos informados disso no final do filme, o

    que faz com que tenhamos visto as imagens filmadas por Destrudes sem saber que ali se

    tratavam de suas imagens. Esse procedimento fragiliza a tentativa de conectarmos as

    imagens feitas por Destrudes sua afirmao enquanto sujeito para alm do filme. Em

    segundo lugar, a msica escolhida por Raulino, Strawberry Fields, dos Beatles,

    certamente impe a presena do autor a essas imagens, mas isso no feito sem a plena

    conscincia do realizador. Se h um compartilhamento nesse caso, ele se d justamente

    pela forma como Raulino explicita sua presena com as imagens que, depois viemos

    saber, so de Destrudes. No vale a pena entrarmos em uma seara mais interpretativa,

    mas vale lembrarmos a letra da msica de John Lennon e Paul McCartney escolhida porRaulino: Nada real e nada para aprender. Viver fcil de olhos fechados, confundindo

    tudo que voc v. Est se tornando difcil ser algum, mas tudo d certo, no me importa

    muito.23

    O problema colocado por Bernardet neste filme o que nos interessa. A presena

    da cmera, das palavras e regras como forma de se estabelecer ou no um campo de

    circulao discursivo que se configure como lugar em que novas partilhas do sensvel

    possam se dar. O documentrio se torna democrtico quando ele inventa formas para que

    um gesto ou um som intempestivo possa surgir, mas, mais do que isso, que essas palavras

    se tornem enunciados compartilhveis. Nesse sentido, a presena da msica de Raulino

    sobre aquelas imagens torna-se muito mais um gesto de compartilhamento do filme do

    que um fracasso, como escreveu Jean-Claude Bernardet. Pensadas retroativamente, aps

    sabermos que aquelas imagens foram feitas por Destrudes e, evidentemente, montadas

    por Raulino, podemos nos reportar negociao mesmo que as gerou; a passagem da

    cmera, as instrues, o desejo de Destrudes em filmar os amigos etc. A msica sobre as

    imagens de Destrudes, nico momento do filme em que essa msica aparece, se constituimenos como uma recuperao do material tosco feita pela inabilidade de Destrudes do

    que de pela vontade de Raulino em participar daquelas imagens. Mais do que um gesto

    23 Strawberry Fields (John Lennon/Paul McCartney): Let me take you down, 'cos I'm going to StrawberryFields/ Nothing is real, and nothing to get hang about/ Strawberry Fields forever/Living is easy with eyesclosed, misunderstanding all you see/ It's getting hard to be someone but it all works out, it doesn't matter

    much to me/Let me take you down, 'cos I'm going to Strawberry Fields/ Nothing is real, and nothing to gethungabout/ Strawberry Fields forever.

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    fracassado revelador de uma crise do espao documental, o filme de Raulino me parece

    tambm bem sucedido nesta breve seqncia em que Raulino e Destrudes inventam um

    olhar que escapa a ambos.

    O problema do compartilhamento apontado por Bernardet no se desdobra ainda

    na reivindicao, por parte do personagem, pelo seu lugar no produto material e

    simblico, como no filme de Berliner e outros.

    No rastro do camaleo (2007)

    Um outro exemplo, mais recente, o documentrio de Eric Laurence, No rastrodo camaleo. Por diversas vezes, ao longo de mais de 30 anos, os Irmos Aniceto, grupo

    de artistas/agricultores da Paraba, foram filmados24, como nos mostra o filme. Desde o

    incio do documentrio de Laurence so privilegiados momentos em que os irmos

    interpelam os realizadores sobre o fato de eles serem objetos de um produto comercial,

    que d dinheiro para o cineasta e no traz nada para eles. Os personagens expem com

    clareza a sensao de estarem sendo explorados no momento mesmo em que o filme se

    faz.

    Na segunda seqncia, por exemplo, em meio a risadas e descontrao, enquanto

    se espera o caf ficar pronto, um dos irmos, em um quadro que inclui o outro irmo, diz:

    Fazer um filme... ns no fazemos questo de fazer no. Ns temos feito muitos e o

    pessoal se aproveita muito de ns. Ficam ganhando dinheiro por a. A gente sabe de tudo;

    um filme muito dinheiro pra fazer. Isso a a gente entende, o que isso da. Depois

    dessa fala sem cortes, h um corte seco que conecta o texto para a continuao da

    negociao, no mais em torno da explorao, mas de datas, tipo de filme etc. O irmo

    que apenas ouviu essa primeira reivindicao intervm dizendo que o filme j esta sendofeito; assim mesmo ele diz entendendo que se trata de um registro documental.

    Mas sobre esse corte que conecta os dois textos que quero me deter um

    momento. Colocadas as imagens dos quatro filmes em que os irmos aparecem, seguidas

    de duas seqncias sobre ser filmado e sobre a forma como os filmes se aproveitam

    24Zabumba (1974) de Zelito Viana; Dona Cia do Barro Cru (1979) de Jefferson Albuquerque Jr.; Ocaldeiro de Santa cruz do Deserto (1986) de Rosemberg Cariri; Corisco e Dad (1986) de RosembergCariri.

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    deles, constri-se um comentrio do filmado sobre os filmes, sobre os cineastas e, por

    que no, sobre o cinema. Ao fazer esse corte que liga o texto da reivindicao ao outro

    mais simptico e ameno, o filme nos priva do acontecimento que efetivamente interessa.

    E agora? Este filme sobre o fato de estes msicos serem filmados e eles dizem que

    esto sendo explorados, e agora? Por enquanto o filme no fala, nem falar at o final,

    mas, alm disso, nos priva do tempo em que aquela fala poderia fazer efeito. O que se diz

    depois da reivindicao, como o outro reage, como o silncio quando se explicita o

    dano e a explorao - segundo o filmado -, tudo isso desaparece e a reivindicao vira

    mais um texto que se conecta com outro, mas no ecoa. Durante todo o filme o registro

    continua o mesmo. As regras entre documentarista e filmados no esto claras, pelomenos para os irmos Aniceto. Ou seja, o filme documenta um processo de negociao

    em que apenas uma das partes aparece, retirando da negociao o seu carter conflitual.

    Poderamos ento supor que, se por um lado o filme constri um espao em que a

    fala reivindicatria desses indivduos pode aparecer, se tornando o centro mesmo do

    documentrio, por outro, o prprio filme que no se v implicado. Em No rastro do

    camaleo, a reivindicao corre o risco de ser transformada em anedota, posto que ela

    no passa a habitar o mesmo dizvel dos realizadores: eu te deixo falar, mas no te

    escuto. Se o documentrio clssico e expositivo trabalha na formao de dois plos, o

    ligado ao saber e cincia que ensinava quele que ignorava, neste exemplo podemos

    perceber uma inverso de plos. O documentrio se torna passivo e o filme no se

    estabelece como um encontro de inteligncias que formam um comum.

    Mato Eles? (1982)

    Em Mato Eles?, de Srgio Bianchi, para voltarmos a um exemplo clssico antesde retomarmos o filme de Berliner, o dissenso ecoa e contamina o prprio filme. Em um

    certo momento do filme, um ndio, j de mais idade, pergunta ao realizador: E o senhor,

    quanto est ganhando para fazer esse filme? O realizador no momento no responde,

    mas logo depois, nos crditos, aparece em offdizendo algo como: Voc quer se dar bem

    em cima deles? Monta uma loja de produtos indgenas, fotografa ou faz um filme. A fala

    irnica de Bianchi reinsere a fala do ndio em um mesmo espao de tenso. No se trata

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    de dar razo ao ndio, mas de fazer aquelas palavras ecoarem, serem percebidas,

    impossibilitando que o filme continue a existir como se ele prprio no existisse.

    A escritura democrtica, aquela que se faz a partir do encontro mesmo com a

    palavra do ndio, no se d no momento da filmagem, mas no processo de montagem. A

    resposta de Bianchi no direta e imediata, mas parte de um trabalho. Trabalho

    propriamente poltico, temporalmente longo. A inveno do espao democrtico ali

    propriamente coletiva - entre Bianchi e o ndio - e estendida no tempo, parte da

    elaborao do cineasta com o outro.

    Mas no nos enganemos, a democracia no aparece como uma universal, um

    lugar de julgamento absoluto, de maneira alguma. Ela s pode ser vislumbrada naimanncia, nos raros momentos em que ela aparece. S nos discursos autoritrios a

    democracia encontra consenso e deixa de existir. Quando tudo democracia, nada o ,

    j havia entendido o nosso amigo naquele final de noite.

    Na passagem que ela opera nas formas de organizao dos lugares, dos que

    ganham direito de dizer e sentir em uma certa ordem, a democracia destes encontros com

    as imagens traz para a prpria imagem uma crena, coloca a imagem como parte de uma

    operao que a extrapola. Imagem nem consensual, que aceita o mundo tal qual ele se

    apresenta, nem niilista, que nega toda sua possibilidade de participar desse campo

    democrtico.

    O paradoxo da biopoltica

    Trazer essas noes de democracia para o universo dos documentrios um gesto

    arriscado. Entretanto, os problemas que a presena ou ausncia da democracia colocam

    esto diretamente ligados construo de uma cena em que uma relao entre indivduos,instituies, tecnologias e capturas das potncias vitais se d. A construo de um

    documentrio depende, intensamente, desta cena, depende da presena desses indivduos

    e das formas como cada um dos pontos e atores desta cena se relaciona com os outros

    pontos e atores, dos modos de sociabilidade, da presena da palavra e da escuta, das

    formas de associao e ruptura. A democracia pode assim indicar formas de privilegiar

    certos gestos em detrimento de outros, neste paradoxo prprio forma como a vida o

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    que alimenta e resiste aos poderes. Ou seja, as potncias subjetivas no cabem nas ordens

    institucionais e polticas - lembremos que a democracia no um sistema poltico, nem

    um regime de representao. Antes, o que perturba tenciona a representao e a poltica.

    O capitalismo se nutre da vida na medida em que se coloca como medida para o

    sem medida - as potncias mesmo dos indivduos. A democracia o que mantm o

    dissenso e a possibilidade de novos atores intempestivos adentrarem as brechas das

    partilhas que o capitalismo tende a organizar, restringindo o acesso ao que comum

    (saberes, artes, inteligncia, afetos) e interrompendo os processos subjetivos quando o

    excesso da prpria vida pode ser capitalizado. 25 Os irmos Aniceto sabem disso.

    A pessoa para o que nasce

    Voltemos ento ao nosso ponto de partida, o filmeA pessoa para o que nasce de

    Roberto Berliner.

    O filme comea com uma apresentao clssica das trs irms em que cada uma

    diz onde nasceu, nome e apelido. Logo depois as vemos na rua cantando. O plano comea

    no alto de um prdio e somos assim apresentados ao trabalho e ao que as singulariza: a

    msica e a cegueira. A terceira seqncia mostra imagens de arquivo de dois momentos.

    O primeiro, em que vemos as trs cantoras, ainda muito jovens, no ano de 1966 em

    Campina Grande, filmadas por Geraldo Sarno em preto e branco; depois, no filme As

    Cegas, de Maria Antonia Pereira, em uma seqncia em que elas continuam um histrico

    pessoal, relatando dificuldades, esmolas e a forma como existia uma explorao no

    interior mesmo da famlia: Trabalhava o feio pro bonito comer. A continuidade entre os

    dois tempos, do arquivo e de hoje, enfatizada pelo corte do passado para o presente da

    narrativa com a mesma msica sendo cantada pelas trs. To importante quanto o quedescobrimos sobre elas nessa poca o fato de elas j estarem sendo documentadas.

    25 Bernard Stiegler pensa em termos de uma dinmica social que funciona por elementos diacrnicos esincrnicos que esto constantemente em contato e tenso. Os elementos sincrnicos so como osconsensos e repeties sociais enquanto os diacrnicos so singularidades que alteram os consensos. Pois,para ele, essa operao de capitalizao tem o nome de particularizao do singular: Particularizar osingular no produzir o diacrnico, produzir uma subcategoria do sincrnico: aquilo que o marketingchama de segmento, eliminar a diacronicidade e a possibilidade de afirmao de uma singularidade.STIEGLER, Bernard, Reflexes (no) contemporneas. Chapec: Argos, 2007. P.39

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    Em uma segunda seqncia com imagens de arquivo, voltamos a 1991. As trs

    cantoras so filmadas e entrevistadas por Regina Cas para o Programa Legal, da Rede

    Globo. Na narrativa do filme esta seqncia serve para apresentar o ex-marido de

    Maroca, mas, com essa breve seqncia, descobrimos que no s existem imagens de

    arquivo das trs como elas foram filmadas pela Globo e estiveram em horrio nobre.

    com vinte minutos de filme que ouvimos pela primeira vez a voz de Berliner. O

    filme continua interessado pela narrativa da vida delas e Maroca conta o grande amor que

    teve.

    - Durante dois anos e oito meses ele no tocou em mim

    - No tocou?, pergunta Berliner, indignado e percebendo o choque entre o amore a falta de toque.

    - Pra bater em mim no!, responde Maroca.

    - Ah sim

    Se o realizador j se fazia bastante presente nas opes estticas, nesse momento

    ele fez questo de entender com clareza o que elas desejam dizer. Maroca abandona sua

    narrativa pessoal para falar do lugar dela, de mulher, de adulta.

    - Ele t pensando que est conversando com criana!, diz ela, depois de saber

    que passou pela cabea de Berliner que durante 2 anos e oito meses de relao ela e o

    marido poderiam no ter se tocado eroticamente.

    A indignao de Berliner desvia o filme de um olhar sobre elas para trazer a

    negociao entre eles. A fala de Maroca abre um espao para ela e para as irms no filme.

    Um campo em que a palavra dela se torna propriamente uma forma de afetar o filme e

    afetar o modo como a narrativa se desdobrar. Graas espontaneidade e ingenuidade de

    Berliner, a personagem se coloca ali de igual para igual, compartilhando o mesmo

    universo do realizador, o mesmo lugar de fala em que o sexo e o desejo no estoexcludos.

    A presena do filme, da mdia, a conscincia de estarem sendo filmadas e de

    estarem participando de uma mise en scne constante. A comida no sempre assim

    no, pro filme, dizem na hora do almoo. Mas com um anncio no rdio que o filme

    obrigado a incorporar a sua prpria presena de maneira definitiva, no s no discurso

    como na sua prpria esttica. Cega est sendo estrela de cinema diz o radialista.

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    Estrela de cinema tem muito valor, n? E eu pensei que eu no tinha esse valor,

    diz Maroca, em uma seqncia em que leva a cmera mo, filmando o prprio rosto. O

    interesse a partir desse momento se desloca delas para o filme e essa passagem da cmera

    muito mais metafrica do que enunciativa. O filme e seu prprio efeito passam ao

    primeiro plano:

    - Roberto, quem deu essa idia de voc fazer um filme? Foi voc mesmo oufoi o pessoal l do Rio?, perguntam elas.

    - Porque voc est perguntado isso?, retruca o realizador.- Porque eu j vi muita agente dizer isso: Esse povo t fazendo isso pra pegar

    as fitas pra vender e ganhar dinheiro para elesser que eles vo dar algumacoisa pra vocs? Eu disse: eu no estou trabalhando pra eles. Se eles quiserem

    dar, a boa vontade deles. S que eu no estou trabalhando com eles no

    por interesse, pra ficar conhecida.

    A resposta do filme certeira. Corte para um movimento de cmera que nos leva

    at um contra-plongdas trs irms no alto de um morro, com o cu denso ao fundo em

    uma msica triunfal, fade-out e uma cartela: dois anos depois. Diante do outro, da

    presena das trs irms com suas palavras sendo ouvidas pelo filme, no houve filme

    possvel que no fosse, tambm, sobre ele prprio.

    Biopoltica e Democracia

    Ainda no incio dos anos 70 Foucault escreve: O controle da sociedade sobre os

    indivduos no se efetua somente pela conscincia ou pela ideologia, mas tambm no

    corpo e com o corpo. Para a sociedade capitalista a biopoltica que interessa, antes de

    tudo, a biologia, o somtico, o corporal.

    26

    Estas aproximaes entre o capital, o poder ea vida permitiro Foucault apresentar o poder no mais centrado em uma ordem negativa

    e destrutiva, voc no pode isso ou aquilo, para ganhar uma dimenso produtiva, que

    ir interessar aos pesquisadores que retomam a noo de biopoltica hoje. O poder no o

    que impede (somente) de fazer, mas o que estimula a fazer e, sobretudo, a ser.

    26 Le contrle de la socit sur les individus ne seffectue pas seulement par la conscience ou parlidologie, mais aussi dans le corps et avec le corps. Pour la socit capitaliste cest le biopolitique quiimportait avant tout, la biologie, le somatique, le corporel . FOUCAULT. Michel, Dits et crits II, 1976-1988 : Paris, Quatro Gallimard, 2001, p.210

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    diferena da era disciplinar, as produes subjetivas no so sobras, mas a essncia

    mesmo do que nutre o capitalismo contemporneo e na qual repousa todo seu esforo de

    captura. Neste esforo, so as individuaes que transitam constantemente entre a

    fragmentao utilitria e a singularidade incapturvel. Estas duas dimenses da

    biopoltica convivem na mesma prtica.

    Por um lado, h a necessidade da constante adaptabilidade das vidas para as novas

    tarefas e novos consumos, e, por outro, no o molde que possibilitar que a criao

    subjetiva exista e seja logo capturada pelo poder. A biopoltica acompanha assim o

    nascimento de uma poltica e de uma forma de controle e poder que modular. Ou seja, a

    biopoltica a forma de Foucault expressar uma nova relao entre os indivduos e suasexistncias na polis, em que est em jogo a possibilidade do poder capturar algo

    potncias, saberes, afetos, estticas - que no provm dele. O biopoder atua controlando

    os lugares de uma partilha do sensvel sem estabelecer quais lugares esto disponveis

    nem que sentidos so dados a existir antes da inveno mesmo desses lugares e afetos,

    que partem das vidas e dos corpos que inventam uma comunidade. Algo muito distinto

    do panptico ou da linha de montagem, claro, em que a cena era armada pelo poder e

    habitada pelos corpos. Em um ambiente ps-disciplinar, a partir da liberdade da cena

    que o poder opera. Nesse sentido, o biopoder o corte que imobiliza uma potncia, mas

    depende dela. Ou seja, se a vida o objeto do poder em forma de um biopoder,

    justamente ao inserir a poltica nesta relao entre potncia e captura que a vida pode se

    tornar inseparvel do dissenso que constitui a prpria poltica. Biopoltica assim o nome

    que podemos dar ao limite e ao excesso que a vida impe s formas de captura que o

    capital forja das potncias vitais.

    Mas entendo que a biopoltica no uma forma autmata do contemporneo, ou

    seja, no exclui a resistncia como forma de se relacionar com o biopoder - e estaresistncia propriamente uma ao democrtica. Se o paradoxo da resistncia

    explicito em relao maneira de o capitalismo operar, capturando os mesmo processos

    de individuao que inventam formas singulares de ser, a democracia e,

    consequentemente a poltica, precisa ser estancada pelo capitalismo no momento em que

    se cristalizam as identidades. Se podemos falar em resistncia , justamente, de uma

    resistncia da democracia, contra apolcia, imanente e no-dialtica. O poder se ocupa da

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    vida e a vida em si poder, diria Negri, mas no basta viver, eu acrescentaria. 27 Nesta

    relao no-dicotmica entre o poder e a resistncia se encontram os processos de

    individuao que operam em micro-enfrentamentos, sem comeo nem fim,

    necessariamente coletivos e atravessados por uma escritura, como temos visto nos filmes

    que analisamos. O paradoxo deve ento ser mantido. A comunicao e as trocas entre

    documentrio e vida residem nas formas de contaminao entre um e outro e nas

    maneiras em que se efetuam esgaramentos do tecido social.28

    A ltima seqncia deA pessoa para o que nasce marca um ponto decisivo de

    inflexo na tradio documental. Em uma espetacular praia nordestina, na Parabaprovavelmente, as trs irms se despem e tomam um banho de mar completamente nuas.

    Esta seqncia difcil pode ser facilmente pensada como uma forma de

    espetacularizao, de super-exposio, como se de alguma forma o filme aqui se

    avizinhasse das formas mais corriqueiras que entrelaam o espetculo vigilncia, com

    um agravante no desprezvel: trata-se de mulheres cegas. Esta proximidade com as

    formas mais reles de exposio e funcionalizao dos corpos colocam o filme de Berliner

    em um limite do documentrio que se explicita na maneira como o realizador fora o

    limite do humanismo, do olhar distanciado, da vitimizao. Todas essas prticas

    contemporneas que excluem a poltica encontram nesta ltima seqncia um forte

    oponente. Desfuncionalizado, o corpo aparece como tal, no serve ao voyeur nem ao

    mercado, no erotizado para ser consumido, nem o corpo da vtima

    descontextualizada, apenas corpo; no se trata do corpo forte, ativo, vigoroso e fundado

    na ao, mas do corpo marcado, inscrio do vivido, o corpo como comunicao de um

    comunicvel, nas palavras de Agamben sobre o gesto.

    Neste filme, o olhar do realizador transita entre o singular - o que elesmesmos, como falou Guattari em 1970 - e um outro estar junto, afetado pela

    singularidade. Em um mesmo gesto se demarca a singularidade e se joga ela em uma

    hiperpresena do entorno - o filme, o Rio de Janeiro, a cmera, a mdia etc. Refaz-se um

    27 Esta brevssima observao visa apenas marcar que a poltica no se faz apenas com a expressosubjetiva, como a afirmao de modos de vida, como a leitura de Negri e Hardt em Imprio pode dar aentender.28 Esta expresso de Suely Rolnik.

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    campo em que o singular no estanca em um campo identitrio. Ou seja, a singularidade

    s potente se opera em um campo democrtico, se afeta e afetada. Estamos no cerne

    da biopoltica contempornea, em que os processos de modulao dos corpos e das

    subjetividades so habitados por foras que esto constantemente aumentando e

    diminuindo as potncias de transformao e inveno desse processo. Essas potncias da

    prpria vida e de seus modos de ser interessam ao capitalismo, claro. O papel da

    democracia, tambm ela interessada nessas potncias, manter a instabilidade do

    processo. Por um lado, o capitalismo diz: seja voc e singularmente voc. Mas essa

    singularidade s existe se ela for um problema poltico, se ela for um operador do

    sensvel. Assim, a democracia a forma de manter a potncia do singular comoparticipante das tenses polticas.

    Enfim

    S uma instncia que se quer exterior aos embates dissensuais pode dizer que

    tudo democracia. A ironia do nosso amigo nos deixou claro que, pela democracia, h

    uma luta constante, j que de outra maneira acreditaramos que tudo democracia e

    calados permaneceramos, sem palavras, sem imagens. Aproximar o que potencializa o

    capitalismo - a vida - da poltica - forma de ocupar apolis - o que pode a democracia,

    tarefa do documentrio.

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