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37 Identificação Molecular de uma Mutação no Gene XLRS1 numa Família Portuguesa com Retinosquisis Juvenil X-Recessiva Carla Teixeira 1 , Amândio Rocha-Sousa 2 , Elisete Brandão 3 , F. Falcão-Reis 4 Retinosquisis juvenil é uma degenerescência vitreo-retiniana em que existe clivagem das camadas superficiais da retina com hereditariedade ligada ao cromossoma X. O gene da doença (XLRS1) foi identificado em 1997 e já estão descritas várias mutações. Os autores descrevem os casos clínicos de dois irmãos, de 15 e 9 anos de idade, com esquisis retiniana periférica e perda de visão, submetidos a cirurgia por descolamento de retina há alguns anos. Para além do exame clínico foram efectuados: retinografia, angiografia, electrorretinograma e potenciais evocados visuais (ERG e PEVP segundo protocolo ISCEV), tomografia óptica coerente (OCT) e estudo genético molecular. Ambos apresentam altera- ções fundoscópicas sugestivas desta distrofia vitreo-retiniana. Apenas no irmão mais novo foi observada, posteriormente, esquisis foveal na fundoscopia. O ERG apresenta, em ambos os casos, uma diminuição da relação onda b/a (<1) e relativa manutenção da amplitude da onda a (ERG com padrão electronegativo). Face à apresentação clínica e à presença de um ERG electronegativo a hipótese diagnóstica mais provável foi retinosquisis ligada ao cromossoma X. No estudo molecular foi identificada uma mutação no exão 6 do gene XLRS (608C>T). Nas distrofias vitreo-retinianas observa-se uma sobreposição clínica e fundoscópica, de- sempenhando o ERG um papel crucial para o estabelecimento do diagnóstico. É importan- te complementar o exame oftalmológico com exames electrofisiológicos e estudo genéti- co, em indivíduos do sexo masculino com patologia vítreo-retiniana hereditária de etiologia desconhecida e estabelecer o diagnóstico precoce da doença. INTRODUÇÃO Retinosquisis juvenil é uma distrofia vitreo-reti- niana bilateral pouco frequente, que foi descrita por Haas, em 1898. 1,2 É uma doença recessiva, liga- da ao braço curto do cromossoma X (Xp22). O gene XLRS1 expressa-se apenas na retina e, quase ex- clusivamente, em indivíduos do sexo masculino (existe um caso descrito de uma doente do sexo feminino com história familiar de consan- guinidade). 3 Histopatologicamente, verifica-se existir uma clivagem na camada de fibras nervosas com o aparecimento de pequenos cistos que podem coa- lescer e romper e, frequentemente, com atrofia da Palavras-chave ERG electronegativo, retinosquisis juvenil X-recessiva, doenças vitreo-retinianas hereditárias, Consórcio Retinosquisis (mutações no exão 6) 1 Interna Complementar do Serviço de Oftalmologia do H. S. João – Porto 2 Assistente Hospitalar do Serviço de Oftalmologia do H. S. João –P orto Assistente Convidado de Fisiologia a 40% da Faculdade de Medicina do Porto 3 Assistente Hospitalar Graduada do Serviço de Oftalmologia do H. S. João –P orto 4 Director do Serviço de Oftalmologia do H. S. João e Professor da Facul- dade de Medicina do Porto Acta Oftalmológica 13; 37-42, 2003 referida camada. Inicialmente pensava-se que esta alteração era provocada por um defeito nas célu- las de Müller 3,4,5 , mas os estudos mais recentes apoiam a hipótese de se tratar de um defeito pri- mário dos fotorreceptores e células bipolares (que são as células que expressam a retinosquisina). 6,7 O diagnóstico é, geralmente, feito na idade esco- lar (idade média - 7 anos). 3,4 As manifestações clí- nicas da doença podem variar, incluindo: hipovi- são, estrabismo, nistagmo, retinosquisis periférica (em 50% dos doentes), esquisis foveal (em 100% dos casos), véus vítreos e alterações pigmentares, em “cobre martelado”, da retina periférica. Descrevemos os casos clínicos de dois irmãos com apresentação atípica da doença e cujo diagnósti- co foi realizado pelo electrorretinograma e, pos- teriormente, confirmado pelo estudo genético. CASOS CLÍNICOS Apresentamos o caso de dois irmãos sem história familiar de doença ocular (Fig. 1).

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Identificação Molecular de uma Mutação no Gene XLRS1 numa Família Portuguesa com Retinosquisis Juvenil X-Recessiva 37

Identificação Molecular de uma Mutação no GeneXLRS1 numa Família Portuguesa com Retinosquisis

Juvenil X-RecessivaCarla Teixeira1, Amândio Rocha-Sousa2, Elisete Brandão3, F. Falcão-Reis4

Retinosquisis juvenil é uma degenerescência vitreo-retiniana em que existe clivagem dascamadas superficiais da retina com hereditariedade ligada ao cromossoma X. O gene dadoença (XLRS1) foi identificado em 1997 e já estão descritas várias mutações.Os autores descrevem os casos clínicos de dois irmãos, de 15 e 9 anos de idade, comesquisis retiniana periférica e perda de visão, submetidos a cirurgia por descolamento deretina há alguns anos. Para além do exame clínico foram efectuados: retinografia, angiografia,electrorretinograma e potenciais evocados visuais (ERG e PEVP segundo protocolo ISCEV),tomografia óptica coerente (OCT) e estudo genético molecular. Ambos apresentam altera-ções fundoscópicas sugestivas desta distrofia vitreo-retiniana. Apenas no irmão mais novofoi observada, posteriormente, esquisis foveal na fundoscopia. O ERG apresenta, em ambosos casos, uma diminuição da relação onda b/a (<1) e relativa manutenção da amplitude daonda a (ERG com padrão electronegativo).Face à apresentação clínica e à presença de um ERG electronegativo a hipótese diagnósticamais provável foi retinosquisis ligada ao cromossoma X. No estudo molecular foi identificadauma mutação no exão 6 do gene XLRS (608C>T).Nas distrofias vitreo-retinianas observa-se uma sobreposição clínica e fundoscópica, de-sempenhando o ERG um papel crucial para o estabelecimento do diagnóstico. É importan-te complementar o exame oftalmológico com exames electrofisiológicos e estudo genéti-co, em indivíduos do sexo masculino com patologia vítreo-retiniana hereditária de etiologiadesconhecida e estabelecer o diagnóstico precoce da doença.

INTRODUÇÃO

Retinosquisis juvenil é uma distrofia vitreo-reti-niana bilateral pouco frequente, que foi descritapor Haas, em 1898.1,2 É uma doença recessiva, liga-da ao braço curto do cromossoma X (Xp22). O geneXLRS1 expressa-se apenas na retina e, quase ex-clusivamente, em indivíduos do sexo masculino(existe um caso descrito de uma doente do sexofeminino com história familiar de consan-guinidade).3

Histopatologicamente, verifica-se existir umaclivagem na camada de fibras nervosas com oaparecimento de pequenos cistos que podem coa-lescer e romper e, frequentemente, com atrofia da

Palavras-chaveERG electronegativo, retinosquisis juvenil X-recessiva, doenças vitreo-retinianas hereditárias, ConsórcioRetinosquisis (mutações no exão 6)

1Interna Complementar do Serviço de Oftalmologia do H. S. João – Porto

2Assistente Hospitalar do Serviço de Oftalmologia do H. S. João –P ortoAssistente Convidado de Fisiologia a 40% da Faculdade de Medicina doPorto

3Assistente Hospitalar Graduada do Serviço de Oftalmologia do H. S. João–P orto

4Director do Serviço de Oftalmologia do H. S. João e Professor da Facul-dade de Medicina do Porto

Acta Oftalmológica 13; 37-42, 2003

referida camada. Inicialmente pensava-se que estaalteração era provocada por um defeito nas célu-las de Müller3,4,5, mas os estudos mais recentesapoiam a hipótese de se tratar de um defeito pri-mário dos fotorreceptores e células bipolares (quesão as células que expressam a retinosquisina).6,7

O diagnóstico é, geralmente, feito na idade esco-lar (idade média - 7 anos).3,4 As manifestações clí-nicas da doença podem variar, incluindo: hipovi-são, estrabismo, nistagmo, retinosquisis periférica(em 50% dos doentes), esquisis foveal (em 100%dos casos), véus vítreos e alterações pigmentares,em “cobre martelado”, da retina periférica.Descrevemos os casos clínicos de dois irmãos comapresentação atípica da doença e cujo diagnósti-co foi realizado pelo electrorretinograma e, pos-teriormente, confirmado pelo estudo genético.

CASOS CLÍNICOS

Apresentamos o caso de dois irmãos sem históriafamiliar de doença ocular (Fig. 1).

38 Carla Teixeira, Amândio Rocha-Sousa, Elisete Brandão, F. Falcão-Reis

Caso 1

RMGV, sexo masculino, 15 anos de idade. Aos 8anos foi enviado ao serviço de urgência por dimi-nuição da acuidade visual bilateral (OD < 20/400com + 5,00 + 1,25 x 180º, OE 20/100 com + 5,50),com agravamento OD após traumatismo. Apre-sentava endotropia OE, nistagmo rotatório edescolamento de retina no OD e foi submetido acirurgia com colocação de uma indentação circu-lar. Após a cirurgia, o traçado do electrorretino-grama (ERG) realizado com eléctrodos palpebraismostrava ausência de ambas as ondas (a e b). Aos3 meses a retina mantinha-se reaplicada, apresen-tava véus vítreos e retinosquisis periférica. Medi-ante o quadro clínico foram avaliados os pais (semalterações na fundoscopia) e o irmão mais novo(descrito em seguida). Após uma perda de segui-mento de 5 anos, regressou à consulta. Apresen-tava acuidade visual OD 20/70 com + 2,00 + 2,50x 180º, OE 20/100 + 4,00 + 0,50 x 140º e altera-ções fundoscópica compatíveis com uma distrofiavítreo-retiniana: retinosquisis inferotemporal OD,véus vítreos, alterações pigmentares marcadas damácula ODE, periferia “em cobre martelado”, semesquisis macular (Fig. 2).

de silicone OD e indentação circular profilácticaOE. Os resultados do estudo electrofisiológico re-velaram normalidade no electroculograma (EOG)– índice de Arden: OD 2,00 e OE 2,33; e um pa-drão electronegativo no ERG (Fig. 3). Foi estabe-lecido o diagnóstico de retinosquisis juvenil asso-ciada ao cromossoma X. Actualmente, apresentaacuidade visual OD 20/80 com + 8,00 e OE 20/80com + 2,00.

Foi observada a avó e um tio materno (sem alte-rações relevantes), solicitada uma angiografiafluoresceínica (que não revelou alterações) e o es-tudo electrofisiológico. Entretanto recorreu ao ser-viço de urgência por novo descolamento OD. Foisubmetido a vitrectomia e tamponamento com óleo

Caso 2

NRGV, sexo masculino, 9 anos de idade. Avaliadona consulta de Genética Ocular aos 3 anos de ida-de: apresentava alterações pigmentares macularese periféricas em ODE e retinosquisis periférica noOD. Após 5 anos (perda de seguimento) foi reava-liado: apresentava endotropia OE, nistagmo, reti-nosquisis periférica OE e suspeita (não confirma-

Fig. 1 – Árvore genealógica dos doentes.

Fig. 3 – ERG caso 1 com de-monstração do ERG electrone-gativo (seta).

POTENCIAIS OSCILATÓRIOS(OD e OE)

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ERG FLICKER(OD)

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Fig. 2 – Aspectos fundoscópicos caso 1.

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da) de esquisis foveal OD. O estudo electrofisio-lógico revelou: PEV pattern normal OD e anormalOE e ERG flash sem aparente padrão electrone-gativo ODE. Entretanto recorreu ao serviço de ur-gência por diminuição da acuidade visual OE, apóstraumatismo: hemovítreo e descolamento de reti-na. Foi submetido a indentação circular OE. Umano após a cirurgia, a acuidade visual era OD20/50 com + 2,00 + 0,75 x 180º, OE 20/80 com+ 3,50 + 0,50 x 70º), o segmento anterior era nor-mal e no fundo ocular apresentava véus vítreos eretinosquisis periférica em ODE, sem esquisisfoveal. Após a conclusão do pós-operatório e dese ter estabelecido o diagnóstico de retinosquisisjuvenil X-recessiva (por electrofisiologia) no ir-mão, foi efectuado um estudo electrofisiológicoque revelou um padrão electronegativo no ERG(Fig. 4) sendo o EOG normal (índice de Arden: OD2,31 e OE 1,80).

Cerca de 6 meses depois, a criança apresentavaacuidade visual OD 20/60 com + 2,00 + 1,50 x180º e OE 20/400 com + 4,50 + 0,50 x 130º e, nafundoscopia, retinosquisis inferotemporal OE, véusvítreos, esquisis foveal OD e alterações pigmen-tares maculares OE (Fig. 5). A tomografia ópticacoerente realizada posteriormente demonstrou oplano de clivagem da esquisis foveal (Fig. 6).

Foi solicitado o estudo genético destes dois irmãospara o Departamento de Patologia e Genética Mé-dica do Hospital de Addenbrooke, na Universida-de de Cambridge (Drª Dorothy Trump): foi identi-ficado, pelo método de amplificação por PCR(polymerase chain reaction), uma mutação no exão6 do gene XLRS (608C>T). Esta mutação é res-ponsável pela substituição de uma prolina por umaleucina no codão 203 da retinosquisina.

Fig. 4 – ERG caso 2 com de-monstração do ERG electrone-gativo (seta).

POTENCIAIS OSCILATÓRIOS(OD e OE)

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ERG Escotópico(OE)

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Fig. 6 – OCT caso 2: esquisis foveal in vivo.

Fig. 5 – Aspectos fundoscópicos caso 2.

40 Carla Teixeira, Amândio Rocha-Sousa, Elisete Brandão, F. Falcão-Reis

DISCUSSÃO

A prevalência da retinosquisis juvenil X-recessivavaria entre 1/5000 e 1/30000.8,9 Desde a primeiradescrição clínica em 1898, vários autores relata-ram casos fenotipicamente diferentes.Embora seja uma doença congénita, os sintomas(défice visual, estrabismo e nistagmo) aparecempor volta dos 4 a 8 anos de idade. No caso 1, aprimeira avaliação oftalmológica foi aos 8 anosde idade por agravamento súbito da acuidade vi-sual provocado por uma complicação da doença(descolamento de retina). No caso do irmão maisnovo os sinais e sintomas da doença foram detec-tados mais precocemente (3 anos de idade). Asintomatologia anteriormente apresentada pelascrianças (baixa visão, nistagmo e estrabismo) nãofoi valorizada pelos pais.A diminuição da acuidade visual pode ser acentu-ada (20/50 a 20/100), variando entre percepçãoluminosa e 20/25. A deterioração visual progridedurante as duas primeiras décadas de vida. Após apuberdade, a doença progride mais lentamente oumantém-se estacionária, até à 5ª ou 6ª décadas.Pelos 40 a 50 anos, verifica-se um défice visualadicional atribuível a degenerescência macular.8

Nos nossos doentes verificou-se uma deterioraçãovisual precoce. Os erros refractivos, o estrabismoe as complicações da doença contribuíram para amanutenção de uma acuidade visual relativamentebaixa: no irmão mais velho, OD 20/80 com +8,00(silicone intra-ocular) e OE 20/80 com +2,00(endotropia OE); no mais novo, OD 20/60 com+2.00 +1,50 x 180º e OE 20/400 com +4,50 +0,50x 130º (endotropia OE).As alterações maculares parecem estar presentesem todos os doentes: nos jovens, a mácula apresen-ta uma formação cística estrelada típica (esquisisfoveal); nos mais velhos predominam as altera-ções atróficas não-específicas. A esquisis fovealpode ser difícil de detectar, o que leva ao não--diagnóstico de alguns casos. Além disso, estamanifestação fundoscópica pode surgir noutras pa-tologias (síndrome de Goldmann-Favre, distrofiacone-bastonete).10 O plano de clivagem pode seravaliado pela tomografia óptica coerente (OCT),permitindo imagens da esquisis foveal in vivo (Fig.6), mesmo que não seja evidente na fundoscopia(a retinosquisis aparece na imagem de OCT comouma separação da retina neurossensorial com umacamada interna “descolada” e uma camada exter-na, com moderada reflectividade, sobre o epitéliopigmentado da retina, com maior reflectividade;assim sendo a margem da camada interna é mal-definida e existe tecido colunar a ligar ambas ascamadas da esquisis).11,12 A avaliação macular nosnossos doentes, só tardiamente, revelou a presen-ça de esquisis foveal, confirmada pelas imagensda tomografia óptica.

Algumas das características periféricas da doençasão: véus vítreos, embainhamento perivascular,exsudados subretinianos, linhas de demarcaçãopigmentadas e retinosquisis periférica inferotem-poral (50%). Os nossos doentes apresentavam reti-nosquisis inferotemporal, véus vítreos, linhas dedemarcação e alterações pigmentares “em cobremartelado”.As complicações mais importantes que surgem nosdoentes são os descolamentos de retina (10-20%)e os hemovítreos (5-20%). Os nossos doentes apre-sentaram estas complicações, precocemente. Op-tou-se pelo tratamento cirúrgico dos descolamen-tos de retina: no caso 1 o descolamento foi inici-almente tratado com a colocação de uma indenta-ção circular mas foi necessário proceder a vitrecto-mia e tamponamento com óleo de silicone paracorrecção do novo descolamento, também se de-cidiu fazer uma cirurgia profiláctica do olho con-tralateral colocando uma indentação circular; nocaso 2 o descolamento de retina foi tratado comsucesso com uma indentação circular. O tratamentodestas complicações é controverso: a tentativa deaplanar a retinosquisis periférica com fotocoagu-lação laser leva a um aumento da incidência dedescolamentos de retina; a indentação escleral dosdescolamentos periféricos apresenta resultados va-riáveis; a vitrectomia com tamponamento internoparece ser a técnica com melhores resultados.10

É uma doença bilateral e a sua progressão podevariar entre doentes e até no mesmo doente. O fe-nótipo da retinosquisis juvenil é específico masapresenta um espectro amplo que pode ser, clinica-mente, confuso.Uma apresentação atípica de retinosquisis juvenilpode dificultar o diagnóstico, especialmente se nãoexiste história familiar da doença. Um cuidadosoestudo electrofisiológico pode ser essencial para oestabelecer, como aconteceu nos dois casos des-critos.O electrorretinograma (ERG – Quadro 1) é muitoimportante no diagnóstico da doença. Os achadoselectrorretinográficos sugeriam que o defeito pri-mário se situava a nível das células de Müller (asprincipais células gliais da retina)8, mas este con-ceito está em revisão mediante novos achados his-tológicos (pensa-se que a onda b pode ser geradadirectamente pela despolarização das células bipo-lares e pelas alterações dos gradientes eléctricosde K+ nas células de Müller).6,7 O ERG escotópico émais frequentemente afectado que o ERG fotópico:a onda a apresenta uma amplitude normal ou qua-se-normal, e a amplitude da onda b está muitoreduzida (ERG com padrão electronegativo). Maso ERG pode estar normal (existe um caso descritona literatura de um jovem de 13 anos com diag-nóstico genético da doença que apresenta uma pre-servação da onda b no ERG).13 Nos nossos casos,

Identificação Molecular de uma Mutação no Gene XLRS1 numa Família Portuguesa com Retinosquisis Juvenil X-Recessiva 41

grupo de proteínas com um domínio discóide ca-racterístico, associa-se à superfície das células re-feridas, funcionando como uma proteína de ade-são celular que mantém a integridade da retinacentral e periférica.15,16,17

Já foram descritas várias mutações no geneXLRS1.9,18-22 Nos dois casos apresentados foi identi-ficada uma mutação no exão 6 do gene XLRS(608C>T – transição de uma citosina por umatimina na posição 608 do DNA), responsável pelasubstituição de uma prolina por uma leucina nocodão 203 (Pro203Leu) da retinosquisina. Esta tro-ca de aminoácidos afecta profundamente a fun-ção da proteína.9,21

Como a aparência fundoscópica da retinosquisisjuvenil X-recessiva é variável, é importante com-plementar o exame oftalmológico com o ERG, emdoentes do sexo masculino com défice visual. Acombinação do ERG e da genética molecular tor-na o diagnóstico possível, mais precocemente, nocurso da doença.A possibilidade de identificar as portadoras porgenética molecular pode ser muito importante, poisas mulheres atingem a idade de procriar antes dadetecção das alterações electrorretinográficas. Oaconselhamento genético às famílias é melhoradocom o desenvolvimento de testes mais rápidos ecredíveis.

SUMMARY

X-linked juvenile retinosquisis is an hereditaryvitreoretinal degeneration which has histologicallya separation of superficial retinal layers. XLRSgene was identified in 1997 and it has many mu-tations described in the literature.The authors describe the clinical cases of two malebrothers (15 and 9 years-old) with peripheral reti-nal schisis and loss of vision that had been sub-mitted to retinal detachment surgery, some yearsago. Their clinical examination included generalophthalmic examination, colour fundus photogra-phy, fluorescein angiogram, full field electroretino-gram (ISCEV standard), optical coherence tomog-raphy (OCT) and pattern visual evoked potential(ISCEV standard).Both patients presented funduscopic manifesta-tions of a vitreoretinal degeneration. They havebeen referred to clinics because peripheral schisisand retinal detachment. The electroretinogramshowed a negative pattern. Foveal schisis was ob-served later in the younger brother. Molecular studyconfirmed the diagnosis, it was identified a muta-tion in exon 6 (608C>T).Juvenile retinoschisis shows a wide variability inthe phenotype between patients. Electroretinogramfindings provide an useful clinical exam to estab-

o aparecimento de um ERG electronegativo (ondaa com amplitude normal e onda b muito diminuí-da) levou ao diagnóstico de suspeição da doença.Os potenciais oscilatórios, gerados pelos interneu-rónios da retina interna podem estar reduzidos. Oelectroculograma (EOG) é normal (ocasionalmen-te pode ser subnormal nos doentes com extensoenvolvimento do epitélio pigmentado da retina).2

Identificado em 1997, o gene da retinosquisis ju-venil (gene XLRS1) localiza-se no braço curto docromossoma X (Xp22.2) e expressa-se apenas nascélulas retinianas.14 Tem 6 exões (Fig. 7) e locali-za-se entre os marcadores DXS418 e DXS999. Umamutação neste gene leva a um defeito estruturaldos fotorreceptores e das células bipolares que éresponsável por alterações císticas e atróficas nacamada de fibras nervosas.

O gene XLRS1 expressa-se nos fotorreceptores daretina externa e nas células bipolares da retinainterna sob a forma de um complexo proteicooligomérico dissulfurado com 224 aminoácidos (aretinosquisina). Este complexo, pertencente a um

Quadro I – ERG Flash normal(protocolo ISCEV).

ERG Escotópico

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ERG Fotópico

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Potenciais Oscilatórios

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Fig. 7 – Mutações no gene XLRS1 (referência 7).

42 Carla Teixeira, Amândio Rocha-Sousa, Elisete Brandão, F. Falcão-Reis

lish the diagnosis. It is important to complementthe ophthalmologic examination with electroretino-gram and a molecular study in males with visualan inherited vitreoretinal disease disturbance ofunknown aetiology, to determine earlier diagnosisin the course of the disease.

Key wordsNegative ERG, X-linked juvenil retinosquisis, he-reditary vitreoretinal disease, Retinoschisis Con-sortium (exon 6 mutations)

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