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PREENCHENDO O “VAZIO DE PODER” NO ATLÂNTICO SUL: A
CONTRIBUIÇÃO DA COOPERAÇÃO BRASIL-NAMÍBIA
Autor: Igor Moreira Moraes1
Resumo: Analisa o Atlântico Sul como zona de relativo “vazio de poder”, causado pela menor presença das potências mundiais na região, em comparação a Oceanos como o Atlântico Norte, o Índico e o Pacífico. Explica a iniciativa da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico - ZOPACAS como uma busca dos países da região em preencher o “vazio de poder” e afastar a ingerência de potências extrarregionais. Expõe a cooperação entre o Brasil e a Namíbia como símbolo de que o Brasil pode promover uma sólida cooperação na região, utilizando a tecnologia disponível e o seu “poder brando”. Conclui que o aprofundamento da cooperação entre o Brasil e os países da ZOPACAS será essencial para a manutenção do projeto de uma área livre de conflitos
Palavras-chave: Geopolítica; Atlântico Sul; ZOPACAS
Abstract: Analyzes the South Atlantic as a zone in which there is a certain "power vacuum" caused by the reduced presence of world powers in the region, in contrast to their presence in the North Atlantic Ocean, the Indian Ocean and the Pacific Ocean. Explains the initiative of the South Atlantic Peace and Cooperation Zone - ZOPACAS as a initiative from the countries of the region to fill the "power vacuum" and remove the interference of extra-regional powers. Exposes the cooperation between Brazil and Namibia as a signal that Brazil can promote a solid cooperation in the region, by using its available technology and its "soft power". Concludes that the deepening of cooperation between Brazil and the ZOPACAS countries will be essential for maintaining the South Atlantic free of conflicts.
Keywords: Geopolitics; South Atlantic ; ZOPACAS
INTRODUÇÃO
Atualmente, há um relativo “vazio de poder” no Atlântico Sul (PENHA, p. 217),
situação que não deverá perdurar por muito tempo, haja vista as articulações de diversos
atores internacionais para preenchê-lo, atores esses tanto regionais como extrarregionais.2
Cabe ressaltar que, apesar de o Atlântico Sul sofrer uma menor influência das potências
mundiais, em comparação com oceanos como o Atlântico Norte, o Pacífico e o Índico, a
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Advogado, formado pela Universidade Federal do Ceará e pesquisador na área de Direito
Internacional e Relações Internacionais. Membro da Comissão de Direito Internacional da OAB-CE e
vice-presidente do Instituto Politizar. E-mail: [email protected]
influência estrangeira não é insignificante, como atestam as possessões inglesas de Ascensão,
Santa Helena e a controversa posse das Ilhas Malvinas.
É nesse sentido que a cooperação entre os países banhados pelo Atlântico Sul faz-
se necessária e a constituição da Zona de Cooperação e Paz do Atlântico Sul – ZOPACAS, em
1986, por resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas é simbólica na consolidação da
cooperação no Atlântico Sul.
A colaboração entre os países da região viabilizou-se em maior escala após a
estabilização política e econômica da maioria dos países da região, a partir de fins da década
de 90 e começo do século XXI, apesar de as iniciativas ainda não terem a força necessária
para serem satisfatoriamente bem sucedidas, o que exige esforços adicionais de países
estratégicos na região, como Brasil, Argentina, África do Sul e Nigéria.
O Brasil é o país mais rico da região e tem importância estratégica singular.
Destaca-se na política externa brasileira atual a crescente cooperação com os países da África,
o que pode contribuir de forma mais ousada para o projeto da ZOPACAS. Opta-se nesse
trabalho por analisar a cooperação com a Namíbia como exemplo de tratamento adequado da
questão da busca pelo preenchimento do “vazio de poder” no Atlântico Sul pelos países da
própria região. O modelo brasileiro apresenta como princípio o desenvolvimento de
capacidades próprias para resolver os problemas da região, reais ou potenciais, como a
influência de potências extrarregionais, as disputas por recursos naturais, o narcotráfico e a
pirataria.
1. O “VAZIO DE PODER” DO ATLÂNTICO SUL E A ZOPACAS
COMO ESFORÇO DE CONCERTAÇÃO REGIONAL
O atual “vazio de poder” do Atlântico Sul explica-se pela análise histórica. A
região, que, desde as Grandes Navegações até o período da Pax Britannica destacava-se
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Para os fins deste artigo, analisa-se o preenchimento do “vazio de poder” sob uma ótica realista, ou
seja, dá-se proeminência para a atuação dos Estados na região. A Análise preferida nesse artigo
coaduna-se, mais especificamente, com o “realismo ofensivo”, defendido pelo teórico John
Mearsheimer.
dentre as rotas marítimas mundiais, especialmente por meio da rota Europa-Ásia, teve grande
diminuição de importância geoestratégica com a abertura do Canal de Suez (1867) e do Canal
do Panamá (1914).
Com a Guerra Fria, a região passou a ser regida pela lógica da bipolaridade e a
perspectiva de cooperação entre os países dos dois lados do oceano era prejudicada pelo
conflito ideológico, apesar de já haver considerável reação dos países do chamado terceiro
mundo ao estado das coisas, principalmente a partir da década de 1960.
Em 1986, pouco antes do fim da Guerra Fria, os países costeiros do Atlântico Sul
condenaram a transferência dos conflitos entre os EUA e a União Soviética para a região e
criaram a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul – ZOPACAS, por meio da resolução
41/11, da Assembleia Geral das Nações Unidas.
A iniciativa, que tem como eixos principais temas como desarmamento e não
proliferação e a cooperação entre os países da região, destaca-se, dentre outros motivos, por
tornar o Atlântico Sul uma área livre de armas nucleares, o que é fortalecido pelos Tratados
regionais de Tlatelolco e Pelindaba.
Com o fim da Guerra Fria, a ZOPACAS entrou em crise, devido à extinção da
situação de bipolaridade que justificou a sua criação. Com a maior estabilização política e
econômica dos países membros da iniciativa, que ocorreu em fins do século 90 e início do
século XXI, a iniciativa da ZOPACAS foi gradualmente sendo recuperada, a partir da adoção
do Plano de Ação de Luanda, em 2007.
Atualmente, os países da ZOPACAS buscam promover a cooperação em áreas
muito diversas, o que, apesar de louvável, tem sido causa de inúmeras divergências entre os
países. A variedade de agendas vai de encontro às diferentes aspirações nacionais, o que
resulta em uma cooperação ainda descoordenada.
O Atlântico Sul tem passado por mudanças cruciais na acomodação dos poderes
na região, influenciada por fatores como a reativação da quarta frota dos EUA, em 2008 e as
recentes mudanças na agenda da Organização do Atlantico Norte - OTAN, a qual desenvolveu
novo conceito estratégico na Cúpula de Lisboa, em 2010, o qual pode legitimar alguma
intervenção na região, ainda que a hipótese seja remota.3
Para o Brasil, a descoberta das reservas do pré-sal, a proteção da “Amazônia
Azul” e a construção de seu primeiro submarino nuclear deverão fortalecer a presença do país
no jogo de forças regional. O país, porém, deve simultaneamente construir medidas de
confiança com seus vizinhos sul-americanos e do além-mar atlântico, para que não se instaure
um dilema de segurança4 na região e o projeto de desmilitarização da ZOPACAS seja afetado.
Por esse motivo, a cooperação bilateral do Brasil com os países da ZOPACAS
deve ter a mesma ênfase que a atuação multilateral no fórum, ou mesmo maior. A cooperação
com a Namíbia, nesse sentido, é um exemplo de como o Brasil pode promover um modelo
colaborativo eficiente, a fim de consolidar os esforços empreendidos na ZOPACAS, instância
onde os resultados têm sido ainda tímidos.
2. A COOPERAÇÃO BRASIL-NAMÍBIA
As relações recentes entre o Brasil e a Namíbia remontam ao ano de 1976,
quando uma delegação do Conselho da Namíbia visitou o Brasil. Na ocasião, o Brasil
reconheceu a Organização do Povo do Sudoeste Africano como legítima representante da
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O Reino Unido, o qual é membro da OTAN, utiliza, conjuntamente com os EUA, uma base aérea na
Ilha da Ascensão, situada no meio do Atlântico Sul. A base foi utilizada em 1982 para atacar os
argentinos durante a Guerra das Malvinas, conflito cuja resolução é de suma importância para a
estabilização das tensões no Atlântico Sul.
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O Dilema de segurança é a proposição de que um país, ao se considerar ameaçado e querer
aumentar sua segurança comprando armas, por exemplo, tornará os países que o circundam menos
seguros, pois eles passam a ver o país que comprou armas como uma ameaça. Tal constatação fará
com que os países que se sentem ameaçados também comprem armas, gerando custos crescentes
para ambas as partes. (JERVIS, 1978)
Namíbia, em uma época na qual o país sofria constante ingerência da África do Sul em sua
luta pela independência (BARRETO FILHO, 2008, p. 288).
Com a proclamação da independência namibiana, em 1990, a cooperação técnica
com Brasil tornou-se possível e, atualmente, abrange diversas áreas, como agricultura, saúde,
esporte e educação. A cooperação em matéria de defesa, no entanto, e, especialmente, a
cooperação naval, destaca-se dentre as outras áreas de cooperação, pela relevância e
importância estratégica, tanto para a relação bilateral entre os países, quanto para a atuação
multilateral destes, no âmbito da ZOPACAS.
A cooperação naval entre o Brasil e a Namíbia abrange diversas frentes: formação
de pessoal, levantamento da plataforma continental, venda de equipamentos, dentre diversas
outras atividades. O Brasil, dessa forma, praticamente estruturou toda a Marinha da Namíbia.
Pela intensa cooperação promovida pelo Brasil, percebe-se que há um grande
“poder brando”5 brasileiro na Namíbia, manifestado até mesmo no interesse pelo aprendizado
da língua portuguesa por vários marinheiros e oficiais namibianos. Tal fenômeno tem relação
com o fato de o país ter tido ao longo de sua história laços com Angola, país com o qual a
Namíbia se uniu na luta contra a África do Sul, que mantinha o regime do apartheid até 1994.
As relações bilaterais do Brasil com a Namíbia são singulares no âmbito da
política africanista brasileira, a qual tem destacada atuação em regiões como o Sul da África e
a África Ocidental, com destaque para o Golfo da Guiné. Fortalecendo as relações com a
Namíbia o Brasil contribui para o equilíbrio de poderes no Sul da África e fortalece sua
posição como player na região. A influência brasileira já é reconhecida pelos países africanos,
os quais participam da Cúpula ASA – América do Sul-África, mecanismo de concertação
política viabilizado por Brasil e Nigéria em 2006, um outro fórum promissor no âmbito da
cooperação sul-sul.
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O “poder brando” é a tradução de “soft power”, conceito criado por Joseph Nye para definir o
poder de um país atrair outros para os seus objetivos políticos sem usar a força militar, a qual
caracteriza o “poder duro”, ou “hard power”. O país que se utiliza do “soft power” promove a força
da atração das idéias para a consecução de objetivos. (NYE, 2009, p. 76)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atualmente, o Estado brasileiro tem consciência da importância do Atlântico Sul
para a inserção internacional do Brasil, pois considera que o oceano “possui áreas estratégicas
relevantes como a “garganta atlântica” entre a costa do nordeste brasileiro e a África
Ocidental, espaço intercontinental de vital importância para o comércio mundial” (BRASIL,
2012, p.35).
A cooperação entre os países da região, nesse sentido, é essencial para a
consolidação da segurança regional, motivo pelo qual a criação da Zona de Paz e Cooperação
– ZOPACAS, em 1986, foi promovida pelo Brasil e, atualmente, tem grande relevância na
política brasileira para a América do Sul e para a África.
A aproximação entre o Brasil e a Namíbia, a qual remonta a década de 1990,
quando o país era recém-independente, atualmente tem tido ótimos frutos, especialmente em
matéria de defesa, com destaque para a cooperação naval. Certamente essa relação bilateral
poderá contribuir futuramente para o preenchimento do “vazio de poder” no Atlântico Sul, por
meio do fortalecimento das capacidades regionais.
O Brasil, porém, deve ter o cuidado de fortalecer também o “poder brando” na
região, o que deve ser feito tanto com as potências regionais quanto com as potências
extrarregionais, para não gerar hostilidades desnecessárias aos planos de expansão da sua
influência na região, que não devem ser confundidas com pretensões hegemônicas.
O fato de a presidente Dilma ter sido convidada para o jubileu de ouro da União
Africana, em maio de 2013, mostrou o potencial da atuação brasileira na região, cuja
influência é reconhecida quase unanimemente. Cabe ao Brasil promover parcerias proveitosas
como a existente com a Namíbia, que levem em conta não só aspectos comerciais, os quais,
por vezes, são superficiais, mas também aspectos institucionais mais profundos como a
cooperação em matéria de defesa, a qual tem sido essencial para a política africanista
brasileira e para a consolidação do projeto da ZOPACAS.
BIBLIOGRAFIA
BARRETO FILHO, Fernando de Mello. Os sucessores do barão: relações exteriores do
Brasil, v.2: 1964-1985. São Paulo, Paz e Terra, 2006.
BRASIL. Ministério da Defesa. Livro branco da defesa nacional. 2012.
JERVIS, Robert. Cooperation Under the Security Dilemma. World Politics, V 30, Issue 2,
1978.
MARINHA DO BRASIL. Cooperação Brasil-Namíbia. Disponível em
https://www.mar.mil.br/menu_h/noticias/ccsm/cooperacao_Brasil-Namibia.htm - Acesso em
25 de outubro de 2013.
MEARSHEIMER, John J. The tragedy of Great Power politics. New York, Norton, 2001.
NYE, Joseph S. Cooperação e conflito nas relações internacionais. São Paulo, Gente, 2009.
PENHA, Eli Alves. Relações Brasil-África e geopolítica do Atlântico Sul. Salvador,
EDUFBA, 2011.