i n t e r c o m – s o c i e d ad e b r as i l e i r a d ... · submeterem a intervenções...

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Fortaleza - CE – 29/06 a 01/07/2017 Análise de Conteúdo dos portais de notícia O Povo e Diário do Nordeste no caso da violência contra a trans Dandara dos Santos no estado do Ceará 1 Maryanne Marques Gonçalves Paulino de SOUSA 2 Alessandra Clementino dos SANTOS 3 Mayara Tatiane da Silva BEZERRA 4 Jonara Medeiros SIQUEIRA 5 Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, PB RESUMO No artigo, apresentamos parte de pesquisa empírica realizada acerca da cobertura do caso Dandara dos Santos em dois dos principais portais de notícias do estado do Ceará em número de acessos: O Povo eo Diário do Nordeste. Tomando por base o método de análise de conteúdo descrito por Laurence Bardin (1977) e Maria Cecília de Souza Minayo (2014), pretendemos apreender de que maneira cada um destes dois sites optou por transmitir ao público as informações relacionadas ao caso, sempre levando em consideração o significado do dito e do não-dito dentro do discurso jornalístico. Para tanto, foram selecionadas quatro matérias, duas referentes ao Diário do Nordeste e outras duas do O Povo, que apresentaram maior aprofundamento no conteúdo, devido a presença de mais características de multimidialidade dentre o material pré-selecionado. Observamos as soluções encontradas para veicular um conteúdo de forma responsável, mas também identificamos deslizes quanto ao tratamento relativo à Dandara. PALAVRAS-CHAVE: Análise de Conteúdo; Caso Dandara; Ceará; Jornalismo; Trans Introdução No dia 15 de fevereiro de 2017, Dandara dos Santos, 42 anos, foi agredida com chutes, pedradas, pauladas e, por fim, morta a tiros no bairro de Bom Jardim, na cidade de Fortaleza, Ceará. O crime foi filmado e lançado nas redes sociais pelos próprios agressores no dia dois de março, duas semanas depois do ocorrido, e viralizou. São um minuto e vinte segundos de violência verbal e física explícitas, onde Dandara aparece sendo agredida por cinco homens, entre eles três adolescentes com idades de 16 e 17 1 Trabalho apresentado no IJ 07- Comunicação, Espaço e Cidadania do XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste, realizado de 29 de junho a 1 de julho de 2017. 2 Estudante de Graduação 4º. semestre do Curso de Jornalismo da UEPB-PB, email: [email protected] 3 Estudante de Graduação 4º. semestre do Curso de Jornalismo da UEPB-PB, email: [email protected] om 4 Estudante de Graduação 4º. semestre do Curso de Jornalismo da UEPB-PB, email: [email protected] 5 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Jornalismo da UEPB-PB, email: [email protected] 1

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Fortaleza - CE – 29/06 a 01/07/2017

Análise de Conteúdo dos portais de notícia O Povo e Diário do Nordeste no caso da

violência contra a trans Dandara dos Santos no estado do Ceará 1

Maryanne Marques Gonçalves Paulino de SOUSA 2

Alessandra Clementino dos SANTOS 3

Mayara Tatiane da Silva BEZERRA 4

Jonara Medeiros SIQUEIRA 5

Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, PB

RESUMO No artigo, apresentamos parte de pesquisa empírica realizada acerca da cobertura do caso Dandara dos Santos em dois dos principais portais de notícias do estado do Ceará em número de acessos: O Povo e o Diário do Nordeste. Tomando por base o método de análise de conteúdo descrito por Laurence Bardin (1977) e Maria Cecília de Souza Minayo (2014), pretendemos apreender de que maneira cada um destes dois sites optou por transmitir ao público as informações relacionadas ao caso, sempre levando em consideração o significado do dito e do não-dito dentro do discurso jornalístico. Para tanto, foram selecionadas quatro matérias, duas referentes ao Diário do Nordeste e outras duas do O Povo, que apresentaram maior aprofundamento no conteúdo, devido a presença de mais características de multimidialidade dentre o material pré-selecionado. Observamos as soluções encontradas para veicular um conteúdo de forma responsável, mas também identificamos deslizes quanto ao tratamento relativo à Dandara. PALAVRAS-CHAVE: Análise de Conteúdo; Caso Dandara; Ceará; Jornalismo; Trans Introdução

No dia 15 de fevereiro de 2017, Dandara dos Santos, 42 anos, foi agredida com

chutes, pedradas, pauladas e, por fim, morta a tiros no bairro de Bom Jardim, na cidade

de Fortaleza, Ceará. O crime foi filmado e lançado nas redes sociais pelos próprios

agressores no dia dois de março, duas semanas depois do ocorrido, e viralizou. São um

minuto e vinte segundos de violência verbal e física explícitas, onde Dandara aparece

sendo agredida por cinco homens, entre eles três adolescentes com idades de 16 e 17

1 Trabalho apresentado no IJ 07- Comunicação, Espaço e Cidadania do XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste, realizado de 29 de junho a 1 de julho de 2017. 2 Estudante de Graduação 4º. semestre do Curso de Jornalismo da UEPB-PB, email: [email protected] 3 Estudante de Graduação 4º. semestre do Curso de Jornalismo da UEPB-PB, email: [email protected] 4 Estudante de Graduação 4º. semestre do Curso de Jornalismo da UEPB-PB, email: [email protected] 5 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Jornalismo da UEPB-PB, email: [email protected]

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anos. Após a divulgação do vídeo o caso começou a ser investigado e os fatos apontam

a participação de doze pessoas. O crime pode ter sido motivado pelo fato de Dandara ser

uma mulher trans. Termo pelo qual ela será tratada no decorrer deste artigo.

Segundo o Manual de Comunicação LGBT (2010): Transexual: Pessoa que possui uma identidade de gênero diferente do sexo designado no nascimento. Homens e mulheres transexuais podem manifestar o desejo de se submeterem a intervenções médico-cirúrgicas para realizarem a adequação dos seus atributos físicos de nascença (inclusive genitais) a sua identidade de gênero constituída. (p.17) Travesti: Pessoa que nasce do sexo masculino ou feminino, mas que tem sua identidade de gênero oposta ao seu sexo biológico, assumindo papéis de gênero diferentes daquele imposto pela sociedade. Muitas travestis modificam seus corpos por meio de hormonioterapias, aplicações de silicone e/ou cirurgias plásticas, porém, vale ressaltar que isso não é regra para todas (definição adotada pela Conferência Nacional LGBT em 2008. Diferentemente das transexuais, as travestis não desejam realizar a cirurgia de redesignação sexual (mudança de órgão genital). (p.18)

Por nos encontrarmos num terreno de estudos em ebulição, em que muitos termos

estão em constante questionamento e mudança, optamos por um termo que

consideramos mais “neutro”. A escolha pelo termo “trans” se deu mediante não

julgarmos adequado a Dandara as terminologias “travesti” e “transexual” que o Manual

propõe, visto que não sabemos do seu desejo ou não pela redesignação sexual. Ao

contrário, “trans” se configura como uma abreviação da palavra “transgênero” para se

referir às pessoas que não se identificam com o gênero determinado no nascimento

(JESUS, 2012, p. 10).

Só após o vídeo do assassinato de Dandara alcançar visibilidade na internet o caso

chegou às redações cearenses e foi amplamente noticiado, tanto nas plataformas digitais

quanto impressas, e ganhou repercussão nacional. Entre os principais portais do Ceará,

escolhemos dois para analisar: O Povo e o Diário do Nordeste, ambos com sede na

capital Fortaleza e ligados a grupos empresariais. Nossa escolha deve-se ao fato deles

apresentarem maior aprofundamento no conteúdo, levando em consideração o uso de

elementos multimídia para compor narrativa.

Fundado em 1981 pelo empresário Edson Queiroz, o Diário do Nordeste integra

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o oligopólio Sistema Verdes Mares de Comunicação, que atua em áreas comerciais

variadas além da comunicacional, como: distribuição de GLP (gás liquefeito de

petróleo), água mineral e bebidas prontas, mineração, eletrodomésticos, agroindústria e

educação. O jornal, editado na cidade de Fortaleza, tem sucursais nos municípios do

Crato, Iguatu, Juazeiro do Norte, Limoeiro do Norte, Sobral (CE), Brasília (DF) e

Recife (PE). Não encontramos informações sobre a versão online no site da empresa,

assim como em nenhuma outra página da web.

Cinquenta e três anos antes, em janeiro de 1928, é fundado o Jornal O Povo,

pelo jornalista Demócrito Rocha. Sua fundação é também a do Grupo de Comunicação

O Povo, à qual pertence, que conta com uma emissora de TV, duas emissoras de rádio,

um jornal e um portal online. É justamente o portal que escolhemos como meio de

comunicação para análise. Ele entrou no ar, como site, em sete de janeiro de 1997. Em

2001 foi transformado em portal com o nome “No olhar”, mas somente em junho de

2006 foi que o portal O Povo entrou de fato na rede e ganhou redação própria.

A partir de então passou, paulatinamente, a ter perfis em redes sociais, como

Twitter, Facebook, Instagram e Snapchat, para se aproximar dos leitores. Em 2015,

passou a receber conteúdos dos leitores pelo aplicativo de mensagens instantâneas

Whatsapp. Em 2010, O Povo Online passou a ter versões para Ipad e IPhone e, em

2014, a oferecer assinatura digital. Em 2017, o portal completa 20 anos. Em seu Código

de Ética Jornalística, O Povo pontua ter como objetivo "informar e formar opinião

consentânea com os valores da livre iniciativa". O jornal busca estabelecer forte ligação

com a população.

A escolha das versões online dos portais em questão se deu pelo fato de que o

Caso Dandara tomou grandes proporções exatamente por ter sido exaustivamente

divulgado e discutido na internet. Desse modo, o corpus do artigo em questão é

composto por duas matérias de cada portal: O Povo e Diário do Nordeste.

Tomando como base o método de análise de conteúdo descrito por Laurence

Bardin (1977) e Maria Cecília de Souza Minayo (2014), nossa proposta é analisar como

o Caso Dandara foi abordado pelos portais. O aprofundamento da análise se dará no

conteúdo e na forma como ele é percebido nas matérias, o tratamento dado ao caso e à

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própria trans. Também procuraremos compreender em que medida o jornalista é

responsável pela produção de sentido através do dito e do não-dito, dos textos verbais e

não-verbais e da escolha de certos termos em detrimento de outros para a realização do

discurso jornalístico.

Um Arco-íris de Sangue

De acordo com dados do Grupo Gay da Bahia (GGB) , cerca de 343 LGBT 6

(lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) foram assassinados no Brasil entre janeiro e

dezembro de 2016, o que faz de nosso país o campeão mundial de crimes contra

minorias sexuais, ultrapassando os 13 países do Oriente e da África onde ainda existe

pena de morte contra os LGBT. Destes 343 , 7

173 eram gays (50%), 144 (42%) trans (travestis e transexuais), 10 lésbicas (3%), 4 bissexuais (1%), incluindo 12 heterossexuais, como os amantes de transexuais (“T-lovers”), além de parentes ou conhecidos de LGBT que foram assassinados por algum envolvimento com a vítima, como o ambulante do metrô de S. Paulo ou por serem confundidos com gays. (GGB, 2016, p. 1-2)

Uma das principais características desses crimes é sua variação e

imprevisibilidade. Eles não escolhem classe social, idade, cor ou profissão. A única

previsão recorrente, segundo o analista de sistemas Eduardo Michels, responsável pela

atualização do banco de dados do GGB, é que neste ano de 2017 serão assassinados

mais de 300 LGBT dentro do território brasileiro. Segundo a Rede Trans Brasil , até o 8

dia 28 de abril de 2017, foram documentados 47 assassinatos e 28 tentativas de

homicídio a pessoas trans . 9

Em meio ao cenário de crimes contra esse grupo, o Ceará, com um total de 15

mortes, é um dos seis estados do Brasil que mais matou LGBTs no ano de 2016, ficando

atrás apenas de São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro, Amazonas e Minas Gerais. Destas, 5

(25%) eram trans. Segundo agências internacionais, mais da metade dos homicídios de

transexuais do mundo ocorrem no Brasil (GGB, 2016).

6 O Grupo Gay da Bahia (GGB) é a mais antiga associação de defesa dos direitos humanos dos homossexuais no Brasil. Fonte: <https://grupogaydabahia.com.br/ >. Acesso em: 26 de abril de 2017. 7 Pesquisa disponível no portal Homofobia Mata <http://homofobiamata.wordpress.com/>. Acesso em: 26 de abril de 2017. 8 A Rede Trans Brasil é uma instituição nacional que representa Travestis e Transexuais do Brasil. Fonte: <http://redetransbrasil.org>. Acesso em 28 de abril de 2017 9 Pesquisa disponível no site Rede Trans Brasil <http://redetransbrasil.org>. Acesso em 28 de abril de 2017

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Proporcionalmente, as travestis e transexuais são as mais vitimizadas: o risco de uma “trans” ser assassinada é 14 vezes maior que um gay, e se compararmos com os Estados Unidos, as 144 travestis brasileiras assassinadas em 2016 face às 21 trans americanas, as brasileiras têm 9 vezes mais chance de morte violenta do que as trans norte-americanas. (GGB, 2016, p. 2)

Além de Dandara dos Santos, mais cinco casos de agressão contra pessoas trans

foram registrados no Ceará em 2017, sendo três com morte. O primeiro caso do ano

aconteceu em Russas, no final de janeiro. Paola Oliveira, 30 anos, foi encontrada morta

com sinais de violência, às margens da BR-116. Três dias antes do assassinato de

Dandara, Hérika Izidório, 24 anos, foi agredida, jogada de um viaduto e sofreu

traumatismo craniano, também em Fortaleza, falecendo quase dois meses depois. Outro

registro é da trans Paulete de Andrade, 42 anos, que foi agredida com uma faca no

abdômen, cortes no pescoço e chutes na cabeça. O caso aconteceu em Morrinhos,

cidade a cerca de 200 km da capital cearense, pouco mais de um mês após a morte de

Dandara. Menos de vinte dias depois, mais um caso de agressão contra uma pessoa

trans foi apontado, mas sem muitas informações: no dia 26 de março um homem trans

levou um tiro na perna em Fortaleza. O último caso registrado, também sem muitas

informações, afirma que Pinha Priscila foi espancada até a morte na capital do Ceará, no

dia 22 de abril. O levantamento foi feito através de matérias do portal O Povo e do site

Rede Trans Brasil.

Percurso Metodológico

Chegamos à escolha do objeto de análise por meio de uma busca realizada nos

portais de notícias utilizando o termo “Caso Dandara”, sem aspas. Ao todo, foram

encontradas 16 notícias correspondentes no Diário do Nordeste (DN) e outras 35 no O

Povo. Das 16 matéria do DN, quatro abordavam atos e protestos que ocorreram após a

morte de Dandara. No caso do portal O Povo, dos 35 links, 15 eram oriundos da versão

impressa do jornal e 9 versavam sobre os protestos ou exigências que começaram a

acontecer depois do assassinato da trans. Ao contrário de O Povo, o Diário do Nordeste

não sinaliza as matérias provenientes da versão impressa.

Para análise, decidimos focar naquelas matérias que tratavam diretamente sobre

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o crime. Dentre toda a produção jornalística dos portais, optamos por duas matérias de

cada veículo: aquelas nas quais identificamos um maior nível de aprofundamento no

conteúdo, devido ao uso de elementos de narrativa como: imagens, texto, hiperlinks,

infográfico e maior número de fontes. Como técnica de pesquisa, lançamos mão da

análise de conteúdo, descrita por Laurence Bardin como um conjunto de técnicas de

análise textual (verbal e não-verbal), que visam obter por procedimentos sistemáticos a

inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção de mensagens

(BARDIN, 1977). Ou seja, a análise de conteúdo “é uma técnica de pesquisa que

permite tornar válidas e replicáveis inferências sobre dados de um determinado

contexto, por meio de procedimentos especializados e científicos.” (MINAYO, 2014, p.

303)

Moraes (1999, p. 3) citando o modelo de comunicação de Laswell, sugere seis

questões com as quais podemos categorizar a comunicação, são elas: (1) Quem fala? (2)

Para dizer o que? (3) A quem? (4) De que modo? (5) Com que finalidade (6) Com que

resultado? Optamos por escolher três dessas categorias para orientar nossa análise, pois

acreditamos que elas dão conta diretamente da responsabilidade do jornalista enquanto

ferramenta para produção de sentido: (1) Quem fala? questão “a partir da qual se

procurará determinar características de quem fala ou escreve, seja quanto à sua

personalidade, comportamento verbal, valores, universo semântico, características

psicológicas e outras” (MORAES, 1999, p. 3) (2) Para dizer o que? diz respeito à

mensagem propriamente dita, seu valor informacional e (3) De que modo? onde “o

pesquisador estará voltado à forma como a comunicação se processa, seus códigos, seu

estilo, a estrutura da linguagem e outras características do meio pelo qual a mensagem é

transmitida” (MORAES, 1999, p. 3).

Desse modo, chegamos às quatro matérias que serão objeto de nossas análises:

(1) Travesti é espancada até a morte em Bom jardim (escrita por Luana Severo, 10

publicada em 03.03.2017 às 18:02 | 1.398.92 acessos | 89 comentários) - Portal O 11

Povo; (2) Justiça emite ordem para prender suspeito (escrita por Emanoela Campelo 12

10 Disponível em <http://www.opovo.com.br/noticias/fortaleza/2017/03/travesti-e-espancada-ate-a-morte-no-bom-jardim.html> 11 Quantidade de acessos e comentários verificados às 16:30 de 28.04.17 12 Disponível em

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de Melo, publicada em 07.03.2017 às 00:00) - Portal Diário do Nordeste; (3) Travesti

Dandara foi apedrejada e levou dois tiros, afirma delegado (publicada em 07.03.2017 13

às 19:39, atualizada às 20:57) - Portal Diário do Nordeste ; (4) Morte de Dandara: 14

foram pelo menos três sessões de tortura (escrita por Demitri Túlio, publicada em 15

19.03.2017 às 12:00 | 6.803 acessos | 0 comentários) - Portal O Povo. 16

1. O vídeo

O intervalo entre a morte de Dandara e a cobertura da mídia foi de quase

dezesseis dias. Isso porque foi só após a divulgação do vídeo em que Dandara dos

Santos aparece sendo agredida, que a grande mídia, o poder público e grande parte da

sociedade civil tomaram conhecimento do fato. Por esse motivo é importante analisar

como os meios de comunicação fizeram uso dessas imagens, visto que o vídeo se tornou

uma fonte primária de apuração.

Segundo consta nos portais de notícia, o vídeo teria sido gravado por um dos

acusados e colocado em redes sociais. A partir de então, tornou-se viral em todo o país.

As matérias (1) e (3) trazem frames do vídeo que documentou a agressão sofrida pela

vítima:

Figura 1- Frame que aparece na matéria (1): “Travesti é espancada até a morte no Bom Jardim”.

Fonte: Portal O Povo

<http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/policia/justica-emite-ordem-para-prender-suspeitos-1.1715848> 13 Disponível em: <http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/policia/online/travesti-dandara-foi-apedrejada-e-levou-dois-tiros-afirma-delegado-1.1716233>. Não é sinalizado o autor da matéria. 14 O portal Diário do Nordeste não disponibiliza quantidade de acessos por matéria e espaço para comentário dos leitores. 15 Disponível em: <http://www.opovo.com.br/noticias/fortaleza/2017/03/morte-de-dandara-foram-pelo-menos-tres-sessoes-de-tortura.html> 16 Quantidade de acessos e comentários verificados às 16:34 de 28.04.17

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Figura 2- Frame que aparece na matéria (3): “Travesti Dandara foi apedrejada e levou dois tiros,

afirma delegado”. Fonte: Portal Diário do Nordeste Na matéria (1), o portal O Povo legenda o frame que ilustra a matéria com “O

assassinato da travesti Dandara dos Santos está circulando em páginas da internet.

(Reprodução/ Facebook)”. O Povo ainda se posiciona a respeito da divulgação do vídeo:

“O povo Online opta por não divulgar o vídeo devido a violência contida nele”,

demonstrando, assim, ética e certa sensibilidade com o caso e com os leitores.

Do mesmo modo, a matéria (3), do Diário do Nordeste, referencia o vídeo da

agressão (física e verbal) apenas com um frame, que segue legendado com “O

homicídio de Dandara ganhou repercussão após um vídeo de um 1 minuto e vinte

segundo, com requintes de crueldade, ter ganhado as redes sociais”.

Apesar de optarem pela não divulgação do vídeo, os portais trazem um recorte

do mesmo, ilustrando, assim, a matéria com uma imagem que chama a atenção do

internauta/leitor. Mais que isso, a escolha por apresentar uma imagem do fato, faz

lembrar que ela origina-se do vídeo e que, mesmo decidindo não reproduzir material

inadequado, não ocorreu a supressão da imagem, conservando assim a carga

informacional relativa ao vídeo.

Ao contrário das matérias (1) e (3), na (2) e na (4) o fato é ilustrado apenas pela

descrição narrativa presente no texto, deixando implícita a escolha dos portais de não

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divulgar o vídeo. A (2) traz ainda um infográfico como referência às agressões. Na (4),

temos uma descrição objetiva das cenas do vídeo, por onde os leitores/internautas ficam

sabendo exatamente o que aconteceu. Abaixo, reproduzimos o trecho:

“Dandara está sozinha, já bastante machucada e sangrando. Ela está sentada numa área cimentada do calçamento e com uma camisa amarela na mão, usada para enxugar o sangue da testa, nariz, boca e rosto. Nesse momento, a vítima inicia um diálogo entrecortado com quem filma e com alguém que está próximo a ele.”

Diferente da matéria (1), onde a autora faz uso de uma linguagem subjetiva em

que busca: “ofertar a realidade que justamente apresente as interpretações subjetivas,

espontâneas – portanto mais imediatas ao acontecimento – e o engajamento a essa

experiência como fundamentais, para comprovar sua autenticidade” (PICCININ, 2014,

p. 324), ficamos não só sabendo o que aconteceu, mas também sentimos parte do

sofrimento de Dandara, pois “emoção também é informação” (MORAES, 2015, p. 27).

Abaixo, reproduzimos um trecho da matéria (1) para exemplificar:

“Sobe logo! A ‘mundiça’ tá de calcinha e tudo”, zomba outro que filma, antes de um quarto garoto aparecer e chutar diretamente o crânio de Dandara. Depois disso, as agressões miram só ali: na cabeça loura-avermelhada que resulta da mistura de cabelo e sangue.

A matéria (4) traz ainda uma transcrição dos áudios contidos no vídeo. E, agora,

direciona a atenção para a fala de cada participante da ação, apresentando as falas por

Voz 1, Voz 2, Voz 3, Voz 4, Voz 5, Voz 6, Outras Vozes e Dandara. O leitor/internauta

tem, assim, o acesso ao que parece um diálogo teatral, carregado de ameaças, insultos e

sofrimento.

2. Multimidialidade

Partiremos aqui da definição de multimidialidade trazida por Salaverría (2014),

segundo o qual multimidialidade é a “combinação [eficaz] de pelo menos dois tipos de

linguagem em apenas uma mensagem” (p. 30). O autor indica ainda os oito elementos

diferentes que podem constituir um conteúdo multimídia, são eles: 1) texto; 2)

fotografia; 3) gráficos, iconografia e ilustrações estáticas; 4) vídeo; 5) animação digital;

6) discurso oral; 7) música e efeitos sonoros; 8) vibração, sendo este último, para

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Salaverría, ainda pouco utilizado como ferramenta de comunicação. Nas matérias

escolhidas para análise pudemos observar a presença de imagens, infográficos, tags,

hiperlinks, além do material textual.

A (1) traz, além do frame já citado neste artigo, um link no corpo do texto, que

redireciona o leitor a uma matéria sobre o caso do espancamento de outra trans, Hérika

Izidoro, que ocorreu antes da morte de Dandara, mas não teve repercussão.

Figura 3- Trecho da matéria (3): “Travesti é espancada até a morte no Bom Jardim”, em que aparece um

hiperlink. Fonte: Portal O povo

Com isso, nota-se que o jornal preza pela informação. Repercutindo ou não,

busca retomar histórias semelhantes que apresentem um histórico de transfobia no

estado do Ceará. Ao final desta matéria ainda aparecem tags, entre elas “transfobia”.

A imagem principal da matéria (2) é um infográfico que mostra três momentos

da agressão de Dandara. Escolha adequada e interessante para ilustrar a ação, em

detrimento do vídeo. Também apresenta uma imagem de uma postagem do governador

Camilo Santana numa rede social, ilustrando o início do texto, que fala justamente de

sua opinião sobre o caso.

Figura 4- Infográfico apresentado na matéria (2): “Justiça emite ordem para prender suspeitos”.

Fonte: Portal Diário do Nordeste Matéria (3): além do frame, contém um link no corpo da matéria que redireciona

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para uma outra que trata sobre a prisão de cinco suspeitos de agredir e assassinar

Dandara. Apresenta também o box “Leia Mais” com três hiperlinks cujos títulos são:

“Com 15 mortes ano passado, Ceará ocupa o 6º lugar no ranking de assassinatos a

LGBT”, “‘Não iremos tolerar esse tipo de violência’, diz Camilo sobre assassinato da

travesti Dandara” e “Caso Dandara: Roberto Cláudio anuncia apoio às investigações e

punição dos criminosos”. Com isso, o portal além de trazer mais informações sobre o

caso, também traz o apoio do prefeito de Fortaleza e do governador do Ceará acerca da

não tolerância para esse tipo de crime e apoio às investigações, e ainda apresenta um

link que leva a um balanço sobre o crime contra LGBT no estado.

A última matéria analisada, (4), possui, na sua margem esquerda, um box

intitulado ‘Sobre o assunto’, que reúne 7 hiperlinks que levam à outras matérias a

respeito dos desdobramentos do caso Dandara.

Figura 4- Trecho da matéria (4): “Morte de Dandara: foram pelo menos três sessões de tortura”, em que

aparece um box com 7 hiperlinks relacionados ao caso. Fonte: Portal O povo

Para ilustrar a matéria tem-se duas capas do jornal impresso O POVO (4 de

março e 7 de março), às quais abordam o assassinato de Dandara como manchete. Além

disso, dispõe um hiperlink no corpo do texto, que redireciona o leitor a uma matéria que

trata do indiciamento de sete homens pelo assassinato de Dandara. O que se percebeu

foi que em ambos os portais, todos os recursos multimídia utilizados (imagem,

infográfico, hiperlink e tags) foram feitos de maneira consciente e eficaz, tornando-se

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importantes para a construção das notícias. A cobertura do caso ficou mais dinâmica e

rica em informações.

3. Fontes

Pessoas, órgãos, bancos de dados, documentos escritos ou audiovisuais. As

fontes são elementos imprescindíveis para o exercício da atividade jornalística, posto

que é por meio delas que o jornalista toma conhecimento de informações e faces do

mesmo acontecimento que, mais tarde, farão parte da narrativa. Em casos delicados e

representativos como a morte de Dandara, esse elemento (as fontes) toma maior

importância, pois através dele o jornalista irá refletir acerca de um problema social,

neste caso, a transfobia.

Com a análise, o que se pôde perceber foi que as matérias (2) e (3), ambas do

Diário do Nordeste, tiveram como fontes apenas pessoas e órgãos chamados “oficiais”,

como o secretário de Desenvolvimento Social e combate à fome, Elpídio Nogueira e o

Prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, no caso da (2), e o Delegado Bruno Ronchi,

titular da 32º Distrito Policial (DP) e a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social

(SSPDS), no caso da (3). Além disso, as duas matérias utilizam postagens de redes

sociais como base para escrever parte da notícia. A (2), um post do governador do

Ceará, Camilo Santana, e a (3) um post do secretário de segurança do estado, André

Costa. A (4), do O Povo, por sua vez, apresenta algumas informações que têm como

fonte a Legislação Brasileira e a Perícia Forense do Ceará (Pefoce). Na matéria há ainda

uma entrevista que, por inferência, também foi concedida pela Pefoce.

Apesar das três matérias anteriormente citadas terem bons suportes de

informação por apresentarem apenas fontes oficiais, a matéria (1), do portal O Povo, é a

que mais chama atenção por trazer maior diversidade de fontes na composição da

notícia. Com isso, pudemos identificar a preocupação com a quebra de

antagonismos/equivalências, provocada pela escolha de uma ou duas fontes. A matéria

(1) traz uma terceira fonte, assim, oferecendo uma nova perspectiva sobre o fato.

As fontes são: Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSDS), o órgão

público informa sobre os procedimentos legais acerca do caso; Coordenador Especial de

Políticas Públicas para LGBT, Narcísio Júnior, que forneceu informações sobre a prisão

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de um dos suspeitos; a pesquisadora de Gênero e Sexualidade Helena Vieira, fonte

necessária para pensar o caso de maneira mais ampla, trazendo certa profundidade a

matéria; além do coordenador do Centro de Referência LGBT de Fortaleza, Téo

Cândido, que apresenta uma abordagem e um panorama maior acerca do assunto,

refletindo o porquê de poucas trans fazerem denúncias de agressões: além de muitas

vezes acharem que são “sujeitos sem direito”, que não podem denunciar, elas têm medo

de fazê-lo e, com isso, sofrer com novas situações de violência. Ele também alega que

as delegacias “não estão preparadas para receber essas denúncias”.

Uma fonte comum às quatro matérias foi justamente aquela que deu início a

repercussão do caso: o vídeo da agressão a Dandara.

4. Terminologias

Devido aos estudos sobre identidade de gênero, muitos termos estão sendo

questionados, tornando as terminologias um campo em constante ressignificação. Como

dissemos na página 2 deste artigo, optamos por nos referir à Dandara como trans, por

julgarmos esse termo neutro. De acordo com a pesquisadora Jaqueline Gomes de Jesus

(2012): “denominamos as pessoas não-cisgênero, as que não são identificam com o

gênero que lhes foi determinado, como transgênero, ou trans” (p.10). Essa escolha

servirá como referência para análise das matérias.

Todas as matérias mencionaram o termo ‘travesti’, algumas em maior, outras em

menor quantidade. As vezes ela é tratada apenas por ‘Dandara’ enquanto Dandara,

como aconteceu frequentemente na matéria (4); outras vezes é chamada pelo termo

“travesti”, ligado ou não ao seu nome, como em (3) e (2), respectivamente, e também

em (1), onde por vezes aparece sozinho e em outras acompanhado do nome de Dandara

ou de Herika (também citada na matéria); noutras Dandara também é chamada por

‘vítima’, uma vez em (1), (2) e (3). Poucas vezes os portais se referem a trans como

“ela”. Em (3) o pronome aparece apenas uma vez e em (1) em dois momentos, assim

como “nela” (1 vez) e “dela” (1 vez). Por que não utilizar mais o pronome “ela” em

substituição, evitando, assim, repetição de outros termos?

A sensação que temos ao ler as matérias é que tanto O Povo quanto Diário do

Nordeste receiam chamar Dandara por pronomes femininos. A ausência do artigo de

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tratamento 'ela', quando citando Dandara, denota, inferimos, um jornalista tímido quanto

ao uso dos termos. Nos parece que há falta de conhecimento à respeito das

terminologias ou ainda receio de tratá-la de maneira incorreta e, por isso, optam por

referir-se a ela apenas por ‘Dandara'. Além das terminologias no corpo do texto, todas

as matérias possuem ‘chapéu’ (jargão jornalístico utilizado para se referir a palavra ou

frase em destaque, usada acima do título e em tamanho pequeno, para caracterizar o

assunto ou personagem da matéria) mas a (4) se utiliza dele para nortear o texto,

antecipando que o crime foi [ou teria sido] cometido por Dandara ser trans.

(Figura 5- Título e chapéu da matéria (4). Fonte: O Povo)

As demais matérias também possuem chapéu, mas sem a carga de informação

que a (4) trouxe: (1)- VIOLÊNCIA, (2)- ‘CASO DANDARA’ e (3)- INVESTIGAÇÃO.

Considerações Finais

Ambos os portais O Povo e Diário do Nordeste fizeram uso de vários elementos

para estruturar suas narrativas e cumprir com o objetivo final de informar o público a

respeito do Caso Dandara. Além disso, os portais também informam muito através do

não-dito, do que fica implícito na mensagem. A supressão do vídeo, mas não de

imagens dele, mostra como esse elemento foi uma peça chave para relatar o fato e

fazê-lo repercutir. Também pudemos perceber a desinformação dos jornalistas acerca

das terminologias adequadas para se referir a pessoas trans.

Quando uma matéria deixa de trazer elementos diversos para construir sua

narrativa, não se preocupa com o uso correto de terminologias e deixa de explorar as

fontes, cria espaços para o não-dito, suprimindo informações que poderiam adicionar à

matéria maior carga de sentido, visando “desse modo, impulsionar o homem e a

sociedade a ação. Por que não se daria caráter essencial à sua atividade [a do jornalista]

fosse ela meramente informativa, destinada a satisfazer curiosidades e entreter espíritos”

(BELTRÃO, 1960, p. 159)

O papel do jornalista em casos como o de Dandara é de fundamental

importância, posto que ele é o mediador de um fato que dá conta de um problema

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social: a transfobia. Sendo assim é necessário que este seja capaz de, através da

informação, não apenas trazer à tona o acontecido, mas provocar uma tomada de

consciência e, a partir daí, fazer nascer no leitor uma reflexão.

Referências Bibliográficas ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS. Manual de Comunicação LGBT. Ferdinando Martins, Lilian Romão, Liandro Lindner, Toni Reis. (Org.) [Curitiba]: Ajir Artes Gráficas e Editora, 2010. BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. BELTRÃO, Luiz. Iniciação à Filosofia do Jornalismo. Rio de Janeiro: Agir Editora, 1960. GRUPO GAY DA BAHIA (GGB). Assassinatos de LGBT no Brasil. Bahia, Brasil; relatório de 2016. Disponível em <https://homofobiamata.files.wordpress.com/2017/01/relatc3b3rio-2016-ps.pdf>. Acessado em 25 de abril de 2017. JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre Identidade de Gênero: Conceitos e Termos. Brasília, 2012. Disponível em: <http://www.diversidadesexual.com.br/wp-content/uploads/2013/04/G%C3%8ANERO-CONCEITOS-E-TERMOS.pdf>. Acessado em 25 de abril de 2017 MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14 ed. São Paulo: Hucitec, 2014 MORAES, Fabiana. O nascimento de Joicy. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2015. MORAES, Roque. Análise de Conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 7-32, 1999. PICCININ, Fabiana; ETGES, Ananda. O eu que narra, que sente e que diz como são feitas as notícias: análise da atorização em “Profissão Repórter”. In: PICCINICN, F.; SOSTER, D. de A. (Org). Narrativas comunicacionais complexificadas: a forma. 2 ed. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2014. PORTAL O POVO. Disponível em <http://www.opovo.com.br/20anos/>. Acesso em 25 de abril de 2017. PORTAL O POVO. Disponível em <http://www20.opovo.com.br/app/ombudsman/2012/02/07/notombudsman,2779903/codigo-de-etica-da-empresa-jornalistica-o-povo.shtml>. acesso em 25/04/2017 às 19:10 SALAVERRÍA, Ramón. Multimedialidade: Informar para cinco sentidos. In: CANAVILHAS, João (Org.). Webjornalismo: 7 características que marcam a diferença. Livros LabCom, 2004. p. 25-51.

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