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- 1 - Comum Singular nº 162/04.8GEGMR 1º Juízo Criminal – Trib. Judicial de Guimarães *** I. RELATÓRIO. Para julgamento em processo comum, com intervenção de tribunal singular, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos: - CONSTANTINO MANUEL DA SILVA LOPES, casado, metalúrgico, filho de Joaquim Lopes Monteiro e de Maria Celeste da Silva Ribeiro, nascido a 7 de Abril de 1970, na freguesia de S. João, concelho de Vizela, residente na Rua 5 de Outubro, nº 27 – 2º Dto., em S. Miguel, Vizela; e, - PAULO JORGE DA SILVA LOPES, casado, técnico oficial de contas, filho de Joaquim Lopes Monteiro e de Maria Celeste da Silva Ribeiro, nascido a 22 de Agosto de 1968, na freguesia de S. João, concelho de Vizela, residente na Rua Elisa Torres Soares, nº 861, em S. João, Vizela, imputando-lhes a co-autoria de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal. *** Salvador de Jesus de Oliveira Ribeiro, divorciado, comerciante, residente no Lugar de Teixugueiras, da freguesia de S. Miguel, concelho de Vizela, assistente nestes autos, veio também deduzir acusação particular contra

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- 1 -

Comum Singular nº 162/04.8GEGMR

1º Juízo Criminal – Trib. Judicial de Guimarães

***

I. RELATÓRIO.

Para julgamento em processo comum, com intervenção de tribunal

singular, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos:

- CONSTANTINO MANUEL DA SILVA LOPES, casado, metalúrgico, filho

de Joaquim Lopes Monteiro e de Maria Celeste da Silva Ribeiro,

nascido a 7 de Abril de 1970, na freguesia de S. João, concelho de

Vizela, residente na Rua 5 de Outubro, nº 27 – 2º Dto., em S. Miguel,

Vizela; e,

- PAULO JORGE DA SILVA LOPES, casado, técnico oficial de contas, filho

de Joaquim Lopes Monteiro e de Maria Celeste da Silva Ribeiro,

nascido a 22 de Agosto de 1968, na freguesia de S. João, concelho de

Vizela, residente na Rua Elisa Torres Soares, nº 861, em S. João,

Vizela,

imputando-lhes a co-autoria de um crime de ofensa à integridade física

simples, previsto e punível pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal.

***

Salvador de Jesus de Oliveira Ribeiro, divorciado, comerciante,

residente no Lugar de Teixugueiras, da freguesia de S. Miguel, concelho de

Vizela, assistente nestes autos, veio também deduzir acusação particular contra

- 2 -

aqueles arguidos, imputando-lhes a autoria de factos passíveis de integrarem a

comissão de um crime de injúria, previsto e punível pelo artigo 181º, nº 1 do

Código Penal.

*

Formulou ainda o assistente pedido cível contra os arguidos,

pretendendo que estes sejam solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia

global de € 10.535,64, acrescida de juros moratórios, a título de indemnização e

compensação pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que alega ter sofrido

em consequência das condutas àqueles imputadas.

***

Regularmente notificados apresentaram os arguidos contestação,

negando terem praticado os factos que lhes são imputados nas acusações

pública e particular.

Contestaram também os pedidos cíveis, alegando, além do mais, que os

danos patrimoniais alegados pelo demandante, além de exagerados, foram

provocados por ele próprio, pois que foi ele quem empurrou o arguido

Constantino de encontro à prateleira onde os objectos em causa estavam

colocados, fazendo com que os mesmos caíssem ao chão.

Pugnam os arguidos, assim, pela improcedência das acusações e dos

pedidos cíveis contra eles deduzidos.

***

Realizou-se audiência de julgamento com integral observância do legal

formalismo.

***

- 3 -

Questão prévia.

Na contestação que apresentaram fazem notar os arguidos que o

ofendido apresentou queixa-crime no dia 22 de Maio de 2004, tendo sido nessa

data notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 68º, nº 2 e 246º, nº 4 do

Código de Processo Penal, mas que, no entanto, em desrespeito desses

normativos, somente no dia 21 de Junho do mesmo ano aquele requereu pelo

seu mandatário a sua constituição como assistente.

Muito embora os arguidos não invoquem quais as consequências

processuais que pretendem ver extraída dessa alegação, cumpre aqui apreciar

quais serão.

E, a nosso ver, pelas razões que passam a expor-se, no momento

processual em que nos encontramos, serão nenhumas.

É certo que na queixa que apresentou no dia 22 de Maio de 2004 no

Posto da G.N.R. de Vizela o ofendido denunciou, além de outros, factos

passíveis de integrarem um crime particular, mais concretamente um crime de

injúria (cfr. os artigos 181º, nº 1 e 188º, nº 1 do Código Penal). Certo é também

que nessa ocasião, como se extrai de fls. 3 verso, o denunciante foi notificado da

obrigatoriedade de se constituir assistente no prazo de 8 dias, em

conformidade com o disposto nos artigos 68º, nº 2 e 246º, nº 4 do Código de

Processo Penal. E resulta também dos autos que somente no dia 21 de Junho de

2004 o ofendido, através do mandatário que então constituiu, veio requerer a

sua intervenção nestes autos como assistente (cfr. fls. 13).

Preceitua o nº 2 do artigo 68º do Código de Processo Penal, na redacção

que foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, que “tratando-

se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento [de

constituição como assistente] tem lugar no prazo de oito dias a contar da declaração

referida no artigo 246º, nº 4”. Por sua vez, este último normativo dispõe nos

- 4 -

seguintes termos: “O denunciante pode declarar, na denúncia, que deseja constituir-

se assistente. Tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a

declaração é obrigatória, devendo, neste caso, a autoridade judiciária ou o órgão de

polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertir o denunciante da

obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar”.

A introdução destes dispositivos na sequência da reforma operada pelo

citado Decreto-Lei nº 59/98, de 25 de Agosto tem um objectivo que facilmente

se intui: o de obstar que a sejam iniciadas e prosseguidas investigações e

procedimentos criminais quando estes dependam do necessário impulso

processual do ofendido, que, poderia, mais tarde, não vir a verificar-se, com o

consequente desperdício de tempo e de meios.

Assim, para os crimes dependentes de acusação particular,

relativamente aos quais a legitimidade do Ministério Público para a promoção

da acção penal está dependente da queixa dos ofendidos e também da

circunstância de estes se constituírem assistentes e, mais tarde, deduzirem

acusação particular (cfr. artigos 48º e 50º do Código de Processo Penal), o

legislador previu a obrigatoriedade de os denunciantes de tais factos

obrigatoriamente deverem na denúncia declarar que pretendem intervir nos

autos como assistentes, assim como o ónus processual de, num curto prazo, de

oito dias, implementarem no processo a aquisição desse estatuto processual.

É certo que a inobservância destes deveres algumas consequências

deverá provocar – tanto mais que os prazos processuais são em regra

peremptórios, o que significa que, uma vez esgotados, se extingue o direito de

praticar o acto que deveria ter tido lugar no lapso temporal fixado na lei (cfr. o

artigo 145º, nºs 1 a 3 do Código de Processo Civil).

Mas, tratando-se aqui de um prazo processual – como resulta evidente, dado

estar previsto num compêndio de lei adjectiva -, a inobservância do mesmo, cremos,

somente poderá ter também consequências de ordem processual.

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Isto é, a inobservância do prazo a que alude o artigo 68º, nº 2 do Código

de Processo Penal terá como consequência o Ministério Público não promover

o andamento do processo quando estejam apenas em causa crimes particulares

e, chegado o momento próprio, arquivar o inquérito por carecer de

legitimidade para exercer a acção penal.

Todavia, aquele prazo processual em nada contende com a norma de

cariz substantivo prevista no artigo 115º, nº 1 do Código Penal, onde se fixa o

prazo de seis meses para o exercício do direito de queixa, sob pena de tal

direito caducar e se extinguir. Como parece manifesto, esta norma de cariz

material não pode ser anulada ou postergada pela norma meramente

instrumental do nº 2 do artigo 68º do Código de Processo Penal. O que vale por

dizer, aliás na sequência de vasta jurisprudência dos nossos tribunais

superiores, que mesmo nos crimes particulares o ofendido poderá sempre

renovar a queixa, ultrapassado aquele prazo de oito dias, desde que o faça

dentro do prazo de seis meses a que se refere o artigo 115º, nº 1 do Código

Penal, começando então a correr um novo prazo de 8 dias a contar da nova

queixa – nesse sentido o Ac. da Rel. do Porto de 25/10/2002, na CJ, tomo IV, pág. 236 e o Ac.

da Rel. de Coimbra de 29/1/2003, na CJ, tomo I, pág. 44.

Em suma e permitindo-nos transcrever aqui uma passagem do Ac. da

Rel. do Porto de 19/5/2004, acessível e www.dgsi.pt: “Nos casos em que, como o

presente, há outros crimes para além do particular, se o queixoso não requerer a sua

constituição como assistente no prazo do artigo 68º, nº 2 e devendo o inquérito

prosseguir pelos outros crimes, o Ministério Público deve restringir a investigação a

estes. E, se o queixoso não pedir a sua constituição como assistente até final do

inquérito, o Ministério Público deve nessa altura proferir despacho de arquivamento

quanto ao crime particular. Mas, se, com o inquérito em curso, o queixoso vem pedir a

sua constituição como assistente relativamente ao crime particular, deve entender-se

que está em tempo, a menos que já esteja extinto o direito de queixa pelo decurso do

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prazo do artigo 115º, nº 1. Na verdade, se o ofendido sempre estava em tempo de

apresentar nova queixa, assim iniciando novo inquérito, não existe nenhuma razão para

não lhe ser permitido exercer no inquérito que já está a decorrer por outros crimes os

poderes que lhe seria facultado exercer em novo inquérito. Pelo contrário, há todas as

razões para que isso lhe seja permitido: economia processual, facilidades de prova, etc.”.

Face ao exposto, e uma vez que o denunciante Salvador de Jesus Ribeiro

requereu nos autos a sua constituição como assistente muito antes de se ter

esgotado o prazo previsto no artigo 115º, nº 1 do Código Penal, nenhuma

consequência processual tem a alegação feita pelos arguidos na contestação que

apresentaram, o que aqui se declara.

***

Mantêm-se inalterados os pressupostos de validade e regularidade da

instância, não havendo nulidades, irregularidades ou outras questões prévias a

conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

* *

*

II. FUNDAMENTAÇÃO.

A) DE FACTO.

Da discussão da causa e com relevo para a decisão a proferir, resultou

provado que:

i) No dia 22 de Maio de 2004, pelas 10:00 horas, os arguidos entraram no

estabelecimento comercial denominado “Bela Cosme”, sito na Rua

Fonseca e Castro, em S. João Vizela, que era na altura explorado pelo

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assistente Salvador de Jesus de Oliveira Ribeiro e pela então sua esposa

e irmã dos arguidos, de nome Maria Manuela da Silva Lopes.

ii) Encontrando-se nessa ocasião no referido estabelecimento o assistente,

este e os arguidos iniciaram uma discussão por causa de problemas

ocorridos entre aquele e a sua mulher, na sequência dos quais o

assistente havia agredido fisicamente a sua esposa.

iii) No seguimento dessa discussão, os arguidos e o assistente Salvador

Ribeiro envolveram-se em confronto físico, com agressões mútuas.

iv) No decurso desta luta, os arguidos, de comum acordo e em conjugação

de esforços, atingiram o Salvador de Jesus de Oliveira Ribeiro com

murros em várias partes do corpo, designadamente na face e na região

dorsal, provocando-lhe dores nas partes atingidas e também hematoma

na região dorsal esquerda, dores e lesão estas que foram causa directa e

necessária de um período de doença não apurado, mas não superior a

cinco dias, e sem incapacidade para o trabalho geral ou profissional.

v) A dada altura, no decurso da contenda, o arguido Constantino

desequilibrou-se e, para não cair ao solo, agarrou-se a uma estante

existente no aludido estabelecimento, fazendo-a balançar e levando a

que alguns produtos de cosmética e outros objectos que nela se

encontravam expostos caíssem ao chão.

vi) Ainda nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar, no decurso

da discussão que se gerou, o arguido Constantino, de viva e alta voz,

dirigiu-se ao assistente chamando-lhe “filho da puta” ao mesmo tempo

que lhe dizia para não se aproximar mais da sua irmã, sendo que, por

sua vez, também o assistente dirigiu aos arguidos a expressão

“cobardes”.

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vii) Os arguidos agiram de vontade livre, consciente e de forma concertada,

como propósito de molestarem o Salvador Ribeiro na sua integridade

física e de lhe provocarem as mencionadas dores e lesão corporal.

viii) Agiu ainda o arguido Constantino Manuel da Silva Lopes com o intuito

de ofender a honra e consideração social do assistente, o que conseguiu.

ix) Ambos os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e

punidas por lei.

*

Provou-se ainda que:

x) Em consequência dos factos acima descritos o assistente sentiu-se

envergonhado e humilhado, até porque tais factos foram praticados

publicamente, no interior do aludido estabelecimento comercial, e

presenciados por pessoas que se encontravam num estabelecimento

próximo.

xi) Devido à agressão o assistente padeceu de dores e incómodos, não só no

momento dos factos, mas também durante o tempo que a lesão

demandou para curar.

xii) No dia dos factos o assistente recebeu tratamento médico.

*

Mais se provou que:

xiii) O arguido Constantino Manuel é casado.

xiv) Explora uma indústria de metalurgia, na qual trabalha ele e mais um

funcionário seu.

xv) Dessa actividade retira, a título de salário, a quantia mensal de € 490,00.

xvi) A sua esposa é professora, auferindo o vencimento mensal de € 1.250,00.

xvii) Tem a seu cargo um filho com três anos de idade.

xviii) Suporta uma prestação no valor mensal de € 400,00 para aquisição de

casa própria.

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xix) Possui o 7º ano de escolaridade como habilitações literárias.

xx) O arguido Paulo Jorge é casado.

xxi) Trabalha como contabilista por conta de outrem, auferindo o

vencimento mensal de € 654,00.

xxii) Juntamente com a sua esposa presta outros serviços de contabilidade,

retirando dessa actividade rendimentos não apurados.

xxiii) Tem um filho com 5 anos de idade a seu cargo.

xxiv) Paga de renda de casa a quantia mensal de € 175,00.

xxv) Possui o 12º ano de escolaridade como habilitações literárias.

xxvi) Os arguidos não têm antecedentes criminais e são reputados na zona

onde vivem como pessoas honestas e trabalhadoras.

*

Não se provaram, com relevo para a decisão, outros quaisquer factos

descritos nas acusações, nos pedidos cíveis ou na contestação e,

designadamente, que:

xxvii) Os arguidos atingiram o assistente na parte inferior do corpo com

pontapés.

xxviii) Com a sua conduta, provocaram os arguidos no assistente escoriação na

face dorsal da mão direita e no terço inferior do antebraço direito.

xxix) O Constantino atirou ao solo a aludida estante, bem como todos os

produtos cosméticos e objectos relacionados no documento de fls. 23 dos

autos.

xxx) Esses objectos ficaram danificados e impróprios para a venda ao

público, sofrendo assim o assistente um prejuízo de € 8.035,64.

xxxi) Os arguidos tenham dirigido ao assistente, por repetidas vezes, as

expressões “cabrão” e “cobarde” e o arguido Paulo Jorge tenha dirigido

àquele a expressão “filho da puta”.

- 10 -

***

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

No que respeita aos factos provados assentou a convicção do tribunal,

essencialmente, nos depoimentos prestados em audiência de julgamento pelas

testemunhas Fernando Óscar Ferreira e Carlos Alberto Coelho Alves. Com

efeito, de entre as pessoas ouvidas em julgamento, estas, na óptica do julgador,

foram as únicas que relataram o sucedido de forma absolutamente imparcial e

desapaixonada, tendo contado de modo coerente e circunstanciado aquilo a

que assistiram no dia e no local dos factos por se encontrarem num

estabelecimento sito a escassos metros daquele onde ocorreu a contenda.

Na verdade, quer as declarações dos arguidos – que negaram terem agredido

física ou verbalmente o assistente – quer as declarações prestadas por este último -

que confirmou toda a factualidade vertida na acusação pública e, em parte, aquela que se

encontra descrita na acusação particular - se mostraram, como é compreensível,

interessadas, tendo sido, em consequência, valoradas com as necessárias

reservas. Efectivamente, das declarações prestadas pelos dois arguidos e pelo

assistente apenas foi possível extrair, de forma inequívoca, porque nisso foram

concordantes, que no dia 22 de Maio de 2004, à hora e no local referidos na

acusação, e por razões que se prendiam com um anterior desentendimento

ocorrido entre o assistente e a sua esposa, que é irmã dos arguidos, sucedeu

uma altercação entre aqueles.

Todavia, certo é que por força dos depoimentos prestados pelas

aludidas testemunhas – que, como se disse, o foram de forma que se afigurou isenta e

desapaixonada e que, por isso, se mostraram perfeitamente credíveis – foi possível formar

sem margem para dúvidas a convicção de que os arguidos, actuando em

conjugação de esforços e vontades, se envolveram em confronto físico com o

assistente, após uma discussão verbal que precedeu as agressões.

- 11 -

Essas testemunhas, prestando depoimentos que, além do mais, se

mostraram também coerentes e concordantes entre si, referiram que estavam a

trabalhar num estabelecimento de cabeleireiro, situado a escassos metros do do

assistente e no mesmo edifício, quando ouviram ruídos de discussão provindos

da loja onde se situa o estabelecimento designado Bela Cosme. Afirmaram

também que de imediato se dirigiram para esse local e, quando aí chegaram, se

depararam com os arguidos, por um lado, e com o assistente, por outro,

envolvidos em confronto físico – mas precisamente, os arguidos agredindo o

assistente ao murro e este, por sua vez, procurando também atingir da mesma

forma os arguidos, tentando defender-se.

Além disso, afirmaram também estas testemunhas que na ocasião

ouviram da parte dos arguidos a expressão “filho da puta” e da parte do

assistente a expressão “cobardes”. Não ficou claro, no entanto, se ambos os

arguidos disseram aquela primeira expressão, ou se apenas um deles o fez, ou

quantas vezes essa expressão foi proferida. Daí que, nesta parte – ou seja, quanto à

matéria constante da acusação particular – se tenham considerado ainda as

declarações prestadas pelo próprio assistente, que foi peremptório em afirmar

que apenas o arguido Constantino lhe chamou o sobredito nome e que apenas

o fez uma única vez.

Em conjugação com os depoimentos das aludidas testemunha valorou-

se ainda, em certa medida – como infra melhor se clarificará -, o teor dos relatórios

de exame médico juntos a fls. 8 e seguintes e a fls. 62 e seguintes, assim como a

cópia do boletim de episódio de urgência incorporado a fls. 44 dos presentes

autos.

No que tange aos factos respeitantes à condição sócio-económica dos

arguidos valoraram-se as suas declarações e que os mesmos não têm qualquer

passado criminal é o que resulta do teor dos certificados do registo criminal

juntos ao processo.

- 12 -

Por sua vez, os factos não provados assim se tiveram dado que sobre os

mesmos não foi produzida prova bastante que permitisse qualificá-los de

forma diversa.

Efectivamente, quanto aos factos descritos sob os pontos xxvii) e xxix) as

declarações dos arguidos e do assistente foram em sentidos diametralmente

opostos, aqueles negando-os este confirmando-os. Desempataram – permita-se a

expressão – as testemunhas Fernando Óscar e Carlos Alberto, que esclareceram

não terem visto quaisquer pontapés, por parte de qualquer dos contendores, e

clarificaram ainda que a estante em referência não chegou a tombar no solo,

somente tendo balançado por acção do arguido Constantino, caindo então ao

chão alguns dos produtos que aí estavam expostos.

Já quanto às lesões referidas no ponto xxviii) não ficou também o

tribunal esclarecido sobre se as mesmas terão sido provocadas pela acção dos

arguidos sobre o assistente ou se, inversamente, tais lesões – e em particular a

escoriação na face dorsal da mão direita – teriam resultado da acção do assistente

sobre os arguidos (ou inclusivamente se tais lesões teriam a sua proveniência

no desaguisado que o assistente tinha tido dias antes com a sua ex-mulher e

com um amigo desta, no decurso do qual, como referiu aquele, deu um estalo

na sua esposa e três socos “bem dados”, com mão direita, no amigo após o ter

puxado para o exterior da viatura onde surpreendeu ambos).

Por sua vez, os factos descritos no ponto xxi) tiveram-se como não

provados porque o próprio assistente os infirmou em audiência.

Já quanto aos danos materiais que teriam sido provocados pelos

arguidos, mais concretamente pela acção directa do arguido Constantino,

cremos que também os mesmos não ficaram minimamente demonstrados. Com

efeito, apenas o assistente os confirmou, o que é manifestamente insuficiente.

Aliás, as declarações que o assistente prestou a esse propósito, assim como a

relação de objectos pretensamente destruídos que juntou a fls. 23, mostraram-

- 13 -

se, no mínimo, completamente inverosímeis. Para tanto bastará atentar no

próprio teor daquele documento e verificar a quantidade e diversidade de

produtos que teriam ficado estragados e impróprios para venda.

Além disso, as referidas testemunhas disseram ter constatado que de

facto alguns dos objectos expostos na estante em questão – a qual, segundo

esclareceu, com directa razão de ciência, a testemunha Fernando Óscar teria um metro de

largura e quatro prateleiras – caíram ao solo. Mas disseram também não se terem

apercebido que algum desses objectos tivesse ficado inutilizado, referindo,

ainda, nomeadamente, no que foram acompanhados pelos arguidos, que não

notaram que estivessem vidros partidos ou o conteúdo de qualquer

embalagem espalhados pelo chão.

Assim, por não se ter feito prova bastante sobre esse danos (sequer sobre

a existência do mesmos e não só sobre a sua extensão), sendo que a

demonstração dos mesmos competia ao demandante, de acordo com o disposto

no artigo 342, nº 1 do Cód. Civil, por imposição desse normativo e ainda do

preceituado no artigo 516º do Código de Processo Civil necessariamente tais

factos se tiveram como não provados.

***

B) DE DIREITO.

1. Responsabilidade criminal.

1.1. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL:

Vistos os factos, cumpre então aplicar o direito e, primeiramente, apurar

se a factualidade provada permite imputar aos arguidos a autoria dos crimes

por que vêm acusados.

- 14 -

Os arguidos Paulo Jorge da Silva Lopes e Constantino Manuel da Silva

Lopes encontram-se acusados da autoria de dois ilícitos penais: um crime de

ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143º, nº 1 do

Código Penal e um crime de injúria, previsto e punível pelo artigo 181º, nº 1

desse mesmo Código.

Nos termos do artigo 143º, nº 1 do Código Penal incorre na prática desse

ilícito criminal todo aquele que, agindo de modo voluntário e estando ciente

das consequências da sua conduta “ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa”.

Ora, da análise dos factos provados resulta claro que os arguidos

preencheram com os seus comportamentos todos os elementos típicos,

objectivos e subjectivo, desse tipo de crime, pois que, actuando com o propósito

de atingirem o assistente na sua integridade física, vieram efectivamente a

causar-lhe dores e lesões físicas, as quais foram consequência directa e

necessária das agressões que lhe infligiram.

Já nos termos do artigo 181º, nº 1 do Código Penal, comete esse ilícito

penal todo aquele que “injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a

forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra e consideração”.

Analisando os factos provados, resulta também inequívoco que o

arguido Constantino Manuel preencheu com a sua conduta todos os elementos

típicos, objectivos e subjectivo, desse tipo de crime.

Efectivamente, provou-se que aquele arguido, dirigindo-se ao assistente,

actuando com o fito de o ofender na sua honra e consideração, e agindo de

forma voluntária, lhe dirigiu a expressão “filho da puta”.

Tal imputação, ainda que corriqueira nesta zona do país, não pode

deixar de reputar-se objectiva e subjectivamente ofensiva da honra e

consideração do assistente, dado que tal expressão é, inequivocamente, apta a

lesar “aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são

razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo (médio) possa com

- 15 -

legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale”; adequada a violar “aquele conjunto

de requisitos que razoavelmente se deve considerar necessário a qualquer pessoa, de tal

modo que a falta de algum deles possa expor essa pessoa à falta de consideração e ao

desprezo público” – Cfr. Beleza dos Santos, Rev. Leg. e Jurisprudência, Ano 92º, pág. 167.

Tudo isto, portanto, a enquadrar-se no tipo-de-ilícito e tipo-de-culpa

recortado pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal.

Inversamente, no que toca ao arguido Paulo Jorge é manifesto que o

mesmo deverá ser absolvido da prática desse ilícito penal, pois que não ficou

demonstrado que o mesmo tivesse dirigido ao assistente qualquer expressão

passível de ser reputada como injuriosa.

***

1.2. ESCOLHA E MEDIDA DA PENA:

O crime de ofensa à integridade física simples é punido, em abstracto,

com prisão até três anos ou pena de multa até 360 dias. O crime de injúria é

punível com pena de prisão até três meses ou com multa até 120 dias.

*

Cumpre pois, antes de mais, optar pela espécie de sanções a aplicar em

concreto.

Neste momento cabe atentar, desde logo, ao critério legal de preferência

pelas penas não detentivas, consignado no artigo 70º, do Código Penal. Há a ter

também em consideração que no momento da escolha da pena pesam,

sobretudo, razões de prevenção especial de socialização (cfr. Ac. da Relação de

Coimbra de 17/1/96, CJ, tomo I, pág. 38).

Ora, não tendo os arguidos qualquer passado criminal, entende-se que a

aplicação de uma sanção pecuniária satisfaz de forma adequada e suficiente as

- 16 -

exigências de prevenção especial e, por outro lado, não põe em causa as

exigências de prevenção geral verificadas no caso vertente.

Assim sendo, opta-se pela aplicação de penas de multa.

*

Optando-se, nos termos expostos, pela aplicação de penas de multa,

tendo em conta o estatuído no artigo 71º do Código Penal, a determinação dos

dias de multa a aplicar aos arguidos, dentro dos limites legais referidos, far-se-

á em função da culpa manifestada no facto e das exigências de prevenção de

futuros crimes. O limite máximo e inultrapassável das penas a aplicar será

fixado de acordo com a culpa dos arguidos (artigo 40º, nº 2 do Código Penal). O

limite mínimo será estabelecido em função das exigências de prevenção geral

que no caso se verifiquem. E as penas a aplicar concretamente dentro da

submoldura assim encontrada serão determinadas, finalmente, de acordo com

as exigências de prevenção especial – mormente na vertente de socialização –

que ao caso couberem (artigo 40º, nº 1 do Código Penal ) – cfr. Figueiredo Dias,

Direito Penal Português, pág. 227 e seguintes.

Nos termos do artigo 71º, nº 2 do Código Penal devem considerar-se

ainda todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a

favor e contra os arguidos.

Contra os arguidos milita a modalidade de dolo directo com que agiram,

assim como, ainda em sede de culpa e também de ilicitude, quanto ao modo de

execução do facto, a circunstância de se terem feito valer da sua superioridade

numérica para agredirem o assistente.

Ao invés, milita em favor dos arguidos a reduzida gravidade das

consequências das suas condutas, assim como o circunstancialismo que rodeou

a prática dos factos – quer os antecedentes que estiveram na base dos mesmos,

quer o sucedido no momento da sua comissão, dado que, segundo se provou,

as agressões existiram de parte a parte.

- 17 -

Em abono dos arguidos há a ponderar também a circunstância de não

terem qualquer passado criminal, de estarem perfeitamente inseridos e serem

reputados pessoas sérias no meio onde vivem, o que aponta para diminutas

exigências de pena sob o prisma das finalidades especiais preventivas da

punição.

Assim, ponderadas essas circunstâncias à luz dos critérios e factores

acima enunciados, afigura-se ajustado aplicar ao cada um dos arguidos uma

pena de 120 dias de multa pelo crime de ofensa à integridade física que

praticaram, mostrando-se ajustada uma pena de 30 dias de multa no que

concerne ao crime de injúria cometido pelo arguido Constantino Manuel da

Silva Lopes.

*

Operando-se o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas a este

arguido, de acordo com as regras contidas no artigo 77º, nº 1 e 2 do Código

Penal, e considerando em conjunto os factos e a personalidade do mesmo,

manifestada esta na prática desses factos e percepcionada em audiência,

aplicar-se-á àquele uma pena única de 135 dias de multa.

*

Nos termos do artigo 47º, nº 2 do Código Penal, a cada dia de multa

corresponde uma quantia que o tribunal fixará entre 200$00 e 100.000$00

(actualmente, após a conversão operada pelo artigo 8º do Dec.-Lei nº 323/01,

de 17 de Dezembro, entre 1 euro e 498,80 euros).

Considerando a apurada situação económico-financeira dos arguidos,

sopesados os seus rendimentos e encargos, decide-se fixar em € 5,00 o

quantitativo diário das multas aplicadas.

***

- 18 -

2. Responsabilidade civil.

Nos termos do artigo 483º, nº 1 do Código Civil, “aquele que com dolo ou

mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal

destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos

resultantes da violação”.

Da factualidade provada e da apreciação que da mesma foi feita na parte

criminal da presente decisão resulta com clareza que os arguidos, por terem

preenchido com as suas condutas todos os pressupostos constitutivos da

responsabilidade civil extracontratual, se constituíram na obrigação de

compensar o assistente pelos danos não patrimoniais resultantes das ofensas

física e moral que lhe infligiram - e que são tuteladas pelo artigo 70º do Código

Civil.

Com efeito, também os danos não patrimoniais, desde que merecedores

da tutela do direito, são passíveis de adequada compensação, como decorre do

artigo 496º, nº 1 do Código Civil. Atenta a gravidade dos danos morais

causados no assistente - determinada esta em função dos bens jurídicos atingidos: a

integridade física e a honra – os mesmos são indubitavelmente merecedores da

tutela do direito.

Ponderados os factos que ficaram provados, à luz dos critérios

plasmados nos artigos 496º, nº 3 e 494º do Código Civil, e considerando em

especial o grau de culpa dos arguidos, as suas situações económicas e a relativa

gravidade dos danos, reputa-se equitativo condenar os demandados na quantia

de € 1.250,00 para compensação dos danos resultantes dos factos que integram

o crime de ofensa à integridade física, afigurando-se adequado condenar ainda

o arguido Constantino Manuel no pagamento da quantia de € 250,00 para

compensação dos danos morais sofridos pelo assistente em consequência do

crime de injúria de que foi vítima.

- 19 -

Sobre tais quantias deverão ainda contar-se juros moratórios a partir da

data da notificação dos arguidos para contestarem os pedidos cíveis

(11/4/2005 – cfr. fls. 111 e 112), de acordo com o critério previsto no disposto

no artigo 805º, nº 3 do Código Civil.

Esses juros contabilizar-se-ão à taxa legal de 4%, nos termos das

disposições conjugadas dos artigos 559º, nº 1, 804º, nº 1 e 2 e 806º, nº 1 e 2 do

Código Civil e Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril.

Resta referir que, quanto ao mais peticionado pelo demandante Salvador

de Jesus de Oliveira Ribeiro – isto é, quanto aos danos de carácter patrimonial – , por

não ter sido feita prova desses danos, necessariamente improcede a sua

pretensão.

***

III. DISPOSITIVO.

Face ao exposto decide-se:

A) NA PARTE CRIMINAL:

Julgar procedente a acusação deduzida pelo Ministério Público e

parcialmente procedente a acusação particular deduzida pelo assistente e, em

conformidade:

a) Absolver o arguido Paulo Jorge da Silva Lopes da autoria do crime de

injúria que lhe vinha imputado, previsto e punível pelo artigo 181º, nº 1

do Código Penal;

- 20 -

b) Condenar os arguidos Paulo Jorge da Silva Lopes e Constantino

Manuel da Silva Lopes como co-autores de um crime de ofensa à

integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1 do

Código Penal, numa pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão

diária de € 5,00 (cinco euros), num total de € 600,00 (seiscentos euros);

c) Condenar o arguido Constantino Manuel da Silva Lopes como autor

de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º, nº 1 do

Código Penal, numa pena de 30 (trinta) dias de multa, à razão diária de

€ 5,00 (cinco euros);

d) Operando o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido

Constantino Manuel da Silva Lopes e referidas em b) e c), condená-lo

na pena única de 135 (cento e trinta e cinco) dias de multa, à razão

diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia global de € 675,00

(seiscentos e setenta e cinco euros);

e) Condenar cada um dos arguidos no pagamento de 3 Uc´s de taxa de

justiça (513º do Código de Processo Penal e 85º, nº 1, al. b) do Código

da Custas Judiciais) e em encargos, com procuradoria mínima, (artigos

514º do Código de Processo Penal e 89º, nº 1, al. g) do Código das

Custas Judiciais), ao que acresce, nos termos do disposto no art. 13º, nº

3 do Dec.-Lei nº 423/91, de 30 de Outubro, o pagamento de 1% da taxa

de justiça aplicada;

f) Nos termos dos artigos 515º, nº 1, al. a) e 518º do Código de Processo

Penal, condenar o assistente Salvador de Jesus de Oliveira Ribeiro no

pagamento de 2 Uc´s de taxa de justiça e em encargos, devendo

observar-se o disposto no artigo 519º daquele Código.

- 21 -

***

B) NA PARTE CÍVEL:

Julgar parcialmente procedentes os pedidos cíveis deduzidos pelo

demandante Salvador de Jesus de Oliveira Ribeiro e, em conformidade:

g) Condenar solidariamente os demandados Paulo Jorge da Silva Lopes

e Constantino Manuel da Silva Lopes a pagarem-lhe a quantia de €

1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros);

h) Condenar ainda o demandado Constantino Manuel da Silva Lopes a

pagar-lhe a quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros);

i) Condenar os demandados a pagarem ao demandante juros de mora

sobre essas quantias, contados à taxa legal de 4% desde 12/4/2005 e

até efectivo e integral pagamento;

j) Condenar o demandante e os demandados nas custas dos pedidos

cíveis, na proporção dos respectivos decaimentos (artigos 523º do

Código de Processo Penal e 446º, nºs 1 e 2 do Código de Processo

Civil).

***

Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal.

- 22 -

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Guimarães, 7 de Abril de 2006

(Elaborado em processador de texto e integralmente revisto pelo signatário)

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