identidade cristã dos centros sociais no seu agir quotidiano · identidade cristã dos centros...

15
Centro Social Paroquial do Entroncamento Encontro de formação de Colaboradores na abertura do ano letivo 2014-2015 1 de setembro de 2014 Identidade cristã dos Centros Sociais no seu agir quotidiano Ir. Isabel Martins, snsf Introdução Os Centros Sociais (CS), Paroquiais e não paroquiais surgiram em todo o território português nos anos quarenta do século XX. Partindo de uma consciência crescente da importância do compromisso social como explicitação da fé em Jesus Cristo, os então denominados Centros de Assistência Social procuravam a promoção da pessoa em parceria com outras forças sociais. Ao longo de seis décadas de exercício da caridade, com fases diversas entre luzes e sombras, provenientes ou do contexto sociopolítico português ou das próprias Instituições e também da Igreja, e apesar de muitos CS se intitularem de «paroquial» ou de «Nossa Senhora de…», verificou-se um progressivo afastamento das referências cristãs destas Instituições que marcavam as suas origens a tal ponto de, no início deste século XXI, se ter começado a falar que era necessário cristianizar as Instituições Sociais Cristãs. Esta preocupação conduziu à realização de um estudo que foi publicado há um ano e apresentado na Semana Nacional de Pastoral Social. Alguns dos presentes tiveram oportunidade de assistir. O trabalho parte de um estudo feito sobre Projetos Educativos de Centros Sociais da Diocese de Lisboa. Esse estudo encontrou lacunas a vários níveis nos Projetos. Tais conclusões laçaram uma investigação acerca da identidade das Instituições Sociais da Igreja e do modo como ela se poderá exprimir no Projeto Educativo da Instituição, assim como nos de Resposta Social e nos Projetos de Sala. A preocupação com o alimentar dessa identidade levou também à elaboração de um capítulo acerca do lugar e características de um Plano Pastoral para estas Instituições. O estudo conclui com a apresentação dos inúmeros desafios encontrados. Nesta manhã apresentarei uma síntese da reflexão feita neste trabalho, referindo-me apenas aos conteúdos do capítulo III. Os CS são Instituições cristãs por natureza: surgiram para abraçar o mundo em sofrimento. A história da origem de cada Instituição Social da Igreja é única, mas todas semelhantes entre si, como atualizações da parábola do Bom Samaritano: há alguém que vê (um sacerdote, uma pessoa abastada, um grupo de leigos, uma religiosa), essa pessoa vê outro alguém caído no caminho (pobreza, exclusão, solidão, etc); alguém que vê e não passa adiante: estende a mão

Upload: others

Post on 08-Jul-2020

4 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Centro Social Paroquial do Entroncamento

Encontro de formação de Colaboradores

na abertura do ano letivo 2014-2015

1 de setembro de 2014

Identidade cristã dos Centros Sociais no seu agir quotidiano

Ir. Isabel Martins, snsf

Introdução

Os Centros Sociais (CS), Paroquiais e não paroquiais surgiram em todo o território português

nos anos quarenta do século XX. Partindo de uma consciência crescente da importância do

compromisso social como explicitação da fé em Jesus Cristo, os então denominados Centros de

Assistência Social procuravam a promoção da pessoa em parceria com outras forças sociais.

Ao longo de seis décadas de exercício da caridade, com fases diversas entre luzes e sombras,

provenientes ou do contexto sociopolítico português ou das próprias Instituições e também da

Igreja, e apesar de muitos CS se intitularem de «paroquial» ou de «Nossa Senhora de…»,

verificou-se um progressivo afastamento das referências cristãs destas Instituições que

marcavam as suas origens a tal ponto de, no início deste século XXI, se ter começado a falar

que era necessário cristianizar as Instituições Sociais Cristãs.

Esta preocupação conduziu à realização de um estudo que foi publicado há um ano e

apresentado na Semana Nacional de Pastoral Social. Alguns dos presentes tiveram

oportunidade de assistir. O trabalho parte de um estudo feito sobre Projetos Educativos de

Centros Sociais da Diocese de Lisboa. Esse estudo encontrou lacunas a vários níveis nos

Projetos. Tais conclusões laçaram uma investigação acerca da identidade das Instituições

Sociais da Igreja e do modo como ela se poderá exprimir no Projeto Educativo da Instituição,

assim como nos de Resposta Social e nos Projetos de Sala. A preocupação com o alimentar

dessa identidade levou também à elaboração de um capítulo acerca do lugar e características

de um Plano Pastoral para estas Instituições. O estudo conclui com a apresentação dos

inúmeros desafios encontrados.

Nesta manhã apresentarei uma síntese da reflexão feita neste trabalho, referindo-me apenas

aos conteúdos do capítulo III.

Os CS são Instituições cristãs por natureza: surgiram para abraçar o mundo em sofrimento. A

história da origem de cada Instituição Social da Igreja é única, mas todas semelhantes entre si,

como atualizações da parábola do Bom Samaritano: há alguém que vê (um sacerdote, uma

pessoa abastada, um grupo de leigos, uma religiosa), essa pessoa vê outro alguém caído no

caminho (pobreza, exclusão, solidão, etc); alguém que vê e não passa adiante: estende a mão

Centro Social Paroquial do Entroncamento | Encontro de formação de Colaboradores | 01.09.2014 Identidade cristã dos Centros Sociais no seu agir quotidiano - Ir Isabel Martins, snsf

2

e dá. Dá o seu tempo, os seus bens, a sua casa, para alimentar, cuidar, sobretudo para

dignificar aquele alguém que está caído… e não interessa quem é, só interessa que está caído à

beira do caminho da vida. Dá porque tem fé, porque a Palavra caiu no bom terreno do seu

coração: «o que fizestes a um destes mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40),

disse Jesus.

Se os CS são intrinsecamente cristãos, se nasceram da fé, são vocacionados para a

evangelização. Poderemos, então afirmar que, se as nossas Instituições não forem

evangelizadoras, não serão cristãs, mesmo que pertençam à paróquia e tenham o pároco ou

um padre por presidente. Temos de perguntar: como começou? Que queriam essas pessoas?

Porque o fizeram? Onde estava a fé? E o sentido da responsabilidade social dos cristãos,

também estava presente nos primórdios na nossa Instituição? É nestas respostas que

encontraremos a raiz que incorpora as nossas Instituições à missão de Cristo. E é por

participarem desta missão que elas serão evangelizadoras.

Nos nossos dias, nas palavras e gestos do Papa Francisco, encontramos caminhos e desafios

que nos provocam a sair de nós - institucional e individualmente - de modo muito palpável.

Gestos e palavras que nos impelem a sermos bons samaritanos, ou seja, a atualizar a nossa

identidade cristã. «Assim como a Igreja é missionária por natureza, também brota

inevitavelmente dessa natureza a caridade efetiva para com o próximo, a compaixão que

compreende, assiste e promove.» (EG 179)

A identidade das Instituições Sociais da Igreja encontra-se claramente expressa em dois

documentos do Papa Bento XVI: a Encíclica «Deus é Amor» e o discurso que proferiu em

Fátima, no ano de 2010, às Instituições Sociais da Igreja. Contudo, para compreendermos bem

a nossa vocação e missão enquanto Instituições Sociais da Igreja, precisaremos ainda de

atender à Doutrina Social da Igreja (DSI).

Há ainda um outro documento, de João Paulo II, que nos vai ajudar bastante, a Exortação

Apostólica Vocação e Missão dos Leigos na Igreja e no Mundo, ou Christifideles Laici, de 1988,

mas muito atual, bela e pertinente.

Nesta reflexão, e procurando assim compreender a identidade das Instituições Sociais da Igreja

onde se incluem os Centros Sociais Paroquiais, percorremos três passos: a participação das

Instituições na Missão da Igreja, a índole laical das mesmas e algumas concretizações da no

seu quotidiano.

1. Participação na Missão da Igreja

Deus quer abraçar o mundo com as nossas mãos! Deseja consolar os que sofrem com o nosso

coração e disponibilidade para acolher! E não é esta a missão da Igreja? «Levar a Boa Nova aos

pobres e mandar em liberdade os oprimidos» (Lc 4, 18)? Os CS participam intrinsecamente da

Missão da Igreja.

A Igreja é a parte da humanidade que recebeu a missão de Jesus Cristo de ser sinal e

sacramento da salvação que Ele traz (LG1) e fermento do Reino de Deus. O horizonte da

Centro Social Paroquial do Entroncamento | Encontro de formação de Colaboradores | 01.09.2014 Identidade cristã dos Centros Sociais no seu agir quotidiano - Ir Isabel Martins, snsf

3

missão da Igreja não se esgota na comunidade cristã, antes, está para além dela (LG5): são

todos os homens e mulheres, meninos e meninas, independentemente da sua idade, situação

humana ou social ou convicções pessoais. Nisto, o Papa Francisco não se cansa de insistir.

Em 2010 os Bispos portugueses escreveram uma Carta Pastoral intitulada «Como Eu vos fiz,

fazei vós também», Para um rosto missionário da Igreja em Portugal. Nela tomaram a imagem

evangélica do Bom Pastor para apresentar o modo como a Igreja deverá exercer a sua ação

missionária no nosso país.

No nº 6 da referida Carta os Bispos recordam que Jesus, o Bom Pastor:

não abandona ninguém

vai à procura de todos e cada um com paixão

cuida das ovelhas que estão perto

dedica-se igualmente a procurar, encontrar e chamar as que estão longe ou andam

perdidas (cf. CEP 2010)

Transpondo o agir de Jesus, o Bom Pastor, para as comunidades cristãs, os Bispos desafiam-nas

a serem comunidades evangelizadoras: a não se contentar em cuidar apenas dos que vêm ter

consigo, mas que se sintam continuamente obrigadas a expandir a sua presença missionária

em todo o território ao seu cuidado pastoral, dando prioridade à ovelha perdida (idem).

Os Bispos vão ainda mais longe desafiando os cristãos à desinstalação e colocando como

imperativo o ir ao encontro dos que vivem em sofrimento e em exclusão:

«a Igreja necessita de uma forte “comoção”, que a impeça de se instalar na comodidade,

na estagnação e na indiferença, à margem do sofrimento dos pobres», dos excluídos,

dos explorados, dos marginalizados. Precisamos de deixar muitas coisas: ouro, prata,

cobre, bolsas, túnicas, sandálias, bastão (cf. Mt 10,9-10). Ir ao encontro do Senhor em

cada irmão (cf. Mt 25, 40.45) terá de ser a nossa única ocupação e a nossa única

maneira de viver.» (CEP, 2010: 13)

Este mesmo desafio fora apontado por Bento XVI na Encíclica «Deus é Amor»: a Igreja,

«enquanto família de Deus deve ser, hoje como ontem, um espaço de ajuda recíproca e

simultaneamente um espaço de disponibilidade para servir mesmo aqueles que, fora dela, têm

necessidade de ajuda.» (DCE 32)

Hoje afirma claramente o Papa Francisco: «invoco o Espírito Santo; peço-Lhe que venha

renovar, sacudir, impelir a Igreja numa decidida saída para fora de si mesma a fim de

evangelizar todos os povos» (EG 261).

Mas, como se estrutura a missão da Igreja de modo que possa levar a Salvação de Jesus Cristo

a toda e qualquer pessoa? Numa tríplice missão: Anúncio da Palavra, que é concretizada na

função profética (catequização, anúncio, formação); Celebração dos Sacramentos,

concretizada na função cultual e que diz respeito à liturgia e à oração; Serviço da Caridade que

Centro Social Paroquial do Entroncamento | Encontro de formação de Colaboradores | 01.09.2014 Identidade cristã dos Centros Sociais no seu agir quotidiano - Ir Isabel Martins, snsf

4

se concretiza em duas funções: a hodegética, relativa ao cuidado e condução daqueles que

pertencem à comunidade cristã e sociopastoral, que consiste no serviço ao mundo, para além

das fronteiras da Igreja. Onde encontraremos os CS? Enquadrados na sua função sociopastoral,

bem na fronteira, junto das populações.

A função sociopastoral da Igreja estando inserida na dimensão do serviço da caridade, é

necessariamente inspirada pelo Amor de Deus que «impele o cristão a caminhar no amor e faz

com que este seja o verdadeiro motor da ação pastoral eclesial em todas as dimensões e,

particularmente, na ação sócio-caritativa» (Ortiga, 2010: 2).

2. Índole laical das Instituições Sociais da Igreja

Os CS são Instituições eminentemente laicais. Além de os seus serviços serem assegurados

praticamente só por leigas e leigos, constituem um contexto social e laboral onde a

peculiaridade da vocação laical, nomeadamente a centralidade da caridade na sua vivência, se

pode tornar clara perante a sociedade. Podemos inferir tal conclusão das palavras dirigidas ao

Papa Bento XVI por D. Carlos Azevedo, em Fátima no ano de 2010, no contexto do encontro

com as Organizações Sociais da Igreja, nas quais o Prelado aludiu às disposições com que

muitos cristãos de empenham na ação social da Igreja:

«pessoas que aceitaram a lógica do dom e da gratuidade e sentem paixão pelo que

fazem (…). Vivem uma entrega ao serviço dos outros mais necessitados e feridos,

doentes e pessoas com deficiência, presos, migrantes e abandonados; lutam pela defesa

dos direitos humanos, pela paz, pela salvaguarda da criação. Para muitos e muitas esta

dedicação decorre da consciência batismal e do acolhimento da dimensão diaconal de

toda a Igreja.» (Azevedo, 2010: 42)

A vocação batismal assim assumida como serviço ao mais frágil da sociedade, e vivida segundo

a caridade evangélica, situa-se no marco do sacerdócio comum dos fiéis. Cada cristão, na

entrega e serviço diário à pessoa que chega ao CS e dele usufrui, pode fazer da sua vida uma

oferta a Deus, se se dedicar àquela pessoa como se fosse o Senhor (cf. Mt 25, 40), fazendo da

sua ação um ato de louvor a Deus. Isto mesmo nos dizia ontem S. Paulo na segunda leitura,

retirada da Carta aos Romanos: «Eu vos exorto, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que

ofereçais os vossos corpos como sacrifício vivo, santo, agradável a Deus. Seja este o vosso

verdadeiro culto, o espiritual» (Rm 12, 1). Enxertado em Cristo pelo Batismo, cada cristão pode

tornar sagrado qualquer ato de entrega, de serviço, de caridade, todo o pequeno ou grande

gesto em favor dos outros, se feito unido a Cristo, por amor a Cristo.

O CS proporciona aos seus colaboradores e dirigentes um espaço privilegiado de santificação

pessoal, mas também da sociedade a partir de dentro: pelas ações e intenções do coração, se

o forem segundo o coração misericordioso do Pai. Insisto: tudo o que se faz, fazer com o

coração em Deus, com os sentimentos de Cristo, como um verdadeiro culto espiritual,

santificando assim o mundo, sem que nenhuma dimensão da vida seja excluída.

João Paulo II ajuda-nos a compreender melhor esta realidade:

Centro Social Paroquial do Entroncamento | Encontro de formação de Colaboradores | 01.09.2014 Identidade cristã dos Centros Sociais no seu agir quotidiano - Ir Isabel Martins, snsf

5

«os vários campos da vida laical entram todos no desígnio de Deus, que os quer como o

«lugar histórico», em que se revela e se realiza a caridade de Jesus Cristo para glória do

Pai e ao serviço dos irmãos. Toda a atividade, toda a situação, todo o empenho concreto

— como, por exemplo, a competência e a solidariedade no trabalho, o amor e a

dedicação na família e na educação dos filhos, o serviço social e político, a proposta da

verdade na esfera da cultura — são ocasiões providenciais de um «contínuo exercício da

fé, da esperança e da caridade» (ChL 59)

Tanto mais que, a maior parte dos utentes e suas famílias se poderão enquadrar dentro

daqueles a quem os Bispos (2010) apelidaram de ovelha perdida, ou que o Papa afirma que

está na fronteira. Pode ser «ovelha perdida» por não ter ouvido falar do Amor de Deus ou se

ter afastado da comunidade cristã. Num CS um cristão ou uma cristã pode ser para eles como

uma mãe,

«acolhedora e sempre apressadamente a caminho (Lc 1,39), mãe «comovida» com as

dores e alegrias dos seus filhos e filhas, cada vez menos em casa, cada vez mais fora de

casa, a quem deve fazer chegar e saber envolver na mais simples e comovente notícia

do amor de Deus.» (CEP 2010: 8).

O Papa Francisco reforça a ideia:

«lá [onde nos encontramos] somos chamados a ser pessoas-cântaro para dar de beber

aos outros. Às vezes o cântaro transforma-se numa pesada cruz, mas foi precisamente

na Cruz que o Senhor, trespassado, Se nos entregou como fonte de água viva. Não

deixemos que nos roubem a esperança!» (EG 86)

Além de se apresentar como um contexto privilegiado para a realização da vocação laical, os

CS são, em si mesmos, enquanto corpo, entidades com um marco laical.

São Instituições de proximidade com as populações, que se situam nas fronteiras sociológicas

da Igreja. Pelos CS a Igreja tem oportunidade de dialogar com o mundo da política, com as

Instituições estatais, não enquanto subalterna, mas na postura de parceira e membro ativo da

sociedade na tarefa de melhorar a qualidade de vida e formação das populações.

Os CS são caminho para a incarnação do Evangelho, que acolhem diariamente «as alegrias e as

esperanças, as tristezas e angústias dos homens de hoje, sobretudo dos mais pobres e de

todos aqueles que sofrem» (GS 1). Podem responder evangelicamente às tribulações da

existência humana e deixar-se interpelar por elas, lendo os sinais do Reino e, a partir dessa

leitura, contribuir para o seu incremento.

Neste sentido o Papa Bento XVI (2010), em Fátima, recomendou que

«as instituições da Igreja, unidas a todas as organizações não eclesiais, melhorem as

suas capacidades de conhecimento e orientações para uma nova e grandiosa dinâmica

que conduza para «aquela civilização do amor, cuja semente Deus colocou em todo o

povo e cultura» (Bento XVI, 2010: 44).

Centro Social Paroquial do Entroncamento | Encontro de formação de Colaboradores | 01.09.2014 Identidade cristã dos Centros Sociais no seu agir quotidiano - Ir Isabel Martins, snsf

6

Este repto concretiza, para os CS, aquela dimensão da vocação laical que apela à competência

técnica e profissional como meio de santificação. Com efeito, o testemunho cristão das

Instituições sociais da Igreja começa, antes de mais, pela aptidão e empenho evidenciados na

prestação de qualquer um dos serviços desenvolvidos. Melhorar continuamente as suas

competências e conhecimentos enquanto corpo, é meio privilegiado no contributo à

humanização da sociedade e, por conseguinte, ao testemunho cristão.

João Paulo II aponta claramente a competência profissional como um meio de santificação

pessoal:

«os fiéis leigos deverão executar o seu trabalho com competência profissional, com

honestidade humana, espírito cristão, como meio da própria santificação (…)

oferecendo a Deus o seu trabalho, o homem e a mulher associam-se à obra redentora

de Cristo, o qual conferiu ao trabalho uma dignidade sublime, trabalhando com as suas

próprias mãos em Nazaré» (ChL 43)

Concluo esta reflexão com uma admirável afirmação do último número da Gaudium et Spes e

que não resisti a integrar aqui:

«Os cristãos nada podem desejar mais ardentemente do que servir sempre com maior

generosidade e eficácia os homens [as pessoas] do mundo de hoje (…) unidos a quantos

amam e promovem a justiça, têm a realizar aqui na terra uma obra imensa, (…) a

vontade do Pai é que reconheçamos e amemos efetivamente em todos os homens a

Cristo, por palavras e por obras, dando assim testemunho da verdade e comunicando

aos outros o mistério do amor do Pai celeste» (GS 93)

Se qualquer local de trabalho é um meio privilegiado de santificação dos leigos, muito mais o

são as Instituições Sociais da Igreja! Unir-se a todos quantos promovem a justiça,

independentemente de serem crentes ou não; reconhecer e amar a Cristo em todas as

pessoas; amar por palavras e por obras para comunicar o Amor do Pai. Desta missão de amor

pedir-nos-á contas o Senhor. «O que fizestes a um destes mais pequeninos, a Mim mesmo o

fizestes» (Mt 25, 40), disse Jesus. A DSI ajudar-nos-á a traçar este caminho.

3. Os Centros Sociais à luz dos Princípios e valores da Doutrina Social da Igreja

A DSI enquanto corpo doutrinal do magistério dos Papas, atualiza continuamente - à luz do

Evangelho - a reflexão da Igreja sobre a realidade social. Partindo da análise da realidade este

corpo doutrinal assenta numa tríplice atitude: a denúncia da raiz dos problemas; a erradicação

das suas causas, e a preocupação pelo socorro imediato aos mais pobres. A DSI apresenta-se,

assim, como um dos marcos doutrinais mais importantes para qualquer cristão que se queira

comprometer, voluntária ou profissionalmente, na ação social, assim como para as Instituições

Sociais da mesma Igreja.

3.1. Princípios da DSI e Centros Sociais

Centro Social Paroquial do Entroncamento | Encontro de formação de Colaboradores | 01.09.2014 Identidade cristã dos Centros Sociais no seu agir quotidiano - Ir Isabel Martins, snsf

7

Seguindo a nomenclatura apresentada pelo Compêndio da Doutrina Social da Igreja (CDSI), a

DSI estrutura-se em 6 «princípios de reflexão, [entendidos como] normas para julgar e

diretrizes para a ação» (Silva, 2002: 101): Dignidade da Pessoa Humana, Bem Comum, Destino

Universal dos Bens, Subsidiariedade, Participação e Solidariedade. Veremos cada um deles,

dando particular relevo ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana; dele derivam todos os

outros.

3.1.1. Guardiães da Dignidade da Pessoa Humana

Recentemente declarava-me uma jovem estagiária de Educação de Infância «Nas Instituições

com valores cristãos as pessoas são mais tratadas como pessoas». E o Papa Francisco: «Graças

à fé, compreendemos a dignidade única de cada pessoa» (LF 54).

Cada pessoa que entra num CS em cada dia, seja utente, familiar, beneficiário/a de algum

serviço, colaborador/a, voluntário/a ou dirigente é imagem de Deus: «Tecido de húmus, de

humildade, modelado e embalado pelas mãos maternais de Deus. Acariciado, mimado,

animado, pelo sopro puro de Deus.» (Couto, 2010: 3)

Eis o primeiro grande desafio quotidiano para uma Instituição Social da Igreja: ver em cada ser

humano a imagem de Deus, independentemente da sua idade, situação social, estado de

saúde, convicções religiosas, características pessoais, comportamento, etc.

A consciência da dignidade intrínseca de cada pessoa conduz naturalmente à convicção de que

ela não vale por aquilo que «tem» — mesmo que possuísse o mundo inteiro — mas por aquilo

que «é». O maior bem do mundo é cada pessoa, proclamou João Paulo II (cf. ChL 37). À

partida, este é um princípio que poderíamos afirmar ser aceite universalmente, mas que

parece esconder-se, quando estamos diante da deficiência, de uma criança negligenciada física

ou psicologicamente.

O impacto mediático que teve o abraço que o Papa Francisco e Dominic Gonderau se deram

mutuamente tornou-se uma proclamação da dignidade e do valor de toda e qualquer da

pessoa humana. O pai do menino, professor de teologia e pai de mais quatro filhos escrevia

posteriormente:

«Sim, eu dou muito ao meu filho Dominic. Mas ele dá-me mais, muito mais. Eu ajudo-o a

pôr-se de pé e a andar, mas ele ensina-me a amar. Eu dou-lhe de comer, mas ele ensina-

me a amar. Eu levo-o à fisioterapia, mas ele ensina-me a amar. Eu tiro-o e ponho-o na

cadeira de rodas e empurro-o para todo o lado, mas ele ensina-me a amar. Dou-lhe o

meu tempo, tanto tempo, mas ele ensina-me a amar». (Renascença, 02-04-2013)

Quantos utentes chegam às nossas Instituições com a sua dignidade esbatida, por vezes quase

apagada! Quantas das suas famílias não têm capacidade económica ou competências pessoais

para a reabilitar!

Olhar cada ser humano na sua individualidade, a tratá-lo como pessoa e não como um objeto,

traz consigo o enorme desafio quotidiano da humanização dos serviços dos CS, desde o

Centro Social Paroquial do Entroncamento | Encontro de formação de Colaboradores | 01.09.2014 Identidade cristã dos Centros Sociais no seu agir quotidiano - Ir Isabel Martins, snsf

8

atendimento inicial, ao planeamento efetuado para responder às necessidades da pessoa no

contexto concreto em que vive, ao acompanhamento personalizado a cada família, etc.

Uma outra exigência que decorre da dignidade pessoal de cada ser humano: «recusa de todas

as mais variadas formas de discriminação» (ChL 37). O cuidado em atender a todos os utentes

e beneficiários de serviços com critérios e formas de proceder semelhantes, por um lado, ou a

ajuda na promoção social dos mais desfavorecidos, por outro, são formas de os CS

participarem ativamente no combate à discriminação social.

Tratar cada criança como pessoa toma particular visibilidade no acompanhamento das

vicissitudes e disfuncionalidades familiares que desembocam muitas vezes em situações de

divórcio ou de negligência face à criança ou até mesmo de abuso. Dada a sua etapa de

desenvolvimento, é fundamental que as crianças sejam protegidas de todas estas vivências. A

intervenção a partir dos CS, através da sensibilidade e profissionalismo dos seus quadros

técnicos - Educadoras de Infância, Psicólogas, Animadoras ou Assistentes Sociais - mostra-se

um caminho de fidelidade à missão destas Instituições. Todas as crianças devem ser alvo desta

solicitude, de modo especial as que forem mais pequenas, tiverem maior necessidade, forem

doentes ou portadoras de deficiência (cf. CDSI 244).

O mesmo se poderia dizer do enquadramento e acompanhamento dos idosos, mas que não

desenvolvo pelo facto de esta Instituição ter apenas Respostas Sociais para a infância.

Uma outra forma que um CS pode dispor para intervir socialmente como guardião da

dignidade da pessoa humana é a associação a movimentos de defesa da vida, seja de modo

ativo em ações, seja divulgando as campanhas que se vão realizando.

Todos os seres humanos têm direito inalienável à vida. «O titular desse direito é o ser humano,

em todas as fases do seu desenvolvimento, desde a conceção até à morte natural, e em todas

as suas condições, tanto de saúde como de doença, de perfeição ou de deficiência, de riqueza

ou de miséria.» (ChL 38). A denúncia de todos os atentados a este direito e a ajuda à pessoa

para que o respeite, seja em relação a si própria ou a outra, faz parte integrante do agir dos CS.

O contributo dos CS para o respeito do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana pode ainda

ser visto do ponto de vista dos colaboradores enquanto trabalhadores: dar trabalho ou

trabalhar com dignidade é por em prática este princípio da DSI.

Aludo a esta realidade tão importante nos dias de hoje muito brevemente. Na Encíclica

Laborem Exercens, após afirmar a dignidade do trabalho humano, o Papa João Paulo II refere:

«o trabalho é um bem do homem. (…) não só um bem « útil » ou de que se pode

usufruir, mas é um bem « digno », ou seja, que corresponde à dignidade do homem, um

bem que exprime esta dignidade e que a aumenta. (…) mediante o trabalho, o

homem não somente transforma a natureza, adaptando-a às suas próprias

necessidades, mas também se realiza a si mesmo como homem e até, num certo

sentido, «se torna mais homem». (LE 9)

Será que quando estamos no trabalho, com dias bons ou dias mais penosos e difíceis temos

presente de que o que fazemos no trabalho nos dá dignidade? Por isso também, para um

Centro Social Paroquial do Entroncamento | Encontro de formação de Colaboradores | 01.09.2014 Identidade cristã dos Centros Sociais no seu agir quotidiano - Ir Isabel Martins, snsf

9

cristão não é indiferente o modo como trabalha: é preciso que o seu trabalho seja

competente, bem feito, com empenho, com valor e com valores, que coloque nas suas tarefas

o melhor de si mesmo. Quando não o fazemos, quando facilitamos, quando negligenciamos

não estamos a ser cristãos no trabalho.

O Papa Francisco remata: «No trabalho livre, criativo, participativo e solidário, o ser humano

exprime e engrandece a dignidade da sua vida.» (EG 192)

3.1.2. Restantes Princípios

A atualização quotidiana do Princípio da Dignidade Humana levada a cabo pelos CS afetará

positivamente a vida social, de modo mais ou menos percetível. Esse impacto é enquadrado

pelos restantes princípios da DSI.

O Princípio do Bem Comum está para além da soma dos bens particulares de cada pessoa;

consiste naquilo que é o bem para todos e que, só juntos, é possível alcançar. As Instituições

Sociais da Igreja contribuem para o Bem Comum pela prestação de serviços essenciais à

pessoa humana, alguns dos quais são, ao mesmo tempo, direitos do homem: alimentação,

habitação, trabalho, educação, acesso à cultura, saúde, transportes, além do empenhamento

na luta contra a pobreza.

O Princípio do Destino Universal dos Bens encontra-se enunciado na Constituição Pastoral

Gaudium et Spes:

«Deus destinou a terra e tudo o que ela contém para uso de todos os homens e de todos

os povos, de sorte que os bens criados devem chegar equitativamente às mãos de

todos, segundo a regra da justiça, inseparável da caridade» (GS 69).

Ele é concretizado pelos CS, por exemplo, através da sua atividade de redistribuição de bens,

tanto alimentares como outros (lojas sociais, por exemplo). Contudo o facto de redistribuir

géneros às pessoas mais carenciadas não é suficiente para que esta atividade possa ser

considerada como estando enquadrada no espírito da DSI. Um dos contributos mais

importantes dos CS à comunidade cristã é motivá-la precisamente para a partilha de bens,

como animava S. Paulo a que os coríntios procedessem:

«Dado que tendes tudo em abundância - fé, dom da palavra, ciência, toda a espécie de

zelo e amor que em vós despertámos - cuidai também de sobressair nesta obra de

caridade. Conheceis bem a bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, se fez

pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza. É um conselho que vos dou a

este respeito: isto é o que vos convém. Porque, quando existe boa vontade, ela é bem

aceite em atenção ao que se tiver, e não ao que se não tem. Não se trata de, ao aliviar

os outros, vos fazer entrar em apuros, mas sim de que haja igualdade. No momento

presente, o que vos sobra a vós supera a indigência dos outros, para que um dia o

supérfluo deles compense a vossa indigência. Assim haverá igualdade, como está

escrito: Quem muito recolheu, não teve de mais e a quem recolheu pouco, nada faltou.»

(2Cor 8, 7. 9-10. 12-15)

Centro Social Paroquial do Entroncamento | Encontro de formação de Colaboradores | 01.09.2014 Identidade cristã dos Centros Sociais no seu agir quotidiano - Ir Isabel Martins, snsf

10

Curiosamente, um dos motivos apontados pelos autores para o afastamento entre a

comunidade cristã e os CS é o da institucionalização da caridade. Contudo, nos alvores destas

obras sociais, a atitude da comunidade cristã era precisamente a contrária. As nossas

Instituições não são mais que uma forma organizada de partilha. Quando surgiram era visível:

o Centro redistribuía os bens que os cristãos traziam. No verão passado, estando eu a gozar

uns dias de repouso, no final da Eucaristia dominical em que participei o aviso do Sr Prior foi o

seguinte: «Do Centro Social dizem que faz falta batatas, cenouras e alface. Tomate não é

preciso». Distribuição de bens! Ajudar as comunidades eclesiais a reencontrar este sentido da

partilha é também vocação dos CS e é concretização do princípio do Destino Universal dos

Bens.

A Subsidiariedade é um Princípio muito importante para a DSI na sua reflexão. «Defende que

aquilo que cada nível ou escalão da sociedade, a começar nas pessoas passando pelos grupos

intermédios e terminando no Estado, pode realizar não deve ser feito pelo escalão superior»

(Silva, 2002: 118). Os CS realizam este Princípio na medida em que são organizações

intermédias da sociedade (situadas entre as Instituições estatais e a população carenciada),

contribuindo, a seu nível para a construção social: colaboram na redistribuição de dinheiros

públicos, prestando serviços a todas as pessoas de forma indiscriminada (cf. Fonseca 2011).

Cooperam, assim, com o Estado «na promoção dos direitos sociais, na erradicação das

manifestações de pobreza e na promoção da inclusão social» (Maia, 2010: 3).

Estas são, simultaneamente, concretizações do Princípio da Participação Social que se exprime

«essencialmente numa série de atividades mediante as quais o cidadão, como indivíduo ou

associado com outros, diretamente ou por meio de representantes, contribui para a vida

cultural, económica, política e social da comunidade civil a que pertence» (CDSI 189). Importa

sobretudo promover a participação dos menos favorecidos da sociedade.

Finalmente, o Princípio da Solidariedade, que é, antes de mais, uma virtude humana na qual se

reveem todas as correntes de pensamento sobre o ser humano e a sociedade. A luz da fé traz à

solidariedade cristã a marca da «gratuidade total, do perdão e da reconciliação» (CDSI 196),

tornando-a incompatível com o individualismo. «Gratuidade total» não significa, contudo, tudo

aceitar ou permitir. O Senhor Jesus recomendou aos seus discípulos que sejam «prudentes

como as serpentes e simples como as pombas» (Mt 10, 16). Promover a dignidade da pessoa e

a solidariedade autenticamente cristã pode significar, por vezes, a recusa de determinadas

ações, mesmo que pareçam convenientes ou boas, ou o exigir a assunção de responsabilidades

por atos menos corretos.

3.2. Valores da vida social

Além dos Princípios que devem presidir à construção da vida social, a DSI indica também

quatro valores fundamentais nessa mesma edificação: verdade, liberdade, justiça e caridade. A

última é o corolário de todas as virtudes e deve ser considerada «no seu autêntico valor de

critério supremo e universal de toda a ética social» (CDSI 204)

Centro Social Paroquial do Entroncamento | Encontro de formação de Colaboradores | 01.09.2014 Identidade cristã dos Centros Sociais no seu agir quotidiano - Ir Isabel Martins, snsf

11

A prática destes valores - estreitamente ligados entre si - apresenta-se como a via segura e

necessária para alcançar um aperfeiçoamento pessoal e uma convivência social mais humana

constituindo uma referência imprescindível para a vida cristã em sociedade (cf CDSI 197).

No que diz respeito ao valor da verdade, é pertinente o dever de denúncia ou pelo menos de

não colaboração com as situações sociais de pecado que forem identificadas pelas pessoas

com responsabilidades de gestão dentro dos CS (cf. CDSI 81), regendo a atuação institucional e

pessoal de acordo com a verdade sobre a pessoa humana e as relações sociais trazida por

Cristo. Tal atuação toma, assim, uma via coerente com a identidade cristã dos CS. Como é

importante o testemunho da verdade pelas Instituições Sociais da Igreja nestes tempos que

correm marcados por falta de transparência! A gestão responsável, eficaz e transparente dos

dinheiros e de todos os recursos é um dos maiores serviços que as nossas Instituições podem

prestar a Portugal neste momento… Sermos iguais e verdadeiros para todos quantos nos

procuram é outro grande serviço que a sociedade atual precisa.

Como expressão de liberdade - enquanto capacidade de decidir, de se autodefinir e

autodeterminar – encontramos a independência que se requer aos CS face à sociedade,

enquanto pessoa coletiva cristã ao serviço da mesma sociedade:

«A atividade caritativa cristã deve ser independente de partidos e ideologias. Não é um

meio para mudar o mundo de maneira ideológica, nem está ao serviço de estratégias

mundanas, mas é atualização aqui e agora daquele amor de que o homem sempre tem

necessidade.» (DCE 31b)

Na afirmação da identidade cristã, a liberdade de servir e se dar aos que verdadeiramente

necessitam e pelas vias mais próximas do Evangelho é um espaço fundamental a garantir no

atuar institucional dos CS. Identifica-se, assim, o desafio, sobretudo aos dirigentes das

Instituições, de serem capazes de uma leitura crente da vida do CS e da comunidade humana

em que se insere, de modo a discernir quais os campos ou os destinatários caídos à beira do

caminho, em cada tempo, a quem o Senhor convida a cuidar (cf. Lc 10, 29-37), numa postura

de liberdade frente aos critérios sociais.

A justiça, entendida como «a constante e firme vontade de dar a Deus e ao próximo o que lhes

é devido» (CDSI 201), «virtude para a qual todos devem ser educados e como força moral que

apoia o empenho em favorecer os direitos e os deveres de todos e de cada um, na base da

dignidade pessoal do ser humano» (Silva, 2002: 114) encontra pleno espaço de concretização

nas nossas Instituições. Muito já dissemos acerca do esforço quotidiano para garantir o

respeito pela Dignidade de cada pessoa, para que cada uma receba o que precisa, o que nem

sempre corresponde àquilo que ela exige ou considera que precisa. Sublinharia ainda a

necessidade de formar as pessoas – sem exceção de idades ou condição social – que não há

direitos sem deveres que se assumem e cumprem.

O valor da caridade, que o Papa Bento XVI procurou revitalizar, associando-a aos valores da

verdade e da justiça e que o Papa Francisco tem multiplicado em gestos e palavras bem

concretos e elucidativos, tem um lugar central e estruturante na DSI.

Centro Social Paroquial do Entroncamento | Encontro de formação de Colaboradores | 01.09.2014 Identidade cristã dos Centros Sociais no seu agir quotidiano - Ir Isabel Martins, snsf

12

Os CS exercem a caridade cristã de modo institucional. São vocacionados para socorrer «o

homem caído na estrada» providenciando cura e estalagem (cf. Lc 10, 29-37). Não nos é dito

se o samaritano da parábola acompanhou aquele homem até ao juiz para fazer queixa dos

assaltantes, ou se partilhou com ele alguns bens para que pudesse fazer face ao que lhe fora

roubado. São assuntos que o Senhor deixou em aberto. Cada cristão e cada Instituição resolver

de acordo com a sua consciência, possibilidades e generosidade o modo de escutar e

responder ao clamor dos pobres (cf EG 187).

A caridade não se concretiza na vida e missão dos CS apenas no âmbito do atendimento

imediato às necessidades básicas da pessoa. Ela deve informar também a sua ação educativa.

Envolvida no amor, a educação será mais eficaz na formação da pessoa, conforme esclarecia D.

Tomaz Nunes:

«A caridade humaniza a justiça. De modo semelhante, a pedagogia sem a caridade

perde o lastro e mecaniza-se. (…) que a escola proporcione aos educandos uma

experiência de sentido para a vida e de interiorização de valores fundamentais, que os

preparem para enfrentar o futuro com responsabilidade, criatividade e esperança. Isto

implica, dos educadores, formação, humildade, atenção à individualidade de cada

educando e sentido de procura. Verdadeiramente, a caridade é a alma da pedagogia.»

(Nunes, 2010: 13)

O valor da caridade abrange todos os aspetos da vocação, vida e missão dos CS; sem a

referência a ele, a ação das Instituições Sociais da Igreja corre o risco de se esvaziar ou ser

mero cumprimento de normas: «“Ainda que distribua todos os meus bens em esmolas e

entregue o meu corpo a fim de ser queimado, se não tiver caridade, de nada me aproveita“

(1Cr 13, 3). Este hino deve ser a Magna Carta de todo o serviço eclesial» (DCE 34)

Conclusão

Diz-nos Jesus que «O Reino do Céu é semelhante a um tesouro escondido num campo, que um

homem encontra. Volta a escondê-lo e, cheio de alegria, vai, vende tudo o que possui e

compra o campo.» (Mt 13, 44) O nosso campo tem um tesouro! Nascemos do coração de Deus

e Ele quer continuar a abraçar e consolar o mundo através de nós. Já encontrámos este

tesouro? É preciso estimular a inovação pedagógica, ultrapassar medos, valorizar o que somos,

acreditar no tesouro que transportamos.

Somos Instituições com vocação para responder às necessidades das pessoas, mas que muitas

vezes ficamos ancoradas nas respostas tipificadas da Segurança Social e com pouca capacidade

de inovação. Deixemo-nos seduzir e inspirar pelo Evangelho, que o Espírito nos impulsione,

para que «brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras,

glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu.» (Mt 5, 10).

Centro Social Paroquial do Entroncamento | Encontro de formação de Colaboradores | 01.09.2014 Identidade cristã dos Centros Sociais no seu agir quotidiano - Ir Isabel Martins, snsf

13

Tempo de diálogo em grande grupo

Reflexão / trabalhos em grupo

Oito grupos: quatro trabalham a questão sobre a identidade e quatro sobre o Centro Como

espaço de santificação. Cada grupo trabalha um valor diferente.

1. Em grupo contar a história da origem do Centro Social Paroquial do Entroncamento.

2. Como se manifesta a fé nesses acontecimentos? E a consciência da responsabilidade social

desses cristãos e cristãs?

3. Que desafios nos levanta atualmente a identidade do Centro?

4. Como se vive ou poderá viver no dia a dia, no Centro, o valor de

solidariedade, verdade, caridade, espírito de equipa

1. Escutávamos S. Paulo afirmar: «Eu vos exorto, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que

ofereçais os vossos corpos como sacrifício vivo, santo, agradável a Deus. Seja este o vosso

verdadeiro culto, o espiritual» (Rm 12, 1). Como interpretar esta palavra? Que sentido tem no

contexto de um encontro de formação dos colaboradores do Centro Social Paroquial do

Entroncamento?

2. «A competência profissional é meio de santificação pessoal» (ChL 43). Que pensam desta

afirmação? Pode ser concretizada no dia a dia laboral? Se sim, como?

3. Que desafios nos levanta a consciência de que o nosso local de trabalho é meio de

santificação pessoal e da sociedade?

4. Como se vive ou poderá viver no dia a dia, no Centro, o valor de

amor ao próximo, respeito, justiça, igualdade de oportunidades

Bibliografia

AZEVEDO, D. Carlos Moreira – Saudação de D. Carlos Azevedo ao Papa Bento XVI, Encontro

Organizações Sociais in AGÊNCIA ECCLESIA – Bento XVI em Portugal, Documentos, 11 a 14 de

maio de 2010, p. 42 [em linha] [consut a 29 de junho de 2012] Disponível em URL:

http://www.agencia.ecclesia.pt/dlds/bo/bentoxvi_portugal_documentos.pdf

BENTO XVI – Deus é Amor, Carta Encíclica, Coleção Voz da Igreja, nº 17, Prior Velho: Paulinas,

2006

BENTO XVI – Encontro Organizações da Pastoral Social da Igreja in AGÊNCIA ECCLESIA – Bento

XVI em Portugal, Documentos, 11 a 14 de maio de 2010, p. 44-45 [em linha] [consut a 29 de

Centro Social Paroquial do Entroncamento | Encontro de formação de Colaboradores | 01.09.2014 Identidade cristã dos Centros Sociais no seu agir quotidiano - Ir Isabel Martins, snsf

14

junho de 2012] Disponível em URL:

http://www.agencia.ecclesia.pt/dlds/bo/bentoxvi_portugal_documentos.pdf

BIBLIA SAGRADA, Para o Terceiro Milénio da Encarnação, Lisboa/Fátima: Difusora Bíblica, 2000

CONCÍLIO EUCMÉNICO VATICANO II - Constituição Dogmática, Lumen Gentium, A Igreja, in

Concílio Ecuménico Vaticano II, Constituições – Decretos – Declarações e Documentos

Pontifícios, 8ª edição, Braga: Editorial A.O., 1979

CONCÍLIO EUCMÉNICO VATICANO II - Constituição Pastoral, Gaudium et Spes, A Igreja no

Mundo atual, in Concílio Ecuménico Vaticano II, Constituições – Decretos – Declarações e

Documentos Pontifícios, 8ª edição, Braga: Editorial A.O., 1979

CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA – «Como Eu vos fiz, fazei vós também», Para um rosto

missionário da Igreja em Portugal, Carta Pastoral dos Bispos de Portugal, 2010, [em linha]

[consut a 2 de julho de 2012] Disponível em URL: http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-

bin/noticia.pl?id=80195

CONSELHO PONTIFÍCIO «JUSTIÇA E PAZ» - Compêndio da Doutrina Social da Igreja, Cascais:

Principia, 2005

COUTO, D. António – Dar-se de verdade. Entre a gratuidade e a eficácia, in COMISSÃO

NACIONAL JUSTIÇA E PAZ – XXVI Semana da Pastoral Social intervenções, Fátima de 14 a 16 de

setembro de 2010 – Dar-se de verdade, Para um desenvolvimento solidário, [em linha] [consut

a 30 de junho de 2012] Disponível em URL:

http://www.portal.ecclesia.pt/instituicao/ktml2/files/64/XXVI-

D.%20Ant%C3%B3nio%20Couto%20VF.pdf

FRANCISCO, Papa – Luz da Fé, Carta Encíclica Lumen Fidei, Prior Velho: Paulinas, Julho 2013

FRANCISCO, Papa – A Alegria do Evangelho, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, Prior

Velho: Paulinas, novembro 2013

FONSECA, Eugénio José da Cruz - A Ação Caritativa da Igreja, Elementos de reflexão teológica e

pastoral a partir do contexto português, Coleção Ensaios 22, Prior Velho: Paulinas, março 2011

JOÃO PAULO II – Vocação e Missão dos Leigos na Igreja e no Mundo, Exortação Apostólica Pós-

Sinodal, 3ª edição, Coleção «Documentos Pontifícios» nº 34, Braga: Editorial A.O., 1989

JOÃO PAULO II – O trabalho humano, Carta Encíclica Laborem Exercens, [em linha] [consut a 31

de agosto de 2014] Disponível em URL:

http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/encyclicals/documents/hf_jp-

ii_enc_14091981_laborem-exercens_po.html

MAIA, P. Lino – Desafios da Caritas in Veritate aos Centros Sociais Paroquiais, in COMISSÃO

NACIONAL JUSTIÇA E PAZ – XXVI Semana da Pastoral Social intervenções, Fátima de 14 a 16 de

setembro de 2010 – Dar-se de verdade, Para um desenvolvimento solidário, [em linha] [consut

a 29 de junho de 2012] Disponível em URL:

http://www.portal.ecclesia.pt/instituicao/ktml2/files/64/XXVI-P.%20Lino%20Maia%20VF.pdf

Centro Social Paroquial do Entroncamento | Encontro de formação de Colaboradores | 01.09.2014 Identidade cristã dos Centros Sociais no seu agir quotidiano - Ir Isabel Martins, snsf

15

MARTINS, Isabel, snsf – Identidade Cristã e Projeto Educativo das Instituições Sociais da Igreja,

Pistas para Centros Sociais Paroquiais, Moscavide: Fundação Secretariado Nacional da

Educação Cristã, Julho 2013

NUNES, D. Tomaz da Silva – A Caridade é a alma da pedagogia, in Pastoral Catequética, Revista

de Catequese e Educação, nº 16, Janeiro-Abril 2010, Moscavide: Secretariado Nacional da

Educação Cristã, pp. 11-14

ORTIGA, D. Jorge - A Igreja como amor, in COMISSÃO NACIONAL JUSTIÇA E PAZ – XXVI Semana

da Pastoral Social intervenções, Fátima de 14 a 16 de setembro de 2010 – Dar-se de verdade,

Para um desenvolvimento solidário, [em linha] [consut a 29 de junho de 2012] Disponível em

URL: http://www.portal.ecclesia.pt/instituicao/ktml2/files/64/XXVI-

D.%20Jorge%20Ortiga%20VF.pdf

Renascença, Rádio - Pais de criança deficiente que Papa abraçou falam em testemunho de

amor, 02 de abril de 2013, [em linha] [consut a 31 de agosto de 2014] Disponível em URL:

http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=29&did=102425

SILVA, José Dias – Viver o Evangelho servindo a Pessoa e a Sociedade, Iniciação à Doutrina

Social da Igreja, Coimbra: Gráfica de Coimbra, 2002