ifgw instituto de física gleb wataghin · figura 2.1 mudança aparente da posição do polegar....

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Métodos de determinação de distâncias astronômicas Quartuccio, J. T IFGW – Instituto de Física Gleb Wataghin Universidade Estadual de Campinas Instituto de Pesquisas Científicas Introdução Quando ensinamos a respeito de cosmologia, lemos um artigo ou livro didático, nos de- paramos com as dúvidas a respeito de como são obtidos os valores das distâncias e tamanhos dos objetos. Para corpos celestes relativamente próximos, não é tão difícil de imaginar e explicar como medimos suas distâncias. Em termos astronômicos, objetos do sistema solar estão bem próximos para que suas medidas apresentem alta precisão. Mas com o aumento da distância, os métodos de medida têm de sofrer alterações. Começando com o método simples de medida do fluxo e paralaxe, podemos encontrar distâncias até estrelas próximas. Com a descoberta da relação entre o período e luminosidade das estrelas Cefeídas, descoberto por Henrietta Leavitt, foi possível determinar a distância até galáxias próximas. Essa descoberta permitiu que Hubble derivasse sua importante lei, que auxilia na medida, através de Doppler, de distâncias mais lon- gínquas. 1. Radiação de Corpo Negro Todo corpo que absorve toda a radiação que incide em sua superfície é denominado corpo negro. Quando se aquece um objeto, o mesmo começa a emitir ondas eletromagnéticas em um vasto espectro de frequências. Escrevemos a densidade de energia irradiada por um corpo negro como: = 8 2 3 ℎ/ −1 (1.1) A partir disso, podemos definir a intensidade da radiação como a derivada de com respeito ao ângulo sólido da densidade de energia multiplicado por : = Ω (1.2) Se assumirmos que a energia se propaga em todas as direções, de forma esférica, o ângulo sólido será dado por 4: Ω = 4 (1.3) Com isso, obtemos o resultado: = 4 = 2ℎ 3 2 1 ℎ/ −1 (1.4) Representamos como sendo a intensidade da radiação do corpo negro.

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  • Mtodos de determinao de distncias astronmicas Quartuccio, J. T

    IFGW Instituto de Fsica Gleb Wataghin Universidade Estadual de Campinas

    Instituto de Pesquisas Cientficas

    Introduo

    Quando ensinamos a respeito de cosmologia, lemos um artigo ou livro didtico, nos de-

    paramos com as dvidas a respeito de como so obtidos os valores das distncias e tamanhos

    dos objetos. Para corpos celestes relativamente prximos, no to difcil de imaginar e explicar

    como medimos suas distncias. Em termos astronmicos, objetos do sistema solar esto bem

    prximos para que suas medidas apresentem alta preciso. Mas com o aumento da distncia,

    os mtodos de medida tm de sofrer alteraes. Comeando com o mtodo simples de medida

    do fluxo e paralaxe, podemos encontrar distncias at estrelas prximas. Com a descoberta da

    relao entre o perodo e luminosidade das estrelas Cefedas, descoberto por Henrietta Leavitt,

    foi possvel determinar a distncia at galxias prximas. Essa descoberta permitiu que Hubble

    derivasse sua importante lei, que auxilia na medida, atravs de Doppler, de distncias mais lon-

    gnquas.

    1. Radiao de Corpo Negro

    Todo corpo que absorve toda a radiao que incide em sua superfcie denominado corpo

    negro. Quando se aquece um objeto, o mesmo comea a emitir ondas eletromagnticas em um

    vasto espectro de frequncias. Escrevemos a densidade de energia irradiada por um corpo negro

    como:

    =

    82

    3

    / 1

    (1.1)

    A partir disso, podemos definir a intensidade da radiao como a derivada de com

    respeito ao ngulo slido da densidade de energia multiplicado por :

    =

    (1.2)

    Se assumirmos que a energia se propaga em todas as direes, de forma esfrica, o ngulo

    slido ser dado por 4:

    =4

    (1.3)

    Com isso, obtemos o resultado:

    =

    4 =

    23

    21

    / 1

    (1.4)

    Representamos como sendo a intensidade da radiao do corpo negro.

  • Figura 1.1 Espectro de corpo negro (Carrol & Ostlie)

    A figura 1.1 nos mostra que um corpo negro de temperatura T emite um espectro cont-

    nuo com certa energia em todos os comprimentos de onda, com um pico mximo que se

    torna mais curto a medida que a temperatura aumenta. A relao entre o pico mximo e a tem-

    peratura dada pela lei de Wien:

    = 0,002897755 (1.5) Agora, vamos olhar para o fluxo que emerge do interior de uma esfera. Vamos tomar uma

    rea unitria no centro, de modo que integraremos o termo atravs do ngulo slido.

    Figura 1.2 O ngulo obtido entre a direo da intensidade e a direo perpendicular rea.

    O fluxo ser:

    = cos = 2

    1

    2=

    /2

    0

    =

    4 =

    23

    21

    / 1

    (1.6)

    (1.7)

    Definimos como luminosidade, , a potncia total irradiada por uma estrela esfrica de

    raio como:

    = ()42 (1.8)

    Logo, o fluxo pode ser definido como:

    =

    (1.9)

  • Se estivermos uma distncia da estrela, a rea considerada dever ter raio . Com isso, o

    fluxo medido ser:

    () =

    42

    = ()

    2

    2

    (1.10)

    Experimentos realizados por Josef Stefan mostraram que a luminosidade de um corpo

    negro de rea A e temperatura T dado por:

    = 4 (1.11) Mais tarde, Boltzmann demonstrou essa mesma equao usando as leis da termodin-

    mica e a expresso da presso de radiao obtida por Maxwell. A equao ficou conhecida como

    lei de Stefan-Boltzmann e podemos representa-la como:

    = 4 (1.12) Usando o fluxo dado por (1.7):

    =

    44 (1.13)

    A constante dada por:

    =

    854

    1533

    (1.14)

    A constante de (1.11) denominada constante de Stefan-Boltzmann:

    =

    4 = 5,670400 108 24 (1.15)

    A partir de (1.11) podemos definir o fluxo como:

    = 4 (1.16)

    Por fim, combinando (1.8) com (1.16), obtemos uma expresso para a luminosidade:

    = 424 (1.17)

    Que anlogo (1.11). Se usarmos a distncia at a estrela, dada por (1.10), ento (1.17) poder

    ser escrita como:

    = 424 (1.18) A medida do fluxo de uma estrela feita experimentalmente, usando uma cmera CCD acoplada

    ao telescpio.

    2. Determinao trigonomtrica

    Um mtodo de determinar a distncia at objetos relativamente prximos usando a

    triangulao atravs da paralaxe. A paralaxe pode ser entendida como a mudana aparente da

    posio de um objeto quando observado de diferentes posies. O exemplo mais bsico

    quando esticamos o brao com o polegar levantado. Se olharmos para o polegar, fixando um

    objeto ao fundo, e fecharmos um olho, veremos que o polegar est em determinada posio.

    Se olharmos com o outro olho, ento a posio do polegar ir mudar com respeito ao objeto

    (Figura 2.1).

  • Figura 2.1 Mudana aparente da posio do polegar.

    Atravs de trigonometria bsica, podemos obter o ngulo da paralaxe (que a medida do

    deslocamento aparente da estrela).

    A figura 2.2 nos fornece uma ideia de como determinar o ngulo de paralaxe . O que

    queremos fazer determinar a distncia at , onde est o objeto. A base do tringulo, ,

    corresponde distncia entre os dois pontos de observao (no caso da figura 2.1, D seria a

    distncia entre os olhos). Um ponto mede, com respeito um objeto mais ao fundo de , um

    ngulo 1 e o outro ponto mede um ngulo 2. Usando a relao de ngulos alternos internos,

    vemos que:

    = 1 + 2 (2.1) A tangente do ngulo dada por:

    tan (1 + 2

    2) =

    2

    =

    2

    (2.2)

    Figura 2.2 Mtodo de triangulao.

    O que nos fornece:

    tan(1 + 2) = tan =

    (2.3)

  • O ngulo de paralaxe to pequeno que podemos recorrer aproximao tan .

    Com isso, a equao (2.3) se torna:

    =

    (2.4)

    e como queremos a distncia :

    =

    (2.5)

    Como possui um valor pequeno, comum medi-lo em segundos de arco (arcseg). Essa

    medida equivale a 1/60 de um minuto de arco ou 1/3600 de grau (levando em conta que um

    grau possui 60 minutos e 60 minutos possuem 60 segundos). Portanto, 1 arcseg = 0,000278

    graus.

    A partir da definio de segundo de arco, podemos introduzir o conceito de parsec (pc).

    O parsec a distncia na qual uma unidade astronmica (UA) vista como uma distncia angular

    de um segundo de arco. A relao com anos-luz :

    1 pc = 3,26 anos luz

    Quanto maior a distncia de uma estrela, menor ser seu ngulo de paralaxe. Para medir

    distncias at as estrelas mais prximas usamos o fato de que = 1 UA. Logo, a equao (2.5)

    pode ser reescrita como:

    =

    1

    (2.6)

    Ou seja, para medir a paralaxe de uma estrela devemos esperar com que a Terra d meia volta

    em torno do Sol.

    3. O movimento prprio e as magnitudes

    3.1 O movimento prprio das estrelas

    As estrelas possuem um movimento prprio independente do movimento do observador

    (o que no o caso da paralaxe). Esse movimento altera, com o tempo, a forma aparente das

    constelaes. A mais notvel estrela com movimento prprio foi descoberta em 1916 por

    Edward Emerson Barnard. Essa estrela est a uma distncia de 1.8 pc. A mudana de posio

    dessa estrela mostrada na imagem a seguir.

  • Figura 3.1 A estrela de Barnard possui o maior movimento prprio conhecido, com 10 segundos de arco por ano.

    Embora a Terra esteja a uma distncia de 150 milhes de quilmetros do Sol, essa distn-

    cia pequena se comparada a distncias s outras estrelas. Por essa razo, quando analisamos

    o movimento prprio, fazemos isso com respeito ao Sol e no Terra.

    As velocidades das estrelas com respeito ao Sol so divididas em duas, sendo elas a velo-

    cidade radial e a velocidade tangencial. Velocidade radial , medida em km/s, a velocidade

    de aproximao ou de afastamento com respeito linha de visada do observador. Essa veloci-

    dade obtida a partir do efeito Doppler. J a velocidade tangencial , medida tambm em

    km/s, a componente da velocidade perpendicular velocidade radial (ou linha de visada).

    Essa velocidade medida atravs do movimento prprio e da distncia da estrela (essa medida

    atravs da paralaxe).

    O movimento prprio da estrela , medido em segundos de arco por ano, o movimento

    que a estrela faz no plano da esfera celeste, perpendicular linha de visada. Supondo que a

    estrela se desloque por um ngulo em um intervalo de tempo , o movimento prprio ser

    dado por:

    =

    =

    (3.1.1)

    A figura a seguir representa um aglomerado estelar que se afasta de ns com velocidade

    . Essa velocidade pode ser decomposta em velocidade tangencial e radial. Como em um aglo-

    merado as estrelas esto ligadas gravitacionalmente, todas movem-se juntas pelo espao. O

    movimento das estrelas no aglomerado aparenta que todas esto se movendo para um nico

    ponto, chamado de ponto de convergncia. Na verdade, esse ponto apenas uma iluso, visto

    que linhas paralelas parecem convergir para o infinito.

  • Figura 3.2 Aglomerado estelar se afastando de ns com velocidade v.

    A partir da geometria da figura temos:

    = cos

    = sin

    Fazendo = / cos obtemos:

    = tan (3.1.2)

    Como = /, substituindo em (3.1.2):

    =

    tan

    (3.1.3)

    O ngulo pequeno, de modo que podemos usar a aproximao por pequenos ngulos, de

    modo que sin tan e cos 1. Isso nos fornece que = e = = , de

    modo que:

    =

    ou ento:

    =

    (3.1.4)

    Representando , e em unidades de pc, km/s e arcseg/ano, respectivamente, temos:

    () =

    (km/s)

    (/ano)=

    4,74

    (3.1.5)

    O termo 4,74 provm do fato de que 1 pc equivale a 206265 UA e que 1 UA/ano igual a 4,74

    km/s. Esse resultado nos fornece a distncia at o aglomerado estelar.

    Um importante aglomerado a qual a distncia foi determinada Hyades, na constelao

    de touro. A partir da distncia, foi possvel encontrar a magnitude absoluta das estrelas desse

    aglomerado. Comparando as magnitudes aparentes de outros aglomerados com Hyades, pos-

    svel encontrar suas distncias. Definindo a magnitude absoluta de uma estrela como a magni-

    tude que ela apresenta uma distncia de 10 pc e sendo uma diferena de 5 magnitudes igual

    a uma diferena de 100 vezes o brilho, temos:

    21

    = 100(12)/5 (3.1.6)

  • de modo que representa o fluxo da estrela. Tomando o logaritmo em ambos lados:

    1 2 = 2,5 log10 (

    12

    ) (3.1.7)

    O fluxo dado por (1.10):

    =

    42

    (3.1.8)

    onde a luminosidade e a distncia at a estrela. A partir disso podemos fazer uma cone-

    xo entre as magnitudes aparente e absoluta e encontrar a distncia. Combinando a equao

    (3.1.8) com a (3.1.6), onde iremos tomar 1 por (magnitude aparente) e 2 por (magni-

    tude absoluta), encontramos:

    100()/5 =

    10

    = (

    10pc)

    2

    (3.1.9)

    de modo que 10 o fluxo de uma estrela 10 pc. Isolando a distncia:

    = 10(+5)/5 pc (3.1.10)

    O termo denominado mdulo de distncia.

    3.2 As magnitudes estelares

    Agora, vamos analisar um pouco melhor as magnitudes. O fluxo de um objeto celeste me-

    dido na Terra normalmente expresso em termos da magnitude aparente . Por definio ela

    dada por:

    = 2,5 log + (3.2.1)

    Como apresentado anteriormente, uma diferena de 5 magnitudes igual diferena de

    100 vezes o brilho. Portanto, a diferena de magnitude de dois astros dada pela equao

    (3.1.7). A constante da equao (3.2.1) o que define o ponto zero da escala de magnitude.

    Para tal, utiliza-se a magnitude da estrela Vega ( = 0). Com isso:

    = 0 = 2,5 log +

    = 2,5 log

    (3.2.2) (3.2.3)

    A magnitude de uma estrela dada por:

    = 2,5 log (

    )

    (3.2.4)

    Quando observamos uma estrela, o fluxo obtido depende da sensibilidade do detector.

    Sendo () a eficincia do detector, temos:

    = ()() (0) ()

    0

    0

    (3.2.5)

    O termo (0) o fluxo no comprimento de onda efetivo do filtro usado para a observao. Um

    sistema de magnitudes definido pela eficincia do detector. Um dos sistemas mais utilizados

  • o UBV, que utiliza trs bandas espectrais: U para violeta, B para azul e V para visvel (ou ama-

    relo). Essas magnitudes possuem seus comprimentos de onda efetivos em 3600 (U), 4200 (B)

    e 5500 (V). Para a banda V, a magnitude aparente :

    = 2,5 log + (3.2.6)

    Assim, o fluxo medido na Terra da estrela Vega :

    = 3,44 108 Jm2s1m1 (3.2.7)

    Medindo o fluxo de outras estrelas e tomando Vega como padro, podemos encontrar a

    distncia at esses astros utilizando (3.1.10).

    3.3 A magnitude bolomtrica

    Os equipamentos utilizados para medir o fluxo das estrelas no so 100% sensveis para

    todos os comprimentos de onda. A magnitude da energia de todos os comprimentos de onda

    chamada magnitude bolomtrica.

    A luminosidade dada por:

    = 42 = = 4

    2

    0

    (3.3.1)

    A atmosfera terrestre bloqueia a passagem de certos intervalos espectrais. Por essa razo,

    obtemos a magnitude bolomtrica como:

    = . . (3.3.2)

    O termo . . a correo bolomtrica, que possui, por definio, valor zero para estrelas iguais

    ao Sol e valor positivo para estrelas diferentes. O termo a magnitude visual. Sendo a mag-

    nitude bolomtrica do Sol = 4,72, a magnitude bolomtrica de uma estrela qualquer :

    = 4,72 2,5 log (

    )

    (3.3.3)

    Porm, alm da atmosfera terrestre bloquear boa parte da luz, tambm existe o material inte-

    restelar. A correo desses efeitos, chamados de extino atmosfrica e extino interestelar,

    melhor analisada na fotometria, o que no ser discutido nesse artigo. A medida da magnitude

    de uma estrela depende do tipo de filtro usado para observ-la. Esses filtros seguem o sistema

    fotomtrico, os quais so de trs tipos: U (ultravioleta), B (azul) e V (visvel). A diferena da ob-

    servao da magnitude utilizando dois filtros denominada ndice de cor. Assim, temos os ndi-

    ces B-V e U-V. Por exemplo, uma estrela vermelha mais brilhante no filtro V do que no filtro B.

    A diferena de magnitude dessa estrela entre esses dois filtros o ndice de cor B-V.

  • 4. Medidas extragalcticas

    4.1 As variveis Cefeidas

    No tempo em que permanecem na sequncia principal, as estrelas variam seu brilho

    muito pouco e de maneira lenta. Quando a estrela evolui para o prximo estgio, sua luminosi-

    dade varia drasticamente com o tempo, em perodos que podem durar horas ou anos. Estrelas

    que mudam seu brilho so chamadas de estrelas variveis. Um tipo importante de estrelas vari-

    veis so as chamadas estrelas pulsantes. Essas possuem variaes peridicos de modo que po-

    demos prev-las. Dois tipos de estrelas pulsantes so as Cefeidas e as RR Lyrae. Esses dois tipos

    apresentam estrelas que esto na fase de queima do hlio em seus ncleos.

    Figura 4.1.1 Estrelas variveis pulsantes na faixa de instabilidade do diagrama H-R.

    A figura 4.1.1 mostra o diagrama H-R, no qual podemos perceber que as estrelas vaiveis

    Cefeidas (em verde) e RR-Lyrae (em azul) esto em uma regio conhecida como faixa de insta-

    bilidade. As variveis Cefeidas possuem esse nome devido primeira estrela desse tipo obser-

    vada, em 1784, por John Goodricke. Goodricke percebeu uma variao peridica de brilho da

    estrela Delta Cephei, na constelao de Cefeu. Estrelas desse tipo so massivas e supergigantes

    de tipo espectral F, G ou K. J as estrelas RR Lyrae provm da estrela RR da constelao de Lira.

    As estrelas variveis pulsantes apresentam uma relao entre suas luminosidades e per-

    odos de variao. A relao perodo-luminosidade das estrelas Cefeidas foi descoberta por Hen-

    rietta Leavitt, em 1908. Essa relao importante, pois a partir dela possvel determinar a

    distncia da estrela, medindo seu perodo de pulsao e sua magnitude aparente. Para a banda

    V, a relao entre a magnitude absoluta, mdia, entre uma Cefeda e o perodo de pulsao, em

    dias, :

    = 2,78 log 1,35 (4.1.1)

  • Como vimos, se uma estrela est a uma distncia de 10 pc, ento sua magnitude aparente

    igual sua magnitude absoluta . A magnitude absoluta, por sua vez, a medida da lumi-

    nosidade da estrela. Se conhecermos, ento, a luminosidade de uma Cefeda podemos determi-

    nar sua distncia:

    = 42

    =

    4

    (4.1.2)

    (4.1.3)

    4.2 Galxias a menos de 20 Mpc

    Galxias que esto a uma distncia menor que 20 Mpc esto prximas o suficiente para

    que a luminosidade individual das Cefedas, juntamente com seus perodos, seja determinada.

    Assim, a distncia at essas galxias obtida pela equao (4.1.3).

    Figura 4.2.1 Os grficos representam as propriedades das Cefedas. esquerda esto representados perodos dife-

    rentes para Cefedas de luminosidades diferentes. direita temos a relao perodo-luminosidade. Uma vez que

    essa relao determinada para Cefedas prximas, podemos us-la para estudar Cefedas de outras galxias.

    Usando a luminosidade com o fluxo observado, podemos determinar a distncia at essas galxias (Astrophysics in a

    Nutshell, pgina 181).

    Para a Grande Nuvem de Magalhes (GNM) e o Grupo Local podemos observar binrias

    eclipsantes atravs da espectroscopia. Medimos a velocidade orbital em torno de um centro de

    massa dos componentes do sistema binrio e a durao dos eclipses, obtendo o raio de cada

    uma das duas estrelas. Observando o espectro da distribuio de energia encontramos a tem-

    peratura efetiva de cada membro do sistema. Logo, a luminosidade de cada estrela dada

    por = 42

    4.

    Combinando a luminosidade das duas estrelas e comparando com o fluxo medido, pode-

    mos derivar diretamente a distncia.

  • Outro modo de medir a distncia at as galxias, em especial a GNM, atravs da luz

    emitida por supernovas. Uma dessas supernovas foi a 1987 A.

    Figura 4.2.2 Os anis da supernova 1987 A provm do gs expelido pela estrela que explodiu.

    O anel em torno da estrela que explodiu (figura 4.2.2) foi analisado em comprimentos de

    UV e mostrou ter um raio angular = 0,85 arcseg. A luz da supernova viajou por um perodo

    de tempo at ns, percorrendo uma distncia . Assim:

    =

    =

    =

    (4.2.1)

    (4.2.2)

    O anel ejetado pela supernova foi observado cerca de 240 dias aps a exploso. Com isso,

    podemos estimar a distncia at a GNM:

    =

    =

    3 108 ms1 240 24 3600s

    0,853600

    180

    = 1,5 1021 m = 50 kpc

    4.3 O Efeito Doppler como medida de distncias

    Na fsica ondulatria, quando tratamos a respeito do som vemos que as ondas geradas

    por uma fonte e que chegam um detector podem apresentar frequncias diferentes original

    se a fonte, ou o detector, esto em movimento relativo um em relao ao outro. Essa variao

    da frequncia denominada de efeito Doppler. A luz uma onda eletromagntica e por essa

    razo apresenta uma frequncia associada. Se a fonte de luz apresenta um movimento relativo,

    ento podemos medir uma variao de frequncias atravs do efeito Doppler. Vamos supor que

  • seja a velocidade relativa entre a fonte e o observador. Vamos supor, tambm, que o movi-

    mento relativo seja radial. Com isso, a equao para a frequncia medida da luz emitida com

    frequncia original 0 :

    = 0( )

    ( )

    (4.3.1)

    Se a fonte estiver se afastando, a equao (4.3.1) reescrita como:

    = 0

    +

    (4.3.2)

    Por outro lado, se a fonte estiver se aproximando:

    = 0 +

    (4.3.3)

    Usando a relao entre a velocidade da onda, sua frequncia e seu comprimento ( =

    ) na equao (4.3.1), obtemos:

    = 0

    (4.3.4)

    Para > 0 temos um afastamento da fonte (chamado de redshift). Para < 0, temos uma

    aproximao da fonte (chamado de blueshift). A figura 4.3.1 mostra um exemplo de cada caso.

    Figura 4.3.1 A partir da anlise de um espectro conhecido, podemos estudar o deslocamento de linhas de absoro.

    Linhas deslocadas para o vermelho representam galxias que esto mais afastadas.

    O deslocamento para o vermelho, , a razo entre o deslocamento do comprimento de

    onda da luz emitida e o comprimento de onda da luz observada quando a fonte se encontra em

    repouso. Assim:

    =

    0=

    00

    =

    1

    (4.3.5)

    Para velocidades radiais bem menores que a velocidade da luz, a equao (4.3.5) pode ser

    escrita como:

  • =

    0=

    (4.3.6)

    Na seo seguinte irei analisar o famoso paradoxo de Olbers, o qual ir abrir espao para

    a compreenso da expanso do universo, que deve ser levada em conta na determinao de

    distncias.

    5. O Paradoxo de Olbers

    O paradoxo de Olbers foi discutido durante muito tempo e permanece at os dias atuais

    como um assunto filosfico/cientfico. Ele pode ser descrito da seguinte maneira: por que a noite

    o cu escuro, sendo o universo infinito, esttico e uniformemente preenchido com estrelas?

    Nessas condies, o cu deveria ser de tal modo que para qualquer lugar que olhssemos

    veramos uma estrela. Isso faria com que nosso cu noturno fosse mais brilhante que a superfcie

    do Sol. Mas logicamente isso no condiz com a realidade.

    A questo a respeito do nmero total de estrelas brilhantes foi primeiramente analisada

    por Halley, Newton, Leibnitz e mais tarde por Olbers. Irei comear analisando o trabalho de Ol-

    bers publicado em 1823. A luminosidade absoluta de uma estrela definida como a quantidade

    de energia luminosa radiada por tempo. A partir disso possvel definir o brilho superficial

    como sendo a luminosidade por rea. Vamos supor que o nmero de estrelas com uma lumino-

    sidade mdia seja , e que a densidade mdia por volume sena = /.

    Numa casca esfrica de raio e espessura , o nmero de estrelas dado por 42.

    A radiao total que seria observada no universo, partindo do ponto 0 como origem at uma

    extenso infinita (supondo que o universo seja infinito e esttico), dada pela integrao da

    casca esfrica:

    42 = =

    0

    0

    (5.1)

    Porm, um nmero finito de estrelas que se estendem por um ngulo /2 (ngulo slido) cobre

    o brilho de estrelas mais distantes. Logo, no correto integrar de zero a infinito. Na verdade, a

    integrao deve ser feita at uma distncia , onde esto essas estrelas. Integrando o brilho

    dessas estrelas obtemos:

    =

    0

    (5.2)

    Esse resultado nada mais do que o brilho superficial j mencionado. Para nosso caso o brilho

    superficial o do Sol, visto que uma estrela prxima, de modo que podemos calcular com

    bastante exatido. Entretanto, o cu continua sendo escuto, e a que chegamos ao paradoxo.

  • Olbers tentou responder esse paradoxo dizendo que o universo no transparente, mas

    possui poeira interestelar de modo a esconder as estrelas mais distantes. Porm, para que isso

    seja verdade, a quantidade de poeira necessria escureceria at mesmo a luz do nosso Sol. Ou-

    tro problema que a radiao proveniente das estrelas iria dar conta de aquecer essa poeira,

    fazendo com que ela passasse a emitir radiao na faixa do infravermelho.

    A primeira resposta essencialmente correta para o paradoxo de Olbers foi dada pelo po-

    eta e escritor norte americano Edgar Alan Poe. Poe props que, pelo fato da velocidade da luz

    ser finita e o universo no ser eterno, a luz vinda das estrelas mais distantes ainda no chegaram

    at ns. Essa mesma resposta foi colocada, de forma independente e em um contexto mais

    cientfico, por William Thomson, o Lorde Kelvin.

    A anlise de Kelvin se baseou no seguinte: uma estrela que esteja a uma distncia cobre

    uma frao do cu correspondente a /42. Se multiplicarmos esse valor pelo nmero de es-

    trelas presentes essa distncia obteremos a frao do cu coberto por elas, de modo que o

    observador esteja bem no centro do sistema. Nosso resultado ser dado por , onde a

    espessura da casca esfrica onde esto as estrelas. O inverso desse resultado dado por:

    =

    1

    (5.3)

    que nada mais do que a distncia radial entre as estrelas. Esse resultado tambm pode ser

    entendido como o caminho livre que um fton percorre at ser absorvido por outra estrela.

    Podemos definir o tempo mdio do percurso do fton como:

    =

    (5.4)

    Podemos estimar o valor de utilizando os dados do Sol. Tomemos que a densidade mdia de

    matria luminosa do universo seja 0 e que a distncia at as estrelas mais longnquas seja .

    Com isso, o tempo mdio de percurso dos ftons no volume de nossa casca esfrica dado por:

    ~ =

    1

    =

    1

    2

    43

    3=

    430

    (5.5)

    Utilizando os valores do Sol, o tempo mdio ser em torno de 1023 anos. A probabilidade de um

    fton colidir ao percorrer uma distncia dada pela seguinte distribuio exponencial:

    () =

    1

    (5.6)

    Esse resultado nos mostra que para distncias cada vez maiores, a probabilidade cada vez

    menor. Aplicando esse resultado aos ftons presentes em uma casca esfrica de espessura

    e integrando de zero a , obtemos a frao de ftons chegando at o centro do sistema (onde

    est o observador):

  • () =

    1

    = 1

    0

    (5.7)

    Esse resultado s ser igual unidade (100% dos ftons alcanando o observador) se o valor de

    for infinito. Em outras palavras, a frao s ser mxima se o universo for infinito em tamanho.

    Com isso, para cada ponto do cu deveramos encontrar uma estrela e, portanto, o cu seria

    sempre brilhante. Como isso no verdade, devemos concluir que o fator / tem de ser pe-

    queno. Esse resultado mostra que o universo possui um volume finito.

    O resultado original obtido por Lorde Kelvin dado pelo limite de /:

    ()

    (5.8)

    Podemos expressar a equao (5.7) utilizando o tempo mdio da equao (5.4) de modo

    a analisar a frao de ftons com respeito idade 0 do universo:

    () = (0) = 1

    0

    (5.9)

    Se assumimos como a densidade de radiao mdia na superfcie das estrelas, ento

    a densidade 0 medida pode ser reduzida a:

    0 = (1

    0 )

    (5.10)

    A partir disso vemos que a idade do universo deve ser da ordem do tempo de coliso

    encontrado anteriormente, ou seja, 1023 anos. Porm, esse resultado incorreto. Na verdade,

    esse resultado muito superior a idade atualmente estimada, que na faixa de 1010 anos. Por-

    tanto, as estrelas ainda no tiveram tempo de tornar o cu brilhante.

    Algo que Olbers e os outros no levaram em conta que as estrelas queimam seu com-

    bustvel e chegam ao fim. Elas morrem e no brilham eternamente. Mesmo que o universo seja

    eterno, as estrelas no so. O tempo no qual as estrelas e galxias irradiam finito. Outro fator

    no conhecido na poca diz respeito expanso do universo, descoberta por Hubble na dcada

    de 1920. Com a expanso, os ftons provenientes das galxias distantes sofrem o redshift, de

    modo a perderem energia no percurso at ns. Boa parte das galxias observadas apresentam

    ftons na faixa do infravermelho.

    6. O universo em expanso

    Quando utilizamos as Cefedas para determinar distncias, temos uma limitao devido

    ao fato de ser necessrio identificar cada estrela individualmente. Para distncias muito grandes

    (que vo alm de 10 Mpc) isso se torna um grande problema. Porm, a expanso do universo

    uma ferramenta muito til na determinao dessas grandes distncias. Na seo 4.3 discutimos

  • como o estudo do espectro de uma galxia nos fornece a velocidade dela. A determinao inde-

    pendente da velocidade e da distncia de cada galxia nos permite concluir que as mais distan-

    tes se afastam mais rapidamente. Essa concluso foi apresentada por Hubble em 1927. A lei de

    Hubble descrita como:

    = 0 (6.1)

    onde 0 uma constante de proporcionalidade (a constante de Hubble). A velocidade medida

    em km/s e a distncia em Mpc. Logo, a unidade da constante 0 km s1 Mpc1. O valor

    inicial de 0 calculado por Hubble foi de 600 km s1 Mpc1, um valor muito alto devido

    problemas de calibrao e identificao das Cefedas. Atravs de dados do telescpio espacial

    Hubble e de grupos de estudos de supernovas, temos que o valor de 0 est entre 50 e 100 km

    s1 Mpc1. Enquanto existem dvidas com relao ao valor exato dessa constante, utilizamos

    uma normalizao dada por:

    0 = 100km s1 Mpc1 (6.2)

    onde tem valor entre 0,5 e 1. De acordo com os dados do telescpio Hubble, obtemos:

    = 0,72 0,05

    A taxa de expanso quase que perfeitamente isotrpica, salvo regies com perturbaes

    devido gravidade de grandes aglomerados.

    6.1 A galxia GN-z11

    Um dos objetos mais distantes observados at o momento a galxia GN-z11. O redshift

    dessa galxia situada na constelao de Ursa Maior foi medido como sendo z = 11,1. Com base

    nesse valor, e utilizando a equao (4.3.5), pude calcular sua velocidade de recesso no mo-

    mento em que seu redshift foi medido. O valor obtido foi de = 0,986, o que equivale a apro-

    ximadamente 99% da velocidade da luz. Usando 0 = 71 km s1 Mpc1 e substituindo na lei

    de Hubble, obtive o valor de = 13,6 109 anos-luz. Isso implica que o fton que chegou at

    ns vindo dessa galxia foi emitido h 13,6 bilhes de anos. Ocorre que a lei de Hubble linear,

    de modo que a velocidade de recesso aumenta com a distncia. Quando o fton foi emitido,

    GN-z11 continuou a se afastar durante esse intervalo de tempo. Sabendo disso, calcula-se que

    a distncia que essa galxia estava de ns no momento de sua deteco era de, no mnimo, 27

    bilhes de anos-luz. Esse resultado no leva em conta a variao da velocidade a cada Mpc.

  • Figura 6.1.1 O grfico mostra a linearidade da lei de Hubble para aglomerados prximos. O quadrado no canto infe-

    rior esquerda mostra as medidas originais de Hubble para os aglomerados de Virgem e Perseu.

    Partindo da lei de Hubble, podemos tomar a velocidade de recesso como sendo igual a

    velocidade da luz. Usando 0 = 71 km s1 Mpc1 obtemos:

    4,225 103 Mpc

    Em anos-luz, esse valor em torno de 14 bilhes. Isso implica que a essa distncia o uni-

    verso possui uma velocidade de expanso igual da luz. Definimos

    =

    0 (6.1.1)

    como a distncia de Hubble. Note que GN-z11 est a uma distncia superior distncia de Hub-

    ble. Isso implica que essa galxia est se afastando de ns a uma velocidade superior da luz.

    Isso parece contradizer a teoria da relatividade especial. Qual o problema com nossos clculos?

    Estamos diante de um paradoxo?

    A resposta para esse quase paradoxo que a expanso do universo no viola a relativi-

    dade. No so as galxias que se movem pelo espao com velocidades maiores que , mas sim

    o espao entre elas que est aumentando. A relatividade diz que nenhum objeto com massa

    maior que zero pode possuir uma velocidade maior que a da luz no vcuo. Porm, o que est

    em movimento aqui no so os objetos, mas o espao em si. As galxias no se movem com

    velocidades superiores da luz. Nada no universo pode fazer isso a no ser o prprio universo.

  • Figura 6.1.2 O grfico a esquerda mostra a representao errnea de que a velocidade de recesso vai se tornando

    assinttica velocidade da luz. Nesse modelo, a velocidade da luz sempre aumenta, mas nunca chegar ao valor de

    . No grfico a direita a velocidade de recesso excede a da luz ao cruzar a distncia de Hubble.

    Concluso

    Medir distncias de galxias e at mesmo de objetos na Via-Lctea no uma tarefa muito

    fcil. A impossibilidade de realizar medidas diretas faz com que desenvolvamos vrios mtodos

    que complementam um ao outro. Medidas da paralaxe s funcionam para objetos relativa-

    mente prximos, mas mesmo assim no uma medida 100% eficaz. A disperso da luz pela

    atmosfera dificulta a determinao precisa da posio do objeto. Medidas atravs da magnitude

    estelar dependem, tambm, do tipo de filtro utilizado (U-B-V). Relacionando medidas feitas com

    filtros diferentes podemos fazer uma mdia das estimativas das distncias. Essa anlise das mag-

    nitudes, quando observadas para estrelas Cefedas ou supernovas, nos auxiliam na determina-

    o da distncia at galxias prximas. J com a espectroscopia de galxias mais distantes, po-

    demos utilizar a lei de Hubble. O problema maior dessa lei determinar com uma preciso cada

    vez maior o valor da constante 0.

    Referncias

    Astrophysics in a Nutshell Maoz, D.

    An Introduction to Modern Astrophysics, Second Edition Carrol, B. W.; Ostlie, D. A.

    Introduction to Cosmology, Third Edition Ross, M.

    Astronomia e Astrofsica, Segunda Edio Filho, K. S. O.; Saraiva, M. F. O.

  • Foundations of Astrophysics Ryden, B.; Peterson, B. M.

    http://www.astro.iag.usp.br/~laerte/aga295/14_dist_hp.pdf

    Fsica para universitrios: ondas, termodinmica e relatividade Bauer, W.; Westfall, G.

    D.; Dias, H.

    Introduo Cosmologia de Souza, R. E.

    Equvocos sobre o Big-Bang Lineweaver, C, H; Davis, T. M. Scientific American Brasil

    Edio Especial de Aniversrio n 50 pginas 34-42.