hun ziker 2003
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MARIA HELENA LEITE HUNZIKER
DESAMPARO APRENDIDO
Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Livre Docente.
So Paulo 2003
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A cincia antes de tudo um conjunto de
atitudes. uma disposio de tratar com os
fatos, de preferncia, e no com o que se
possa ter dito sobre eles. (Skinner,
1953/1970, p. 15)
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SUMRIO
Pgina
LISTA DE FIGURAS............................................................................................ i
LISTA DE QUADROS ........................................................................................ v
RESUMO............................................................................................................... vi
ABSTRACT........................................................................................................... vii
APRESENTAO GERAL.................................................................................. 1
Parte 1 SOBRE CONTROLE
Conceito ................................................................................................ 2
Metodologia de estudo .......................................................................... 4
Parte 2 SOBRE DESAMPARO APRENDIDO
Estudos bsicos ..................................................................................... 8
Desenvolvimento das pesquisas com animais ...................................... 12
Interpretaes tericas
............................................................................
15
Modelo animal de depresso .................................................................. 20
Parte 3 ESTUDOS REALIZADOS NO NOSSO LABORATRIO
Mtodo geral .......................................................................................... 23
Bloco 1 Experimentos bsicos Estudo inicial........................................................................ 31
Refinamento metodolgico................................................... 36
Replicao do
desamparo......................................................
42
Choque liberado nas patas ou cauda..................................... 45
Modificao no teste R saltar (FR1).................................. 52
Desamparo com R de focinhar (FR1)................................... 56
Desamparo em ratos machos e fmeas................................. 60
Consideraes sobre esse bloco ........................................... 62
Bloco 2 Testes de interpretaes tericas
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ii
Hipteses associativas R-S................................................... 64
Hipteses neuroqumicas...................................................... 74
Consideraes sobre esse bloco ........................................... 78
Bloco 3 Questes diversas Determinantes genticos e ambientais................................. 81
Relaes S-S ....................................................................... 91
Traumas de infncia ......................................................... 93
Generalizao entre contextos ............................................. 96
Desnutrio protica ........................................................... 101
Tratamentos farmacolgicos ................................................ 103
Consideraes sobre esse bloco ........................................... 109
Bloco 4 Estgio atual......................................................................
Lies do passado 112
Estudos em andamento 116
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .............................................................. 125
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i
LISTA DE FIGURAS
Figura Pgina 1
Representao esquemtica da shuttlebox desenvolvida em nosso laboratrio para registro da resposta de saltar (desenho de Marson Guedes Ferreira).
26 2
Latncias mdias das respostas de fuga correr e pressionar a barra, apresentadas na sesso de teste dos experimentos 1 e 2, respectivamente. A resposta de correr foi reforada em FR1, no primeiro bloco de tentativas, e em FR2 nos demais blocos; a resposta de presso barra foi reforada com razo crescente de FR1 a FR3. Antes dessa sesso, os grupos foram expostos a diferentes tratamentos: grupos no-choque (N), incontrolvel (I), pr-treinado (P) e fuga (F) (adaptada de Hunziker, 1977a).
33 3
Latncias mdias da resposta de saltar, apresentadas por sujeitosingnuos expostos contingncia de fuga FR1 (adaptada de Hunziker,1981).
41 4
Latncias mdias das respostas de fuga apresentadas por sujeitos ingnuos expostos diferentes contingncias de reforamento negativo. As respostas reforadas foram saltar-FR1, correr-FR1, correr-FR2 (apenas o primeiro bloco de tentativas em FR1) e presso barra-FR3 (adaptada de Hunziker, 1977a; 1981a,b).
42 5
Latncias mdias das respostas de fuga correr-FR1, correr-FR2 e saltar-FR1, apresentadas por sujeitos previamente expostos a choques incontrolveis (I) ou a nenhum choque (N). Na contingncia de fuga correr-FR2 as respostas do primeiro bloco de tentativas foram reforadas em FR1 (adaptada de Hunziker, 1981a). 43
6
Latncias mdias da resposta de fuga saltar apresentadas por sujeitos previamente expostos diferentes tratamentos: choque controlvel (C), incontrolvel (I) ou nenhum choque (N) ( adaptada de Hunziker, 1981b). 44
7
Representao esquemtica da shuttlebox baixa, proposta por Berk, Marlin e Mille (1977). 48
8
Latncias mdias da resposta de fuga correr, apresentadas por dois ratos (suj.1 e suj.2) em uma shuttlebox baixa, frente a choques liberados na ordem cauda-pata-cauda-pata (adaptada de Hunziker, 1983b). 50
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ii
9 Latncias mdias da resposta de fuga saltar apresentadas por sujeitos
previamente expostos a choques incontrolveis (I) ou nenhum choque (N). Os grupos do painel esquerdo receberam choques com durao mxima de 30s, enquanto que os da direita receberam choques com durao mxima de 10s. As diferenas entre os grupos N e I tm p
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iii
17 Latncias mdias da resposta de fuga saltar, apresentadas pelos
sujeitos no expostos previamente a choques com a roda livre (grupo N-L) e pelos subgrupos de animais expostos a choques incontrolveis com a roda livre que apresentaram alta ou baixa taxa de resposta durante os choques (grupos L+ ou L-, respectivamente) (adaptada de Hunziker, 1981b). 74
18
Latncias mdias da resposta de fuga saltar, apresentadas pelos sujeitos no expostos previamente a choques (grupos N) ou expostos a 60 choques incontrolveis liberados em trs sesses de 20 choques cada (grupos I), injetados via i.p. com salina (0) ou naloxa nas doses de 5, 10 ou 20 mg/Kg, 10 min antes do teste (adaptada de Hunziker, 1992). 77
19
Latncias mdias da resposta de fuga saltar apresentadas pelos sujeitos dos diferentes grupos de tratamento, expostos a diferentes quantidades de choques incontrolveis (10, 20 ou 60 choques) distribudos em 1, 3 ou 6 sesses (adaptada de Hunziker, Barg e Favilla, 1984). 88
20
Latncias mdias da resposta de fuga saltar apresentadas por ratos adultos (97 dias) que receberam tratamento de choques controlveis (C), incontrolveis (I) ou nenhum choque (N) quando recm desmamados (infantes) ou na fase adulta (adaptada de Mestre e Hunziker, 1996). 95
21
Latncias mdias da resposta de fuga saltar apresentadas por ratos que receberam previamente o tratamento com gua controlvel (C), incontrolvel(I) ou nenhum tratamento (N) (adaptada de Capelari, 2002). 97
22
Freqncia de respostas de presso barra frente ao Sd e ao S delta, apresentadas pelos sujeitos previamente submetidos a choques controlveis (C), incontrolveis (I) ou nenhum choque (N), nas sesses 1 e 10 do teste sob contingncia de reforamento mltiplo-concorrente (FR/extino). As diferenas entre Sd e S delta, em cada grupo, so sinalizadas com os asteriscos (p(
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iv
23 Latncias mdias da resposta de fuga saltar apresentadas pelos sujeitos
no expostos previamente a choques (grupos N) ou expostos a 60 choques incontrolveis liberados em uma nica sesso (grupos I-1/60) ou distribudos ao longo de 3 sesses (grupos I-3/20). Os dados do painel esquerdo dizem respeito aos animais que receberam 1 ml/Kg de salina, administrada via i.p. 30 min antes da sesso de teste; os do painel direito receberam injeo de igual volume de 1 mg/Kg de imipramina (adaptada de Hunziker, Buonomano e Moura, 1986). 105
24
Latncias mdias da resposta de fuga saltar apresentadas pelos sujeitos no expostos previamente a choques (grupos N) ou expostos a 60 choques incontrolveis liberados em uma nica sesso (grupos I). Esses grupos foram tratados com salina (sal) ou 16mg/Kg de imipramina (imi) ao longo de 5 dias, com duas injees dirias. A imipramina foi administrada de forma aguda (8 doses de salina seguida de uma de imipramina) ou crnica (9 doses de imipramina). A ltima injeo foi administrada 30 min antes da sesso de teste (adaptada de Graeff, 1991). 107
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v
LISTA DE QUADROS
Quadro Pgina 1
Representao esquemtica dos procedimentos para estudo dos efeitos de desamparo (duplas ou trades) e imunizao. O intervalo entre sesses de 24h. As siglas R1 e R2 indicam respostas de fuga diferentes em cada sesso. 30
2
Resumo das previses decorrentes das hipteses motora e do desamparo para os resultados a serem obtidos no teste de fuga pelos sujeitos dos grupos G (roda girando), T (roda travada), GT (roda girando/travada) e L (roda livre). 72
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vi
RESUMO
HUNZIKER, Maria Helena Leite. Desamparo aprendido. 2003. 140p. Tese (Livre
Docncia). Instituto de Psicologia, Universidade de So Paulo.
O presente trabalho faz uma sntese crtica das pesquisas sobre desamparo
aprendido realizadas no nosso laboratrio. Inicialmente, so apresentados os
fundamentos conceituais e metodolgicos dessa linha de investigao, seguidos de uma
breve reviso dos estudos do desamparo em animais, suas interpretaes tericas e sua
proposio como modelo animal de depresso. Nossas pesquisas, realizadas com ratos
como sujeitos, esto agrupadas em quatro blocos temticos. No primeiro bloco so
analisados os trabalhos iniciais que possibilitaram a reviso e aprimoramento do
procedimento bsico a ser empregado nos demais estudos. No bloco 2 so apresentadas
as pesquisas que realizaram teste das hipteses de inatividade aprendida, desamparo
aprendido e liberao de endorfinas. O bloco 3 agrupa pesquisas diversificadas,
voltadas para identificar os determinantes da variabilidade intragrupo, as relaes R-S
ou S-S envolvidas no desamparo, a generalidade desse efeito entre contextos aversivos
e apetitivos, sua permanncia ao longo da vida do sujeito, o efeito da desnutrio
protica e de tratamentos farmacolgicos com antidepressivos. No bloco 4
apresentamos o estgio atual de trabalho em nosso laboratrio, analisando as
contribuies das pesquisas anteriores e os novos estudos em andamento.
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vii
ABSTRACT
HUNZIKER, Maria Helena Leite. Learned helplessness. 2003. 140p. Thesis. Instituto
de Psicologia, Universidade de So Paulo.
The present paper is a critical review and a synthesis of the experiments
conducted in our laboratory on learned helplessness. At first, we present the foundations
of this investigation area, its core concept, its methodological design and a brief review
of some empirical studies. Over four blocks, a compilation of our main experiments
using rats as subjects are portrayed. In the first block, we analyze our initial studies on
learned helplessness, which promoted an improvement of the task to produce a
procedure that is more coherent with this behavioral effect from a conceptual and
methodological standpoint. The second block presets the studies that aimed at testing
some of the hypotheses: learned inactivity, learned helplessness, and endorphin release.
The third block presents varied pieces of research, which aimed at identifying R-S and
S-S relations involved in helplessness, the possibility of generalization from aversive to
appetitive contexts, its persistence throughout the life span of the experimental subject,
and the effects of pharmacological treatments. The fourth block presents conclusions
drawn from this set of experiments and introduces other studies that are still being
conducted.
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APRESENTAO GERAL
O presente trabalho compila os estudos sobre o desamparo aprendido que
realizei entre 1977 at os dias de hoje. Seu objetivo fazer uma sntese crtica da minha
trajetria de pesquisa sobre esse tema, partindo da questo primeira que me levou ao
laboratrio at chegar s pesquisas que ainda esto em andamento.
H tempos eu me deparei com essa necessidade de sistematizao como forma
de dar unidade ao conjunto realizado, possibilitando aos iniciantes na rea um mergulho
concentrado nos problemas e solues encontrados no nosso laboratrio. Aquilo que era
passado aos alunos de maneira informal, agora estar aqui registrado de maneira
ordenada, facilitando esse acesso.
Os trabalhos que sero analisados foram desenvolvidos por mim e pelo grupo de
pesquisa a mim associado, tendo-se por perspectiva de anlise o behaviorismo radical
(Skinner, 1974). So trabalhos experimentais, voltados investigao bsica do
comportamento, utilizando ratos como sujeitos. Na sua maioria, essas pesquisas j
foram divulgadas atravs de tese e dissertaes, artigos em peridicos, artigos ou
resumos em anais de congressos, captulos de livros, apresentaes em congressos e
palestras. Apenas os trabalhos mais recentes, em andamento ou recm concludos, so
ainda inditos. A originalidade da atual apresentao consiste, portanto, na tentativa de
sntese e releitura do conjunto de trabalhos a partir da experincia acumulada ao longo
dos anos.
Para comear, apresento, resumidamente, os fundamentos conceituais e
metodolgicos dessa linha de investigao.
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PARTE 1
SOBRE CONTROLE Conceito
No raro que o termo controle, voltado ao estudo do comportamento, tenha
uma conotao antiptica ou aversiva. Para muitas pessoas, o controle do
comportamento significa necessariamente imposio, coero, restrio de liberdade,
desconforto, jugo, ou qualquer outro sinnimo de tudo aquilo que as pessoas fogem ou
querem evitar. J encontrei no meio universitrio professores em cursos de Psicologia
que s entendiam o termo controle com essas conotaes negativas. Da que era um
passo que eles equivocadamente ensinassem aos seus alunos que falar em controle do
comportamento (coisa de behaviorista) era o mesmo que propor um mundo como o de
Laranja Mecnica (o filme) ou de 1984 (o livro). No de se estranhar a oposio
que ns, behavioristas, temos que enfrentar nos primeiros dias de sala de aula! Aqui
trataremos o termo controle de forma menos moralista ou equivocada.
Tecnicamente, controle caracterizado por relaes probabilsticas de
ocorrncia de um evento em funo de outros que o antecederam. Considerando-se uma
seqncia simples de dois eventos (AB), pode-se analisar a probabilidade de ocorrncia
de B aps A ou na sua ausncia (p(B/A) e p(B/nA), respectivamente). Quando ambas as
probabilidades so diferentes entre si, temos uma condio de controle pois a ocorrncia
de A modifica (controla) a probabilidade de ocorrncia de B. Inversamente,
probabilidades iguais indicam eventos que ocorrem de forma independente um do outro,
caracterizando uma situao em que um no tem controle sobre o outro. Portanto, o
termo controle diz respeito a essa modificao que um evento produz em outro.
No estudo do comportamento essa anlise se aplica a diferentes combinaes
entre estmulos (S) e respostas (R) 1, desde as mais simples, envolvendo apenas dois
elementos, at as mais complexas, com n eventos interrelacionados entre si. Por
exemplo, na relao simples R-S, o estmulo pode ocorrer aps uma determinada
resposta (R) ou na sua ausncia (nR). Assim, uma condio de controle dessa resposta
1 Sempre que nos referirmos a S e R, entenda-se que estamos considerando a noo de classe de S e de R, conforme analisado por Catania (1998).
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sobre o estmulo pode ser expressa pela notao p(S/R) p(S/nR), enquanto que a condio de incontrolabilidade pode ser expressa como p(S/R) = p(S/nR).
Na perspectiva behaviorista radical, a anlise do comportamento envolve
necessariamente o estudo dos vrios nveis de controle que se estabelecem na interao
organismo/ambiente. Nesses estudos, a palavra controle pode ser utilizada em dois
sentidos: pode-se falar do controle que o ambiente exerce sobre o comportamento do
indivduo e tambm do controle que o indivduo exerce sobre o seu ambiente. Na
verdade, ambos existem conjuntamente e a diferena desses usos se refere apenas ao
objeto de anlise. Quando diz que o comportamento controlado por suas
conseqncias Skinner (1981) destaca que o ambiente o agente controlador do
comportamento. Porm, o termo conseqncia indica que o evento do meio que
interfere no comportamento produzido pelo prprio comportamento. , Por exemplo,
um arranjo experimental pode estabelecer que uma gota dgua ser apresentada cada
vez que o rato pressionar uma barra, mas nunca na ausncia dessa resposta. Nessa
condio, pode-se dizer que o rato tem total controle sobre a apresentao da gua.
Por outro lado, sabemos que a taxa de resposta de presso barra apresentada por esse
sujeito funo dessa relao resposta-gua. Isso nos permite dizer que esse
comportamento de pressionar a controlado pela apresentao da gua. Portanto, so
indissociveis ambos os controles, o do sujeito sobre seu meio e o do meio sobre o
sujeito.
Essa dinmica contnua ajusta-se perfeitamente assero de que mudana a
nica constante, feita h cerca de 2.000 anos pelo filsofo romano Lucretius (citado em
Chance, 1994, p. 1). O sujeito modifica seu meio, que por sua vez modifica o indivduo,
e assim sucessivamente, de forma que organismo e ambiente so mutantes crnicos e
interdependentes. Essa interdependncia tambm a essncia da anlise do
comportamento, que estuda como o aparecimento e a remoo de estmulos produzidos
pelas respostas do sujeito modificam seu comportamento. Dessa perspectiva, o
indivduo nunca passivo no processo comportamental. Ao contrrio, ele o agente
que modifica (opera sobre) o ambiente no qual se encontra, deixando nesse ambiente a
sua marca pessoal e sendo por ele individualmente modificado. nesse processo
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simples, cumulativo e individual que pequenas mudanas geram comportamentos
complexos (Donahoe & Palmer, 1994).
O termo contingncia operante, portanto, equivale a uma condio onde o
sujeito pode controlar (total ou parcialmente) algum aspecto do seu ambiente, da mesma
forma que no-contingncia equivale uma condio de incontrolabilidade do meio.
Portanto, a no-contingncia implica em uma condio nica (de igualdade entre ambas
as probabilidades), enquanto que a contingncia pode corresponder a diversas
combinaes de probabilidades, gerando diferentes graus de controle. As possibilidades
de combinao entre ambas as probabilidades so imensas, podendo ser criadas
seqncias de n elementos, que se sucedem nas mais diferentes combinaes.
Independente do nmero de elementos envolvidos na contingncia, o crtico sempre a
relao funcional que existe entre eles, que vai gerar as mudanas no organismo e no
ambiente.
A maior parte dos estudos em anlise do comportamento tem explorado as
combinaes que envolvem a diferena entre essas probabilidades, ou seja, as
contingncias operantes onde as alteraes ambientais produzidas pelo indivduo
modificam o seu comportamento. Contudo, se o ambiente pode sofrer alteraes que
no esto sob controle do sujeito, ser que esses eventos incontrolveis tambm podem
influenciar o processo comportamental?
Metodologia de estudo
Para saber se a incontrolabilidade do ambiente pode afetar o comportamento dos
organismos, uma estratgia seria observar o comportamento do sujeito ao longo da
exposio aos estmulos incontrolveis e medir as alteraes que nele se processam.
Porm, um problema metodolgico se impe: o que observar? Nos trabalhos sobre
aprendizagem operante, a varivel dependente relaciona-se a uma classe de respostas
estabelecida previamente pelo experimentador, que pode registr-la antes e depois da
manipulao experimental, confirmando se houve ou no modificao em funo da
contingncia em vigor. Contudo, se a ocorrncia do estmulo no se relaciona a
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nenhuma resposta do sujeito, qual classe de resposta deveria ser registrada, tornando-se
a varivel dependente crtica para se auferir os efeitos dessa incontrolabilidade?
Nos estudos sobre comportamento supersticioso, Skinner (1948) observou
diretamente o comportamento de pombos expostos liberao de alimento
independentemente de suas respostas. Ele constatou o aumento da freqncia de
algumas respostas que no produziam a liberao do alimento mas que
sistematicamente o antecediam. O efeito era tal qual tivessem sido experimentalmente
reforadas. Skinner concluiu que a contigidade temporal entre R e S era responsvel
por esse efeito, sugerindo que ela poderia mimetizar contingncias operantes. Porm,
como essas contingncias no eram reais (dado que inexistia uma relao de
dependncia entre as respostas e os estmulos), ele as chamou de acidentais.
A possibilidade de estabelecimento de contingncias acidentais poderia sugerir
uma inviabilidade de se estudar os efeitos da incontrolabilidade: se o controle se
estabelece independente da programao experimental (como nos pombos de Skinner),
seria a incontrolabilidade uma condio apenas terica, que na prtica no se
apresentaria ao sujeito? No h nenhuma evidncia de que todos os estmulos
incontrolveis se tornam parte de contingncias acidentais. Portanto, arranjos
experimentais que propiciam poucas contigidades sistemticas podem, em princpio,
evitar essas contingncias.
A falta de especificao a priori de qual classe de resposta seria conseqenciada
no foi problema no estudo de Skinner (1948) dado que as mudanas registradas
puderam ser relacionadas contigidade entre respostas e estmulos. Porm, nem
sempre isso se d. Como impossvel registrar todas as respostas emitidas antes dos
estmulos incontrolveis, a no alterao das respostas registradas no exclui a
possibilidade de que alteraes tenham se dado em outras classes de respostas que
ficaram fora do registro do experimentador. Contudo, supor sempre essa possibilidade
fazer do reforamento cidental um coringa que explica tudo. Para evitar essa falcia, a
suposio de reforamento acidental deve, necessariamente, ser acompanhada da
demonstrao de mudanas na classe de resposta que sistematicamente antecedeu o
estmulo manipulado, mesmo sem relao de dependncia entre eles.
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Apesar da enorme contribuio do estudo sobre contingncias acidentais para a
anlise da contigidade na determinao do comportamento, ele no respondeu
diretamente pergunta sobre os efeitos da incontrolabilidade do meio. Pela lgica, se
um arranjo propicia ao sujeito identificar uma relao de controle, mesmo que
acidental, ele no serve para responder pergunta sobre os efeitos da falta de
controle.
Outros procedimentos investigaram os efeitos da incontrolabilidade de forma
indireta, a maioria deles envolvendo uma etapa inicial de controle, seguida pela
condio de incontrolabilidade. Por exemplo, na extino operante, a apresentao (ou a
supresso) do estmulo independe da resposta do sujeito, o que caracteriza esse estmulo
como incontrolvel. Para que esse procedimento entre em vigor necessrio que antes o
sujeito tenha sido exposto a uma contingncia operante. Portanto, o efeito da extino -
enfraquecimento da classe de resposta anteriormente reforada - funo da perda de
controle e no da incontrolabilidade em si. Conseqentemente, os estudos sobre
extino se prestam mais para investigar os efeitos da contingncia anterior do que para
esclarecer sobre os efeitos diretos da incontrolabilidade.
Outros estudos analisam os efeitos da incontrolabilidade sobre aprendizagens
mantidas por alguma contingncia de reforamento. Por exemplo, Ferrara (1975)
estudou o efeito de diferentes freqncias de choques incontrolveis sobrepostos a um
esquema mltiplo de reforamento VI-Extino-Punio, e Figueiredo (1981) analisou
o efeito da liberao no contingente de gua aps condicionamento e extino. Em
todos esses estudos, o histrico de reforamento foi analisado como uma varivel
independente que interferiu nos efeitos dos estmulos incontrolveis. Portanto, a
sensibilidade dos indivduos incontrolabilidade estava sendo funo dessa histria
prvia de controle.
Um procedimento inverso expe os indivduos diretamente condio de
incontrolabilidade sem que eles tenham tido histria de controle sobre aquela classe de
estmulo. Posteriormente, o efeito dessa manipulao avaliado sobre a interferncia
que causa em uma aprendizagem operante. A racional desse procedimento baseia-se no
fato de que a aprendizagem um processo cumulativo e que aprendizagens passadas
interferem nas aprendizagens sucessivas. Se os sujeitos aprenderem que no h relao
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entre os estmulos e suas respostas, futuramente eles deveriam ter maior dificuldade de
aprender a relao oposta, de controle. Essa a lgica que norteia os trabalhos sobre
desamparo aprendido, que sero apresentados a seguir.
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PARTE 2
DESAMPARO APRENDIDO
O termo desamparo aprendido tem sido utilizado com dois significados
distintos, sendo um deles de carter descritivo e outro explicativo. Enquanto termo
descritivo, desamparo aprendido refere-se a dados experimentais que demonstram a
dificuldade de aprendizagem operante apresentada por indivduos que tiveram
experincia prvia com eventos aversivos incontrolveis. Na sua conotao explicativa,
desamparo aprendido refere-se a uma das hipteses tericas sobre os processos
responsveis por esse efeito comportamental (Maier & Seligman, 1976). Evitando essa
duplicidade, aqui utilizaremos o termo desamparo aprendido sempre relativo ao efeito
comportamental, sendo explicitado quando estivermos nos referindo hiptese
homnima.
ESTUDOS BSICOS
Segundo Peterson, Maier e Seligman (1993), a identificao do desamparo
aprendido se deu de forma acidental. Os primeiros trabalhos foram realizados na dcada
de 60, quando as pesquisas sobre esquiva eram numerosas e Teoria dos Dois Fatores
estava no centro das discusses2. Alguns alunos de ps-graduao, orientandos de
Solomon (um dos defensores dessa Teoria), desenvolviam pesquisas sobre esquiva.
Dentre eles, Bruce Overmier e Russell Leaf decidiram manipular a ordem de aquisio
dos condicionamentos respondente e operante para verificar se isso interferiria na
aquisio de esquiva. Para tanto, liberaram choques e estmulos sonoros em diferentes
ordens de apresentao, pareados ou no uns com os outros, relacionados ou no com a
resposta de esquiva. Dentre as vrias manipulaes efetuadas eles expuseram um grupo
de ces, presos em arreios, associao luz/choque (associao CS/US). Como essa
2 De acordo com a Teoria dos Dois Fatores, o comportamento de esquiva decorreria de dois processos de aprendizagem, um respondente e outro operante. A aprendizagem respondente se daria pelo pareamento do estmulo aversivo com outro estmulo que o precedesse sistematicamente (associao S-S), adquirindo este a funo de
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fase buscava propiciar apenas a aprendizagem respondente, nenhuma resposta desses
ces produzia qualquer modificao nos choques, que eram, portanto, incontrolveis.
Posteriormente, esses animais foram colocados em uma shuttlebox onde um tom
antecedia os choques, que poderiam ser evitados caso o animal saltasse para o
compartimento oposto. Ao longo desse teste, o CS luz (utilizado na primeira fase) era
tambm apresentado, independentemente da contingncia de esquiva em vigor, com a
finalidade de verificar se esse CS tornaria a resposta de saltar seria mais provvel,
mesmo no tendo reforamento operante associado a ele. Contrariando a teoria em teste,
obtiveram que a luz no aumentou a probabilidade de saltar. Contudo, outro resultado
inesperado lhes chamou a ateno: apesar de estar vigorando uma contingncia de
reforamento negativo, a resposta de esquiva no foi aprendida. Esses resultados, que
surgiram em paralelo aos objetivos da pesquisa, sugeriram que choques incontrolveis
podiam afetar novas aprendizagens operantes negativamente reforadas (Overmier &
Leaf, 1965).
Aplicando o princpio da serendipity3 (Bachrach, 1969), esses jovens
pesquisadores passaram a investi gar contrariando aquela teoria esse efeito inesperado.
Overmier se associou a Seligman, outro ps-graduando, com o fim de testar,
explicitamente, essa relao da incontrolabilidade com a aprendizagem. Expondo
grupos de ces a choques incontrolveis ou a nenhum choque, e posteriormente
testando-os em uma aprendizagem de fuga/esquiva, Overmier e Seligman (1967)
confirmaram que os animais anteriormente submetidos a choques incontrolveis no
aprenderam a resposta no teste, ao contrrio dos ces no expostos a esses choques que
aprenderam rapidamente.
Esse trabalho no separou os efeitos dos choques daqueles decorrentes da sua
incontrolabilidade. Isso foi feito em seguida, tendo Seligman e Maier (1967)
manipulado simultaneamente grupos de trs sujeitos, caracterizando o que se passou a
chamar delineamento tridico. Na primeira fase, dois ces foram submetidos
simultaneamente a choques eltricos, enquanto o terceiro animal permanecia na caixa
estmulo aversivo condicionado (CS). J a aprendizagem operante se daria pelo reforamento decorrente do trmino do CS aversivo (Mowrer, 1947; Rescorla & Solomon, 1967). 3 Descoberta acidental, decorrente da atitude de privilegiar o fato encontrado mesmo que ele no seja o que se procurava inicialmente na pesquisa.
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experimental sem choques. O controle sobre os choques era permitido a apenas um dos
ces que, submetido a uma contingncia de fuga, podia deslig-los emitindo uma
resposta previamente selecionada (pressionar um painel com o focinho). Quando isso
ocorria, sua resposta tambm desligava o choque do segundo animal. Respostas do
segundo co no tinham conseqncias programadas. Assim, apesar de ambos
receberem iguais choques (nmero, intensidade, intervalo, etc), apenas o primeiro
sujeito podia exercer controle sobre esses estmulos, enquanto que o segundo se
encontrava em condio definida como de incontrolabilidade. Vinte e quatro horas
aps, cada animal foi exposto a uma sesso de reforamento negativo para a resposta de
correr. Os resultados mostraram que os animais previamente tratados com choques
controlveis aprenderam a resposta de fuga no teste tanto quanto os no expostos a
choques. Ambos os grupos emitiram essa resposta com maior probabilidade e menores
latncias ao longo da sesso, na medida em que foram sendo sucessivamente
submetidos ao reforamento negativo. Ao contrrio, os animais previamente expostoss
aos choques incontrolveis no emitiram a resposta de fuga ou, quando o fizeram, isso
no alterou a probabilidade de ocorrncia dessa resposta: nesse grupo, as latncias
foram altas durante toda a sesso. Portanto, esses animais no aprenderam a resposta de
fuga.
A essa dificuldade de aprender uma relao operante decorrente da exposio
prvia a eventos aversivos incontrolveis, deu-se o nome de efeito de interferncia
(Overmier & Seligman, 1967; Seligman & Maier, 1967). Apesar de essa denominao
ser bastante descritiva do efeito comportamental em estudo, ela foi rapidamente
substituda por desamparo aprendido (learned helplessness), termo que tambm
denominou uma das hipteses explicativas do fenmeno, conforme se ver mais frente
(Maier, Seligman & Solomon, 1969; Maier & Seligman, 1976). Por alguns anos, houve
a tentativa de manuteno da terminologia original, isenta de conotao terica (Glazer
& Weiss, 1976 a; Crowell & Anderson, 1981), mas o termo desamparo aprendido foi o
mais difundido, afirmando-se como denominao do efeito, a despeito da indesejvel
simbiose que se estabeleceu entre o efeito e a sua interpretao (Seligman, 1975;
Peterson et al, 1993).
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Algumas questes tericas motivaram variaes no procedimento bsico
possibilitando a expanso da anlise do desamparo aprendido. Dois procedimentos
podem ser destacados, um voltado preveno e outro ao tratamento do
desamparo. Para testar a preveno, foi analisada a importncia da ordem de
aprendizagem estabelecida. Considerando-se que o comportamento um fenmeno
cumulativo e que o tratamento com a incontrolabilidade deve promover a aprendizagem
de que o estmulo independe da resposta, ser que uma primeira aprendizagem de
controle sobre esse estmulo poderia minimizar os efeitos de experincias futuras com a
sua incontrolabilidade? Para responder a essa questo, um grupo de ces foi submetido
a uma primeira sesso com choques controlveis (fuga/esquiva), seguida por outra onde
eram expostos a choques incontrolveis. Verificou-se que, quando testados
posteriormente em fuga/esquiva, esses animais aprenderam normalmente a resposta no
teste. Esse efeito foi chamado de imunizao pois sugeria que o controle exercido na
primeira sesso teria imunizado os sujeitos contra o aprendizado posterior da
incontrolabilidade, deixando-os aptos a aprenderem normalmente a relao operante
estabelecida no teste (Seligman & Maier, 1967). Portanto, o estudo do efeito de
imunizao mostrou que a histria de reforamento pode ser uma varivel crtica na
preveno contra o desamparo.
Haveria um procedimento que poderia reverter o desamparo, depois que esse
padro de comportamento j estivesse estabelecido? Para responder a essa questo,
Seligman & Maier (1967) selecionaram ces que haviam apresentado desamparo e os
re-expuseram contingncia de fuga do teste forando-os fisicamente a experimentar o
reforamento. Isso foi feito prendendo correias ao seu corpo e colocando os animais
novamente na caixa de teste (shuttlebox), que era dividida em dois compartimentos por
uma pequena barreira. Ao iniciar o choque, os experimentadores puxavam os ces
atravs das correias, na direo da barreira, at que eles a saltassem, indo para o
compartimento oposto. Essa resposta de saltar era imediatamente seguida pelo trmino
do choque. A cada choque, reiniciava esse procedimento. Depois de expostos
seguidamente a essa contingncia de fuga forada, os ces passaram a emitir a resposta
de fuga sem a ajuda dos experimentadores, mostrando a reverso do desamparo.
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DESENVOLVIMENTO DE PESQUISAS COM ANIMAIS
Esses trabalhos foram seguidos por grande numero de pesquisas que replicaram
e ampliaram seus dados (ver revises em Maier et al, 1976; Peterson et al, 1993). No
que diz respeito generalidade entre espcies, o desamparo aprendido foi obtido com
mamferos, aves, peixes, insetos. Apesar dessa generalidade entre espcies, alguns
trabalhos sugeriram que no haveria generalidade entre gneros: com fmeas de ratos
ou camundongos, o desamparo no seria obtido (Calderone, George, Zacharioou &
Picciotto, 2000; Navarro, Gil, Lorenzo, Noval, Galina & Gilbert-Rahola, 1984;
Steenberger, Heinsbroek, Van Haaren & Van de Poll, 1989; 1990). Contudo, como
mostraremos mais frente, essa indicao da relevncia do gnero do sujeito no se
confirmou em nosso laboratrio. Apesar do nosso destaque para os trabalhos com
animais, deve-se apontar que o desamparo tambm vem sendo estudado com sujeitos
humanos, com relatos de replicao dos mesmos processos bsicos identificados com
animais (Hiroto & Seligman, 1975; Matute, 1994).
Mesmo tendo sido obtida generalidade entre espcies, a maior parte das
pesquisas utilizou ratos como sujeitos e choque eltrico como o estmulo manipulado.
Quanto ao procedimento empregado, uma vez que a incontrolabilidade dos choques j
havia sido estabelecida como a varivel crtica, nem todos os trabalhos utilizaram o
delineamento tridico. Muitos deles utilizaram apenas dois grupos (choques
incontrolveis ou nenhum choque) na fase de tratamento, e uma contingncia de fuga no
teste (Peterson et al, 1993).
Quanto varivel crtica para produo do desamparo, a incontrolabilidade dos
estmulos continua sendo apontada como a principal delas. Apesar de predominante,
essa avaliao no unanimidade: alguns pesquisadores sugeriram que a
incontrolabilidade pode no ser condio suficiente para que o desamparo ocorra: seria
igualmente relevante a imprevisibilidade4 do estmulo (Overmier, 1985; Overmier &
LoLordo, 1998). Essa sugesto no tem ganhado muito espao na literatura, sendo a
4 Assim como na anlise da controlabilidade, a anlise da previsibilidade de um estmulo feita a partir das probabilidades de um estmulo (S2) ocorrer depois de outro (S1), ou na ausncia dele (nS1). Essa relao pode ser expressa entre valores de 0,0 e 1,0, conforme segue: p(S2/S1) ou p(S2/NS1), respectivamente. A previso
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anlise da previsibilidade dos choques pouco considerada na grande maioria dos
trabalhos publicados sobre o desamparo at o momento.
Caractersticas do estmulo manipulado tambm se mostraram relevantes no
momento de replicar o desamparo, da mesma forma que o so em outros processos de
aprendizagem (Fantino, 1973). A maioria dos estudos se restringe ao uso de estmulos
aversivos. Com animais, choques eltricos so freqentemente utilizados em todas as
fases do experimento, sendo que o desamparo obtido depende da intensidade,
freqncia, durao e densidade desses choques (Altenor, Volpicelli & Seligamn, 1979;
Arruda, 1981; Crowell & Anderson, 1981; Crowell, Lupo, Cunnigham & Anderson,
1978; Glazer & Weiss, 1976 a,b; Lawry, Lupo, Overmier, Kochevar, Hollis &
Anderson, 1978; Rosellini & Seligman, 1978). As poucas variaes do estmulo
aversivo foram feitas nos estudos com humanos, tendo sido utilizados sons estridentes
ou soluo de anagramas (Hiroto & Seligman, 1975; Matute, 1994; Nation & Boyajian,
1981). Poucos trabalhos com animais manipularam eventos apetitivos, tais como
alimento ou gua, ministrados no tratamento e/ou no teste. Os resultados desses estudos
so contraditrios: alguns relataram desamparo (Enberg, Welker, Hansen & Thomaz,
1972; Ferrandiz & Vicent, 1997; Job, 1989; Mauk & Pavur, 1979; Rosellini, 1978;
Oakes, Rosemblum & Fox, 1982) enquanto outros mostraram facilitao ou
aprendizagem sem qualquer interferncia do tratamento anterior (Calef et al.,1984; Job,
1988; 1989). Assim, embora seja considerado que h generalidade do desamparo entre
contextos aversivos e apetitivos (Peterson et al, 1993), nossa opinio que tal
afirmao precisa ser mais embasada em dados experimentais.
Afora as caractersticas do estmulo, diversos estudos vm mostrando que
tambm pode ser relevante a resposta utilizada na sesso de teste. Ao contrrio dos ces
utilizados nos primeiros estudos, ratos no apresentaram o desamparo quando testados
em uma shuttlebox onde se exigia, como resposta de fuga, que eles corressem ao
compartimento oposto ao que estavam (Maier, Albin & Testa, 1973). O mesmo se
verificou se deles era exigida a emisso de uma resposta de presso barra (Seligman &
Beagley, 1975). Contudo, quando se utilizou a contingncia de FR2 para a resposta de
considerada tanto maior quanto maiores forem as diferenas entre ambas as probabilidades, sendo que a relao de igualdade entre elas define a condio de imprevisibilidade (Seligman, Maier & Solomon, 1971).
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correr (Maier et al., 1973) ou a de FR3 para a resposta depresso barra (Seligman &
Beagley, 1975), os estudos relataram que foi obtido desamparo, demonstrando a sua
generalidade para ratos. Aps essas demonstraes, passou a ser o procedimento padro
para estudo do desamparo em ratos o reforamento em FR2 para a resposta de correr na
shuttlebox.5
Paralelamente s investigaes sobre os efeitos comportamentais dos choques
incontrolveis, alguns estudos buscaram identificar as alteraes internas do organismo
exposto condio ambiental que gera o desamparo aprendido. J nos anos 70, foi
relatada a depleo dos estoques de noradrenalina no crebro de ratos que haviam sido
submetidos a choques incontrolveis, mas no naqueles expostos aos mesmos choques,
porm controlveis (Weiss, Stone & Harwell, 1970). Mais tarde, o mesmo tratamento se
mostrou produtor de decrscimos nos nveis centrais de outros neurotransmissores, tais
como do GABA, alm de alteraes de receptores noradrenrgicos e de ligantes
endgenos de receptores benzodiazepnicos (Drugan et al., 1989).
Outros estudos mostraram que a incontrolabilidade do meio tambm afeta o
sistema opiide (Amit & Galina, 1986; Hemingway & Reigle, 1987). Por exemplo, foi
identificado que o mesmo tratamento que produz o desamparo tambm produz o
aumento de liberao de endorfinas gerando estados analgsicos to potentes quanto os
induzidos por doses moderadamente altas de morfina (Jackson, Maier & Coon, 1979).
Essas alteraes opiides chegam a sensibilizar os animais morfina a ponto desses
sujeitos mostrarem reaes analgsicas mais potentes (Grau, Hyson, Maier, Madden &
Barchas, 1981) e de apresentarem maior sndrome de abstinncia em relao a essa
droga (Williams, Drugan & Maier, 1984).
Esses dados permitiram que se estudasse a reverso do desamparo atravs de
tratamento farmacolgico. Por exemplo, verificou-se que diversos frmacos que
aumentam diferencialmente a atividade noradrenrgica, gabargica ou benzodiazepnica
podem modificar a ocorrncia do desamparo (Petty & Sherman, 1979 a,b; Whitehouse,
Walker, Margules & Bersh, 1983). Na direo oposta, identificou-se que algumas
alteraes neuroqumicas eram passveis de serem evitadas pelo mesmo procedimento
5 Conforme se ver mais frente, apesar de amplamente aceito na literatura, o teste com a resposta de fuga correr (FR2) produziu resultados bastante insatisfatrios quando testados em nosso laboratrio.
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que induz o efeito comportamental de imunizao: a exposio inicial a choques
controlveis evitou o desenvolvimento da analgesia induzida por choques incontrolveis
(Moye, Hyson, Grau & Maier, 1983).
Outros efeitos fisiolgicos da incontrolabilidade, alm de alteraes de
neurotransmissores, foram tambm identificados. Por exemplo, alguns estudos
relataram que a exposio incontrolabilidade dos choques pode alterar a temperatura
corporal (Endo e Shikari, 2000), produzir acelerao no desenvolvimento de tumores e
rebaixamento geral do sistema imunolgico (Bem-Eliyahu et al., 1991; Laudenslager et
al. , 1983; Mormede et al., 1988).
Portanto, no nvel comportamental e no subcomportamental, est amplamente
demonstrado que a experincia com a incontrolabilidade de estmulos aversivos produz
mudanas no organismo. Os estudos que analisam conjuntamente variveis ambientais e
fisiolgicas tm ajudado a identificar os substratos biolgicos do comportamento, bem
como as contingncias ambientais que modificam o organismo em diferentes nveis. No
seu conjunto, essa abordagem biocomportamental (Donahoe & Palmer, 1993) do
desamparo vem dando sustentao emprica para o pressuposto filosfico de que o
comportamento de um organismo a fisiologia de uma anatomia (Skinner, 1966, p.
1.205).
INTERPRETAES TERICAS
Hipteses associativas
A anlise terica dos processos envolvidos no desamparo aprendido tomou duas
direes opostas: uma que defende o aprendizado de controle atravs de contingncias
acidentais e outra que prope o aprendizado da impossibilidade de controle.
A hiptese da inatividade aprendida considera que o desamparo no um efeito
direto da incontrolabilidade dos choques mas sim de contingncias operantes acidentais
que selecionam baixa atividade motora. Conseqentemente, se o animal aprende a ficar
pouco ativo ele fica posteriormente menos apto a emitir a resposta de fuga, desde que a
resposta no teste requeira alta movimentao corporal. Essa proposio considera,
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portanto, que a incontrolabilidade no atua diretamente sobre o comportamento, mas
apenas estabelece a condio propcia para que surjam contingncias acidentais.
De acordo com essa anlise, seriam duas as contingncias acidentais que se
estabeleceriam, a despeito da programao experimental ser de incontrolabilidade. Uma
delas sugere que a alta movimentao corporal eliciada pelos primeiros choques
coincidiria com a continuidade dos mesmos (pois os choques tm vrios segundos de
durao), e isso estabeleceria uma contingncia acidental de punio da alta atividade
motora (Bracewell & Black, 1974). Uma segunda contingncia foi sugerida pela
observao de que a movimentao corporal tende a se reduzir aps alguns segundos de
choque, possibilitando que o trmino do choque coincidisse com baixa atividade
motora. Nesse caso, estaria sendo estabelecida uma contingncia acidental de
reforamento negativo da inatividade (Glazer & Weiss, 1976a, b). Portanto,
isoladamente ou em conjunto, esses dois processos acidentais levariam inatividade,
gerando o desamparo aprendido.
Outra hiptese que envolve anlise de processos associativos a denominada
hiptese do desamparo aprendido. Em direo contrria anterior, ela pressupe que os
sujeitos so sensveis tanto a relaes que envolvam controle como quelas que
envolvem impossibilidade de controle do ambiente. Assim, o desamparo seria
decorrente do sujeito aprender de que no existe relao entre suas respostas e os
estmulos do ambiente, aprendizagem essa que se generalizaria para a nova condio de
teste (Maier et al, 1969; Maier & Seligman, 1976).
Deve-se ressaltar que, na sua proposio original, a hiptese do desamparo
extrapola a anlise das relaes funcionais objetivamente estabelecidas na condio
experimental e considera como crticos alguns processos cognitivos/mentalistas
inferidos a partir dos dados obtidos. Segundo seus proponentes (Maier et al., 1969;
Maier & Seligman, 1976), a varivel independente crtica para o desamparo no a
incontrolabilidade estabelecida experimentalmente, mas sim a expectativa6
desenvolvida pelo do indivduo de que ele no pode controlar o ambiente. Essa
expectativa atuaria em diferentes nveis, promovendo um conjunto de efeitos que
comporiam o desamparo como uma sndrome, e no como um simples comportamento.
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Essa sndrome abarcaria trs tipos de dficits: motivacional, cognitivo e emocional. O
dficit motivacional seria, do ponto de vista descritivo, caracterizado pela baixa
probabilidade da resposta no teste. No nvel interpretativo, suposta a baixa motivao
do sujeito, pois, como a motivao depende da antecipao de algum reforamento
futuro (chamado de incentivo), aps os choques incontrolveis o sujeito criaria a
expectativa de que o reforamento no viria e por isso no teria motivo para emitir
respostas no teste. Por sua vez, o dficit cognitivo, descritivamente seria caracterizado
pela no aprendizagem no teste, mesmo por parte de animais emitiram algumas
respostas no teste e, conseqentemente, experimentaram que a resposta produziu o
trmino do choque. Esse dficit interpretado como decorrente de uma alterao na
forma como o sujeito processa a informao relativa nova contingncia. Seria esse
erro de processamento, causado pela expectativa de incontrolabilidade, que o
levaria a no registrar a relao de dependncia que h entre suas respostas e as
mudanas no ambiente. Por fim, o dficit emocional descrito como desequilbrio da
fisiologia do organismo, tais como alteraes no ciclo de sono e na ingesto de
alimentos, respostas de imunossupresso. Como nos dficits anteriores, sua
interpretao sugere que a crena de que o reforo no vir que produziria estados
alterados de emoes (ansiedade e depresso), que levariam a essas alteraes
fisiolgicas.
A hiptese do desamparo tem, portanto, dois nveis de apresentao que
precisam ser analisados separadamente: 1) a descrio de efeitos comportamentais
mensurveis, e 2) a interpretao mentalista, baseada em processos inferidos a partir dos
dados experimentais. Se o primeiro nvel cientificamente inquestionvel, o segundo
depende de pressupostos filosficos/tericos que conflitam com os assumidos pelo
behaviorismo radical. Por exemplo, o mentalismo contradiz o princpio monista que a
base do behaviorismo radical. Alm disso, essas interpretaes lanam mo de
inferncias que extrapolam os dados experimentais. Igualmente inadequado seria o
carter explicativo dado aos dficits e suposta expectativa de impossibilidade de
controle. Isso cria uma circularidade de anlise, condenvel cientificamente. Por
exemplo, ao mesmo tempo em que se diz que a dificuldade de aprendizagem indica a
6 Aspas minhas.
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expectativa, essa expectativa que explica a dificuldade de aprendizagem. Em
funo disso, a hiptese do desamparo permite apenas explicaes post hoc: s se pode
deduzir o desenvolvimento da expectativa atravs da dificuldade de aprender, e no
pela exposio pura e simples incontrolabilidade. Assim, no existe previso de
resultado antes do trabalho ser realizado. Resultados negativos (aprendizagem mesmo
aps experincia com incontrolabilidade) podem ser explicados sem refutar a hiptese:
se o sujeito no apresentou o desamparo porque, apesar da experincia com
incontrolabilidade, ele no desenvolveu a expectativa de impossibilidade de controle
(ver anlise dessa circularidade em Levis, 1976).
Apesar dos aspectos interpretativos criticveis, a hiptese do desamparo tem a
seu favor o fato de considerar que os indivduos so sensveis condio de
incontrolabilidade, suposio essa compatvel com a sensibilidade a pequenas variaes
no contnuo de dependncia entre R e S, bastante estudadas na Anlise do
Comportamento. Do ponto de vista lgico, se h sensibilidade para variaes no
contnuo de controlabilidade, deve haver tambm para a condio de incontrolabilidade.
Considerando apenas as relaes funcionais objetivamente estabelecidas e os resultados
experimentais descritos, de forma a deixar essa hiptese sem suas inferncias e
mentalismos, ela fica adequada para ser utilizada como instrumento de anlise dos
resultados experimentais. A varivel independente a incontrolabilidade dos choques,
que definida operacionalmente e, portanto, no depende de julgamentos subjetivos do
experimentador. Como variveis dependentes tem-se a emisso da resposta de fuga e a
sua modificao em decorrncia do reforamento negativo. Assim, temos em mos as
variveis necessrias para fazer a anlise funcional dos comportamentos emitidos,
envolvendo processos operantes e respondentes, sem ser necessrio falar em
motivao/incentivo/expectativa.
A minha releitura da hiptese do desamparo leva em conta que sob o arranjo de
incontrolabilidade no h reforamento diferencial de nenhuma resposta, ou seja, no se
estabelecem selees de relaes R-S. Com isso, a alta movimentao corporal eliciada
pelos primeiros choques vai ficando apenas sob o controle do processo de habituao7,
7 Habituao a reduo da resposta eliciada por um estmulo, em funo das apresentaes repetidas desse estmulo (Catania, 1998).
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promovido pela apresentao repetida dos choques. Conseqentemente, a freqncia e
intensidade da movimentao corporal caem ao longo da sesso, deixando o sujeito com
aparncia de passivo. Uma vez que o processo de generalizao parte de toda
aprendizagem, e que o teste tem muitos estmulos comuns fase de tratamento,
provvel que o sujeito se comporte, no incio do teste, da mesma forma que vinha se
comportando na fase anterior. Assim, ele vai se movimentar pouco, o que diminui a
chance da resposta selecionada para reforamento ser emitida. Porm, mesmo que o
sujeito emita essa resposta e experimente o reforamento, a aprendizagem no ser
facilmente estabelecida pois envolve uma relao de dependncia entre suas respostas e
o trmino do choque que incompatvel com a relao de independncia aprendida
anteriormente. Sendo opostas essas aprendizagens, de se esperar que a primeira
dificulte a seguinte, produzindo o desamparo.
Sem utilizar mentalismos ou processos inferidos, essa releitura da hiptese do
desamparo aprendido permite prever a baixa atividade geral que se observa ao final da
sesso de choques incontrolveis, bem como o desamparo no teste, sem, contudo,
vincular um efeito como causa do outro. A varivel crtica que no h seleo
operante na sesso de incontrolabilidade, condio oposta do teste, que busca
selecionar uma relao de dependncia entre R e S. Tal anlise ser adotada no presente
trabalho. Portanto, sempre que mais frente nos referirmos hiptese do desamparo
aprendido, entenda-se que nos referimos sua verso expurgada dos processos
inferidos.
Hipteses neuroqumicas
Alm das hipteses anteriores, que se baseiam prioritariamente em anlises de
relaes associativas, h interpretaes tericas que se baseiam em anlises de
processos neuroqumicos.
Alguns pesquisadores propuseram que a baixa atividade motora, produzida pelos
choques incontrolveis, decorreria diretamente da depleo de neurotransmissores do
sistema nervoso central, tais como a noradrenalina e dopamina. Com a baixa desses
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neurotransmissores, os animais ficariam fisiologicamente menos aptos a se
movimentarem, sendo essa dificuldade de movimentao a causa direta da interferncia
na aprendizagem de respostas que envolvem grande atividade motora para a sua
execuo (Glazer & Weiss, 1976 a, b).
Em paralelo, a maior liberao de endorfinas aps a exposio a choques
incontrolveis tambm levou alguns pesquisadores a sugerirem que essa maior
quantidade de endorfinas circulantes deixaria os sujeitos menos sensveis a estmulos
dolorosos. Com isso, frente aos choques eles experimentariam menor reforamento
negativo na contingncia de fuga, dificultando sua aprendizagem (Jackson, Maier &
Coon, 1979; Maier, Drugan & Grau, 1982).
As hipteses neuroqumicas e as associativas percorrem diferentes caminhos
mas lidam com processos bastante semelhantes entre si: baixa atividade motora e
insensibilidade ao reforo. Elas diferem basicamente quanto s variveis dependentes
em estudo, que num caso so os comportamentos voltados ao meio ambiente,
observveis a olho nu, enquanto que no outro so comportamentos intra-organismo
(liberao de neurotransmissores), passveis de serem observados apenas com
instrumentos especiais. A considerao de um desses conjuntos de variveis no implica
na negao do outro. No podemos esquecer que as relaes probabilsticas de
controlabilidade ou incontrolabilidade continuam sendo as variveis independentes
crticas na determinao dessa liberao de neurotransmissores. Da mesma maneira,
quando nos referimos aprendizagem de controle ou de falta de controle,
indispensvel lembrar que a aprendizagem um fenmeno fisiolgico, portanto,
composto de atividades neuroqumicas. Assim, ambos os conjuntos de interpretaes
tericas podem ser complementares, no havendo conflito entre eles. A priorizao de
um ou outro conjunto vai depender do nvel de anlise realizado, intra ou extra
organismo.
MODELO ANIMAL DE DEPRESSO
Os experimentos iniciais sobre o desamparo aprendido sugeriram que a sua
investigao poderia ter grande potencial informativo, no apenas para a pesquisa
bsica do comportamento mas tambm para as anlises efetuadas da clnica psicolgica
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(Seligman, 1975). Em relao pesquisa bsica, o estudo do desamparo trouxe
evidncias sobre os efeitos comportamentais de uma histria de vida particular, aquela
relacionada experincia com impossibilidade de controle sobre o meio. Esses estudos
confirmaram que, na interao do sujeito com o seu ambiente, no apenas as mudanas
ambientais controladas por ele, mas tambm outras que so independentes das suas
aes, podem afetar a construo do seu repertrio comportamental.
Esses processos de aprendizagem, identificados em pesquisas sobre o desamparo
em animais, foram sugeridos como passveis de comporem um modelo experimental de
depresso humana (Seligman, 1975). Essa proposio foi motivada por algumas
similaridades entre o comportamento de pessoas deprimidas e o comportamento dos
animais que apresentavam o desamparo aprendido. Tal similaridade diz respeito
sintomatologia, etiologia, preveno e cura do desamparo/depresso. Por exemplo, a
passividade dos animais frente aos choques, no teste, poderia se assemelhar
passividade do indivduo deprimido, que no atua sobre o seu meio. Quanto etiologia,
sabe-se que eventos traumticos podem ser desencadeantes de alguns tipos de depresso
humana, bem como o so no desenvolvimento do desamparo aprendido (Willner, 1984;
1985). Alm disso, alteraes bioqumicas encontradas em pacientes depressivos foram
tambm encontradas em animais que apresentaram o desamparo aprendido (Willner,
1991 a,b). Por sua vez, a preveno e o tratamento clnico poderiam ter um paralelo
comportamental nos estudos sobre imunizao e reverso. Um paralelo de
farmacoterapia pode tambm ser encontrado em estudos que mostram que,
administradas aps os choques incontrolveis, drogas que tm comprovado efeito
antidepressivo em sujeitos humanos tambm impedem o aparecimento do desamparo
em animais (Petty & Sherman, 1979; Sherman, Sacquitine & Petty, 1982). Esses
paralelos farmacolgicos tm justificado que o estudo do desamparo em animais seja
utilizado para identificao de novos frmacos com potencial antidepressivo em
humanos (Willner, 1985;1991a).
A anlise funcional do desamparo mostra ainda outras possveis similaridades
entre o efeito obtido no laboratrio animal e a depresso humana. Por exemplo, alm da
passividade do sujeito, um aspecto crtico do desamparo a sua insensibilidade s
contingncias de reforamento que esto em vigor. Conforme citamos, alguns os
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animais previamente expostos a choques incontrolveis emitem algumas respostas no
teste, desligando os choques, mas apesar de experimentarem a contingncia de fuga eles
no aprendem essa resposta. Tal insensibilidade ao reforamento coincide com a anlise
da depresso feita por Ferster (1973), segundo a qual a pessoa deprimida sofre da falta
de reforadores, o que gera a sua baixa taxa de respostas (passividade). Essa falta de
reforadores pode se dar pela ausncia de estmulos ou, o que mais comum, pela perda
(ou ausncia) da funo reforadora de estmulos que fazem parte do seu meio
ambiente. No laboratrio, aparentemente, essa perda da funo reforadora est
diretamente vinculada ao desamparo.
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PARTE 3
ESTUDOS REALIZADOS NO NOSSO
LABORATRIO
Desde 1977, temos investigado o desamparo aprendido abordando questes
tericas/metodolgicas relacionadas a esse efeito, em particular, e ao comportamento
em geral. Foram realizados trabalhos experimentais com animais, voltados para a
anlise de processos de associaes S-S ou R-S, da histria de reforamento, dos
parmetros do estmulo e da resposta, das caractersticas do sujeito experimental (sexo,
idade), da interao de contingncias e frmacos, entre outros. Tambm foram
desenvolvidos trabalhos tericos, relacionados anlise do desamparo como modelo
animal de depresso, da sua insero nos estudos do behaviorismo radical e da sua
lgica interna.
Alguns dos trabalhos experimentais sero apresentados a seguir na forma de um
resumo que busca traar a linha de anlise que desenvolvemos ao longo desses anos,
procurando situar o leitor nas questes que estavam em jogo por ocasio da pesquisa.
Eles esto agrupados em funo dos temas estudados, o que implica que no sero
apresentados, necessariamente, em ordem cronolgica.
Com o objetivo de dar unidade a essa sistematizao, apresento o mtodo geral
utilizado na maior parte dos experimentos. A cada trabalho citado, detalharei apenas os
parmetros e variveis manipuladas que foram particulares do estudo.
MTODO GERAL
Sujeitos
Todos os estudos utilizaram ratos albinos, descendentes de Wistar,
experimentalmente ingnuos. Na maioria das pesquisas os sujeitos foram machos, de
aproximadamente 90-120 dias no incio do experimento. Entre 1978 e 1982, os animais
foram provenientes do Biotrio Central da UNICAMP, de Campinas. Os sujeitos dos
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24
estudos posteriores foram criados no Biotrio do Instituto Adolfo Lutz, de So Paulo.
Esses animais chegaram ao biotrio de manuteno (no Departamento onde as pesquisas
eram realizadas) com aproximadamente 70-90 dias, sendo alojados em gaiolas
individuais por um mnimo de uma semana antes de iniciar os experimentos, mantidos
com alimento (rao balanceada) e gua em regime ad lib. A iluminao do biotrio era
automaticamente controlada, mantendo ciclo de 12h luz/escuro (7:00 s 19:00h). Os
animais participaram dos experimentos durante o perodo de luz.
Equipamento
As caixas experimentais diferiram entre si, nas diversas fases dos experimentos.
Foram utilizadas caixas de condicionamento quadradas (tipo caixa de Skinner) e
alongadas (shuttlebox). A caixas quadradas mediam 21,5 x 21,5 x 21,5 cm
(comprimento, largura e altura), tendo a parede frontal de acrlico transparente e as
demais em alumnio. Algumas dessas caixas no tinham qualquer manipulandum.
Outras dispunham de um ou mais manipulanda, situados no centro da parede lateral
direita, conforme segue:
1) Caixas com barra Essas caixas dispunham de uma ou duas barras cilndricas,
de alumnio, medindo 1/2 de dimetro e 3,8 cm de comprimento, localizadas a
8,5 cm acima do piso, sobre a qual a fora mnima de 40g produzia um
deslocamento vertical, registrado como uma resposta de presso barra;
2) Caixas com focinhador Essas caixas tinha como manipulandum um orifcio de
3 cm de dimetro, localizado a 6 cm acima do piso, chamado de focinhador.
Esse orifcio era conectado a uma cuba cilndrica de alumnio, de igual dimetro
e 3 cm de profundidade, presa no lado externo da caixa. A 1,5 cm da borda
dessa cuba havia um feixe luminoso que incidia sobre uma clula foto-eltrica,
cuja interrupo era registrada automaticamente. A introduo do focinho do
animal no focinhador interrompia o feixe luminoso, registrando uma resposta
de focinhar.
Foram tambm utilizadas duas caixas alongadas, chamadas de shuttlebox, sendo
uma manual e outra automtica. A primeira, mais rudimentar, era de fabricao
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25
FUNBEC, medindo 50,0 x 15,0 x 22,0 cm (comprimento, largura e altura), construda
em metal, pintado de preto fosco na superfcie interna, com parede frontal de acrlico
transparente. Na sua extenso, a caixa era dividida em dois compartimentos de 25,0 cm
cada, sendo a divisria composta por duas barras de lato de 1/8, presas a 2,0 cm
acima do piso. Quando o animal passava de um compartimento ao outro era registrada a
resposta de correr. Essa caixa foi utilizada apenas nas primeiras pesquisas.
A segunda shuttlebox foi utilizada na quase totalidade dos estudos. Ela foi
desenvolvida em nosso laboratrio, diferindo da anterior por dois fatores principais: 1)
permitia registro automtico da resposta e 2) permitia o registro da resposta de saltar,
alm da resposta de correr. Essa caixa media 50,0 x 15,5 x 20,0 cm (comprimento,
largura e altura), sendo confeccionada em acrlico preto fosco, com exceo da parede
frontal que era transparente. No seu comprimento, a caixa era dividida em dois
compartimentos de igual tamanho por uma parede tambm de acrlico, contendo um
orifcio de 7,5 cm de altura e 6,0 cm de largura, atravs do qual o sujeito podia passar
de um compartimento ao outro. Essa parede era removvel, podendo ser posicionada de
duas formas. Na primeira posio o orifcio ficava ao nvel do piso (como uma porta).
Com esse arranjo, a passagem do animal de um compartimento ao outro era registrada
como uma resposta de correr. Na segunda posio, o orifcio ficava a 8,0 cm acima do
piso (como uma janela). Nesse caso, a passagem de um compartimento ao outro era
registrada como uma resposta de saltar. Cada compartimento tinha assoalho
independente, dotado de um sistema de molas que promovia a inclinao do piso
quando o sujeito se situava no compartimento. Essa inclinao ativava um reedswitch,
que registrava automaticamente a presena do sujeito naquele lado da caixa (ver Figura
1).
O piso de todas as caixas era composto de barras de lato cilndricas, de 1/8,
distando 1,3 cm entre si, atravs do qual foram administrados os choques eltricos de
corrente alternada (AC). Na shuttlebox automatizada, duas barras iguais s do piso se
situavam na base do orifcio da parede divisria, sendo igualmente eletrificadas. O
mesmo se dava nas barras que compunham a barreira na shuttlebox manual.
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Os choques eram de corrente-contnua, provenientes de geradores ligados a
alternadores de polaridades (shock scrambler) de fabricao BRS Foringer modelo 901
ou Lehing Valey 113-33 (Solid State Scrambler/Shock).
Figura 1. Representao esquemtica da shuttlebox desenvolvida em nosso laboratrio para registro da resposta de saltar (desenho de Marson Guedes Ferreira).
Em alguns estudos, a caixa experimental no ficou isolada. Contudo, na maioria
deles, as caixas foram colocadas dentro de compartimentos de isopor e/ou madeira, que
as isolavam visual e acusticamente. Nesse caso, um exaustor renovava o ar do ambiente
e produzia rudo constante mascarando os rudos externos. Alguns desses
compartimentos possuam, na parte frontal, um vidro transparente que permitia a
visualizao do sujeito. Outros possuam um visor com lente de aumento, do tipo olho
mgico, que cumpria a mesma finalidade.
A iluminao ambiente era proveniente do teto da sala de experimentao (nas
caixas sem isolamento) ou de uma lmpada de 6 W localizada no teto da cmara de
isolamento.
A partir de 1995, manteve-se controle da umidade relativa do ar em torno de
70%, na sala de experimentao. Para isso, foram utilizados um desumidificador (Arsec
Mod 160 M3-U) e um higrmetro (West Germany - Prazesions/Hygrometer).
No estudo inicial (1977), os controles e registros das sesses foram feitos de
forma semi-automtica, ficando o experimentador frente caixa experimental,
acionando manualmente alguns dos equipamentos eletromecnicos de controle e
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registro. A seguir, passou-se a contar com uma completa automao atravs de circuito
eletromecnico. Por volta de 1998, todos controles e registros passaram a ser feitos por
computadores PC386, com softwares especialmente construdos para os esses
experimentos.
Procedimento
Foi utilizado delineamento de grupo (n=8), sendo os animais distribudos entre
os grupos de forma eqitativa, de acordo com seu peso corporal.
Dois procedimentos bsicos foram utilizados: o de produo do desamparo e o
de produo da imunizao.
PROCEDIMENTO PARA PRODUO DE DESAMPARO
Duas sesses, denominadas tratamento e teste, se sucediam com 24 h de
intervalo entre si. Alguns trabalhos utilizaram duplas e outros usaram trios de sujeitos,
que na sesso de tratamento foram manipulados conforme segue:
a) delineamento de duplas - Os animais eram colocados em caixas iguais, sem
qualquer manipulandum, isoladas entre si. Um grupo recebia 60 choques incontrolveis,
com durao fixa de 10,0s (grupo I).O outro grupo era mantido na caixa pelo tempo da
sesso, porm sem choques (grupo N). Terminada a sesso, os animais eram
reconduzidos s suas gaiolas-viveiro, no biotrio.
b) delineamento de trades Trs animais eram simultaneamente manipulados,
cada um alojado em caixa experimental com manipulandum, iguais entre si e isoladas
umas das outras. Dois desses animais eram expostos a 60 choques, liberados
simultaneamente em ambas as caixas. Os choques podiam ser desligados por apenas um
dos sujeitos caso ele emitisse a resposta de fuga previamente especificada. Portanto,
para esse sujeito os choques eram controlveis (grupo C). A resposta de fuga desse
animal desligava os choques tambm para o segundo sujeito, cujo comportamento no
tinha conseqncias programadas, de forma que para ele os choques eram
incontrolveis (grupo I). No havendo a emisso da resposta de fuga, o choque era
automaticamente desligado para ambos os sujeitos aps o um tempo previamente
estipulado (dependendo da resposta de fuga o choque permanecia por um mximo de
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10, 30 ou 60s). Com esse procedimento, os ratos de ambos os grupos recebiam iguais
choques, com a diferena que o primeiro podia exercer controle sobre a durao dos
mesmos e o segundo no tinha esse controle. O terceiro animal era mantido na caixa
experimental pelo tempo da sesso, sem receber choques (grupo N). Terminada a
sesso, os animais eram reconduzidos s suas gaiolas-viveiro, no biotrio.
A sesso de teste ocorria 24h aps, sendo os animais conduzidos a uma nova
caixa experimental, contendo algum tipo de manipulandum (diferente do j
experimentado na trade). Durante a sesso, eram administrados 60 choques (30
choques nos trabalhos iniciais) que seriam desligados imediatamente aps a emisso de
uma resposta previamente determinada (resposta de fuga). No sendo emitida essa
resposta, o choque era automaticamente desligado aps um tempo previamente
estipulado (dependendo da resposta de fuga o choque permanecia por um mximo de
10, 30 ou 60s).
Os choques foram de 1,0 mA, liberados atravs das grades do piso, a intervalos
mdios de 60s (amplitude de variao entre 20-100s). Cada choque definia uma
tentativa, sendo a sua durao registrada como latncia na tentativa. Cada resposta de
fuga definia um acerto; a tentativa encerrada por decurso de tempo era registrada como
falha e a latncia registrada como 10s. Respostas nos intervalos entre tentativas no
tinham conseqncia programada.
Aps cada sesso, a caixa era limpa com pano umedecido com gua e lcool, e
retirados os detritos. O objetivo dessa limpeza era evitar interferncia na eletrificao
do piso e minimizar os odores exalados pelos ratos durante os choques, os quais
poderiam ter funo de estmulo sinalizador aversivo para o rato que o sucedesse na
caixa 8.
As caractersticas dos choques utilizados - tais como intensidade, durao,
distribuio - foram definidas atravs de testes piloto ou de acordo com os parmetros
utilizados na literatura. Os choques no eram sinalizados e apenas a sua durao era
passvel de ser controlada pelos sujeitos nas condies de fuga. Portanto, todos os
8 Os odores exalados pelos ratos durante choque so caractersticos da espcie quando em situaes de perigo ou sofrimento. Por isso, tm funo sinalizadora, sendo considerados aversivos na medida que geram comportamento de fuga do ambiente que os contm.
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choques foram imprevisveis, sendo incontrolveis quanto sua apresentao.
controlabilidade ou incontrolabilidade dos choques foi manipulada apenas em relao
ao seu trmino.
PROCEDIMENTO PARA PRODUO DE IMUNIZAO
Esse procedimento difere do anterior apenas pela introduo de uma sesso
anterior de tratamento. Portanto, os estudos sobre imunizao contaram com trs
sesses, todas com 24h de intervalo entre si, denominadas pr-tratamento, tratamento
e teste. Entre as sesses os animais eram mantidos no biotrio, nas suas gaiolas-viveiro.
O delineamento bsico utilizou trs grupos de ratos. Os animais do grupo pr-controle
(grupo P) recebiam, na sesso de pr-tratamento, 60 choques escapveis (contingncia
de fuga), com durao mxima dependente da resposta de fuga, sendo desligado
automaticamente caso no ocorresse essa resposta. Na sesso de tratamento esses
animais foram alojados em caixas sem manipulandum onde receberam 60 choques
incontrolveis de durao fixa (10s). Na sesso de teste receberam 60 choques
controlveis (30 choques, nos trabalhos inicias), sendo utilizada uma contingncia de
fuga diferente daquela da primeira sesso. Os sujeitos do grupo incontrolvel (grupo I)
no foram expostos aos choques na sesso pr-tratamento, sendo submetidos ao
tratamento e teste da mesma forma que os anteriores. O terceiro grupo no recebeu
choques nas duas primeiras sesses (grupo N), sendo submetido apenas sesso de
teste. Nas sesses sem choques os animais permaneciam nas caixas experimentais pelo
tempo da sesso dos demais, ou eram mantidos nas suas gaiolas-viveiro, no biotrio.
Anlise dos resultados Em todos os experimentos, foram analisados os dados
sobre latncia e falha tanto para os sujeitos individuais como para os grupos. Os
resultados mdios dos grupos foram submetidos Anlise de Varincia simples
(ANOVA) ou para medidas repetidas (ANOVA two-way), dependendo das variveis
em estudo. No caso de haver trs ou mais grupos, as diferenas entre pares foram
identificadas atravs dos testes de Tukey, Newman-Keus ou outros equivalentes.
Tambm foi utilizado o teste t de Student para amostras relacionadas. Em todos os
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tratamentos estatsticos, foram consideradas significantes as diferenas com um mnimo
de p< 0.05.
O Quadro 1 apresenta, de forma esquemtica, os procedimentos descritos.
Quadro 1 Representao esquemtica dos procedimentos para estudo dos efeitos de desamparo (em duplas ou trades) e imunizao.
O intervalo entre sesses de 24h. As siglas R1 e R2 indicam respostas de fuga diferentes em cada sesso.
Procedimento para estudo do DESAMPARO
Grupos
TRATAMENTO
(sesso 1)
TESTE
(sesso 2)
duplas
I
N
choque INCONTROLVEL
(durao fixa de 10s)
NENHUM choque
CHOQUE CONTROLVEL
trades
C I
N
choque CONTROLVEL
(R de fuga = R1)
choque INCONTROLVEL (durao acoplada ao grupo anterior)
NENHUM choque
CHOQUE CONTROLVEL (R de fuga = R2)
Procedimento para estudo da IMUNIZAO
Grupos
PR-TRATAMENTO
(sesso 1) TRATAMENTO
(sesso 2)
TESTE
(sesso 3)
P I
N
choque
CONTROLVEL (R de fuga = R1)
NENHUM choque
NENHUM choque
choque
INCONTROLVEL (durao fixa de 10s)
choque INCONTROLVEL (durao fixa de 10s)
NENHUM choque
CHOQUE CONTROLVEL (R de fuga = R2)
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BLOCO 1 Experimentos bsicos
Estudo inicial (Hunziker, 1977 a,b)
A minha primeira idia de estudar o desamparo, proposta como projeto de
Mestrado, dizia respeito generalidade do efeito caso fossem manipulados outros
estmulos que no o choque eltrico. Eram diversas as perguntas a serem respondidas.
Por exemplo: 1) Ocorreria o desamparo se fossem utilizados estmulos aversivos
diferentes do choque eltrico? 2) O desamparo poderia ser obtido utilizando-se
estmulos apetitivos incontrolveis? 3) O que ocorreria se os estmulos aversivos,
utilizados no tratamento e teste, fossem diferentes entre si? 4) Ocorreria o desamparo
frente a uma combinao aversivo/apetitivo, no tratamento e teste, e vice-versa?
Como esse trabalho seria o primeiro realizado no laboratrio que montei na
UNICAMP, considerei necessrio fazer a replicao dos experimentos bsicos sobre
desamparo aprendido antes de investigar as questes propostas, como forma de
legitimar as condies do meu laboratrio. Considerei que deveria tambm replicar o
efeito de imunizao j que ele freqentemente apontado como crtico na
demonstrao da aprendizagem primeira da incontrolabilidade como determinante do
desamparo. Portanto, a replicao de ambos os efeitos foi considerada, nessa etapa
inicial, condio bsica para dar andamento ao projeto proposto
Assim, esse primeiro estudo teve por objetivo responder s seguintes questes:
1) Ratos previamente expostos a choques incontrolveis teriam maior dificuldade de
aprender uma resposta de fuga, comparativamente a outros no expostos a esse
tratamento (caracterizando o efeito de desamparo aprendido)? 2) Ratos previamente
expostos a uma contingncia de fuga, e depois submetidos a choques incontrolveis, ,
no apresentariam o desamparo (caracterizando o efeito de imunizao)?
Para responder a essas perguntas foram realizados dois experimentos
envolvendo o procedimento de imunizao. No Experimento 1, os animais do grupo
pr-controle (P) foram submetidos na primeira sesso (pr-tratamento) a 60 choques
que podiam ser desligados pela resposta de presso barra. A contingncia de fuga
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previa aumento gradual da razo na medida que as respostas iam se tornando mais
rpidas: os primeiros choques foram desligados aps uma resposta (FR1), passando a
serem exigidas duas e depois trs respostas (FR2 e FR3, respectivamente). A latncia
mxima permitida era de 60s. Esse procedimento replicou o proposto por Seligman e
Beagley (1975). Na sesso de tratamento esses animais foram submetidos a 60 choques
incontrolveis, de 10s fixos em uma caixa sem manipulandum. Por fim, a sesso de
teste foi conduzida na shuttlebox manual que continha a barreira de 2,0 cm acima do
piso. Foram liberados 30 choques com reforamento para resposta de fuga correr, com
exigncia crescente de FR1 para FR2, replicando Maier et al. (1973): nas 5 primeiras
tentativas bastava o sujeito correr ao compartimento oposto para desligar o choque
(FR1), mas nas 25 tentativas seguintes era exigido dele ir ao compartimento oposto e
retornar ao compartimento inicial (FR2) para que o choque fosse desligado. A latncia
mxima permitida era de 30s. Os sujeitos do grupo choque-incontrolvel (I) passaram
apenas pela sesso de tratamento e teste, enquanto que os sujeitos do grupo no-
choque (N) passaram apenas pela sesso de teste.
No Experimento 2 o delineamento foi equivalente, diferindo as contingncias de
fuga utilizadas: no pr-tratamento, o choque foi desligado aps uma reposta de focinhar
(30s mximo de choque) e no teste o reforamento negativo foi contingente reposta de
presso barra, com razo crescente de FR1 a FR3, conforme descrito acima. Nesse
experimento a sesso de teste foi mais longo, sendo utilizadas 60 tentativas. Alm dos
trs grupos convencionais dos estudos de imunizao, foi acrescentado um grupo
semelhante ao grupo pr-controle, porm sem receber choques na segunda sesso.
Portanto, esses animais tiveram experincia apenas com controle, passando pelo treino
de fuga na sesso pr-tratamento, nenhum choque na sesso de tratamento, sendo
submetidos ao teste como todos os demais (Grupo Fuga - F).
A Figura 2 mostra que, em ambos os experimentos, os animais previamente
submetidos aos choques incontrolveis (I) apresentaram latncias estatisticamente
superiores s dos animais ingnuos (N), confirmando o previsto no estudo do
desamparo. Contudo, ao contrrio do previsto pelo efeito de imunizao, os animais do
grupo pr-controle (P) foram os mais lentos dentre todos, em especial no experimento 2.
Em ambos os estudos, eles foram estatisticamente mais lentos que os do grupo ingnuo
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quando o esperado seria que tivessem latncias equivalentes s desses sujeitos. Como o
grupo exposto apenas s aprendizagem de focinhar na primeira sesso (grupo F)
aprendeu a resposta no teste, no se pode atribuir essa dificuldade exacerbada do grupo
P interferncia da aprendizagem de focinhar sobre a aprendizagem de presso barra.
Fuga (correr)
0
5
10
15
20
25
30
1 2 3 4 5 6
blocos de 5 tentativas
lat
ncia
md
ia (s
)
Fuga (presso barra)
0
10
20
30
40
50
60
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
blocos de 5 tentativas
NIPF
Figura 2. Latncias mdias das respostas de fuga correr e pressionar a barra, apresentadas na sesso de teste dos experimentos 1 e 2, respectivamente. A resposta de correr foi reforada em FR1, no primeiro bloco de tentativas, e em FR2 nos demais blocos; a resposta de presso barra foi reforada com razo crescente de FR1 a FR3. Antes dessa sesso, os grupos foram expostos a diferentes tratamentos: grupos no-choque (N), incontrolvel (I), pr-treinado (P) e fuga (F) (adaptada de Hunziker, 1977a).
Exp. 2 Exp. 1
Alm disso, no experimento 2, onde o nmero de tentativas no teste foi maior,
pode ser verificado outro efeito inesperado: ao longo da sesso os grupos tiveram
reduzidas as diferenas obtidas nas tentativas iniciais, chegando alguns a inverterem a
tendncia inicial (grupos N e P). Apenas o grupo F apresentou, no final da sesso de
teste, latncias bem menores que as latncias dos demais grupos.
Considerando apenas o resultado estatstico desse estudo, pode-se concluir que
ele replicou o desamparo aprendido, mas no a imunizao. Contudo, a anlise
qualitativa da Figura 2 sugere que essa concluso no correta. O fato que me chamou
a ateno foi que os animais ingnuos (grupo N), apesar de terem as mais baixas
latncias iniciais de fuga, apresentaram aumento das mesmas ao longo da sesso de
teste. Esse aumento das latncias contrrio ao esperado em uma aprendizagem de
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fuga, onde o reforamento negativo avaliado pelo aumento da probabilidade da
resposta e/ou pela reduo da latncia com que essa resposta ocorre. Portanto, as
latncias mostradas pelos grupos ingnuos no permitiam concluir que as respostas
desses animais estavam sob controle do reforamento negativo.
Esses resultados tm implicaes para o estudo proposto. Se o desamparo
aprendido definido como a dificuldade de aprendizagem operante em decorrncia da
experincia prvia com estmulos aversivos incontrolveis, ento o mnimo que deveria
ser exigido no seu estudo que os animais ingnuos aprendessem a resposta que estava
sob reforamento no teste. Conforme vimos aqui, como esses animais no apresentaram
essa aprendizagem, o procedimento utilizado no teste ficou comprometido quanto sua
adequao para avaliar o que se propunha. Assim, por coerncia conceitual, no poderia
ser afirmado que eu havia replicado o efeito de desamparo aprendido mesmo havendo
diferena estatstica entre os animais ingnuos e os expostos aos choques incontrolveis.
Fazendo um extenso levantamento na literatura, verifiquei que muitos estudos
apresentavam esse mesmo problema: latncias dos animais ingnuos ficaram invariveis
ao longo de toda a sesso (Alloy & Bersh, 1979; Freda & Klein, 1976, experimento 3;
Jackson, Maier & Rapaport, 1978, experimentos 1A, 1B e 3; Maier & Testa, 1975;
Seligman, Rosellini & Kozak, 1975, experimento 2), ou latncias se tornando
progressivamente mais elevadas no decorrer das tentativas (Freda & Klein, 1976,
experimento 1; Jackson et al., 1978, experimento 1 A). Todos esses experimentos
utilizaram sesses de teste muito curtas, com cerca de 20 tentativas de fuga. No nosso
estudo, onde a sesso de fuga contou com 50 tentativas, tivemos os dois tipos de efeito:
as respostas de presso barra dos animais ingnuos foram emitidas sem alteraes
sistemticas at a 20a tentativa (bloco 4), passando a aumentar do 5o bloco em diante.
Portanto, esses resultados replicaram exatamente o que outros pesquisadores obtiveram.
O curioso que essa falha de aprendizagem dos animais ingnuos, mostrada na
literatura, no foi sequer apontada pelos autores das pesquisas: o dado existe nas
figuras, mas no citado nem analisado no texto. A nica referncia no
aprendizagem pelos sujeitos ingnuos encontrei em um texto de reviso da rea, que
citava que cerca de 1/3 dos sujeitos ingnuos no aprendiam fuga no teste (Maier &
Seligman, 1976). Porm, esse dado foi citado apenas numericamente, sem uma anlise
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das suas causas ou mesmo das suas im