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I. O século XVIII entre o Rocaille e o Neoclassicismo No século XVIII, a França definiu-se pela constância das suas tradições. A monarquia dominava e as políticas e os costumes do Ancien Régime persistiram durante todo o reinado de Luís XV e da sua influente concubina, Madame de Pompadour. A aristocracia francesa recuperou a sua liberdade e dedicou-se a consolidar o poder durante o longo governo de Luís XV. Porém, a riqueza continuava restrita a uns poucos privilegiados e a era foi marcada pelo abismo entre ricos e pobres, entre aristocratas e camponeses. O artista como libertino; a mulher e os salons A primeira metade do século é um tempo de decadência no qual as mulheres ditam algumas coordenadas; estão presentes nos famosos salons e ditam o tom da civilização como uma sociedade efeminizada. A liberdade é um conceito interpretado como libertinagem. A sedução entre os sexos atinge patamares de devassidão até então e talvez nunca mais conhecidos ou vistos; relações frias e calculistas em que, totalmente sem sentimentos, o sexo é visto como um jogo de poder e não um entendimento sentimental. O libertino/a, através de uma ausência total de sentimentos, impõe-se ao outro pela razão; o outro é um objeto a ser conquistado e dominado. A crítica a este excesso de libertinagem é que vai ser o motor dos iluministas. A produção artística ao serviço da felicidade: o Rocaille O Rocaille emergiu como estilo no século XVIII, em parte como reação às obras de grande escala, movimento e colorido intenso, ou de sombras profundas, que caracterizavam a centúria de seiscentos. As cores pastel, o pequeno formato e a delicada representação de figuras e de cenários espelham a frivolidade e a extravagância da arte do Rocaille, grandemente apreciada pela aristocracia. Desenvolveu-se a partir do Barroco, mas em oposição direta ao seu espírito grandioso e solene. A sua primeira aparição como estilo distinto verificou-se em França. A ascensão do Rocaille em França acompanha o crescimento do poder da aristocracia, de onde sairiam os seus principais clientes. O pintor Jean-Antoine Watteau logrou captar o espírito optimista da sua clientela e elevou o Rocaille a um estatuto que conquistou a estima geral. Foi Watteau quem criou o género conhecido por fête galante (festa galante) e a subtileza manifestada na gradação dos tons ajudou a consolidar a supremacia dos Rubenistas sobre os Poussinistas, no debate que opôs a cor ao desenho. François Boucher e Jean-Honoré Fragonard prosseguiram a tradição de paisagens e retratos alegóricos e sensuais. Watteau Boucher Fragonard

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I. O século XVIII entre o Rocaille e o Neoclassicismo

No século XVIII, a França definiu-se pela constância das suas tradições. A

monarquia dominava e as políticas e os costumes do Ancien Régime persistiram durante

todo o reinado de Luís XV e da sua influente concubina, Madame de Pompadour. A

aristocracia francesa recuperou a sua liberdade e dedicou-se a consolidar o poder durante

o longo governo de Luís XV. Porém, a riqueza continuava restrita a uns poucos

privilegiados e a era foi marcada pelo abismo entre ricos e pobres, entre aristocratas e

camponeses.

O artista como “libertino”; a mulher e os salons

A primeira metade do século é um tempo de decadência no qual as mulheres ditam

algumas coordenadas; estão presentes nos famosos salons e ditam o tom da civilização

como uma sociedade efeminizada. A liberdade é um conceito interpretado como

libertinagem. A sedução entre os sexos atinge patamares de devassidão até então e talvez

nunca mais conhecidos ou vistos; relações frias e calculistas em que, totalmente sem

sentimentos, o sexo é visto como um jogo de poder e não um entendimento sentimental.

O libertino/a, através de uma ausência total de sentimentos, impõe-se ao outro pela razão;

o outro é um objeto a ser conquistado e dominado. A crítica a este excesso de libertinagem

é que vai ser o motor dos iluministas.

A produção artística ao serviço da felicidade: o Rocaille

O Rocaille emergiu como estilo no século XVIII, em parte como reação às obras

de grande escala, movimento e colorido intenso, ou de sombras profundas, que

caracterizavam a centúria de seiscentos. As cores pastel, o pequeno formato e a delicada

representação de figuras e de cenários espelham a frivolidade e a extravagância da arte

do Rocaille, grandemente apreciada pela aristocracia.

Desenvolveu-se a partir do Barroco, mas em oposição direta ao seu espírito

grandioso e solene. A sua primeira aparição como estilo distinto verificou-se em França.

A ascensão do Rocaille em França acompanha o crescimento do poder da aristocracia, de

onde sairiam os seus principais clientes.

O pintor Jean-Antoine Watteau logrou captar o espírito optimista da sua clientela

e elevou o Rocaille a um estatuto que conquistou a estima geral. Foi Watteau quem criou

o género conhecido por fête galante (festa galante) e a subtileza manifestada na gradação

dos tons ajudou a consolidar a supremacia dos Rubenistas sobre os Poussinistas, no debate

que opôs a cor ao desenho. François Boucher e Jean-Honoré Fragonard prosseguiram a

tradição de paisagens e retratos alegóricos e sensuais.

Watteau Boucher Fragonard

As categorias pictóricas mais humildes da natureza morta e das cenas de género

ganharam novo alento com a obra de Chardin, cujas cenas, fruto de uma observação

cuidada, manifestam uma dignidade tranquila, assim como transmitem lições

moralizantes, ao estilo das tradições flamengas e holandesas do século anterior.

Contudo, foi nos interiores dos hôtels que o estilo Rocaille se apresentou mais

elaborado, exercendo uma influência que se disseminaria pela aristocracia e alta

burguesia europeias.

A commédia dell’arté

O sentido teatral do Rocaille aproxima-se da “commédia dell’arté”. A comédia

italiana estabeleceu-se em Paris, onde os seus enredos foram adaptados por Molière;

aparecem transpostas, estas comédias, para melancólicos Pierrots franceses nos quadros

de Watteau e vão ser os motivos mais populares para a nova arte menor da modelação da

porcelana.

O regresso do Classicismo e a apropriação dos modelos da Antiguidade

A notável evolução das nossas ideias leva-nos a crer avizinharem-se novas e mais

vultuosas transformações. Porém, só o futuro poderá avaliar os objetivos; a natureza, os

limites desta evolução e as suas desvantagens, apenas a posteridade saberá julgar com

exatidão os contornos desta extraordinária mudança, não nós, seus contemporâneos.

Jean d’Alembert

Roma por volta de 1760: Fonte do Neoclassicismo

Roma, cidade-mãe dos tesouros da Antiguidade e do Renascimento, detinha

inequivocamente o título de primeiro centro artístico mundial. A cidade atraiu um sem

fim de artistas em busca de inspiração, bem como os ricos viandantes do “Grand Tour”

da Itália. Descobertas arqueológicas então recentes (em especial as de Herculano e

Pompeia) tinham vindo reavivar o interesse pela Antiguidade junto dos académicos e dos

artistas. Nos seus influentes ensaios, o historiador de arte Johann Wickelmann encorajava

uma nova apreciação da arte grega, com base no que definiu como superioridade moral e

estética da mesma.

Na segunda metade do século XVIII, a cultura ocidental entrou na época

contemporânea e as populações foram obrigadas a adaptar-se de forma sucessiva e

constante, a novos valores políticos, mudanças nas condições socioeconómicas e novas

teorias científicas. A seu tempo, a industrialização viria, também ela, a espalhar-se por

todo o planeta. Para o florescimento da sociedade civil muito contribuiu a ascensão de

uma classe média endinheirada, ávida de novos luxos, incluindo obras de arte. Estas

mudanças têm raízes no Iluminismo.

O espírito das luzes

Com a mudança do modelo cartesiano para o modelo de Locke, onde tudo era

relativo e não existiam ideias inatas, tudo passou a ser questionado: a tradição deixou de

ser um argumento e as verdades, até agora, inquestionáveis são postas em causa. Para os

iluministas, o racionalismo permitia criticar o antigo e criar uma nova relação com o

mundo. Pretendiam a construção de uma nova sociedade, de um homem novo de acordo

com a austeridade e rigor, regras e moral.

O Iluminismo desmitifica o poder real, que deixa de ser visto como uma espécie

de Olimpo. Pela primeira vez acontece uma consciencialização dos custos económicos e

sociais das extravagancias da aristocracia. Termina o espanto respeitoso e começa a

Revolução que questiona o trabalho e o esforço do povo.

Chamou-se ao século XVIII a “Idade da Razão”; os homens começaram a recusar-

se a aceitar que o que estava estabelecido era o certo porque era antigo ou porque a

autoridade assim o determinava. Voltaire, Diderot e Montesquieu são os pensadores mais

destacados. A igreja deixou de ser o centro da existência e como o conceito de realeza

estava bastante abalado, não havia nada de grandioso para servir de inspiração.

O artista como “intelectual”

As mudanças sentidas na sociedade iriam invocar uma vez mais a imagem da

Antiguidade Clássica, num esforço para invocar um estilo sério e superior. O

Neoclassicismo encontraria em David um grande intérprete.

Jacques-Louis David foi o principal artista do neoclássico, grande figura virtuosa

e solitária, o “artista oficial” da revolução. Vive e participa na Revolução Francesa –

época do terror – mas para David a morte é necessária caso seja em prol de objetivos

maiores.

Surge Francisco Goya que é do mesmo tempo de David, mas que rejeita os

antigos. Representa o final de uma época e o início de outra, “o último pintor dos antigos

e o primeiro dos modernos”; a sua modernidade projeta-se muito além do século XIX.

Vive tempos tumultuosos e responde de forma muito sensível a esses tempos. Para Goya

as ideologias não são nada se não estiverem ao serviço das pessoas. É um homem do

Iluminismo, acredita nas ideias revolucionárias mas percebe que estas trouxeram novas

atrocidades e foram subvertidas.

As trajetórias de David e Goya são paralelas, mas completamente diferentes.

É nesta altura que surgem as grandes disciplinas da arte: a Crítica da Arte

(Diderot); a História da Arte (Wickelmann); a Estética e a Arqueologia. Para Diderot, a

pintura tinha a função pedagógica de formar as pessoas; a arte tinha como função dar

lições de virtude aos cidadãos e tornar odiosos os vícios.

Nos finais do século XVIII atingia-se os tempos realmente modernos que se

iniciariam quando a Revolução Francesa pôs fim a tantos princípios tidos como

verdadeiro desde sempre. Esta revolução deu um impulso enorme ao interesse pela

história e pela pintura de temas heroicos. Os revolucionários gostavam de ser

considerados gregos e romanos renascidos e a sua pintura refletia o apelo que era

designado como grandeza romana. Para o Neoclassicismo as formas clássicas eram

perfeitas e não podiam ser superadas.

Roma por volta de 1760: Fonte do Romantismo

Pela mesma altura, o Romantismo aparecia nas suas primeiras manifestações. O

gravador e editor Giovanni Piranesi prestou homenagem à Antiguidade romana com

teatrais vedute (vistas panorâmicas) das mais espantosas obras de arquitetura

monumental, edifícios que encarnavam o sublime, uma qualidade associada à vastidão

espacial, à obscuridade, ao poder e à infinitude que geravam no observador sentimentos

de um temor respeitoso, de susto, de terror, inclusive. Piranesi e outros adotaram, com

intensidade crescente, o culto do sublime, refletindo nas suas obras a procura de um

público interessado em obras de arte que evocassem emoções intensas, mesmo de medo

ou terror; que produzissem um efeito de transporte emocional.

II. A Génese do Mundo moderno: Romantismo

A ruptura com a tradição que marcou o período da Revolução Francesa iria alterar

toda a situação em que viviam e trabalhavam os artistas. Academias, exposições e críticos

tinham-se esforçados por introduzir uma distinção entre a arte e o oficio.

É impossível precisar o momento exato em que o Neoclassicismo morreu e deu lugar

ao Romantismo. Da mesma forma que os elementos neoclássicos e românticos – a razão

e a emoção – coexistiram nas várias artes durante o Iluminismo, de 1750 a 1789, o

Neoclassicismo e o Romantismo floresceram também lado a lado de 1789 a 1848, durante

os anos que medeiam entre a Revolução Francesa e as revoltas dos trabalhadores

europeus.

O Romantismo não oferece um estilo; existem tantos estilos como artistas. E por isso

é impossível caracterizá-lo em termos formais como até agora os estilos podiam ser

detalhados. No Romantismo, há uma busca pelas emoções intensas e poderosas; sendo

que a filosofia romântica assentava na ideia do sonho e da fantasia. Os românticos não

queriam estar no seu tempo e por isso evadiam-se através da mente, da imaginação.

O primeiro Romantismo Inglês (1780)

Em Inglaterra, o anseio pela ordem e pelo empirismo coexistiu com um desejo

igualmente forte de emoções e experiências subjetivas. Na arquitetura e no desenho

paisagístico, surgiram evocações neoclássicas de uma Antiguidade Nobre, de par com o

deleite romântico pelo exótico e pelo desejo de suscitar emoções poderosas e proibidas.

O gosto britânico pelo sublime traduziu-se, com êxito, no desenho paisagístico de jardins,

onde combinou, com particular felicidade, a interessante variedade do pitoresco com os

vários níveis de significado do associacionismo, conceitos levados à plenitude em solo

inglês. Ao mesmo tempo, o revivalismo gótico refletia as sensibilidades românticas, ao

realçar as emoções sublimes suscitadas por grandes espaços melancólicos. Os pintores

não ficaram imunes ao efeito ambivalente do apelo do neoclássico e Romântico e se

artistas como Stubbs e Wright souberam fundir as duas correntes em várias das suas obras,

outros, como Heinrich Fuseli, adotaram o terror sublime de alma e coração, transportando

os observadores para uma era romântica de forma teatral e intensa.

O artista como “dândi”

O sistema de mercado que se começou a impor no século XVIII abriu caminho a

uma certa liberdade. O artista, enquanto ser estranho e especial, tornara-se fascinante. O

Romantismo reconduziu a critica de arte, do objeto para o sujeito: descobrindo através da

obra a personalidade do artista criador. Foram os primeiros a dominar a intenção do

artista, a distinguir o impulso sincero, generoso e humano do artista autentico.

O artista era o único capaz de transmitir a sensação da dor na alma que é provocada

pela relação com a realidade – a melancolia. As ruinas corroídas e semi destruídas

tornaram-se na personificação dessa melancolia romântica.

Este gosto pelas ruinas já vinha do neoclassicismo e tornou-se um dos tópicos

fundamentais do romantismo, ao ponto de as fabricarem em espaços ao ar livre: as ruinas

lembravam o passado. O retorno continuo ao passado com o regresso ao presente são a

essência das obras românticas. A recusa do iluminismo, a valorização do misticismo, do

transcendente e do sublime como experiencias humanas fundamentais, são princípios

intrinsecamente românticos.

O Romantismo Alemão

É na Alemanha que o modelo teórico do Romantismo tem início. O Romantismo

tem uma génese nórdica e o alemão é o que surge mais cedo, como movimento que cria

a conceptualização própria do Romantismo. Este movimento nasce nos finais do século

XVIII, contrapondo-se ao culto exacerbado da razão imposto pelo Iluminismo, que

roubava ao mundo o seu encantamento, o vinculo com o sobrenatural.

Os românticos acreditavam profundamente numa imagem do homem que não era

só razão, mas sentimento, desejo místico, atração pela natureza e que tinha no seu interior

uma vida a ser revelada.

Caspar Friedrich foi um dos pintores românticos alemão mais conhecido. As suas

paisagens refletiam os estados de alma da poesia romântica do seu tempo através de

efeitos comovente e dramáticos. Apresentavam um ambiente nostálgico e melancólico,

quadros em que a presença humana era representada contemplando a natureza de costas

para o observador.

O Romantismo Inglês

O romantismo inglês nasce da insatisfação de vários artistas em relação ao

academicismo reinante.

William Blake é um dos mais notáveis exemplos da nova abordagem. Era um

homem profundamente religioso, vivia no mundo da sua própria criação e desprezava a

arte oficial das academias. Recusava-se a aceitar os seus padrões.

Turner e Constable foram os dois pintores principais que elevaram a pintura de

paisagem a uma nova dignidade.

O Romantismo Francês

Depois dos percursores Diderot e Rousseau – com a sua explosão de sensibilidade

e sentimento, Napoleão foi um dos incentivadores do culto dos princípios românticos em

França.

Utilizaram o orientalismo como instrumento de propaganda do seu imperialismo,

mostrando o oriente como bárbaro e necessitado das luzes francesas. Gros e Decamps

produziram várias obras neste ambiente. Depois de Waterloo, os temas históricos

perderam o interesse e a sociedade francesa retraiu-se para uma vida burguesa que

renegava a movimentação dos dias revolucionários e imperiais.

Delacroix foi uma exceção importante. O seu estilo chocava frequentemente os

salões parisienses, com o seu cromatismo intenso e contrastes marcantes, em

composições históricas agitadas por uma exacerbada emoção.

Acreditava que na pintura a cor era muito mais

importante que o desenho e a imaginação mais do

que o conhecimento.

Para o pintor, a obra era a ponte entre o artista e o

espectador.

Constable Turner

Gros Decamps

O Nacionalismo

No início do século XIX surge a consciencialização do conceito de nação que é

preciso preservar, proteger e divulgar. Esta ideia ganha grande valorização nesta época.

Este racionalismo foi um foco determinante do movimento romântico. O homem

romântico é rebelde e luta pela liberdade em nome do que quer que seja. É uma rebeldia

em constante atualização que valoriza o individual, mas também este individual num

contexto coletivo.

III. A reação positiva: Realismos, Impressionismo

Vários países europeus foram abalados por revoluções durante o ano de 1848, um ano

que coincidiu com a ascensão de uma filosofia assente no materialismo e no pragmatismo,

que surgiu em substituição da imaginação romântica. As sociedades europeias foram, de

novo, refundidas e reformadas e os seus habitantes voltaram a ver a ciência e os factos

como base do conhecimento.

A arte deste período, conhecido por Era do Positivismo, pertence na sua maior parte

a um movimento chamado Realismo. Em vez de idealizar a vida, os pintores escolheram

representar as realidades da era moderna, da miserável existência dos pobres às atividades

de lazer dos mais abastados. Na pintura de paisagem, o Realismo foi dando, aos poucos,

lugar ao Impressionismo que documentou a transformação da França rural nos subúrbios

parisienses.

Realismo/Naturalismo

A forma de entender o mundo vai-se alterar para algo mais realista: il faut être de

son temps – ser do próprio tempo. Segundo os realistas/naturalistas, os românticos não

queriam viver no seu tempo (pintura de evasão) e os académicos viviam do passado

(pintura clássica).

A evolução realista diz que o século XIX, com a revolução industrial, é um século

de mudanças e de progresso cientifico, e as artes acompanhavam essas alterações.

Desenvolveu-se o método da observação direta e a crença nas capacidades humanas. O

realismo/naturalismo assentou no modelo positivista – baseado na razão.

Apesar de serem conceitos semelhantes, o Realismo e o Naturalismo apresentam

algumas diferenças:

REALISMO NATURALISMO

Subverte as ideologias (socialismo

utópico) e é ligeiramente anterior.

Movimento mais próximo da ciência –

“maravilhas do mundo moderno”

Ligado à política (burguesia instalada,

difunde a sua ideologia e encontra

“inimigos”)

- Período conservador.

Aplicação do método científico na análise

dos comportamentos humanos (lado

filosófico e científico)

Empenhado na denúncia do capitalismo

“selvagem” e das explorações

(proletariado)

Progresso das artes semelhante ao

científico – procura a neutralidade (pode

levar a denúncias; paisagens, quotidiano,

folclore)

O século XIX, com a perspetiva do progresso presente, tem uma visão do futuro

expectante e otimista. Três ideias fundamentais deste tempo:

1) É preciso sermos do nosso tempo, sem estarmos fixados no passado; é preciso

viver e representar o tempo presente, olhando para o futuro. O

realismo/naturalismo procura a verossemelhança, o assumir da temporalidade

presente ao captar o momento real, verdadeiro, com sinceridade em relação ao

seu tempo.

2) Os métodos científicos tinham resultados tao espantosos nas ciências, porque

não aplica-los às ciências humanas – artes plásticas e literatura.

[nota]: foi um grande erro pensar que o progresso da ciência pode ser equiparado às áreas

da filosofia ou das artes – estas não têm um progresso linear.

3) Procura da verossemelhança, mimesis da realidade nas artes plásticas.

O artista como “flâneur”

O pintor apresenta-se como um “flâneur” – aquele que deambula, que anda sem

destino ou objetivo concreto, somente apreciando o crescimento e desenvolvimento da

cidade. É um ser urbano, amante da multidão e do incógnito, que mergulha nela como

num imenso reservatório de eletricidade; como num espelho tão imenso como esta

multidão; como um caleidoscópio dotado de consciência. Alguém (que sabe/é conhecedor

desse talento) que é incógnito, vagueia sem destino na multidão e dela extraia a energia

para pintar. “O caminho faz-se caminhando.”

O Realismo em França

Com a ascensão de Napoleão III, na sequência da Revolução de 1848, a sociedade

francesa sofreu profundas transformações, com a rápida aceleração da industrialização e

da ascensão da burguesia. Enquanto Paris era transformada na cidade que hoje

conhecemos, os artistas foram registando as profundas transformações sociais francesas:

Gustave Courbet e Jean-François Millet assumiram-se como paladinos dos estilos de vida

e das ocupações das classes trabalhadoras. A partir da década de 1860, pintores como

Manet e Degas trouxeram o realismo à cidade.

Courbet Millet

O Impressionismo

Podemos dividir o Impressionismo em três tempos da história:

1) 1863 – Napoleão III cria um salão com todas as obras recusadas do Salão Oficial

– inicia-se a ruptura entre o salon e as vanguardas.

2) 1869 – Nascimento do Impressionismo. É no verão deste ano que Monet e Renoir,

dois grandes nomes impressionistas, se juntam e criam este estilo ao decidirem

pintar ao ar livre a paisagem do momento.

3) 1874 – Primeira exposição dita impressionista do célebre fotógrafo Nadar, na qual

constava o quadro de Monet, “Nascer do Sol”.

O Impressionismo vai ter duas dimensões muito importantes:

1) Revolução formal – renega tudo o que tinha sido pintura até ao século XV. Monet

pretendia um olhar puro e sem preconceitos. Diluía a forma em pinceladas de cor,

espessas e texturadas de tinta, com manchas de luz, dissolvendo a matéria em

oposição à construção formal.

2) Celebração do instante que acontece e passa, ainda menos que o momento.

Celebra-se os instantes bons da vida, a eterna juventude.

Apesar destas “definições”, o Impressionismo é um movimento puramente visual,

sem teorias. Dum ponto de vista contextual, o Impressionismo não é assim tão

escandalizante porque se insere no Naturalismo (forma) e no Positivismo (conceito). O

Impressionismo vai levar mais longe “o aqui e o agora” para “o instante”, Não surge “do

nada”. Do ponto de vista plástico, contudo, é muito importante. O Impressionismo é

tipicamente francês, mas dada a sua importância, os países cederam a um “pecado

Manet Degas

Monet Renoir

original” – a história dos países foi comparada com o Impressionismo como se fosse um

auge a atingir.

IV. A Arte no Feminino

No Impressionismo, pela primeira vez, surgem de forma mais marcante as mulheres

artistas, expondo de igual para igual com os homens. Mary Cassatt e Bherte Morisot são

as mais importantes. Destacaram-se e foram definidas como pintoras impressionistas de

direito.

O século XIX é um século de grande ambiguidade em relação à afirmação das

mulheres na sociedade em geral e não só na arte.

Ao longo do século XVIII, foram adquirindo relevância e importância. Quando o

modelo burguês assume o lugar do modelo aristocrata, após a Revolução Francesa, a

importância das mulheres anula-se socialmente e remetem-se novamente para o espaço

doméstico exclusivamente.

As poderosas e manipuladores mulheres do século XVIII dão lugar no

Romantismo a objetos de adoração, sem ação, sem densidade física e intelectual. No

Realismo/Naturalismo passam a objeto de interesse cientifico.

A liberdade condicionada conquistada no século XVIII foi totalmente aniquilada

no seculo XIX com a emergência do modelo burgues repressor moral e sexual. O modelo

aristocrata era assente na casa, na linhagem e no nome. No modelo burguês interessa o

individuo, alguém que se impõe por si próprio.

No século XIX há um excesso de pudor, de uma etiqueta extremada, em que uma

conversa de bom tom não pode ter a palavra “perna”. Paralelamente a isto, as guerras

napoleónicas dizimam vidas masculinas jovens, deixando uma multidão de mulheres

jovens viúvas, órfãs e que perdem o seu único sustento, obrigando-as a trabalhar:

governantas e perceptoras no melhor das casas, costureiras de vestidos e chapéus ou

empregadas de lojas, prostitutas no pior dos casos.

Desta situação surge também a pintura, que deixa de ser um hobbie e passa a ser

algo sério do ponto de vista artístico e do ensino – mulheres autónomas com grande

cultura e capacidades intelectuais enchem as académicas privadas porque as oficiais lhes

eram negadas.

Mary Cassatt Bherte Morisot

V. A CONSTRUÇÃO DO HOMEM FINISSECULAR

As artes visuais produzidas na Europa e nos Estados Unidos, de 1880 a 1914, não se

podem agrupar sob uma única designação estilística. Contudo, podemos entendê-las

coletivamente como resposta aos desafios da modernidade. A ambivalência perante a vida

urbana, as novas tecnologias, o imperialismo e capitalismo refletem as contradições que

definem essa mesma modernidade. Por um lado, o interesse positivista pela investigação

cientifica e pelos avanções tecnológicos aponta para uma atmosfera de otimismo

generalizado; pelo outro, a procura idealista de autenticidade por vias espirituais ou nas

culturas “primitivas” indicam que as benesses do progresso não foram aceites por todos.

Os pós-impressionismos: os “casos” Van Gogh, Cézanne e Gauguin

Unidos pelo desejo de responder à inovações estilísticas do Impressionismo e pela

ambição de criar obras de arte inconfundivelmente contemporâneas, os pós-

impressionistas usaram uma grande diversidade de estilos, temas e técnicas, afastando-se

das premissas realistas do Impressionismo para criar as suas porpiás utopias e universos

privados ou primitivos.

Georges Seurat foi o único dos quatro grandes pós-impressionistas que se ateve a

uma imagética da modernidade e recorreu às teorias cientificas da ótica e da psicologia

da cor e do traço para apresentar a vida moderna de forma controlada e idealista. Seurat,

em vez de pensar o efémero, interessava-lhe o momento. No pontilhismo as cores puras

misturam-se na tela. É uma contradição à linguagem fluída e ao trabalho visual do

Impressionismo. É a densidade teórica do Impressionismo e apresenta uma linguagem

metódica e trabalho mental.

Encontrando pouco conforto na ciência ou na civilização, Paul Cézanne, Vicent

van Gogh e Paul Gauguin procuraram a autenticidade estética (e muitas vezes espiritual)

fora do burburinho parisiense.

Cézanne Van Gogh

Gauguin, em particular, adotou temas e hábitos de culturas que ele acreditava

serem mais primitivas do que as de Paris, da Europa ou dos Estados Unidos da América,

para produzir obras de arte que transmitissem maior honestidade em vez do artificialismo

que associava à modernidade.

Decadentismo e Simbolismo

Tal como o Pós-Impressionismo, o Simbolismo desencadeia-se como reação

descontente face ao progresso desenfreado. Alguns europeus, desencantados com a

industrialização, preferiram olhar para os territórios colonizados como utopias/santuários

a salvo do materialismo.

Dando continuidade à tradição iniciada no século XVIII por Jean-Jacques

Rousseau, as chamadas sociedades primitivas eram vistas como estando ainda

profundamente enraizadas na natureza e, portanto, puras e virtuosas. A isto associou-se

uma nova procura espiritual e a ascensão da psicologia com as teorias sobre o

inconsciente. “Progresso” foi a palavra de ordem do século XIX e a força que motivou

reações artísticas que o rejeitaram, procurando alternativas espirituais e mais primitivas.

O Simbolismo é um movimento que procura a evasão face às pressões da vida

moderna e o desejo de experiencias autenticas que conduziram os simbolistas para vias

alternativas. Procuravam inspiração em terras distantes das cidades modernas e viraram-

se para o interior – abstiveram-se do espaço físico para se refugiarem no espaço espiritual

da imaginação, considerando a mente como único veiculo de transformação estética.

Subjetivismo, musicalidade e transcendalismo são características deste

movimento. Os pintores simbolistas deram preferência às temáticas ligadas à religião, à

morte, ao pecado com forte teor de moralidade.

Gauguin foi de certa forma um simbolista quando a partir de 1890 passou a

temáticas alegóricas, não lhe bastando pintar a realidade, mas demonstrando nas telas a

essência sentimental das personagens.