identidade visual e cultura club em sÃo paulo. pesquisa sobre a linguagem visual dos clubes de...

13
IDENTIDADE VISUAL E CULTURA CLUB EM SÃO PAULO. PESQUISA SOBRE A LINGUAGEM VISUAL DOS CLUBES DE MÚSICA ELETRÔNICA CONTEMPORÂNEA NA CIDADE. Rosana Martinez [1] Rafael Antonio da Cunha Perrone [2] Resumo: Neste texto, apresentamos as bases da pesquisa em andamento, sobre a identidade visual dos clubes de música eletrônica contemporânea na cidade de São Paulo, nas décadas de 1980, 1990 e 2000, que documenta e analisa a linguagem visual adotada nos projetos de design e de ambientação dos clubes, procurando perceber as relações entre essa produção e seu público, observando as culturas jovens, a cibercultura e o uso das tecnologias contemporâneas. Palavras-chave: Identidade Visual, Música Eletrônica, Cultura Club, São Paulo. Abstract: In this paper, we present the basis of an ongoing research, on the visual identity of the electronic contemporary music clubs in the city of São Paulo, in the decades of 1980, 1990 and 2000, documenting and analyzing the visual language adopted in design projects, and in the ambience of clubs, trying to understand the relationship between this production and its audience, watching the young crops, cyberculture and the use of contemporary technologies. Key words: Visual Identity, Electronic Music, Club Culture, São Paulo. Eixo e Tópicos: (3) Design Projeto, (3) Comunicação Visual, (4) Design, (12) Cidade. [1] Rosana Martinez, é bacharel em desenho industrial pela FAAP, mestranda pela FAU-USP, onde desenvolve pesquisa com apoio da FAPESP, cujo título provisório é Identidade Visual e Cultura Club em São Paulo.<[email protected]> [2] Rafael Antônio da Cunha Perrone é arquiteto, doutor e livre docente pela FAU USP. Mestre em Administração Pública pela EAESP-GV. Professor de graduação e pós-graduação da FAUUSP e da FAU MACK. <[email protected]>

Upload: rosana-martinez

Post on 29-Sep-2015

214 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Bases da pesquisa em andamento, sobre a identidade visual dosclubes de música eletrônica contemporânea na cidade de São Paulo, nas décadas de 1980, 1990e 2000.

TRANSCRIPT

  • IDENTIDADE VISUAL E CULTURA CLUB EM SO PAULO. PESQUISA SOBRE A LINGUAGEM VISUAL

    DOS CLUBES DE MSICA ELETRNICA CONTEMPORNEA NA CIDADE.

    Rosana Martinez [1]

    Rafael Antonio da Cunha Perrone [2]

    Resumo:

    Neste texto, apresentamos as bases da pesquisa em andamento, sobre a identidade visual dos

    clubes de msica eletrnica contempornea na cidade de So Paulo, nas dcadas de 1980, 1990

    e 2000, que documenta e analisa a linguagem visual adotada nos projetos de design e de

    ambientao dos clubes, procurando perceber as relaes entre essa produo e seu pblico,

    observando as culturas jovens, a cibercultura e o uso das tecnologias contemporneas.

    Palavras-chave:

    Identidade Visual, Msica Eletrnica, Cultura Club, So Paulo.

    Abstract:

    In this paper, we present the basis of an ongoing research, on the visual identity of the electronic

    contemporary music clubs in the city of So Paulo, in the decades of 1980, 1990 and 2000,

    documenting and analyzing the visual language adopted in design projects, and in the ambience of

    clubs, trying to understand the relationship between this production and its audience, watching the

    young crops, cyberculture and the use of contemporary technologies.

    Key words: Visual Identity, Electronic Music, Club Culture, So Paulo.

    Eixo e Tpicos:

    (3) Design Projeto, (3) Comunicao Visual, (4) Design, (12) Cidade.

    [1] Rosana Martinez, bacharel em desenho industrial pela FAAP, mestranda pela FAU-USP, onde desenvolve pesquisa com apoio da FAPESP, cujo ttulo provisrio Identidade Visual e Cultura Club em So Paulo. [2] Rafael Antnio da Cunha Perrone arquiteto, doutor e livre docente pela FAU USP. Mestre em Administrao Pblica pela EAESP-GV. Professor de graduao e ps-graduao da FAUUSP e da FAU MACK.

  • IDENTIDADE VISUAL E CULTURA CLUB EM SO PAULO. PESQUISA SOBRE A LINGUAGEM VISUAL

    DOS CLUBES DE MSICA ELETRNICA CONTEMPORNEA NA CIDADE

    1. Apresentao da pesquisa

    Um dos principais objetivos da pesquisa registrar e catalogar uma parcela significativa da

    produo em design e ambientao interna, dos clubes de msica eletrnica contempornea na

    cidade de So Paulo, j que a efemeridade, uma das principais caractersticas da cena club,

    propicia que essas informaes percam-se rapidamente. Para isso, foi criado um banco de dados,

    a partir de levantamento e pesquisa iconogrfica, organizado em fichas, com dados de 50 clubes

    de msica eletrnica na cidade de So Paulo, que surgiram nas dcadas de 1980, 1900 e 2000.

    Procurou-se privilegiar as informaes ligadas a identidade visual do clube, compreendendo seus

    designs de marca, flyers e sua ambientao.

    O objetivo inicial era catalogar, registrar e organizar essas informaes, para que ento se

    pudesse avaliar o material a fim de identificar tipologias, caractersticas peculiares, e outras

    informaes pertinentes, possibilitando um melhor conhecimento do objeto da pesquisa. A

    organizao dessas informaes possibilitou estabelecer correlaes, comparaes ou

    associaes - por estilo musical, localizao na cidade, estilos visuais ou perodos de existncia,

    entre outros aspectos - que permitiram identificar tipologias diversas e distintas dos clubes. A

    anlise deste banco de dados levantado - que delineia a identidade visual dos clubes -

    possibilitar refletir sobre sua linguagem visual, e sobre suas tendncias estticas, procurando

    identificar a existncia de linguagens ou modos de fazer peculiares.

    Procurando melhor conhecer o universo club, a pesquisa busca identificar elementos

    caractersticos cena, como as relaes de identificao com seu pblico, observando as culturas

    jovens, a cibercultura e o uso das tecnologias contemporneas, que possam influenciar ou

    caracterizar a linguagem visual desta produo em arquitetura e design.

    2. Resumo da pesquisa

    2.1. Msica Eletrnica e Cultura Club

    House, techno, trance, drumnbass, dub, triphop, electro, minimal, breakbeat, acid house,

    psytrance, bigbeat, electroclash e ragga, so alguns dos inmeros estilos e sub estilos da msica

    eletrnica contempornea, que desde o final da dcada de 1980, vem reunindo milhares de

    admiradores, que se juntam para danar e ouvir essa nova msica em clubes pelas cidades, ou

  • em raves [3] afastadas dos grandes centros urbanos, numa relao quase tribal, reunindo milhares

    de clubbers,[4] e ravers [5] em todo o mundo.

    A Msica Eletrnica Contempornea essa msica feita para danar, tocada por DJs e produzidas em estdio por produtores musicais, pensadas como faixas e no canes. Msica explorada em termos de timbres, texturas, espacialidade, ritmo e repetio, como um componente de um sistema, que deve funcionar dentro do ambiente das festas, buscando levar as pessoas ao xtase atravs das alterao e intensificao de sensaes fsico-corpreas - a batida do corao, os reflexos musculares, o equilbrio, a percepo do ambiente, dentre outras. [S, 2003]

    A msica eletrnica a msica que emprega tecnologia eletrnica em seu processo de criao,

    por meio de equipamentos como sintetizadores, gravadores, samplers, ou computadores. Barraud

    (2005) aponta sua origem nos experimentos desenvolvidos por msicos eruditos [6] que levaram

    desintegrao progressiva da escala tonal, como modelo dominante, na composio da msica

    erudita ocidental, e num processo contnuo, que, ocorreu juntamente com o desenvolvimento

    tecnolgico, vem ampliando a linguagem musical nos dois ltimos sculos, desde as vertentes

    eruditas s populares, como a msica eletrnica de pista, a msica que domina os ambientes que

    esta pesquisa observa.

    Ao mesmo tempo, trabalhadores das minas de carvo do norte da Inglaterra viajavam para

    cidades prximas para danar soul music.[7]. Antes adquiriam drogas alucingenas e estimulantes

    que os ajudavam a superar o cansao e danar a noite inteira. Eles se produziam com roupas

    especialmente escolhidas, inspirados nos mods [8] dos anos 1960. Nesses clubes tocava-se

    raridades da soul music. Essa cena, chamada de Northern Soul, foi marcada por msicas

    desconhecidas de artistas de Detroit dos anos 1960, inaugurando o culto ao DJ e raridade

    sonora. Em 1977, em Nova Iorque, na discoteca Paradise Garage e, em Chicago, no clube

    Warehouse, DJs desenvolveram tcnicas de mixagem e colagem de sons para que atingissem

    maior potncia, clareza e impacto, que deram origem a house music [9]. A house nasce como uma

    forma de retrabalhar antigas msicas atravs de tcnicas de corte, edio e mixagem, onde se

    sobressai a batida, a repetio mecnica e as texturas sintticas e eletrnicas [S, 2003].

    [3] Festas de msica eletrnica, normalmente ao ar livre, e longe do centro das cidades, tm durao prolongada, podendo durar dias. [4] Termo utilizado para designar frequentadores assduos dos clubes de msica eletrnica. [5] Termo dado as frequentadores das raves. [6] Barraud aponta msicos como Richard Wagner (cromatismo da modulao contnua), Claude Debussy (digresso sobre a nota sensvel), Arnold Schoenberg (dodecafonismo, atonalismo, dodecafonismo, serialismo) Edgar Varese, (Amriques), Jonh Cage (Imaginary Landscape), entre outros. [7] Gnero musical que nasceu do rhythm'and'blues e do gospel durante o final da dcada de 1950 e 1960 entre os negros americanos. [8] Mod uma subcultura que teve origem na dcada de 1960, onde jovens reuniam-se em pubs para exibir suas roupas e passos de dana. [9] Um dos principais gneros da msica eletrnica. Originado em Chicago, mixa batidas eletrnica a bases meldicas de soul e da disco, em verso acelerada pelo aumento da velocidade das batidas.

  • Na poca, em Detroit, havia uma crise econmica que permitiu que aparelhos musicais de

    modelos antigos, como baterias eletrnicas, sequenciadores, sintetizadores e samplers, fossem

    adquiridos por jovens que deram origem a experincias musicais em estdio que levaram a

    criao do techno.[10] Chicago, Detroit e Nova Iorque criaram o techno, o house e o garage [11]

    todos ligados pelo uso da tecnologia para aumentar a percepo. No final dos anos 1980, os trs

    principais estilos da msica eletrnica se firmam e, em Londres, do incio a Cultura Club.

    Cultura Club uma expresso coloquial dada para culturas jovens, para quem os dance clubs e suas ramificaes nos anos 80, as raves, so o eixo simblico e ncleo social de atividades... so culturas de gosto. Os pblicos club geralmente esto congregados na base do gosto musical compartilhado, no consumo de uma mdia comum e, mais importante, suas preferncias por pessoas, com gosto semelhante aos deles. Participar da cultura club construir, por sua vez, afinidades maiores, sociabilizar os participantes a partir de um conhecimento dos gostos e suas averses, significados e valores de cultura. [Thorton, 1996]

    A cultura club, como conjunto de prticas sociais articuladas em torno do consumo das vertentes

    da msica eletrnica, em espaos definidos (clubes e raves), onde pessoas compartilham cdigos

    de estilo visual, de moda, e de gosto, teve inicio na Inglaterra na metade da dcada de 1980,

    quando se comeou a propagao de casas noturnas e festas ao ar livre, entre grupos de jovens

    locais interessados em house e techno.

    Na ilha espanhola de Ibiza, no incio dos anos 1980, comearam a surgir bares noturnos com

    pista de dana, e, surgiram locais, como o The Project, casa noturna que foi ponto de encontro

    entre jovens britnicos frequentadores da ilha. Estes, logo depois, tornaram-se focais na

    construo da cena acid house [12] em Londres. Os jovens londrinos se encontravam, nos

    perodos de frias em Ibiza, onde louvavam a diverso, a descontrao, a amizade, a nova

    msica e a nova droga, o ecstasy, numa celebrao totalmente hedonista. A tentativa de

    reproduzir esse ambiente em de Londres, deu origem aos primeiros clubes londrinos de dance

    music. Segundo Feitosa [13], a articulao entre os frequentadores e DJs desses clubes de Ibiza e

    Londres iniciou os primeiros passos para a cultura centrada nos clubes noturnos, com festas ao

    som de dance music originrias de Chicago, Detroit e Nova York.

    Os clubes noturnos londrinos afirmaram-se como espaos centrais de vivncia de novas experincias, relaes de sociabilidade e lazer centrados na fruio dos gneros de dance music. [Feitosa, 2005]

    [10] Juntamente com o house, o techno um dos principais gneros da msica eletrnica. [11] um sub estilo do house, criado em Nova York (vem de "Paradise Garage", clube nova iorquino). [12] Estilo de musica eletrnica, mistura elementos da house, num ritmo mais acelerado. O nome vem de drogas, como o cido LSD e o ecstasy. [13] FEITOSA, Periferia Eletrnica. Clubbers, cybermanos, cultura club e mdia. Salvador 2004. 259 p. Dissertao (mestrado) - Faculdade de Comunicao e Cultura Contemporneas, Universidade Federal da Bahia, So Paulo, 2004.

  • Uma das ramificaes da cultura club so as raves, festas que duram horas ou at mesmo dias,

    normalmente realizadas em locais abertos e afastados dos centros urbanos, por terem que reunir

    um grande numero de pessoas, mas tambm h raves indoor realizadas nas cidades. Na

    Inglaterra, a cena rave caracterizou-se pelo consumo do MDMA [14] e eram chamadas de Dose ou

    Acid Test, e ganharam conotao contracultural por reunir um nmero grande de jovens em locais

    ilegais, nos arredores de Londres.

    A utilizao do ecstasy, o sentido comunitrio advindo da sensao de estarem compartilhando uma experincia nica, transgressora, que remetia cultura hippie lisrgica dos anos 60 e o abandono fsico dos participantes msica, descritas muitas vezes com expresses religiosas, so ingredientes importantes da rave. [S, 2003]

    O socilogo Andr Lemos afirma que a cena da msica eletrnica est no corao da cibercultura,

    que se tornou um fenmeno sociocultural nas ltimas dcadas. Considera que a cena uma das

    expresses culturais mais belas da cultura contempornea, por ser uma apropriao social das

    tecnologias informacionais, para um prazer hedonista.[15]

    Por cibercultura compreendemos as relaes entre as tecnologias informacionais de comunicao e informao e a cultura, emergentes a partir da convergncia informtica/telecomunicaes na dcada de 1970, trata-se de uma nova relao entre as tecnologias e a sociabilidade, configurando a cultura contempornea [...] a cibercultura caracteriza-se por trs leis fundadoras; a liberao do polo de emisso, o princpio de conexo em rede e a reconfigurao de formatos miditicos e prticas sociais... O princpio que rege a cibercultura a re-mixagem, conjunto de prticas sociais e comunicacionais de combinaes, colagens, cut-up de informaes a partir das tecnologias digitais. Esse processo de re-mixagem comea com o ps-modernismo, ganha contorno planetrio com a globalizao e atinge seu apogeu com as novas mdias. [Lemos, 2005]

    A essncia da msica eletrnica est na colagem corte, colagem e montagem - onde o produtor

    musical recorta e cola elementos j existentes, mistura e recombina com outros elementos criados

    eletronicamente ou no. Essa combinao criar uma nova faixa (msica) que ser lanada ao

    mundo por diferentes suportes. Essa faixa ser reapropriada por outro msico que, a partir dela,

    criar uma nova faixa, que tambm ser remixada, num processo contnuo e aberto. Para esses

    artistas, o computador e os equipamentos eletrnicos passaram a ser os instrumentos. Assim,

    passa-se a produzir uma arte de forma underground, independente da indstria cultural, pois o

    acesso a tecnologia permite a esses artistas produzir, do incio ao fim, sua msica em estdios [14] A metilenodioximetanfetamina, mais conhecida por ecstasy, uma droga sintetizada, cujo efeito causa euforia, sensao de bem-estar, e alteraes da percepo sensorial. Ver ALMEIDA, Stella P. Primeiro Perfil do usurio de xtase (MDMA) em So Paulo. 2000. Dissertao (mestrado) Instituto de Psicologia, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2000. [15] Para saber mais sobre o assunto, ver Lemos, Andr. Cyberpunk. Apropriao, desvio e despesa na cibercultura. Este artigo faz parte da pesquisa A Cibercultura no Brasil, Aspectos da Cultura Cyberpunk, coordenada pelo autor com apoio do CNPq. As citaes foram traduzidas pelo autor, disponivel em http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/lemos/apropriacao.htm , acessado em 28.07.2010.

  • caseiros, gerar suportes (CD, DVD, MP3, sites) e a distribuir de forma independente, usando a

    internet e pequenos selos alternativos s grandes gravadoras.

    Em So Paulo, no incio da dcada de 1980, no gnero dance, ainda no havia nenhum clube

    especializado em msica eletrnica. Ainda era o momento das boates e da disco music [16] onde o

    DJ era um simples funcionrio, chamado de discotecrio, que tinha como funo trocar discos de

    um determinado gnero musical que a casa se alinhava, muito diferente do status [17] que

    alcanou na dcada seguinte. No final da dcada esse cenrio muda, e a cultura da msica

    eletrnica, que surgia na Europa, avana e chega ao Brasil. Nessa poca, a msica eletrnica

    underground [18] chegava So Paulo por meio do techno e do house at a classe mdia nos

    pequenos clubes dos Jardins, e atravs do drumnbass [19] na periferia, nos clubes da zona leste.

    J no incio dos anos 1990, um novo tipo de casa comeava a surgir em So Paulo, o clube, que

    segundo Palomino, foi um termo que surgiu no Nation casa noturna que ficava nos Jardins - que

    se propagou por So Paulo, para designar esse novo formato de casa, que estava substituindo as

    danceterias. Nesses clubes, o que mais importava era a qualidade musical, o culto ao DJ e o

    encontro com amigos do mesmo crculo. O Nation ficava nos fundos da Galeria Amrica, na rua

    Augusta, e existiu entre 1989 e 1991. Foi l que o DJ ganhou total liberdade para tocar, antes

    deste momento, precisava se adaptar ao estilo da casa.

    No Rose Bombom, [fig.01] danceteria aberta por Leuzzi em 1983, o empresrio empregou o modelo

    do Danceteria clube de Nova Iorque - uma mistura de casa de shows, bar e clube para danar.

    A mistura dos estilos musicais rock, pop e new wave [20] que caracterizou as danceterias, e a

    diviso de espaos para shows e DJs, logo se espalhou por So Paulo e novas casas foram

    abertas, como o Aeroanta, o Clash e o Radar Tant. No Rose Bombom, os espaos eram bem

    cuidados, divididos em ambientes de pista, palco, bar e restaurante. Era uma das poucas casas

    da poca a possuir projeto de arquitetura, pelo menos na cena underground paulistana.

    [16] Estilo danante extremamente alegre, bastante influenciada pelo som negro americano dcada de 1970. [17] O DJ passa a ser visto como artista central na configurao das festas eletrnicas, assim estabelece-se o culto a DJ, que no final dos anos 1980 passaram a ter projeo de artista pop star. [18] Segundo Assef, aquela sem nenhum interesse comercial. [19] Estilo originado nos bairros negros de Londres, associa os baixos potentes com batidas sincopadas. [20] Termo que surgiu na Inglaterra, no final da dcada de 1970, para caracterizar o trabalho de algumas bandas que, no contexto do punk rock, tendiam a melodias mais trabalhadas e complexas, utilizando elementos da msica eletrnica e da disco. Ver Joynson, Vernon. 'Up Yours! A Guide to UK Punk, New Wave & Early Post Punk. Wolverhampton: Borderline, 2001.

  • [fig.01] Vista do lounge da danceteria RoseBomBom, inaugurada em 1984, dentro de uma galeria na rua Haddock Lobo, no bairro dos Jardins, no disponvel em acessado em 28.07.2010.

    Na dcada de 1990, a cultura do ecstasy impulsionou os clubes undergrounds da cidade. O

    Senhora Krawitz [fig.02], no bairro da Santa Ceclia, foi considerado um dos mais tradicionais clubes

    undergrounds da cena eletrnica paulistana, e segundo Palomino, o ecstasy fazia parte da noite.

    O clube um dos exemplos de liberdade e libertinagem mais bem sucedidos da noite de So

    Paulo, um lugar de extremos e excessos. [Palomino, 1999, pg 52] No Krawitz, inaugurado em

    1992, as instalaes eram bem despojadas, quase precrias, como o layout, com problemas de

    circulao. Nessa poca, enquanto as classes mais altas danavam em pequenos clubes nos

    Jardins, na periferia, grandes clubes abriam espao para o DJ. A Sound Factory no bairro da

    Penha, foi considerada um marco na expanso da msica eletrnica em So Paulo, reunia mais

    de 3.000 pessoas por noite. Segundo o DJ Julio, que tambm discotecava na casa, a Sound

    Factory foi o primeiro clube underground da zona leste, ... desde as drags [21] aos flyers, da

    msica a esttica, tudo fazia referncia da cultura de clubes, que j existia havia alguns anos em

    inferninhos dos Jardins e do Centro de So Paulo. [Assef, 2003, pg156]

    [fig.02], Vista do bar do clube Sra. Krawitz, inaugurado em 1992 no bairro da Santa Ceccila, regio central de So Paulo. Fonte: PALOMINO, rica. Babado Forte Moda, Msica e Noite. So Paulo: Mandarim. 1999, pg 78. [21] As Drag Queen so artistas performticos, que se travestem, e so muito freqentes nas noites clubs, principalmente nos clubes gays. No incio da cultura club paulistana, eram sempre vistas nas pistas de dana, e trabalhando como hostess.

  • No final da dcada de 1990, a cena da msica eletrnica paulistana ganhou projeo mundial e

    investimentos, tornando-se parte importante do circuito mundial. Nessa poca a cultura club j

    estava impregnada na noite, e na segunda metade da dcada de 1990, vrios clubes abriram em

    So Paulo, como ALca, Susi in Trance, Lov.e, U-Turn, [fig.03] D-Edge, [fig.04] Cashmir, Base e

    Samantha Santa, entre vrios outros. Esses clubes j apresentam infraestrutura boa, e grande

    preocupao com sua ambientao e identidade visual. Possuem sites bem desenvolvidos, flyers

    bem trabalhados e espaos sofisticados.

    [fig.03], Vista geral da pista do clube U-Turn, inaugurado em 1998 na rua Tabapu, no Itaim Bibi. Fonte FRAME Magazine, vol 25, Amsterdam, pg 120.

    [fig.04], Vista geral da pista do clube D-Edge, inaugurado em 2003 no bairro da Barra Funda, regio central de So Paulo. Fonte: site do designer , acessado em 26/07.2010

    No comeo da primeira dcada do sculo XXI, foram abertos muito clubes em So Paulo com

    formatos diferentes, pois houve uma pluralizao da cena. O modelo de clube underground

    passou a conviver com diversos outros, como os clubes que podemos chamar de mainstream,

    em funo da alta qualidade de suas instalaes, mantendo o conceito de clube que privilegia a

    pista. Com a diversificao da cena, no final dos anos 2000, os clubes passaram a investir em

    suas identidades e instalaes. Surgiram espaos requintados, como o clube HotHot [fig.05] em

    2009, que apresenta ambientes modernos e sofisticados, com ambientao psicodlica, colorida,

  • exuberante e arrojada, e que tem sua ambientao como um forte elemento de sua identidade

    visual.

    [fig.05] Vista do lounge do HotHot Club, inaugurado em 2009, no bairro da Bela Vista, regio central de So Paulo. Fonte: Folha de So Paulo, 12/11/2009, disponvel em acessado em 14/11/2009.

    2.2 Msica Eletrnica e Identidade Visual

    No Brasil, a Identidade Visual ganhou espao e passou a ser vista como um projeto profissional,

    com metodologia, seriedade e de grande responsabilidade, com o estabelecimento dos escritrios

    pioneiros do design grfico moderno no Brasil, tais como, Alexandre Wollner, Rubens Martins,

    Cauduro Martino e Aloisio Magalhes. Esta profissionalizao ocorreu, na segunda metade da

    dcada de 1960, quando eles produziram grande quantidade de programas de identidade visual

    ... com alta densidade de informao no mnimo espao, aliando conciso e simplicidade e um

    grau de elaborao esttica que transcendeu o mero pioneirismo... [Stolarski, 2006].

    Os projetos grficos e de identidade visual, desenvolvidos principalmente no Rio de Janeiro e em

    So Paulo, apresentavam forte tendncia estrutural, com formas aderidas a esttica funcionalista,

    vindas da tradio das escolas de design e da formao desse grupo de pioneiros, alm de

    questes tcnicas, que se adequavam a essa linguagem concisa. Conforme sugere Rodrigues, o

    Tropicalismo contribuiu para a transformao do design grfico nacional, e sua aproximao com

    as msica, pelo trabalho realizado nas capas de disco desenvolvidas pelo designer carioca

    Rogrio Duarte. No difcil ver na Tropiclia um eixo de mudana para as capas de discos. Do mesmo modo como digeriram em suas composies o arcaico e o moderno, o nacional e internacional, o pop e o kitsch, os tropicalistas transportaram para as capas dos discos essa mesma polifonia. O movimento inaugurou conceitos novos principalmente pelas mos de Rogrio Duarte... [Rodrigues, 2006]

    Nos anos 1980, segundo Escorel, em termos de forma, a tendncia se modifica at chegar a uma

    grande variedade de linguagens. Jovens designers, com mais liberdade e sem os moldes e

  • amarras dos anos funcionalistas, trouxeram um cenrio mais inventivo e solto. O gesto grfico e a

    cor foram absorvidos nessa produo.

    Assim, (jovens designers) contriburam para a flexibilizao do projeto, com a introduo de outras referncias culturais que tomam as grandes cidades brasileiras, como a violncia, a impersonalidade, o frenesi, o culto ao efmero, a linguagem dos filmes, da tv, da msica pop e da publicidade. [Escorel, 1987 - traduo nossa]

    Nos anos 1990, o design brasileiro .. iniciou um novo processo para o reconhecimento de uma

    esttica brasileira multicultural e mestia atravs da decodificao do prprio pluralismo tnico e

    esttico local... [Moraes, 2006, pg 179]. Nesse perodo, a liberdade de aplicao dos elementos

    bsicos da identidade, marca, tipografia e cor, mostram uma tendncia composies

    desmembrveis, flexveis, multifacetadas e pluralistas.

    O fato da cultura ps-moderna ter como referncia a multiplicidade fez com que ela se afastasse de um modelo narrativo linear, lgico e racional inerente ao Moderno, e adotasse a prpria diversidade como smbolo do seu pensamento e percurso evolutivo. [Moraes, 2006]

    Os gneros musicais sempre tiveram um estilo visual prprio, influenciados, entre outras, por

    questes culturais e sociais relacionadas ao seu pblico. Nos anos 1950, da mistura do Blues, do

    Country e do Jazz, surgia o Rock, que comeava a trazer a rebeldia e a sexualidade para a mdia

    jovem.

    Nas dcadas de 1960 e 1970, quando o rock tinha grande popularidade, o movimento antiguerra,

    as drogas e a liberdade sexual trouxeram grande influncia sua visualidade, que passou por

    uma fase mais psicodlica, que buscava reproduzir os efeitos das drogas alucingenas, como o

    LSD e a maconha. Nos anos 1980, a new wave e a disco music trariam elementos mais coloridos,

    debochados e divertidos, esttica rock, que nesta poca j se dividia em vrios estilos

    diferentes, com estticas prprias, como o glam rock com um visual colorido e andrgino

    feminizado, ou o post punk com smbolos polticos antagnicos, obscenidades e tambm

    andrgeno, mas com uma figura masculinizada. No universo da msica eletrnica, podemos

    observar uma linguagem que explora a repetio, a psicodelia, o sinttico, a colagem, o lisrgico e

    a prpria esttica tecnolgica. Como no tropicalismo, so claras as influncias psicodlicas nas

    artes grficas, influenciadas pelo consumo de drogas, pela busca do prazer hedonista, da

    experincia e da transcendncia, alm das temticas msticas ilustradas com fadas duendes, e

    outros elementos esotricos, trazidos pela influncia hippie.

    Ao observarmos o conjunto de flyers das festas da cidade de So Paulo, podemos perceber as

    temticas mais recorrentes, entre vrios outros temas abordados nessa produo. Uma delas,

  • bastante explorada no inicio da cena rave e nos clubes de trance e psytrance, [24] o esoterismo,

    que ilustra grande parte dos seus flyers e capas de discos. Originrio do conceito de PLUR [25]

    vertente mais esotrica da cena club, normalmente utilizam imagens e temas ligados e vida extra

    terrestre, a natureza e a seres mticos. Os flyers lisrgicos costumam ilustrar o torpor ou a

    excitao provocada pelas drogas, a conexo com o cosmo ou com a natureza, e a alterao da

    percepo do corpo atravs do uso de drogas psicoativas consumidas nas festas. A temtica

    psicodlica, ligada a contracultura dos anos 1960, ao movimento hippie e a cultura da droga,

    permeia grande parte dos designs de flyers, com peas quase sempre bastante coloridas e

    vibrantes. Outra temtica bastante abordada atualmente na cena club a sexual, em vertentes

    erticas, sadomasoquistas e pornochics. As festas de house e suas vertentes so as que mais

    utilizam as imagens sensuais.

    A colagem, linguagem que se caracteriza pelo corte e montagem de elementos e camadas em

    justaposio, claramente ligada a cena da musica eletrnica, desde o mtodo utilizado pelo

    compositor, pelo DJ, e tambm pelo designer, para produzir - recortar, colar e misturar elementos

    de diferentes origens, criando uma unidade nova. Esse exerccio de linguagem claramente visto

    na produo grfica dos flyers da cena. Muitas vezes a colagem ainda mistura-se com as outras

    temticas, como a inspiraes pelo artificial, pelo sinttico e pelo tecnolgico.

    Se hoje a identidade visual e a ambientao so elementos que fazem parte da imagem do clube

    contemporneo, podemos afirmar que nos anos 1980, no universo dos nightclubs undergrounds

    em So Paulo, essas eram iniciativas isoladas, pois poucos clubes pareciam ter essa

    preocupao.

    Na segunda metade da dcada de 1980, surge o modelo danceteria, que j era mais profissional

    e com mais infra-estrutura, e com uma esttica new wave, mais pop. J nos anos 1990, com o

    crescimento da msica eletrnica em So Paulo, os clubes, buscando uma imagem de liberdade,

    diverso, bomia, hedonismo e psicodelia, comearam a dar mais valor identidade e passaram

    a trabalhar de forma mais continuada as peas grficas, como os flyers, produzindo material bem-

    humorado e debochado, criando padres grficos para os ambientes internos. Essa dcada foi

    uma fase de experimentao e mudana de padres que se manifestaram na pluralidade das

    solues adotadas pelos clubes para tratar de sua identidade.

    Esses clubes tm usado uma linguagem que integra o som iluminao, com formas mltiplas,

    de linguagem mais efmera, fluda e sensorial. Na dcada de 2000, os clubes j apresentavam [22] Trance um estilo derivado do house e do techno, apresentando meldias progressivas e repetitivas, que levariam o ouvinte a um estado de transe. J psytrance, uma sub estilo do trance, mais agitado e psicodlico. [24] Paz, Love, Unity and Respect, uma doutrina associada a cultura acid house no final da dcada de 1980.

  • boa infra-estrutura e projetos de identidade visual e ambincia grfica desenvolvidos de forma

    global nos moldes modernistas do design total, e j traziam solues sofisticadas, que se

    referenciavam diretamente tecnologia e s questes da vida contempornea, como a

    virtualizao dos espaos e experincias. Com a diversificao da cena no final da dcada, os

    clubes passaram a investir em suas identidades e instalaes, e espaos sofisticados surgiram,

    como o clube HotHot em 2009, que apresenta ambientes modernos, com ambientao

    psicodlica, colorida, exuberante e arrojada. H ainda clubes como o Lions [fig.06], aberto no incio

    de 2010, que apresenta um projeto de ambientao luxuoso, ostensivo e elitista.

    [fig.06], Vista do lounge do Lions Nightclub, inaugurado em 2010, no centro de So Paulo, prximo a Pa da S. Dispinivel em acessado em 26/07/2010.

    Com o objetivo de compreender as caractersticas que marcaram a cultura de clubes no universo

    da msica eletrnica em So Paulo, a pesquisa focar a observao e estudo de casos de alguns

    dos mais significantes clubes dessa histria na cidade de So Paulo, entre as dcadas de 1980,

    quando s existiam alguns poucos precursores, passando pela dcada de 1990 com o

    crescimento da cena e com sua expanso e diversificao na dcada de 2000. Procurar abordar

    o discurso dos designers e proprietrios, focando nos valores, partidos e inspiraes, que os

    clubes procuram adotar.

    As imagens e as arquiteturas expressas e desenvolvidas pela cultura Club, por certo podero

    colaborar na compreenso do viver contemporneo.

  • BIBLIOGRAFIA:

    _ASSEF, Claudia. Todo DJ J Sambou: A Histria do Disc-Joquei no Brasil. So Paulo: Conrad Editora do Brasil,

    2003.

    _BARRAUD, Henry. Para compreender as msicas de hoje. So Paulo: Perspectiva, 2005.

    _CALIL, Marines A. Aventura do estilo: um pequeno estudo dos fashion clubs do gnero dance music na cidade

    de So Paulo. So Paulo 1994. 256 p. Dissertao (mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 1994.

    _ESCOREL, Ana Luiza. Corporate Identity. in PRINT. [nov/dez 1987] EUA, 1987.

    _FEITOSA, Periferia Eletrnica. Clubbers, cybermanos, cultura club e mdia. Salvador 2004. 259 p. Dissertao (mestrado) - Faculdade de Comunicao e Cultura Contemporneas, Universidade Federal da Bahia, So Paulo, 2004.

    _LEMOS, Andr. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contempornea. Porto Alegre: Sulinas, 2002.

    _MELO, Chico Homem (Org.). O Design Grfico Brasileiro. Anos 60. So Paulo: Cosacnaify, 2006. _MORAES, Dijon. Anlise do Design Brasileiro. So Paulo. Edgard Blucher, 2006.

    _NORCIA, Daniela. Club. Histria do movimento no Brasil e no mundo. So Paulo: PUC SP, 2005.

    _OLINS, Wally. Corporate Identity. Londres: Thames and Hudson, 1994. _PALOMINO, rica. Babado Forte Moda, Msica e Noite. So Paulo: Mandarim. 1999.

    _REYNOLDS, Simon. Generation ecstasy. Into the world of techno and rave culture. Boston: Routledge, 1998.

    _RODRIGUES, Jorge. O Design Tropicalista de Rogrio Duarte, In: MELO, Chico Homem (Org.). O Design Grfico

    Brasileiro. Anos 60. pp 188-215, So Paulo: Cosacnaify, 2006. _STOLARSKI, Andr. A Identidade Visual Toma Corpo. In: MELO, Chico Homem (Org.). O Design Grfico

    Brasileiro. Anos 60. pp. 216-251, So Paulo: Cosacnaify, 2006.

    _S, Simone Pereira de - Msica eletrnica e tecnologia: reconfigurando a discotecagem. In: LEMOS e CUNHA (orgs) - Olhares sobre a cibercultura. pp 153-173. Porto Alegre, Ed. Sulinas, 2003.

    _THORNTON, Sarah. Club Cultures. Music, Media and subcultural Capital. Middeletown: Wesleyan Univ. Press.,

    1996.