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IGEPRI Monografias A Inserção da Índia no Pós-guerra Fria: O caso de uma potência emergente Tainá Dias Vicente Volume 7 | Ano 2 | 2012

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IGEPRIMonografias

A Inserção da Índia no Pós-guerra Fria: O caso de uma potência emergente

Tainá Dias Vicente

Volume 7 | Ano 2 | 2012

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Ficha Catalográfica

Serviço de Biblioteca e Documentação – UNESP - Campus de Marília

Vicente, Tainá Dias. V632i A inserção da Índia no pós-guerra fria : o caso de uma

potência emergente / Tainá Dias Vicente. – Marília, 2010. 85 f. ; 30 cm.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em

Relações Internacionais) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2010.

Orientador: Cristina Soreanu Pecequilo.

1. Índia – Relações exteriores – Séc. XXI. 2. Potência emergente. 3. Estados Unidos. 4. Poder (Ciências sociais). 5. Equilíbrio. 6. Multipolaridade. I. Autor. II. Título.

CDD 327.54

Nota: Todo conteúdo publicado pela Monografias Igepri é de total responsabilidade de seu(s) autor (es). As opiniões expressadas nesse caderno não repre-sentam as opiniões do periódico, nem do Conselho Editorial e nem dos órgãos filiados a este caderno.

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Monografias IGEPRI é uma publicação bimestral do Instituto

de Gestão Pública e Relações Internacionais (IGEPRI). Sua

missão é servir de espaço alternativo à publicação de pes-

quisas científicas elaboradas por jovens acadêmicos dedi-

cados ao estudo e ao debate de temas relativos à Gestão

Pública e às Relações Internacionais no Brasil e no mundo.

Com potencial de influenciar e intervir no processo decisório

governamental nas suas diversas esferas, contribuindo com

novas propostas para a elaboração de políticas públicas,

efetivação de controle social, suporte à advocacia de idéias

e a busca de transparência no trato dos assuntos públicos.

Luis Antônio Francisco de Souza (UNESP – Marília)

Luis Francisco Corsi (UNESP – Marília)

Marcelo Fernandes de Oliveira (UNESP – Marília) – Editor

Marcelo Passini Mariano (UNESP – Franca)

Miriam Cláudia Simoneti Lourenção (UNESP – Marília)

Tullo Vigevani (UNESP – Marília)

Cristina Soreanu Pecequilo (UNIFESP - Osasco)

Heloísa Pait (UNESP – Marília)

Janina Onuki (USP – Instituto de Relações Internacionais)

José Blanes Sala (UFABC)

Karina Lilia Pasquarielo Mariano (UNESP – Araraquara)

Conselho Editorial

Lidia Maria Vianna Possas (UNESP – Marília)

IGEPRIMonografias

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Tainá Dias Vicente

Tainá Dias Vicente

A INSERÇÃO DA ÍNDIA NO PÓS-GUERRA FRIA: O CASO

DE UMA POTÊNCIA EMERGENTE

Marília

2010

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A Inserção da Índia no Pós-guerra Fria...

Tainá Dias Vicente

([email protected])

A INSERÇÃO DA ÍNDIA NO PÓS-GUERRA FRIA: O CASO

DE UMA POTÊNCIA EMERGENTE

Trabalho de Conclusão de Curso de

Relações Internacionais da Universidade

Estadual Paulista “Júlio de Mesquita

Filho” FFC UNESP-Marília.

Orientação: Prof. Dra. Cristina Soreanu

Pecequilo

Marília

2010

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Tainá Dias Vicente

A INSERÇÃO DA ÍNDIA NO PÓS-GUERRA FRIA: O CASO

DE UMA POTÊNCIA EMERGENTE

Trabalho de Conclusão de Curso de

Relações Internacionais da Universidade

Estadual Paulista “Júlio de Mesquita

Filho” FFC/UNESP-Marília.

Data de aprovação: ___/____/____

Banca examinadora:

__________________________________________

Profª. Drª. Cristina Soreanu Pecequilo (orientadora)

__________________________________________

Prof. Dr. Marcelo Fernandes de Oliveira

__________________________________________

Prof. Dr. Sérgio Luiz Cruz Aguilar

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A Inserção da Índia no Pós-guerra Fria...

Às minhas avós Gessy e Josepha

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Tainá Dias Vicente

RESUMO

O trabalho tem por objetivo caracterizar o papel da Índia enquanto potência emergente no que

se refere à aspiração deste Estado em consolidar um papel preponderante no contexto

internacional, regional e global. A pesquisa ficou circunscrita ao período histórico do pós-

Guerra Fria, que aqui se refere ao início do século XXI. Este período é caracterizado por um

sistema internacional unipolar com características de multipolaridade o que permite

reconhecer que este é composto por uma grande potência, Estados Unidos, e vários pólos de

poder também importantes. Identifica-se, portanto, em todo o período, a construção de um

novo equilíbrio de poder que é capaz de reconfigurar a hierarquia entre os Estados confirmada

pela transformação da relação entre a potência hegemônica e os outros Estados. Por se tratar

de uma pesquisa que tem por tema a ascensão da Índia e o crescimento da sua capacidade de

influência é utilizado o contexto histórico da ordem contemporânea, bem como as condições e

a conjuntura doméstica do próprio país. Assim, o que se caracteriza como traço fundamental

da avaliação sobre a inserção internacional indiana é a possibilidade de rearranjos por meio do

equilíbrio de poder.

Palavras-chave: Índia; Estados Unidos; Potência Emergente; Equilíbrio de Poder;

Multipolaridade.

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A Inserção da Índia no Pós-guerra Fria...

ABSTRACT

This paper aims to characterize the role of India as an emerging power in relation to the

aspiration of this state to strengthen a key role in the international, regional and global

levels. The research was limited to the historical period of post-Cold War, which here refers

to the beginning of the century. This period is characterized by a unipolar international system

with features of multipolarity, which allows us to recognize that this is composed of a great

power, the United States, and several other important power poles. Therefore, it is possible to

identify the construction of a new balance of power that is able to reconfigure the hierarchy

between states confirmed by transformation of the relationship between the hegemon and

other states. Being a research topic about the rise of India and the growth of its influence, the

historical context of the contemporary order, as well as the conditions and the domestic

situation of the country are used as supporting information. Thus, what is characterized as a

fundamental feature of the assessment of the Indian international insertion is the possibility of

rearrangements through the balance of power.

Key-words: India; United States; Emerging Power; Balance of Power; Multipolarity.

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Tainá Dias Vicente

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................11

CAPÍTULO 1 – CONTEXTUALIZAÇÃO DO PÓS-GUERRA FRIA.............................17

1.1 A supremacia americana e a ordem internacional ..................................................17

1.2 Equilíbrio de poder, hegemonia e multipolaridade ...............................................22

1.3 O fim da Guerra Fria e as novas potências .............................................................29

CAPÍTULO 2 – CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA ÍNDIA ..............................37

2.1 O período pré-colonial ...........................................................................................38

2.2 A colonização britânica ..........................................................................................39

2.3 A independência e a Guerra Fria ............................................................................42

2.4 Potencialidades e vulnerabilidades internas no pós-Guerra Fria............................49

CAPÍTULO 3 - A INSERÇÃO INDIANA NA ORDEM PÓS-GUERRA FRIA .............58

3.1 Política externa regional e global ...........................................................................59

3.1.1 Novas formas de alinhamento e coalizões: IBAS e BRIC ......................63

3.1.2 Índia na Ásia: relação com Paquistão e China ........................................66

3.1.3 Índia e o Norte: aproximação com os Estados Unidos ...........................74

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................79

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................80

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INTRODUÇÃO

O momento histórico atual das relações internacionais é marcado por um cenário

mundial que recebe diferentes tipos de classificações as quais oscilam entre unipolar,

multipolar e até apolar. A diversidade das interações e a velocidade com que as mesmas

ocorrem são somadas à definição de novos pólos de poder e à transformação da ordem

hegemônica americana.

Partindo do pressuposto de que uma nova dinâmica internacional teve início com o

fim da Guerra Fria, a proposta de análise deste trabalho faz referência a este período de

aproximadamente vinte anos de século XXI – conforme a periodização proposta por

Hobsbawn (1995) – no qual são identificadas potências emergentes que procuram espaço de

influência na ordem hegemônica americana. Este período, melhor caracterizado como

unipolar com características de multipolaridade, permite o reconhecimento de um sistema

composto por uma grande potência, Estados Unidos, e vários pólos de poder também

importantes. Dentre estes, a Índia, a partir da qual se faz o estudo, considerando-a como

potência regional e país emergente aspirante à capacidade de influência mundial. O papel

desta, neste novo século, permite a compreensão da nova dinâmica presente na esfera

internacional no que diz respeito às relações regionais e globais.

Na tentativa de analisar esta questão divide-se esse princípio de século XXI em duas

etapas: um primeiro momento é identificado antes dos atentados de 11 de setembro de 2001 e

o segundo momento, nos anos subseqüentes aos atentados. Não existe, porém, uma diferença

abrupta na condução da ordem americana, mas se considera que este evento marca a

exposição da fragilidade latente da hegemonia e, portanto, de uma maior maleabilidade das

relações de poder concedendo a emergência de novos pólos de poder.

Admite-se, portanto, em todo o período, a perspectiva da construção de um novo

equilíbrio de poder que é capaz de reconfigurar hierarquia entre os Estados. A transformação,

nos últimos vinte anos, da relação entre a potência hegemônica e o resto do mundo tem

demonstrado uma mudança de paradigma evidente. A superpotência não está mais tão sozinha

e tem aparentado fragilidade. Os Estados Unidos não tem tido sucesso em investidas

unilaterais e a emergência de países possivelmente virtuosos e afortunados pode favorecer ou

desmantelar a ordem hegemônica americana.

Durante todo o breve século XX (1914-1991), de acordo com Hobsbawm (1995),

ocorreram mudanças estruturais como o fim da centralidade européia, o aumento da

interconexão e de atividades transnacionais tornando o globo como uma “unidade básica

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operacional”. Com o início do século XXI, o aumento vertiginoso dos fluxos de comércio, de

pessoas e de informação veio como resposta a um século anterior de secção e transformação.

Assim, os vinte anos do início deste novo século assinalam o fim de um período de

transformações mais acentuadas as quais constituem ainda um processo em direção a uma

nova disposição do poder no pós-Guerra Fria, que emana por uma reformulação dos

mecanismos de ordenamento internacional.

O mundo presenciou, nas primeiras décadas do século passado, uma transferência do

centro de poder em direção aos Estados Unidos bem como, nas décadas subseqüentes, a

divisão do mundo em dois pólos antagônicos e nucleares em uma disputa que gerou medo e o

desconforto de uma terceira guerra mundial prestes a acontecer. No entanto, com a extinção

da União Soviética, os rumos da política mundial foram novamente colocados em disputa, na

qual os Estados Unidos começariam com vantagem. Assim, como cita Ikenberry (2000, p. 3),

a questão de como os Estados constroem a ordem internacional mais uma vez se fez presente.

A rivalidade bipolar além de definir os pólos dos superpoderes, os quais tinham

legitimidade para acumular armamentos, também definiu quem ficaria à margem do sistema.

África, Ásia e América Latina fariam parte do “Terceiro Mundo” e seriam alvo de ampla

interferência dos dois pólos. Porém, com o fim da bipolaridade o mundo entrou em um

“período de confusão” e argumentos colocados a respeito da polaridade eram desenvolvidos:

em qual direção, afinal, estava sendo movida a polaridade do mundo, para uma

multipolaridade ou para uma unipolaridade? A definição dos Estados Unidos como principal

pólo não era, porém, questionada (BUZAN, 2004).

De acordo com Fonseca Jr. (1998, p. 6),

Em um quadro de muitas indagações, o único fato sólido é o de que ninguém tem

dúvidas de que os EUA são um "pólo diferente", que dispõe de maior variedade e

maior quantidade de recursos de poder, embora se discutam as condições da

"vontade" de mobilizá-los e aplicá-los. De outro lado, ainda que não façamos um

levantamento minucioso dos "elementos de poder" nos dias de hoje (tarefa, aliás

essencialmente complicada), sabemos quais seriam as outras potências

"secundárias" (Alemanha, França. Inglaterra, China, Japão Rússia) e as "regionais"

(Brasil, Índia, RAS etc) e também sabemos em traços gerais, quais os assets de cada

uma.

Os anos subsequentes ao término da bipolaridade determinaram o começo de uma

provável nova ordem. Essa nova ordem seria construída pela única superpotência, mas que

apesar de ser considerado o “lonely superpower” (HUNTINGTON, 2000) compõe um sistema

internacional de muitos atores que pretendem compartilhar influência e ascender seu

prestígio. Neste novo começo, apesar de não estar constituída uma multipolaridade, são

percebidas potências capazes de, e aspirantes a, reger o concerto junto aos Estados Unidos.

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Europa e países do Sul considerados “emergentes” pretendem ser ouvidos e incluídos

configurando uma ordem internacional unimultipolar. De acordo com Huntington (2000, p.

136),

Atualmente há uma única superpotência. Mas isso não significa que o mundo seja

unipolar. Um sistema unipolar teria apenas uma superpotência, nenhuma potência de

importância significativa e muitas potências de menor grandeza. Dessa forma, a

superpotência teria condições de resolver com eficácia questões internacionais

importantes, e nenhum tipo de combinação entre outros Estados seria capaz de

evitar as decisões assim tomadas. [...] Um sistema bipolar, tal como verificado

durante a Guerra Fria, é formado por duas superpotências, e as relações entre elas

são fundamentais para a política internacional. Cada superpotência exerce seu

domínio sobre uma coalizão de Estados aliados e concorre com a outra em um jogo

de influências sobre os países não-alinhados. Já um sistema multipolar conta com

várias potências importantes de poderio comparável, que cooperam e concorrem

entre si de acordo com modelos que apresentam variações constantes. Para a

resolução de questões internacionais, faz-se necessária a coalizão entre os Estados

de maior relevância. [...] A política internacional contemporânea não se encaixa em

nenhuma dessas configurações. Em vez disso, representa um estranho modelo de

características híbridas, um sistema unimultipolar constituído por uma

superpotência e diversas potências altamente significativas.

A questão do estabelecimento de uma nova ordem é bem complexa, pois não existem

linhas bem definidas da mesma. Como afirma Layne (2002), o surgimento de novas potências

é uma resposta automática ao superpoder americano. “Para toda ação, existe uma reação igual

e oposta”, assim coloca que também em política internacional, quando existe muito poder

concentrado, inevitavelmente haverá uma reação contrária a este poder.

Portanto, a hegemonia ao concentrar poder em um só Estado permitiu que houvesse

um “countervailing power”, ou seja, um poder oposto compensatório do excessivo poder

americano que por fim acaba gerando uma necessidade automática de equilíbrio de poder.

Layne (2002, p. 237, grifo nosso) coloca que “Each state fears that a hegemon will use its

overwhelming power to aggrandize itself at that state’s expense and will act defensively to

offset hegemonic power. Thus, one of hegemony’s paradoxes is that it contains the seeds of

its own destruction.”. Do mesmo modo Pecequilo (2007) identifica a ascensão de “ensaios de

coalizão anti-hegemônica”.

Além do declínio econômico proporcionado pelo aumento do número de

competidores, da perda da credibilidade associada à aplicação de uma doutrina preventiva e

unilateral, e do não funcionamento regular das instituições criadas no pós-1945, pôde ser

observado a emergência de alianças que pretendem contrabalancear o poder hegemônico dos

Estados Unidos (PECEQUILO, 2007). Ademais, a potência hegemônica tem se desgastado

com o aumento dos compromissos internacionais os quais levam, de acordo com Kennedy

(1989), a uma situação de superextensão, ou seja, de enfraquecimento interno. Deste modo,

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são identificados dois processos concomitantes, proporcionando ao trabalho a opção de

desenvolver o primeiro deles.

Como um todo, admite-se aqui que se pode atribuir às potências emergentes o conceito

de “Segundo Mundo”. Estes emergentes são aquelas nações que constituíam o “Terceiro

Mundo” da Guerra Fria e hoje ascenderam de posição por serem países com potencialidades

internas, como a economia e a grande população, e para quem as perspectivas apontam as

chances de se tornarem pólos de referência mundial. De acordo com o reformulador do

conceito “Segundo Mundo”, Parag Khanna (2008), este compreende países cuja ascensão não

permite que sejam classificados dentro do mesmo antigo arranjo da Guerra Fria. Isso ocorre

pela existência de um desgaste na hegemonia americana: “With neither its hard Power nor its

soft Power functioning effectively, the United States is learning that history happens to

everyone – even Americans.” (p. 323). Ao adequar este conceito ao presente trabalho é

possível, diferentemente de Khanna, incluir países como os chamados BRIC, Brasil, Rússia,

Índia e China.

Em suma, a ordem construída por e para os Estados Unidos, ao final da Segunda

Guerra Mundial, favorece a percepção de uma tendência de que o século XXI seja um século

cada vez mais multipolar, mas talvez não menos americano. Considerando os argumentos de

que estes vinte anos de novo século foram predominantemente unipolar, a mudança pode ser

percebida por análises que debatem com esse argumento. O argumento da unimultipolaridade

seria uma alternativa para demonstrar que se caminha para a multipolaridade devido a um

movimento de declínio hegemônico concomitante a ascensão de outros países. Além de serem

pólos regionais importantes, países como a Índia também são peças imprescindíveis ao

ordenamento mundial mesmo que sob a orientação da hegemonia americana. O equilíbrio de

poder se faz presente, e como cita Zakaria (2008) “The United States is conducting business

as usual. But others are joining in the game. What is really happening here, as in other areas,

is simple: the rise of the rest.”.

Do mesmo modo Ikenberry e Wright (2008) argumentam que

Today, a group of fast-growing developing countries—led by China and India—are

rising up and in the next several decades will have economies that will rival the

United States and Europe. For the first time in the modern era, economic growth is

bringing non-Western developing countries into the top ranks of the world system.

This dramatic observation was made in a 2003 Goldman Sachs study, which noted

that, if present economic trends continue, by 2050 the countries of Brazil, Russia,

India, and China—the BRICs—could have economies that together would be larger

than the old G-6 advanced countries—the United States, Japan, Great Britain,

Germany, France, and Italy.1 According to these economic projections, China will

pass the Europeans and Japan by 2020 and the United States by 2045. (p.3)

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Desta forma, a pesquisa analisa a arquitetura da distribuição de poder em meio a

transformações compreendidas no declínio do poder hegemônico americano e na ascensão de

novas potências, enfocando a posição de uma destas nações emergentes, a Índia. Para isso, o

trabalho será dividido em três capítulos. No primeiro capítulo discorrer-se-á sobre a

construção da ordem mundial sob a hegemonia americana e a provável mudança de relação de

poder presente neste novo século. Para tanto, será feita uma análise dos conceitos de

equilíbrio de poder, ordem internacional, hegemonia e multipolaridade. No capítulo dois, a

fim de caracterizar o objeto de estudo de país emergente descreve-se a Índia e seu contexto

histórico sem deixar de citar características de seu ambiente doméstico. Nos capítulo três, por

fim, é exposta a atuação deste país no que se refere à sua política externa frente às novas

alianças BRIC e IBAS, assim como para o contexto regional da Ásia e sua relação com China

e Paquistão, e para o contexto Norte-Sul e sua relação com os Estados Unidos.

No desenvolvimento do texto foram usadas fontes bibliográficas, como livros, artigos

e revistas acadêmicas, além de fontes documentais. Ademais, autores importantes fizeram

parte do cerne da argumentação sobre a ordem contemporânea como Parag Khanna, Barry

Buzan, J. Ikenberry, Andrew Hurrel, Baldev. Nayar e T. V. Paul. Sobre o embasamento

histórico é necessário destacar Eric Hobsbawm, K. M. Panikkar, e Charles Zorgibe. Por fim, é

oportuno citar Sumit Ganguly, S. Paul Kapur, C. Raja Mohan e George Perkovich que

embasaram os argumentos sobre, mais que a política externa indiana, a ação no campo

internacional de modo geral.

Por se tratar de uma pesquisa que tem por tema a ascensão da Índia e o crescimento de

sua influência na ordem internacional, foi essencial caracterizar o contexto histórico da ordem

contemporânea, bem como as condições e a conjuntura doméstica do próprio país. Assim,

analisa-se ao longo do texto a ação internacional indiana, sem desprezar as características

internas do país, uma vez que estas inspiram, de alguma forma, a atuação externa do Estado.

No entanto, o que se caracteriza como traço fundamental da avaliação sobre a inserção

indiana na ordem internacional contemporânea é a possibilidade de rearranjos no equilíbrio de

poder entre as potências, no intuito de verificar as reais possibilidades de influência desta

potência emergente em âmbito mundial.

Enfim, este texto demonstra um movimento de rearquitetura das relações de forças no

sistema internacional, de modo que a Índia representa a possibilidade de atuação de países

com capacidades de poder relativamente desenvolvidas e que são classificadas como

potências emergentes. A Índia representa um grupo de Estados que estão sendo aceitos dentro

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da ordem internacional de modo a participarem da formulação das regras do jogo, jogo que

também cada vez mais o Brasil faz parte.

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CAPÍTULO 1

A CONTEXTUALIZAÇÃO DO PÓS-GUERRA FRIA

Considerando o intuito geral do trabalho de investigar mais a fundo os últimos vinte

anos sob a perspectiva do fortalecimento de “novos” Estados, este capítulo expõe as

ferramentas de um dos caminhos pelo qual pode se pretender analisar o movimento de

ascensão de novas potências e de resistência da superpotência em ceder espaço para esses

novos participantes. Ciente de que os caminhos apontados para análise de relações

internacionais desde o fim da Guerra Fria têm sido especialmente dissonantes entre os

analistas, são ressaltados alguns fatores da história recente condicionantes do momento atual.

Como apontado por Zakaria (2008, p. 43) “The messy language reflects the messy

reality.”, por isso o que se pretende neste capítulo é a instrumentalização de uma fórmula

simples com o objetivo de situar a problemática através da história e de fundamentos teóricos.

Entre a exposição histórica, do extenso período de guerras – Primeira Guerra Mundial,

Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria – e do contexto do início do século XXI, são descritos

conceitos-chave através dos quais se pretende analisar o processo iminente de mudança nas

relações internacionais. Assim, associam-se os conceitos desenvolvidos ao cenário

internacional atual para tentar identificar a conformação das forças estatais.

1.1 A supremacia americana e a ordem internacional

Apesar de este tópico estar reservado ao tema da construção e evolução da supremacia

americana no contexto das relações internacionais, vale ressaltar dois conceitos importantes: o

de “sistema internacional” e o de “ordem internacional”.

O conceito de sistema internacional é extensamente debatido nos textos de Relações

Internacionais, mas pode ser densamente exposto por Raymond Aron no livro, escrito na

década de 1960 em pleno contexto de Guerra Fria, “Paz e Guerra entre as Nações” (2002, p.

153). O autor considera que um sistema internacional tem como principal característica a

configuração da relação de forças entre as unidades políticas as quais estão dispostas

normativamente em anarquia, mas em “hierarquia, mais ou menos oficial, determinada

essencialmente pelas forças que cada uma é capaz de mobilizar” (ARON, 2002, p. 157). Por

isso, o sistema constitui-se da interação de unidades políticas, as quais são determinadas, em

níveis de importância, pela quantidade de recursos materiais e humanos que possuem e,

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portanto, pela força que conseguem mobilizar internacionalmente determinando as

“afinidades” e agrupamentos.

O sistema internacional, para Aron, só pode comportar um número limitado de atores

sendo que para os principais deles, as potências, a influência que sofrem do sistema é menor

que a influência que exercem no mesmo. Assim, identifica que o aumento do número de

atores no sistema não provoca, proporcionalmente, o aumento de atores principais. Isso

coloca, portanto, o papel de construir a conjuntura sob responsabilidade dos grandes Estados

cabendo aos pequenos a alternativa de se adaptarem a ela.

Tão importante quanto delinear o conceito de sistema internacional é delinear ordem

internacional. Para situar este conceito, utiliza-se como referência o texto “A Sociedade

Anárquica” do autor Hedley Bull (2002) escrito ao final dos anos 1970. Conforme este texto,

a ordem internacional é concebida apenas dentro de um contexto de sociedade de Estados, ou

seja, entre Estados que compartilham valores, sendo a ordem internacional o âmbito

normativo entre estes eles. A partir deste autor, é possível diferenciar ordem internacional de

ordem mundial, este último sendo o padrão das relações intersubjetivas entre os atores

internacionais e o primeiro identificado nas instituições que regulamentam as relações

internacionais. Para Bull (2002, p. 13) a ordem internacional é “um padrão de atividades que

sustenta os objetivos elementares ou primários da sociedade dos estados, ou sociedade

internacional1.” Neste trabalho não é defendida a idéia da existência de uma sociedade de

Estados, mas o termo ordem internacional se adapta ao contexto devido ao fato de que alguns

valores determinados pelo centro de poder, os Estados Unidos, foram positivados no âmbito

internacional e tidos como legítimos pela a maioria dos Estados componentes do sistema.

A despeito de serem conceitos aparentemente distantes, são conceitos que podem

corroborar para que se revele mais sobre o contexto internacional do século XXI. Visto que se

trata de um meio, como provocado por Zakaria (2008), conturbado, vale tentar unir esses

conceitos de sistema internacional e de ordem internacional para compreender onde estão

1 A diferença entre sociedade internacional e sistema internacional pode ser mais bem entendida a partir deste

trecho de Bull (2002, p. 20): “Nesta acepção, uma sociedade internacional pressupõe um sistema internacional,

mas pode haver um sistema internacional que não seja uma sociedade. Em outras palavras, dois ou mais estados

podem manter contato entre si, interagindo de tal forma que cada um deles represente um fator necessário nos

cálculos do outro, sem que os dois tenham consciência dos interesses e valores comuns, mas percebendo que

estão ambos sujeitos a um conjunto comum de regras, ou cooperando para o funcionamento das instituições

comuns. Assim, por exemplo, Turquia, China, Japão, Coréia e Sião eram parte de um sistema internacional

dominado pela Europa antes de integrarem uma sociedade internacional também dominada pela Europa. Em

outras palavras: esses países mantinham contato com as potências européias e interagiam com elas em grau

significativo no comércio e na guerra antes de reconhecer, juntamente com aquelas potências, interesses ou

valores comuns, admitindo que estavam todos sujeitos às mesmas normas e cooperavam para o funcionamento

de instituições comuns.”

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inseridos e qual a dinâmica pela qual transitam os Estados. Para tanto, cabe ressaltar alguns

pontos históricos da ordem internacional conduzida pelos Estados Unidos durante o século

XX e como tem sido a configuração hierárquica dentro de um sistema internacional

considerado anárquico.

De acordo com Pecequilo (2005), o período do final do século XIX ao início do século

XX (1889 – 1945) representa a fase de ascensão e consolidação da hegemonia dos Estados

Unidos, após o isolamento inicial pós-independência no século XVIII. As transformações de

poder globais levaram a esta ascensão. Segundo a autora (2005, p. 82):

[...] o período que engloba o final do século XIX e o início do século XX é

caracterizado pela disputa entre as principais potências européias pela conquista de

novos mercados para seus produtos e de fornecedores de matérias-primas em

resposta ao processo de intensificação da industrialização. Tanto na África como na

Ásia, as potências européias (Grã-Bretanha, França, Alemanha, entre as principais)

estavam efetuando um processo de conquista e partilha de zonas de influência,

realizando uma segunda onda de colonização. Neste processo, os Estados Unidos,

que haviam ascendido rapidamente a uma nova posição de poder desde o século

XIX, embora não desejando nem entrar nas disputas de poder européias e nem

estabelecer colônias formais, desempenhavam um papel relativamente secundário.

Entretanto, este papel limitado já demonstrava sinais de ampliação, começando

pelas Américas e pelo aumento de influência no Pacífico, e era bastante sensível à

questão da defesa dos interesses considerados como prioritários pelos norte-

americanos – ou seja, era ampliado a partir do momento em que os Estados Unidos

identificassem um objetivo externo determinado como sua prioridade.

As contribuições dos presidentes Theodore Roosevelt (1901 – 1909) e Woodrow

Wilson (1913 – 1921) devem ser destacadas no que se refere à consolidação da supremacia

americana no sistema internacional. A autoridade política que ambos exerciam no continente

e no mundo ficam evidentes com o Corolário Roosevelt e, posteriormente, com o

Wilsonianismo. O primeiro consolidando o papel de ordenador hemisférico e o segundo,

dentro do contexto da Primeira Guerra Mundial (PECEQUILO, 2005).

Apesar do fracasso da Liga das Nações – proposta em um dos Quatorze Pontos do

presidente Woodrow Wilson ao final da Primeira Guerra – Kissinger (2007, p. 12) considera

que desde que decidiu entrar na guerra em 1917, os Estados Unidos entraram para “arena da

política mundial” e que a partir de então tem sido “preponderante em força” e “convicta da

justeza dos seus ideais”. O isolamento consentido pelos mares aos Estados Unidos não os

poupariam mais dos desgastes da política mundial. Por outro lado, começava o exercício de

conduzir a ordem internacional e mundial (KISSINGER, 2007; PECEQUILO, 2005).

De acordo com Pecequilo (2005) houve uma diminuição do internacionalismo

americano com o fim da Primeira Guerra. A situação agravou-se neste período entre guerras

dado a crise de 1929. Porém, com o presidente Franklin Delano Roosevelt tratou-se de

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reengajar os Estados Unidos com os compromissos internacionais e, com a Segunda Guerra

Mundial, recuperar sua economia. Para esta autora, os Estados Unidos surgiam novamente

para equilibrar as forças e impedir a ascensão de uma nova grande potência européia, ou seja,

colaborar para a manutenção do status quo. Todavia, a mudança na hierarquia do sistema

internacional ficou evidente e esta nova grande potência tinha a responsabilidade de construir

uma nova ordem internacional. E porque não o faria a seu favor? De acordo com Kissinger

(2007, p.12): “No fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, os Estados Unidos eram de tal

maneira poderosos (em dado momento cerca de 35% de toda a produção econômica mundial

era americana) que parecia que estavam destinados a moldar o mundo conforme suas

preferências.”.

Portanto, a ordem internacional, a partir de 1945, foi gerida pela superpotência, os

Estados Unidos. O seu posicionamento isolacionista e unilateralista, considerado pelos

autores como atitude clássica deste país, foi substituído pelo internacionalismo. Neste

contexto, além da ascensão hegemônica observou-se o nascimento da Guerrra Fria. Segundo

Pecequilo (2005), os Estados Unidos usufruiram dos meios econômicos, diplomáticos e

estratégicos “para sustentar o domínio e controle do sistema, impondo uma visão de mundo”

(PECEQUILO, 2005, p. 242). Ademais, para Pecequilo (2005, p. 242) a potência a partir de

então ganhou o status de hegemonia que, no longo prazo “(...) permitiu a construção de uma

ordem internacional estável sob a liderança norte-americana, com características peculiares

geradas pela especificidade da experiência nacional dos Estados Unidos e sustentada por seus

temas tradicionais de engajamento estratégico.”.

A fim de controlar o sistema internacional foram criadas instituições após o fim da

Segunda Guerra Mundial as quais tinham um caráter de apaziguar os conflitos violentos

recém ocorridos. Além disso, essas instituições exprimiam uma idéia de que o sistema

internacional seria regido por uma ordem democrática. A exemplo da Organização das

Nações Unidas, todos os países do mundo teriam a oportunidade de ajudar a construir as

regras que coordenariam as relações internacionais. A idéia do multilateralismo, da não

discriminação e da reciprocidade difusa (HERZ; HOFFMANN, 2004) passaram a ser a

bandeira do modo de condução americano das relações dentro de um ordenamento

estrategicamente planejado para disfarçar a hegemonia.

Para isso foi criada uma rede de organizações internacionais e instituições, como o

Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, a Organização do Tratado do Atlântico

Norte (OTAN), o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT/OMC) e a Agência

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Internacional de Energia Atômica (IAEA) entre outras, as quais serviram de respaldo para a

legitimação da hegemonia americana e consequente coordenação da ordem internacional. A

despeito do papel legitimador destas instituições, Ikenberry (2000, p. 9) provoca ao dizer que

as mesmas são responsáveis por “trancar” os outros Estados além de simultaneamente

comprometer e obstruir as ações americanas.

Esta ordem internacional foi acompanhada pela disputa bipolar com a União Soviética

durante a Guerra Fria (1947/1989), que representava o modelo socialista alternativo ao

capitalismo americano. Esta disputa foi fundamentada na corrida armamentista e de conquista

de zonas de influência. Em 1989, os Estados Unidos sagraram-se vitoriosos nesta guerra,

dando início à transição da ordem mundial para o pós-Guerra Fria. Contudo, a hegemonia dos

Estados Unidos foi desgastada pelo conflito de guerras indiretas, ou de “baixa intensidade” 2.

A economia americana, ao fim da Guerra Fria, estava em crise o que prejudicava também a

manutenção do seu potencial militar (HOBSBAWM, 1995).

Segundo Hobsbawm (1995), o início dos anos 1990 pode ser considerado como sendo

o início do novo século XXI. Os Estados Unidos, por terem saído do conflito ainda como

potência suprema, deveriam construir novamente uma ordem internacional com novas

“regras” e formas. No entanto, não só a ordem deveria mudar, mas também a maneira como

os Estados Unidos iriam agir internacionalmente, já que, a partir da extinção do inimigo,

haveria um novo cenário em voga:

Entretanto, as condições de instabilidade internacional e da existência do inimigo

não mais existem, sendo possível e necessária a reformulação da ação internacional,

readequando-se ao novo cenário. Em oposição a uma política hegemônica, de

grandes ambições e responsabilidades imperiais, os Estados Unidos podem

perseguir uma estratégia mais seletiva no mundo contemporâneo, que reflita as

realidade do novo sistema. (PECEQUILO, 2005, p. 262)

O contexto modificado podia ser visto com muita desconfiança e incerteza dado que a

estrutura internacional e a maneira dos países de se posicionarem externa e internamente

estava sem o direcionamento da habitual rivalidade bipolar. Para Pecequilo (2005, p. 247)

essas mudanças no contexto “produziram um cenário em que deixaram de existir as pressões

por alinhamentos ideológicos que até então definiam as relações internacionais e as políticas

externas dos Estados de forma bastante clara” (PECEQUILO, 2005, p. 247). O que restou, ao

fim de uma era, foi “um mundo em desordem e colapso parcial, porque nada havia para

substituí-los. A idéia, alimentada por pouco tempo pelos porta-vozes americanos, de que a

2 Termo utilizado por Hobsbawm (1995, p. 250)

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velha ordem bipolar podia ser substituída por uma “nova ordem” baseada na única

superpotência restante, logo se mostrou irrealista.” (HOBSBAWM, 1995, p. 251). Em suma,

Os anos por volta de 1990 foram uma dessas viradas seculares. Mas, embora todos

pudessem ver que o antigo mudara, havia absoluta incerteza sobre a natureza e as

perspectivas do novo. Só uma coisa parecia firme e irreversível entre essas

incertezas: as mudanças fundamentais, extraordinárias, sem precedentes que a

economia mundial, e consequentemente as sociedades humanas, tinham sofrido no

período desde o início da Guerra Fria. (HOBSBAWM, 1995, p. 252)

As hipóteses que seguem são motivo de debate, e dentre os argumentos, o de que

existe um eventual declínio da hegemonia parece o mais coerente após 20 anos de

“novíssima” ordem internacional. Isso se deve “não somente à própria perda de poder norte-

americano, mas principalmente à ascensão natural de outras potências [...] prevendo-se a

ascensão de forças contrárias regionais e a emergência de uma estrutura multipolar.”

(PECEQUILO, 2005, p. 262).

1.2 Equilíbrio de poder, hegemonia e multipolaridade

Antes de aprofundar a análise nos anos pós-Guerra Fria, ou seja, do século XXI, faz-se

necessário o esclarecimento de mais três conceitos importantes: equilíbrio de poder,

hegemonia e multipolaridade.

Por equilíbrio de poder, termo clássico das Relações Internacionais, tem-se a idéia de

que é um princípio natural do relacionamento entre os atores do sistema internacional, algo

como a “mão invisível” da política internacional; seria uma tendência inevitável de haver

equilíbrio de “influência” entre as partes constituintes do sistema internacional. Por isso,

quando algum ator se destaca muito, logo haverá uma contraposição deste poder demasiado,

algo que se perpetua desde a Guerra do Peloponeso e a contraposição entre a Liga de Delos e

a Liga do Peloponeso analisada por Tucídides (2001). Já hegemonia e multipolaridade,

aparentemente, podem ser tidos como termos antagônicos. Hegemonia como um conceito que

define um total domínio legítimo, por um ator, da ordem internacional e mundial levando

quase a se pensar que se trata da maior e única potência existente no sistema. E

multipolaridade definindo uma ordem internacional composta por vários atores com poder

(capacidade de influência) semelhante, proporcionando ao sistema internacional diversos

pólos de poder.

Sobre equilíbrio de poder, conhecido também por “balance of power”, se pode

encontrar uma definição simples e que resume o significado, depois de séculos de estudos

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sobre o termo3, que é feita por Jackson e Owens (2005, p. 46). Estes autores descrevem o

equilíbrio de poder como sendo uma doutrina e um arranjo com o qual o poder de um Estado

(ou grupo de Estados) é controlado pelo poder de compensação de outros Estados.

Detalhadamente, Hans Morgenthau (2002) discorre sobre este conceito. Para este autor, o

equilíbrio de poder internacional nada mais é que o reflexo das relações sociais no contexto

externo, sendo os Estados os atores componentes deste contexto.

Morgenthau (2002, p. 322) argumenta que o equilíbrio de poder é uma “manifestação

particular de um princípio social de ordem geral” o qual não é apenas inevitável, mas

“elemento estabilizador essencial em uma sociedade de nações soberanas” que deve sua

instabilidade, ou seja, constante necessidade de refazer o equilíbrio, às “condições particulares

de nações soberanas.” É um mecanismo que retoma leis da física e que identifica uma

regularidade dentre as ações sociais as quais em última instância são ações humanas. Por isso,

o equilíbrio de poder existe, de acordo com o referido autor, para que se evite que um ator

conquiste supremacia sobre os outros. Isto ocorre de maneira “natural” ou automática pela

percepção da ameaça e pelo ímpeto de autoproteção que levam a criação de, na maioria das

vezes, alianças e sempre está sujeito a “processos dinâmicos de mudança, de desequilíbrio e

de estabelecimento de um novo equilíbrio em um nível diferente.” (MORGENTHAU, 2002,

p. 330).

Segundo Morgenthau (2002), existem várias particularidades do sistema de equilíbrio

de poder, quais sejam a respeito de como se dá o equilíbrio, do número de componentes, do

papel de cada um deles e dos níveis de equilíbrio. De acordo com este argumento, o equilíbrio

nem sempre ocorre pelo fortalecimento do lado “mais leve” da balança, mas também pelo

enfraquecimento do lado mais “pesado”. Também o equilíbrio não necessariamente precisa

ser composto somente por duas forças antagônicas, por isso o autor destaca o papel do

“balanceador” o qual se torna responsável por ser o mantenedor do equilíbrio já que não está

permanentemente aliado a um dos “pratos” da balança. De acordo com Palmerston (apud

MORGENTHAU, 2002, p. 367) “o mantenedor do equilíbrio não tem amigos ou inimigos

permanentes; ele só tem interesse permanente em manter o próprio equilíbrio de poder.”. Por

fim coloca que o sistema internacional pode ser visto em subsistemas os quais possuem o seu

3 Com a revisão bibliográfica pode-se notar que o uso da idéia de “equilíbrio de poder” pode ser visto na obra de

Maquiavel, “O Príncipe”, mas explicitamente como conceito elaborado nota-se nas obras de David Hume no

século XVIII. Ver em WHELAN, Frederick G. Robertson, Hume, and the Balance of Power. Hume Studies: v.

21, n. 2, Nov. 1995. Disponível em: <http://www.humesociety.org/hs/about/terms.html>

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próprio equilíbrio de poder, enfatizando a importância de que se pense regionalmente sobre a

relação de forças.

Conforme o autor supracitado, o conceito existe como parâmetro de comparação, pois

Os pratos da balança de poder jamais ficarão parados em equilíbrio, do mesmo

modo como jamais se poderá perceber (porque isso talvez nem seja perceptível) o

ponto preciso em que eles indicam a igualdade. Basta no caso, como acontece em

outras áreas de interesse humano, que o desvio não seja demasiadamente grande.

Alguns sempre haverá. Portanto, torna-se necessária uma atenção constante para

esses desvios. Quando eles ainda são pequenos, seu crescimento pode ser facilmente

evitado, mediante a adoção de cuidados a tempo e das precauções indicadas pela boa

política. Quando, contudo, eles se tornam maiores, por falta desses cuidados e

dessas precauções, ou devido a eventos imprevistos, impõe-se empregar mais vigor

e realizar esforços redobrados. Mesmo em tais casos, contudo, será necessário

ponderar com reflexão sobre todas as circunstâncias que formam a conjuntura. Do

contrário desfechando-se um ataque sem êxito corre-se o risco de que o desvio

venha a ser confirmado, e de que aquele poder, já considerado exorbitante, se torne

maior ainda. Ou então, atacando com demasiado êxito, e reduzindo o peso de um

dos pratos, cria-se a possibilidade de que o outro prato venha a receber demasiado

poder. (MORGHENTAU, 2002, p. 395)

Ajustando o conceito à sua interpretação, Kissinger (2007) concorda sobre a

dificuldade de o equilíbrio existir estritamente como na teoria. Este autor destaca, contudo, o

equilíbrio de poder como um sistema para limitar a dominação, manter a estabilidade, mas

não obrigatoriamente manter a paz. Para que este sistema funcione é “melhor quando mantém

a insatisfação abaixo do nível em que a facção prejudicada procurará subverter a ordem

internacional” (KISSINGER, 2007, p. 14). Ou seja, é um sistema que certamente favorece os

Estados predominantemente mais capacitados4 do sistema internacional e que preza pela

manutenção da fraqueza dos insatisfeitos. Em alguma medida, pode-se fazer uma analogia a

idéia considerada utópica de “harmonia de interesses”, colocada por Carr (2002) já que

haveria uma harmonia dos interesses egoístas de cada Estado os quais contribuindo para a

própria segurança, estariam contribuindo para o sistema internacional e manutenção da ordem

(KISSINGER, 2007, p. 59). Referindo-se ao momento histórico do século XVIII, Kissinger

(2002, p. 72) enfatiza a eficiência das coalizões promovidas pelo “balanceador” Inglaterra

4 De acordo com Aron (2002, p.100), “No campo das relações internacionais, poder é a capacidade que tem uma

unidade política de impor sua vontade às demais. Em poucas palavras, o poder político não é um valor absoluto,

mas uma relação entre os homens.” Por isso, analisa os componentes desse pode: “Proponho distinguirmos três

elementos fundamentais: em primeiro lugar, o espaço (ocupado pelas unidades políticas; depois, os recursos

materiais disponíveis e o conhecimento que permite transformá-los em armas, o número de homens e a arte de

transformá-los em soldados (ou ainda, a quantidade e a qualidade dos combatentes e dos seus instrumentos); por

fim, a capacidade de coletiva, que engloba a organização do exército, a disciplina dos combatentes, a qualidade

do comando civil e militar, na guerra e na paz, a solidariedade dos cidadãos. Esses três elementos, na sua

expressão abstrata, cobrem o conjunto que devemos considerar, correspondendo à proposição seguinte: a

potência de uma coletividade depende do cenário da sua ação e da sua capacidade de empregar os recursos

materiais e humanos de que dispõe. Meio, recursos, ação coletiva: tais são, evidentemente - em qualquer época e

quaisquer que sejam as modalidades de competição entre as unidades políticas - os fatores determinantes da

potência. (ARON, 2002, p. 107)

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contra a hegemonia francesa a qual ao fim de um século e meio de expansionismo foi contida

pela aliança. Porém, a força “balanceadora” desse equilíbrio de poder consolidou-se como

potência hegemonica e passou a “desenhar” a ordem além de manter o status do sistema ao

seu favor (KISSINGER, 2007, p. 103).

Martin Wight (2002) também discorre sobre o equilíbrio de poder, porém realça que o

equilíbrio não existe somente como dois lados da balança, podendo haver equilíbrio múltiplo.

Simplificadamente, Wight (2002) coloca que há a manutenção do equilíbrio e da aliança

contrabalanceadora até o surgimento de um novo conflito de interesses entre as grandes

potências. No entanto discorre sobre as várias interpretações que se tem sobre este termo.

Wight (2002, p. 185) associa a existência do equilíbrio de poder ao caráter anárquico ou

totalmente dominado do sistema internacional e por isso contrapõe a essência deste conceito à

existência de um governo internacional. A título de exemplificar o princípio em questão, o

autor identifica a atuação internacional dos Estados Unidos. Este país, apesar de procurar

manter um distanciamento moral e uma neutralidade internacional, se transformou em

detentor do equilíbrio durante a Primeira Guerra. Enfim, na Segunda Guerra Mundial, não

houve como escapar do envolvimento já que haviam se tornado um dos lados da balança a ser

contrabalanceado por Alemanha e Japão (WIGHT, 2002, p.185).

Essa supremacia americana conecta a idéia de equilíbrio de poder à de hegemonia.

Este conceito polêmico às vezes pode ser confundido com a idéia de imperialismo. A

hegemonia, de modo geral refere-se à preponderância de um país em determinado momento

histórico no sistema internacional no qual exerce influência sobre todo o mundo de maneira

consentida. Esta preponderância, porém, apesar de consentida nem sempre é vista como

benigna e aceita. Para Jackson e Owens (2005, p. 46) hegemonia é o poder e controle exercido

por um Estado líder sobre os outros Estados, ao passo que imperialismo é a prática da

conquista e da regra no contexto de relações globais de hierarquia e subordinação, podendo

levar ao estabelecimento de um império.

Para Aron (2002) a hegemonia diferencia-se em um dentre os três tipos de paz

possíveis no sistema internacional. Este autor coloca o equilíbrio, a hegemonia e o império

como sendo as três possibilidades de manutenção de paz. Deste modo coloca que “[...] as

forças das unidades políticas estão em equilíbrio, ou estão dominadas por qualquer uma delas,

ou então são superadas a tal ponto pelas forças de uma unidade que todas as demais perdem

sua autonomia e tendem a desaparecer como centros de decisão política.” (ARON, 2002, p.

220). No entanto, pode-se identificar que dentre estes três, a hegemonia é a mais duradoura já

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que a potência hegemônica pode flexibilizar sua atuação, a fim de favorecer a sua

conservação do seu status, entre a política do equilíbrio de poder e a radicalização do

exercício da sua influência por meio de práticas imperialistas. Segundo Pecequilo (2005, p.

243) a hegemonia americana pode ser vista como benévola já que “o seu poder é percebido

como essencial à segurança e mantenedor da estabilidade.”. Além disso, “Mesmo que possam

não estar totalmente satisfeitos com a subordinação, os poderes regionais reconhecem os

benefícios da hegemonia, aproveitando-se da margem de manobra que lhes é oferecida, não

desejando contestar o status quo.” (JOFFE, 1997 apud PECEQUILO, 2005, p. 243).

Embora o termo hegemonia seja amplamente utilizado para se referir à condição dos

Estados Unidos dentro do sistema internacional, John Mearsheimer (2001) não considera a

possibilidade de que estes são uma hegemonia global. Para este autor, tornar-se uma

hegemonia global é praticamente impossível, por isso quando um país chega à posição de

hegemonia regional, ele já inicia um processo de contenção de prováveis potências com o

objetivo de restringir o espaço para ascensão de novas hegemonias regionais em outras partes

do mundo. Algo que não gera tanta discordância é a questão de que a potência hegemônica é

sempre um país-potência. Por isso, Wight (2002) propõe alguns componentes importantes os

quais caracterizam um país com este status. De acordo com Wight (2002) uma potência é

composta por muitos elementos dentre os quais os fundamentais são a dimensão da

população, a posição estratégica e espaço geográfico, recursos econômicos e produção

industrial; além disso, deve-se considerar a eficiência administrativa e financeira, o nível

educacional e tecnológico da sua população e a coesão moral, alertando que poder não é

somente definido pela influência:

Grandes potências do passado que sofreram um declínio, como a Grã-Bretanha e a

França, ou potências que ainda não atingiram grande poder, como a Índia,

naturalmente enfatizam o valor da maturidade política e da liderança moral, ainda

que essas expressões provavelmente tenham mais peso dentro de suas próprias

fronteiras do que fora delas. Em períodos de tranqüilidade internacional esses

fatores imponderáveis podem exercer grande influência. Apesar disso, assim como

na política interna influência não significa governo, na política internacional

influência não significa poder. No final, é o poder concreto que resolve as grandes

questões internacionais. (WIGHT, 2002, p. 5)

Mais que isso, Wight (2002) coloca que uma potência dominante é tão definida em

termos de poder como de propósito, pois está engajada em um projeto de expansão. Todavia,

apesar de não trabalhar extensivamente o conceito de hegemonia, Wight (2002) permite que

se caracterize também uma potência dominante capaz de ser considerada uma potência

hegemonica.

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Em síntese, Georg Schwarzcnberger (1959, apud BULL, 2002, p. 246) diz que a

hegemonia é "o imperialismo com boas maneiras". A tentativa de definição de Bull (2002)

sobre hegemonia estabelece este conceito em um meio termo entre dominância e primazia.

Trata-se de uma potência que está “pronta para violar os direitos de soberania, igualdade e

independência dos estados menores, mas não os ignora. Reconhece que esses direitos

existem, e justifica a sua violação apelando para algum princípio superior.” (BULL, 2002, p.

246). Hurrell (2005, p. 9) apresenta a hegemonia como um domínio que se apóia entre a

coerção e o consenso, de exercício de poder direto ou indireto e que concede algum grau de

autonomia aos Estados mais fracos. Segundo Hurrell (2005), a hegemonia só pode ser

exercida mediante uma construção infinita e instável de negociações entre os Estados e de

reafirmação da legitimidade, o que configura algo bem diferente de “subordinação direta”.

Assim, pode-se dizer que o exercício da hegemonia no sistema internacional é o maior

responsável pela construção da ordem internacional.

Finalmente, faz-se necessário alguma discussão sobre o conceito de multipolaridade, o

qual em si não provoca muita divergência sobre o seu significado. O termo multipolaridade é

autoexplicativo já que resume a idéia de um sistema internacional composto por três ou mais

Estados-potência. Não exclui, porém, a possibilidade de haver uma pequena diferenciação

entre o poder destas potências, sendo algumas mais poderosas que outras, mas mantendo um

nível de poder relativamente semelhante. Sobre o sistema multipolar comparando-o às outras

possibilidades Haass (2008, p. 67) discorre:

En un sistema multipolar no domina ninguna potencia, puesto que en ese caso el

sistema se volvería unipolar. Las concentraciones de poder tampoco giran alrededor

de dos polos, pues entonces el sistema se volvería bipolar. Los sistemas multipolar

pueden ser cooperativos, e incluso asumir la forma de un concierto de potencias, en

el que unas cuantas potencias importantes colaboran para establecer las reglas del

juego y para disciplinar a los que las infringen. También pueden ser más

competitivos, girando alrededor de un equilibrio de poder, o conflictivos, cuando el

equilibrio se rompe.

O aspecto que gera mais debate relacionado a esse conceito de multipolaridade é o de

como se reconhece a polaridade do sistema, ou seja, como se identificam os pólos existentes

no sistema internacional para então classificá-lo em uni, bi, multi e até apolar. Tentar ressaltar

alguns critérios da caracterização de polaridade auxiliará na análise posterior, que

compreenderá os 20 anos de século XXI, em relação à distribuição de forças no cenário

internacional. Para Fonseca Jr (1998, p. 5) esta tentativa é um tanto quanto complexa, mas

concede alguma flexibilidade: “Dada a reconhecida complexidade do quadro internacional, é

natural que freqüentemente, ao se tentar definir a distribuição de poder nos dias de hoje,

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hesitemos. Daí, a vantagem de soluções híbridas, como a de combinar, sem dizer exatamente

em quantas partes, unipolarismo com multipolarismo.”.

De acordo com Barry Buzan (2004, p. 41) a investigação da polaridade é um valioso

caminho para entender as relações internacionais e pode oferecer uma possibilidade de

simplificar a complexidade do cotidiano da política internacional. Este autor, ao discorrer

algumas páginas sobre o tema, ressalta a importância do neorrealismo, especificamente de

Waltz (1979), na lapidação do termo, mas considera que esta corrente limita o poder de

análise por utilizar a polaridade de forma estreita e estrita. Buzan (2004, p. 4) explica que

polaridade não deve ser confundida com polarização a qual por sua vez significa uma

estrutura de coalizão entre as potências. Em síntese, Buzan (2004) relaciona a polaridade a

uma situação de longo prazo e duradoura ao passo que relaciona a polarização às construções

de alianças momentâneas.

Ademais, para Buzan (2004, p. 32) a idéia de polaridade está implícita desde

Tucídides, mas vem à tona com o advento da Guerra Fria e consequente diminuição do

número de potências em “duas grandes”. Assim, se estabeleceu como eficiente forma de

análise e passou a ser usada “retrospectivamente”. Por isso, acrescenta que a polaridade está

bem estabelecida tanto como abordagem teórica para entender a estrutura de poder

internacional como um fato social nos debates públicos sobre políticas mundiais (BUZAN,

2004, p. 45). No caso do contexto atual, Buzan (2004) comenta que a preponderância da

interpretação unipolar se fortaleceu como parte do argumento de quem: a) se opõe a ameaça

dos Estados Unidos “hiperpotentes” e preferem uma estrutura multipolar de poder e b) de

quem é aliado dos mesmos, mas teme que a unipolaridade esteja alimentando a política

unilateralista de Washington prejudicando a estrutura multilateral antes instrumentalmente

apoiada pelos Estados Unidos.

A fim de concluir esta revisão teórica, utiliza-se a frase de Waltz (2002) para

resumidamente retomar a primeira idéia desenvolvida neste tópico. Para este autor, “A

política da balança de poder prevalece onde quer que dois, e apenas dois, requisitos existam:

que a ordem seja anárquica e que seja povoada por unidades que desejem sobreviver.”

(WALTZ, 2002, p. 168); o conceito de equilíbrio de poder nos revela que este conceito se

trata de um sistema que automaticamente direciona a uma igualdade de forças entre as

potências do sistema internacional levando a constituição de uma multipolaridade. No

entanto, este mesmo sistema pode ser manipulado a favor da manutenção do poder

hegemônico.

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1.3 O fim da Guerra Fria e as novas potências

Agora, retomando os precedentes históricos – expostos na primeira parte deste

capítulo – e os conceitos – discorridos na segunda parte – será feita uma composição de

argumentos de autores relevantes da área com o objetivo de construir um panorama dos vinte

anos pós-Guerra Fria. A ordem internacional vigente desde o fim da Guerra Fria ainda

perdura nos dias de hoje com poucas alterações, porém, a ordem mundial é bem diferente dos

últimos anos do século XX. Por outro lado, sobre o sistema internacional também se

considera que atualmente ele é composto de atores variados, e dentre os que recebem maior

destaque na maior parte dos trabalhos da área, inclusive neste, estão os Estados e as ações

promovidas por ele. No entanto, a ordem internacional hoje tem respaldo das Organizações

Internacionais as quais não devem ser desconsideradas, mas podem ser vistas como

instrumentos da manutenção hegemônica.

Portanto, merece ênfase a idéia de que a “tarefa norte-americana não é “criar” uma

nova ordem, mas transformar a existente para dar conta dos desafios atuais do sistema,

preservando seu núcleo e inspiração.” (PECEQUILO, 2005, p. 254). A ordem internacional

foi construída de modo a não prejudicar os interesses da grande potência, mas, ao não

acompanhar as mudanças da ordem mundial, em um primeiro momento não dá conta da

globalização e surgimento de muitos interesses e, em um segundo momento, não dá conta de

manter a segurança da soberania da própria potência hegemônica contra um inimigo tão

difuso quanto o contexto atual. Sobre esse primeiro momento pré-11 de setembro, Kissinger

(2007) argumenta que o poder relativo militar dos Estados Unidos entra em decadência pela

ausência de um adversário bem definido o que levará os países sob proteção desta potência a

uma insegurança fazendo-os assumir maior responsabilidade e autonomia. Por isso, este autor

identifica que há um novo funcionamento do sistema internacional o qual se direciona ao

equilíbrio. Para Kissinger (2007, p. 17) o sistema internacional do século XXI

[...] aproximar-se-á mais do sistema europeus de Estados dos séculos XVIII e XIX

do que do modelo rígido da guerra fria. Incluirá, pelo menos, seis grandes potências

– os Estados Unidos, a Europa, a China, o Japão, a Rússia e, provavelmente, a Índia

-, bem como uma multiplicidade de países de tamanho médio e mais pequenos.

Simultaneamente, as relações internacionais tornaram-se, pela primeira vez,

verdadeiramente globais. As comunicações são instantâneas; a economia mundial

funciona simultaneamente em todos os continentes. Surgiu uma série de questões

que só podem ser tratadas numa base mundial, como a proliferação nuclear, o

ambiente, a explosão demográfica e a interdependência econômica.

Todavia, a única superpotência deste primeiro período pós-Guerra Fria aqui definido,

com capacidade de intervir, são os Estados Unidos. No pós-Guerra Fria criou-se um mundo

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“unipolar” porém com uma superpotência sem a mesma facilidade de percorrer e ditar as

regras do “jogo” como em 1945 (KISSINGER, 2007; JERVIS, 2006). Apesar de o sistema

conter “potenciais potências”, Kissinger (2007) coloca que a ordem internacional deve mudar

à semelhança das outras vezes comandadas por esta hegemonia. Deve haver, para ele, uma

reconciliação e um equilíbrio de interesses nacionais competitivos.

Conforme o autor, “nunca os componentes da ordem mundial, bem como sua

capacidade para interagir e os seus objetivos, tinham mudado tão rápida, profunda e

globalmente.” (KISSINGER, 2007, p. 703). Por isso, a hegemonia vigente tem se tornado

menos excepcional o que a obriga a tomar uma posição de aliar-se a parcerias para manter-se,

ou seja, “para manter o equilíbrio em várias regiões do mundo, não podendo estes ser sempre

escolhidos apenas na base de considerações morais.” (KISSINGER, 2007, p. 707). Fazendo

uma analogia com a idéia de offshore balancing, proposta por Mearsheimer e Layne,

Kissinger defende que para este novo século a estratégia deverá ser diferente, dever-se-á

equilibrar tendências inerentes à política externa norte-americana: a de querer cuidar de todo o

mundo só e por meio de imposições e a de se fechar em si própria.

Com relação a como deve se conformar o comportamento da superpotência neste pós-

Guerra Fria, Layne (2006) alerta para o fato de que a hegemonia por si só é auto-destrutiva.

Por isso, os Estados Unidos não deveriam se desgastar com a hegemonia extra-regional, haja

vista a posse de um poder consolidado e uma posição privilegiada, e deveriam se preocupar

somente em se comportarem como estimuladores do equilíbrio de poder das outras regiões do

mundo. Este argumento é congruente também com o de Michael Cox (2004, p. 233) quando

analisa um componente importante de se relevar, a questão das condições da globalização que

segundo ele “onde o dinheiro gira com uma grande velocidade em um mundo aparentemente

sem fronteiras, é muito difícil para qualquer Estado, mesmo um tão poderoso quanto os

Estados Unidos, exercer um controle completo sobre todas as relações internacionais”.

Contudo, Ikenberry (2000, p. 20) sugere que:

The United States has entered the new century as the world’s lone superpower.

Whether that extraordinary power can be put to good use in creating a lasting and

legitimate international order will in no small measure be determined by how

American officials use and operate within international institutions. It might appear

that there are few constraints or penalties for the United States to exercise its power

unilaterally and at its own discretion.

Contrariando as sugestões, Robert Kagan (2002) observa que, como uma conseqüência

natural e previsível do momento unipolar, a hegemonia está cada vez mais disposta a usar a

“força”. Segundo este autor, com a extinção do poder soviético, os Estados Unidos passaram a

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considerarem-se livres para intervir, exemplo disto são a invasão do Panamá em 1989, Golfo

Pérsico em 1991, e a intervenção humanitária na Somália em 1992 durante a administração do

George H. W. Bush além das intervenções no Haiti, Bósnia e Kosovo durante o período

Clinton. Essa atuação americana no primeiro momento do pós-Guerra Fria encaminha o

raciocínio a um argumento de que a política externa americana durante os últimos vinte anos

tem sido mais constante do que se imagina, evidenciada pelas intervenções do governo

George W. Bush no Afeganistão e no Iraque.

A supremacia americana, como observado anteriormente, produziu uma ordem

internacional nova a partir de 1945 a qual Brzezinski (1997) classifica: são componentes

deste, os sistemas coletivos de segurança, instituições especializadas de cooperação

econômica, procedimentos que enfatizam a tomada de decisões por consenso, a preferência

por nações democráticas e uma estrutura jurídica global fundamental. Porém, como aponta

Gaddis (2005, p. 384), durante a administração George H. W. Bush e Bill Clinton a consulta

multilateral diminuiu, pois esta prática agora parecia menos necessária que durante a Guerra

Fria. Por isso, acrescenta que a administração George W. Bush herdou o que tem sido

chamado de unilateralismo americano, ele não o inventou (GADDIS, 2005, p. 384).

Entretanto, este último presidente intensificou o unilateralismo, de acordo com Gaddis (2005)

em muitos aspectos, como a falta de diplomacia para lidar com o protocolo de Kyoto e

questões da mudança climática, a Corte Internacional de Justiça e o Tratado de Mísseis Anti-

Balísticos, a “descasualidade” em dispensar ajuda na invasão do Afeganistão, a obstinação em

derrubar Saddam Hussein e ao conquistar o Iraque não reconhecer que não sabia o que estava

fazendo lá. Assim, como observa Gaddis (2005, p. 385), identifica-se neste segundo período

do pós-Guerra Fria que:

All of this led to an unprecedented loss of support throughout the rest of the world

for the United States and its foreign policy objectives. The view seemed to be

emerging that there could be nothing worse than American hegemony if it was to be

used in this ways.

Em uma observação semelhante, Buzan (2007) descreve que desde os anos 1990, mas

principalmente desde 2003, os Estados Unidos tem se tornado o inimigo do seu próprio

projeto do século XX. Eles têm, segundo o autor, gradativamente, rejeitado o

comprometimento com o multilateralismo, se revelando contra as Organizações

Internacionais que criaram; recuaram da liderança comercial e perderam espaço de líder

financeiro indiscutível. Isso tem destruído a confiança de décadas anteriores e corroído a

lealdade com os seus seguidores, particularmente da Europa. Por isso, Buzan (2007) questiona

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que se os Estados Unidos continuarem querendo liderar, quem os seguirá já que existe um

mundo com valores muito diferentes além do Atlântico. Para Buzan (2002, p. 258):

Antes do 11 de setembro, o país parecia estar mudando seu ponto de vista, se

afastando dos compromissos liberais internacionais de décadas de Guerra Fria e se

aproximando de uma postura mais autocentrada, unilateralista, se opondo e até

mesmo atacando muitas das estruturas institucionais construídas por suas próprias

políticas ao longo do último meio século. Se esta tendência representava apenas um

efeito temporário de uma administração particularmente conservadora ou uma

mudança mais profunda convergindo com o lado menos liberal do excepcionalismo

americano, é uma questão para debate. E assim permanece até hoje, mas com as

pressões que atuam sobre essa problemática modificadas pelo 11 de setembro. [...]

Em parte, o unilateralismo americano foi reforçado, mas ao mesmo tempo os EUA

têm consciência de que ainda precisam de outros jogadores do seu lado para serem

capazes de realizar seus próprios objetivos a custos razoáveis.

Ou seja, esse segundo período do pós-Guerra Fria não traz uma mudança definitiva no

modo de ver o mundo, mas certamente está implícita uma necessidade de mudança à política

externa norte-americana. Para Jervis (2006, p. 10) os Estados Unidos simplesmente não

podem mais manter o mesmo posicionamento que o tomado antes de 11 de setembro de 2001.

Apesar do sistema unipolar, a ameaça terrorista relembra a ameaça da Guerra Fria; além disso

o provável fracasso do experimento de Bush deixará um legado de como balancear o que é

desejável com a repressão (JERVIS, 2006, p. 18).

Contestando o princípio realista de Morgenthau (2002) de que os valores morais

universais não podem ser aplicados aos Estados, a estratégia norte-americana durante o

Governo W. Bush, após os atentados terroristas, além da auto-segurança, se utiliza dos valores

morais para se fundamentar. O desempenho dos Estados Unidos se mostra um misto de

liberalismo ideológico e pragmatismo definido em termos de poder realista. Ou seja,

identificam no cenário internacional uma ameaça ao equilíbrio de poder5 originalmente

deslocado a seu favor baseado em fatores de hard power6. No entanto, se apoderam dessa

situação para inserir valores morais na sua expansão ideológica sendo possível, assim,

declarar os motivos dos valores democráticos para vincular interesse nacional7 a interesse de

todos. Conforme Condoleezza Rice (2008) “Como no passado, nossa política não só foi

respaldada por nossa força, mas também por nossos valores. Estados Unidos tratou durante

5 De acordo com Morgethau (2002), o equilíbrio surge através da tendência de conflito entre diversos atores do

sistema internacional. Esses conflitos possuem como principal interesse não deixar que uma potência se torne

suprema sobre as outras. Desse modo, a rivalidade entre as nações faz com que o equilíbrio entre elas ocorra. 6 Hard Power, de acordo com Nye Jr. (1990; 2002), são as formas de exercício do poder da maneira tradicional,

através do uso da força, da sanção e da indução. Simboliza os recursos tangíveis, a dimensão do poder

econômico e militar. 7 Interesse Nacional, para Morgenthau (2002) é a sobrevivência física, política e cultural de um Estado. São,

portanto, os requisitos mínimos para a garantia da integridade da nação.

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muito tempo de compor o poder e os princípios, o realismo e o idealismo.” (RICE, 2008, p.

131).

Com os ataques de 11 de setembro o governo de George W. Bush compôs uma nova

estratégia para segurança do país, mas que se concluiu em uma carta de intenções dos Estados

Unidos para o mundo. Seria dessa forma que de agora em diante a hegemonia aplicaria seus

investimentos e gastos militares e seria dessa forma que o seu relacionamento com os outros

países do mundo se desenvolveria. A “National Security Strategy 2002”, também conhecida

por Doutrina Bush, delineava as atitudes de “preempção e prevenção”, meio pelo qual

poderiam intervir militarmente contra o ‘eixo do mal’. Este documento permeava,

fundamentalmente, os princípios da ideologia neoconservadora, e traçava as metas para o

extermínio do terrorismo. Além disso, o governo explicitava quais eram seus verdadeiros

parceiros, amigos e inimigos e determinava quais seriam os objetivos a serem atingidos com

cada nação/região.

Para entender, portanto, o pensamento que embasa estes discursos e documentos

oficiais além das práticas do governo George W. Bush deve-se considerar a ideologia

neoconservadora que os embasa. Os neoconservadores são um grupo de intelectuais que se

destacaram durante o governo Reagan dentro do partido Republicano. Pode-se considerá-los

conformadores de uma ideologia, pois influenciaram a política americana de W. Bush tanto

doméstica quanto internacionalmente e conduziram a administração de 2001 a 2009 a uma

exacerbação do discurso baseado em valores morais. Além disso, a negligência às atuações

multilaterais pode também ser conferida a influência neoconservadora na política externa

norte-americana.

Característica do neoconservadorismo, o sincretismo entre realismo e idealismo pode

ser verificado nos argumentos dos documentos oficiais que colocam como princípio e como

dever a necessidade de “tomar conta” e regular a ordem internacional. Na Estratégia de

Segurança Nacional (NSC, 2002, p. 9) está descrito, portanto, que “the United States must

defend liberty and justice because these principles are right and true for all people

everywhere”, considerando que podem declarar os princípios do mundo. Além disso, o

interesse nacional de livre comércio e o interesse de todos é associado no trecho que diz:

“Free markets and free trade are key priorities of our national security strategy” (NSC, 2002,

p. 27). Além de considerarem os seus valores, os valores do mundo, os meios com os quais

combateriam o terrorismo seriam por medidas de “preempção e a prevenção”:

The United States has long maintained the option of preemptive actions to counter a

sufficient threat to our national security. The greater the threat, the greater is the risk

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of inaction— and the more compelling the case for taking anticipatory action to

defend ourselves, even if uncertainty remains as to the time and place of the

enemy’s attack. To forestall or prevent such hostile acts by our adversaries, the

United States will, if necessary, act preemptively. (NSC, 2002, p. 19)

De acordo com Rice (2008), enquanto mantenedores da ordem mundial, os Estados

Unidos devem ajudar os Estados mais frágeis e que funcionam mal a se fortalecerem para

impedir que fracassem. Além disso, a ex-secretária de Estado acrescenta que “dar forma a

esse mundo é o trabalho de toda uma geração, mas já fizemos isso antes” e que “Nós

Americanos devemos participar da política exterior porque temos que fazê-lo e não porque

desejamos: essa é uma atitude saudável; é atitude de uma república e não de um império.”

(RICE, 2008, p. 149 e 150) Enfim Rice (2008) manifesta o interesse nacional em dois valores

essenciais para o interesse de todos: “Cada vez está mais claro que as práticas e as instituições

da democracia são essenciais para a promoção de um desenvolvimento sustentado e

generalizado, e que o desenvolvimento regido pelo mercado é essencial para a consolidação

da democracia.” (RICE, 2008, p. 136).

Fundamentado em todos esses argumentos oficiais, os Estados Unidos tem promovido

guerras no Oriente Médio com o intuito de disseminar na região a sua ideologia ocidental e,

assim, acabar com grupos terroristas. No entanto, esse intervencionismo tem ocorrido de

maneira unilateral e de forma que, segundo Hurrell (2005), tem complicado a manutenção da

hegemonia. Aprofundando esse argumento, o autor coloca que:

A promoção dos interesses dos Estados Unidos em uma era globalizada tem, cada

vez mais, envolvido a intrusão profunda na forma como diferentes sociedades

devem ser organizadas domesticamente, sendo essa uma mudança estrutural. Se os

Estados devem desenvolver políticas efetivas para o desenvolvimento econômico,

proteção ambiental, direitos humanos, resolução de crises de refugiados,

narcotráfico e terrorismo, então eles precisam engajar-se com uma ampla gama de

atores internacionais e transnacionais e interagir não só com governos centrais, mas

com um conjunto muito mais diversificado de atores políticos domésticos,

econômicos e sociais. Se os Estados Unidos desejam resolver problemas em um

mundo globalizado, não podem simplesmente persuadir ou intimidar governos a

assinar tratados; terminam, inevitavelmente, envolvidos na condução dos negócios

domésticos e na organização interna dessas sociedades. Essa tendência tem sido

reforçada pela transformação da agenda de segurança e [...] um dos fatores mais

importantes que tem reformulado o debate sobre legitimidade e, uma vez mais,

complicado o exercício do poder hegemônico. (HURRELL, 2005, p. 11)

A disseminação dos valores norte-americanos não se trata de exclusividade do

governo W. Bush. No entanto, ao ser levada à frente pelos neoconservadores configurou uma

idéia negativa já que, como descrito acima, consistiu em reestruturar completamente, de

acordo com seus interesses, os rogue states. De certa forma, a inserção agressiva americana

nestes países provocou descontentamentos por todo o mundo que desgastaram a imagem

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internacional. Além da imagem, também o poderio militar ficou sobrecarregado com as

guerras no Afeganistão e no Iraque que completam em 2010, respectivamente, nove e sete

anos de intervenção.

Esse desgaste da hegemonia americana pôde, portanto, permitir uma tímida

redistribuição de poder a qual proporcionou um destaque maior aos países considerados

“emergentes”. No discurso oficial, entretanto, essa redistribuição pode ser identificada pela

menção de importantes centros de poder global:

The events of September 11, 2001, fundamentally changed the context for relations

between the United States and other main centers of global power [destaque nosso],

and opened vast, new opportunities. With our long-standing allies in Europe and

Asia, and with leaders in Russia, India, and China, we must develop active agendas

of cooperation lest these relationships become routine and unproductive. Every

agency of the United States Government shares the challenge. We can build fruitful

habits of consultation, quiet argument, sober analysis, and common action. In the

long-term, these are the practices that will sustain the supremacy of our common

principles and keep open the path of progress. (NSC 2002, p. 31)

Por isso considera-se que importantes centros de poder regional ascenderam e a

necessidade de se manter hegemonia global, para os Estados Unidos, não tem sido uma tarefa

fácil. No presente trabalho restringimos o conceito de países emergentes a Brasil, Rússia,

Índia, e China, pois são os países com os quais os documentos oficiais demonstram maior

preocupação, tanto de estabelecer cooperação quanto de estabelecer correlação de forças.

Além desses, devemos considerar a crescente atuação internacional da África do Sul em

relação ao seu papel econômico e político regional e mundialmente. Como alerta Hobsbawm

(2009, p. 337) “Os países da África, Ásia e Américas tem peso demográfico e por isso

exercem uma pressão coletiva devido a uma explosão demográfica [desde o] pós-Segunda

Guerra Mundial que desequilibra a concentração da população mundial.”.

Em linhas de concluir este primeiro capítulo, é importante ressaltar que estar no topo

por tanto tempo tem o seu lado negativo (ZAKARIA, 2008). Ao citar essa frase, Zakaria

(2008) pretende que os olhares se voltem para uma análise mais ampla da condução da

hegemonia americana, uma análise que permita enxergar que hoje existem desvantagens em

ser a América, pois as potências emergentes “They can speak English but also Mandarin or

Hindi or Portuguese. They can penetrate the U.S. market but also the internal Chinese, Indian,

or Brazilian one. Americans, by contrast, have never developed the ability to move into other

people's worlds.”.

Por outro lado, apesar de estarem perdendo poder relativo e de não poderem dominar o

mundo “pela primeira vez os Estados Unidos não podem retirar-se” dele (KISSINGER, 2007,

p. 12); não podem insistir na “realização imediata dos seus intentos”, e existem outros países

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emergindo ao status de grandes potências o que gera uma nova necessidade, “a de que um

mundo com vários estados de força comparável tem de basear a sua ordem num determinado

conceito de equilíbrio – uma idéia com a qual os Estados Unidos nunca se sentiram à

vontade.” (KISSINGER, 2007, p. 13). Portanto, Vizentini (2003, p. 16) afirma que finalmente

os grandes países da periferia reafirmam uma ação conjunta a fim de estruturar um sistema

mundial multipolar, pois

Apoiada na agenda da guerra ao terrorismo, os EUA se envolvem em contradições

ainda maiores e guerras no fim de um mundo, sem resultados convincentes, num

esforço para evitar o surgimentos de um mundo multipolar (ou de “potências rivais”,

como definiram Kissinger e Brzezinski) que se esboça gradativamente, e que

deixaria a América numa posição mais modesta. [...] Os pólos emergentes tendem a

construir um sistema mundial multipolar, com equilíbrios de poder de geometria

variável, onde as organizações multilaterais como as Nações Unidas deveriam

ganhar novo vigor, reformadas devido ao estabelecimento de uma nova correlação

de forças. (VIZENTINI, 2003, p. 16-17)

Para Nye (2002, p. 42) esta idéia parece perigosa já que há uma necessidade de

governança global de potências nucleares, por isso considera a possibilidade dos Estados

Unidos agirem como balanceadores desta emergência das novas potências algo previsível.

Próximo de adivinhar a dinâmica mundial dos últimos anos, mesmo sem acreditar que isso

possa ocorrer, Nye (2002, p. 49) identifica que “Os períodos de poder desigual podem gerar

estabilidade, mas se a política imposta pelo Estado preponderante causar insatisfação, é bem

possível que os países emergentes venham a desafiá-lo, formando alianças para superá-lo à

força.”. Nye (2002) ainda acredita no poder da ordem internacional criada pelos Estados

Unidos no pós-1945. Cox (2004, p. 234) por sua vez, converge com esta idéia no seguinte

aspecto: o de que os benefícios de viver sob a estrutura do “império” (que aqui consideramos

hegemonia) Americano superam os custos de viver fora dela proporcionando ainda, apesar

das emboscadas que criou a si mesmo, um longo caminho a se seguir. Porém, Cox (2004)

ressalta “This does not mean its power will be unchallenged for ever.”.

O Segundo Mundo de Parag Khanna (2008) são estas potências que emergem do

Terceiro Mundo e que tem adquirido capacidade de influência global devido a fatores internos

e também devido à agilidade em extrair benefícios da ordem internacional, assim como fazer

parte da sua formulação. Porém, diferentemente de Khanna (2008) considera-se aqui a Índia

como um país pertencente a este novo grupo de países desafiadores da ordem imposta, e

capaz de atuar em seu benefício neste contexto. Para tanto, a partir de uma prévia

fundamentação histórica, seguir-se-á com a explanação das características que conformam a

Índia hoje, assim como a sua capacidade de lidar com os desafios na política externa, para

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então identificar as reais possibilidades de influência internacional deste país e suas chances

de alcançar o status de grande potência.

CAPÍTULO 2

A CONTEXTUALIZAÇÃO DA ÍNDIA

Fonte: www.mapsofindia.com

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A Inserção da Índia no Pós-guerra Fria...

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Com o intuito de aproximar a discussão proposta por este trabalho, de entender o papel

da Índia dentro do sistema internacional no contexto do pós-Guerra Fria, é fundamental uma

breve reconstrução da história da formação e consolidação do país. Para tanto, este capítulo

está dividido em quatro partes dentro das quais são desenvolvidos os contextos históricos da

Índia antes, durante e depois da colonização britânica. A seguir descreve-se sumariamente

sobre o período da conformação do Estado indiano anteriormente às invasões britânicas;

Posteriormente, discorre-se sobre o período da Índia colônia, seguido pela a explicitação do

processo emancipatório e da inserção indiana na Guerra Fria. O último tópico tem por

objetivo explicar as condições domésticas da Índia no século XXI. Assim, ao final, será

possível contextualizar e identificar as origens de eventos importantes de serem

compreendidas dos últimos vinte anos de um novo século.

2.1 O período pré-colonial

A história da Índia enquanto Estado constituído não existe no período anterior às

invasões britânicas. Por isso se faz referência à divisão histórica apresentada por Braudel

(1989) em que divide este período pré-colonial em três etapas. A primeira delas está

compreendida entre 1400 a.C. ao século VII d.C. a qual denomina civilização indo-ariana

védica; a segunda delas que abrange até o século XIII, corresponde à civilização medieval

hindu; e a terceira, que vai até o século XVIII, caracterizada como civilização islamo-hindu.

Por se tratar de um longo período histórico, este primeiro ponto do capítulo será

sucinto ressaltando-se aspectos originários remanescentes na região até os dias de hoje como,

por exemplo, a questão das castas, do hinduísmo e do islamismo. Contudo, é indispensável

destacar que a Índia foi constituída devido à unificação provocada pela colonização britânica.

Antes desta, a região era diversificada e sofreu processos de migração de diferentes povos. De

acordo com Brah (2006, p. 340),

[...] o termo Hindustão, usado pelos Mughals [império predominante no século

XVIII] se referia em termos gerais aos estados do norte da Índia. [...] A evidência

histórica mostra, contudo, que a Índia pré-colonial era uma entidade heterogênea, e

que as pessoas provavelmente se definiam mais em termos de sua filiação regional,

lingüística ou religiosa do que como membros do Hindustão. De fato, pode-se

argumentar que a “identidade indiana” como conjunto de identificações com um

estado-nação foi o resultado da resistência e luta contra o colonialismo e não algo

que existiu antes desse período. (BRAH, 2006, p. 340)

Sobre a civilização que existia antes das invasões britânicas na região do sul da Ásia,

portanto, Braudel (1989) observa que esta se compunha a partir de divisões sociais

“primárias” em um cenário “pseudofeudal e compósito”. Ademais, podia ser identificada a

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supremacia religiosa, causa de uma sociedade fracionada. Dentro da primeira etapa,

previamente exposta, apresentada por Braudel (1989), “pouco a pouco emergiram dos

principados minúsculas realezas e mais tarde cidades aristocráticas, ligadas pelo comércio.

Essas cidades, logo populosas, aproveitam-se do luxo de suas cortes principescas e de suas

ricas burguesias.” (p. 217). Desse modo, o autor reafirma que a hierarquização da sociedade e

o sistema de castas “tão peculiar à Índia” se desenvolveu e tomou forma entre os anos 300 a.C

e 700 d.C. Característica marcante da Índia contemporânea, as castas “levaram cerca de mil

anos para se formar, ao acaso das misturas étnicas e culturais, e também em decorrência da

crescente diferenciação dos ofícios. Daí resultaram milhares de castas (cerca de 2.400 ainda

na época atual). No estágio mais baixo, aquém de todas as proibições, os parias, os

intocáveis.” (BRAUDEL, 1989, p. 219).

No segundo período proposto, da civilização medieval hindu, Braudel (1989) explicita

que o Hinduísmo se afirmou solidamente como um “conjunto” durante o período que chama

de Idade Média Indiana o qual se estende até a fundação do sultanato de Delhi em 1206. Por

isso, o autor ressalta a importância de compreender o papel do Hinduísmo para a civilização

indiana. Este está arraigado há muito tempo nos costumes da população que habita a região,

passando a ser essência da civilização indiana, mais que uma religião ou ordem social.

A respeito do período compreendido entre os séculos XIII e XVIII, Braudel (1989)

destaca a dominação autoritária do Islã na região que pouco atingiu as estruturas da sociedade

e da economia hindu. Destaca também o aumento dos contatos com o Ocidente, iniciados no

século XV e gradualmente crescentes até o final da “civilização islamo-hindu”.

2.2 A colonização britânica

A Índia, apesar de ter sido invadida por franceses e portugueses, teve a maior parte do

seu território colonizada pelos britânicos. De acordo com Braudel (1989), a Índia inglesa foi

fundada em 1757 e conformada completamente em 1849. O status de colônia que perdurou

por quase dois séculos, até a independência em 1947, era de um território permeado por uma

série de Estados autônomos (mais no campo dos princípios do que efetivamente, no plano

prático, real), mas que se mantinham sob a autoridade do governo britânico. Assim, “o

continente inteiro suportou o choque dessa vigorosa dominação apoiada numa imensa

superioridade econômica.” (BRAUDEL, 1989, p. 229). Superioridade econômica que fez da

Índia alicerce para a Revolução Industrial liderada pela Grã-Bretanha e sua indústria têxtil, e

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colocou a colônia na posição mais importante já ocupada dentro da economia mundial. De

acordo com Tiku (2009), a Índia representava, em 1770, cerca de 20% da economia mundial.

Desse modo, a Índia tornou-se um produtor de matérias-primas, onde a exploração era

conduzida, até 1858, pela Companhia das Índias (BRAUDEL, 1989). Além disso, à medida

que se intensificava a colonização, o sistema local ia se deteriorando. Originalmente, o

sistema poderia ser descrito assim:

Assim foi por muito tempo essa economia aldeã de subsistência, antiqüíssima, mais

ou menos fechada sobre si mesma, aliando agricultora e artesanato, portanto livre

em relação ao exterior, salvo no que concerne ao sal e ao ferro... A organização

social das castas mantinha ali cada qual em seu lugar, do brâmane instrutor,

sacerdote ou astrólogo, aos anciãos ou aos camponeses abastados que pertenciam às

castas elevadas. Na base da pirâmide, trabalhando a terra, os intocáveis formavam a

maioria. (BRAUDEL, 1989, p. 230)

Detalhadamente, os resultados da dominação britânica na Índia podem ser descritos

por Marx (1853) que se refere a região como Hindustão, demonstrando a devastação dos

colonizadores sobre a colônia:

Os invasores ingleses quebraram os ofícios de tecelagem dos indianos e destruíram

suas rocas. A Inglaterra começou por excluir os tecidos de algodão indianos do

mercado europeu, depois ela se pôs a exportar para o Hindustão o fio e enfim

inundou de tecidos de algodão a pátria dos tecidos de algodão. De 1818 a 1836 as

exportações de fios da Gran-Bretanha para a Índia aumentaram na proporção de 1

para 5.200. Em 1824 as exportações de musselines ingleses para a Índia atingiam

apenas 1 milhão de jardas, enquanto em 1837 elas ultrapassavam 64 milhões de

jardas. Mas no mesmo período a população de Dacca passou de 150.000 habitantes a

20.000. Esta decadência das cidades indianas, célebres por seus produtos, não foi a

pior consequência da dominação britânica. A ciência britânica e a utilização da

máquina a vapor pelos ingleses haviam destruído, em todo o território do Hindustão,

a ligação entre a agricultura e a indústria artesanal.

Havia um esforço por parte dos ingleses em inserir os costumes ocidentais, e até

mesmo de provocar a assimilação, o que segundo Hobsbawm (1982) servia para facilitar a

administração e fazer com que a economia prosperasse. Assim, foram sendo destruídas, pouco

a pouco, a estrutura social e a economia existente. No entanto, este processo de

ocidentalização, de acordo com o autor, pode ser tido como um processo fracassado, pois os

ingleses, além de serem poucos administradores em comparação aos 190 milhões de indianos

(14% da população mundial em 1871), tinham como aliados parte de uma elite local. Por isso,

utilizavam-se delas para não correrem os riscos políticos da excessiva interferência nas

práticas populares (HOBSBAWM, 1982). Portanto,

As grandes áreas da Índia ainda não ocupadas por administração direta foram

deixadas para a administração de príncipes locais marionetes, controlados pelos

ingleses, embora oficialmente respeitados e considerados, e estes, por seu turno,

transformaram-se nos pilares do regime que lhes garantia riqueza, poder local e

status. Desenvolveu-se uma tendência para buscar apoio nos elementos mais

conservadores deste país, os proprietários de terras e especialmente a poderosa

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minoria muçulmana, seguindo a antiga regra imperial ‘Divide e Impera’. Com o

passar do tempo, esta mudança de política tornou-se mais do que o reconhecimento

da resistência da Índia tradicional à dominação estrangeira. Tornou-se um

contrapeso ao lento desenvolvimento da resistência da nova elite indiana classe-

média – produtos da sociedade colonial, em alguns casos seus servidores.

(HOBSBAWM, 1982, p. 142-143)

Contudo, as fricções sociais causadas pelo sentimento segregacionista dos ingleses e a

evidente deterioração na qualidade de vida do trabalhador indiano, já que a produção não era

destinada ao consumo interno, provocavam conflitos. Como Braudel (1989, p. 231) destaca,

Fundam-se cidades que não tem outra função senão reunir e expedir mercadorias. O

camponês indiano, portanto, cultiva, cada vez mais, produtos que não se destinam à

alimentação de sua família ou de sua aldeia. A cultura industrial toma a dianteira

sobre a cultura alimentar. Resultado: com o concurso do crescimento demográfico,

fomes catastróficas no curso dos últimos anos do século XIX e diminuição das

rações alimentares, visível através de nossas imperfeitas estatísticas.

Consequentemente, a tentativa de ocidentalização produziu, conforme Hobsbawm

(1982), lideranças, ideologias e programas de luta de libertação indiana provindas daqueles

que haviam colaborado com os ingleses. Deste modo, “Isso produziu o início de uma classe

de industrialistas locais, cujos interesses viriam produzir conflitos com a política econômica

metropolitana.” (HOBSBAWM, 1982, p. 141). Braudel (1989), por sua vez, coloca que a

relação colonizador-colono passou a se agravar com a ruína dos artesãos aldeões, combatidos

pela concorrência industrial e deslocados para a agricultura, e com a sistemática inglesa que

considerava a Índia um local para escoar seus produtos industriais (o que “matou” a indústria

têxtil local) e comprar produtos brutos para alimentar a indústria da metrópole.

A dominação britânica sobre os territórios do sul da Ásia ocorria em um contexto em

que a ocupação permanente pelos colonizadores era difícil e cara. Para Hobsbawm (1982, p.

140), apesar de a região ter historicamente sofrido diversas invasões, desta vez os estragos

eram muitos e provocavam muito incômodo:

A Índia – de longe a maior colônia – ilustra as complexidade e paradoxos desta

situação. A mera existência de dominação estrangeira em si mesma não colocava

maiores problemas aqui, já que vastas regiões do subcontinente tinham sido, no

curso de sua história, conquistadas e reconquistadas por vários tipos estrangeiros (a

maioria da Ásia central), cuja legitimidade havia sido suficientemente estabelecida

pelo poder efetivo. [...] Entretanto as mudanças que eles provocaram,

deliberadamente ou em consequência de sua curiosa ideologia e atividade

econômica sem precedentes, eram mais profundas e perturbadoras que qualquer

outra coisa que tivesse atravessado o Passo Khyber.

Dentre os movimentos de resistência contrários à administração britânica, Hobsbawm

relata sobre o “Motim Indiano” ocorrido entre 1857 e 1858. Esse motim, de acordo com o

autor, foi uma reação do norte da Índia contra a dominação britânica liderado por nobre e

príncipes que tentavam restaurar o Império Mughal. Apesar de ter sido mal sucedido, o motim

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“ensinou aos ingleses a ter cuidado” (HOBSBAWM, 1982, p. 142). Ainda resultado da

insatisfação local com o imperialismo, consolida-se um movimento nacionalista,

materializado na criação do Congresso Nacional Indiano (1885), que direcionaria a ideologia

do século XX, mesmo que representando uma restrita parte dos indianos (HOBSBAWM,

1982; BRAUDEL, 1989).

Já no início do século XX, o movimento “Sarvagraha” levantado por Mohandas

Gandhi (1919) simboliza os anseios pela libertação. Em um movimento pacífico de

desobediência civil pacífica, Gandhi se uniu a outro ícone do movimento de independência,

Jawaharlal Nehru, para conquistar o direito das eleições provinciais (TIKU, 2009). Seguidos

destas conquistas, Gandhi liderou o conhecido movimento da “Marcha do Sal” (1930) em que

se caminhou rumo ao litoral protestando pelas altas taxas impostas pela administração

britânica sobre um bem que tinham em abundância (BRAUDEL, 1989).

A partir de 1942, os movimentos de autonomia passaram a se intensificar e começou a

ter como bandeira o lema “deixem a Índia” (TIKU, 2009). Braudel (1989, p. 235) descreve o

desenvolvimento das manifestações por todo o território ocupado pelos britânicos até a

conquista da independência e a divisão do território em Índia e Paquistão:

A 8 de agosto de 1942, o Congresso Adere à monção de Gandhi: ‘Que os ingleses

saiam da Índia!’ Em 1942 e 1943, com o avanço japonês na Birmânia [Myanmar] e

as ameaças contra Assam e Bengala, a situação é gravíssima: estações ferroviárias e

edifícios públicos são destruídos. Restaurada a paz, a tensão aumenta. A 11 de junho

de 1947, o Parlamento Inglês concede finalmente à Índia sua independência. Os

vínculos são rompidos. Todavia essa Inda livre está dilacerada contra si mesma. No

dia 15 de agosto ela se separa em dois domínios: a União Indiana de uma lado, o

Paquistão de outro [...].

Os desgastes da metrópole com as Guerras Mundiais e a Grande Depressão devem ser

colocados na balança quando se refere ao processo de independência da região. A Índia, por

sua vez, obteve ganhos com as perdas da metrópole. Segundo Mallavarapu (2006, p. 244),

“Na primeira guerra mundial os setores existentes de juta e têxtil tiveram um grande êxito,

além de que nos anos entreguerras criaram-se novos setores por iniciativa do empresariado

indiano os quais conquistaram seus lugares na economia mundial.” Além disso, a Índia

colaborou com os “Aliados” na Segunda Guerra Mundial em troca da promessa da libertação

do seu território. Em março de 1947 foi nomeado o último vice-rei para conduzir e

supervisionar o fim da dominação britânica (TIKU, 2009). Segundo Braudel (1989, p. 234),

após “uma longa agitação, intermináveis processos resultarão finalmente na independência e

na divisão de 15 de agosto de 1947.”.

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2.3 A independência e a Guerra Fria

Os anos que se seguiram à independência da Índia foram marcados tanto por um

paulatino desenvolvimento industrial como por guerras com os países vizinhos. Entre 1947 e

início da década de 1980, a Índia traçou uma estratégia de desenvolvimento, se aproveitava da

experiência adquirida no período de colônia, liderada e sustentada por um dos maiores

símbolos da nação, o primeiro-ministro eleito Nehru (1947-1964). Como apresenta Tiku

(2009), o contexto da independência trouxe a Nehru uma imagem de defensor da nação

indiana, principalmente depois do assassinato de Mahatma Gandhi em 1948. Para este autor,

grande parte do desenvolvimento da Índia independente estava atrelado à figura de Nehru:

Nehru herdou um país paradoxalmente imbuído de um espírito de realização

obstruído pela pobreza. O país estava livre para inovar, mas escravizado pela

tradição, por seu sistema de castas e uma falta de educação moderna,

particularmente para as mulheres. Foi a visão de Nehru de uma republica

democrática secular, livre e dinâmica – tão expressiva de sua elogiada previsão que

seria seu marco para alcançar a grandeza nacional. A fim de realizar essa visão, um

dos primeiros objetivos de Nehru era criar uma rede extensa de instituições

educacionais para instituir e libertar os jovens. (TIKU, 2009, p. 107)

A estratégia econômica, portanto, se apoiava em planejamento com base em planos

qüinqüenais que primavam pela priorização da industrialização pesada com forte proteção à

produção nacional (tanto das empresas como da pequena produção artesanal), regulação do

sistema financeiro, diminuída participação do capital externo, e controle estatal dos setores

estratégicos (PRATES; CINTRA, 2009, p. 400). Conforme explicitam Prates e Cintra (2009,

p. 402),

A defesa desta implantação [da indústria pesada] já transparecia nos discursos

nacionalistas de Nehru no limiar da independência, bem como nos vários

documentos programáticos da época (como o Plano Bombaim, elaborado pelos

grandes empresários). Ademais, esta defesa e as políticas protecionistas acionadas

para viabilizar a implantação do setor de bens de produção foram influenciadas pelo

modelo soviético de economia fechada. Esta estratégia constituiu uma das metas

centrais do 2º e do 3º Plano Qüinqüenal, que representaram um marco na política

industrial indiana e se basearam no modelo teórico formulado pelo professor

Mahalanobis, inspirado, por sua vez, na experiência de desenvolvimento da União

das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que também priorizou a constituição

de um departamento autônomo de bens de produção.

Por isso, pode-se afirmar que o Estado indiano moderno se trata de um produto da

construção colonial e da modificação nacionalista (MALLAVARAPU, 2006). A economia,

portanto, estava dividida da seguinte maneira em 1947, a agricultura compreendia mais da

metade das atividades desenvolvidas e a indústria com menos de 10% e, por efeito da

estratégia supracitada, ao final do século o setor industrial compreendia um quarto da

produção e o setor de serviços, 50% (MALLAVARAPU, 2006, p. 245). Todavia, para

Mallavarapu (2006), a Índia deveria ter optado, ao invés da autarquia, pela abertura

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econômica, em 1947, o que, de acordo com o autor poderia tê-la levado a um

desenvolvimento econômico melhor. Entretanto, esse era o ritmo das reformas de escolha

nacional, inspirados pelo modelo da União Soviética. Sobre isso, Nehru discursa em 1962

(apud BRAUDEL, 1989, p. 237) dizendo que:

Não somos doutrinários socialistas. Queremos simplesmente conduzir a longo prazo

esse país à prosperidade e, no imediato, elevar o nível de vida e reduzir as

disparidades sociais. Para tanto, agimos sobre a economia, mas deixando muito

espaço para empresa privada: parte da grande industria, toda a pequena e média

industria, toda a agricultura escapam ao setor público. No campo, incentivamos as

cooperativas, mas não temos nenhuma intenção de chegar ao coletivismo. Mais uma

vez: não somos doutrinários socialistas. Avançamos passo a passo, esforçamo-nos

por resolver pacificamente os problemas. [...] Como está vendo, procuramos em

todas as ocasiões seguir a via democrática.

Ademais, Braudel (1989) considera que muitos obstáculos aparecem nesse caminho ao

desenvolvimento, obstáculos políticos, sociais e culturais. Apesar de ter progredido, após a

independência, a indústria e liquidado com Estados principescos e dos marajás, a Índia

haveria de enfrentar, durante os anos da Guerra Fria, desafios no que se referem às fronteiras

e ao conflito bipolar mundial, assim como a questões sociais tais quais a miséria, a contração

de terra e de água, e as leis agrárias ineficazes (BRAUDEL, 1989). De acordo com Nayar e

Paul (2003, p. 84), a questão da divisão entre Índia e Paquistão, por exemplo, apresentou uma

possibilidade de intervenção na região o que representava uma situação de importante

vulnerabilidade para a Índia:

The end of British colonial rule in 1947, however, resulted in the collapse of the

single central political authority through the partition of the subcontinent into the

two large states of India and Pakistan. Moreover, the partition laid the basis for

reversal of the reverse slopes design; it established an institutionalized basis for the

external intervention by outside powers, with Pakistan, as possible base for such

intervention, representing a serious vulnerability for India.

Correlatamente, deve-se notar que, mesmo no século XX, existem desafios

fundamentais. Estes se referem a resquícios da cultura da maioria da população indiana, do

Hinduísmo, as quais podem ser reconhecidas como agravantes do desenvolvimento

econômico e social. Apesar da laicidade da Constituição Indiana desde 1950, o aspecto hindu

do sistema de castas, de acordo com Braudel (1989, p. 255), aprisiona a população em seus

compartimentos de maneira estagnada, “[...] a imobilidade social não é absoluta, e tudo indica

que, a longo prazo, esse regime está condenado. No entanto, ele subsiste.”. Contudo, se faz

referência a uma classe híbrida que surge como produto do contato entre a tradição e o

ocidente moderno, classificada de classe média, que pode ser descrita como uma,

[...] classe heterogênea [que] está aparentemente aberta a todas as castas e exibe em

publico ares ingleses em seus trajes ou em seu comportamento. No entanto, a vida

familiar é, muitas vezes, para esses mesmo homens, um refugio onde eles

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reencontram, com os trajes e alimentos da tradição, boa parte de seu espírito. Ora,

todos os gestos da vida moderna são uma ruptura com essa tradição religiosa. Um

exemplo dessa ruptura é considerar a água das canalizações urbanas como pura, não-

poluída, embora tocada em sua trajetória por tantas mãos “impuras”, ou, apesar da

proibição do peixe, aceitar o óleo do fígado de bacalhau prescrito pelo médico; ou,

mesmo, consentir um casamento intercastas, ou publicar um anuncio de casamento

num jornal indicando “casta indiferente”; ou ainda alojar engenheiros,

administradores e operários numa mesma casa, perto de uma fábrica nova, sem se

preocupar com as vizinhanças proibidas impostas a uns e outros. (BRAUDEL, 1989,

p. 241)

Direcionando a análise da Índia recém-independente para a sua atuação internacional

neste período da Guerra Fria, pode ser destacado o seu papel protagonista, ainda que não se

constituísse uma grande potência. Adotando a divisão feita por Ganguly (2010), será descrito

brevemente sobre as duas primeiras fases da política externa da Índia independente. De

acordo com o autor, a política externa indiana pode ser dividida em três partes, uma até 1962,

outra entre 1962 e 1991, e outra após 1991 – sendo que esta última fase será objeto de

discussão ao longo do texto.

Mesmo que para Mallavarapu (2006) este papel protagonista contrastasse com as reais

capacidades do país, principalmente se levados em conta as vulnerabilidades internas

apontadas acima, a Índia conseguiu liderar um movimento original dentro do conflito bipolar,

o movimento dos países não alinhados. Segundo Nayar e Paul (2003), durante as duas

primeiras décadas da Guerra Fria, a Índia teve um posicionamento de liderança, primeiro

entre os países afro-asiáticos e, depois, dentro do movimento dos não alinhados.

Essa liderança, portanto, só poderia acontecer devido a uma identificação entre alguns

países subdesenvolvidos os quais faziam parte do que se chamava, a partir de 1952, de países

do Terceiro Mundo. Conforme relata Hobsbawm (1995), após o fim da Segunda Guerra

Mundial, os Estados pós-coloniais juntamente com a maior parte da América Latina viram-se

contrastados com o “Primeiro Mundo” dos países desenvolvidos e capitalistas e o “Segundo

Mundo” dos países desenvolvidos e comunistas:

Apesar do evidente absurdo de tratar Egito e Gabão, Índia e Papua-Nova Guiné

como sociedades do mesmo tipo, isso não era inteiramente implausível, na medida

em que todos eram pobres (comparados com o mundo desenvolvido), todos eram

dependentes, todos tinham governos que queriam “desenvolver”, e nenhum

acreditava, no mundo pós-Grande Depressão e Segunda Guerra Mundial, que o

mercado mundial capitalista (isto é, a doutrina de “vantagem comparativa” dos

economistas) ou a empresa privada espontânea internamente alcançassem esse fim.

(HOBSBAWM, 1995, p. 350)

Durante a bipolaridade instalada no mundo pós Segunda Guerra Mundial, alguns

países deste Terceiro Mundo, portanto, quiseram sustentar a bandeira do não-alinhamento, ou

seja, de independência tanto do bloco capitalista como do bloco comunista. Isso destacava a

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heterogeneidade estrutural e ideológica dos componentes do Terceiro Mundo. Portanto,

Hobsbawm (1995, p. 350) esclarece,

Isso não quer dizer que os “não-alinhados” fossem igualmente opostos aos dois

lados na Guerra Fria. Os inspiradores e defensores do movimento (geralmente

chamado com o nome de sua primeira conferência em 1955 em Bandung, Indonésia)

eram ex-revolucionários coloniais radicais – Jawaharlal Nehru da Índia, Sukarno da

Indonésia, coronel Gamal Abdel Nasser do Egito e um dissidente comunista, o

presidente Tito da Iugoslávia. Todos esses, como tantos dos ex-regimes coloniais,

eram ou se diziam socialistas a sua maneira (ou seja, não soviética), incluindo o

socialismo real budista do Camboja. Todos tinham alguma simpatia pela União

Soviética, ou pelo menos estavam dispostos a aceitar sua ajuda econômica e militar;

o que não surpreende, pois os Estados Unidos haviam de repente abandonado suas

velhas tradições anti-coloniais, depois que o mundo se dividiu, e visivelmente

buscavam apoio entre os elementos mais conservadores do Terceiro Mundo: Iraque

(antes da revolução de 1985), Turquia, Paquistão e o Irã do xá [...]. [...] ao contrário

dos simpatizantes dos EUA no Terceiro Mundo, que podiam de fato entrar no

sistema da aliança ocidental, os Estados não comunistas de Bandung não tinham

qualquer intenção de envolver-se num confronto global de superpotências, pois,

como provaram as guerras da Coréia e do Vietnã, e a crise dos mísseis de Cuba, eles

eram a perpétua linha de frente em tal conflito.

Porém, o ano de 1962 é o ano decisivo para um aprimoramento da política externa da

Índia, pois foi a partir da Guerra sino-indiana que o país passou a organizar-se a fim de

garantir sua segurança. A década de 1960, portanto, foi marcada pelos conflitos com China e

Paquistão. Estas disputas envolviam, principalmente, assuntos de soberania territorial que

poderiam não estar diretamente ligadas com o conflito bipolar. Porém, com o desenrolar dos

conflitos, Estados Unidos e União Soviética se fizeram presentes no suporte de cada lado.

Embora Hobsbawm (1995) caracterize estes conflitos como disputas exclusivas do Terceiro

Mundo, é improvável que se possa dissociá-los da lógica que envolvia todo o mundo entre os

anos 1950 e 1980. Ocorreram, portanto, três guerras regionais nos anos 1960 a partir das quais

a Índia passou a se preocupar com a sua militarização: a sino-indiana em 1962, a indo-

paquistanesa em 1965 e uma segunda guerra indo-paquistanesa em 1971 (que deu origem a

Bagladesh).

Esses conflitos serão mais aprofundados no próximo capítulo, contudo é importante

ressaltar que a derrota da Índia em 1962 contra a China enfraqueceu a posição de Nova Deli

entre os Estados não-alinhados (NAYAR; PAUL, 2003). Esse enfraquecimento estabeleceu

uma proximidade entre Índia e o bloco soviético. A princípio, Nova Deli não era apoiada pela

União Soviética, mas esta situação mudou ao longo dos anos: “Meanwhile, the Soviet Union

was initially not favorably disposed toward India, but Indo-Soviet relations changed in the

mid-1950s and solidified prior to India’s 1971 war with Pakistan. The Soviet support for India

helped to increase Western suspicion and hostility toward India.” (NAYAR; PAUL, 2003, p.

67).

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Por outro lado, o apoio dado ao Paquistão pelos Estados Unidos sofreu oscilações

entre 1960 e 1980 prevalecendo a parceria entre eles. De acordo com Nayar e Paul (2003), o

suporte militar americano inicia-se nos anos 1950, porém com a aproximação entre Paquistão

e China, após a guerra de 1962, essa aliança é abalada. Houve, portanto, um afastamento o

qual chegou ao ponto de os Estados Unidos declararem neutralidade na guerra indo-

paquistanesa de 1965. Contudo, o presidente Richard Nixon, em 1969, renovou as relações de

modo que os Estados Unidos conseguiram estabelecer uma tripla aliança para a guerra de

1971 contra a Índia. Sumariamente, durante a segunda metade dos anos 1970 houve um

resfriamento das relações entre Estados Unidos e Paquistão que logo foi retomada, em 1979.

Essa reaproximação ocorreu devido à ajuda concedida pelo Paquistão aos Estados Unidos,

dentro da disputa da Guerra Fria, com o objetivo de expulsar os soviéticos do território afegão

(NAYAR; PAUL, 2003).

Na década de 1970, os eventos da não assinatura do Tratado de Não Proliferação

Nuclear (TNP), de 1968, assim como os testes nucleares de 1974 foram eventos que

marcaram a Índia e demonstraram o seu protagonismo internacional. Segundo Zorgibe (1996,

p. 122):

O teste nuclear indiano de 1974, entretanto, suscitou um estreitamento do controle

da transferência de tecnologias mais proliferantes pelos principais Estados

exportadores – quer seja no seio do informal Clube de Londres que reúne, desde

1975, Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha, França, Alemanha Federal, Japão,

União Soviética, ou através de legislações nacionais restritivas, a começar pela lei

norte-americana de 1978 sobre o controle integral das instalações nucleares dos

Estados-clientes. Mas surgem novos desafios – para começar, a capacidade que

manifestam certos Estados do Terceiro Mundo de contornar clandestinamente as

medidas de controle internacional, um desvio tanto mais perigoso porque a

psicologia da dissuasão quase não parece manifestar-se nas relações entre Estados

rivais do Sul.

A não adesão indiana ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear, porém, era embasada

no que a Índia chamava de “Apartheid Nuclear”. Ou seja, a oposição ao TNP se dava por

questões normativas como a deficiência do tratado em promover igualdade de soberanias,

desigualdade entre os “haves” e “have-nots” e desigualdade na promoção do desarmamento

global (NAYAR; PAUL, 2003). Contudo, existe uma questão estrutural associada a essa

desobediência, a questão de que as cinco potências a deixaram de fora do grupo dos

privilegiados. Conforme explicita Nayar e Paul (2003, p. 77):

[…] the fundamental, though unstated, reason has been structural, which the Indians

allude to but rarely make explicit. India has viewed the continued possession of

nuclear weapons by the P-5 as legitimizing their major-power status while keeping

India as a lower-ranking power perpetually. India’s advocacy of moral norms, such

as sovereign equality, came from a state that has viewed itself as thoroughly

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disadvantaged under the present dispensation. Its conflict with the major powers on

the nuclear issue has been a structural conflict par excellence.

Ademais, de acordo com Nayar e Paul (2003), durante os anos 1970 a Índia agiu como

porta-voz dos países em desenvolvimento em ambientes como na “United Nations Conference

on Trade and Development” (UNCTAD) e na criação de uma nova ordem econômica

internacional. Contudo, o Movimento dos Não-Alinhados, inaugurado na Conferência de

Bandung em 1955, estava cada vez mais enfraquecido, sendo que nunca chegou a ser um

bloco suficientemente forte para transformar a governança global na ONU. Porém, o que resta

principalmente do protagonismo indiano, é que o seu ativismo gerou oposição dos Estados

Unidos e menor suporte das outras potências ocidentais (NAYAR; PAUL, 2003).

Portanto, os anos 1980 caracterizaram-se por movimentos separatistas da região

nordeste da Índia, assim como a continuidade da disputa pela Caxemira. Além disso,

Mallavarapu (2006) ressalta que no início dos anos 1980 começaram os indícios de mudança

na abertura do país, fazendo parcerias com o setor privado.

Em síntese, os 44 anos após descolonização britânica foram anos de baixo (mas

contínuo) crescimento econômico8, de disputas territoriais com Paquistão e geopolíticas com

a China, além de anos de protagonismo devido ao seu posicionamento estratégico e à bandeira

do Movimento dos Não-Alinhados. Contudo, ao final de 44 anos de intenso nacionalismo e

intervencionismo estatal, a Índia estava mais preparada para se abrir para o mundo. Conforme

Tiku (2009), a Índia adotara, durante estes anos, um regime socialista que era influenciado

pela história indiana, o qual fez com que se adotasse uma política de auto-suficiência e

isolamento do mundo exterior. No entanto, este isolamento refere-se à economia

predominantemente fechada e à industrialização de substituição de importações que geravam

um protecionismo à produção local. No âmbito político, a Índia não se absteve das

negociações internacionais do período.

Gaspar (2008, p. 126) descreve a transição que correspondem aos 44 anos de

independência:

[...] o fim da Guerra Fria e a ascensão da China provocaram uma mudança radical

nas políticas internas e externas da Índia. A dissolução da União Soviética deixou a

Índia sem o seu único aliado internacional, enquanto o fim da divisão entre as duas

grandes potências tornou supérflua a velha doutrina do não-alinhamento.

Paralelamente, com o fim do comunismo e a adesão chinesa à economia de

mercado, a Índia democrática corria o sério risco de se tornar o último reduto do

socialismo. Desde 1991, as elites indianas responderam às novas circunstâncias com

uma viragem profunda nas políticas econômicas, que tornou possível uma rápida

8 De acordo com Tiku (2009, p. 110), o crescimento econômico real da Índia nas três primeiras décadas

seguintes à independência era de 3,5% ao ano, apelidado de “taxa hindu de crescimento”.

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Tainá Dias Vicente

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modernização e uma aceleração do crescimento econômico e, ao mesmo tempo,

iniciaram uma revisão profunda das políticas externas.

Enfim, a atuação internacional indiana pós-Grã-Bretanha representou o modo “Nehru”

nacionalista de enxergar o mundo (NAYAR; PAUL, 2003), até porque o histórico da eleição

dos Primeiros Ministros demonstra a permanência de seu partido, e mesmo dos seus

descendentes. Em um relato sobre o percurso histórico do Congresso Indiano, Hobsbawm

(1995, p. 361):

O partido do Congresso Indiano mudou, cindiu-se e reformou-se no meio século

desde a independência, mas até a década de 1990 as eleições gerais indianas – com

apenas exceções passageiras – continuaram a ser ganhas pelos que apelavam para

suas metas e tradições históricas. Embora o comunismo se desintegrasse em outras

partes, a tradição esquerdista profundamente enraizada em Bengala Hindu

(ocidental), assim como uma competente administração, mantiveram o Partido

comunista (marxista) em um quase permanente governo no Estado onde a luta

nacional contra os britânicos significava não Gandhi, nem mesmo Nehru, mas os

terroristas e Subhas Bose.

Além disso, consolidou uma forma de governo baseado no Estado secular, no sistema

democrático e na integração nacional, proporcionou a geração de uma indústria de base

(indústria pesada e de bens de capital) a partir de uma estratégia econômica, e investiu em

educação e institutos de tecnologia, como os de pesquisa nuclear (NAYAR; PAUL, 2003, p.

255).

2.4 Potencialidades e vulnerabilidades internas no pós-Guerra Fria

No ano de 1991, a Índia elegeu como Primeiro Ministro Narasimha Rao, o primeiro

não descendente de Jawaharlal Nehru a ficar por cinco anos no governo (GUIMARÃES,

2008). Segundo Guimarães (2008, p. 21), a nova prioridade agora seria “promover o

desenvolvimento econômico e aumentar a capacidade militar, de modo a garantir segurança

interna e regional, e, ao mesmo tempo, permitir sustentabilidade no cenário internacional de

status compatível com os interesses nacionais e a grandeza do País.”. No entanto, neste ponto

do capítulo, a prioridade será expor as condições internas da índia no que se referem à cultura

e a sociedade, à economia, e às forças militares e estratégicas. Essas questões podem estar

atreladas ao contexto internacional, porém este viés será discutido posteriormente.

Cultura e Sociedade

Em relação à cultura e à sociedade indiana, pode-se dizer que se trata de uma

população com grande diversidade cultural, devido às disparidades entre as regiões, e que

mantém uma unidade nacional apesar disso. Ademais, a sociedade se mantém estratificada

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A Inserção da Índia no Pós-guerra Fria...

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como resultado dos processos de constituição das castas mencionados anteriormente. No

entanto, essa cultura de castas tem admitido mudanças, principalmente ao que se refere à parte

da sociedade urbana. Não obstante, é nesse primeiro ponto a ser abordado que estão os

maiores gargalos a serem combatidos em relação à Índia, como a corrupção, a educação

feminina, a saúde, a falta de higiene básica e, por fim, algo enraizado nesta sociedade que é a

questão das castas (NAYAR; PAUL, 2003).

Apesar de se tratar de um texto publicado em 1969, Panikkar descreve sobre algo que

ainda se trata do contemporâneo indiano. Assim ele diz que houve uma ocidentalização na

sociedade indiana, de maneira que isso se deu sem um processo revolucionário,

principalmente nas cidades mais cosmopolitas. Porém é importante salientar a manutenção

das práticas tradicionais, principalmente em locais com menos contato com a dinâmica da

globalização, ou seja, as cidades menores e zonas rurais. Panikkar (1969, p. 331) descreve,

portanto, o resultado da cultura local com o ocidente:

As antinomias do sistema de castas e da democracia, do antigo modo de pensamento

leigo, dos interditos sociais e legais lançados sobre as mulheres escondidas por trás

de seu purdah e da igualdade dos sexos todos esses obstáculos à ocidentalização,

que por um momento haviam parecido insuportáveis, cederam em definitivo à

pressão das novas idéias, sem que houvesse necessidade de uma revolução.

Ainda sobre as castas, Mallavarapu (2006, p. 248) destaca a ambigüidade deste

sistema, pois “o sistema de castas como ideologia perdeu importância entre as classes

educadas e superiores da Índia, mas a mentalidade de castas pode ter exercido, no pensamento

dos formuladores de políticas, uma influencia mais profunda do que pode parecer à primeira

vista.".

A Índia constitui aproximadamente 20% da população mundial com 1,2 bilhão de

habitantes, uma população numerosa que demanda por muitos investimentos sociais dos

quais, ao que se pode perceber analisando os números, esta sociedade é desprovida. De acordo

com o relatório anual para Ásia e Pacífico elaborados pelas Nações Unidas (UN, 2010) alguns

números são sinalizadores da necessidade de reparos e de o Estado assegurar direitos básicos.

Com uma população jovem, um pouco mais de 30% da população tem entre zero e

quatorze anos, a Índia tem proporcionado que a expectativa de vida dos seus cidadãos cresça:

a expectativa das mulheres passou de 59,4 anos, entre 1990-1995, para 65 anos, entre 2005-

2010, e a expectativa de vida dos homens passou de 58,3 para 62,1 no mesmo período. Longe

das taxas ideais de expectativa de vida, esse tímido aumento não pode desviar a atenção de

números como das taxas de mortalidade infantil e materna. Segundo o relatório, apesar da

queda da taxa de mortalidade infantil (recém-nascidos) de 83 (1990) para 54 (2007) por mil

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nascimentos vivos, e da queda da mortalidade abaixo de cinco anos de idade de 117 para 72

por mil habitantes no mesmo período. Por sua vez, a taxa de mortalidade materna é de 450

mulheres por 100.000 nascimentos vivos, o que é um número extremamente alto comparado a

outros países.

Outro ponto que o relatório aborda é a incidência do vírus da AIDS em adultos (15

anos ou mais) que caiu de 2,6 milhões (2001) para 2,3 milhões (2007), dentre os quais

880.000 são mulheres, 6,9% são usuários de drogas e 6,4% são homens homossexuais. Esse

número faz da Índia o país com maior número de pessoas aidéticas da Ásia.

Em contrapartida, os gastos públicos com saúde são em torno de 3,4% dos gastos

totais do governo, sendo que essa proporção tem diminuído (1% desde 1995 a 2006). Em

termos reais, o governo gasta apenas, per capita e em dólar PPP, 21 dólares. Embora este

número tenha aumentado 9 dólares em relação a 1995, é muito baixo em relação a outros

países da Ásia. Além disso, 80% dos gastos indianos com saúde é dinheiro privado.

Relativo à infraestrutura, o relatório mostra que 89% da população tem acesso à água

tratada, porém apenas 28% da população tem acesso a saneamento básico, número que é

baixo devido ao acesso da população rural (18%). Além disso, 88% da população tem

educação primária, mas apenas 11,8% tem educação terciária (2006), com 66% da população

acima de 15 anos alfabetizada. É percebido, no entanto, uma queda nos gastos públicos na

educação secundária e terciária. Ademais, existe uma baixa porcentagem da população com

acesso a internet, e apenas 47% das estradas são pavimentadas. De acordo com Farndon

(2007, p. 26), pode levar cerca de 10 dias para fazer o transporte de cargas por 1.500

quilômetros. No entanto, a Índia é um país que polui relativamente pouco, são emitidos 119

milhões de toneladas de CO2 devido ao transporte, enquanto a China emite 407 milhões, e

Rússia, 229. Em relação à emissão total, a Índia produz 1,5 bilhão de toneladas de CO2

(2006), o que equivale à emissão russa e japonesa, e significa um sexto da emissão chinesa.

Considerando que a Índia tem 23% do seu território coberto por florestas, as áreas

preservadas, no entanto, são apenas de 4,5%.

A pobreza, questão que assola o país, é um fator preocupante já que 40% das crianças

subnutridas do mundo estão na Índia. Segundo o relatório, em 2005 houve uma redução de

8% na taxa de pobreza do país, mas esta ainda se mantém em 41,6%, ou seja, 41,6% da

população indiana vive com menos de 1,25 dólares PPP. Contudo, quando se refere ao nível

nacional de pobreza, este número cai para 28% da população. Referente às taxas de emprego,

52% da população de 15 anos ou mais está empregada.

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Por fim, vale ressaltar a questão do aumento da população urbana e os problemas que

podem vir com ela. De acordo com o relatório, na cidade de Mumbai (Bombaim) vivem 19

milhões de habitantes (dados de 2007), o que coloca esta cidade em segundo lugar no ranking

das cidades mais populosas, junto à Nova Iorque e Cidade do México e atrás de Tókio.

Porém, a projeção para 2025 é de que Mumbai chegue a 26,4 milhões de habitantes, deixando

para trás Nova Iorque e Cidade do México. Assim, em 2025, a Índia terá a segunda e a

terceira cidade mais populosa do mundo.

Diante destes números, fica evidente que ainda há muito que se fazer para o

desenvolvimento da sociedade indiana de modo que ela se torne um fator propulsor do

desenvolvimento do país como um todo. Porém, existem características da sociedade indiana

as quais revelam a oportunidade de contar com uma população tão grande. A principal delas é

o fato de os indianos falarem, além do idioma local (a maior parte da população fala híndi,

mas existem inúmeros outros dialetos), a língua inglesa. Apesar de ser uma herança dos anos

da dominação britânica, o uso da língua inglesa facilita a entrada dos trabalhadores nacionais

no mercado global. Panikkar (1969, p. 329) identifica a crítica, mas considera esta

característica algo positivo no balanço final:

O sistema [de ensinar na língua inglesa paralelamente ao ensino nas línguas locais]

tinha múltiplas fraquezas; ele separava radicalmente as classes educadas à inglesa

daquelas que recebiam a educação tradicional. Os indianos não somente

desperdiçavam seus esforços para aprender uma língua estrangeira, como também se

dispersavam em muitos outros estudos, inúteis; concedia-se um lugar

desproporcionado à literatura. Além do mais, essa transplantação de uma cultura

estrangeira para a Índia levou muito tempo para dar alguns resultados; e pode-se até

afirmar que as primeiras gerações foram sacrificadas, pois os primeiros anos do

sistema presenciaram a criação de toda uma classe de homens que, sem dúvida,

conheciam perfeitamente o inglês, mas que, duvidando de seu próprio valor,

permaneceram improdutivos e totalmente inadaptados ao seu meio. Contudo, por

mais fundadas que sejam essas criticas e não seria impossível outras tantas – pode-

se afirmar que o balanço dessa única experiência continua a ser positivo.

Além disso, Panikkar (1969, p. 330) ressalta que a língua inglesa foi um dos fatores de

união nacional, o qual “é o único a unir a Índia politicamente e a fazer de cada indiano um

cidadão da Nação indiana”. Mesmo assim, a autor ressalta que a difusão do inglês não

prejudicou o crescimento dos dialetos locais.

Além do inglês, a Índia fornece capital humano que representa, de acordo com Tiku

(2009), uma possibilidade favorável de expansão tecnológica. O país tem cerca de um terço

dos engenheiros de software do mundo e forma 400 mil deles por ano, o que fortalece as áreas

de biotecnologia e de tecnologia de informações. Para Kamdar (2008), o capital humano

também se constitui em uma fortaleza da sociedade indiana, já que metade da população

indiana tem menos de 25 anos, o que demonstra que essa população estará no auge da

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produtividade enquanto a população de países como a China e os Estados Unidos estarão

envelhecendo. Conforme Ray (2006, p. 126)

É algo irônico que na Índia, embora as maiores ameaças da globalização sejam

dirigidas contra as camadas mais carentes de sua enorme população, é exatamente

essa reserva de recursos humanos que, se corretamente tratada, mostrará ser sua

grande força e a fonte da oportunidade de ingressar de modo positivo e produtivo na

globalização, de modo a se tornar uma potência econômica global.

Economia

Os dados econômicos da Índia a partir de 1991 são, em contrapartida, animadores e

evidenciam a força indiana. A partir doa anos 1980 começaram a ser feitas mudanças no

âmbito econômico que sinalizavam a abertura e a industrialização do país. Porém essa

abertura economia obteve sucesso devido à adoção, no período anterior, de uma estratégia

orientada para dentro. Como observam Nayar e Paul (2003, p. 99-102), a Índia adotou uma

estratégia interna de economia autoconfiante por meio do processo de substituição de

importações e construção da indústria pesada, ou seja, uma orientação que lembrava o modelo

soviético.

Em 1991, portanto, a atitude do governo foi de aderir a algumas diretrizes para

inserção do país no comércio internacional e conseguir empréstimos para pagar importações

(TIKU, 2009). O Primeiro Ministro Narasimha Rao e o ministro Manmohan Singh (atual

Primeiro Ministro da Índia) optaram por um pacote de reformas, dentro da qual houve duas

vezes a desvalorização da moeda local (rúpia) que “criou oportunidades para os exportadores

nacionais serem mais competitivos, aliviando um pouco o problema da balança de

pagamentos.” (TIKU, 2009, p. 114).

Segundo Ray (2006, p. 72), a mudança radical adotada em 1991 marcou uma ruptura.

Para este autor, a crise da balança de pagamentos forçou as medidas de estabilização de curto

prazo e reformas estruturais amplas de prazo mais longo, configurando a diminuição do

Estado e aumento do setor privado. Ou seja, a Índia autárquica e introvertida opta pela

liberalização que, de acordo com os índices de crescimento econômico do país, possibilitou o

aproveitamento das suas vantagens que além de mão de obra barata são a exportação de

softwares, tecnologia de informação e a indústria farmacêutica. Ray (2006) evidencia, além

disso, o fato de que até 1991 a Índia restringia o investimento externo em tecnologia o que

caracterizava um nacionalismo tecnológico, porém, depois desse ano a liberalização permitiu

que os investimentos em Ciência e Tecnologia e em Pesquisa e Desenvolvimento voltados à

indústria encontrassem um início de desenvolvimento onde pudesse progredir.

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O progresso econômico que se deu com a liberalização foi puxado, em parte, pela

privatização (ATHWAL, 2008). O pacote de reformas, portanto, consistiu em medidas

macroeconômicas de estabilização como consolidação fiscal e compra de moeda,

desvalorização do câmbio (um dólar = 43,51 rúpias/2008), reforma limitada dos impostos,

remoção do controle de investimentos na indústria e diminuição das taxas de importação de

forma gradativa, e reforma no sistema bancário (ATHWAL, 2008; RAY, 2006; TIKU, 2009).

Conforme realça Lima (2008, p. 90-91), foram muitos os benefícios da adesão à liberalização:

A primeira geração de reformas (1991/2004) começa com menos de 1 bilhão de

dólares de reservas cambiais, em 1991, e vai atingir os 125 bilhões de dólares em

2004. A taxa de crescimento médio anual subiu a 6%. O período termina com o

mote a “Índia que reluz”, slogan utilizado pelo BJP (Barathiya Janata Party), a

segunda força política na Índia, formado por nacionalistas hindus. [...] Economista

academicamente respeitado, M. Singh abole as licenças do Raj na maior parte dos

setores da economia. Os industriais indianos passam a ser livres para as suas opções

de investimento. A abertura aos mercados externos tem grande avanço, com a

autorização automática dos investimentos estrangeiros. Até 51% do capital, e mais,

a depender do setor. Os setores automobilísticos, de telecomunicações e serviços de

informática ganham forte impulso. Também ocorre uma forte baixa das barreiras

alfandegárias. A rúpia será desvalorizada de 30% em 1991 e novamente em 15% em

março de 1992. No momento das eleições gerais de 1996, a economia indiana

aparece pela primeira vez como uma das economias mais dinâmicas do mundo, com

quatro anos sucessivos de crescimento acima de 7% (1994-1997). A Índia foi, em

grande medida, poupada do contágio da crise asiática de 1997 graças não só a seus

fundamentos econômicos, mas por conta também de uma fraca integração comercial

e financeira com a Ásia do Leste.

Tiku (2009) enfatiza os bons resultados das reformas liberalizantes, pois com a

redução do déficit orçamentário, com o aumento das reservas cambiais, atração de

Investimento Externo Direto, diminuição da inflação, aumento da exportação e consequente

aumento das taxas de crescimento do PIB acima de 5%, a economia melhorou em todos os

aspectos. O autor diz que “Em contraste com o crescimento dos anos 80, que foi estimulado

por um aumento insustentável da dívida externa e déficits comerciais que culminaram na crise

de 1991, o crescimento dos anos 90 foi acompanhado por tal estabilidade externa que a Índia

quase não foi atingida pela crise do Leste Asiático.” (TIKU, 2009, p. 115).

Por outro lado, Mallavarapu (2006) tenta destacar alguns pontos relevantes que devem

ser refletidos em relação ao pacote de reformas. O autor argumenta que o processo de

liberalização foi feito sem um grande debate, ocorrendo como uma imposição de cima,

permitindo que os ganhos compreendessem apenas interesses das classes superiores e falantes

da língua inglesa. De acordo com Mallavarapu (2006, p. 251), existe o risco destas reformas

se tornarem insustentáveis, já que não se preocuparam com as prioridades econômicas do

povo, como emprego e pobreza, agricultura e infra-estrutura física e social, levando em conta

somente problemas macroeconômicos e a eficiência da industrialização. Por isso ressalta:

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Se procedêssemos a uma auditoria os cinqüenta anos da história democrática da

Índia, os resultados seriam mistos. Embora tenhamos nos saído muito bem, para um

Estado pós-colonial, em termos da consolidação de nossas instituições democráticas,

exceto por um breve intervalo (os Anos de Emergência), ainda temos que tornar a

democracia mais inclusiva em termos de nossos modelos de desenvolvimento

econômico. A liberalização econômica deu à Índia uma janela de oportunidade para

melhorar sua eficiência econômica geral, mas o teste final de seu sucesso, em

termos dos requisitos de uma democracia, ocorrerá nas suas dimensões distributivas

- em outras palavras, no grau de equidade com que o espólio virá a ser dividido

entre os cidadãos em geral. (MALLAVARAPU, 2006, p.254)

Contudo, não há como negar que os números da economia indiana estão crescendo e

gerando expectativas quanto à continuidade desse crescimento. De acordo com o relatório

anual para Ásia e Pacífico das Nações Unidas o PIB indiano é de 1,2 trilhão de dólares e a

média do crescimento entre 2005 e 2008 é de aproximadamente 7% ao ano. Apesar de

representar apenas um quarto do PIB Chinês e Japonês, países concorrentes da Índia na região

e em todo o comércio internacional, e ser equivalente ao PIB Brasileiro e Russo, de 1,3 e 1,6

trilhão de dólares respectivamente, e maior que o PIB Australiano, de 1,01 trilhão de dólares,

é indispensável considerar que diante do recente processo de liberalização, essa crescente

ainda tem muito a avançar.

O PIB per capita, em dólar PPP, é de apenas 2.747 dólares o que expõe a Índia a um

baixo PIB relativo comparativamente ao da China (5.511 dólares), do Japão (31.484 dólares),

da Coréia do Sul (25.498 dólares), e da Rússia (33.369 dólares). Além disso, a taxa de

inflação é alta, sendo de 8,3% ao ano, enquanto da China, Japão e Rússia são de 5,9%, 1,4% e

14,1%. Essa alta taxa corrói o poder de compra da população, principalmente da população

mais pobre.

No entanto, algo que é particular da Índia é a força do setor de serviços. Hoje, de

acordo com o relatório, o PIB indiano é composto por 19% da agricultura, 28% da indústria e

52,4% do setor de serviços. E o que mais chama a atenção no setor de serviços é o setor de TI

(Tecnologia da Informação). Como destaca Kamdar (2008, p. 32),

O setor de TI da Índia atrai a atenção internacional e gerou uma mudança no modo

de pensar dos jovens indianos, para quem o mérito e o trabalho árduo podem levar

ao reconhecimento e ao sucesso. Contudo, apesar de toda a visibilidade da

Bangalore HIGH-TECH, as empresas indianas de TI geraram diretamente apenas

1,3 milhão de empregos, com outros 3 milhões gerados indiretamente. Isso não se

aproxima nem de longe da escala de geração de empregos que a população em

crescimento demanda.

Portanto, além do setor de TI, a população demanda emprego que tem sido

proporcionado pela indústria. Kamdar (2008, p. 35) também relata da crescente procura pelos

tratamentos médicos na Índia onde, por exemplo, os americanos que não conseguem pagar

procedimentos caros nos Estados Unidos tem acesso a tratamentos similares por uma “fração

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A Inserção da Índia no Pós-guerra Fria...

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do preço”. De acordo com a autora “A Índia está usando tecnologia para reduzir o custo dos

bens básicos, tornando-os acessíveis a um número crescente de pessoas. Produz celulares por

20 dólares e projeta carros de 2 mil dólares.” (KAMDAR, 2008, p. 35).

Força militar e estratégica

Relativo à força militar e estratégica indiana, se trata de uma conformação recente no

que se refere a uma força sob um governo autônomo e independente que deve se preocupar

com segurança e planejá-la.

Respectivamente a força estratégica indiana, pode-se observar que está ligada a sua

vulnerabilidade em adquirir fontes energéticas. De acordo com Athwal (2008), a maior parte

da energia da Índia provém do petróleo e do gás, e as estimativas da dependência de petróleo

estrangeiro até 2015 é de que 75% a 80% será importado. A origem deste petróleo é diversa,

ou seja, mais de 30 países exportam petróleo para a Índia, porém, devido à alta demanda e

baixa disponibilidade, o setor de exploração tem recebido incentivos do governo, assim como

outros setores de produção de energia (ATHWAL, 2008). Por isso, pode-se perceber que tem

ocorrido um movimento de caça ao petróleo pelas estatais indianas assim como a procura

constante por novos fornecedores, de modo que isso possa suprir as necessidades da indústria

e da população crescente.

Relativo à configuração da força militar e estratégica da Índia é possível perceber um

progresso recente das suas forças armadas que começou a tomar forma com a guerra sino-

indiana de 1962. No entanto, a Índia concentrou-se no desenvolvimento da tecnologia nuclear,

que acaba por exercer um poder de constrangimento nos possíveis inimigos indianos.

Conforme cita Guimarães (2008, p. 30), os eventos propulsores dessa opção nuclear indiana

foram à guerra com a República Popular da China em 1962, a explosão nuclear chinesa em

1964, o desenvolvimento das relações estratégicas entre China e Paquistão e a guerra indo-

paquistanesa de 1965.

Este mesmo autor demonstra a evolução do setor e salienta o discurso do atual

Primeiro Ministro em que este dá ênfase à necessidade do desenvolvimento da frente militar

do país:

Nos últimos anos, a política externa da Índia tem-se orientado pela Realpolitik. Em

pronunciamento comemorativo, durante o 40º aniversário do Institute of Defence

Sudies and Analysis (IDSA), o Primeiro-Ministro Singh (nov/2005) reconhece que

“... as relações internacionais são em última análise relações de poder, baseadas na

realpolitik, não em sentimento...”. Nessa perspectiva o País tem aumentado,

significativamente, seu poder militar; em 2006, o aumento da verba destinada à área

de defesa atingiu 7%, e equivale a mais de 2,6% do PIB. Em reunião anual com os

comandantes das Forças Armadas (outubro de 2005), o Primeiro-Ministro Singh

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declarou: “Nossa prioridade é realizar políticas que gerem desenvolvimento

econômico mais rapidamente e mobilizar mais recursos” para as Forças Armadas.

Afirmou ainda: “Se nossa economia crescer a uma taxa anual de oito por cento não

será difícil... alocar cerca de três por cento do produto nacional bruto para nossa

defesa nacional”. O Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD indica que

em 2007 a Índia mantinha 1 milhão e 310 mil homens em suas Forças Armadas,

número várias vezes superior aos contingentes do Brasil (288 mil) e da África do

Sul (62 mil). (GUIMARÃES, 2008, p. 40)

Porém, pragmaticamente, Cepik (2009, p. 99) faz um comentário relevante sobre a

configuração do poder militar indiano:

Apesar de possuir forças estratégicas, a Índia não se comporta como um Estado

nuclear. Suas reservas são mais compatíveis com o esforço exigido pela guerra local

do que a preparação para a guerra com uma grande potência. Considerando que a

Índia parece de fato ter armamentos termonucleares e, recentemente, testou um

míssil capaz de atingir Pequim, mesmo que sua preparação militar efetiva seja para

uma guerra com o Paquistão, o exercício proposto indica uma forte incongruência

entre a política declaratória, a doutrina de emprego e a capacidade militar efetiva da

Índia.

Os testes nucleares indianos, realizados em 1974 e 1998, representam essa necessidade

de fortalecimento do hard Power que foi possível ser iniciado devido ao contexto da Guerra

Fria. No entanto, a posse de artefatos nucleares traz para a Índia a idéia de irresponsabilidade

internacional com o regime de tratados para a não-proliferação. Contudo, a Índia não

enxergou alternativa para a sua segurança contra as ameaças regionais. Nayar e Paul (2003, p.

3) expõem que o desenvolvimento nuclear foi conduzido não só com objetivos de segurança,

mas também está intrinsecamente ligado à aspiração indiana por ser uma potência:

India’s nuclear tests in May 1998 had their origins in its longstanding concerns over

national security in relation to China and Pakistan and their military alliance

relationship. However, a key underlying reason for the acquisition of nuclear

capabilities that often goes understated is the enduring and deep-rooted aspiration of

India for the role of a major power, and the related belied that the possession of an

independent nuclear capability is an essential prerequisite for achieving that status.

Assim sendo, verifica-se que a Índia é composta por uma população com índices

sociais baixos comparativamente a países desenvolvidos, com uma economia em um

crescimento vertiginoso, mas ainda pouco desenvolvida no seu potencial, e uma capacidade

militar incipiente. É difícil observar os dados apenas com o contexto interno, de modo que

eles sozinhos não conferem uma possibilidade de analise muito ampla. Porém, a população de

mais de um bilhão de habitantes somada a uma condução de políticas públicas que favoreçam

ao desenvolvimento doméstico diminuindo suas vulnerabilidades devem contar com um

cenário internacional também favorável a inserção indiana de modo que assim possa atingir

um aproveitamento máximo das suas potencialidades.

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A Inserção da Índia no Pós-guerra Fria...

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CAPÍTULO 3

A INSERÇÃO INDIANA NA ORDEM PÓS-GUERRA FRIA

Este terceiro capítulo tem como objetivo, em vias de conclusão, fazer a análise da

proposta do estudo de caso da Índia em que será possível ressaltar os resultados da junção do

cenário exposto no primeiro capítulo ao cenário exposto no segundo capítulo. Deste modo, a

fim de entender a inserção da Índia na ordem internacional pós-Guerra Fria, faz-se o estudo

da política externa indiana que predominantemente atuou, nos últimos vinte anos, visando o

equilíbrio de poder e o balanço contra-hegemônico.

Visto que a Índia possui um histórico de conflitos regionais e globais, já introduzido

no segundo capítulo, percebe-se que a questão da segurança passa a ser um elemento

determinante nas negociações internacionais do país. Apesar de ser um país com capacidades

militares incipiente, o poder nuclear confere a este Estado um grande poder de barganha.

Deste modo, vale acrescentar que apesar de almejarem uma segurança absoluta, os Estados

buscam por uma segurança relativa que é subordinada a suas capacidades básicas em um dado

momento, ou seja, a ambição de segurança de um Estado cresce conforme o potencial de

poder cresce (PERKOVICH, 2003, p. 136).

Como argumentam Nayar e Paul (2003, p. 250), as nações trabalham para a própria

segurança aumentando suas próprias capacidades ou emprestando poder por meio das alianças

de equilíbrio de poder. Assim os autores dizem que ao lidar com o dilema da segurança, a

nação deve buscar um equilíbrio entre metas e recursos, meios e fins. Por isso, expõem que na

ordem internacional contemporânea, um Estado requer capacidades de poder abrangente e

balanceada a fim de que possa almejar e obter o status de grande potência. Ou seja, “It

requires the state to command both hard-power and soft-power resources and to use its power

to improve the quality of life for its citizens, to become more efficient in running its economy

and society, and to work for security and peace for itself and the wider international

community.” (NAYAR; PAUL, p. 267).

A explanação de Lima (2008, p. 95) demonstra que existe uma ampla possibilidade de

a Índia se tornar uma grande potência nesse cenário e ordem internacional. São destacados os

parques tecnológicos do país, impulsionando a geração de emprego, o setor farmacêutico, de

turismo, e por outro lado também os setores de defesa. O autor não ignora os problemas

geopolíticos da região da Caxemira e, portanto, o conflito religioso hindu-muçulmano; mas

evidencia que, no que se refere à agenda política, os ganhos com a cooperação de tecnologia

nuclear com os Estados Unidos e consequente aprovação da continuidade do seu programa

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nuclear feita pela Agência Internacional de Energia Atômica são vantajosos. Além disso,

Lima (2008) relata que as relações comerciais têm sido produtivas tanto com a aproximação

da Índia com os países da própria região como da liderança que exerce dentro do “bloco” dos

países em desenvolvimento:

Do ponto de vista das políticas e processos de integração regional, a Índia reuniu-se

no SAAR, coordenação regional dos países da Ásia do Sul, juntamente com o

Paquistão, Sri-Lanka, Mianmar, Maldivas e Afeganistão, tendo sido aprovado um

conjunto de medidas de cooperação em vários aspectos, tendo a Índia oferecido

generosa contribuição de USD 5000 milhões para apoio à infra-estrutura do

Afeganistão, podendo-se ressaltar, ainda, o recente entendimento que estabeleceu

com o Paquistão, seu inimigo histórico. Finalmente, deve-se apontar a forma

soberana com que agiu, junto com a China, ocasionando o fim das negociações em

Doha, por considerar que os países desenvolvidos pouco ofereciam aos países em

desenvolvimento, buscando excessivamente as suas vantagens. A ativa atuação do

país no cenário internacional revela que a Índia está tentando jogar um jogo de

maior exposição externa, bem como fazer valer, na comunidade internacional, o

peso de sua economia e de seu crescimento econômico. (LIMA, 2008, p. 95)

Por isso, este capítulo traz o debate que se coloca sobre a atuação da Índia visando a

sua inserção, como grande potência, na ordem internacional contemporânea. Esse

posicionamento almejado, portanto, é visto por A. P. de Oliveira (2008, p. 118) como um

objetivo histórico:

A elite indiana tem uma crença profunda na grandeza da civilização indiana, e,

também, no papel de grande potência que cabe à Índia. Do mundo se espera o

reconhecimento desse destino manifesto. Jawaharlal Nehru, supremo representante

desse pensamento, a quem tocou modelar a Índia nos primeiros dezessete anos da

independência arrancada em 1947 dos britânicos, procurou claramente encaminhar o

País para a obtenção de papel de liderança no sistema internacional, apesar de ter

plena consciência dos limites de pobreza e atraso que o tolheriam.

Consequentemente, a prioridade, a partir de 1991, se mostrou ser o desenvolvimento

econômico tanto quanto o desenvolvimento da capacidade militar que, de acordo com

Guimarães (2008, p. 21), servirão para “[...] garantir segurança interna e regional, e, ao

mesmo tempo, permitir sustentabilidade no cenário internacional de status compatível com os

interesses nacionais e a grandeza do País.”.

3.1 Política externa regional e global

Quando se toma a política externa indiana, pode-se identificar que as relações com

Estados Unidos, China e Paquistão são marcantes. Além disso, nos últimos vinte anos a Índia

tem expandido e fortalecido uma tendência que vem desde o Movimento dos Não-Alinhados

que é de se aproximar dos países do Sul de modo a criar alternativas para atuar dentro da

estrutura institucional do sistema internacional, ou seja, busca uma atuação mais proeminente

e de liderança dentro da ordem internacional pós-Guerra Fria.

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De acordo com Mallavarapu (2006, p. 269), é necessário que se esclareça que a

política externa indiana procura fazer alianças em relação às capacidades estratégicas. Ainda

para este autor, a Índia já ocupa um papel de potência mundial o qual é determinado por uma

avaliação própria bem como pela percepção que os demais atores têm a respeito deste país.

Ressaltando o bem mais promissor da Índia, sua democracia, Mallavarapu (2006) não

descarta um alerta ao país pelos delírios de grandeza da sua elite. Desta forma, vê-se que o

país tem procurado consolidar, através da política externa, a sua vontade de potência.

Análogo a este argumento, Nayar e Paul (2003) discutem que o comportamento da

política externa da Índia tem sido conduzido pelo desejo de atingir o status de grande

potência, e que os conflitos existentes têm origem sistêmica devido à ascensão indiana, às

suas potencialidades, e ao impacto que o país traz sobre as posições de poder já estabelecidas.

Além disso, estes autores dão relevância aos seguintes fatos: de a Índia possuir uma

importância geopolítica, já que tem uma extensão subcontinental e uma grande população,

uma presença hegemônica no centro da Ásia do Sul, uma percepção de potenciais econômicos

e militares, e uma longa luta nacionalista que impulsionou a autonomia da política externa.

Assim, “Although India’s contemporaneous material capabilities in some areas may be

relatively weak vis-à-vis present day major powers, there is additionally the belief that it is a

matter of time before this situation changes and that, in the interim, nonmaterial attributes

could compensate for material weakness.” (NAYAR; PAUL, 2003, p. 3).

Portanto, se reconhece na atuação internacional indiana a vontade de potência por um

lado, e por outro a resistência de potências estabelecidas. Logo, a impossibilidade de exercer o

papel de grande potência para a Índia repousa sobre, principalmente, o nível sistêmico, mas

que é acentuado pelas variáveis do plano doméstico (NAYAR; PAUL, 2003) explanados no

capítulo anterior. De acordo com os autores:

India’s rise and acceptance as a major power have been heavily constrained by two

factors: first, the balancing and regional containment of India by the existing major

powers, and, second, India’s unwillingness to play a key role in the global balance

of power, due partly to domestic constraints outlined here, and partly to the

weaknesses in its military and economic capabilities. (NAYAR; PAUL, 2003, p.

110)

No plano do sistema internacional, estes autores identificam que a Índia foi limitada a

integrar-se em importantes áreas como nas instituições internacionais, na expansão de

tecnologias, como a nuclear, e na economia mundial. Contudo, a Índia tem se esforçado,

mediante uma atuação enfática da sua política externa, em alterar essa situação de isolamento.

Quanto às instituições, apesar de fazer parte da Organização Mundial do Comércio, do Banco

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Mundial e do Fundo Monetário Internacional, a Índia não exercia muita influência sobre elas.

Nos últimos anos, alinhamentos ad hoc como o G-20 comercial e financeiro e até mesmo o

BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) e o IBAS (Índia, Brasil e África do Sul) têm mudado e

aumentado o papel deste país nestas instituições. A respeito do isolamento tecnológico, em

relação à tecnologia nuclear, o debate é mais polêmico e requer uma breve retrospectiva.

O isolamento indiano às tecnologias nucleares foi instituído quando, em 1968, foi

institucionalizado o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) que legitimou as armas

nucleares dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, os quais as

tinham adquirido até 1967, e proibiu todos os outros países do mundo a adquirir a tecnologia.

Se os testes nucleares promovidos pela Índia em 1974 haviam provocado represálias a este

país, quando este mesmo se declarou um Estado nuclear em 1998, segundo Mohan (2010, p.

141), Nova Déli começou a diminuir a desigualdade e a se equiparar com os outros Estados

do regime global nuclear, dando ênfase ao papel responsável que tinha enquanto possuidor de

armas nucleares. De acordo com o autor, “This in turn opened the door for the negotiation - if

painful - of a nuclear deal with the United States during 2005—2008” (MOHAN, 2010, p.

141).

Contudo, Perkovich (2003) alerta que o fato de possuir armas nuclear não é sozinho

um fator que concede status de grande potência a um país. Para ele a posse deste tipo de

armas é um fator importante, mas que efetivamente exerce a função de evitar que seja

atingido por armas nucleares. Perkovich (2003, p. 138) acrescenta “Nuclear weapons cannot

grow an economy, gain international market share, or win political support for a nation’s

demands to shape the political-economic order.” Porém, Nayar e Paul (2003, p. 14) discutem

que a Índia foi um dos únicos países que resistiram à adesão ao TNP, resistência que

significou o fortalecimento da sua autodeterminação:

While many erstwhile opponents of the treaty, including Brazil, Argentina and

South Africa, joined it in the 1990s, India has been persistent in its opposition to it,

despite being the target of severe sanctions and denial of technology and materials.

This opposition is primarily driven by systemic reasons. No other country views

itself as a rising power more than India does in the contemporary international

system, and no other country perceives that it has the most to lose by acceding to a

discriminatory treaty which will keep it down as a permanent underdog nation.

These perceptions were again evident in the negotiations for the Comprehensive

Test Ban Treaty (CTBT) in 1996, when India was alone in opposing it, mainly

because the treaty made it obligatory for all forty-four states with a nuclear power

reactor, including India, to ratify it as a condition for its coming into force. The

Indians were clearly worried that adhering to the treaty would foreclose their

nuclear-testing option, while it would foreclose their nuclear-testing option, while it

would allow the P-5 states (the five permanent members of the UN Security

Council) to conduct laboratory-type or subcritical-level tests. (p. 14)

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A Inserção da Índia no Pós-guerra Fria...

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Como resume Narlikar (2009, p. 123)

Na área de política nuclear, os custos da estratégia têm sido menores do que alguns

indianos anteciparam. A condenação e as penas imediatas (como a suspensão da

transferência de tecnologia nuclear) que se seguiram aos testes nucleares indianos de

1974 e 1998 não se mostraram duradouras. Após algumas manobras diplomáticas

cuidadosas, dirigidas pelo chanceler indiano Jaswant Singh, após Pokhran II, a Índia

finalmente logrou receber a primeira visita presidencial dos Estados Unidos ao país

em 33 anos, com Bill Clinton em 2000. O recente acordo assinado entre o primeiro-

ministro Manmohan Singh e o presidente George W. Bush, ao mesmo tempo que

não reconheceu a Índia como um país nuclearizado, vai longe o bastante para

melhorar a “relação de defesa” entre os dois países para uma parceria estratégica.

Ao dizer não na hora certa em vários acordos – utilizando sua combinação única de

retórica moral e invocação do imperativo de segurança nacional –, a Índia parece ter

adquirido com sucesso um arsenal nuclear e o reconhecimento como um país

nuclearizado de fato, escapando da categorização de Estado pária. Também

estabeleceu níveis inéditos de reconhecimento global, o que tem se refletido na

seriedade com que sua candidatura ao assento permanente no Conselho de

Segurança tem sido considerada. E todos esses ganhos foram alcançados sem

necessidade de assinar o TNP ou o CTBT.

Enfim, quanto ao isolamento econômico, ficou evidente que até 1991 este foi auto-

imposto, diferentemente dos isolamentos supracitados. Conforme citam Nayar e Paul (2003,

p. 16) “Until 1991, the Indian economy was on a low-growth trajectory and was one of the

most insulated in the world. India’s share of less than 1 per cent of total global trade and

relatively low levels of foreign direct investment are good indicators of its lack of integration

with the world economy.”.

Os últimos vinte anos, portanto, foram de quebra deste paradigma. Aos poucos, a Índia

passou a se inserir de maneira proeminente nas instituições internacionais, na economia e

começou a ser aceita enquanto potência nuclear. Sob um ponto de vista otimista, Mohan

(2010, p. 140) coloca que no passado Nova Déli tendia a aceitar as regras internacionais que

não tinham capacidade de influenciar, a resistir àquelas sobre a questão nuclear as quais

estavam em conflito direto com a demanda nacional de segurança, e a advogar em abordagens

idealistas como nova ordem econômica e completa abolição das armas nucleares. No entanto,

agora que tem se configurado como uma grande potência, "India is learning to work with

other powers to develop norms, even if they are not comprehensive, and implement them

against the wishes of many past fellow travelers from the Third World.” (MOHAN, 2010, p.

140).

Entretanto, há argumentos que mostram que a integração indiana não tem sido de

forma completa. Nayar e Paul (2003, p. 17) destacam, dentre as agendas de inserção

internacional indiana, a evidência do domínio da integração econômica perante a institucional

e a tecnológica, pois aquela dependia apenas de uma reforma unilateral enquanto as outras

dependem da ampliação das políticas de outros países-chave. Além disso, colocam que a elite

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indiana prefere basear-se no soft Power (diplomacia e apelo ideológico) que no hard Power

(capacidades econômicas e militares). Por fim, Nayar e Paul (2003, p. 112) atrelam o respeito

internacional dado à Índia à sua capacidade de manejar os elementos do hard Power:

Once India’s economic and military strength becomes of consequence for other

countries, it is bound to receive respect. More importantly, images can change if the

hegemonic power comes to the view that it requires the support of sympathy of the

rising power as an ally in its struggle against other major powers or rising

challengers.

De certa forma, este argumento de Nayar e Paul (2003) prevê algo que parece

envolver a dinâmica entre a potência hegemônica, Estados Unidos, e a potência emergente,

Índia, nos últimos dez anos e que será abordada mais profundamente nos próximos tópicos.

Todavia, a discussão sobre as capacidades de soft e hard Power da Índia é controversa, sendo

que comparativamente a Estados Unidos e China o poder de diplomacia e de difusão

ideológica indiano é muito pequeno. Segundo indica Perkovich (2003, p. 129):

A careful analysis of India […] confirms that the country has just enough power to

resist the influence of others but must still make great strides before it can attain

significant power over other states and thus in the international system at large. Yet,

India is home to so many people that achieving socioeconomic development and

internal peace through democratic means would be a great global triumph.

Como qualquer Estado, portanto, a capacidade de influência e de resistência da Índia

depende da relação soft e hard Power, a qual compreende força militar, mobilização e coesão

social, recursos econômicos, capacidade tecnológica, qualidade da administração, e

perspicácia diplomática (PERKOVICH, 2003, p. 129). Logo, pode-se perceber que a Índia

tem caminhado para a consolidação deste padrão de grande potência que conta com uma

grande atuação da política externa em relação a novas formas de alinhamento, e até mesmo a

um novo jeito de lidar com países como a China, o Paquistão, e os Estados Unidos.

A consolidação deste novo padrão é vista por Ganguly (2010) como uma

transformação significativa, já que o país diminuiu a hostilidade em relação aos Estados

Unidos, continuou com tentativas cautelosas melhorar as relações com a China, e fez grandes

esforços para atrair os países do Sudeste Asiático.

Por isso, mais especificamente os próximos tópicos versarão sobre as novas alianças

BRIC e IBAS, sobre a configuração das relações com China e Paquistão, e sobre a mudança

do relacionamento com o Norte, principalmente com os Estados Unidos.

3.1.1 Novas formas de alinhamento: IBAS e BRIC

Na esfera das relações Sul-Sul podem ser identificados dois novos blocos dos quais a

Índia faz parte que demonstram o anseio deste país por influenciar de maneira diferente as

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A Inserção da Índia no Pós-guerra Fria...

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relações internacionais, seja por meio de diálogos paralelos, seja por meio de uma nova

inserção nas instituições existentes.

Sobre o Fórum de diálogo IBAS, a aproximação entre Índia, Brasil e África do Sul é a

consolidação da afinidade entre países cujos interesses parecem ser a concretização de uma

possibilidade contra-hegemônica. Com a formalização deste fórum, estes países se

comprometem com os princípios comuns do pluralismo e da democracia, visto que são países

multirraciais, multiétnicos e multi-religiosos. Segundo Henrique Altemani de Oliveira (2007,

p. 2):

O Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul, sem dúvidas, reintroduziu o tema

da Cooperação Sul-Sul a partir da percepção de que os interesses, demandas e

desejos do Sul não formam a maior parte dos termos da atual ordem internacional,

conduzida pelos estados do Norte.

Mesmo tendo um histórico recente de relações com países da América Latina e África,

a Índia firmou o acordo do IBAS, juntamente com os outros países, em 2003 na Declaração

de Brasília, com o intuito de criar uma parceria estratégica em torno de três pontos

convergentes: dos valores democráticos, da luta contra a pobreza, e da crença na fertilidade

das instituições e instâncias multilaterais as quais devem ser fortalecidas para enfrentar

possíveis turbulências econômicas, políticas e de segurança (PROGRAMA..., 2005). Todavia,

a primeira Cúpula realizada deste fórum foi em 2006, promovendo o fortalecimento da

cooperação Sul-Sul entre América do Sul, África e Ásia. Além desses objetivos, Ray (2006)

acrescenta que são de interesse comum a estes países a cooperação em ciência e tecnologia,

geração de emprego, indústria farmacêutica e meio ambiente.

Porém esta aproximação, além de estar envolta por ideais de liberdade e de

democracia, pode também ter seu caráter pragmático compreendido:

Trata-se de uma típica coalizão de países de Sul, países que não têm capacidade de

promoção de mudanças sistêmicas, mas têm vontade e exercem um papel na

promoção destas mudanças. Não é um movimento com características de oposição

visando modificações na atual estrutura do poder internacional, mas de contribuição

para reforma das instituições internacionais multilaterais. (OLIVEIRA, H. A., 2007,

p.18)

É importante ressaltar, portanto, que estes três países possuem similaridades quanto ao

desenho institucional e às capacidades materiais as quais levam a uma dificuldade em lidar

com pressões sistêmicas de uma ordem, que Cepik (2009, p. 67-68) prefere chamar de

multipolar desequilibrada (CEPIK, 2009). Por isso, Lima e Hirst (2009, p. 16) argumentam

que estes três países vivenciam contextos regionais bastante distintos o que resulta no desafio

do IBAS em de manter a coesão de bloco diante das respectivas condições de potências

regionais. Uma das diferenças marcantes apontadas por Lima e Hirst (2009, p. 16) é a

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disparidade em relação a armamentos nucleares: “A Índia, a única que detém armamentos

nucleares entre os três, enfrenta uma situação geopolítica bem mais complexa do que os

demais, exatamente pela rivalidade com as duas outras potências nucleares da Ásia, China e

Paquistão.”.

O grupo dos BRICs, por sua vez, engloba Brasil, Rússia, Índia e China. Esta sigla foi

usada pela primeira vez pela Goldman Sachs – banco de investimento – em uma publicação à

Global Economic Paper em 30 de novembro de 2001. Tal documento se referia à importante

contribuição destes países à economia mundial, que por volta de 2010 teriam 10% de

participação. Em 2007, no entanto, uma nova projeção apontava para os 15% (O’NEIL,

2007). Em um último documento de perspectiva de mercado publicado em março deste ano, o

grupo Goldman Sachs demonstra por meio de gráficos que os BRICs, na última década,

contribuíram com 30% do crescimento do PIB mundial e hoje cobre quase 25% da economia

mundial. Neste último documento, o grupo acusa, para a próxima década, os BRICs

contribuirão com 45% do crescimento do PIB mundial.

O’Neil (2007) ressalta que cada um dos quatro países componentes do BRICs enfrenta

desafios diferentes para manter o crescimento na faixa desejável. Por isso, existe uma boa

chance de tais previsões não se concretizarem devido ou a políticas ruins, ou por erro nas

projeções, ou simplesmente por má sorte. Entretanto, se a realidade dos BRICs forem, ao

próximas das previsões, as implicações destes na economia mundial serão grandes. Isto

porque a importância relativa dos BRICs como “usina” de novas demandas de crescimento e

poder de gasto pode mudar mais sensível e rapidamente do que se imagina a economia

mundial. De acordo com o estudo feito por O’Neil (2007), o grupo possuirá mais de 40% da

população mundial e juntos terão um PIB de mais de 85 trilhões de dólares.

Da mesma forma que o IBAS, o BRICs é um grupo de países que possuem

características semelhantes capazes de aproximá-los neste “tijolo” 9. A força deste grupo vem

crescendo tanto econômica quanto politicamente e de acordo com Paulino (2008, p. 1):

Com quase metade da população mundial, 20% da superfície terrestre, recursos

naturais abundantes e economias diversificadas, com elevado ritmo de crescimento,

esse grupo de países já tem uma participação no PIB mundial equivalente à dos

Estados Unidos e superior à dos países da zona do euro.

O papel político dos BRICs tem se equiparado à importância econômica proposta a

eles de fora para dentro. Apesar de ter sido uma sigla que foi criada sem intenções

espontâneas de cada país, duas cúpulas reunindo estes países para formalizarem o projeto já

9 Aqui é feito uma alusão provocada pela sigla BRIC que em inglês é remetido ao termo brick, ou seja, tijolo.

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A Inserção da Índia no Pós-guerra Fria...

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foram feitas. A primeira em 2009 em Escaterimburgo na Rússia, e a segunda neste ano em

Brasília. Nesta última, a vinda dos representantes para Brasília propiciou além da cúpula dos

BRICs, diálogos bilaterais e a reunião do fórum do IBAS. Sobre a cúpula dos BRICs, Luque e

Vicente (2010) colocam que além dos assuntos econômicos,

[...] outros assuntos fizeram parte da pauta da reunião como o programa nuclear

iraniano, acordo de paz no Oriente Médio, situação no Haiti, segurança nuclear,

terrorismo e assuntos relacionados às mudanças climáticas. Dentre os acordos

assinados, mencionamos o acordo de cooperação entre os bancos de

desenvolvimento para financiamento conjunto de obras de infra-estrutura, o que

ressalta as preocupações dos países com as incertezas e vulnerabilidades da

economia mundial.

Deste modo, baseado no movimento assumido pelo bloco, Hurrell (2009, p. 30)

analisa que a concentração de poder nos Estados Unidos é central para conformar as visões de

Brasil, Rússia, Índia e China sobre o sistema internacional. No entanto não provoca uma

situação de inimizade em relação à potência hegemônica, e sim uma aproximação de modo

que tentem mudar e adaptar o sistema mais favorável ao bloco, participando dele. Apesar de

ser um bloco politicamente de mais peso, graças ao peso econômico e militar de seus

componentes, é um bloco que une países que tem fragilidades, as quais são apontadas por

Hurrell (2009, p. 40)

Duas similaridades devem ser realçadas. A primeira é o sentimento compartilhado

de incerteza, especialmente relativa ao comportamento dos Estados Unidos. [...] A

segunda, e talvez mais surpreendente, é o sentimento compartilhado de

vulnerabilidade. O tamanho pode aumentar o número de opções, e cada um desses

países pode acreditar em seu direito “natural” a um papel influente no plano

internacional, mas todos eles permanecem avidamente conscientes de sua

vulnerabilidade. O caráter específico dos problemas destes quatro países varia de

caso a caso, assim como o grau de vulnerabilidade sistêmica que eles enfrentam, as

dificuldades de suas respectivas regiões e vizinhanças além de sua coesão interna e

capacidade estatal.

Logo, esses grupos - IBAS e BRICs – podem ser identificados como reflexo da busca

pela modificação do cenário mundial, visto que a ordem internacional tem permitido a

rearquitetura das forças globais.

3.1.2 Índia na Ásia: relação com Paquistão e China

Para tentar descrever um pouco da situação das relações entre grandes asiáticos –

Índia, China e Paquistão – é necessário entender a complexidade da região que comporta

conflitos históricos mencionados anteriormente. Além disso, a questão da ideologia religiosa

é algo que se adiciona às questões regionais, mas que não serão especificamente analisadas,

dado que neste tópico a pretensão é a de que se consiga traçar um panorama das relações

atuais, ou seja, dos últimos 20 anos, entre os países em questão.

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Alguns aspectos gerais em relação à Ásia devem, portanto, ser descritos antes de

aprofundar na análise das relações com China e Paquistão. Com o fim da Guerra Fria a Índia

começou a exercer uma política que ficou conhecida por “Look East Policy”, “Olhe para o

Leste”, na qual priorizou a aproximação com o Sudeste Asiático. Essa aproximação pode

tanto ser entendida como tática para contrabalançar a influência política e militar da China

(GUIMARÃES, 2008); como mecanismo de integração aos blocos regionais elevando a

importância das questões econômicas na formulação da política externa e abandonando o

isolacionismo (OLIVEIRA, H. A., 2007).

Além disso, fica evidente que nas relações com Paquistão e China, a influência dos

Estados Unidos sempre se fez muito presente, porém com o fim da Guerra Fria, esta presença

se fez enquanto potência hegemônica. Além disso, a presença da Rússia, enquanto fornecedor

de armamentos para a Índia faz parte do equilíbrio de poder da região. Segundo Henrique A.

de Oliveira (2007), a Índia tem na sua elaboração da política externa prioridades como

Paquistão, China, Estados Unidos e Rússia.

Também é importante ressaltar que a relação bilateral com ambos os países se

transformaram, em certos momentos da história, em alianças. Exemplo disso é a aproximação

China, Paquistão e Estados Unidos nos anos 1970. Para que se tenha uma prévia noção da

complexidade da relação atual entre este triângulo-Estatal, Gaspar (2008, p. 126) coloca que

ao mesmo tempo em que a Índia tenta conter as ações invasivas da China, e impedir que se

iniciem novas crises com o Paquistão, ela deve fortalecer suas relações econômicas com os

demais países da região:

A Índia procura responder à penetração chinesa, desde logo com o fortalecimento da

sua posição como principal potência da Ásia do Sul, o que implica conter as tensões

bilaterais com o Paquistão e valorizar as suas relações com os pequenos e médios

estados regionais no quadro da Associação da Ásia do Sul para a Cooperação

Regional (SAARC), que foi alargada para incluir o Afeganistão. Por outro lado,

quer ter uma presença nos quadros multilaterais asiáticos a par da China, incluindo a

Cimeira da Ásia Oriental (EAS), o Fórum Regional da ASEAN (ARF) e, no futuro,

a Comunidade da Ásia Oriental, bem como o Fórum Econômico do Pacífico

(APEC), onde a sua candidatura, apresentada pela Austrália, ainda não foi aceita.

Paquistão

Não é novidade para os estudiosos de política internacional que as relações entre Índia

e Paquistão são conflituosas. Desde a descolonização Britânica, os dois países estão em

disputa pela região da Caxemira. Apesar da vontade de Gandhi que o país se mantivesse

unificado, foi concedido um território para que se criasse um país muçulmano. A Índia, com

sua população de maioria Hindu, teve, portanto, seu território delineado. Hoje se configuram

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A Inserção da Índia no Pós-guerra Fria...

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dois países importantes na agenda geopolítica da região. Conforme Basrur (2010), em nível

global são dois países considerados fracos, mas no contexto do Sul da Ásia, a Índia é um

grande potência em relação ao rival Paquistão. Para este autor, o Paquistão é muito menor em

termos de tamanho, população, força econômica e capacidades militares. Porém, se Basrur

(2010) não considera ambos os países, Índia e Paquistão, importantes globalmente,

certamente a disputa entre eles, pela região da Caxemira, alcança o globo por possuírem

armas nucleares.

Como descreve Farndon (2007), em Outubro de 1947 guerrilhas islâmico-

paquistanesas avançaram sobre a capital da Caxemira, Sringar. Como medida de cessar-fogo,

foi criada uma Linha de Controle (LOC – Line of Control) que existe até hoje como limite

para a ocupação de Paquistão e Índia na região. Alguns anos mais tarde, em 1965, o

Paquistão, movido pela ilusão de tomar a Caxemira à força de uma Índia fragilizada pela

guerra sino-indiana de 1962, fez sua segunda investida (BASRUR, 2010). Ademais, o

Paquistão recebia ajuda da China e, desde 1954, ajuda militar dos Estados Unidos que tinha

intenções de conter a assertividade da Índia e o avanço soviético. Sobre essa parceria

Paquistão-Estados Unidos Nayar e Paul (2003, p. 74-75) descrevem o suporte militar deste

àquele no contexto da Guerra Fria:

Not only did the US once again provide massive military aid to Pakistan and rearm

it with technologically superior weaponry, but it also now adopted a permissive

approach to Pakistan’s development of nuclear weapons. Only with the collapse of

the Soviet Union did the US begin to distance itself from Pakistan.

O terceiro conflito indo-paquistanês, da Guerra Fria, foi o conflito que transformou o

Paquistão Oriental em Bangladesh. Ocorrido em 1971, esta guerra foi mais definitiva que as

duas primeiras, segundo Nayar e Paul (2003), já que a Índia adquiriu 13 mil quilômetros do

território paquistanês. De acordo com os autores, a Índia não conseguiu traduzir sua vitória

em um acordo favorável, além de que mesmo depois de três guerras entre estes dois Estados

não houve mudança na assimetria de poder entre eles. Contudo, a Índia contou com o apoio

da União Soviética contra a aliança Paquistão-Estados Unidos e China (BASRUR, 2010, p.

13)

Com o fim da Guerra Fria, apesar de os interesses da disputa bipolar estarem afastados

das desavenças entre estes vizinhos, havia desde 1989 conflitos de baixo-nível como destaca

Farndon (2007). Em suma, no começo dos anos 1990 a política externa indiana em relação ao

Paquistão foi de construção de uma aproximação econômica que tenderia a uma maior

cooperação entre eles. No entanto, as relações econômicas entre eles durante os anos 1990, de

acordo com Basrur (2010, p. 14), não eram muito animadoras:

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Tainá Dias Vicente

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Using strong state strategy, India consistently sought to build closer economic and

cultural relations with Pakistan. Accordingly, it favoured higher levels of trade with

Pakistan, granted most favoured nation (MFN) status to it in 1995, and welcomed

Pakistani cultural figures into India. Pakistan, on the other hand, resisted trade with

India, which had declined precipitously from 32 per cent of its imports and 56 per

cent of its exports in 1948-9 to a ‘mere trickle’ by the early 1950s. […] By the late

1990s, Pakistan’s exports to India were just o.42 per cent of its total exports and its

imports from India only 1.22 per cent of its total imports. In consequence, India’s

capacity to influence Pakistan was kept to the minimum. Cultural links were

shunned. Hindi films and music, popular in Pakistan, were not given access to

Pakistanis market. […] But in fact, Pakistan’s policy equally reflected the caution of

a weak state resisting engagement with a strong one. (BASRUR, 2010, p. 14)

Índia e Paquistão passaram, no pós-Guerra Fria, por no mínimo mais três crises que

abalaram a região. Uma primeira em 1990 quando separatistas islâmicos paquistaneses

invadiram o espaço indiano da Linha de Controle e aniquilaram tropas indianas. A segunda

crise, que ficou conhecida por Crise de Kargil, ou Guerra de Kargil, ocorrida em 1999 de

Maio a Junho deste ano, novamente devido à invasão do Paquistão à área indiana da LOC. A

Crise de Kargil se deu entre Índia e Paquistão por motivos, de acordo com Ganguly (2001, p.

115) de uma combinação de falso otimismo paquistanês e complacência indiana. Essa crise

ocorreu devido à decisão infundada de tomadores de decisão paquistaneses em quebrar a

Linha de Controle da Caxemira acreditando que haveria uma resposta positiva da comunidade

internacional, especialmente dos Estados Unidos. A idéia era que mesmo iniciando o conflito,

seria difícil que as grandes potências atribuíssem a responsabilidade do mesmo ao Paquistão.

Além disso, os Estados Unidos seriam contrários a se posicionarem a favor da Índia. Porém,

essas idéias estavam embasadas em uma avaliação do comportamento americano “passado”

sobre os conflitos indo-paquistanês.

Entretanto, esta segunda crise teve um fator agravante. Os dois países haviam recém

testado seus artefatos nucleares bélicos. Além dessas, uma terceira crise em 2001 quando

houve um ataque ao parlamento indiano. Após esta última crise, há evidências que o comércio

entre Paquistão e Índia passou a crescer (GANGULY, 2001). Segundo Basrur (2010),

portanto, dentro deste novo contexto pós-Guerra Fria, havia dois movimentos sistêmicos e

antagônicos que influenciavam a região, o advento das armas nucleares e a aceleração dos

incentivos ao comércio global.

Contudo, após os atentados de 11 de setembro a região passou a ser muito bem

assistida pelos Estados Unidos que precisavam de aliados contra o terrorismo. Conforme

explica Ganguly (2001), antes de 11 de setembro de 2001, o Paquistão era considerado um

Estado Pária no sistema internacional de acordo com os cálculos dos Estados Unidos, devido

aos testes de 1998 e a violação da LOC em 1999. Contrariamente, a Índia tinha em ascensão a

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A Inserção da Índia no Pós-guerra Fria...

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sua imagem internacional. Porém, após os atentados ambos os Estados foram chamados a

lutar contra o terrorismo, enquanto secretários de Estado e de Defesa americano tentavam

amenizar a situação.

Desde 2004 conversações sobre o fim do conflito tem sido feitas, porém os atentados

mútuos não cessam. Contudo, quem tem perdido mais em relação à inserção na ordem

internacional tem sido o Paquistão com a economia e poderes militares fragilizados. De

acordo com Basrur (2010, p. 17), as variáveis nuclear e econômica inerente ao conflito têm

proporcionado ganhos relativos à Índia:

Although nuclear weapons and economic interdependence impose constrains on the

exercise of Power in the traditional sense, Power does play a significant role in other

ways. First, economic power enable a nation to exercise influence over its

interlocutors, whether by means of carrots or sticks. Here, India’s emergence as a

major economic player has occurred precisely at the time when Pakistan’s economy

has struggled to stay afloat, largely as a result of domestic political turmoil. […]

Clearly, India had demonstrated unprecedented institutional and economic power. In

contrast, Pakistan bay late 2008 was in dire straits, seeking a massive infusion of

cash from lenders as its economy struggled to stem capital fight to tune of US$15

billion annually. Second, political power still counts, for it determines the success or

failure of states in negotiating their way through the institutional framework of

international politics. On this front, India made a major breakthrough as a global

player when, in the autumn of 2008, the US and the Nuclear Suppliers Group (NSG)

agreed to change their restrictive rules and engage in civilian nuclear commerce

with it.

Nos últimos anos ainda muitos ataques são relatados provindos de grupos separatistas

da Caxemira, dentre outros o de 2008 à Mumbai, que dificultam o processo de pacificação

entre os dois países. Conforme argumenta Basrur (2010), a Caxemira continua sendo um

símbolo da partilha incompleta e de conflito entre identidades excludentes. Mesmo

conscientes da diversidade interna de seus países, o medo de perder a Caxemira dará início a

um processo de desintegração política (BASRUR, 2010, p. 19). A questão que coloca em

oposição, portanto, os dois países é que a Índia quer manter o status quo regional enquanto o

Paquistão pretende mudá-lo. Segundo Farndon (2007, p. 102)

There is no doubt that India, in many ways, is happy with the status quo. It would be

quite happy to see the LOC made into a permanent border. Pakistan, on the other

hand, would not, for it would mean leaving a majority Muslim population trapped,

as they see it, inside India – and an artificial border that makes no sense

geographically, culturally and politically.

Por fim, fica evidente que gastando 54% do seu PIB em defesa principalmente para se

proteger da Índia, o Paquistão tem investido em uma conquista que parece inalcançável

(FARNDON, 2007). Para a Índia, portanto, o importante não é adquirir território, mas

preservar sua autonomia e receber prestígio e influência política (PERKOVICH, 2003) o que

tem sido dificultado por este conflito “unending” como diz Ganguly (2001).

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Tainá Dias Vicente

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China

A relação Índia e China tem semelhanças com a relação Índia e Paquistão pelo

histórico conflituoso e pela rivalidade alimentada pelos vizinhos. No entanto, Índia e China

são países extremamente equivalentes em suas características populacionais e de extensão

territorial, assim como de projeção econômica. Deste modo, percebe-se que as relações entre

estes dois Estados adapta-se às necessidades práticas ao longo do tempo, conformando uma

relação mais estável em termos de eminência de conflitos no contexto pós-Guerra Fria.

Marcada por conflitos regionais relacionados, majoritariamente, a questões territoriais

desde 1962, a relação entre Índia e China chegou a ser comparada a uma “Guerra Fria à parte”

devido à polarização gerada na região pelo conflito entre os dois países. Além disso, estes

países também compuseram alianças variadas, sempre como oponentes, ao lado de países do

ocidente. Estas alianças fortaleceram China e Índia frente a questões regionais, sendo hoje as

duas potências de maior destaque na Ásia e, portanto, concorrentes e hostis. Porém, com o fim

da bipolarização mundial e o aumento dos fluxos de comércio, pessoas, serviços e

informação, o viés de análise da cooperação aparece como uma alternativa a ser considerada.

Durante o período da Guerra Fria, as relações entre China e Índia envolveram também

o contexto global. Devido ao apoio indireto do governo indiano, que abrigou Dalai Lama em

sua fuga, ao movimento separatista do Tibete, as divergências entre estes dois países ficaram

muito acirradas. Conforme expões Athwal (2008), entre 1949 e 1957 houve um momento de

paz entre as nações recém-descolonizadas, sucedido pela Guerra de 1962 que fez parte do

jogo da Guerra Fria graças às divergências entre os modelos revolucionários da União

Soviética (aliado indiano) e da China. Ainda de acordo com o autor, o distanciamento de

Moscou e Nova Déli em 1976 proporcionou um enfraquecimento das tensões entre China e

Índia, momento em que restabeleceram embaixadas. Desde então até os testes nucleares

indianos de 1998, houve um predomínio novamente da relação amistosa. Entretanto, a ameaça

nuclear do vizinho provocou tensões na região. De acordo com Athwal (2008), apesar das

relações hostis sofrerem oscilações, os países trocam visitas oficiais frequentemente e

procuram manter um relacionamento de manutenção do status quo, que devido à prosperidade

das relações comerciais, tendem à cooperação.

Amaury P. de Oliveira (2008, p. 126-127), no entanto, não considera o fato dos testes

indianos terem perturbado a relação, identificando uma aproximação efetiva entre China e

Índia a partir de 1988, por iniciativa do Primeiro Ministro Rajiv Gandhi incentivado por

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A Inserção da Índia no Pós-guerra Fria...

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Mikhail Gorbatchev que discursou sobre a reconciliação asiática (Julho de 1986). Desde

então, A. P. de Oliveira (2008) argumenta que foi decidido enterrar a Guerra Fria, em Julho

de 2003, e prosperar em cooperação abrangente. Conforme descreve o autor, em 2005 houve

um momento histórico para a diplomacia indiana que passou a agir de forma mais pragmática

em relação ao vizinho:

Essas boas intenções iriam ganhar contornos práticos dois anos mais tarde, já sob o

novo governo do Partido do Congresso, quando o Primeiro-Ministro Wen Jiabao

efetuou visita de Estado a Nova Delhi (abril de 2005), evento saudado na imprensa

indiana como um dos “mais importantes da década, na agenda diplomática da

Índia”. O estreitamento do intercâmbio comercial foi o principal terreno

impulsionado nas conversações bilaterais, mas dignas de nota foram a flexibilidade

demonstrada pelos dois lados no encaminhamento dos litígios fronteiriços; a

reafirmação, pelos indianos, do reconhecimento da soberania da China sobre o

Tibete; e a aceitação, pelos chineses, do uso privilegiado, pela Índia, de antigas rotas

comerciais no Sikkim. (OLIVEIRA, A. P. de, 2008, p. 126)

Todavia, é importante ressaltar que o desenvolvimento militar destes dois países está

em constante crescimento, podendo ser observados o aumento da marinha e da nuclearização

da mesma (ATHWAL, 2008). Dado que a região que a Índia ocupa é estratégica para a

passagem de navios de carga, principalmente de recursos energéticos, para a China, este país

tem feito alianças com os países vizinhos à Índia de modo a garantir segurança aos seus

interesses na região. Esta dinâmica de alianças pode ser chamada de “Colar de Pérolas”, ou

seja, um tipo de contenção regional em relação ao Oceano Índico por meio de presença

chinesa em vários países que contornam a Índia, como em Mianmar e Paquistão onde

aprimoram infra-estruturas que beneficiam tanto o país-base como a China no suprimento das

regiões mais afastadas de Pequim (ATHWAL, 2008).

Sob o ponto de vista de Khanna (2008), entretanto, a Índia é um país que não tem

chances de competir com as capacidades de poder que a China tem. Por mais que a Índia faça

esforços para impedir o “encirclement” chinês, este autor considera que a era do Pacífico será

conduzida pela China e por mais ninguém. Apesar da tentativa de usar o termo “Segundo

Mundo” para caracterizar uma nova posição ocupada pelos países emergentes no pós-Guerra

Fria, o autor do conceito não considera que a Índia esteja no mesmo patamar que a China, país

que considera integrante do novo “Segundo Mundo”. De acordo com Khanna (2008, p, 258)

“No nation within this India-Japan-Australia triangle – whether the first, the second and the

third world – can withstand China’s economic, demographic, political and cultural

encroachment.”.

A discussão trazida por Khanna (2008) é interessante, pois é um contraponto às

expectativas para a conformação de uma grande potência indiana. Ao comparar com o vizinho

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chinês, Khanna (2008) tem uma projeção negativa para a atuação indiana na ordem

internacional contemporânea, já que considera que a Índia após a independência se mostrou

ineficiente em organizar seu desenvolvimento, além de apontar incoerências na política

externa indiana que de repente passou do não-alinhamento ao multi-alinhamento, trazendo ao

discurso uma extrema simpatia aos Estados Unidos e à China. Por fim, Khanna (2008, p. 277)

provoca, que se a Índia crescer será de acordo com as regras chinesas.

Por outro lado, Gaspar (2008, p. 126) argumenta que a convergência entre Índia e

China ocorreu devido a uma mudança radical na política externa indiana, a qual é motivada

pela vontade de potência muito evidente e que pode transformar toda a região:

Essa convergência iniciou uma revolução na política externa da Índia, que ainda não

se completou, nem é irreversível. A motivação principal da grande potência da Ásia

do Sul decorre da ascensão da China, que excede os limites da Ásia Oriental e tende

a condicionar os equilíbrios estratégicos em todas as regiões asiáticas. De certa

maneira, a ascensão paralela da China e da Índia e a crescente competição

estratégica sino-indiana podem estimular a emergência de uma grande região

asiática formada pela Ásia Oriental, pela Ásia do Sul e pela Ásia Central e,

eventualmente, incluindo mesmo a Austrália e o Pacífico Sul.

Apesar das divergências históricas e da proximidade entre China e Paquistão, para

Kamdar (2008) Índia e China já resolveram suas disputas de fronteira e tem crescido 40% ao

ano no comércio bilateral, sendo que em 2007 a China desbancou os Estados Unidos como

maior parceiro comercial da Índia. Não ignora a concorrência entre os dois pelos recursos

naturais, mas concede a vantagem à Índia democrática nas possibilidades de influência na

ordem internacional:

Índia e China vêem o século XXI como o século da Ásia, uma época na qual as

instituições que estabeleceram a ordem global depois da Segunda Guerra Mundial

serão substituídas por uma nova estrutura baseada em novos alimentos e num novo

equilíbrio de poder. [...] A China e a Índia perceberam que enfrentam desafios

comuns de pobreza generalizada, crescente divisão entre os mundos rural e urbano,

deterioração ambiental e demanda energética galopante para bilhões de pessoas. Os

dois países sabem que qualquer um desses problemas é capaz de desviar seu

impulso notável e atolar a nação em agitação interna ou conflitos regionais. [...]

Mas, mesmo se a China ofuscar a Índia no tocante à força militar e ao poder

econômico, ela nunca será capaz de igualar a imensa vantagem da Índia como

democracia. A democracia indiana é um tremendo ativo em termos do que a teoria

de relações internacionais chama de poder brando e uma válvula de segurança

natural para as frustrações de seus cidadãos. Neste mundo frágil e em rápida

mudança, a Índia avança como amiga das superpotências e também dos países em

desenvolvimento, como uma fonte global de criatividade cultural e inovação

tecnológica, bem como uma sociedade aberta. (KAMDAR, 2008, p. 22-23)

A associação entre esses dois países de peso no contexto asiático tem propagado

também uma influência importante para a Índia no contexto global. Segundo Athwal (2008), o

aumento do consenso político, ao menos no discurso, e a possibilidade de expansão do

mercado a acordos de livre-comércio, além do apoio chinês à candidatura da Índia para uma

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A Inserção da Índia no Pós-guerra Fria...

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vaga de membro permanente no Conselho de Segurança da ONU tem gerado perspectivas de

manutenção da paz e expansão da cooperação. Porém, é relevante pensar que a situação do

equilíbrio de poder asiático está muito ligada à influência dos Estados Unidos na região, o que

de acordo com Nayar e Paul (2003, p. 114), tem levado à associação com a Índia de modo a

contrabalancear a ascensão chinesa.

3.1.3 Índia e o Norte: aproximação com os Estados Unidos

As relações entre Estados Unidos e Índia trazem uma história de divergências entre

Estados Unidos e Índia. Boa parte disso ocorre desde a independência e a não aceitação em

aderir automaticamente a um dos lados da Guerra Fria. A liderança nos movimentos de

neutralidade e autonomia dos países do “Terceiro Mundo” principalmente durante a

Conferência de Bandung (1955) quando se estabeleceu o Movimento dos Não-Alinhados

mostram o perfil do país (ZORGIBE, 1996). Contudo, os conflitos de fronteira que se

desenrolaram durante os anos da bipolaridade sobre a região da Caxemira entre Índia e

Paquistão conformaram alianças de alcance global. Para a conformação destas mesmas,

também os conflitos entre China e Índia (sobre o Tibete) e entre China e a União Soviética

(sobre o modelo de Socialismo a ser implementado) ajudaram a moldar a situação da Ásia

durante o período. Deste modo, ficaram de um lado Índia e União Soviética e, de outro,

Paquistão, Estados Unidos e China.

As divergências entre Estados Unidos e Índia não cessam aqui. Anos depois de ter

recusado a adesão ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear (1968), a Índia executa, em 1974,

o seu primeiro teste nuclear pacífico o que estabeleceu uma situação de isolamento entre ela e

os países “legitimamente” possuidores de armas nucleares. De acordo com Kapur (2010),

Índia e Estados Unidos gastaram várias décadas durante a Guerra Fria batalhando sobre as

questões da proliferação nuclear. Por isso, Kapur (2010, p. 259) atribui a aproximação atual

entre Índia e Estados Unidos a questões tanto estruturais, como domésticas e de liderança

individual:

[...] for most of the past six decades, relations between the US and India were frosty.

Why then has their relationship changed so radically in recent years? I argue that a

confluence of structural, domestic, and individual leadership factors has been

responsible for this shift. At the structural level, the end of the Cold War

fundamentally altered India’s strategic calculus and broadened US foreign policy

options. At the domestic level, India’s economic reforms made it an attractive

business and trading partner. And at the individual level, political leaders broke with

past policies in ways that helped change the trajectory of Indo-US relations.

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Apesar dos testes nucleares indianos de 1998 (Pokhran II), a aproximação entre

Estados Unidos e Índia se sucedeu, fundamentalmente, a partir da segunda década do pós-

Guerra Fria. Momentos dos anos de 1999/2000 podem ser utilizados para exemplificar a

aproximação, como quando o governo Clinton não se posicionou automaticamente ao lado do

Paquistão no conflito de Kargil (1999) e discursou para o Parlamento indiano em uma visita

ao país (2000)10

.

A partir de então, a tendência dessa relação, que se olhada sob a perspectiva da Guerra

Fria parece paradoxal, foi de se intensificar. Durante o governo Bush (2001-2008) foi

estabelecida, com a Índia, uma relação de parceria com a proposta do “Next Steps in Strategic

Partnership” (2001). Ademais, exemplo de intensificação da relação, a Estratégia de

Segurança Nacional (2002) faz referência à Índia como colaboradora, junto aos Estados

Unidos, na Guerra contra o Terror. Neste documento, é identificada a nova configuração das

relações de poder pela menção dos outros centros importantes de poder global:

The events of September 11, 2001, fundamentally changed the context for relations

between the United States and other main centers of global power [destaque nosso],

and opened vast, new opportunities. With our long-standing allies in Europe and

Asia, and with leaders in Russia, India, and China, we must develop active agendas

of cooperation lest these relationships become routine and unproductive. Every

agency of the United States Government shares the challenge. We can build fruitful

habits of consultation, quiet argument, sober analysis, and common action. In the

long-term, these are the practices that will sustain the supremacy of our common

principles and keep open the path of progress. (NSC, 2002, p. 31)

A ex-secretária de Estado, Condoleezza Rice adverte que desde 2000, quando havia

mencionado que os Estados Unidos deveriam procurar aperfeiçoar suas relações com as

grandes potências (Rússia e China) e com as potências emergentes (Índia e Brasil), a

identificação dessas potências regionais tem feito com que uma nova era nasça. Ao final da

administração George W. Bush, a Índia recebe um destaque que fica explícito no discurso de

Rice (2008), no qual também é retomada a importância de que os Estados Unidos saibam lidar

com os países que estão surgindo.

10 De acordo com Kamdar (2008, p. 319) “Os testes nucleares não impediram o presidente Clinton de tentar

estreitar as relações dos EUA com a Índia. Sua histórica viagem ao país, em 2000, foi a primeira visita de um

presidente americano em 22 anos. [...] O presidente Clinton disse à audiência indiana que os americanos

“saudavam a liderança indiana na região e no mundo” e incentivou os dois países a transformarem uma visão

comum em realizações comuns para que os parceiros em espírito possam ser parceiros de fato.” Com o discurso

do presidente Clinton, o período de guerra fria da indisposição entre os EUA e a Índia encerrou-se oficialmente.

Estava montado o palco para uma parceria sem precedentes entre a Índia e os EUA.

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A Inserção da Índia no Pós-guerra Fria...

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Assim, durante este governo Bush foram estabelecidas reuniões a partir do ano de

2005 para a construção do Acordo de Cooperação Nuclear para Uso Pacífico cujo processo de

ratificação pelos respectivos Congressos se deu ao final de 2008. Segundo Kerr (2010):

The Bush Administration had been considering a strategic partnership with India as

early as 2001. Indian officials identified their growing energy needs as an area for

cooperation, particularly in nuclear energy. The U.S.-India 2004 Next Steps in

Strategic Partnership (NSSP) initiative included expanded cooperation in civil

nuclear technology as one of three goals. Phase I of the NSSP, completed in

September 2004, required addressing proliferation concerns and ensuring

compliance with U.S. export controls. On July 18, 2005, President Bush announced

the creation of a global partnership with India in a joint statement with Prime

Minister Manmohan Singh. Noting the “significance of civilian nuclear energy for

meeting growing global energy demands in a cleaner and more efficient manner,”

President Bush said he would “work to achieve full civil nuclear energy cooperation

with India” and would “also seek agreement from Congress to adjust U.S. laws and

policies.”

Durante o período que foi de 2005 a 2008 construiu-se e aprovou-se um documento

que gerou debate quanto à efetividade do acordo, os seus reais interesses e a deslegitimação

de tudo que já foi feito contra a proliferação nuclear. Este processo desde a criação até a

finalização do acordo foi permeado de discursos, convenções bilaterais e documentos que

devem ser profundamente investigados. Ademais, o acordo ainda é motivo de empenho do

atual governo Barack Obama podendo ser verificado, sob a atual administração, um “Diálogo

Estratégico” entre Estados Unidos e Índia além de acertos subsistentes relativos ao acordo

ratificado em 2008.

As iniciativas da aproximação entre Estados Unidos e Índia culminando na criação de

um acordo sobre um tema tão delicado como a questão nuclear leva a reflexão, portanto, sobre

o cenário no qual isso incide. No contexto da ordem internacional, tanto de declínio de poder

relativo dos Estados Unidos como de ascensão de novos países à categoria de potência, essa

aproximação refere-se a uma necessidade de readaptação a uma transformação das relações de

forças no sistema internacional.

No entanto, com o intuito de responderem a estas ascensões, os Estados Unidos tem

investido em novas formas de atuações e em novas alianças. Ou seja, para contrabalancear o

desgaste da Doutrina Bush, a potência hegemônica investe em diálogos bilaterais. E esse

comportamento, de ressaltar as novas potências, se reafirma no governo Obama.

Relativo ao Acordo de Cooperação Nuclear entre Estados Unidos e Índia, comentários

de especialistas envolvidos no processo já revelam algumas impressões sobre esse

engajamento bilateral com a potência emergente. Spector (2008), chefe do escritório de

Washington do Instituto de Estudos Internacionais Monterey, aponta que

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The real reason for the agreement on the American side, I believe, is to shore up

relations with India and to establish our close relationship for the future. The

agreement carries considerable symbolism and I'd say that's even more important

than any business that may be obtained by American vendors.

Tellis (2008), consultor do Departamento de Estado Americano durante a negociação

do acordo, acrescenta

There've been a whole series of things that the United States put in place since 1974

in an effort to isolate India and to get the Indians to roll back their weapons program.

The Bush initiative basically brings the curtain down on those U.S. efforts of the last

thirty-five years. It transforms India from the target to now the partner. This is, from

the Indian point of view, extremely profound. It helps India meet its energy targets,

but it also changes the character of the bilateral relationship.

Por outro lado, a importância do papel da Índia no sistema internacional por meio do

reconhecimento dos Estados Unidos pode ser entendida, também, pelo peso que Nova Déli se

atribui em relação à responsabilidade internacional. De acordo com Mohan (2010, p. 140):

In the past, New Delhi tended to accept international rules where it did not have

capacity to change them, resisted those like in the nuclear domain that were in direct

conflict with India’s core national security interests, and champion (if

unsuccessfully) idealistic approaches such as the new international economic order

or complete abolition of nuclear weapons. As it becomes a great power, India is

learning to work with other powers to develop norms, even if they are not

comprehensive, and implement them against the wishes of many past fellow

travelers from the Third World.

Por isso, Mohan (2010) argumenta que o posicionamento da Índia hoje se deve a sua

postura na construção dos regimes nucleares globais, ou seja, ao fato de ter se declarado uma

potência nuclear responsável. Para o autor, isto contribuiu para a abertura das negociações

“dolorosas” com os Estados Unidos entre 2005 e 2008.

Assim também no governo Obama, a importância da aproximação é ressaltada. Apesar

de ser natural do discurso americano a convocação de todos os países para a promoção dos

valores que prezam, na Estratégia de Segurança Nacional de 2010 há uma necessidade de

reafirmar a importância dos novos centros de poder para a construção da ordem internacional.

Dentre as nações que estão no patamar de aliados, já citadas desde a estratégia de 2002, mas

de forma mais contundente agora, está a Índia, com quem os Estados Unidos manifestam o

anseio cada vez maior de aprofundar as parcerias:

[…] working to build deeper and more effective partnerships with other key centers

of influence—including China, India, and Russia, as well as increasingly influential

nations such as Brazil, South Africa, and Indonesia—so that we can cooperate on

issues of bilateral and global concern, with the recognition that power, in an

interconnected world, is no longer a zero sum game. (NSC, 2010, p. 3)

O acordo pode ser visto como o resultado de um processo de quase dez anos de

reaproximação entre dois países os quais, durante o período da Guerra Fria, declaravam-se

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discordantes sobre as questões nucleares. Além disso, esse acordo entre Estados Unidos e

Índia possibilita um panorama de evidências de nova arquitetura das forças do sistema

internacional de modo que esta ordem internacional vigente desde 1991 está em construção e

pode admitir novos atores influentes modificando a relação em que o Norte coordenava as

ações e o Sul as aceitava. Corroborando com a hipótese de que há um novo posicionamento

para a Índia no sistema internacional, os Estados Unidos adotam também um posicionamento,

não só favorável, mas de apoio à candidatura da Índia ao assento permanente no Conselho de

Segurança da ONU.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como explicitado ao longo do trabalho, a Índia é um país que pode vir a se consolidar

como potência no século XXI, mas que ainda padece com vulnerabilidades internas – com o

134º IDH do mundo (HUMAN..., 2009) – e com conflitos regionais. Observou-se o contexto

internacional no qual a Índia está inserida e foi possível perceber que a ordem internacional é

propícia para a legitimação das capacidades de influência indiana, porém a ordem mundial, ou

seja, o padrão intersubjetivo das relações internacionais, ainda está intimamente ligada aos

valores da hegemonia. Ademais, as experiências de equilíbrio de poder da qual a Índia tem

feito parte favorecem a sua ascensão concomitantemente ao declínio de poder relativo da

potência hegemônica americana.

A política externa indiana mantém o padrão de buscar consolidar seu anseio por se

tornar uma potência mundial, mas deve considerar que isso se trata de um processo longo de

inserção internacional. Conforme identifica Velasco (2003), o pós-Guerra Fria é um cenário

de transição mas que não é determinista já que emerge de um choque de duas tendências

opostas: a concentração de poder e o combate a esta concentração. Assim, tal como defende o

autor, procurou-se desenvolver um trabalho que reafirmasse a configuração do sistema

internacional a caminho de uma distribuição de poder mais equilibrada, que não prevê uma

substituição da potência hegemônica, mas sim uma maior participação de outros atores na

condução da ordem internacional.

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