identidade Étnico-cultural e racismo - um estudo no colégio de aplicação - ufs

Upload: luan-ramos

Post on 03-Feb-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/21/2019 Identidade tnico-cultural e Racismo - Um Estudo No Colgio de Aplicao - UFS

    1/12

    1

    1

    IDENTIDADE TNICO-RACIAL E RACISMO: UM ESTUDO NOCOLGIO DE APLICAO/UFS

    Helma de Melo Cardoso1

    APRESENTAOEste trabalho resultado de um estudo realizado no Colgio de Aplicao da

    Universidade Federal de Sergipe (Codap-UFS) e traz tona uma questo muito atual na

    educao: a discriminao tnico-racial no meio escolar. Para isso, inicialmente apresentaum breve panorama conceitual acerca da construo das relaes raciais no Brasil e sobre oprocesso de formao da identidade afro descendente no ambiente escolar e a anlise dosdados coletados para a pesquisa.

    Desta forma, buscou-se atravs deste trabalho conhecer como so construdas asrelaes tnico-raciais na escola, bem como analisar a percepo acerca do racismo e oimpacto sobre a identidade tnico-racial no cotidiano escolar apresentadas por alunos (as)

    negros (as) do ensino Mdio no Colgio de Aplicao da Universidade Federal de Sergipe(CODAP/UFS).

    Trazendo como objetivos especficos: Caracterizar o perfil tnico-racial dos alunosdo Ensino Mdio do CODAP-UFS; Analisar as concepes e expresses acerca dadiscriminao tnico-racial; Diagnosticar o percentual de alunos negros (as) do EnsinoMdio do CODAP-UFS a partir dos dados do censo escolar e da auto-definio atual.

    Ao final apresenta uma discusso de sua metodologia, a partir da pesquisa

    qualitativa, descrevendo o estudo de caso etnogrfico; traz a anlise de dados submetidas tcnica de anlise de contedo conforme Bardin (2006), e apresenta suas impresses finais.

    IDENTIDADES E IDENTIDADE TNICO-RACIALDe acordo com Hall (2003) a identidade moderna est fragmentada, entrando em

    crise de forma a abalar a idia slida que tnhamos de ns mesmos como sujeitosintegrados, a identidade agora definida historicamente e no biologicamente, no maisunificada, pois o sujeito adota diferentes identidades em diferentes contextos. Dentro de

    1 UFS/Campus Itabaiana/Especializao em Metodologias de Ensino para a Educao Bsica.

  • 7/21/2019 Identidade tnico-cultural e Racismo - Um Estudo No Colgio de Aplicao - UFS

    2/12

    2

    2

    ns h identidades contraditrias, empurrando em diferentes direes, de tal modo quenossas identificaes esto sendo continuamente deslocadas (p.13).

    J para Sodr (1999) a identidade do sujeito dada a partir do reconhecimento dooutro, sendo um complexo relacional que liga o sujeito a um quadro contnuo dereferncias, constitudo pela insero de sua histria individual com a do grupo onde vive(p. 34). No existiria, ento, uma identidade estvel que constitui o sujeito, mas umadinmica de integrao do sujeito ao grupo, de interiorizao de comportamentos,costumes, atitudes de padres encontrados no ambiente familiar e social.

    Nesse nterim se insere a reflexo sobre identidade racial que h muito tem ocupado

    diversos pesquisadores. O Brasil, por sua composio racial, pode ser considerado um pasmultirracial. Em pesquisa realizada em 1976, PNAD, encontrou-se uma grande variedadede denominaes utilizadas para designar cor, este fato oculta no seu bojo contextos scio-histrico-culturais que serviram como modos de inferiorizao e discriminao do negrono Brasil.

    Para Teixeira (1987) apud Castro (2007), a manuteno de um grande nmero dedenominaes utilizadas para descrever a cor dos sujeitos, demonstra que as caractersticas

    raciais tm valor no momento de classificao dentro de um grupo especfico, de formaque acredita que no se pode compreender tais diferenas e singularidades dedenominaes fora do contexto das relaes raciais.

    Neste contexto, Castro percebeu que durante as entrevistas de sua pesquisa a corparecia estar sendo referida numa atitude de defesa como se os no brancos tivessem queestar sempre em alerta para estabelecer qualquer tipo de relao, principalmente as maisagressiva (p. 12). Este fato, para a autora, traz a tona o fato de que a atribuio de cor se

    mostra de forma imprecisa, indefinida e mltipla, formando uma dualidade branco e pretotrafegando no meio delas, ora se aproximando de uma, ora de outra.O termo negro, por exemplo, segundo Guimares (2004) apud Castro (2007), no

    final do sculo XIX era utilizado de forma pejorativa para pessoas escravizadas, os sujeitoslivres de ascendncia africana se denominavam pretos, pardos ou homens de cor. Depoisde 1920 homens de cor da elite passaram se denominar de negros e tambm pessoas queparticipavam de mobilizaes polticas. Atualmente o termo negro aceito pelomovimento negro, pela mdia e pelo governo como categoria poltica.

    Para Munanga, apud Souza et al (2005, p. 30):

  • 7/21/2019 Identidade tnico-cultural e Racismo - Um Estudo No Colgio de Aplicao - UFS

    3/12

    3

    3

    A identidade passa pela cor da pele, pela cultura, ou pela produo cultural donegro, passa pela contribuio histrica do negro na sociedade brasileira, naconstruo da economia do pas com seu sangue; passa pela recuperao da suahistria africana, de sua viso de mundo, de sua religio.

    Na escola, a forma negativa de ver o outro aparece de forma cruel, o diferente depreciado, ridicularizado, discriminado e excludo, na frente de todos com a conivnciados profissionais da educao que silenciam diante dos fatos.

    RELAES TNICO-RACIAIS E DISCRIMINAO NO BRASIL: BREVEPANORAMA

    Na histria do Brasil, segundo Carneiro (2002), os ndios, os negros, judeus eciganos, foram tratados como seres inferiores, uns mais outros menos, em funo de suacultura, raa ou condio social, pelos brancos cristos.

    indiscutvel que a escravatura e todo o histrico de discriminao racial deixaramconseqncias para os negros, como a misria, o analfabetismo, a marginalizao, apobreza, porm, segundo Azevedo o mais indigno aspecto foi o autodesvalor, pois no

    atingido por dispositivos legais e contribui para a submisso do negro pois aps geraesde perda absoluta dos direitos e dos valores, a viso do negro sobre si mesmo absorveuinfluncias da concepo escravista da poca(SANTOS, 1990, p. 49).

    Neste contexto, se faz necessrio que delimitemos alguns conceitos cruciais para odesenvolvimento do trabalho, como cor, raa, discriminao, preconceito, racismo, entreoutros.

    A cor um aspecto biolgico determinada pela quantidade de produo de

    melanina no organismo, e serve para proteger o organismo das condies climticas nasvariadas regies do planeta. A cor tambm utilizada para classificao das pessoas, nos no Brasil, mas diversas outras partes do mundo. Desde 1872 que os brasileiros soclassificados pela raa/cor pelo Instituto Brasileiro de Geografia e estatstica IBGE,responsvel pelo censo da populao, utilizando a classificao cromtica: branco, preto,pardo, amarelo, indgena.

    Quanto ao conceito de raa, segundo Azevedo (1987, p. 21) impossvel delimitar

    as raas, pois as variaes entre as raas so contnuas e superficiais, no permitindo

  • 7/21/2019 Identidade tnico-cultural e Racismo - Um Estudo No Colgio de Aplicao - UFS

    4/12

    4

    4

    separ-las biologicamente. J o termo etnia, segundo Cashmore (2000), descreve umgrupo possuidor de algum grau de coerncia e solidariedade, composto por pessoas

    conscientes, ao menos de forma latente, de terem origens e interesses comuns (p.196).Para Cashmore o termo etnia no pode substituir o termo raa, pois se refere a umaresposta criativa sociedade de um povo que se sente marginalizado, enquanto raa serefere a atributos dados a um determinado grupo. Diante deste impasse consideramos que otermo tnico-racial, conjuntamente, pode representar melhor a questo que nos propomos aestudar neste trabalho.

    Outros conceitos tambm merecem destaque pela importncia do tema:

    preconceito, discriminao e racismo. O preconceito, para Borges, Medeiros e dAdesky(2002), uma opinio ou julgamento irrefletido que formulamos a respeito de algodesconhecido, que esto enraizados em nossa cultura, guiando as relaes interculturais e justificando o tratamento desigual dado a indivduos e grupos. Ainda quanto discriminao racial podemos apresentar o conceito estabelecido pelas Naes Unidas(Conveno da ONU/1996, sobre a Eliminao de todas as formas de DiscriminaoRacial),

    discriminao racial significar toda distino, excluso, restrio ou prefernciabaseada em cor, descendncia ou origem nacional ou tnica que tenha por objetoou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exerccio em mesmoplano de liberdades fundamentais nos campos polticos, econmico, socialcultural ou em qualquer campo de sua vida pblica.

    Quanto ao racismo, Allport apud Lima & Vala (2004) e Carneiro (2002),concordam, conceituando-o como uma doutrina ou crena na distino natural de grupos,afirmando haver ligao entre caractersticas tnico-raciais e culturais e que algumas raasso inferiores a ouras, constituindo-se num processo de hierarquizao e excluso contraalgum ou um grupo baseado numa diferenciao fsica.

    PRECONCEITO E DISCRIMINAO TNICO-RACIAL NO COTIDIANOESCOLAR

    Segundo Silva Jr. (2002) durante certo perodo pesquisadores acreditavam que oracismo manifestava-se no momento do ingresso ou nas relaes de trabalho. Mais tarde,

  • 7/21/2019 Identidade tnico-cultural e Racismo - Um Estudo No Colgio de Aplicao - UFS

    5/12

    5

    5

    com o auxlio de estudos estatsticos no processo educacional brasileiro, percebeu-se que adiscriminao situava-se tambm no sistema educacional.

    A partir de 2005 a categoria cor/raa foi includa no Censo Escolar, as alternativasforam estabelecidas de acordo com os critrios definidos pelo Instituto Brasileiro deGeografia e Estatstica (IBGE), ou seja: branca, preta, parda, amarela e indgena.

    Os resultados do Censo Escolar de 2005, referentes realidade brasileira, revelamque 18,1% dos alunos no responderam ao quesito cor/raa. Quanto ao total dos queresponderam, 46,1% declararam-se pardos, 41,6% brancos, 10,0% pretos e o restante 2,4%, de cor/raa amarela e indgena.

    Podemos observar, conforme tabela abaixo, que a distribuio das matrculas porcor/raa em 30/03/2005 desigual, ao se considerar as etapas e modalidades de ensino.Quando se trata de alunos da educao infantil, educao especial e educao profissional,a maioria declarou-se branca, porm na educao de jovens e adultos e no ensinofundamental predominou a cor/raa parda. No ensino mdio, a distribuio cor/raa estequilibrada entre parda com 43,8% e branca com 43,4%.

    TABELA 3 - Matrculas da Educao Bsica, por Cor/Raa, segundo aEtapa/Modalidade de Ensino.

    Matrcula Cor/Raa Declarada (%)Etapas/Modalidadesde Ensino

    Branca Preta Parda Outras

    Educao Infantil 48,3 8,4 41,0 2,3Ensino Fundamental 40,3 9,5 47,7 2,5Ensino Mdio 43,4 10,4 43,8 1,5Educao Especial 52,5 10,1 36,0 2,3Educao de Jovens eadultos

    34,0 14,3 49,4 1,9

    Educao Profissional 61,3 8,7 28,1 2,4Total 41,6 10,0 46,1

    Fonte: MEC/Inep. Censo Escolar.Com estes dados, apresentados acima, podemos perceber a distncia que separa

    negros e brancos na rea da educao e por conseqncia no mercado de trabalho, namdia, na justia e outros. Mas a questo no mais discutir se h ou no racismo nasescolas, j que isso j foi demonstrado por diversas pesquisas no campo da educao.

  • 7/21/2019 Identidade tnico-cultural e Racismo - Um Estudo No Colgio de Aplicao - UFS

    6/12

    6

    6

    O racismo se faz presente nas escolas em forma de prticas discriminatrias,preconceituosas envolvendo um universo formado de vrios atores, composto de relaes

    raciais pessoais entre alunos, professores, direo e tambm repassado pelo livro didtico.Em pesquisa realizada por Jesus (2006) mostrou que a percepo que cada aluno

    possui da situao pode ser diferenciada; Encontrou que a discriminao pode serdemonstrada em forma de brincadeira, em que alguns no vem maldade alguma esequer tm noo dos estragos que podem causar nos sentimentos da pessoa discriminada.

    Segundo Lima (2004) as situaes de discriminao no devem ser camufladas,mas sim explicitadas com atitudes firmes e comprometidas. No nosso entender no se trata,

    simplesmente, da constatao de discriminao e excluso de pessoas negras, mas deconstruir uma outra lgica da expresso e do respeito pluralidade da nossa realidade emtodos os seus aspectos.

    Assim podemos perceber que em geral as pesquisas apontam a necessidade dediscutir a questo racial como ferramenta de combate ao racismo, montando um espaopermanente para discusso e reflexo de posturas racistas com objetivo de superarestigmas, esteretipos e discriminaes contra os negros presentes no cotidiano escolar e

    que interfere na construo de uma identidade positiva do aluno negro.

    PROCEDIMENTOS METODOLGICOSO presente estudo fundamenta-se numa abordagem qualitativa, pois a que abrange

    valores culturais e as representaes de determinado grupo sobre temas especficos(Minayo, 1998, p.134). Dentre os vrios tipos de pesquisa qualitativa possveis, estapesquisa utilizar o estudo de caso etnogrfico segundo Ludke e Andr (1986).

    O campo de pesquisa foi o Colgio de Aplicao da Universidade Federal deSergipe, fundado em 30 de junho de 1959, inicialmente chamado de Ginsio de Aplicaoda Faculdade de Filosofia de Sergipe, ligado arquidiocese de Aracaju. Com o Decreto-Lei n. 269, de 28 de fevereiro de 1967, que instituiu a Fundao Universidade Federal deSergipe, houve a incorporao da Faculdade e do Colgio Universidade Federal deSergipe.

    Os instrumentos de coleta utilizados foram um questionrio com perguntas abertase fechadas (anexo 01); consulta aos dados do Censo Escolar 2008 quanto a auto-definiotnico-racial com dados fornecidos pela coordenao da escola; e entrevista.

  • 7/21/2019 Identidade tnico-cultural e Racismo - Um Estudo No Colgio de Aplicao - UFS

    7/12

    7

    7

    A coleta de dados ocorreu em trs etapas distintas. Na primeira etapa, realizou-se aaplicao de um questionrio, cujos dados foram coletados no primeiro semestre do ano

    2008, nas salas de aulas do Ensino Mdio, perfazendo um total de 150 alunos. Numsegundo momento, ainda no primeiro semestre foram recolhidos dados do censo escolar2008, com a coordenao da escola. Numa terceira etapa, no segundo semestre de 2008 os17 alunos que se declararam pretos no questionrio foram convidados para uma entrevista.Desse total 13 alunos concordaram em participar e compareceram no horrio marcado, asentrevistas foram gravadas.

    ANLISE DE DADOS/REFLEXESA primeira questo do questionrio era aberta de livre escolha e buscava conhecer a

    raa-etnia do sujeito de onde foram encontradas 29 categorias diferentes; nesta questoforam encontrados 25 mestios, 23 negros, 16 brancos, 16 pardos, entre outros.

    Na segunda questo, com objetivo de conhecer a cor dos sujeitos, utilizou-se dascategorias do IBGE, e encontrou-se 33 que declararam ter a cor branca, 17 preta, 80 parda,06 amarela, 04 indgena e 10 outras cores.

    Podemos ainda fazer um paralelo das respostas dadas na segunda questo com osdados obtidos no Censo Escolar 2005 para declarao de cor no Ensino Mdio. De acordocom a Tabela 5, podemos verificar diferenas substanciais em todas as categorias, mas amaior variao foi encontrada na categoria de cor branca, onde em relao ao censo, noCodap a populao de alunos brancos praticamente a metade.

    TABELA 6: Comparao da Questo 1 com o censo escolar 2005 Ensino

    Mdio/Declarao de cor/raa.Branca (%) Preta (%) Parda (%) Outras (%)Censo Escolar2005

    43,4 10,4 43,8 1,5

    Codap 2008 22 11,33 53,33 13,34

    Se levarmos em considerao o entendimento do movimento negro que engloba nacategoria negro os pretos e pardos, o percentual de negros entre os alunos do Ensino Mdiodo Codap ser de 64,66 maior do que a realidade brasileira colhida pelo Censo Escolar

    2005 de 53,2.

  • 7/21/2019 Identidade tnico-cultural e Racismo - Um Estudo No Colgio de Aplicao - UFS

    8/12

    8

    8

    Todos os entrevistados quando questionados sobre sua cor/raa se denominaramnegros da mesma forma como j haviam feito nos questionrios, afirmando sua identidade

    tnico-racialNas entrevistas percebe-se na fala de alguns entrevistados que determinados negros

    (o outro, no eles mesmos) tm dificuldade de aceitar suas caractersticas fsicas. Este fatoocorre, segundo Silva (2002), porque a formao cultural do Brasil levou a valorizao daimagem do branco e em contrapartida a criao de uma imagem negativa do negro criandobaixa auto-estima, levando-o a aproximar-se em tudo daquele. Ou seja, a criana a partirda convivncia com a sociedade e com a maturidade comea a perceber as diferenas,

    descobre que sua pele, seu nariz, seu cabelo, seus lbios no so iguais ao modelo que lhefoi colocado como belo, e a partir da introjeta um sentimento de inferioridade diante dobranco.

    Quanto discriminao tnico-racial os alunos foram unnimes ao afirmarem queexiste racismo no Brasil, todos concordam que os negros recebem tratamento diferente dobranco por causa de seu esteretipo e alguns inclusive colocaram exemplos:

    (...) foi uma vez que ele tava entregando os convites da formatura, tava na fila docinema a tava perto de uma mulher, a mulher puxou a bolsa assustada, ele faloucalma senhora eu to passando, a mulher ficou com vergonha, se desculpou. (...)

    Em grande parte da fala dos entrevistados podemos observar que acreditam que oracismo parte dos prprios negros. O racismo dos prprios negros, segundo Santos (1990),acontece em decorrncia da assimilao do preconceito pelos prprios negros, comsentimentos contrrios raa negra, tudo isso devido herana cultural brasileira que nosmodelou.

    No discurso das entrevistas a maioria dos alunos disseram que nunca sofreramracismo na escola. As situaes de discriminao presenciadas pelos alunos, em suamaioria foram relatadas como brincadeiras inofensivas, apenas um entrevistado visualizoua brincadeira como racismo: Presenciei, tem muito no ensino fundamental, os garotosbrincam muito, por exemplo: pra onde voc vai seu filha da puta preto. (Entrevistado 04).Esses insultos raciais, de acordo com Guimares (2002) so instrumentos de humilhaocom o objetivo de demonstrar a distncia entre o insultor e o insultado, levando este ao

    terreno da pobreza, da anomia social, da sujeira e da animalidade.

  • 7/21/2019 Identidade tnico-cultural e Racismo - Um Estudo No Colgio de Aplicao - UFS

    9/12

    9

    9

    Por outro lado no podemos deixar de observar no discurso dos alunos que, apesarde mencionar as brincadeiras, em sua maioria acreditam nunca terem presenciado nem sido

    vtimas de racismo na escola, durante esses anos (de 4 a 6 anos), e no entanto admitemunanimemente a existncia do racismo na sociedade brasileira. Para Souza (2005) o noreconhecimento da existncia do racismo na escola, faz com que o tema no seja tratadocomo algo importante a ser discutido e trabalhado. Como se o Colgio de Aplicaoestivesse parte da sociedade, imune discriminao como se fosse uma ilha, cercada deracismo por todos os lados.

    Podemos observar que nesta escola o tema do racismo no teve enfoque em

    nenhuma disciplina especfica ou mesmo em forma de projetos ou outras atividades.Podemos perceber que o tema apareceu em alguns momentos, em uma disciplina ou outra,mas que no foi dada nfase no assunto. Ou seja, a estes alunos foi negado o direito deconhecer a histria de suas razes, das origens da cultura afro-brasileira de forma quepudessem respeitar os diferentes modos de ser.

    CONSIDERAES FINAIS

    Ao contemplarmos as relaes tnico-raciais dentro do espao escolar,questionamo-nos at que ponto ela est sendo coerente com a sua funo social quando seprope a ser um espao que preserva a diversidade cultural, responsvel pela promoo daequidade.

    Podemos apreender tambm o quanto a questo do racismo ainda um assunto tabunas escolas e que os alunos no se sentem vontade para falar sobre o assunto.

    Dos resultados debatidos alguns merecem destaque, como a afirmao da

    identidade negra a ao mesmo tempo do afastamento de toda a problemtica vivenciadapelos negros a partir do discurso em terceira pessoa.Tambm o fato de que todos os alunos reconhecem a existncia do racismo na

    sociedade brasileira e pelo fato de que este se apresenta de forma sutil como caracterstico de nosso pas, os jovens no se reconhecem como vtimas destadiscriminao na escola.

    Outro aspecto que merece destaque quanto ao fato de os jovens acusarem osprprios negros de racismo com a sua categoria tnico-racial demonstrando que durante oprocesso escolar no tiveram contato com o contedo histrico, social e cultural afro-

  • 7/21/2019 Identidade tnico-cultural e Racismo - Um Estudo No Colgio de Aplicao - UFS

    10/12

    10

    10

    brasileiro de forma que desconhecem as origens e causas do racismo que vitimiza o negrona atualidade.

    Outro dado encontrado de grande valor na pesquisa foi a manuteno do silnciosobre a questo racial na escola, onde o assunto no tratado, ou visto esporadicamente, e entendido como no existente no mbito escolar,como se o Codap estivesse imune aoracismo existente na sociedade.

    Convm lembrar que a existncia do racismo um fato j bastante comprovado nocampo discursivo e das prticas, para super-lo se faz necessrio um primeiro passosignificativo no enfrentamento do problema para a escola: confrontar o silncio.

    Lembrando que a soluo para esta problemtica no ser favorvel somente aosalunos negros, mas representar um trabalho em favor do ser humano a favor da cidadaniae da sociedade brasileira.

    No entanto de nada adiantam novas leis e teorias se no estiverem atreladas sprticas cotidiana que dem conta da desconstruo da desigualdade, com objetivo deconstruir uma educao e sociedade efetivamente democrticas.

    Vale ressaltar ainda que o presente estudo, reconhecendo os limites da inteno de

    fotografar a realidade, recortar apenas um aspecto do fenmeno e decomp-lo, pelaimpossibilidade de apreend-lo por todos os ngulos, contenta-se com um enfoque quepossibilite diferentes leituras, sem julgamento de valor, abrindo caminhos para novasinvestigaes.

  • 7/21/2019 Identidade tnico-cultural e Racismo - Um Estudo No Colgio de Aplicao - UFS

    11/12

    11

    11

    REFERNCIA BIBLIOGRFICA

    AZEVEDO, Eliane. Raa: conceito e preconceito. Ed. tica So Paulo, 1987BARDIN, Laurence. Anlise de contedo. Lisboa(Portugal): Edies 70, 2006.

    BORGES, Edson; MEDEIROS, Carlos Alberto & DAdesky. Racismo, preconceito eintolerncia. So Paulo: Atual, 2002.

    CASTRO, Edmara da Costa. Identidade e trajetria de alunos negros da UFMT nos cursosde nutrio, enfermagem e medicina. Coleo Educao e Relaes Raciais - Cuiab:UFMT/IE, 2007.

    CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O racismo na histria do Brasil: mito e realidade. 8 ed..Ed. tica - So Paulo, 2002.

    CASHMORE, Ellis. Dicionrio de relaes tnicas e raciais. So Paulo, SP: Selo Negro,2000.

    GUIMARES, Antnio Srgio Alfredo. Classes, Raas e Democracia. So Paulo:Fundao de Apoio Universidade de So Paulo; Ed. 34, 2002.

    HALL, Stuart. A identidade cultural na ps-modernidade. 8 ed. Rio de Janeiro: DP&A,2003.

    LIMA, Marcus Eugnio Oliveira; VALA, Jorge. As novas formas de expresso dopreconceito e do racismo. Estudos de psicologia (Natal), Natal, v. 9, n. 3, 2004, p. 401-411. Disponvel em: . Acesso em: 07 Abr 2008.

    LIMA, Maria Batista. Africanidades na Formao de Professoras e Professores daEducao Infantil e do Ensino Fundamental: caminhos para um outro currculo. Rio deJaneiro, 2004. MIMEO (Texto para mini-curso).

    LUDKE, Menga; ANDRE, Marli E.D.A. Pesquisa em educao: abordagens qualitativas.So Paulo: EPU, 1986.

    MINAYO, Maria Ceclia de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa emsaude. So Paulo: Hucitec, Rio de Janeiro: Abrasco, 1999.

    SANTOS, Joel Rufino dos. A questo do negro na sala de aula. Ed. tica. So Paulo,1990.

    SILVA Jr, Hdio. Discriminao racial nas escolas: entre a lei e as prticas sociais. Braslia: UNESCO, 2002.

  • 7/21/2019 Identidade tnico-cultural e Racismo - Um Estudo No Colgio de Aplicao - UFS

    12/12

    12

    12

    SODR, Muniz. Claros e escuros: identidade, povo e mdia no Brasil. Petrpolis RJ:Vozes, 1999.

    SOUZA, Ana Lcia Silva et al. De olho na cultura: pontos de vista afro-brasileiros.Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais; Braslia: Fundao Cultural Palmares, 2005.