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Humberto Mariotti e Clóvis Ramos Filósofo Herculano Pires e Poeta

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Humberto Mariotti

e

Clóvis Ramos

Filósofo

Herculano Pires

e Poeta

William Holman HuntA paisagem de verão

¦

Conteúdo resumido

A obra e dividida em duas partes.A primeira e do autor Humberto Mariotti queenfoca Herculano Pires como grande Filósofo Espírita,

que se utilizando das premissas básicas da

imortalidade e da reencarnação faz avançar o

conhecimento humano demonstrando o porquê da vida

e da finalidade do ser humano no mundo da matéria.A segunda parte e do autor Clóvis Ramos que

enfoca Herculano Pires como o grande poeta espírita

que usando de suas veias poéticas fazem nos lembraratravés dos versos magistrais a grandeza do ser

humano perante o universo.

Sumário1ª ParteO Pensamento Filosófico de J. Herculano Pires

Humberto MariottiPrólogoI - O filósofo inato

II - Herculano e seu trabalho como filósofo espíritaIII - A Revista Educação EspíritaIV - Posição crítico-filosófica frente à

parapsicologia naturalistaV - Metas filosóficas de alguns livros - Agonia das

Religiões - Revisão do Cristianismo - O Espírito e oTempo

VI - A filosofia espírita na América Latina

VII - O sentido histórico da Terceira Revelação e oEspírito da Verdade

VIII - Manuel S. Porteiro e J. Herculano Pires,

expressões de uma mesma raiz filosóficaIX - Intérprete fiel da Codificação KardecianaX - Para uma novelística bíblico-espírita

XI - O sentido interexistencial da mediunidade

XII - Busca e aproximação à serenidade

XIII - A mediunidade zoófilaEpílogo

2ª ParteBarro insubmisso ou J. Herculano Pires de

"Argila"

Clóvis Ramos

I - Barro Insubmisso, insubmisso Adão ou Argila,de J. Herculano Pires

Herculano Pires em dois tempos

Pela primeira vez, desde sua morte física,publica-se sobre Herculano Pires um trabalho quebusca interpretar seu pensamento filosófico e

poético indo de fato às profundidades do queescrevera. Os estudos aqui reunidos foramproduzidos e entregues à Editora em épocas

distintas, mas agrupados em um só livro porrazões óbvias.

Herculano Pires desenvolveu atividades nocampo do jornalismo e da educação, foi cronista e

romancista, poeta e ensaísta, mas é como filósofoque sua personalidade mais se afirmou nos meiosespíritas, onde é reconhecido como Filósofo doEspiritismo, elevado ao mesmo nível de LéonDenis, que sucedera Allan Kardec. Para penetrarna essência de seu pensamento e mostrá-la emsua integralidade interexistencial fora precisoalguém que sentisse a grandeza da Filosofia comoele. Isso é de tal forma verdadeiro que passadoum lustro do seu desencarne, nenhum estudo deprofundidade surgiu no movimento espírita sobreo Herculano-filósofo. Tudo o que até aqui sedisse sobre ele representa páginas genéricas,sínteses sobre o homem, o jornalista, oromancista, o polemista, muitas vezes sobre oprofessor, mas raramente sobre o filósofo.

A primeira parte deste Herculano, filósofo, epoeta é de autoria de Humberto Mariotti, escritorespírita argentino desencarnado em Buenos Airestrês anos após Herculano Pires, isto é, em 17 demaio de 1982. Como Herculano, Mariotti era umamante sincero da filosofia e poeta de coração.Acreditava que o Espiritismo só alcançaria sua

real integração no social quando cumprisse a

previsão de Allan Kardec, ou seja, quando

penetrasse na "via filosófica". Vai ressaltar issoneste seu texto, ainda inédito na Argentina, queoriginalmente denominou Em torno alpensamiento filosófico de J. Herculano Pires.Entendia o Espiritismo como uma "cosmovisãofilosófica e religiosa, baseada nas grandes leisespirituais, codificadas pelo gênio didático deAllan Kardec".

O Mariotti-poeta também se aproximava dopoeta Herculano Pires. A seguinte poesia, quetraduzimos e publicamos no Suplemento Literáriodo jornal Correio Fraterno do ABC, em junho de

1982, mostra bem a sensibilidade de sua alma:

VOLTAREI COMO O PÁSSARO

Voltarei como o pássaro quando o solose converter em jardime te falarei de amores e existênciasque não têm jamais fim.Voltarei como a brisa acaricianteoutra vez a existire minha alma em tua alma misteriosavoltarás a sentir.E se voltar é a lei dos caminhos

meu morrer ao viverte buscará entre névoas luminosaspara ver-te sorrir

Outro aspecto que reforça a afinidadeMariotti/Herculano é a convicção de ambos daperfeita atualidade de Allan Kardec. Mariottibateu-se também por esta realidade de maneiraclara e insofismável.

Não obstante possa parecer à primeira vista, aintimidade com a filosofia espírita manifesta emMariotti não implica numa exclusão da partecientífica da doutrina, pelo contrário, reforça aporque a explica. Isso ele tratará de demonstrar

também com relação ao pensamento deHerculano Pires.

A partir do momento em que tomou contatocom os trabalhos do filósofo brasileiro e,posteriormente, quando veio a conhecê-lo em SãoPaulo, Mariotti mostrou-se perfeitamenteintegrado ao pensamento de Herculano. Nas

correspondências que entre si trocaram, a

afinidade que nutria estreitou-se ainda mais. Demodo que este texto de Humberto Mariotti sobreHerculano Pires revela-se positivo sob três

aspectos: em primeiro lugar, pela inegávelcondição de seu autor de penetrar na essência da"filosofia piresneana", como ele mesmo adenominou, e de poder mostrá-la em suainteireza; depois, pelo que o texto apresenta deprovidencial, em razão de poder ser oferecidoàqueles que desejarem conhecer Herculano paracompreender o Espiritismo, sem o perigo deescorregar para interpretações equivocadas;finalmente, se outras não houver, pela razão

mesma de sua oportuna aparição no momentoespírita que se vive.

Chama a atenção algumas colocações deMariotti a respeito de Herculano, como quando odesigna kardeciólogo, aquele que professa aKardeciologia. Aí, entretanto, é preciso atinar

bem para o sentido daquilo a que se refere o autorportenho, uma vez que para ele a Kardeciologia éa própria Doutrina Espírita. É que Kardec e oEspiritismo são para Mariotti, como paraHerculano, duas coisas que se confundem numasó: a Doutrina Espírita. Para ambos, qualquer

tentativa que se faça visando promoverseparações nesse campo significa não atentar paraas essências filosóficas do Espiritismo.

Kardecismo, Espiritismo, Doutrina Espírita eagora Kardeciologia são designativos de umamesma coisa: a filosofia interexistencial trazidapelos Espíritos, codificada por Allan Kardec eque teve em alguns intérpretes, entre elesHerculano Pires, seus expoentes maiores.

Destaque-se ainda o tratamento filosófico queMariotti da à questão dos animais, no capítulo "Amediunidade zoófila", em acordo de pensamentocom Herculano. Este é um belo momento do

livro, no qual se verifica que só mesmo a filosofiaé capaz de tamanha transcendência em questõesde que a própria ciência ainda está distante.

*

A segunda parte deste livro - Barro Insubmissoou J. Herculano Pires de "Argila" - é de autoria

do escritor-poeta Clóvis Ramos, que o elaborouna tentativa de preencher uma espécie de vazio

que se formou nas homenagens prestadas a

Herculano Pires após sua morte física. SegundoClóvis, muitos se lembraram do professor,jornalista, escritor. Não obstante o poeta, aqueleque trabalha com as fibras mais sensíveis do

coração e às vezes encontra lógica onde amatemática não consegue agir, desse lembrou-seClóvis Ramos.

Como o penetrar na filosofia pede a presençade um Espírito afim, vasculhar a poesia quase sóé possível para aquele que a sente em cada

vírgula, em cada reticência e em cada termo

concretamente abstrato. Se Herculano não foi tãoprecioso na poética, a ponto de poder-secompará-lo a autores consagrados, comoaconteceu no romance por exemplo, o fato é quecompôs versos maravilhosos em que o sensível ea razão se misturam, após brotar do saber espírita,

esta grande força que acionou a vida deHerculano Pires.

Clóvis Ramos não faz, por assim dizer, uma

descida ampla ao universo da produção poética deHerculano. O objeto de sua análise é o livroArgila, lançado em 1946 pela Lake, de São Paulo.Aquele universo, porém, teve início quando

Herculano era ainda menino e compôs seusprimeiros poemas, tomando forma a partir de1932, quando publicou seu primeiro livro depoesias, intitulado Coração. A partir daí surgiramoutros: Quando o outono chegar, Estradas e ruas,

Mensagens, Poemas de tempo e da morte, etc.Não obstante, a letra de Clóvis Ramos sobre apoesia de Herculano Pires dá uma boa visão dasensibilidade do autor de Educação para a Morte,da temática preferida dele e da realidadeinterexistencial de seu pensamento, facilmentelocalizável nas composições poéticas deHerculano Pires.

Wilson Garcia

1ª Parte

O Pensamento Filosófico de J. Herculano Pires

Humberto Mariotti

Prólogo

J. Herculano Pires é um filósofo e pensa sobreo mundo e o ser com evidentes profundidadesmetafísicas. Mas vê no filosofar um atoexistencial que não só conduz ao conhecimentocomo também ao reconhecimento de que tudo o

que existe não se destina a afundar-se no Nada.Ele concebe que a filosofia é uma penetração nosgrandes problemas da existência e admite que oconhecer verdadeiro depende de uma experiênciapara chegar ao sentido profundamente religiosoque possuem as coisas, tanto grandes comopequenas.

Sua intuição filosófica foi iluminada peladoutrina espírita e é nisto que sua tarefa

ontológica difere das modalidades clássicas no

que respeita à valorização das essências danatureza. Sua mente não se detém, pois, nasuperfície das coisas, não busca um conhecerconsiderando unicamente as formas materiais.Em tudo vê a realidade do fenômeno existencialcomo uma manifestação do noúmeno, ou seja,observa o homem como um ente infinito que regea marcha do desenvolvimento da vida.

Como Porteiro, admite que o verdadeiro serestá além do cérebro e que pode existir ummundo inteligente fora das circunvoluçõescerebrais. E isso ocorre porque tanto Herculanocomo Porteiro não se detiveram numa ocupaçãoontológica radicada nas representações objetivasdo indivíduo. Pelo contrário, ambos pensadores

avançaram para além do homem corporal parapenetrar no mundo desconhecido do homemespiritual. Admitiram que as bases do verdadeiroconhecimento estão no Ser invisível que sustentaos seres e as coisas.

Sobre esta concepção do Ser, encontram-secom a raiz essencial do Universo, que para Hegelnão é outra coisa que um Espírito Absoluto, ouseja, o Noúmeno principal de toda manifestaçãoda vida e da história. Além disto, como pensador.Herculano sabia que o Nada não pode responderao ser vivo do homem, mas como filósofo espíritadeduzia que o Nada, ao ter um provável ser, já era

"algo" e por conseguinte seria (se manifestariacomo) uma "entidade" que poderia revelar à "suamaneira" um provável ser.

Como Kardeciólogo intuiu que o Nada podeexistir como uma noção relativa da inteligência,quer dizer que não é mais um estado gnosiológicocuja origem radica na curta evolução do espírito.O Nada não é uma realidade absoluta, pois deacordo com a Kardeciologia, com a CodificaçãoKardeciana, "nenhuma coisa é o nada, e o nadanão existe" (ver O Livro dos Espíritos, 23, AllanKardec). Por isso, o grande poeta espírita

espanhol, Salvador Sellés, disse em brilhantesquartetos:

Não há morto mais que a morte,Não há morto mais que o Nada.

O Nada como filosofia da existência e base doPositivismo não pôde instalar-se no Brasil nãoobstante o grande desenvolvimento que nomundo tem alcançado. O Nada e o relativismopositivista não impediram nesse País latino-americano o enraizar da Doutrina Espírita, que éhoje no mundo moderno a mais poderosa antítesedo pensamento materialista.

Filósofos como J. Herculano Piresdemonstram que a intuição acerca de um Serinfinito surge das profundezas espirituais dohomem, o que constitui a melhor prova de que oEspírito é o motor da história e não anula, comose crê, as forças criadoras da evolução e oprogresso. Por conseguinte, Herculano é um

precursor da filosofia do futuro; seu nome ficará

inscrito nas páginas mais brilhantes do que fazerfilosófico brasileiro e latino-americano. Por issotemos lhe dedicado o nosso pensamento crítico afim de demonstrar de que maneira as essências

ontológicas do pensar espírita podem abrir um

novo caminho na filosofia e ser, como o desejavaJosé Ingenieros, uma constante renovaçãometafísica no que diz respeito ao conhecimentodo homem e da vida através de suas mais variadas

manifestações históricas e sociais.Desejamos que nossa modesta pena possa dar

uma idéia geral do que representa este destacadofilósofo brasileiro no campo das novas idéias.

Nós o admiramos profundamente por que cremos

que a Doutrina Espírita somente pela viafilosófica chegará a penetrar na alma dos povos.E J. Herculano Pires era um erudito filósofo quese ergueu com valentia no areópago dopensamento moderno para demonstrar que adoutrina espírita é um pensar filosófico quemudará realmente a face do mundo. Omaterialismo em todos os seus aspectos terminousua missão na cultura moderna; agora o Espírito équem vai conduzir a alma humana aodivinamente transcendental. E o espiritualismoespírita contribuirá com homens como Herculanoa demonstrar que o materialismo e o ateísmoestão definitivamente superados.

I

O filósofo inato

J. Herculano Pires não foi um filósofoimprovisado nas investigações filosófico-espíritas. A obra que ele realizou se equipara aosmelhores clássicos da filosofia ocidental.Penetrou na essência do ser e apreendeu noEspírito infinito o sustento de todo o que fazercultural e existencial. A vida era para J.Herculano Pires a manifestação de um enteespiritual que se realizava para sobrepujar os maisvariados processos históricos. O Espírito nafilosofia kardecista está condicionado parasuperar esse "obstáculo" denominado morte. Opotencial anímico e divino que possui podealcançar as mais esplendorosas alturas dasabedoria; por isto nos dizia que a morte nãopoderá imperar nunca onde está instalada asabedoria.

O destacado pensador brasileiro fez-se filósofouniversitário com o único objetivo de possuir a

autoridade necessária a fim de penetrar nas

essências filosóficas do Espiritismo. Maspodemos dizer que o seu ser já era um filósofo denascimento. Certamente em outras existências suabrilhante inteligência havia estado em contatocom os grandes pais da Filosofia. Talvez a Gréciade Sócrates e Platão o conhecera entre osperipatéticos meditando sobre o Ser, seu conteúdoexistencial e suas projeções teleológicas. Por isso,sem graduar-se universitariamente como filósofo,sua brilhante inteligência poderia igualmentedialogar com Heidegger, Jaspers, Sartre,Maritain, etc., pois havia em seu espírito uma raizprofundamente metafísica que lhe permitiarelacionar-se de imediato com os grandesproblemas da filosofia moderna.

O pensamento espírita teve em J. HerculanoPires um verdadeiro intérprete. Podemos dizerque a cultura espírita achou neste destacadofilósofo brasileiro um verdadeiro expositorhumanista que colocou o Espiritismo ao nível damais elevada concepção espiritualcontemporânea. Ele nos ensinou que o espíritanão só se afirma pela produção e observação dosfenômenos mediúnicos, mas também, e muitoespecialmente na hora atual, pela visão filosófica

e religiosa que possui. Mas seu talento filosóficologrou unir duas vias do conhecimento ao dirigi-

lo através do conceito essencial e unitário dosaber.

Para Herculano tanto o saber experimentalcomo o saber metafísico pertencem a uma mesmamanifestação essencial do conhecimento. Poisconhecer tanto pela experiência científica comopela experiência religiosa, quando é o espírito queindaga e busca a verdade, é estar na essênciamesma do conhecimento. É penetrar na essênciaviva do saber único e universal do qual falaramcom precisão metafísica os maiores filósofosespíritas espanhóis, tais como Manuel GonzálezSoriano, Eduardo Nino, Quintin López Gomez,Rodrigo Sanz, etc.

J. Herculano Pires foi, com efeito, umprecursor da filosofia existencial traduzindo-a emfilosofia interexistencial, pois teve a capacidademetafísica de compreender que o conhecimento, oser e o juízo filosófico só se compreendem comuma concepção oniabarcante ao reduzir à unidadesubstancial o fator determinante de todo saberespiritual e histórico. Os famosos a priori de Kantficam iluminados gnosiologicamente, segundo o

pensamento de J. Herculano Pires, pelasanterioridades da alma (esta expressão pertence àpena admirável de Léon Denis).

Para Herculano, como para Manuel S. Porteiroe o próprio Allan Kardec, o Espiritismo somenteavançará na cultura do ocidente mediante a viafilosófica (ver a Gênese de Allan Kardec). Se ogênio espírita não se expressa mediante o métodofilosófico permanecerá à margem dos processoshistóricos e sociais. O conhecer espírita domundo implica uma conexão com o queHerculano concebia com outros pensadoresbrasileiros como a sociologia cósmica. Pois à luzdo Espiritismo o universo está dentro do homemcomo o homem dentro do universo razão pelaqual já não se concebem reclusões espirituais eexistenciais nos processos criadores da lei dareencarnação. Nosso querido pensador brasileiroteve a mesma concepção unitiva de GustaveGeley que via no dinamopsiquismo essencial a

reunião de todos os valores morais conquistadospelo ser em constante devir palingenésico.

A filosofia espírita necessita de pensadoresuniversitários como J. Herculano Pires para que agrande comparação das idéias possa operar-se no

foro das doutrinas filosóficas. Só assim secomprovará a grandeza da Doutrina Espírita emrelação às chamadas ciências esotéricas eocultistas. O Espiritismo é a síntese do saber

espiritualista moderno e foi por isto queHerculano o levou triunfalmente por todos osâmbitos da filosofia universitária, até demonstrar

que a Parapsicologia não é outra coisa senão umderivado temeroso do fenômeno espírita emediúnico.

II

Herculano e seu trabalho como filósofoespírita

Agora que J. Herculano Pires se transformouem um ser invisível, agora que abandonou seucorpo físico, o que ocorreu a 09 de março de1979, é conveniente ensaiar uma demonstraçãopara confirmar que foi o mais destacado filósofoespírita dos tempos atuais. Não se esqueça que foiele que colocou na América, tal como o desejava

Allan Kardec, o Espiritismo na via filosófica afim de evidenciar os valores filosóficos ereligiosos que possui, pois Herculano reconheceuque a profundidade espiritual da Doutrina Espíritase reconhecerá estando nesta via filosófica de quefala Kardec. Por isso, como filósofo nato que era,realizou uma obra que ainda não tem sido

valorizada como merece, pois enquanto opensamento ontológico e antropológico se debateentre as obscuridades dos mais variadosmaterialismos, a obra de J. Herculano Pirespermanecerá incompreendida pela crítica, apesarda dinâmica conceitual que possui.

Já temos expressado que esse pensadorbrasileiro, a par de outros destacados filósofosibero-americanos, havia dado fundamento ao quetemos denominado Kardeciologia, sendo-o umdos mais eruditos kardeciólogos contemporâneos.Prova disto encontramos nas páginas

introdutórias que escreveu para o "Livro dosEspíritos" (1) de Allan Kardec, as quaisconsideramos como documentos filosóficos que

justificam a profundidade gnosiológica daDoutrina Espírita (veja edição desta obra feita

pela Editora Argentina 18 de Abril, de BuenosAires).

(1) - A introdução referida foi escrita por Herculano Pires para a edição especial daLake, S. Paulo, de O Livro dos E spíritos, comemorativa do centenário de lançamento

deste livro, cuja p rimeira edição surgiu em 18 de abril de 1857. A tradução do livro parao português também é dele. (Nota dos tradutores)

Nesta introdução intitulada Notícias sobre aobra, nosso filósofo expõe com singular erudiçãodoutrinária os fundamentos acerca da realidade daexistência de uma filosofia espírita, não obstanteo papel impessoal que se lhe quer atribuir à tarefafilosófica. Mas J. Herculano Pires demonstrouque a filosofia é uma demonstração da verdade enão nos resta outra coisa senão aceitá-la, venha de

onde vier. Ele pensava que no âmbito da culturaespírita só está em jogo a conquista da verdade,que há de conduzir indefectivelmente à unidade

do conhecimento. Pois seu pensamento coincidiacom o do grande filósofo espírita espanhol

Manuel González Soriano (ver sua magníficaobra El Espiritismo es la Filosofia) e com toda aplêiade de pensadores espíritas que o seguiam aosustentar que o Espiritismo daria ao homem umaciência única e universal. Ou seja, a essênciaespírita contida em O Livro dos Espíritos de

Allan Kardec anularia a divisão do conhecimentopara estabelecer uma universal unidade

gnosiológica. Isto mesmo expressou Herculanocom precisão metafísica em todo o seu laborfilosófico, por isso seu pensamento poderá anularquanto se diga contra a hierarquia espiritual quepossui o Espiritismo.

Na concepção filosófica de J. Herculano Pires

se resumem os três estados do conhecimento: ocientífico, o filosófico e o religioso numamagnífica síntese que desemboca no sentidoessencialmente unitivo do conhecimento. Por issonão esqueceu a importância que possui o métododialético para chegar a essa ciência única e

universal que brilhantemente elaboraram osfilósofos espíritas espanhóis do fim do séculopassado.

O método dialético que vem desde a maisremota antiguidade grega encontra no Espiritismo

a explicação e o fundamento de seu trípliceprocesso. Herculano compreendeu amplamenteeste aspecto ao falar de uma dialética espírita,razão pela qual pensava em traduzir para oportuguês o livro Espiritismo Dialético de

Manuel S. Porteiro, por quem sentia profundaadmiração.

O Espiritismo, entrando na via filosófica comoanunciara Kardec, converte-se na luz que seprojeta sobre o conhecimento de todas as idades.O filósofo brasileiro compreendeu com LéonDenis e Gustave Geley que a dialética é o melhor

método ético para valorizar e compreender ointrínseco e extrínseco da lei de causas e efeitosno processo evolutivo e moral dos Espíritos.Possuía uma cosmovisão espírita emanada daimponente codificação kardeciana. Em tudo

percebeu uma divina teleologia que superará osdelineamentos materialistas do homem e douniverso.

O problema religioso esteve constantementeem seu pensamento. O Evangelho de Jesussignificava para ele o resumo da mais elevadasabedoria moral e foi por isso que, com valentia,sustentou a tese de uma religião espírita aocompreender que o homem é um ser imperfeito esó sentindo Deus na sua natureza é que poderáencarar as "contradições existenciais", a que osubmete o processo da reencarnação. ParaHerculano Pires a religião espírita teria sua basefundamental na lei de adoração (ver o número649 de O Livro dos Espíritos). Nesta lei, que está

tanto dentro do homem como fora dele, descobriua realidade espiritual e existencial do religioso. Areligião espírita, advertia-nos J. Herculano Pires,não é um ópio para os povos, como se diriareferindo-se à confessional e dogmática. Areligião espírita é a resultante da essênciaespiritual e divina que mobiliza e sustenta todo o

existente. É dizíamos-lhe nós, uma religião forada religião, é um chamado da alma a seu Criadorde quem espera sempre uma respostaconsoladora. Por conseguinte, admitia com nossomodesto critério a realidade existencial da oração.

Cria profundamente (sabia dizer-nos nas suascartas) numa religião espírita, posto que oEspiritismo não é só uma ética nem tão pouco asimples análise de um fenômeno paranormal. OEspiritismo, ao ser a conseqüência da revelaçãodos Espíritos, se converte, por imperativo dalógica, em uma manifestação religiosa deverdades transcendentes e divinas. A lei daadoração, ao estar dentro da lei natural, determinano ser encarnado e desencarnado um estado dereverência para Deus e para a divina majestade detodo o criado. O homem ao reconhecer aexistência de Deus o adora tanto dentro de uma

igreja como fora dela. Por conseguinte, o homem,opinava Herculano, é um ser religioso que nãopode prescindir do que é causa de tantos efeitosuniversais.

Um filósofo como J. Herculano Pires é capazde compreender a parte débil e falível doconhecimento; por isso seu espírito adentrou nossistemas mais intrincados da filosofia moderna e

contemporânea com o fim de constatar as lacunasque apresentam no que diz respeito à verdadeiraespiritualidade do homem e a natureza. Conoscoaceitava que a teoria do conhecimento só secompletará realmente mediante as realidadesmediúnicas. Sem uma relação com o sabermediúnico, todo intento de conhecer a verdadeiraessência dos Espíritos ficará limitado a hipótesese suposições, expostas sempre a serem denegadaspelas realidades do mundo material.

Em seu formoso livro O Espírito e o Tempo(ainda não traduzido para o castelhano) disse queo fenômeno mediúnico é um fato que se opera noprocesso das raças como um fenômeno psíquico e

que poderia considerar-se uma antropologia

espírita. Nesse livro, Herculano nos mostra osvariados horizontes dá mediunidade e como se

desenvolveu através de processos como o tribal, o

agrícola, o civilizado, o profético e o espiritual.Mostra-nos que o processo histórico estáintimamente relacionado com as manifestaçõesdo mundo invisível.

Este fato mediúnico relacionado com osdiversos períodos da evolução social faz-nos verque os "movimentos" do Cosmos não são devidosa forças puramente naturais, mas originadas domundo invisível, tal como o descreve a

codificação kardeciana. Ou seja, a parte visível dahumanidade é a resultante da parte invisível damesma em cujo centro se encontra a presençaativa dos Espíritos desencarnados. Assim é, comoviu Herculano, a história em sua relação com osuceder dos tempos.

Seu livro O Espírito e o Tempo é como umaréplica a obras do tipo O Ser e o Tempo deMartin Heidegger e O Ser e o Nada de Jean-PaulSartre onde o conceito niilista é o único sustentodo processo existencial do homem. O mesmoocorre com sua notável monografia Introdução àFilosofia Espírita na qual estabelece as bases dalegítima metafísica acerca da realidade de umafilosofia espírita, O conceituado filósofo

brasileiro demonstrou a realidade ontológica dafilosofia espírita não obstante o critério adversoda filosofia oficial. Para ele o verdadeiro ente dafilosofia está no Espírito, mas não num espíritoabstrato, ilhado. Para Herculano a essência dafilosofia radica no ser espiritual como entidadecomunicante com o homem. Neste novo espírito éque está para ele a essência e a raiz da filosofia;

em conseqüência, o Espiritismo como uma dasmais vivas demonstrações do Espírito imortal é abase mais sólida para estabelecer a verdadefilosófica.

Com o saber espírita a filosofia se fazrealidade no homem e na sociedade e estabeleceuma comunicação permanente entre o filósofo e aessência da filosofia, cujo conteúdo está nomundo dos Espíritos. Nosso admirado pensadorchegou até a delinear o esquema de uma teologiaespírita, dizendo: "A Teologia é a mais alta dasciências porque é a ciência de Deus", ajuntando:

"A Teologia espírita nasceu no momento em queKardec perguntou aos Espíritos: Que é Deus? Eeles responderam: "A Inteligência Suprema douniverso, a Causa Primária de todas as coisas (verA Religião Espírita in Anuário Espírita, edição

castelhana de 1972). Ademais, sua concepçãoreligiosa do ser está exposta com clarezaescatológica em seu livro O Ser e a Serenidade,volume este que traça novas orientações à

filosofia ibero-americana.

Como é evidente, J. Herculano Pires percebeunos temas espíritas notáveis relações com osprincípios clássicos da cultura ocidental. Não éem vão que se destacou na atuação que teve quedesempenhar na Pontifícia Universidade de SãoPaulo, Brasil, quando concorreu à mesmarespondendo a um convite de suas autoridades afim de participar da análise do tema Oconhecimento do homem contemporâneo.

III

A Revista Educação Espírita

A preocupação que J. Herculano Pires sentia

pelos problemas educacionais levou-o a fundar

uma revista: Educação Espírita, em cujas páginasforam tratados os mais relevantes assuntos

pedagógicos à luz do Espiritismo. Nesta revista,ficou demonstrado como a filosofia espíritapossui um saber integral quanto aos novoshorizontes que apresenta às ciências da Educação.Herculano se esforçou em demonstrar que acriança não é a totalidade do ser nem tão poucouma página em branco como admite a pedagogiauniversitária.

Na mencionada revista, expusemos o quedenominamos a teoria aparencial da criança, querdizer, assinalamos que o infante possui umprocesso preexistêncial e que por essa razão é quepor trás de sua atual existência se esconde oEspírito com todo seu processo evolutivo, moral eintelectual.

De acordo com este enfoque, a criançaprovoca uma mudança na técnica das ciências daEducação. Determina uma renovação na artepedagógica, pois o ser, visto à luz da concepçãoespírita, é um ente que encarna e desencarna semsolução de continuidade, o que faz com que acriança não seja outra coisa que uma "aparência",posto que por trás da mesma existe todo um ser

com seu desenvolvimento intelectual e moral.

J. Herculano Pires era um intelectualteorizador sobre novas técnicas educacionais, oque o colocou em contato com as esferas maiselevadas da educação e do ensino. Seu talentofilosófico permitiu-lhe ver nas ciências daEducação um extraordinário instrumento psíquico

para penetrar profundamente na alma da criança.Com efeito, a demonstração de uma filosofia

espírita da educação foi a tarefa primordial darevista Educação Espírita, que o pensadorbrasileiro dirigia com tanto zelo e sacrifício. Emsuas páginas apareceram verdadeiras meditaçõespedagógicas feitas à luz do saber espírita. As

ciências da Educação adquiriram um novosentido ao penetrar nos grandes arquivos do seronde constam os processos palingenésicos da

inteligência. A lei da reencarnação é um poderosotelescópio para não se extraviar através dascomplicações psicológicas que apresenta a almada criança. Mas lamentavelmente, a culturamaterialista não prefere um ser infinito e

preexistente; sente ao invés tendência pelo que se

nota no desolador conceito do nada. Essa culturaprefere um ser que morre e não um ser que vive.E nisto se baseou a luta de Herculano ao divulgar

o conceito espírita da criatura humana; muitosforam os obstáculos que lhe opuseram osadversários da concepção preexistêncial do ser.

Isto pareceria indicar-nos que a cultura doocidente deseja o nada antes que a vida;entretanto, o espírito humano se revela frente aesse desolador niilismo dos artífices do não-ser.Por isso a concepção palingenésica das ciênciasda Educação é um saber que conduz a Deus e aoconhecimento de suas leis. Allan Kardec, como

destacado discípulo de Pestalozzi, compreendeuamplamente o papel que desempenharia oEspiritismo no campo da educação e dodistanciamento da inteligência das concepçõesmateriais da vida. Toda sua obra se apresentasobre as bases de um inteligente sentido didático,o que faz com que ela possa chegar semcomplicações aos mais variados níveis daevolução humana.

Uma Ciência Espírita da Educação era o idealpedagógico do nosso filósofo, porque chegou acompreender que a verdadeira reforma daconduta moral depende do mundo interior eprofundo dos seres. Toda mudança na sociedadesem os valores morais do homem interior resulta

num engano e num fracasso. Mas não deixou dereconhecer que a nova pedagogia, elaborada à luzdo Espiritismo, tem necessidade de chegar aondeestão as raízes da dor, porque uma pedagogia quesó ensina, sem curar as feridas da alma, não émais que um frio tecnicismo que apenas afeta àinteligência formal das coisas.

Cremos com J. Herculano Pires que atransformação da Terra não será um fenômenopuramente material, cremos que a transformaçãoda sociedade sobre as bases de um verdadeiroaperfeiçoamento viria pelos valores do Espírito e

por seu conhecimento palingenésico. Areencarnação do Ser será pois a grande idéia pararenovar a imagem do homem e dar um novosentido ao processo universal da história.

IV

Posição crítico-filosófica frente à

parapsicologia naturalista

(I)

A grande expansão da Parapsicologia nomundo contemporâneo levou J. Herculano Pires arealizar uma obra crítico-filosófica com o fim deorientar aos que se internam no mundo de seus

fenômenos. Ao compreender que aParapsicologia foi reduzida no que respeita a seusalcances espirituais, Herculano dedicou-setambém a ilustrar ao povo acerca do querepresenta uma velha prática psíquica que apenasmudou de nome.

Fez-nos ver que esta mudança de denominaçãonão tem outro objetivo que o de afastar osespíritos do que representa o Espiritismo nosproblemas do Espírito. A Doutrina Espírita, comose sabe, abrange desde suas origens, todos osfenômenos que agora maneja superficialmente a

chamada Parapsicologia. Mas o mais delicadopara a cultura universitária é que esses fenômenosdesembocam em planos espirituais onde ohomem se mostra com uma imagem totalmentediferente. Ou seja, que o homem à luz dos

fenômenos parapsicológicos seria um ser cujaessência não corresponde às concepções do velhohumanismo espiritual.

Este fato foi o que levou os velhosteorizadores do fenômeno psíquico e metafísico adar ao mesmo uma nova interpretação que nãoafete a velha cultura referente ao homem. AParapsicologia considerada universitária é umaprática que se opõe à demonstração de umhomem imortal e imaterial. Embora pareça ocontrário, declara-se tacitamente uma aliada doconceito materialista da vida, já que todofenômeno psíquico tem sua origem em um tipo demente assentada sobre os lóbulos cerebrais. É

uma Parapsicologia definidamente naturalista ecom ela resulta impossível elaborar umaconcepção espiritual da vida.

Pois bem, se toda a fenomenologiaparapsicológica é uma produção do homemmaterial, o chamado homem psi não apresentanenhuma vantagem sobre o conceito materialistado ser. Se o homem psi é um produto do homemmaterial, o conceito materialista da vida continuaem pé, de forma que os horizontes do ser

continuam, envoltos pelas trevas do agnosticismode sempre.

Se no parapsicológico não se descobre umanova dimensão espiritual do homem, de que vale

o fenômeno e seu possível enlace com osobrenatural?

O pensador brasileiro manifestou que a

moderna Parapsicologia não é outra coisa que umneo-espiritismo disfarçado a fim de não alarmaros representantes da cultura clássica. Mas por trásdo fenômeno parapsicológico, segundo opensamento de Herculano, existe um noúmenoespiritual que possui uma intencionalidadeexistencial destinada a iluminar a inteligência dohomem no que respeita a seu destinotranscendental. Se a Parapsicologia tem a

faculdade de alterar, do ponto de vista natural, aestabilidade do mundo natural, isso se deve a umplano secreto da natureza, movido por Deus, como fim de socorrer o homem em um dos maistrágicos momentos de sua evolução espiritual.

Herculano pensava que o fenômenoparapsicológico era uma espécie de socorroespiritual para o gênero humano no momentomesmo em que o materialismo parecia dominaros destinos da Humanidade. Pois não se concebeuma alteração parapsicológica com o objetivo desomente demonstrar um fenômeno que,aparentemente, tende para o normal. Se a essência

do parapsicológico destina-se apenas a mostrarum estado normal, não possui o noúmeno comuma intencionalidade inteligente. Faz-senecessário não encastelar o parapsicológico nopuramente natural, pois isso não é outra coisa quedesnaturalizá-lo do ponto de vista filosófico ecientífico. Pensemos que no supranormal existeuma natureza metafísica que reúne o Espírito comseu destino transcendental. E é nisto que opensador brasileiro fincou pé ante os teorizadoresnaturalistas, a quem pareceria molestar que umfenômeno parapsicológico pudesse servir parademonstrar a natureza antimaterial da mente e dasupervivência da alma.

Os parapsicólogos universitários secomprazem em explicar o espírito, por exemplo,recorrendo aos poderes latentes do ser. Quando

deste modo se procede está-se fazendo"verdadeira" Parapsicologia, ou seja, está-sedentro dos cânones oficiais do conhecimento.Todavia, no parapsicológico, por mais que sequeira desconhecê-lo, assoma um mundo que não

é o habitual e que conduz ao reconhecimento deuma natureza psíquica no ser que não dependedos centros nervosos. Mas este fato não agrada

aos religiosos, posto que tudo o que concerne ao

Espírito e ao mais além corresponde a eles,

exclusivamente.Herculano demonstrou que por cima de todo

interesse convencional está a verdade espiritual,já que ela é que dá sentido à vida e um realtranscender à existência do ser. Por isso a

Parapsicologia não poderá ser encarada apenas doponto de vista naturalista; sua aparição rechaça oconceito materialista da vida e faz novaaproximação dos valores eternos do Espírito. Oproblema da morte que encerra os mais gravesaspectos da filosofia e a religião acha-se na etapa,diríamos, final de sua solução. E tal solução não

se dará sobre a base de vagas teorizaçõesmetafísicas, mas pela objetividade da experiênciacientífica, que se manifesta nos fenômenossuperiores do mediunismo, como dizia GustaveGeley, e que a cultura universitária não se atreve

a reconhecer por temor de incomodar os

“Especialistas” conhecimento da alma.A solução do problema da morte dada pela

velha mentalidade do homem já não responde aonovo espírito do saber e da ciência. Pelo só fato

de pensar que a Terra não é o único mundo

habitado da criação já estamos vendo como opassado espiritual da humanidade está em plenadecadência. Por isso J. Herculano Pires era umfuturólogo espírita que via fluir a vida ainda dosmais obscuros fenômenos da natureza. Sua almaestava, no porvir e a sua inteligência era umaantena que sempre captava além das formas

materiais.

Possui um noúmeno o fenômenoparapsicológico?

(II)

Além do que comentamos acima, cremos quecabe perguntar se existe um noúmeno no

fenômeno parapsicológico, como o admitia J.Herculano Pires. Na continuação damos nossoponto de vista a respeito.

O parapsicológico é um fenômeno que afeta ossentidos do homem, em conseqüência é um enteque provoca raciocínios e juízos em quem prova econstata. O parapsicológico não é um "ente" darazão para justificar a priori um conceito ou

concepções pessoais. O que o parapsicológicoapresenta é uma razão do fato que dá objetividadeà reflexão do homem. Este fato é umaaproximação ao provável "transcender" que possaexistir no ser. A realidade parapsicológica possuiuma base segura pela qual se desenvolve atravésdo humano. Isso é o que a distingue do mecânicoe do antimetafísico. Existe no humano de acordo

com o desenvolvimento do ser, está sempre nohomem ainda que em estado latente. É um estadodo ser que dá ao homem uma qualidade que oafasta de sua "antiga natureza". O parapsicológicopode resultar em fator pelo qual o homem podevoltar à sua natureza primordial, quer dizer,poderia descer a seus mundos subconscientes eplantar-se assim sem ceder frente à dissolução doseu ser espiritual.

Se o parapsicológico é um fenômenoparanormal devemos admitir a possibilidade nelede outro ser que se consolida num noúmenointeligente. Devemos ver nele como uma novapsique que esteve latente no homem durante osperíodos em que a fé ajudava-o a estar no mundo;mas nem bem esta fé se torna débil o ser já semovimenta defensivamente contra o não-ser e é

acudido por suas essências psíquicasadormecidas, que através do parapsicológico seapresentam para socorrer o homem em um dosmomentos mais críticos de sua evolução.

A manifestação do parapsicológico não é umfato parcial mas geral. Ocorre em todas as partes,o que lhe confere um caráter universal. Em algunsmomentos o parapsicológico está presente até nomundo animal, o que falaria de sua vinculação

com o puramente psíquico-fisiológico. Emcompensação, não se poderia falar de um estadoparapsicológico do mineral nem do vegetal, o quesugeriria que possui graus de desenvolvimento ede atualização. Apenas no animal oparapsicológico se evidência como uma realidadeque concede ao ser uma categoria existencial deinsuspeito futuro.

Essência, pessoa espiritual e enteparapsicológico

(III)

A essência é uma categoria ontológica quepermanece ainda nos domínios do teórico. Não seapresenta como "uma prática" do ser ou dapessoa. Está, desde os pré-socráticos, encerrada

num "possível ser" que subjetivamente se estendee se contrai sem uma objetiva materialização desua realidade. A pessoa espiritual que se assentana essência fica ao mesmo tempo sem um ponto

de apoio que lhe permita vigorizar-se frente aoniilismo destruidor. A pessoa assentada sobre asbases do "antigo conhecimento" não é mais queuma aspiração rumo ao ser categórico, Permanecesem solidez ontológica e seu existir teórico seguemostrando-se como uma esperança nas lutas peloser existencial.

Pois bem, se a pessoa e a essência queconstituem o homem não revelam um conteúdoque ultrapasse a sua imagem atual, nadasignificará para a existência nem para estabelecerum humanismo que faz do homem um poderespiritual sobre o nada. Uma pessoa sem o serparapsicológico está exposta a perigososacidentes existenciais. A pessoa só perdura comorazão ontológica se nela está presente o vigor de

um ser que não é derrubado pelo duro

materialismo circundante. Essência e pessoa sóadquirem a significação que se lhes quer atribuirse elas possuem essa mola metafísico-parapsicológica que faz emergir a verdadeiraimagem do ser. Se nelas não se acha, de um modoou de outro, o ente parapsicológico, nenhum dospostulados humanos ou espirituais poderá presidirseu ser. Diríamos que essa suma divina queAquinate viu em toda a Criação não sairá dessa"condição hipotética" sustentada intensamente atéo presente. O ente metapsíquico-parapsicológicoestá imerso na essência e na pessoa e o que é

necessário é fazê-lo aflorar no homem por meioda faculdade psi que nele existe.

Se a natureza psi do ser se faz realidade, aessência e a pessoa serão uma positividade acerca

de seu existir e de sua transcendência para umtempo onde se encontra a verdade. A lógica detoda doutrina do homem como essência e pessoa

radica-se, na presente circunstância, na

manifestação exterior da dimensão psi do ser. Alógica prepara o caminho para compreender umaessência-pessoa que não existia unicamente peloteórico. O aflorar da faculdade psi no homem

representa a salvação real do ser e a filosofia da

existência.

Por que o espiritual e o sagrado não podem

estar contidos no parapsicológico?

(IV)

Alguns autores ocidentais respeitosos dastradições religiosas, admitem a realidade dosfenômenos psíquicos mas não tiram deles apossibilidade de serem possuidores de umnoúmeno espiritual e sagrado. Pareceria que o

conhecer as profundidades do Espírito e ouniverso está submetido a uma inexoráveldualidade, posto que só se pode conhecer suasessências dentro de determinadas especialidadesconfessionais.

Existe, pois, um conhecer do profano e umconhecer do sagrado, o que nos levaria a umconhecer exclusivo do humano e a um conhecerexclusivo do divino. Segundo este critério, o

parapsicológico não é um fenômeno espiritual; ésó um fato que remove as velhas concepções

físicas sobre as bases de alguns fatosconsiderados paranormais. Na ordemparapsicológica não pode haver uma"intencionalidade" nem tão pouco um "sinal"

proveniente de um mundo inteligente emetafísico, já que o fenômeno parapsicológico éum produto do homem em seus "estados" psi. Oparapsicológico não pode ser o meio para umamanifestação espiritual porque sua origem está nohomem e não em um ente invisível esobrenatural. Tudo o que tenha - diz-se - carátersobrenatural é ilusório porque não está ao alcancedo homem e menos do parapsicológico. Mas cabe

perguntar: que disposição determina essa série deelementos ilusórios tais como aparição de

defuntos, comunicações mediúnicas,materializações de seres falecidos, vozes diretas,etc., com o fim quase preconcebido de burlar ahumana inteligência? Que poder organizado é odesses fenômenos que só existem aparentemente?Por que não se dão em outros campos essasmanifestações "ilusória" e por que há de dar-senada menos que no importante campo daimortalidade da alma? Por que o Espírito e osEspíritos tramam semelhante parodia em torno de

um problema tão importante para a humanidade?Ou será que o mistério da morte há depermanecer para sempre desconhecido para aangustiada alma do homem moderno?

Não é inventar uma resposta favorável para osespiritualistas dizer que todos esses fenômenospossuem uma "intencionalidade" em favor de umtranscender da existência e que no invisível existeum mundo espiritual onde se acham muitos dosfatores psíquicos que os determinam. Não é

ofender a tradição religiosa se esses fenômenos se

apresentam como um novo caminho de Damasco,nem tão pouco negar a revelação cristã. Por queserá que o homem deve perder-se neste novo eterrível inferno que é o nada? Que a lógicafilosófica responda.

O noúmeno parapsicológico temindefectivelmente realidade se se considerar ovalor inteligente do movimento. Esse noúmeno,

alterando pois o que é habitual, se manifesta,como sabemos, por movimento ou por visões e

sensações que também são formas de movimento.A telecinesia é um movimento sem contato com ohumano e sem dúvida revela um ente comintenções de mostrar alguma coisa. Se esse

movimento telecinésico perdura através dos fatosele está indicando que por trás do fenômenoexiste um noúmeno que está expressando algumdesejo espiritual. Pois bem, se a filosofia nãorepara neste outro aspecto do parapsicológico nãoserá um autêntico saber acerca das essências queexistem nas formas. A filosofia deverá reconhecerque o parapsicológico é uma forma segundo osensorial, mas por sua vez deverá admitir que emtoda forma se instala um ente ou uma parte davida, tal como o admitia o destacado filósofo J.Herculano Pires.

Deste modo é que se compreenderá que aforma é a conseqüência do movimento e quemerece uma manifestação do ente essencial que oanima. O filósofo frente ao fenômenoparapsicológico deverá recordar que na dualidadeobjeto-sujeito está a essência que o unifica numa

expressão unitária e inteligente. Se o

parapsicológico não possuísse movimento não

poderia dar os passos para sua manifestação; seria

uma irrealidade e por isso não existiria. Mas se oparapsicológico está no homem e se revelaatravés do psi, isso está indicando que necessita

de uma praxis fenomenal através do movimentopara sua manifestação.

Com efeito, o parapsicológico em todos oscasos é uma "manifestação", é a manifestação deum "algo" inabitual para a inteligência. Atravésde suas diversas zonas fenomênicas oparapsicológico é uma "manifestação". E se isto,do ponto de vista filosófico, é uma possibilidademetafísica, dever-se-á reconhecer que atrás dofenômeno existe uma "intenção" ou entenoumenal que trata de entrar em relação com oser encarnado.

Se o conhecimento resistir a essa concepção oente parapsicológico conhecido apenas como uma"intencionalidade" ver-se-á na necessidade de

forçar sua presença fazendo o fenômenoparapsicológico mais pujante e insistente. Ofilósofo não deverá desestimar o "possível sinal"que se oculta por traz do fenômeno, posto que seudever é levá-lo à conta de uma nova possibilidadedo ser.

Todo o parapsicológico está baseado no queAllan Kardec denominou "emancipação da alma",ou seja, uma saída do ser psíquico do corpo.

Pois bem, se o corpo é "todo" o homem, o seré um mecanismo físico que ao funcionarharmonicamente pode prolongar a vida de todoindivíduo. Se isto é a realidade não há pois um"homem desconhecido" para a filosofia do ser. Seo homem é um bloco denso e maciço, o ser é oque é e não se espere dele nenhum fenômenoanímico e subconsciente. O ser está em suatotalidade física e move-se de acordo com o vigorde sua mecânica corporal. Dele não poderá sairnada que não sejam forças que se esgotam edesgastam, pois o corporal não gera mais do queo corporal. Mas nesta forma orgânica do homemestá contido todo o ser?

Contudo, o homem não se apresenta como um"ser em bloco"; há nele diferentes estados demanifestações; mostram-se em sua naturezavariadas imagens acompanhadas de tipospsicológicos que fazem pensar em um ser queestá mais além de seu mecanismo fisiológico.Esta "aparência" do homem obriga a pensar numaabertura ou janela em sua densa superfíciecorporal. Pareceria que uma essência meta-corporal poderia ter uma saída para o exterior do

ser. E esta saída estaria demonstrada por estesfatos da "projeção astral" (1).

(1) - Silvan Muldoon e Tereward Carrington: Os fenômenos da projeção astral,obra traduzida para o castelhano e publicada pela Editora Kier, de Buenos Aires.Argentina.

Esta saída do ser de sua "materialidade"evidenciada pelo fenômeno parapsicológico leva-nos a reconhecer este postulado ontológico: o serestá e não está no corpo. Está nele aparentementeem forma total, mas esta aparência fica recusadaquando o ser se sente em dois momentos dotempo e espaço; quando está vendo seu contornocotidiano e por sua vez vê outras imagens esituações distantes de seu atual presente.

Esta bilocação existencial daria bases à saídado ser psíquico de seu corpo. Confirmaria estepostulado dialético-existencial: o ser está e nãoestá no corpo. Esta posição daria o direito de

supor que existe no homem cotidiano um homemdesconhecido.

Este enfoque do ser nos permitirá sair e entrarno corpo. Poder-se-ia sair para distanciar-se do

corpo e demonstrar que o homem não étotalmente físico, porém algo mais que isso. E sepode "entrar" no corpo seria para demonstrar queo ser é independe dele; ademais, demonstrariaque o Eu não é uma superfície, mas uma

profundidade. Se entra em suas própriasprofundezas, o ser se reconhece como um Eu comum "antes" e um "depois" preexistêncial. O ser ao

trazer um Eu por razões de independência de seucorpo pode auto conhecer-se como um ente quese reconhece a si mesmo mas em relação com"outros tempos existenciais". O Eu captaria assimsua totalidade espiritual e poderia revelar que ocorpo pode ter "entradas" e "saídas", com o que

ficaria questionada a concepção de um "estar

permanente" no organismo físico.Para esta elevada meta voava a mente

filosófica de J. Herculano Pires e nesta concepçãoontológica se baseará a futura Parapsicologiaquando em realidade a existência do Espírito

estiver assentada no verdadeiro noúmeno dofenômeno parapsicológico. Por isto a figura destedestacado pensador brasileiro será como umanova marca metafísica na filosofia latino-americana e sua obra espírita será considerada

pelos idealistas do porvir como uma revoluçãoespiritual dentro do pensamento kardeciano.

V

Metas filosóficas de alguns livros

Agonia das ReligiõesRevisão do Cristianismo

O Espírito e o Tempo

Estes três títulos dentro da bibliografiapiresniana possuem um imenso valor filosóficopor seus elevados princípios críticos. Neles estãosintetizados os ideais espíritas deste destacadopensador brasileiro, pois em tais livros seu gêniose empenha em demonstrar como o velho"espírito religioso" não resiste ao já dinâmicoavanço e progresso da humanidade. Em Agoniadas Religiões mostra-nos como a antigapsicologia das variadas crenças declina dia apósdia enquanto o Novo Espírito da civilização seaproxima de uma sociologia espiritual cósmicaonde em realidade pode instalar-se o homem

moderno. Mas esta agonia das velhas religiõesnão significa para Herculano Pires umadecadência espiritual do ser nem tão pouco umdemolidor avanço do ateísmo é do materialismo.Pelo contrário, a entrada em uma Nova

Espiritualidade sobre a qual muito temos falado.A retirada do velho sentir religioso significa poiso início de um renascimento da idéiatranscendendo do homem e de suas relações comDeus. As novas correntes da filosofia da religiãoassim o estão considerando, o que nos indica queDeus não está morto como pretendem algunsteólogos cristãos.

Com efeito, para Herculano a idéia de Deusestá renascendo nos Espíritos e será sobre esterenascer que se produzirá a verdadeira mudançado mundo e do homem. Por mais que digam osnegadores da Causa Suprema seu Ser e Princípioestão sempre presentes tanto no laboratório dohomem de ciência como nas investigaçõesmetafísicas do filósofo. Por isso a filosofiaespírita, acusada injustamente de promotora doateísmo e materialismo, é uma das forças

espirituais mais poderosas para conter todas asformas de niilismo e o ceticismo. Se omaterialismo tem de ser alguma vezdefinitivamente contido isso se operará pelo novorealismo espiritual que apresenta o Espiritismo.

Não há outra demonstração mais objetiva deespiritualidade do homem do que a apresentação

do fenômeno mediúnico em seus mais variados

aspectos.Conosco, Herculano admitia que a igreja cristã

não deve ver no Espiritismo um adversário, masum excelente colaborador para impedir que oateísmo e o materialismo terminem por apropriar-se da alma humana. E esta colaboração espíritanão deixaram de vê-la homens de valor filosóficocomo Gabriel Marcel, que realizava sua posiçãometafísica sobre a base dos fenômenosmediúnicos.

Em seu livro Revisão do Cristianismo J.Herculano Pires busca, sobre bases lógicas epositivas, uma revalorização não da essênciacristã porque a considera pura e divina, mas dasvariadas interpretações teológicas que se têmfeito de seus princípios. Poder-se-ia dizer que aobra de Herculano neste sentido só trata derecristianizar a inteligência a fim de que oceticismo moderno chegue a compreender que o

Cristianismo é uma verdade divina em todos os

momentos da humanidade. Esta revisão do idealcristão está para nosso filósofo em relação com oadvento da era cósmica; a inteligência de posse jáde uma cosmovisão que ultrapassa os limites da

terra percebe um novo sentir do Cristianismo e sesente por isso unificada à vida universal. Se oCristo é o Caminho, a Verdade e a Vida para ahumanidade, o Cristianismo será a novasociologia que estabelecerá sobre a lei da justiça,amor e caridade uma nova ordem social.

Não obstante todos os que têm dito e escritosobre o Cristianismo, esta idéia divina do homeme do universo possui partes totalmente inéditasque, com o despertar dos Espíritos, se irãopaulatinamente conhecendo. Com efeito, toda"desfiguração" do Cristianismo será solucionada

pelos novos conhecimentos espirituais do saberespírita. Pois até o materialismo histórico deveráinclinar-se ante o Cristianismo se em verdadedeseja estabelecer com sinceridade um novosistema social na humanidade. Toda mudança domundo sem os valores profundos do Cristianismoresultará frágil e errôneo. A verdadeira revoluçãoserá feita pela idéia da imortalidade da almaassentada sobre os fenômenos mediúnicos.

Podemos dizer que a visão espírita doCristianismo sustentada por Herculano Pires tem

superado a crítica histórica e filosófica do próprioErnesto Renan. Pois enquanto o pensador francês

desemboca numa concepção materialista acercada figura de Jesus e de seus ideais redentores, opensador brasileiro, não obstante sua apreciaçãoespírita da idéia cristã, que dissente como e lógicodo conceito eclesiológico, leva-nos a umtranscender cristão da pessoa humana, fazendo-nos ver que a vida do Ser não perde nos friosabismos do nada. É que a concepção espírita doCristianismo tem superado notavelmente a deRenan e de todos os racionalistas do século XIX.Com o Espiritismo o Cristianismo penetra emtodos os mundos que volteiam pelo espaço,unindo-se assim em um divino consórcio de

plantas e almas à vida universal. O filósofobrasileiro procurou demonstrar em seu livroRevisão do Cristianismo que a Idéia Cristã éimortal não obstante os mais ousados avanços do

conceito materialista da existência.Mas onde Herculano se mostra um profundo

filósofo da história é em sua obra O Espírito e oTempo em que o próprio Nicolas Berdiaeffencontrara novas noções para estabelecer umareal e autêntica historiosofia cristã. O pensadorbrasileiro vê nos períodos da história verdadeirosmomentos existenciais enraizados no ser

espiritual do homem. O processo histórico paraele está conformado por ciclos nos quaisparticiparam os Espíritos mediante o processo desuas reencarnações. No primeiro CongressoInternacional para o Estudo da Reencarnação (1),apresentamos uma tese que versava sobre a AReencarnação é o Sentido da História. HerculanoPires, ao conhecer nosso ponto de vista filosófico,aceitou-o como um acerto escatológico destinadoa decifrar o que foi denominado "o mistériohistórico". Em seu livro O Espírito e o Tempocoincide amplamente com nossa concepção dahistória porque via nela a intervenção de seuverdadeiro protagonista: o homem como Espíritoreencarnado e motor fundamental de todoprocesso histórico.

(1) - Realizado em Buenos Aires em 1946.Esta concepção da história nos pôs de acordo

quanto aos valores do método dialético aplicadoao conhecimento do determinismo histórico e dagrande analogia que possui a dialética hegelianacom a concepção palingenésica do homem. Porisso, com ele ternos convindo em reconhecer queo Espírito Absoluto de Hegel não é outra coisa

que o Espírito imortal visto através de seusprocessos evolutivos. O Tempo para nós é um

meio através do qual passa o "tempo relativo" doser até alcançar as essências do tempo real e

infinito dependente do divino. Todo o temposubmetido ao processo da evolução, ou dassucessivas reencarnações do ser, é um tempo"defeituoso" como o sustenta a filosofia cristã deNicolas Bardiaeff. O Espírito vindo do SerAbsoluto ou Espírito Puro, como o expressaKardec, se libera de toda forma imperfeita do

tempo e penetra no que é eterno no mundo dosEspíritos.

O Espírito e o Tempo é um livro que deveriaser estudado em todas as faculdades de filosofiada América a fim de penetrar nas variadas"imagens históricas" através das quais passam osEspíritos. A filosofia universitária sem a visãoespírita da História fica aprisionada nos enganosapriorísticos de Kant e para sair deles só épossível por meio de uma historiosofiapalingenésica como vê J. Herculano Pires.

O criticismo espírita do filósofo brasileiro temcontribuído para o conhecimento do Espiritismocomo ciência filosófica. Seu labor enraíza nomesmo sentir do filósofo espanhol ManuelGonzález Soriano manifestado amplamente em

sua obra quase desconhecida EI Espiritismo es laFilosofia.

VI

A filosofia espírita na América Latina

A filosofia espírita na América Latina temalguns representantes de muita relevânciaintelectual; entre eles se encontra J. HerculanoPires, cujo ensaio intitulado Introdução àFilosofia Espírita define-o como uma de suasprincipais figuras filosóficas. Seu pensamentoindagador e teorético penetrou nas correntes maisprofundas das idéias filosóficas modernas com oúnico propósito de compará-las com o pensarespírita. Pode-se dizer que ele familiarizou muitagente com os temas metafísicos pouco comuns noambiente espírita. Graduou-se professor defilosofia para ter maior autoridade em seusestudos e poder demonstrar que, com efeito, se oEspiritismo não penetra na via filosófica da qualfalou Kardec, seu saber integral ficará por muito

tempo desconhecido. Na América Latina

felizmente são vários os homens que elaboraramuma tarefa filosófica sobre as bases ontológicasdo Espiritismo. Uma das principais figuras foiManuel S. Porteiro que iniciou na Argentina as

teorizações espíritas do Espiritismo Dialético.Mas sua principal obra que leva precisamente

essa denominação é muito pouco conhecida entreos espíritas do Novo Mundo. Existe acerca dohumanismo social espírita verdadeiros juízoserrôneos pois tudo o que tende para esta matériafilosófica é considerada com uma penetração noscampos da política.

O pensador brasileiro fez grande esforço paradestruir esta errônea apreciação acerca dopensamento social espírita; mas muito pouco temsido alcançado em favor deste tema tãoimportante nestes momentos. Herculanocorroborou decididamente este pensamento de

Manuel S. Porteiro: "O Espiritismo não é uma

ciência para falar só com as entidadesdesencarnadas. É também uma doutrina paraencarar os erros do mundo e tratar de resolvê-losmediante o novo sentido de justiça social que nosrevelam os Espíritos Superiores". Quando

Herculano conheceu este pensar de Manuel S.

Porteiro estimou-o grandemente e tratou deestudar sua obra por concordar com seupensamento filosófico.

O pensar espírita dialético de Manuel S.Porteiro difundiu-se por vários lugares daAmérica Latina, encontrando eco especialmente

entre a juventude; mas não se advertiu que estafilosófica não intervém em nada no marxismonem na política. Pois toda a tese que sustenta estárelacionada com a aplicação do método dialéticoaos processos morais do ser e da história, querdizer, é um enfoque dinâmico e vivo do que

representa o determinismo moral e causal dehomens e povos. O desconhecimento da dialéticacomo ciência espiritual do ser traz comoconseqüência essa repelência de muitos setoresespíritas. Mas a filosofia espírita pode dizer-seque tem deitado suas bases no Novo Mundo talcomo o concebia Kardec. Vejamos porconseguinte os homens da América Latina quetêm elaborado um pensar espírita-social baseadoprofundamente na dinâmica criadora doCristianismo.

Na Argentina Cosme Marino com seu estudosobre Concepto Espirita del Socialismo; SantiagoA. Bossero e sua obra Escritos para una NuevaEdad del Hombre; em Cuba S. Paz Basulto e seuslivros Militância Espírita e Las Tareas del

Movimiento Espirita en esta Hora e El DerechoPenal de los Espíritas de Fernando Ortiz; noBrasil, Deolindo Amorim com seus enfoquessobre O Espiritismo e os Problemas Humanos eos ensaios sócio-espíritas Os Espíritas e asQuestões Sociais de Eusinio Lavigne e Souza doPrado e Socialismo Cristão de Elzio Ferreira deSouza; em Porto Rico o pensamento social deRosendo Matienzo Cintrón e do grande poetaespírita Ramón Negrón Flores; no México asescritos Socialismo y Espiritismo de RufinoJuanco, assim como o que se encontra em revistasde fim de século pertencentes a Refugio Gonzaleze Francisco Indalecio Madera, etc., dão umamostra do desenvolvimento da idéia socialencarada através do conceito filosófico espírita. Ese nos internamos na cultura espiritista do VelhoMundo encontraremos ensaios sociológicos deLéon Denis, Remo Fedi, J. Bouvéry, LouisForcaude e outros que corroboram a obra

sociológica realizada na América Latina pordestacados espíritas. Não devemos ignorarademais o labor de análise dos fenômenos sociaisfeitos no Chile por Ernesto Moog e na Venezuelapor José Heriberto Blanco, países estes onde aDoutrina Espírita procura criar uma novaconsciência social baseada no socialismo cristão.

J. Herculano Pires como Manuel S. Porteirofoi um esforçado partidário da concepção espíritada dialética, a ponto de proclamar sem rodeiossua admiração pelo idealismo hegeliano, no qualse encontram notáveis coincidências com opensar filosófico espírita. Gustave Geley fezrepetidas vezes referências sobre a dialética

hegeliana ao encarar a filosofia das vidassucessivas do ser.

Não obstante foi criticado por esta inclinaçãopara a dialética de Hegel como se o espíritadevesse admitir as conclusões ideológicas domaterialismo histórico. Herculano foieminentemente progressista mas jamais aceitou

desvios que afetassem a pureza da CodificaçãoKardeciana. Seu pensamento filosófico manteve-

se sempre fiel à essência gnosiológica daDoutrina Espírita, pois ele cuidava tanto do

pensamento como da palavra que o expressava;daí suas lutas contra as adulterações de certastraduções doutrinárias.

A tudo que expressamos devemos ajuntaralguns fatos que realmente honram a tarefa

espírita filosófica na América Latina. Referimo-nos à intervenção de Deolindo Amorim naSociedade Brasileira de Filosofia (Rio deJaneiro), ao pronunciar ali uma conferência sobre

o Pensamento Filosófico de Léon Denis com

motivo no cinqüentenário de desencarnação do

célebre pensador francês. Deolindo Amorim ésócio efetivo da Sociedade Brasileira de Filosofia,possuindo por isso o diploma correspondente "noqual figura o nome de Léon Denis como patronoescolhido pelo titular da cadeira n.° 8". Ao

começar sua dissertação Amorim expressou:"Uma das características desta Sociedade, SenhorPresidente, é a composição heterogênea de seusquadros. Indiscutivelmente, a SociedadeBrasileira de Filosofia é uma das poucas, senãoraras instituições culturais que conseguemaglutinar, neste país, sem prevenções nemretraimentos, as mais diversificadas correntesfilosóficas, representadas por elementos filiados a

antagônicas tendências religiosas, sem que haja,apesar disto, a menor preocupação deconcorrência ou de hostilidade. Basta dizer quefazem parte desta sociedade, indistintamente,católicos, positivistas, espíritas, materialistas,teosofistas, agnósticos, por exemplo, e todos se

sentem à vontade, como homens livres, porqueesta sociedade nasceu e se formou sob ainspiração do mais alto e mais compreensivoespírito de tolerância".

O espírito liberal da Sociedade Brasileira deFilosofia honra, como poderá ver-se, a tarefa

filosófica da América Latina ao não oporrestrições à livre expressão de idéias. Mas estefato repetiu-se em instituições jurídicas do Brasilquando Deolindo Amorim fez conhecer O DireitoPenal dos Espíritas, obra do destacadocriminalista cubano, discípulo de Lombroso,

doutor Fernando Ortiz (ver seu livroCriminologia e Espiritismo).

J. Herculano Pires me falava em suas cartascom entusiasmo desse liberalismo ideológico

quando me fez conhecer sua brilhante atuaçãopara dar a conhecer a antropologia espírita naPontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Em Buenos Aires outro filósofo espírita degrande envergadura humanística foi Juan Elso

Soulé, autor de trabalhos como Kardec en elTiempo Abierto de la Historia e En Torno al

Espiritismo e el Problema de la Historia, ensaiospublicados em revistas como Predica e LaFraternidad. Em ambos trabalhos Juan Elso Soulédemonstra que o pensamento espírita pode emrealidade revitalizar a cultura humanística cristãe, por sua vez, restaurar os valores morais dohomem sobre as bases das vidas sucessivas doser. Mais ainda: esboça um esquema espiritual douniverso onde o pensamento filosófico e religiosovem de indiscutível unidade gnosiológica.

Como se verá, o pensamento filosófico espíritase desenvolveu mais no Novo Mundo que naEuropa que é onde estão as fontes clássicas dafilosofia. Mas isso se deve ao destino histórico daAmérica, pois o próprio Emmanuel tem destacado

o papel orientador que terão nossos povos na

evolução espiritual que os espera. Na obramediúnica A Caminho da Luz expressa este

parecer com respeito ao destino da América e este

mesmo livro representa uma notável contribuição

à elaboração espírita filosófica a que nos estamosreferindo.

O próprio saber mediúnico obtido mediante amaravilhosa psicografia de Francisco Cândido

Xavier adverte-nos de que representa o espíritofilosófico do Novo Mundo. E não se esqueça deque J. Herculano Pires teve pela obra de ChicoXavier a mais profunda admiração e foi um dosseus mais inteligentes explanadores edivulgadores. Pois ele compreendia que aaparição no Brasil de uma literatura mediúnicatão densa, filosófica e cristã era o sinal de que anova consciência da humanidade se afirmariamais em terras americanas que européias.

A plêiade de filósofos espíritas na AméricaLatina tem vinculação com a mensagemmediúnica recebida nela. Se é certo que a culturauniversitária mostra-se renitente com respeito a

uma concepção do Espírito tal como o apresentao Espiritismo, isso não é obstáculo para que nospaíses latino-americanos floresça uma novaconsciência filosófica sobre a base dopensamento espírita.

Muito também havia para dizer com respeito aobra filosófica realizada na Espanha. Se

evocamos os nomes de Manuel GonzálezSoriano, Eduardo Nino, Quantin López Gómez,Rodrigo Sanz, Satya Vanin, Albérico Perón,Celestino Cel, etc., ficaremos assombrados com atarefa filosófica que realizaram e com a influênciaque exerceram sobre pensadores espíritasargentinos como Emilio Becher, Manuel S.Porteiro e Manuel Saenz Cortés. Espanha, pode-

se dizer, é origem do filosofar espírita e istoestava no juízo crítico de Herculano, razão pelaqual se dedicou a estudar com sumo interesse asbases da filosofia da essência tão em voga napátria de Cervantes.

Se Allan Kardec disse que a grandeza doEspiritismo seria vista ao penetrar na viafilosófica, esteve como que pressentindo odestino filosófico do Novo Mundo. Se a filosofiauniversitária se perde entre densas nebulosidadesmetafísicas, a filosofia espiritual e existencial queemana do Espiritismo despejará essas grandesnuvens e com José Ingenieros, por quemHerculano sentia grande admiração, terá que se

conhecer entre os cultores das ciências doEspírito os espíritas como os mais leais ao irdiretamente ao conhecimento da verdade.

VII

O sentido histórico da Terceira Revelação e oEspírito da Verdade

Para J. Herculano Pires, falar de uma terceirarevelação no processo espiritual e religioso dahumanidade não é cair na fundamentação de umanova religião, No conceito de historicidade deuma terceira revelação admitíamos com o filósofobrasileiro o Espiritismo enraizado no processo dahistória e não a conseqüência, como algunspretendem, de uma doutrina estabelecida sobrecertos fenômenos desvinculados do histórico.Pois se a filosofia espírita fosse uma "teorizaçãoindividual", acomodada a uma fenomenologia decaráter supranormal não poderia revestir nunca o

sentido de historicidade que possui. Se ofenômeno religioso se inicia com o mosaísmo ese renova com o advento do Cristo, devemospensar que o Espiritismo é uma síntese de doisfatos anteriores. Quer dizer, a Doutrina Espírita

não é o produto mental de um filósofo mas umaexpressão espiritual do processo religioso dahumanidade.

Com efeito, por ser o Espiritismo umaconseqüência de dois fatos religiosos anteriores,

isso nos assinala que está dentro do processohistórico e por conseguinte se acha dentro doplano divino da história. Tenha-se em conta que oque está dentro do processo histórico não poderáser contido nem desvirtuado pelos homens;chegará tarde ou cedo à meta que lhe correspondealcançar. Com este ponto de vista devemosadmitir que a história possui o Espiritismo e oEspiritismo possui a história. De modo que a

relação não é um produto da teologia, pelocontrário, constitui uma manifestação natural doprocesso histórico. Porque o histórico é umprocesso inteligente produzido pelo advirpalingenésico dos Espíritos, que resume todo oespírito das idades em um ser coletivo que seagiganta na medida em que o homem evolui. Oser da história é devido à realidade imortal doEspírito, pois o mortal é só um acidente na vidado homem. Na mudança, a imortalidade do ser é aúnica razão que pode justificar a permanência do

histórico frente aos cataclismos que se sucedemno tempo. Mais ainda: se a eternidade não fosse

uma propriedade do homem e das coisas, adesagregação do histórico seria a conseqüência detal fato. Portanto, se há consciência do histórico,

isso é devido ao fundamento imortal do serespiritual do homem.

Pois bem a revelação advém de uma formamediúnica do processo histórico; por isso é que áhistória resulta numa prova da existência deDeus. Nisto se assentava-o. pensamento filosófico

de J. Herculano Pires, pois ele afirmava que seDeus não existisse tão pouco poderia existir o

processo histórico. O Espírito da Verdade é quempreside o processo histórico da revelaçãoreligiosa. O filósofo brasileiro fez um excelenteestudo sobre o significado espiritual do advento

do Espírito da Verdade baseando-se na magníficacomunicação mediúnica que Allan Kardec

colocou como prefácio em seu livro O Evangelhosegundo o Espiritismo, porque ela "resume oautêntico caráter do Espiritismo". As virtudes doscéus, que são os Espíritos do Senhor, são pois osmotores reais do processo histórico e não osfatores físicos como admite o conceito

materialista. A história depois de responder ao

pensamento divino é a resultante do mundoinvisível constituído por um ser coletivo que seidentifica com o nome de Espírito da Verdade. Eera necessário que essa entidade formada por uma

legião de Espíritos Superiores determinasse oprocesso da revelação religiosa já que ainteligência do homem está desprovida dasfaculdades que lhe permitem captar o verdadeiroplano espiritual da evolução. Não se esqueça deque todo saber do homem pode estar sujeito aerros por causa da relatividade de suainteligência. Em conseqüência, a mente humana

não pode abarcar o saber que contém seu ser e ouniverso. Isto nos faz ver que o conhecimentohumano é relativo, razão pela qual deverá estarassistido pelas luzes da revelação, que, comovemos, se opera pela intervenção do Espírito daVerdade. Por isso o conteúdo de O Livro dosEspíritos é um saber digno de ser aceito porqueprovém de uma Mente desencarnada. Por outro

lado o conhecimento que nos vem de uma menteencarnada está sujeito a erros e desvios. Poisbem, esta insegurança do saber é corroborada porLéon Denis quando diz: "A ciência é incerta e

mutável, renova-se sem cessar. Seus métodos,suas teorias, seus cálculos, feitos com trabalho, sedesmoronam ante uma observação mais atenta ouuma indução mais profunda, para dar lugar aoutras teorias, que não serão mais definitivas queas primeiras" (ver O Problema do Ser e doDestino).

O doutor Charles Richet também reconheceu afalibilidade do conhecimento ao dizer: "A ciênciatem sido sempre uma série de erros eaproximações, constantemente evoluindo,constantemente modificada, e isto tanto maisrapidamente quanto maior foi seu progresso" (dos"Anais das Ciências Psíquicas", pág. 15, janeiro

de 1905).Como vemos, a instabilidade do saber humano

tem necessidade de ser secundada pelas

revelações do mundo invisível e aceitar por isso o

processo da Terceira Revelação e a manifestaçãodo Espírito da Verdade. Herculano Piressustentava que esta concepção do Espiritismo nãosignifica dúvida da inteligência humana nemreconhecer uma nova forma de crença religiosa.Ele admitia a grandeza mental do homem mastambém não deixava de ver sua propensão ao

erro. Por outro lado, o conceito de TerceiraRevelação é a conseqüência de uma lógicahistórica que conduz, dizia, a reconhecer no planodo universo uma elevada finalidade em torno doproblema filosófico e religioso.

Em carta dirigida a J. Herculano Pires sobre

este tema dissemos o seguinte:O conhecimento por mais pensado e elaborado

que seja terá sempre a seu lado outra forma deconhecer porque o homem não pode alcançarnunca todo o conhecimento do ser. O homempossui apenas um grau de conhecimento, que vaiampliando mediante seu devir espiritual epalingenésico. O conhecer é um ato dainteligência que se opera tanto no homemencarnado como no desencarnado. Suas noçõeschegarão à inteligência com maior intensidade namedida em que os obstáculos físicosdesapareçam.

Para o materialismo dialético existe uma sóforma do homem e da vida e é a física e material,mas para o Espiritismo o homem não estátotalmente no corpo nem na matéria porquereconhece que o traje que usa para vestir-se não étodo o ser do homem. O ser humano para o

Espiritismo é um constante estar na vida infinitatanto com o corpo como fora do corpo; por issotodo saber que adquire o Espírito é relativo, postoque o conhecimento é uma contínuatransformação de noções sempre renovadas, queadquire mediante as vidas sucessivas que vive.

Por isso é necessário considerar que oconhecer não vem de nosso exclusivo contatocom o mundo físico. O conhecimento tem poissuas fontes na sabedoria natural invisível que

imanta a todo o existente; mas pode manifestar-setanto a partir de uma mente encarnada comodesencarnada.

Para o materialismo dialético o conhecer é olucro das funções cerebrais; o cérebro ao gerar opensamento dá origem ao conhecimento. Mas,estaria seguro de que é o cérebro que produz opensamento? E se o produz de que modo essepensamento advém inteligente e está emcondições de conhecer a verdade e não cair no

erro? E se o cérebro produz o pensamento, porque é lógico e inteligente e sabe o que é corretoou incorreto?

Isto é, querido amigo, o que nos leva a admitirque o conhecimento não é uma invenção ou uma

criação do cérebro, senão que pode ser aconquista do Espírito mas também intuição,

inspiração e até revelação, ou seja, que podeprovir de um plano onde a mente desencarnadapode atuar e apreender conhecimentos com amaior amplitude e profundidade (1).

(1) - Ano 1970

VIII

Manuel S. Porteiro e J. Herculano Pires,

expressões de uma mesma raiz filosófica

Em nossa América não é freqüente o estudo dafilosofia clássica nem da espírita. Os filósofos no

continente americano são grandes solitários cujotrabalho só é conhecido por uma ínfima minoria.E entre os contrários do saber filosófico secontam lamentavelmente os espíritas,esquecendo-se que Manuel González Sorianoescreveu um grande livro intitulado ElEspiritismo es la Filosofia. Herculano entretantolevou isso muito em conta, coincidindo assimcom a visão espírita de Porteiro.

A ignorância do saber filosófico na América sedá até entre a massa católica que conta com oapoio dos Estados e as notáveis orientaçõesteológicas do Tomismo. Vale dizer que o Espíritoda filosofia não está desenvolvido sob nenhumponto de vista, sendo isso a causa da prostraçãoespiritual e social dos povos americanos.

Manuel S. Porteiro reclamava dos dirigentes

espíritas o estudo da filosofia, dando assim base àrecomendação de Allan Kardec ao dizer que oEspiritismo devia penetrar na via filosófica. J.Herculano Pires coincidiu neste aspecto com

Porteiro: ele também tratou de introduzir naliteratura espírita o espírito da filosofia. Seunotável trabalho Introdução à Filosofia Espírita,dedicado à juventude universitária de seu país, dáprova disto. Mas, lamentavelmente, sua obra édesconhecida ainda em seu próprio chão onde omovimento espírita é grande do ponto de vistapopular.

Quem penetra nas tradições religiosas doNovo Mundo, tais como as incas, maias e astecas,descobrirá uma surpreendente relação entre asidéias palingenésicas do Espiritismo e suascrenças naturais na reencarnação. A alma do

Novo Mundo estava possuída por um sentirreligioso que ressoava com a filosofia espírita dapalingenésia espiritual do ser. A visita que fizeraHelena P. Blavatsky ao Peru dá conta do quedizemos, ocorrendo mesmo com a do doutorMario Roso de Luna à Argentina, que constatouem suas legendas e símbolos regionais a idéiaascendente do ser sobre as bases da reencarnação.Pode dizer-se que toda a Antigüidade americanaestá impregnada pela tradição ocultista.

J. Herculano Pires insistia em torno de umfilosofar espírita na América por causa doconteúdo espiritual e religioso de suas tradições.Manuel S. Porteiro propiciava um renascimentofilosófico sobre a base de uma filosofia espíritado ser e da história. Porém, suas indicaçõesficaram esquecidas porque segundo o dizer dealguns o Espiritismo não é campo propício para a

filosofia.Manuel S. Porteiro e J. Herculano Pires

sustentavam que a revitalização do cristianismosó se daria por uma decidida influência nele dafilosofia espírita. Opinavam, quase analogamente,que a doutrina da Encarnação de Jesus sóencontraria compreensão entre as massas quando

a filosofia espírita afirmasse sobre ela a doutrinada Reencarnação. Ou seja, Encarnação e

Reencarnação dariam vigência ontológica à idéiado ser como entidade dependente de Deus e ao

desenvolvimento de suas essências íntimas edivinas. Ajuntavam que esse fenômeno sealcançaria mediante um sólido trabalho filosóficono campo militante do Espiritismo.

G. Tiberghiem, professor da Universidade deBruxelas, deixou estabelecida a missão dafilosofia. Esta missão foi aceita por Porteiro nãoobstante o critério de indefinição que ainda

impera quanto ao papel da tarefa filosófica.Herculano participou do mesmo critério: para elea filosofia não é um exercício desvinculado dosentido da vida. Quando a filosofia não revela umverdadeiro conceito ontológico sobre o qual podeassentar-se uma verdadeira teologia do ser e dahistória, possui apenas um caráter pessoal e

particular e não poderá incidir sobre o Espírito ouo ser no sentido existencial e universal.Herculano, coincidindo com Porteiro, aceitavauma missão da filosofia, posto que ela só possuirásignificado se orientar o homem para a apreensãoreal e profunda do sentido da existência.

Coincidia com o pensamento de Max Scheler,que dizia que na Antropologia os seus aspectoscientífico, filosófico e teológico não secorrespondem entre si nem se conhecemreciprocamente. O pensador brasileiro admitia umsaber integral da filosofia correspondendo-se comtodos os seus conteúdos. Deste modo coincidiacom os filósofos espíritas espanhóis queaceitavam um saber único e universal sobre abase de um conhecimento da essência comoelemento uniforme dos seres e das coisas.

A América em sua realidade histórico-socialassim como a cultura européia necessitam de umsaber filosófico que estabeleça em suas áreas

existenciais uma unidade espiritual que asunifique dentro do processo de evolução. Opensamento espírita, sem desestimar aexperiência da filosofia tradicional, tende aestabelecer uma unidade do ser em todos osâmbitos da inteligência. O Espírito para J.Herculano Pires é uma realidade essencialmenteuniforme, mas com graus em seudesenvolvimento. Os graus do ser à luz dopensamento espírita são a conseqüência de seusprocessos morais, pois não há estados de

consciência superiores sem progressospalingenésicos nem um conhecimento real dohomem sem uma penetração preexistencial do seuser. Ou seja, a filosofia espírita é preôntica,admite um preexistir do Espírito cujo processoexistencial se resume em sua existência atualdeterminando o seu futuro. Assim conceituava

Herculano o ser do homem, pois admitia areencarnação do Espírito como uma necessidade

ontológica para estabelecer uma verdadeirafilosofia cristã da história.

Na base de sua elaboração filosóficaparticipava a ação mediúnica do mundo invisível,o que unia sobre novas bases religiosas a filosofiacom a revelação. O saber humano para Porteirocomo para Herculano está continuamentesecundado pelo saber mediúnico. Ou seja, a

inteligência encarnada é iluminada em suas

meditações pela mente desencarnada dosEspíritos Superiores.

As contradições históricas que está vivendo a

América necessitam, para serem superadas, deuma filosofia dialética que extraia suas causas do

fundo preexistencial da história. Faz falta umafilosofia espiritual que recorde as vidas anteriores

da América, porque os gêneros de vida dos povosamericanos são a conseqüência de seus processospalingenésicos, o que Herculano demonstra emseu livro O Espírito e o Tempo ao penetrar naessência da história universal. O ser é umaconstante série de transformações e esta série detransformações individuais se opera às vezessobre a base do processo espiritual dos povos.Pode dizer-se que para a filosofia espírita não sóreencarnam os indivíduos como entes espirituais,mas que este processo se opera também na almadas nações. A história como é lógico deduzir éum processo palingenésico; está conformada de

mortes e renascimentos sem que o não-ser e onada a interrompam em sua constantetransformação moral.

O Espírito da América do qual falou tão

profundamente. José Martí ao referir-se àhipótese de uma antevida, achará na concepçãoespírita da história uma verdadeira interpretaçãosócio-antropológica. O homem para Herculanonão é um composto fisioquímico que se dilui nonão-ser; o ser é para ele uma evolução constantepara o Espírito. E a síntese de sucessivasexistências que se atualizam em pessoa espiritual

e em consciência evoluída. É a formação moral

dos Espíritos em relação com o desenvolvimentogeral dos povos.

Esta concepção filosófica nos leva aconsiderar que todo solipsismo ético resultainfecundo tanto para a família como para asociedade. Herculano considera que a realidadeética reside na moral dinâmica que abarca oobjetivo e o subjetivo afastando-se de toda forma

moral pessoal (veja seu livro O Reino).A América para liberar-se deverá inspirar-se

na concepção espírita da história tal como aconceberam Porteiro e Herculano. Ambospensadores encararam uma sociologia dinâmicasem prescindir da essência cristã do Espiritismo;deram à história uma significação existenciallonge do materialismo histórico, mas muito pertodo sentido de justiça enraizado no amor e na

caridade como a entendia Kardec.Manuel S. Porteiro sustentava que a América

não podia ser encarada historicamente sobre abase de um materialismo histórico absoluto. Asraízes espirituais do continente americano seassentam em tradições religiosas onde o Espírito

é o fator principal de sua existência. Por tal razão,

só a filosofia espírita poderá dar ao Novo Mundouma sociologia que concorde com suascaracterísticas etopéicas. Herculano admirava estavisão americana de Porteiro e participava damesma em suas elucubrações filosóficas. O porvirda América foi anunciado por esta entidadeespiritual chamada Emmanuel para quem o NovoMundo será a base de um novo renascimentoespiritual com a humanidade inteira. Entretanto,nas nações latino-americanas a elaboração deuma autêntica tarefa espírita-filosófica não existe.Apenas podemos contar com os nomes já citadose lamentavelmente nada conhecidos. Deste modo,o Espiritismo permanece em tal sentidoestacionário, sem se conhecer por isso o seu gêniofilosófico nos ambientes da cultura oficial euniversitária.

Sabemos da simpatia que Herculano e Porteiroencontraram entre a juventude americana, mesmoentre a que não participa das concepçõesespíritas. Jovens universitários se reconciliaramcom o sentido da vida mediante as obras deambos os pensadores. Por isso seus livros deverão

ser divulgados para estabelecerem um novo ponto

de partida idealista na evolução espiritual e socialdos povos americanos.

IX

Intérprete fiel da Codificação Kardeciana

Herculano Pires foi um dos mais profundosintérpretes filosóficos da obra de Allan Kardec.Infatigável pensador, aprofundou-se naCodificação Kardeciana de um modo realmentehermenêutica. Colocou Kardec no plano dosgrandes pensadores universais e estamosconvencidos de que só assim o grande mestre

francês liquidará o anonimato em que a culturacontemporânea o tem afundado. Nem os próprioscompatriotas de Kardec se ocuparam tãoprofundamente dele com o fizera J. HerculanoPires. É que este brilhante filósofo não escreviasobre o Espiritismo para dar publicidade à sua

própria pessoa; escrevia sob a ação de umimperativo filosófico em relação com elevadospropósitos espirituais. Pois quem tenha estudado

sua obra e seu caráter poderá chegar a perceberuma espécie de mediunização literária e filosóficano autor de O Espírito e o Tempo. Suainteligência atuava em relação com o mundoinvisível e foi por isso que em seu trabalhointelectual se refletia uma pureza extraordinária,já que só assim se opera essa consubstanciaçãoentre o homem e o médium postos a serviço dasgrandes verdades espirituais.

Allan Kardec era para J. Herculano Pires ocentro de um imenso propósito espiritual, ou seja,viu nele a centralização de um novo conceitofilosófico e religioso acerca do homem e douniverso. Não obstante conhecer a concepçãoteosófica, sua vocação filosófica se inclinou para

o Kardecismo ao captar a grande tarefa que deviarealizar em favor do Cristianismo. Compreendeuo grande papel que Jesus desempenhou noprocesso histórico da humanidade reconhecendoque só por Ele a história se canalizará um diasobre os autênticos trilhos do verdadeiro sentido

social e religioso.Recordamos com profundo interesse sua

interpretação do que significa para a humanidadeo advento do Espírito da Verdade. Era pois um

autêntico filósofo do Espiritismo sempre dispostoa defender suas verdades e sua mais acrisoladapureza doutrinária.

Consideramos este pensador espírita como umverdadeiro intérprete do gênio Kardeciano. Teveuma vivência da moral espírita e isto foi aresultante de seu rijo vigor doutrinário e dagravidade filosófica que emanavam de seusestudos doutrinários. O intranscendente não era

aceitável para Herculano dentro das belezasespirituais que possui o Espiritismo. Era umideólogo do Kardecismo mas por sua vez se

mostrava como uma estrela da concepção espírita.Em tudo, como Léon Denis, tratava de descobrira verdade e a beleza. Era por sua vez humilde etolerante porque a beleza e a verdade conduzemsempre ao Evangelho de Jesus.

Praticava a moral evangélica e foi por isso queviu na Codificação Kardeciana a maiorrestauração filosófica e religiosa do Cristianismo.

Allan Kardec para Herculano possuía a mesmasignificação que René Descartes e seu Discursosobre o Método. A razão achou em Kardec ométodo adequado para redescobrir as essênciasespirituais do conhecimento. Deu com a

Codificação um método espiritual para

reencontrar as verdades filosóficas e religiosasalteradas pelo temporal-humano. Herculano viuem O Livro dos Espíritos um discurso do mundoespiritual dado à humanidade. E quanto à razãohumana, analisada psicologicamente em suascontradições por Ernesto Bozzano (ver suamonografia Psicologia da Razão Humana), se sedespojar dos prejuízos que ainda a dominam aCodificação Kardeciana será o novo discurso do

método espiritual que permitirá ao homem entrarem relação com o mundo dos Espíritos econhecer o verdadeiro sentido da vida.

Em sua Introdução à Filosofia EspíritaHerculano estuda a ontologia espíritacomparando-a com as concepções clássicasreferentes ao ser. O Espírito é para ele um entereencarnante que passa através do processohistórico mediante as existências queperiodicamente vive. Entende que sem as noçõesespíritas do ser a ontologia é um saber limitado edetido em um beco sem saída ou sem aberturas aomundo invisível. A ontologia sem o Espiritismocarece de significação existencial. O ontológico

advém de um autêntico saber espiritual com bases

assentadas na verdade e quando seu conteúdo estáelaborado com essências do Espírito imortal.

O filósofo brasileiro sabia da enorme antíteseque existe entre ontologia e niilismo, ou seja,entre ser e não-ser. A Codificação Kardeciana

teve nele um rigoroso expositor e por sua vez umfilósofo no mais amplo sentido do conceito. Porisso consideramos que Herculano foi realmenteum filósofo espírita e foi por isso que fezexposições originais e lógicas sobre a obra deAllan Kardec. Penetrou na essência espiritual doEspiritismo e percebeu que suas verdades estãoem todas as latitudes da humanidade. O que oEspiritismo tem dado mediunicamente ao homem

- sabia - é a substância mesma da verdade queunificará os povos sob a inspiração do Evangelhode Jesus.

Pois bem, a análise filosófica de J. HerculanoPires sobre a Codificação Kardeciana nos leva apensar que um dia se recordará uma nova épocado processo histórico e será a Idade daCodificação. Pois assim como se falou daReforma, do Renascimento, falar-se-á daCodificação em cuja idade estará resumida amaior revolução filosófica e religiosa. A

Codificação representará ademais a Idade dosEspíritos dando ao homem um novo sentido davida. Será algo assim como a Idade Plena daevolução humana posto que nela há de vincular-se definitivamente o mundo visível com oinvisível.

Herculano Pires, o filósofo da CodificaçãoKardeciana, interpretou amplamente este

fenômeno espiritual a ponto de tratar da realidadeinegável da Religião Espírita. Com efeito, estepensador percebeu na Codificação Kardeciana arealidade da Religião Espírita, a qual tem suasbases na Lei de Adoração proclamada pelomundo invisível (ver número 649 de O Livro dosEspíritos). Como é lógico, o Espiritismo nopensamento de Herculano não responde a um sóaspecto do conhecimento, pois sendo umamanifestação da verdade será um dia a religiãoespiritual do homem; por isso esboçou umesquema demonstrativo da existência sobre a baseda Religião Espírita.

Neste aspecto demonstrou o enlace dialético

que existe entre a ciência, a filosofia e a religião.Em conseqüência, todo o sentir do homem viuintegralmente desenvolver-se dentro do

Espiritismo, razão pela qual este destacadopensador não pôde eliminar de suas investigaçõesfilosóficas o aspecto religioso que representa parao Ocidente a Codificação Kardeciana. Tratou dedemonstrar que a Religião Espírita existe e que éuma necessidade inegável para a alma do homeme de seus povos.

X

Para uma novelística bíblico-espírita

J. Herculano Pires é um filósofo masincursiona nos campos da arte e da literatura. Seupensamento, como estamos vendo, se introduz emtodas as essências do saber, ansioso dedesentranhar o mistério do homem sobre as basesda verdade espírita. Em obras como Barrabás eLázaro, onde a visão existencial e histórica do

autor se estende através dos novos métodospsíquicos, age para conhecer as profundidades do

Ser. Para isso lança mão da regressão da memória

experimentada na França pelo Coronel Albert deRochas.

Nosso pensador brasileiro não é um novelistaque se encastela em sua imaginação criadora,posto que para ele o mundo do relato devemostrar-se sobre a base da realidade espiritual dohomem. Por isso desce em Lázaro àsprofundidades do passado e revive a vida de umdos seres que esteve em contato com o Mestre deNazaré, a fim de conhecer realmente aquelaexistência do "ressuscitado" por Jesus.

Este método constitui para nós o verdadeiro sese deseja escrever sobre as bases reais dos fatoshistóricos. Por isso nosso autor inicia com Lázarouma renovação na arte de narrar, ou seja, na

novela moderna.Assim já não se escreve "inventando"; o autor

escreverá, com base na realidade palingenésicaque imanta todas as coisas. Deste modo odestacado pensador brasileiro pôs em prática atese filosófica de Nicolas Berdiaeff, que sustentaque é necessário buscar as bases da história nopreôntico, no mundo preexistencial do homem edo passado.

Da mesma forma Sholem Asch recorre àregressão da memória para ir ao fundo dostempos e escrever seu famoso livro O Nazareno,onde um judeu em estado de transe narra fatos

relacionados com Cornélio, um personagem quemuito teve que ver com a crucificação de Jesus.

De fato, a narrativa do escritor que nos ocupaestá baseada na realidade espiritual do homem.Nem Lewis Wallace em Ben Hur, nem o CardealWiseman em Fabíola, nem Enrique Sienkiewiczem Quo Vadis conseguiram chegar ao fundo daautêntica história do Cristianismo. Todavia, J.

Herculano Pires inaugura no literário um estilo eprocedimento narrativo que não é comum entre osnovelistas contemporâneos. Por isso seu nomefica ligado ao de Francisco Cândido Xavier, queinaugurou por sua vez a moderna literatura

mediúnica. Ambos deram às letras de hoje umnovo tom espiritual proveniente do mundoinvisível.

Mas se Francisco Cândido Xavier deu origemà moderna literatura cristã com Há Dois MilAnos, Ave Cristo, Paulo e Estevão, etc., livrosestes onde o verdadeiro espírito da tradiçãoevangélica se manifesta sobre a base de

testemunhos presenciais daquela magna idade,

Herculano Pires introduz na literatura atual delíngua portuguesa um novo elemento criadorrelacionado com o psíquico da inteligênciamoderna.

O capítulo V, ou seja O Canto de Betânia é um

belo poema onde o evangélico se apresenta comouma erupção lírico-espiritual no presente.

Percebe-se nele um gosto bíblico e uma

aproximação do Livro dos Salmos; mas toda asua significação é humana sem deixar de terprofundas ressonâncias religiosas. O historicismomediúnico tem pois a bela faculdade de

reconstruir as idades pretéritas e o escritor de

agora só poderá considerar-se como tal se seuespírito for capaz de mergulhar nos grandesenigmas do passado.

Lázaro pareceria em muitas passagens umlivro profundamente espiritual e que só um leitorespírita poderá alcançar e compreenderrealmente. Todo o conteúdo desta famosa obra deHerculano transporta-nos aos antigos meiosevangélicos que às vezes se experimenta com umdesdobramento psíquico, isto é, como uma

translação à longínqua idade onde Jesus deixoumarcas e emanações inolvidáveis.

Seu livro Barrabás tem ressonâncias morais eapresenta enfoques que não se observam nos

textos evangélicos. O Barrabás de J. HerculanoPires fala-nos de "outra história" que só poderáser compreendida à luz do pensamento espírita,

pois possui uma relação direta com a"ressurreição moral" do Espírito centralizada nafigura sempre atual de seu protagonista.

A teoria de uma "paramemória do tempoanterior" está sempre presente nesta novela, quese nos converte em um documento histórico-mediúnico. Seu estilo está elaborado sobre as

bases de um idioma que às vezes se transforma

como que desejando evoluir para o antigo hebreu.Se bem seja certo que Lázaro não é uma novelaideológica, não deixa por isso de ter umainclinação espiritual baseada na realidade daevolução palingenésica do homem. Pois acapacidade supranormal de Lázaro de OliveiraSimões fez com que ele se manifestasse como omesmo Lázaro ressuscitado pelo Messias, isto é,que ele era nada menos que o Lázaro doslongínquos tempos evangélicos.

Por isso esta obra despertará reticências nosque estão acostumados a olhar o homem atravésde uma só vida. Mas o livro Lázaro é uma novelaque inicia uma nova orientação nas letras latino-americanas e que adere, segundo o crítico WilsonMartins, "a um movimento de renovação doromance brasileiro".

Pois bem, vejamos o que o próprio J.

Herculano Pires expressa sobre sua produçãonovelística: "Lázaro é o segundo volume datrilogia Caminhos do Espírito que iniciei com apublicação de Barrabás. O terceiro, em preparo, éMadalena. Parti do princípio ou da tese deWilhelm Dilthey, segundo a qual a transiçãohistórica do paganismo para o Cristianismo sedeu em três tempos. E fixei esses tempos em trêsfiguras evangélicas, tentando descobrir, no seupróprio enquadramento histórico as constantes daevolução consciencial em desenvolvimento notempo de Jesus".

Como se pode ver não há em J. HerculanoPires somente um filósofo; sua inteligência sebifurcava para reencontrar-se sempre na busca daverdade. Mas todo seu trabalho literário tanto nanovela como na poesia estava assentado sobre a

mais pura filosofia do Espírito. Todo odesenvolvimento de seus argumentos está emconexão com o seu pensamento filosófico, que éuma constante preocupação neste profundopensador brasileiro que honra as letras de seupaís.

Eis aqui outro pensamento seu que o definecomo um ser que vive o que pensa e escreve: "Sea trilogia representa a expressão de uma vivênciareal? Sim, representa. Não vivi os personagens,mas vivi os seus conteúdos. Os conceitos, osproblemas representados em Barrabás, Lázaro eMadalena fazem parte de minha própria vivência.Quem leu o meu primeiro romance O Caminhodo Meio, publicado em 1954, pela EditoraBrasiliense, encontrará muita semelhançatemática desse livro com Barrabás. Meu livro depoemas Argila, publicado em 1954, oferece essemesmo encontro temático. Tudo isso mostra que

a trilogia foi sendo elaborada aos poucos naminha vivência anterior".

É por isso que na novela J. Herculano Piresdeixará uma profunda marca que vão seguir osfuturos narradores brasileiros.

XI

O sentido interexistencial da mediunidade

J. Herculano Pires surpreendendo talvez osimplismo cotidiano introduziu a filosofia nomundo espiritual da mediunidade. Fê-lo de formaevidente ao estudar os quarenta anos de FranciscoCândido Xavier no exercício de suas faculdadesmediúnicas (ver o livro Chico Xavier, 40 anos nomundo da mediunidade, de Roque Jacintho).Apresenta o grande médium brasileiro como umapessoa espiritual interexistente, isto é, existindocomo ser reencarnado entre duas formas de vida:a visível e a invisível. Este enfoqueinterexistencial da mediunidade nos faz ver quenão só o médium é um sujeito interexistente, maso é também o Espírito reencarnado, posto queparticipa tanto da humanidade visível como dainvisível.

O médium é um ser interexistencial com maior

vivência e sensibilidade pelo que significa ocontato com a vida em sua dualidade funcional,

ou seja, a visível e a invisível; mas o homem em

razão de sua condição de Espírito reencarnado éum ser interexistencial, achando-se por isso, entreo mundo dos homens e o mundo dos Espíritos.

Por isso o mediúnico é um tema filosóficopara Herculano e para todos nós que damos à

encarnação um novo sentido existencial, pois omédium existe e ao enlaçar o visível no invisíveldetermina o que temos chamado ExistênciaMediunizada. Consideramos que uma verdadeiravivência dos valores cristãos, como no caso deFrancisco Cândido Xavier, coloca o Espírito emum estado de permanente espiritualidade e emcomunhão com os elevados planos do invisível. AExistência Mediunizada seria um estar incessanteno que é amor e beleza e em um ato contínuo decaridade em relação ao próximo e a tudo o queexiste. Mas esta Existência Mediunizada se dáquando o ser alcança elevados níveis morais eespirituais, quer dizer, quando o Cristo é

realmente para ele o Caminho, a Verdade e aVida.

Ao captar o Espírito reencarnado as duasmanifestações da vida, isto é, a visível e ainvisível, advém um ser interexistencial

ampliando-se assim as noções ontolôgicas doexistencialismo clássico. Porque o existir não é sóum estar no visível; à luz do existencialismoespírita o existir é viver no humano e no divino,no material e espiritual. E isto é o que confere àmediunidade um caráter filosófico que determinaum ato interexistencial em relação com o vivoprocesso do mundo circundante. O mediúnicointerexistencial é uma realidade da ExistênciaMediunizada sobre as bases do Evangelho deJesus. A caridade é uma potência existencial quedetermina uma nova maneira de estar no mundo ede relacionar-se com os seres e as coisas. Omédium como ser interexistencial vive para omundo dos Espíritos e não para si mesmo. Estarno interexistencial é pertencer a tudo que nosrodeia e nunca a um só círculo ou núcleohumano. Ter pois consciência do interexistencialé estar em contato não só com o semelhante mascom dessemelhantes, quer dizer, com tudo o queexiste nos reinos da natureza.

A noção espírita de interexistencial, como aconcebia J. Herculano Pires, determina umarelação mais ampla e profunda com o ser. Essa

relação alcança até o princípio de vida que vibra

na pedra e no vegetal e se expressa no animal.Porque em tudo está o visível e o invisível, em

tudo se encontra a vida tratando de elevar-se aníveis superiores mediante o processo dareencarnação.

O interexistencial que amplia o existencial éuma realidade determinada pela fusão do visível eo invisível. O médium por sua natureza ultra-sensível capta com sua interexistencialidade o

mundo físico e o mundo psíquico assim como onatural e o espiritual. Os Espíritos que secomunicam com o homem são entidadesinvisíveis que passam através do médium para

penetrar no humano e reconstruir, de certo modo,

sua passada personalidade. Mas este importantefato mediúnico só se dará quando a noção do serencanado e desencarnado for um novo estadomoral de consciência. De maneira que ointerexistencial é reconhecer a convivência doshomens e dos Espíritos desencarnados, é admitirque a humanidade visível está interpenetrada pelahumanidade invisível, de cuja relação constantese produz o movimento incessante de todoadvento histórico e social.

No homem realmente cristão se produz esseestado espiritual que temos denominadoExistência Mediunizada e o interexistencial sepercebe até nos fatos mais intranscedentes.

Francisco Cândido Xavier é realmente um sercristianizado em grau maior e sua natureza nãovive só para o humano, senão que está unido deforma permanente com o visível e o invisível. Éum ser mediúnico interexistencial que vive eexiste em outra forma de existência.

Herculano Pires ao teorizar o interexistencialapresenta à consideração do pensamentouniversitário o "outro mundo" do existencialismoque nem Kierkegaard com sua "angústia" cristãconseguiu penetrar nem perceber. Só a noçãoespírita do Cristianismo e das existênciassucessivas do ser conseguiram descobrir a

interexistencialidade do homem na terra e o querepresentam as faculdades mediúnicas como umaentrada filosófico-existencial no mundo dosEspíritos. Quando a inteligência humanareconhecer que vive entre dois mundos ou duashumanidades desaparecerá essa solidãodesoladora que afunda na desesperança osEspíritos reencarnados. Toda solidão da alma

deixará de existir porque haverá uma constanterelação entre o visível e o invisível e a ExistênciaMediunizada será como um ato espiritual quereunirá o homem com Deus, a humanidade comseus seres queridos.

Dizia Herculano que "Chico, a FilosofiaEspírita e a Mediunidade se fundem numa formaúnica de vida, caracterizando a existência

interexistencial do médium como homem" (verobra citada, pág. 207).

Com efeito, Francisco Cândido Xavier é umser interexistente que entregou sua vida a umamissão manejada não por ele exclusivamente,mas por esse universo espiritual que impregnavaseus pensamentos de passados e reminiscências.Todavia, este homem-filosofia da Idéia Espíritanão se sentia nunca tentado pela vaidade. Desdesua pequenez existencial fala com o invisívelporque nele atua o interexistencial de formapermanente. Por isso o pensador brasileiroafirmou em seu originalíssimo ensaio: "Nasimplicidade e na sua humildade, o caipirinha dePedro Leopoldo teve de cismar em muitoscrepúsculos, na porta de sua choupana individual,diante das cores misteriosas e das luzes estranhas

de um crepúsculo que não se limitava aoscontornos do horizonte terreno. São essas cismas,esse refazer incessante, no íntimo, dos princípiosdo Espiritismo, em sua aplicação constante atodas as circunstâncias da existência, que nos dãoa posição pessoal de Chico Xavier no âmbito dafilosofia espírita". (obra citada, pág. idem)

Terá visto o célebre médium em suas

profundas meditações, à hora do crepúsculovespertino, algumas de suas vidas anteriores,vendo como sua alma se uniainterexistencialmente com as verdadesespirituais? Que vozes escutaria "na porta de suachoupana individual", enquanto seu sensomediúnico se apresentava como uma rosa comespinhos e toda sua encarnação na terra como umExistência Mediunizada?

Gustave Geley, este outro profundoinvestigador da parte sutil e psicológica da

mediunidade falou com grande acerto sobre umaraça de médiuns. Considerou que essa raçamediúnica é a que revela sua condição

interexistencial e manifesta a razão que assistia aHerculano ao escrever no começo de seutrabalho: "A mediunidade em si é uma tese

filosófica pouco explorada, praticamente ignoradapela maioria dos filósofos atuais, etc." Mas ascorrentes espirituais que passam através dohomem e dos povos demonstrará que asfaculdades mediúnicas são existenciais e

interexistenciais e que o verdadeiro homemtransfigurado, livre da matéria e da morte, éaquele que vive a Existência Mediunizada aserviço da verdade.

A inteligência espírita avançando para Deus

com o Amor e a Ciência demonstrará que osEspíritos foram, são e serão entes vivos e eternosno plano divino da história. Daí a realidade domediunismo interexistencial teorizadonotavelmente por J. Herculano Pires.

XII

Busca e aproximação à serenidade

No livro O Ser e a Serenidade, J. HerculanoPires nos mostra como o existencialismo niilista eateu não resolve a problemática existencial nem

tão pouco consegue demonstrar as categoriasexistenciais do ser. A visão existencial do filósofobrasileiro se assenta na serenidade essencial dascoisas e adentra assim no ser tratando de olharuma "fenomenologia da serenidade" existencial.Tenta, não uma penetração absoluta na plenitudedo sereno, senão que apresenta o Espírito comoaproximando-se a isto ao responder aosimperativos da ipseidade que vivificam o ser e aessência. Mas fazemos notar que a busca daserenidade na obra de Herculano não apresentauma evasão da realidade nem tão pouco umescapismo ético do homem ante os grandesproblemas sociais. O tema da serenidaderepresenta pois uma atitude frente ao mundo, ouseja, um estado de consciência superior pararesistir às forças negativas circundantes, as quais

violentam contrariamente o estar-no-mundo do

Espírito encarnado.A serenidade é o estado espiritual em que hão

vivido os mais elevados seres da humanidade.Sócrates foi um excelso serenista até no instantede beber a cicuta e Jesus representa a Divina

Serenidade na terrível hora do Calvário. Masestes grandes espíritos, serenos pela plenitude

espiritual que alcançaram, nem por isso deixaramde perceber o drama do homem e da humanidade,

vivendo e sentindo suas angústias, dores econtradições.

A serenidade, é bom recordar, não implica umtipo de Nirvana oriental que distância e separa oser encarnado da prova existencial terrena. Pelocontrário, a serenidade é o grau espiritual que nospermite perceber as divinas essências doEvangelho e alcançar por ele as categorias éticascapazes de evidenciar as essências ainda inéditasdo Cristianismo.

Herculano, filósofo espírita acima de tudo,leva-nos a deduzir que as harmonias íntimas quenos dá a serenidade despertam no ser o que LéonDenis chamou alta mediunidade. A serenidade é aque regula a ansiedade, o afã e a gana de quefalava Miguel de Unamuno quando o ser seenfrenta com o estar-aí ou com a realidade noencarnado. Por isso o Espírito guia que inspiravaos trabalhos mediúnicos de Andrew JacksonDavis dizia: "Em todas as circunstâncias conservao espírito sereno", o que não é mais que umaconfirmação da filosofia da serenidade.

Este livro O Ser e a Serenidade do conceituadopensador brasileiro representa uma abertura paraas novas especulações gnosiológicas, baseadas noEspiritismo. Mostra-nos como a Doutrina Espíritaencara a criação de um novo humanismo dentrodo qual se acham os autênticos valoresontológicos para superar as diversas aporias(caminhos metafísicos sem saída) que seguem

dando origem aos chamados enigmasexistenciais. J. Herculano Pires vai para o ser nãosó pelo existencial como pelo interexistencial,isto é, entra no ser e na existência através dosfenômenos da Psicologia profunda e da

Parapsicologia. Penetra no ser a fim de enfrentaras numerosas fases psíquicas e morais queconstituem e se relacionam com todos os seres.Pode dizer-se que dentro da metafísica elaboradana América Latina Herculano é o primeiro a

reconhecer dois seres dentro do ser existencial.Esta dualidade abre para uma neo-

interpretação psicológica do homem novoscaminhos antropológicos. Por isso lendo O Ser ea Serenidade temos impressão de que aserenidade filosófica passa gradativamente à

serenidade espírita cristã. Porque o conteúdo de O

Livros dos Espíritos é revolucionário e confundeaté os últimos redutos da metafísica clássica. Opróprio Evangelho é um livro agônico, ou seja,combatente, posto que seu Divino Autor disse:

"Eu não vim trazer paz senão guerra". Porconseguinte é um livro existencial que conduz àação terrenal, mas é também um instrumentoreligioso para escalar as divinas alturas daserenidade. Com efeito, O Ser e a Serenidade

assinala a particularidade de considerar o ser em

seu em si interexistencial.No capítulo XVI, A Espiral da Serenidade,

Herculano expõe com amplo critério espírita sua

concepção ontológica e como no em si se projetao para-si, ou seja, como o externo penetra nointerior ser. Seu ponto de vista a respeito é que "oem-si nos aparece, assim, definível, e mais do queisso, infinitamente mais significativo e complexo-do que o em-si sartreano, esse ente de razão dapura necessidade lógica".

O modelo idéia de Claude Bernard é estudadomagistralmente por nosso autor, além dascircunstâncias biomesológicas que contribuemcom o desenvolvimento da espiral da serenidadepela qual "se formam dos dois elementos polares

da serenidade: a inquietação e a própriaserenidade". Ao que ajuntava Herculano: "A

inquietação representa a parte inferior de cadaespiral, o momento em que o ser rompe umaarcstase e lança-se por isso mesmo, em novaarcstase a ser atingida. A serenidade constitui avolta superior, mais larga e equilibrada, daespiral, em que o ser, por assim dizer, desliza em

sua nova arcstase. A espiral é portanto ascedente,não voltando jamais ao ponto de partida, masgirando sempre em torno do mesmo eixo. Esteeixo é a existência, pois toda espiral ôntica sópode ser existencial. O ser gira em torno daexistência. Ao girar em torno de si mesmo recaino em si, forma um circuito fechado, semperspectivas. Assim, a espiral da serenidadeprópria é o processo da vida, em suas múltiplasformas existenciais".

A serenidade como ato existencial do serrepresenta o processo evolutivo do Espírito;ademais nota-se a natureza dialética quecaracteriza a arcstase quando se projeta para uma"nova arcstase", isto é, para os dois estados do serque, ao polarizarem entre si, determinammovimentos e transformações existenciais e até

vinculações interexistenciais ascendentes eprogressivas.

J. Herculano Pires, grande poeta, ele mesmorecorre à poemática minuciosa e existencial dogrande lírico alemão Rainer Maria Rilke porquem nos faz ver através de suas relaçõesesotérico-poéticas as dimensões palingenéticascomo uma realidade existencial do Espírita.Vejamos a significação ontológica de um

fragmento em português elegido pelo próprioHerculano:

Vivo a minha vida em círculos concêntricosque se elevam sobre todas as coisas.Não terminarei provavelmente o último,mas tentarei.

Giro em torno de Deus, torre secular,e giro por milênios:entretanto não sei: sou um falcão, uma

tormentaou uma imensa melodia.A este fragmento do poeta germano nosso

autor anota o seguinte: "A torre de Rilke, o eixoda espiral, parecia-lhe o próprio Deus. Mas o eixonão é Deus, e sim a existência, pois Deus nosaguarda acima de nós mesmos e dos nossos giros,

no final da espiral". E a este formoso conceitofilosófico ajunta este outro: "Quando Rilkeafirma: Não terminarei provavelmente o último,mas tentarei descreve-nos em dois versos adecisão e a dúvida do para-si, na buscadesesperada da síntese, em que, entretanto, a

esperança está sempre presente, e é como noditado popular: "a esperança é a última quemorre", pois só morre na própria realização".

Retomando o tema da serenidade como valorontológico expressa: "A espiral da serenidade,visualizada ontologicamente, é um redemoinhoque sobe da terra para perder-se no céu. Todos osseres participam dessa revoada imensa, todosrealizando o mesmo vôo espiralado, que osarranca da opacidade do em-si para o, esplendordo em-si-para-si. Mesmo os entes do vastomundo, por tudo quanto a nossa imaginaçãopossa alcançar, sobem todos na espiral daserenidade. Cada ente, como já vimos, possui oseu próprio ser, da mesma maneira porque o em-si, opaco e viscoso, possui sua estrutura secretade conência e enteléquia, guardando na mesma osegredo das existências passadas, e portanto deum oceano de experiências vividas".

Esta aspiral ascendente que para HerculanoPires se desenvolve através da serenidade, etapasempre superior do ser, foi também reconhecidapelo grande poeta espanhol Léon Felipe, de formacoincidente com Rilke. Disse ele em seu poemaEl Salto:

Somos como um cavalo sem memória,Somos como um cavaloQue não se lembra sequerda última valeta saltada.Viemos correndo e correndopor uma larga pista de séculos e obstáculos.

De quando em quando, a morte....o salto!e não sabemosquantas vezes temos saltadopara chegar aqui, nem quantas saltaremos

aindapara chegar a Deus que está sentadoao fim da corrida...esperando-nos.Choramos e corremos,caímos e rodamosvamos de túmulo em túmulo

dando saltos e voltas entre penalidades esofrimentos.

Como vemos, a serenidade em Herculano temnecessidade para o seu desenvolvimento do salto,das mutações, ou seja, do que ele chama emlinguagem filosófica arcstase. Chama realmente àatenção a similitude ontológica que existe entreRainer Maria Rilke e Léon Felipe, o que nosprova que na região dos Espíritos o gêniocorresponde e integra os seres da mesma elevaçãomoral.

A problemática existencial contemporâneaencabeçada por O Ser e o Nada de Jean-PaulSartre em Herculano se resolve por uma visãoontológica que está baseada na filosofia espírita.Os entes-almas destinados ao nada sãotransformados nos entes-imortais mediante oEspiritismo. O Ser e a Serenidade é uma

importante resposta ao existencialismo ateurespaldado pelo ato mediúnico, que já analisamosem O Sentido Existencial do Ato Mediúnico.

A ontologia nesta obra de J. Herculano Piresse abre como uma rosa às carícias da madrugada.É que o Espiritismo tanto no existencial como noreligioso dá ao problema do ser um sentido

metafísico realmente inédito ante o tema clássicodo conhecimento. Toda a obra deste filósofo éuma permanente introdução ao ser espírita. Nósconsideramos que este pensador está abrindo uma

brecha nas muralhas da cultura materialista de seupaís e de toda a América.

Pois bem, a investigação filosóficaempreendida por Herculano é realmente umaremoção da ontologia universitária; daí tudo o

que sai de sua erudita pena é inspirado, como oSer e a Serenidade, representa uma reafirmaçãoda via filosófica que assinalara Kardec, porque é

onde deverá internar-se a cultura espírita parademonstrar as elevadas alturas de sua grandezagnosiológica e espiritual.

O destacado filósofo espírita espanhol ManuelGonzález Soriano, deu uma definição deEspiritismo que convém reproduzir nestaspáginas. Ela expressa:

"O Espiritismo não é nem uma filosofia nemuma seita religiosa, senão a filosofia da ciência,da religião e da moral; a síntese essencial dosconhecimentos humanos aplicada à investigaçãoda verdade; a ciência das ciências. E dito ficacom isto, que nem é velho nem novo, porque

sendo a ciência produto da investigação daverdade, mais ou menos ampla, metódica eperfeita, tem existido desde que há seresinteligentes com a natural tendência dainvestigação.

"Compondo-se seu corpo doutrinal dasverdades universais que o homem temsurpreendido na natureza, e não contando tempo averdade, posto que procedendo de Deus é eterna,tão pouco sua doutrina é velha ou nova, podendoconsiderar-se em tal sentido como a enciclopédiadas verdades eternas e infinitas, que ainvestigação humana tem podido até o dia de hojepenetrar e conhecer.

"O Espiritismo vem, por conseguinte, daciência da razão e da razão da ciência, e vai, porconseqüência, ao maior conhecimento possível

das verdades universais divinas" (ver a obra ElEspiritismo es la Filosofia).

Nesta notável definição da Doutrina Espírita éque se assenta o pensamento filosófico de J.Herculano Pires, Manuel S. Porteiro, e de outrosilustres filhos da América, que com verdadeira

capacidade filosófica têm introduzido oEspiritismo na cultura universitária.

XIII

A mediunidade zoófila

O pensamento filosófico de J. Herculano Piresnão só penetrava no antropológico como havianele uma propensão ontológica para o destinoexistencial dos animais. Por este motivo é quesentia uma profunda admiração por Léon Tolstoi,Rabindranath Tagore, Gandhi, Albert Schweitzer,pela obra que realizaram em favor dos chamadosirracionais.

Quando lhe comuniquei que estava meocupando com o que denominei MediunidadeZoófila, solicitou-me que remetesse maioresdados a respeito; mas isto ocorreu,lamentavelmente, poucos meses depois de sua

partida da terra.Herculano via no reino animal uma etapa onde

o ser ensaia suas faculdades psíquicas a fim de

alcançar estados superiores de evolução.Admirava com verdadeira fé filosófica as obras

fundamentais sobre este tema, tal como AEvolução Anímica de Gabriel Delanne e DoInconsciente ao Consciente de Gustave Geley,onde o destino dos animais está magistralmenteexposto e explorado.

Nós cremos que com o correr do tempo amediunidade zoófila será pois uma realidade dado

o papel cada vez mais preponderante queadquirem os animais na vida moral dos povos.Porque assim como existe um mediunismoexclusivamente hominal, cujas mensagens estãodedicadas a orientar a vida humana na terra,aparecerá um mediunismo zoófilo cujasrevelações estarão dedicadas aos animais. Sua

missão será de intensificar o amor para eles nummomento em que o homem exploradesapiedadamente essas criaturas mudas como oschamou Domingos Faustino Sarmiento, o grandemagnata e educador argentino.

Manuel S. Porteiro se refere à evoluçãobiopsíquica dos animais em seu livro EspiritismoDialético e Carlos L. Chiesa também o fazdetidamente em seu ensaio Instinto e Alma dosAnimais, assim como em seu notável trabalho

Comunicações Espíritas que informam sobre aevolução da Alma.

O que temos denominado mediunidade zoófiladeu seu produto espiritual e filosófico na Françacom os trabalhos da célebre escritora RufinaNoeggerath, que se acham publicados em suaobra A Vida de Além-Túmulo. Cosme Marinotraduziu para o castelhano numerosascomunicações mediúnicas desse livro onde omundo invisível chama o homem à reflexão comrespeito ao papel dos animais nos planos da

evolução.J. Herculano Pires me falou, quando tive a

honra de visitá-lo em sua casa em S. Paulo, sobreuma filosofia zoológica emanada da CodificaçãoKardeciana. Compreendi a grandeza de seupensamento e tratei sempre de divulgá-lo comouma das mais justas e belas aspirações espirituaisdo novo humanismo cristão.

Eis aqui um trabalho que enviamos aodestacado filósofo brasileiro e que expressa oseguinte:

O problema do ser dos animais se acentua nocampo da filosofia e da religião com odesenvolvimento dos sentimentos humanos. O

homem dos novos tempos não pode olhar comindiferença o destino existencial e espiritual dosanimais. Intui neles um ente que não depende doorganismo e que não se extingue com a morte docorpo. O homem contemporâneo deseja uma almaimortal para os animais, posto que ver umirracional (se assim pode dizer-se) tão afetuoso einteligente como é um cão para perder-se nonada, não está em relação com a lógica das

intuições espirituais.Com efeito, a cultura tem esquecido o ser dos

animais; na universidade não se ensina nem seaceita a espiritualidade dos animais. O critériocientífico lhe destina um sentido puramentemecânico, que vê nos animais um conjunto decarne e ossos sem nenhuma valorizaçãoontológica nem metafísica. A própria religiãocristã nos diz que os animais são simples corposmortais e não almas com direito também àimortalidade. Não há para eles um transcenderpara o divino; na cultura ocidental o divino e oespiritual são privilégios apenas do homem. Osanimais são seres mortais cujas dolorosasexistências não respondem a nenhuma finalidademoral e religiosa. Por isso a nova consciência

humana se mostra rebelde ante este destinomortal a que se remete os animais.

Este problema do ser dos animais estácomovendo a velha concepção teológica. Jáexistem homens da igreja que se mostraminclinados a uma nova interpretação religiosa dosanimais, posto que vislumbram neles umapartícula divina que não está destinada ao não-sere ao nada.

A inteligência se pergunta se pode existir umaimortalidade do ser animal; se há nele umprincípio não-físico que possa sobreviver. Ateologia cristã nega, como se sabe, a imortalidadeanimal, o que para a nova consciência humananão está em relação com a consciência divina.Portanto, alguns parapsicólogos têm apresentadonumerosos fatos que demonstram a imortalidadeda psique animal. O metapsíquico espírita italianoErnesto Bozzano escreveu um livro intitulado AsManifestações Metapsíquicas e os Animais noqual apresenta muitos casos de aparições de cães

e de outros animais a seus donos e que foramcientificamente analisados. Pois bem, se essescasos de aparições de animais são reais isso seriauma prova objetiva em favor dos chamados

irracionais. Estaríamos assim frente à necessidadede estabelecer uma teologia acerca daimortalidade dos animais.

A nova consciência religiosa da humanidadese encaminha para o reconhecimento de um novosentido do ser animal. Inclina-se a estabeleceruma ontologia por meio da qual a animalidade, ahumanidade e a existencialidade setransformariam em uma unidade essencialmediante um processo que a impulsiona para umameta transcendental. Assim a animalidade e ahumanidade se unificam pelo ato de existir queconfere a ambas as formas de vida o ser e umtranscender para Deus. Isso seria deste modo oresultado de uma integração do existencial naessência única que determina a realidade de todavida e de toda forma. Uma atração espiritualaproximaria o que se considera separado oudistante de um ser de outro ser. A presença deuma essência em todo o existente determinaria

um só ato existencial que unificaria as variadas

categorias do ser em uma só e única existência.Isto nos anunciaria que nossa essência está ao

mesmo tempo em outro ser não obstante osdiferentes graus morais que entre ambos existem.

É uma unidade que, sem afetar o sentido depessoa no humano, a aproxima dos planosteleológicos do amor divino.

Se o ser pode sentir e amar o que está foradele, isto é devido à similitude essencial queexiste em todas as coisas. O ser abarca assim aessência de todo o criado, o que determina em suacategoria espiritual alcançada uma maiorelevação moral. Deste modo é que Tolstoi,Schweitzer, Gandhi, Berdiaeff e outrosdescobriram o sentido diverso da vida e oimperativo moral de respeitá-la em suas maisínfimas manifestações. Pois um ser que nãopercebesse a essência universal estaria limitado aseu próprio ego, reduzindo-o a um insulamento

egoísta. Porém tanto pelo caminho da ciênciacomo pelo da filosofia o ser se compreende a si

mesmo como uma essência que está na alma detudo o que existe. O sábio compreenderá que neleestá o ser de um animal porque sabe que ambos

existem regidos por essa razão ontológica quelhes concede um espaço existencial no mundo.Apreende o significado espiritual da vida e damorte que existe nos seres e nas coisas. O ato denascer e existir como o ato de morrer ou

desencarnar o iguala ao mais minúsculo ser, jáque não é a categoria pessoal o que concede ao

ser valorização existencial senão a igualdade de

existir e pela qual está na terra. Pois tanto está nomundo o homem como o animal. Ambos estão na

terra existindo para dar à própria existencialidadeseu curso correspondente.

Pois bem, este fato de ser e existir a ummesmo tempo, simultaneamente, estabelece umaigualdade existencial entre os três reinos danatureza. O homem existe juntamente com oexistir de uma pedra, de um vegetal e de umanimal e esta igualdade é que o relacionamoralmente com todo o criado. Uma uniãodialética se estabelece entre tudo o que existedemonstrando que uma mesma essência alimentao seio de todo ser. Esta correspondência

estabelece uma fraternal aliança entre os diversos

graus da vida, o que aumentaria os raios daconsciência e determinaria um maiorafiançamento moral e espiritual da própria pessoahumana.

Eis aqui pois como Animalidade, Humanidadee Existencialidade se convertem por razõesessenciais em um só ser, cuja finalidade moral

descansa sobre um divino plano evolutivo douniverso.

Estas páginas que remetemos a J. HerculanoPires foram por ele aprovadas com entusiasmocomunicando-nos por sua vez que ele admitiauma unidade do ser sem solução de continuidade,por cuja razão nos citou esta conclusão filosóficade O Livro dos Espíritos de Allan Kardec

"Assim, tudo serve, tudo se encadeia nanatureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo,que por sua vez começa pelo átomo. Admirávellei de harmonia, cujo conjunto não pode apreciarvosso Espírito limitado".

Foi assim que participou conosco a tese damediunidade zoófila que se fará mais notória

quando o homem estiver próximo da consciênciada vida universal.

Epílogo

Estes Espíritos vitoriosos e avançados queforam homens para espalhar sementes das novasverdades estão sempre vivos e atuantes nosprocessos do futuro humano e social.

A morte não os pode destruir posto que ela nãoé mais que uma transformação para o ser.

Deus os têm nos mundos como alavancas paramover o progresso das culturas e das civilizações.E quando a dor e o desespero atacam duramenteas almas e os corpos de um povo, uma nação ouum mundo estes Espíritos vitoriosos e avançadosretornam com o vigor das verdades eternas edinâmicas instalando-se em um novo organismo

para consolar, instruir e iluminar as consciências.

Tornam a residir na terra e ajudam as leis

divinas a se desenvolverem entre os homenssecundando assim a vontade do Pai. São osaliados do amor e da beleza e levam por todas aspartes a divina mensagem de Jesus: "Amai-vosuns aos outros".

Por isso olhemos para esses Espíritosvitoriosos e avançados como semeadores dasnovas verdades espirituais e tratemos de fazer-lhes em nossos corações uma morada para quevivam conosco enquanto grita em torno de nós oterrível furacão do niilismo materialista.

São agora seres invisíveis mas amam e lutampela verdade e a Justiça como quando tinham um

corpo parecido com o nosso E o lema deles éeste:

Vitam Impendere Vero.

FIM DA PRIMEIRA PARTE

2ª PARTE

Barro insubmisso

ou J. Herculano Pires de "Argila"

Clóvis Ramos

I

Barro Insubmisso, insubmisso Adão

ou Argila, de J. Herculano Pires

José Herculano Pires (Avaré, São Paulo, 25-9-

1914 - São Paulo, 9-3-1979) foi graduado em

Filosofia pela Universidade de São Paulo, regeu acátedra de História e Filosofia da Educação daFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras deAraraquara, pertenceu ao Instituto Brasileiro deFilosofia, ao Instituto Histórico e Geográfico de

São Paulo, ao Instituto Paulista de Parapsicologia.Foi presidente do Sindicato dos JornalistasProfissionais do Estado de São Paulo, diretor da

União Brasileira de Escritores, presidente efundador do Clube dos Jornalistas Espíritas deSão Paulo, vice-presidente da União SocialEspírita; vice chefe da Casa Civil, no governo doPresidente Jânio Quadros. Um homem por todosos títulos ilustres, Uma das vozes mais altas dacultura espírita no Brasil, escritor de mérito,conferencista, polemista e, acima de tudo, umpoeta.

Sobre Herculano Pires escreveu o Dr. AgneloMorato, em "A Nova Era", de Franca, SP, em 15-4-1979 : " ...foi o primeiro que se inscreveu comoparapsicólogo no Brasil para conciliar a Doutrinade Rhine com as fundamentais dos Kardequianos.- Em seus livros últimos aprecia-se-lhe o esforço

em demonstrar estar nessa ciência experimental oacesso mais amplo para as confirmações do

paranormal em definições como o princípio:"Toda manifestação de um efeito inteligentepossui uma causa inteligente". Com CarlosImbassahy, sustentou uma tese em foros dedialética por memorável estudo em favor dosubsídio da História Contemporânea, quando deuà teoria de Freud dimensões muito mais racionaisà luz do Espiritismo, responsável mesmo pela sua

ampliação em novos horizontes". "Sua palavrapara nós possuía, sem favor, um pronunciamentooracular, dada sua segurança nos meios culturaise de estudos em nossas concentrações econgressos". "Educador por excelência de umaescola liberta das formalísticas, expõe métodos enormativas para melhores rumos à didáticaaclarada pelos princípios evangélicos à chamada

do Espírito de Verdade do PentatêuticoEspiritista".

A filosofia aproximou-o de Humberto

Mariotti, da Argentina, escritor do mesmo nível, etambém poeta, da mesma cepa filosófica, autor deDialética e Metapsíquica.

Ninguém se referiu, ao que eu saiba, nashomenagens prestadas a Herculano, por ocasiãode sua desencarnação, ao poeta. Com uma vasta

bibliografia, que inclui romances, teses, estudos,polêmicas, filosofia, educação, espiritismo eoutros assuntos, os versos de Argila e Áfricaficaram em segundo plano. Não para mim, éclaro.

Dele disse outro poeta, Afonso Schmidt,comentando O Caminho do Meio, romance, queHerculano Pires, um filósofo, foi direto à fonte dainquietação humana, entrou pelo caminho dateologia, da metafísica. Também pelo caminho dapoesia, procurando renovar, digo eu.

Com efeito, nessa fonte inesgotável - Deus, aVida Imortal, o Espiritismo, ele bebeu

longamente, para nos oferecer, depois, poemas

que são como a água viva do Evangelho, poemascheios de sabedoria.

Apoiou-se em Gênesis, na lição dos tempos,tão bem sintetizada por Moisés: "Formou, pois, oSenhor Deus, o homem, do barro da terra, einspirou no seu rosto um assopro de vida". Deus,a Inteligência do Universo, a Causa Primária. Evem a pergunta, que resume seu pensamento:

"Pode, acaso, a ânfora de argilaconter o oceano?"

Não, não pode. Da argila somos feitos, para ooceano de Deus caminhamos como os rios detodos os continentes.

Sabe que muitas vezes Deus o ergueu da lamada terra, modelando seu corpo como o oleiro

paciente, daí o poema "Argila", que dá título ao

seu formoso livro:

ARGILA

Quantas vezes me ergueste da lama da terramodelando os meus corposcomo um oleiro paciente.

Quantas vezes me atiraste à poeira dos séculosfazendo-me girar de mão em mãono banquete dos povos.

Quantas vezes de novo me arrancastedos anéis de estrelas do destinoà cinza do Tempo.

Mas, através das formas e das eraso Teu sopro me impele.

E a indelével marca dos teus dedosassinala a argila.

Muitos são os poemas impregnados demisticismo, da sabedoria que vem da féraciocinada, da crença em Deus, o Pai, e no OutroMundo, o espiritual. Poemas como "Enigma" e"Espera", que figuram na Antologia de PoemasEspíritas, em 1959, são o testemunho do queafirmo.

ESPERA

Ondas, brisas, nuvens, sombras, luzes, estrelas,tecem e destecem a malha fugidia.

Nascem as floresamadurecem os frutospassam e repassam as luas e os sóis.

Berços e túmulospovoam-se e despovoam-seMas, no eterno vai-vem, no fluxo e refluxo

das coisas e dos seres

como um sol polar irradiando entre asnévoas

permanece a tua faceimutávelesperando no silêncio.A face imutável de Deus, na sua Eternidade

sem começo e sem fim, o Deus que povoa edespovoa os túmulos, e tudo cria, e tudo pode: solperene...

Outro poema inspirado no Deus que tudocriou, e é, como já se viu logo no início, o OlieiroPaciente, é este:

ENIGMA

Sim, sim, tu és a raiz potenteque suga o húmusnas profundezas da terra.És a força misteriosa do oceanosacudindo nas grandes noites lunares.A doçura das espumasquebrando-se nas praias.Sim, sim, tu és o sol abrasadordos meios-dia de verão.És a tristeza das flores

caindo no outono.És a seiva que irradia pétalas e ramosna primavera,e és a melancolia das manhãs de invernoem que mostras tua glóriacomo um rosto velado nas nuvens.Sim, sim, eu sei que tu és o enigma, o

mistério,o segredo da força e da beleza,o motivo oculto e a evidente razão.Eu sei, eu sei que tu és a voz imanentesoando sem cessarno coração das coisas e dos seres.És a voz de comando e és o próprio comando.Porque em ti repousamos murmúrios e os clamores,e para ti voltam, sem cessar,os que, de ti, sem cessar, se afastam.Sim, sim, eu sei que tu és o últimoe és também o primeiro,e que todas as minhas palavrasvoam, sem cessar, de ti para ti.Mas não sei, ainda,por que não posso pousar em teus múltiplos

ramos

como um pássaro assustadoque se escondesse da noite.

Poeta de um profundo misticismo, em"Cântaro Esquecido" ("mas o que beber da águaque eu lhe der, nunca terá mais sede", Jô. 4:14),em "Galiléia", toda uma série de poemetos, emtudo o mais, como mostrarei.

Em "Cântaro de Barro", outra parte do livrorepete a pergunta de Allan Kardec, no O Livrodos Espíritos, sobre a espécie humana, e a

respeito explica porque diz que o homem seformou do limo da terra.

Interrogou Kardec aos Espíritos:

- A espécie humana se encontrava entre oselementos orgânicos do globo terreno?

E a resposta:- Sim, e veio a seu tempo. Foi o que deu

motivo a se dizer que o homem se formou dolimo da terra.

Eis o "Mistério": "...doçura da seivaconstruindo no silêncio".

Em "Dias e Noites", também se inspira emKardec: "Que compreensão ofereceis aossofrimentos deste mundo, vós, cuja doutrina

consiste unicamente na negação do futuro?" Aessa pergunta, o poeta mesmo responde: "Dias enoites na Terra como na eternidade vidas emortes rodando".

"Canto de Libertação" é um apelo aos espíritaspara que ouçam "a advertência de Paulo, escutema lição de Kardec e aprendam que a humanidadesangra na ferida de um mendigo e o choro de umórfão no arrabalde esquecido é o cantochãouniversal do choro de todos os órfãos do mundoreunidos". Nesse longo poema, pede se chegue àjanela e se veja o "rio da vida borbulhando naplanície, os astros da noite cavalgando amontanha, as flores do campo aromando o vale, ador como uma aurora noturna avermelhando aterra e o mar, o mar e o céu". Para todos vejamosa vida, tumultuada e, não obstante, bela!

Quando os jornais espíritas noticiavam a

"morte" do insigne bardo, busquei reler Argila, o

volume que me foi oferecido pelo autor, comamável dedicatória, no II Congresso Brasileiro deJornalistas e Escritores Espíritas, realizado emabril de 1958, em São Paulo.

E senti saudades da poesia expressiva,profunda, moderna, filosófica, do confrade

desaparecido, que colocara o Espiritismo acimados seus interesses e até de suas amizades, esempre esteve em guarda como um Mosqueteirodo Rei, talvez, para defendê-lo. Eu que o diga,pois mereci dois seus candentes artigos, emoposição às minhas idéias de um universalismomais amplo, entre nós; considerou-me um"espírita igrejeiro", um "romântico", do

Espiritismo. Mas isso não vem ao caso.Volto ao tesouro de beleza e espiritualidade

que é Argila (África, mínimo no formato, quetambém recebi como preciosa dádiva, ficou

perdido em mãos alheias, e esse poema, quelembra Garcia Lorca, era um canto de libertaçãoda raça negra, da gente africana). Poesia que foi

um constante diálogo do poeta com Deus econsigo mesmo. - Sabia que vidas incontáveisviveu, através das eras, na poeira dos séculos.Deus, o oleiro paciente.

Referi-me, num artigo que escrevi em 58, aospoemas "Colheita", "Oleiro", "Gênese","Cosmos", "Libertação", "Cântaro Esquecido" e

outros. Releio-os com o mesmo entusiasmo daprimeira hora, com o mesmo encantado de acharem J. Herculano Pires um poeta autêntico, de

estro personalíssimo, imortalista, poeta queamava a Verdade, poeta que fora longe demaiscom a sua visão do mundo:

COLHEITA

Enterro as mãos no úmido chão noturnoe extraioo barro submissoda última oferenda.

Quero plasmá-la com a ternura da seivadespetalando-aem cores e perfumessobre o ouro dos frutos.

Oferenda de lirismo puro, ternura de umcoração crente, maravilhado.

Sempre a idéia do barro submisso - a matéria -e do espírito - Palissy obscuro do destino.

Como o poema que agora transcrevo:

OLEIRO

Tomo a argila entre os dedos

e sinto-a friadoceeterna, amarga e frágil,como a luz das estrelas.

Modelarei com elaPalissy obscuro do destinoos vasos da tristeza e da alegriaas ânforasde água fresca da poesiae as botijas

do amargo e escuro vinho da ambição.

Eis a sua interpretação da

GÊNESEArgila,da argamassa dócil do teu seiocomo um Deus arrancareio insubmisso Adão.A coleante inimiga.E Aquela que o Bem e o Mal, a ciência eo Erro, a Vida e a Morte,ao Mundo ofertarána Oferenda do Amor.

Na sua idéia do Cosmos, de novo a argila; estamaravilha síntese:

COSMO

Pacientea fronte inclina

sobre o abismo.E entre os dedospacienteroda os cântaros de argila

Em "Libação", Deus - que para o poeta é oOleiro, "lançou à mesa as taças borbulhantes -negras, vermelhas, brônzeas, amarelas, brancas -para insaciável libação dos séculos, que rodam

nas mãos do Destino: cheias, vazias, rotas,emborcadas, cerâmica ritual, eterna e efêmera... É

uma alusão às raças, aos homens - taças de argila,taças coloridas, que o Oleiro sorve de um gole.Taças e cacos e o gru-gru do tempo, gru-gru nogargalo do espaço.

Do seu diálogo com Deus, são estes versos de"Cântaro Escondido", repletos de um simbolismo

próprio de um autêntico poeta. É ainda, a suaidéia da sua origem e da humanidade toda - dobarro humilde:

CÂNTARO ESQUECIDO

Deixaste-me, cântaro esquecidosobre o velho poço.Inutilmente derramaram os discípulosno meu bojo vazioo tumulto inútil das suas palavras.

Nas entranhas da terraa água límpida fecundava, em silêncio,o barro humilde dos futuros vasos.Ele te olhou e disse: "Eu o sou, eu, que falo

contigo!"o vento afagava-lhe o rosto.Estendia no ar a rede mística

dos seus cabelos.

Ouvi o rumor imperceptível da águapenetrando as entranhas misteriosas da argila.

O rumor do vento

semeando estrelas no céu claropara a noturna floração das sombras.Ouvi o rumor fecundo da água vivafluindo em seus lábioscomo um chilreio nas pedras.Água! Água! Água!pedia o bojo escuro,clamava a argila inútil.

Mas logo te afastaste.Revoada álacre de asas matinais,palpitantes de luz,embebidas na linfa dos gorjeios,ébrias de misteriosas gestações.E sobre o velho poço me deixasteressoando de ecos e gorgulhos.Cântaro esquecido.Vaso inútil.Sedenta argila.Negra boca abertapara a impiedosa fonte do infinito.

Um grande poeta, positivamente.Também é conversa com Deus, prece é ainda,

sua alusão à argila, o belo poema

PROVA

Dá que eu possa pegar a argila do mundoe nos dedos senti-lacomo argila.Que eu possa apanhar as flores do mundoferir-me em seus espinhos.Dá que eu possa tocar as chagas do mundo

com os dedoscomo Tomé tocou as tuas chagas.Que eu possa subir

à torre do templo.Ao cume da alta montanha.E ver aos meus pés os reinos do mundo,

os reis e suas cortes,riquezas, multidões, exércitos,batalhas, derrotas e glórias.

Dá que eu possa ouvir as promessasdaquele que te arrebatoupara a tentação dos poderes.

Mas põe sobre mim a tua mão.Põe no coração do teu servoA voz que mostrará

O emurchecer das flores.

E das idades

Poeta místico, que tão bem se realizou naestética do modernismo, ei-lo ainda falando comDeus, no seu

REFÚGIO

Teus olhos me espreitam.

Através do segredo do tempo e do mistério doespaço,

do abismo da noite e da luz da manhã,das sombras e das formas,teus olhos me espreitam.

Que vêem os teus olhos?

Procuro as vezes, o recanto de aromas esombras

do bosque.Teus olhos me seguem.

Atiro-me à doida correnteza humana.

das ruas.Teus olhos me acompanham.Refugio-me na concha violácea, no sonoro

silenciodos

templos,

e escapa, de repente, para o tumulto das tascas,a loucura do álcool.Teus olhos me espreitam.

Que querem os teus olhos?

Desvairado, jamais me lembreide refugiar-me em ti

aos teus olhos me expor.

Refugiar-se em Deus, é, em suma, a únicasolução para o espírito que sofre - desvairado -entregue ao tumulto do mundo, à doidacorrenteza humana...

De novo abre o seu coração ao Eterno -presença múltipla e incessante -, querendo ver aSua Face, em:

COLÓQUIO

Sei que estás aqui, bem perto,contando, uma a uma, as pancadas do meu

coração.

Quero negar-te, às vezes,quando não sinto a tua faceespreitando através do silêncio.Mas não posso.Tua presença é múltipla incessantee como o tempo.

Quero negar-te, ainda,quando não consigo apalpar o silêncio,apanhar entre os dedos ou na concha da mãoas malhas do destino.E de novo não posso.Tua presença é como um cântico na noite.

Flue e funde.

Sei que estás aqui, contando, uma a umaas pancadas do meu coração.E espero.

Sem saber se um diaromperás a névoa do mistériopara mostrar-me a tua face.

Porque muito significam para o conhecimentode um poeta que ficará, divulgo, na íntegra, mais

dois poemas de Argila, que são como orações:"Signo" e "Lázaro". Em todos, o mesmomisticismo, sem ranço clerical, a sua versãomoderna dos temas do Evangelho de Jesus.

SIGNO

Avanço para ticomo um turbilhão.

Saltando abismosrompendo planiceiscantando ou bramindoarrasto as minhas águasem vagalhões de espumas e de estrelas.

No silêncio das distânciascomo um signote me esperas.

Deus o espera, - a todos nós espera,infinitamente, no silêncio das distâncias.

LÁZARO

Ouço tua voz.No silêncio profundo e na solidão absoluta,

no mistério das noites imensas,envoltas no sudário das trevas,

catalépticas ou mortas,ouço tua voz.Vejo tuas mãos erguerem, rutilando,a laje negra dos túmulos.Ouço tua voz ordenandoao dia que se levantee caminhe pelas sendas de ouro e rosa

da alvorada.

No clamor das ruas e das praças,na febre vermelha dos negóciosque se apossa do errante coração dos homens,às margens do lago Betsaida,nos caminhos de Betâniaou nas rotas marítimas e aéreas de New York,

cantochão dos oceanos ou no murmúrio dos

regatos,

no alarido das multidões ou no riso das

crianças,ouço tua voz.Tua voz é o mistérioque vibra no remorso do pecado e no júbilo da

renúncia.

Tua voz é a forçaque me arranca do túmulo.

Não conheço, na poesia moderna atual doBrasil, quem melhor, quem mais se entendessecom Deus. Antes de Herculano, só Rodrigues deAbreu, de Casa Destelhada e Tasso da Silveira,de Canto Absoluto, Contemplação do Eterno,Puro Canto, este último poeta católico. Nospoemas de "Terra batida" (sempre a idéia dobarro, da argila, da lama, da poeira e de taçaspartidas, chão de terra!), Deus é presença. Comoem "Cidades Mortas", onde nos fala de um

"outono milenar", de cidades asfixiadas,

soterradas, afogadas no oceano e no gelo, cidadesperdidas nas entranhas da morte, ossadas pétreasdo tempo, múmias dos séculos, taças quebradasdo banquete dos povos, etc. - Babilônia, Tróia,Cartago, Herculanum e Pompéia, Nínive,Sodoma, Gomorra. E lembrou Cafarnaum -

bênção desprezada, orgulho da humildade - eindagou:

"Por que as semeaste assim

oh Tuque comandas o Tempo?"

A resposta está no poema

SINAL

Semeaste os séculos de cadáveres.De tumbas de terra fofa.De lápides frias

como estrelas mortas em noites polares.De esfinges e mausoléus.De catacumbas sombriasque rasgam as entranhas da terra

guardando avaraso segredo das múmias e da poeira.

Marcaste de túmulos a rota da história.

Mas, como um sinal dos séculos,puseste, aos pés do Calvárioum túmulo vazio.

O sinal dos séculos: um túmulo vazio, otúmulo do Cristo Jesus, que ressuscitou de suamorte de cruz.

Outros poemas do livro, cheios de Deus, dessediálogo eterno, de Herculano com Deus: "Oferta"("Colhe-me antes do fruto que as aves e osvermes disputarão"), "Fito" ("Esparrama no solo,perdulário, o vinho borbulhante do últimoholocausto"), "Convite" ("Sorve de vez o vinhoespumante desta ânfora cheia"), "Finis" ("Não vêsque as mãos da treva já emborcara nos lábiosroxos do poente a estrela da tarde?" ) e outros.

Herculano é, no seu livro admirável, que bemmerecia uma nova edição, um evangelista:"Vinde a mim, e eu vos aliviarei" - disse o Cristo(Mateus, 11:28) e o poeta escreveu um mini-

evangelho - como quem viveu as emoções daGaliléia - o que não é de se duvidar, com a

verdade da reencarnação -, nos poemas sintéticos"Visita", "Caná", "Momento", "Estrela","Justiça", "Pedro", "Martírio", "Cireneu","Calvário", "Vergonha", "Maria de Magdala" e"Silêncio".

Não me posso furtar ao desejo de repeti-los,aqui, um por um, que Argila é, hoje, um livroraro. São poemetos que ajudam - e como! - a seentender o poeta, que ainda agora mais admiro, opoeta Herculano Pires, o espírita e lidador, queamou a Cristo com a ternura de um amigo e deum irmão:

*

Na grande noitecaminhas para mim com passos de sombralevantando no silênciouma poeira de estrelas.

*

Convido-te para as bodas.

O vinho é pouco e os convivas são muitos.Mas sei que tomarás a água purada fonte que tu mesmo abristee encherás os cântaros vazios.

*

Deixa-me tocar, no tumulto,a fímbria do teu vestido.Mas não perguntes quem foi.

Não importa aos outros o milagreque cada um só poderá obterno seu exato momento.

*

Entre as inúteis aflições de Martae a devoção de Mariao teu sorriso é a estrela da manhã.

*

Tenho nas mãos o saláriodo trabalho na vinha.Conto as moedas, uma a uma.

E vejo que, apesar de poucas, me pagasteO mesmo dos que suportaramO sol da manhã e o mormaço do dia.

*

Mandaque de novo se retireda tua frentePedroo que não tem gosto para as coisas de Deusmas somente para o mundo.Afasta-opara que de novo possamos vera limpidez dos teus olhos.

*

Tua coroa de espinhos

faz sangrar a noite.Tua canadirige os séculos.Tuas vestes rotas,a túnica pobresobre a qual rodaram os dados da ambição,

envolvem os príncipes e os reis.Mas o milagre maioré o dos teus olhos sofrendonos olhos do povo.

*

Não, não posso tomarsobre os meus ombrosum pouco do peso imenso da tua cruz.Não, não estou sentado à portanem desfila o cortejo.Flameja, ante os meus olhosa língua de fogo das estradas.Meus pés cansados levantamfagulhas ardentes do chão.

Sou eu, agora, quem te pede

um leve toque, de leve,dos teus ombrossob a minha cruz.

*

Ergue, Maria,

os teus olhos.(Que são os teus olhos?Estrelas, relâmpagos, chagas?)Ergue os teus olhos.Crucifica-os na cruzdaquele corpo, que é teu.

Maria, na cruzo teu corpo se esvai.Apressa-te, Maria!Rega, com as lágrimas

da tua alma sem corpoa cruz do teu corpo.

É preciso, Maria, que ela cresça.É precisoque ela projete sobre o mundoa sombrade dois braços abertos.

(Que são esses braços?Dor, sacrifício, perdão?)

*

Rasgo, com aponta da lança

o exausto marfim do teu corpo.

Braços abertos.Pés sangrando.Fronte caída.

Um sorrisoem teus lábios cansados.

Teu sanguenão o meuesvaindo-se em bênçãos de perdãoavermelhando-me as faces.

*

Foi para elaa pecadoraque primeiro mostrastea glóriado teu corpo redivivotriunfante da cruz.Foi para elaa pecadoraque disseste as palavras primeiras.

Foi para ela

a pecadoraque primeiro ensinaste:o pecado e a morte

não derrotam a vida.

E foi ela a primeiraou a únicaa aprender a lição?

*

Escutono rumoro silênciodo teu sorriso.Escuto o silênciodo teu amor.

O silêncioenorme silênciodos teus pésdescalçospalmilhando o mundo

e os milênios.O silêncio

dos teus cabelos esvoaçando

sobre o Tiberíades.O terrível silêncio

dos teus gestosdas tuas palavrasdos teus olhos.O silêncioque para semprecondenou Pilatos.

Oh, silêncio,abismo de paz,sorvedouro de amor,aqui estáspara salvar ou condenar o mundo?

Passos que levantam, no silêncio, poeira deestrelas; fonte que encherá os cântaros vazios;milagre de cada um no exato momento; sorrisoque é estrela da manhã; justiça que émisericórdia; gosto para as coisas de Deus e nãodo mundo; milagre de uns olhos sofrendo nosolhos do povo; língua de fogo das estradas e acruz; estrelas, relâmpagos, chagas - e a cruz nocorpo de Maria; braços abertos, pés sangrando,fronte caída - e um sorriso nos lábios cansados;

glória de um corpo redivivo - e Maria deMagdala; o silêncio.

O Cristo veio para salvar o mundo, e a poesiade José Herculano Pires para salvar a poesia -abismo de paz, sorvedouro de amor!

O que foi dito acima dá uma idéia dacontribuição do poeta de São Paulo, válida,contribuição importante para as letras espíritas,para a poesia brasileira do momento.

FIM DA SEGUNDA PARTE