howard gardner e viola spolin: diálogos possíveis fileartes para professores do ensino fundamental...

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Cristina Aparecida Zaniboni Antonelli HOWARD GARDNER E VIOLA SPOLIN: diálogos possíveis Programa Rede São Paulo de Formação Docente – REDEFOR Programa de Pós-Graduação do Instituto de Artes da UNESP São Paulo 2011

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Page 1: HOWARD GARDNER E VIOLA SPOLIN: diálogos possíveis fileArtes para Professores do Ensino Fundamental e Médio . Orientação: Profª. Mª. Simony de Lena Dotto . Programa Rede São

Cristina Aparecida Zaniboni Antonelli

HOWARD GARDNER E VIOLA SPOLIN: diálogos possíveis

Programa Rede São Paulo de Formação Docente – REDEFOR

Programa de Pós-Graduação do Instituto de Artes da UNESP

São Paulo

2011

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Cristina Aparecida Zaniboni Antonelli

HOWARD GARDNER E VIOLA SPOLIN: diálogos possíveis

Monografia submetida à UNESP, como requisito parcial exigido pelo Curso de Especialização em Artes para Professores do Ensino Fundamental e Médio

Orientação: Profª. Mª. Simony de Lena Dotto

Programa Rede São Paulo de Formação Docente – REDEFOR

Programa de Pós-Graduação do Instituto de Artes da UNESP

São Paulo

2011

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RESUMO

Todo ser humano é capaz de realizar qualquer tipo de atividade, seja ela intelectual, artística

ou social, desde que desenvolva a área cerebral responsável por cada uma delas. Essas

áreas específicas e suas competências são denominadas Inteligências, e por serem várias,

Inteligências Múltiplas, segundo a teoria de Howard Gardner. Associada a essa teoria, a

metodologia diversificada utilizada por Viola Spolin em seu trabalho com teatro

improvisacional, aplicada a uma proposta voltada à educação, pode ser considerada um

complemento no que diz respeito ao estímulo e desenvolvimento das inteligências inerentes

a cada pessoa. Este artigo tem como objetivo mostrar que todos são capazes de aprender e

que o teatro, como recurso de aprendizagem, é capaz de auxiliar, e muito, nesse processo.

Palavras chave: Educação; Teatro; Inteligências Múltiplas.

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RESUMEN

Todo ser humano es capaz de realizar cualquier especie de actividad, sea intelectual,

artística o social, desde que desarrolle el área cerebral responsable por cada una de ellas.

Estas áreas específicas y sus competencias son denominadas Inteligencias, y como son

varias, Inteligencias Múltiples, según la teoría de Howard Gardner. Asociada a esa teoría, la

metodología diversificada utilizada por Viola Spolin en su trabajo con teatro improvisacional,

aplicada a una propuesta direccionada a la educación, puede ser considerada un

complemento con respecto al estímulo y desarrollo de las inteligencias inherentes a cada

persona. Este artículo tiene como objetivo mostrar que todos son capaces de aprender y

que el teatro, como recurso de aprendizaje, es capaz de auxiliar, y mucho, en ese proceso.

Palabras clave: Educación; Teatro; Inteligencias Múltiples.

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SUMÁRIO Iniciando um diálogo .............................................................................................................. 5 Aprofundando esse diálogo .................................................................................................... 6 Viola Spolin e sua abordagem sobre o Teatro ..................................................................... 10 As teorias na prática ............................................................................................................. 13 O teatro e as inteligências, segundo os envolvidos no processo ......................................... 16 Considerações sobre um trabalho que ainda não terminou ................................................. 18 Bibliografia ............................................................................................................................ 19

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Iniciando um diálogo... O objetivo deste estudo, relacionando as teorias de Howard Gardner e Viola Spolin,

é valorizar o teatro e o jogo como colaboradores no desenvolvimento das Múltiplas

Inteligências, buscando estímulos para as diversas áreas cerebrais onde se situam cada

uma delas. Essa ideia pode mudar completamente o conceito tradicional de educação e

avaliação, que levam em conta apenas o saber acumulado de fórmulas matemáticas e

regras gramaticais, pregando que o aluno deve aprender decorando conteúdos para

reproduzi-los nos dias de prova, os quais poderão ser esquecidos no dia seguinte.

Howard Gardner (1994), fundamentado em anos de pesquisa em psicologia cognitiva

e neuropsicologia, chegou a uma teoria no mínimo surpreendente, desafiando a noção de

inteligência que pode ser medida através de testes de Q.I. (Quociente de Inteligência);

concebeu uma diferente e inovadora visão das competências intelectuais humanas,

afirmando que todas as pessoas nascem com potencial para desenvolver múltiplas

inteligências, pelo menos sete, que se desenvolvem de forma relativamente autônoma.

Essas inteligências podem ser mobilizadas pela sociedade e trazem relevantes

contribuições no âmbito educacional, na medida em que são estimuladas.

Viola Spolin (1998) abordou o teatro de forma inovadora, por meio de métodos e

conclusões baseadas em anos de pesquisa junto a grupos de teatro improvisacional. Ela

extraiu dessas experiências aqueles elementos essenciais ao desenvolvimento do processo

expressivo do ator e aplicou-os em crianças e adolescentes, numa proposta educacional.

Longe da submissão à teorias e técnicas, o aluno-ator passa a ser o protagonista do seu

processo educacional, atuando livremente sobre si mesmo. O que se destaca em sua teoria

e metodologia é a experiência viva do teatro, numa interação com a plateia que deve ser

redescoberta a todo momento. Sendo assim, o teatro passa a ser visto não como técnica,

dominada apenas por especialistas, mas como uma relação de trabalho no fazer artístico,

podendo se estender à todos, profissionais, adultos, amadores ou crianças, bastando para

isso, que brinquem e descubram-se no jogo, que para Spolin (1998, p.4) é um dos sete

aspectos da espontaneidade, uma forma natural de grupo que propicia o envolvimento e a

liberdade pessoal necessários para a experiência.

Este estudo, aqui elucidado, justifica-se por apresentar observações realizadas com

adolescentes que participam de um grupo de teatro numa determinada escola, pertencentes

a diferentes classes sociais e culturais, ao longo do ano de 2011, num trabalho baseado no

método de Spolin e descrito por Koudela (1998). No decorrer desse processo foram

constatadas modificações comportamentais e cognitivas, percebidas em todas as disciplinas

do currículo escolar, de forma positiva, comprovando o potencial do teatro como instrumento

de educação. Observou-se que os alunos citados anteriormente obtiveram maior rendimento

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nas aulas em todos os sentidos: passaram a se concentrar melhor durante uma explicação;

desenvolveram uma forma própria de expressão; tornaram-se capazes de se expressar com

maior clareza tanto na linguagem escrita como na verbal; melhoraram a relação com os

colegas e professores; adquiriram autoconfiança e a autoestima de cada um se tornou tão

elevada que se sentiram melhor enquanto pessoas, realizando coisas que achavam que

jamais conseguiriam...

Esse processo trouxe implicações importantes na vida pessoal e social desses

alunos, ajudando-os na comunicação intra e interpessoal e na aceitação de regras e limites,

tornando-os mais responsáveis e capazes de confiar no próprio potencial dentro e fora da

escola. Percebe-se claramente que, todas essas mudanças ocorridas nos participantes

despertaram e aprimoraram habilidades e competências, ou “inteligências”. Esses aspectos,

além de observado nas atitudes dos alunos, também foram relatados por eles próprios em

comentários orais e depoimentos escritos, alguns presentes neste artigo.

Aprofundando esse diálogo...

Entre algumas visões anteriores referentes à inteligência, e que representam

importância significativa no meio científico, vale citar a de Franz Joseph Gall, (GALL apud

GARDNER, 1994, p.10), que observou, no final do século XVII, um relacionamento entre

determinadas características de seus colegas de classe e os formatos de suas cabeças.

Percebeu, por exemplo, que os meninos com olhos proeminentes tendiam a ter boa

memória. Guardou essa ideia e quando se tornou médico e cientista, alguns anos depois,

colocou-a no centro de uma disciplina chamada “frenologia”, que aspirava tornar-se uma

ciência. A chave da frenologia é simples: os crânios humanos diferem uns dos outros em

suas variações e refletem diferenças no tamanho e na forma do cérebro. Diferentes áreas

do cérebro, por sua vez, servem a funções distintas; e assim examinando cuidadosamente

as configurações cranianas de um indivíduo, um especialista seria capaz de determinar os

pontos fortes, as fraquezas e as idiossincrasias de seu perfil mental. Modificada por seu

colega Joseph Spurzheim, a lista de poderes da mente de Gall era composta por 37 poderes

diferentes, incluindo as faculdades afetivas como amorosidade, procriação, discrição;

sentimentos como esperança, reverência e autoestima; poderes reflexivos e capacidades

perceptivas incluindo a linguagem, a afinação (para música) e sensibilidade para

propriedades visuais como forma e cor.

Gall esteve entre os primeiros cientistas modernos a enfatizar que diferentes partes

do cérebro são responsáveis por diferentes funções. O fato de não ter sido localizada

especificamente a relação entre tamanho, forma e função cerebral, não deve significar que

não será possível fazê-lo. Além disso, Gall propôs que há diferentes formas de percepção,

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memória e similares para cada uma das faculdades intelectuais, e essa ideia é bem provável

que esteja correta.

Pierre Paul Broca, (BROCA apud GARDNER, 1994, p.11) demonstrou pela primeira

vez, uma relação entre uma lesão cerebral numa área determinada e uma deficiência

cognitiva específica. Acumulou evidências de que uma lesão na parte anterior esquerda do

córtex cerebral causa afasia, ou seja, falha nas capacidades linguísticas. Nos anos

seguintes diversas outras demonstrações semelhantes foram observadas. A localização de

funções, assim como a frenologia, entraram novamente em cena.

Na Idade Média, conforme afirmou Gardner, estudiosos discorreram sobre o trivium

(gramática, lógica e retórica) e o quadrivium (matemática, geometria, astronomia e música),

as esferas do conhecimento que toda pessoa educada dominava. Os hindus descreveram

sete tipos de conhecimento. Os egípcios localizaram o pensamento no coração e o

julgamento na cabeça ou nos rins. Pitágoras e Platão afirmaram que a mente encontra-se

no cérebro, enquanto Aristóteles disse que a sede da vida está no coração e Descartes

colocou a alma na glândula pineal. No século XIX, entretanto, é que as proposições foram

altamente específicas sobre o perfil das capacidades humanas e os esforços foram

fundamentados de forma empírica em laboratório experimental e clínico, relacionando áreas

cerebrais específicas para funções cognitivas específicas. Assim, contra uma crença

compartilhada, começaram os debates sobre a propriedade de lotear o intelecto em partes.

Alfred Binet (BINET apud GARDNER, 1998, p.12), pesquisador francês, já no início

do século XX projetou os primeiros testes de inteligência a fim de separar crianças com

“retardo” e classificar adequadamente crianças em suas séries correspondentes. Esse teste

foi amplamente difundido e aceito com entusiasmo no meio científico e na sociedade. Logo

estavam disponíveis a fim de avaliar pessoas para propósitos específicos, seja na escola, no

meio profissional ou social. Juntamente com a ascensão dos testes de Q.I. vieram também

numerosos debates, principalmente em torno da questão da hereditariedade, onde se

acredita que “tal pai, tal filho”, sustentada nas últimas décadas. Muitos psicólogos se

convenceram que o entusiasmo ao redor do teste de Q.I. foi excessivo, e que as limitações

nos seus instrumentos e usos eram inúmeras.

Estudando e observando os erros que as crianças cometiam nos testes de Q.I., o

psicólogo suíço Jean Piaget chegou à afirmação que o importante não era a precisão da

resposta dada pela criança, mas a linha de raciocínio usada por ela (PIAGET, 1976).

Gardner (1994, p.14), concorda com Piaget ao afirmar que o movimento de Q.I. era

cegamente empírico, fundamentado em testes que podiam prever o sucesso escolar mas

não podiam entender o funcionamento da mente; não visava o processo, apenas o produto.

Além disso, as tarefas eram desconectadas da vida cotidiana. Seguindo essa linha de

pensamento, Piaget desenvolveu uma visão diferente da cognição humana. Em sua

concepção, todo o estudo do pensamento humano deveria começar levando em conta o

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entendimento de mundo de cada indivíduo e a construção de hipóteses que gerariam

conhecimento. Produziu um retrato da forma de desenvolvimento intelectual humano.

Houve, no século XVIII, na filosofia, uma mudança de paradigma até então centrada

nos objetos do mundo físico para a preocupação com a mente, com os pensadores

iluministas, trazendo uma visão literária, artística e política (ARANHA, 1992). No século XX

outra mudança ocorreu, desta vez para os veículos simbólicos do pensamento, que

passaram a ser o foco principal das atenções. Segundo essa nova visão, o funcionamento

da linguagem envolve as mesmas competências e processos utilizados na música, no gesto,

na matemática ou no desenho.

Cada inteligência possui uma operação central ou um conjunto de operações

identificáveis que pode ser disparado por estímulos internos ou externos. Identificar estas

operações centrais e provar que estes centros são separados é importante porque ele pode

dar surgimento a vários outros desempenhos intelectuais. Se uma inteligência ainda não foi

desenvolvida, pode-se usar outra que apresente maior grau de desenvolvimento como

janela para se chegar àquela. É possível que várias inteligências respondam a um mesmo

estímulo, ou seja, as tarefas que intencionalmente avaliem uma inteligência correlaciona-se

e articula-se com outras. As inteligências, ainda, podem ser consideradas capazes de

realização através de mais de um sistema sensorial. Cada uma delas opera de acordo com

seu próprio procedimento e tem um sistema que lhe é peculiar, inclusive com regras. Uma

analogia biológica pode explicar essa afirmação. Embora coração, rins e estômago sejam

órgãos de um mesmo corpo, não se pode compará-los em todos os detalhes; são distintos e

possuem mecanismos próprios de funcionamento, assim no caso das inteligências,

conforme Gardner. Cabe aqui, então, localizar e especificar cada uma dessas inteligências.

A Inteligência Linguística localiza-se no hemisfério cerebral esquerdo. O

vocabulário, no lobo frontal e a linguagem, no lobo temporal. As pessoas que possuem essa

inteligência bastante desenvolvida apresentam uma grande capacidade de processar

rapidamente mensagens linguísticas, de ordenar palavras e de dar sentido lúcido às

mensagens. Essa inteligência relaciona-se bem com todas as demais e, particularmente,

com a Corporal Cinestésica e a lógico-matemática. A Inteligência Lógico-Matemática

localiza-se nos lobos frontais e parietais esquerdos. Ela propicia no indivíduo a facilidade

para o cálculo e para a percepção da geometria espacial, prazer específico em resolver

problemas embutidos em palavras cruzadas, charadas ou problemas lógicos como os de

tangran, dos jogos de gamão e xadrez. Relaciona-se com a Inteligência Linguística,

Espacial, Cinestésica Corporal e principalmente com a Musical. A Inteligência Espacial localiza-se no hemisfério direito. Quem a tem bastante desenvolvida possui capacidade de

perceber formas e objetos, mesmo quando apresentados em ângulos não usuais,

capacidade de perceber o mundo visual com precisão, de efetuar transformações sobre as

percepções, de imaginar movimento ou deslocamento interno entre as partes de uma

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configuração, de recriar aspectos da experiência visual e de perceber as direções no espaço

concreto e abstrato. Relaciona-se bem com todas as demais, especialmente com a

Linguística, a Musical e a Corporal Cinestésica. A inteligência Musical localiza-se no

hemisfério direito, lobo frontal. Possui como características a facilidade para identificar sons

diferentes, perceber nuanças em sua intensidade e direcionalidade. Reconhecer sons

naturais e, na música, perceber a distinção entre tom, melodia, ritmo, timbre e frequência,

isolar sons em agrupamentos musicais. Relaciona-se mais intensamente com a Lógico-

Matemática e com a Corporal Cinestésica. A Inteligência Corporal Cinestésica localiza-se

no hemisfério cerebral esquerdo. Essa inteligência produz no indivíduo uma grande

capacidade de usar o próprio corpo de maneira diferenciada e hábil para propósitos

expressivos e de trabalhar com objetos, tanto os que envolvem motricidade específica

quanto os que exploram uso integral do corpo. Relaciona-se bem principalmente com as

inteligências Linguística e Espacial. As Inteligências Pessoais Inter e Intrapessoal localizam-se nos lobos frontais. A Interpessoal possui como características a capacidade

de perceber e compreender outras pessoas, descobrir as forças que as motivam e sentir

grande empatia pelo outro indistinto. A Intrapessoal é dotada de uma grande capacidade

de autoestima, automotivação, de formação de um modelo coerente e verídico de si mesmo

e do uso desse modelo para operacionalizar a construção da felicidade pessoal e social.

Existem estudos sobre outras duas possíveis inteligências que seriam incorporadas

ao espectro das sete já citadas, conforme Celso Antunes (1998), a inteligência Pictórica que

se localiza no hemisfério direito e consiste na capacidade de expressão por traço, desenho

ou caricatura, sensibilidade para dar movimento e beleza a desenhos e pinturas; autonomia

para captar e retransmitir as cores da natureza; movimentar-se com facilidade em diferentes

níveis da computação gráfica. Relaciona-se bem com a Inteligência Linguística, Espacial,

Corporal Cinestésica, mas, principalmente, com a Musical.

E ainda, a Inteligência Naturalista que também se localiza no hemisfério direito e se

caracteriza por apresentar atração pelo mundo natural e sensibilidade em relação a ele,

capacidade de identificação da linguagem natural e capacidade de êxtase diante da

paisagem humanizada ou não. Relaciona-se com todas as demais, principalmente com as

Inteligências Linguística, Musical e Espacial. Antunes coloca também a importância do jogo

como estímulo ao crescimento e ao desenvolvimento cognitivo, através das Múltiplas

Inteligências, colocando o professor na função de agente orientador da felicidade na medida

em que deixa de ser apenas transmissor de conhecimentos.

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Viola Spolin e sua abordagem sobre o Teatro...

Spolin, norte americana especialista em teatro educação, desenvolveu uma teoria

que exerceu profunda influência sobre o teatro americano de vanguarda na década de 60,

usando o jogo como base para um treinamento de teatro que libertaria a criança de

comportamentos de palco, rígidos e mecânicos. Escreveu os aspectos observados ao

trabalhar com crianças e adultos da vizinhança e as reações encontradas nas plateias

escolares quando levava até eles seu grupo de improvisações infantis. Os atores pediam

ideias à plateia, as quais se transformavam em cenas improvisadas imediatamente, numa

interação que constituía algo inteiramente novo. Seu trabalho continuou quando aplicou

suas técnicas teatrais na Young Actors Company, em Hollywood, uma escola de teatro

montada por ela, em 1945. Nesta escola, gradualmente foram surgindo termos específicos

para expressar o que acontecia nas oficinas, como jogador substituindo ator e fisicalizar

substituindo sentir.

Foram incorporados à estrutura do jogo também o Ponto de Concentração (POC) e a

Abordagem da solução de problemas. Os próprios jogadores passaram a criar suas cenas,

estimulados por um dramaturgo ou por exemplos dados pelo diretor usando a simples

orientação de ONDE, QUEM e O QUÊ, livres de convenções de palco e inovando em cada

exercício, especializados em técnicas improvisacionais e preparados para assumir qualquer

tipo de papel em peças teatrais. Partindo da ideia que todas as pessoas são capazes de

atuar, Spolin afirmou que esse “papo” de talento tem muito pouco a ver com isso. Para a

autora, Devemos reconsiderar o que significa “talento”. É muito possível que o que é chamado de comportamento talentoso seja simplesmente uma maior capacidade individual para experienciar. Deste ponto de vista, é no aumento da capacidade individual para experienciar que a infinita potencialidade de uma personalidade pode ser evocada. (Spolin, 1998, p.3)

Todo o autoritarismo deve ser evitado num grupo para que a personalidade total dos

alunos-atores venha à tona e se mostre ao grupo. As palavras que podem inibir ou ter

qualquer tipo de conotação emocional devem ser usadas com cuidado pelo professor-

diretor, pois podem ofender a personalidade do aluno, levando-o a uma total dependência

do julgamento do professor, podando sua liberdade interior. Deve ser observado, porém,

que palavras de aprovação ou de desaprovação devem ser ditas, no entanto com cuidado,

para que o aluno não se sinta perdido ou ache que não está aprendendo nada.

Cada cena, cada técnica aprendida para ser executada no palco, é feita para a

plateia; é ela quem dá vida e significado ao teatro. Deve ser compreendida não como

avaliadora, julgadora, mas como participante da experiência teatral. As técnicas e/ou jogos

teatrais são imprescindíveis nessa comunicação, porém, os métodos utilizados estão

sempre em constante alteração, pois é através da consciência de saber o que fazer e como

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fazer que elas se flexibilizam e libertam o aluno para um comportamento fluente no palco.

Tendo esse relacionamento físico consigo mesmo, o ator aprende a comunicar-se com a

plateia através da sua realidade física e da realidade física do palco, mostrando que ela

deve ter espaço, textura, profundidade e substância. A realidade física comunica a realidade

teatral.

O diretor pode trabalhar com solução de problemas diagnosticando o que o aluno

precisa e aplicando exercícios específicos para cada um. O ponto forte para a atuação do

diretor junto ao grupo é o Ponto de Concentração (POC), que deve nortear todo o trabalho,

pois libera a força grupal e individual. O POC torna possível a percepção e faz a ligação

entre um jogador e seu parceiro e entre eles e o problema. Tudo isso torna a

responsabilidade do professor-diretor muito grande no trabalho com teatro, que deve estar

sempre atento e concentrado na descoberta de significados mais profundos, para que seus

alunos, além de realizarem um bom espetáculo, ampliem conhecimentos de maneira geral.

A instrução, que deve ser dada pelo professor-diretor usada pa, é ra que o aluno

mantenha o POC toda vez que estiver se distanciando dele, ajudando a manter viva a

realidade do palco. Quando o jogo termina também é ela, a instrução, quem determina,

numa chamada simples e direta. Definir os grupos para a realização do exercício nem

sempre é tarefa fácil; é preciso quebrar as dependências de forma sutil e amigável, a fim de

que todos se relacionem com todos. Na apresentação do problema o professor-diretor deve

ser rápido e objetivo, sem dar muitas explicações. Pode apenas esclarecer o POC e dar

uma demonstração com alguns jogadores, quando julgar necessário. O ambiente deve ser

propiciador das iniciativas, tanto no aspecto físico como na atmosfera criada. O professor-

diretor deve orientar os grupos sempre que necessário, conservando-se neutro para evitar

imitações. Em relação ao tempo de duração do jogo, o professor deve observar o interesse

e o POC do grupo, dando instruções ou encerrando. Os rótulos, como o melhor, o mais

criativo, o tímido, também devem ser evitados, pois são estáticos e não permitem que o

processo se desenvolva naturalmente. Ainda, evitar mostrar o “como fazer” ajuda o grupo

perceber que toda ação deve surgir das relações no palco. No jogo nada deve ser planejado

antes. Isso mantém o POC entre os jogadores.

No Brasil, Ingrid Dormien Koudela (1998) realizou um excelente trabalho aplicando a

teoria de Viola, através de jogos teatrais, apoiada na experimentação e pesquisa, além de

estudos em profundidade de extensa bibliografia, contextualizando o ensino do teatro.

Buscando preencher lacunas e esclarecer dúvidas em relação ao teatro aplicado à

educação, Koudela aborda fundamentos epistemológicos dos jogos teatrais sustentada por

Spolin, Piaget e Langer e relata experiências expressivas no campo, numa visão clara de

que é possível realizar um trabalho em teatro com seriedade e ousadia. Sua pesquisa

proporciona a elaboração de uma sistemática de trabalho onde o processo de ensino pode

ser reinventado a partir dessas bases estruturais e/ou teóricas.

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Elliot Eisner (apud KOUDELA,1998, p.17) considera que para orientar um trabalho

com crianças ou adolescentes, as abordagens educacionais mais difundidas, com relação

ao ensino de Arte são: contextualista – enfatiza necessidades psicológicas e sociais; e

essencialista – considera a Arte como forma de contribuição para a cultura humana. Em

Teatro educação a visão predominante é aquela que considera a criança como organismo

em desenvolvimento; enquanto que a visão tradicional visa à preparação do espetáculo,

sem se preocupar com a formação do indivíduo. No século XIX, o educador preocupava-se

mais com os fins da educação do que com o próprio processo de aprendizagem. Um modelo

a ser atingido era mais importante do que a criança e seu desenvolvimento. O movimento

Escola Nova revolucionou o ensino do teatro e reformulou a forma tradicional de ensino. A

Educação Progressista acreditava no desenvolvimento natural da criança, onde o professor

atuava como guia. Não deveria se ensinar Teatro, mas libertar a criatividade, propiciar

iniciativas. Porém, toda essa mudança fez com que os objetivos educacionais tão amplos e

tão importantes se transformassem em justificativa para o ensino de Teatro. WARD, (apud

KOUDELA, 1998, p.20) foi quem popularizou o ensino de Teatro e desenvolveu princípios e

técnicas. No seu segundo livro “Playmaking with children”, traça as modificações que

ocorreram na filosofia educacional e que abriram caminho para a expressão criativa, com o

objetivo de desenvolver a criança como um todo, e não apenas o seu intelecto.

Koudela coloca as seguintes fases do jogo com base em Piaget: jogo sensório-motor

(0 a 2 anos): quando a criança começa a perceber os símbolos, fase da garatuja (sem

intenção, apenas exploração sensório-motora de materiais); depois dessa fase a criança

começa a representação com símbolos: jogo simbólico. (imitação – 2 a 6 anos), quando a

criança transforma um mesmo objeto em várias coisas, sem se preocupar se ele parece ou

não com o que está imaginando, apenas brinca. Até os 6 anos não aceita mudar as regras

porque elas refletem a autoridade paterna ou seja, as regras impostas pelos adultos. Por

exemplo, enquanto crianças de 3 anos usam blocos de madeira para simbolizar xícaras, as

de 7 anos preferem xícaras de verdade, pois a partir dessa idade tem início a fase do jogo

de regras, onde a criança não aceita mais qualquer objeto, quer o próprio brinquedo, vê os

detalhes. Koudela afirma que o ensino de teatro pode ser considerado uma mistura entre o

jogo de regras e o jogo simbólico. No jogo dramático não há preocupação nenhuma, a

criança brinca; no jogo teatral as regras devem ser respeitadas e seguidas, há uma

preocupação em tornar real. O jogador estabelece relação com o parceiro que está jogando

e com a plateia. A passagem do jogo dramático para o jogo teatral pode ser comparada à

transformação que se dá na criança quando passa da fase do jogo simbólico para o jogo de

regras.

As regras devem ser flexíveis e variadas, dando oportunidade aos jogadores de

criarem novos jogos além de terem como único objetivo libertar a espontaneidade, por isso

podem ser variáveis se houver consentimento mútuo e acordo entre o grupo. A plateia

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também deve fazer parte do jogo, deve se envolver, ter uma experiência pessoal enquanto

assiste a peça. Vale atentar para o fato de que, nos jogos com objetos imaginários, é

estabelecida uma diferença entre fazer de conta e tornar real. Quando o objeto é mostrado à

plateia ele se torna visível, presente; portanto, mostrar através do gesto torna real o

imaginário quando todos os envolvidos no jogo (palco e plateia) compartilham dessa

experiência e têm um foco comum: tornar real. Fazer de conta é apenas mostrar, contar que

ali tem um objeto. Quando o foco é ampliado para o ambiente aparecem os termos Onde,

Quem e O Que. Com eles pode-se criar inúmeros jogos de improvisação de cenas. O foco

principal recai sobre qualquer um dos três elementos e através dele os objetos imaginários

são manipulados. Para auxiliar no jogo pode-se desenhar a planta baixa do palco, onde os

objetos são relacionados, o que facilita o “tornar real”. O desenho pode ser o ponto de

partida para o jogo que, no seu desenrolar deixe claro o ambiente (Onde), a ação (O Quê) e

o personagem (Quem).

As teorias na prática

Viola Spolin afirma que todas as pessoas são capazes de atuar, de improvisar assim

como Gardner atesta que todos são capazes de aprender. Sendo assim, vale ressaltar um

trabalho desenvolvido com um grupo de 16 alunos do Ensino Médio de uma escola pública

na região de Ourinhos, São Paulo, no decorrer do ano de 2011 utilizando, de forma prática,

os conceitos e discussões apresentados nesta pesquisa. Os alunos envolvidos pertencem a

classes sociais diferentes, sendo 3 trabalhadores do mercado informal, 2 participantes do

projeto “Associação Mirim”1 e os demais estudantes. Possuem entre 15 e 17 anos e moram

nos arredores da escola onde estudam, num bairro próximo ao centro da cidade. O trabalho

teve algumas peculiaridades: a escola estava passando por grandes problemas que

envolviam indisciplina, violência e uso de drogas por parte dos alunos, situação que gerava

uma “fama” ruim, além do baixo índice de desempenho alcançado no IDESP (Indice de

Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo) no ano anterior. Todos esses

fatores fizeram com que o desafio fosse maior e, consequentemente, a motivação também.

Os alunos citados neste artigo não foram os únicos a participarem do projeto, mas foram

1A Associação Mirim de Ourinhos é uma entidade fundada oficialmente em 09/08/1971, mas atua na cidade desde 1969. O principal objetivo é tender adolescentes, preferencialmente oriundos de famílias de baixa renda, permitindo sua inclusão na comunidade, garantindo a formação profissional e a inserção no mercado de trabalho, resgatando a cidadania com compromisso e responsabilidade, onde cada adolescente vai buscar ocupar seu espaço na sociedade de forma a não reproduzir a história de vida dos pais, mas ter oportunidades, despertando o potencial latente. Visa principalmente dar ênfase ao aprendizado prático profissionalizante como forma de crescimento pessoal e social, respeitando-se a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento do adolescente, num relacionamento de integração e complementaridade entre estagiário (mirim), família, entidade; colaborador e comunidade. Disponível em http://www.amosim.com.br/historia.php - Acesso em 11/11/2012.

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mencionados neste artigo devido ao grande entusiasmo e compromisso com que receberam

e aceitaram a proposta.

O trabalho teve início no mês de abril e contou com três horas semanais: uma no

horário da aula de Arte e outras duas em horários alternativos onde eram realizados jogos

teatrais, leituras dramáticas e ensaios enfatizando aspectos estéticos e técnicos do teatro. O

grupo escolheu e adaptou o texto que seria representado, cuidou dos figurinos, sonoplastia,

cenários e adereços. O trabalho culminou numa apresentação no Teatro Municipal de

Ourinhos no mês de setembro dentro do Projeto “Escola em cena”, do qual muitas escolas

estaduais participam há nove anos. O grupo citado nesta pesquisa é apenas um deles.

Diante do exposto até aqui, faz-se necessário tecer algumas considerações

abordando as teorias apresentadas e suas relações prático-pedagógicas.

Em relação à Inteligência Linguística, pode-se dizer que o teatro e seus jogos

exercem profunda influência e são capazes de produzir estímulos específicos. Os jogos

teatrais, nesse sentido, são de extrema utilidade e importância, na medida em que

trabalham a linguagem verbal e a não verbal, ampliando seu vocabulário através de

improvisações e leituras dramáticas. Um bom exemplo é o jogo “Vogais e Consoantes”2 cujo

objetivo é fazer com que o aluno familiarize-se com a estrutura fisiológica da linguagem

colocando como foco o estabelecimento de contato com as vogais e consoantes de uma

palavra enquanto está sendo dita. Quando um aluno participa de uma peça teatral ou de um

jogo, ele está estimulando a linguagem o tempo todo, enquanto fala o seu texto ou improvisa

suas falas. Além disso, a mensagem falada está intimamente ligada à linguagem corporal,

pois o corpo todo é usado na transmissão de Koudela s, principalmente no teatro. Ao liberar

a linguagem falada, automaticamente libera-se a linguagem corporal e o aluno pode se

expressar por inteiro. Sendo assim, apesar da Inteligência Linguística ser o alvo do

exercício, a Corporal Cinestésica e a Espacial também são contempladas através de gestos

e marcações cênicas.

O aluno também desenvolve a Inteligência Espacial quando se movimenta pelo

espaço de representação observando a posição dos outros atores e do cenário. Percebe

seu lugar na cena e no espaço, tendo uma visão do espaço pessoal e global. Quando

idealiza e monta um cenário, distribuindo de forma harmoniosa seus elementos pelo espaço,

levando em consideração as cenas, os personagens que interferirão nesse cenário e o

desenho da iluminação, a Inteligência Espacial é fortemente estimulada, pois é preciso uma

macro visão de todo o espaço. Por sua vez, o ator quando se movimenta por este espaço

também a estimula diretamente.

Ao interpretar as Inteligências Intra e Interpessoal os alunos entram em cena,

proporcionando ao ator-personagem um contato imediato consigo mesmo, buscando dentro

de si a criação e transmitindo-a ao público numa relação direta e enriquecedora. O

2 SPOLIN, 2001, s/pág. Fichas A73, B46, C14

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indivíduo, ao realizar esta busca interna para compor um personagem, trava um diálogo com

seu próprio eu, vence medos, preconceitos e bloqueios que porventura possa ter; trabalha

na busca de soluções para as situações enfrentadas no palco e se redescobre, muitas

vezes num momento de êxtase, o que pode aumentar sua autoestima e torná-lo mais

satisfeito consigo mesmo. Isso sem contar os enormes benefícios que trará na escola, no

aprendizado de todas as disciplinas, pois quando um indivíduo está bem consigo mesmo

realiza todas as coisas com entusiasmo e dinamismo, e acaba se saindo melhor.

Tudo isso também se aplica à Inteligência Corporal Cinestésica, se levarmos em

conta que a liberdade de expressão física é muito importante no teatro, e quando o aluno-

ator estabelece uma boa relação com ela, tem mais facilidade de expressar-se

corporalmente não apenas no palco, mas no seu dia a dia, percebendo-a como forte

instrumento de comunicação, valorizando e aprimorando seus movimentos, e,

consequentemente, seu próprio corpo. Redescobrir o corpo, senti-lo como seu, sem

barreiras e limitações, percebendo sua importância, facilita a autoaceitação perante si

mesmo e os outros. Na adolescência isso pode se tornar um grande problema,

principalmente se considerarmos os tabus e estereótipos impostos pela sociedade, pela

mídia. A expressão corporal tem uma importante função nesse contexto tendo em vista que,

conhecendo e gostando do próprio corpo, fica mais fácil a aceitação pessoal e a convivência

no meio onde se vive. Isso sem dúvida facilita a vida e a torna mais prazerosa. O fazer

propicia a vivência e auxilia no sentir, no expressar, e assim cada um pode se tornar um ser

humano completo, pleno, colocando em evidência todas as suas inteligências.

A Inteligência Musical é amplamente contemplada no teatro na realização e

execução da sonoplastia, que deve associar o sentimento à ação cênica. Quando o aluno vê

uma cena e pensa sons para esta cena, está agindo diretamente na estimulação da

Inteligência Musical, além de estimular a Lógico-Matemática ao contar o tempo de duração

do som, das pausas e ao pensar o ritmo que vai reger a ação do ator, que, por sua vez,

também a estará estimulando quando comparar o andamento rítmico da melodia com seu

próprio andar no palco, com seus movimentos e gestos. Os jogos de “Blablação” 3

demonstram claramente essa ideia quando pede que os participantes criem sons vocais e

andem pelo espaço de acordo com esses sons. Além das Inteligências Musical e Lógico-

Matemática, são privilegiadas as Inteligências Espacial, quando os alunos se locomovem

pelo espaço determinado pelo coordenador do jogo procurando evitar choques e também a

Intra e Inter Pessoal, pois precisam confiar em si mesmos e nos outros componentes do

grupo para se lançarem num espaço onde estão presentes outras pessoas.

3 SPOLIN, 2001, s/pág. Fichas A85, 87 e 88, B10, 15, 15, 16, 17 e 18

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O teatro e as inteligências, segundo os envolvidos no processo No decorrer do trabalho, foi solicitado que os alunos escrevessem livremente sobre o

que estavam sentindo e aprendendo nesse processo de ampliação de conhecimentos. Vale

destacar alguns depoimentos4, que serão comentados posteriormente.

“É um ótimo projeto teatral, com uma professora super descontraída, uma ótima ocupação”. “Em minha opinião pessoal, estou achando muito legal por aprender a ser uma pessoa educada, me aproximando dos meus amigos e da minha escola e ainda conhecendo outras pessoas como a professora e outros colegas que são grandes pessoas e nos ajudam muito. Se não fosse por eles não estaríamos neste estágio com o teatro. Estou gostando muito de participar do teatro pois, ao mesmo tempo que aprendo, eu me divirto com pessoas maravilhosas. É um tempo que eu não perco, pois estou perto de pessoas que eu amo. No começo eu não estava muito a fim, mas agora estou mais motivado do que nunca.” “Estou adorando este trabalho de teatro, muito interessante, pois está sendo uma experiência nova que gostei de participar. É bom para aprender e ensinar o que sabemos com os nossos professores e colegas de peça. Além da atenção e importância que eles demonstram pra gente, transmitindo que nós somos capazes. E espero que no final dará tudo certo e que arrazemos(sic) no dia da apresentação.” “Estou achando o evento do teatro trilegal, pois estou absorvendo vários conhecimentos que eu sempre gostaria de aprender, que é mesmo entrar no mundo da atuação! Bom, os professores ensinam muito bem, adoro eles de paixão e, desde o início já peguei amor ao trabalho. Quero aprender ainda mais e mais; mergulhar de vez na atuação com o teatro. Adoro novelas e o meu sonho é estar na TV. Como diz a frase que eu gosto muito ’a vida cobra e a gente tem que crescer’. E a cada dia mais de aula eu aprendo com a vida e estou crescendo. E isso pra mim é ótimo!” “Eu acho que este projeto é muito interessante, pois está sendo uma nova experiência para mim e para a escola. Gosto de fazer essa peça. Tenho vergonha, mas vou perder com o tempo. E vai dar tudo certo no final da peça.” “Fazer teatro é muito bom porque a gente aprende a interpretar outras pessoas e conhecer outras realidades, de outros tempos e lugares. Eu aprendi a falar melhor e ter menos vergonha de dizer as coisas. Também não engulo mais a última sílaba.” “É estranho, mas eu amo essas aulas, é algo que faz parte da minha vida. As pessoas que contracenam comigo e os que aprendem juntos me preenchem. O nosso país é muito pobre em cultura, não por falta de talento, mas de incentivo. O que a escola, e os professores estão fazendo por nós é muito legal e nos ajuda a entender melhor a nossa cultura! Aprender é importante, mas com arte é muito melhor. Eu estou aprendendo muitas coisas como falar a palavra inteira sem engolir a última sílaba (como diz a professora). Também estou aprendendo a me comunicar melhor e um pouco da cultura do sertão”. “Eu cuido da música da peça e estou gostando muito. Já escolhi e estou ensaiando com o grupo. Vamos misturar músicas dos contos de fada com músicas nordestinas. Fizemos uns arranjos bem diferentes. Também estamos montando a sonoplastia, que será ao vivo. A sonoplastia ajuda a criar um clima nas cenas. Os ritmos e as letras devem estar de acordo com o que está acontecendo com os personagens.”

4 Os nomes dos alunos não serão citados a fim de preservar a identidade de cada um.

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“Eu e meu grupo estamos fazendo o cenário e os figurinos. Estamos desenhando. Não queremos que as princesas sejam iguaizinhas as das historinhas, vamos fazer da mesma cor, mas com modelos diferentes. O cenário é a Patrícia que inventou, ela desenha muito bem. Mas todos nós vamos pintar porque vai ser bem grande. De um lado vai ser um palácio e do outro a caatinga, retratando o sertão. Vamos desenhar no algodão cru e pintar com tinta de tecido. Nós ficamos mais unidos depois que começamos o trabalho, a classe inteira está muito feliz porque vamos mostrar que somos capazes de fazer arte.” Trechos onde se percebe claramente o desenvolvimento das Inteligências Intra e Interpessoais, associadas ao trabalho em grupo proporcionado pelo teatro e pelos jogos. “...aprender a ser uma pessoa educada, me aproximando dos meus amigos e da minha escola e ainda conhecendo outras pessoas como a professora e outros colegas que são grandes pessoas...” “...É bom para aprender e ensinar o que sabemos com os nossos professores e colegas de peça. Além da atenção e importância que eles demonstram pra gente, transmitindo que nós somos capazes...” “...E a cada dia mais de aula eu aprendo com a vida e estou crescendo. E isso pra mim é ótimo!” “...Tenho vergonha, mas vou perder com o tempo...” “...Nós ficamos mais unidos depois que começamos o trabalho, a classe inteira está muito feliz porque vamos mostrar que somos capazes de fazer arte...” Trechos onde é possível observar a ideia de aprendizagem como experiência, vivência, permitindo inferir que é possível construir outra forma de aprender, muito mais significativa. As oportunidades estão abertas para o estímulo de todas as inteligências, uma vez que, motivados os alunos são atraídos pelo conhecimento. "...está sendo uma experiência nova que gostei de participar..." "...pois está sendo uma nova experiência para mim e para a escola..." “...O que a escola, e os professores estão fazendo por nós é muito legal e nos ajuda a entender melhor a nossa cultura! Aprender é importante, mas com arte é muito melhor...” Trechos onde é possível perceber a estimulação da Inteligência Linguística e do Ponto de Concentração (POC) através dos jogos teatrais “...Eu aprendi a falar melhor e ter menos vergonha de dizer as coisas. Também não engulo mais a última sílaba...” “...Eu estou aprendendo muitas coisas como falar a palavra inteira sem engolir a última sílaba (como diz a professora). Também estou aprendendo a me comunicar melhor...” Trecho que retrata a estimulação das Inteligências Musical, Intra e Interpessoais associadas à sonoplastia e interpretação das cenas e características dos personagens. “Eu cuido da música da peça e estou gostando muito. Já escolhi e estou ensaiando com o grupo. Vamos misturar músicas dos contos de fada com músicas nordestinas. Fizemos uns arranjos bem diferentes. Também estamos montando a sonoplastia, que será ao vivo. A sonoplastia ajuda a criar um clima nas cenas. Os ritmos e as letras devem estar de acordo com o que está acontecendo com os personagens.” Trechos que refletem o estímulo direto às Inteligências Espacial e Corporal Cinestésica.

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“...O cenário é a Patricia que inventou, ela desenha muito bem. Mas todos nós vamos pintar porque vai ser bem grande. De um lado vai ser um palácio e do outro a caatinga, retratando o sertão. Vamos desenhar no algodão cru e pintar com tinta de tecido...” “...Estamos desenhando. Não queremos que as princesas sejam iguaizinhas as das historinhas, vamos fazer da mesma cor, mas com modelos diferentes”. “...conhecer outras realidades, de outros tempos e lugares...” Considerações sobre um trabalho que ainda não terminou... Desde o início do trabalho com os alunos, no mês de abril, foi possível observar que

a associação entre as duas teorias citadas neste artigo, em unicidade pedagógica na sala

de aula, trouxe grandes benefícios aos envolvidos nesse processo de ensino aprendizagem

em experimentação tanto no que se refere aos conteúdos curriculares como aos conteúdos

atitudinais, refletindo-se num todo capaz de motivar a compreensão de qualquer área de

conhecimento. Como foi possível perceber através dos depoimentos, os alunos ampliaram

os conhecimentos em relação aos conteúdos propostos no Currículo Oficial do Estado de

São Paulo em relação às Linguagens artísticas e estão conseguindo aplicá-los na prática

escolar. Vale destacar:

• Maior entendimento sobre dramaturgia através da adaptação do texto escolhido para

ser representado;

• Experiências com jogos teatrais, demonstrando aprimoramento de dicção, postura

cênica, contato com outra realidade, valorização da cultura e da Arte;

• Ampliação de conhecimentos sobre a História do Teatro;

• Desenvolvimento de noções sobre os elementos estéticos do teatro (cenografia,

figurino e adereços, sonoplastia e iluminação) e aplicação prática desses elementos

realizando estudos e pesquisas de épocas e lugares diferentes;

• Noções de produção teatral através da busca de patrocínios, de pesquisa de preços,

realização de orçamentos e administração financeira;

• Conhecimentos específicos de atuação “no palco” e na plateia.

Em relação aos conteúdos atitudinais, vale destacar ainda:

• Respeito às regras e horários, impostos pelos ensaios, estudos e pesquisas;

• Interação com os colegas, respeitando o espaço e as limitações de cada um;

• Aprimoramento das relações intra e interpessoais;

• Elevação da autoestima, responsabilidade e disciplina;

• Ampliação de repertórios em várias áreas do conhecimento.

A reflexão em torno de todos esses fatores, considerados relevantes na

construção/ampliação do conhecimento integral dos alunos envolvidos, remete à ideia da

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prof. Rita Bredarioli (BREDARIOLLI, 2011, p.5) “... entender nossas ações integradas com

nossas concepções e com nosso entorno, em relação dialógica... Se não prestarmos

atenção a essa articulação corremos o risco de viver sob o automatismo, a fragmentação, a

incoerência, o cansaço, a frustração, a falta de sentido.”

Se as ações forem descontextualizadas e desprovidas de realidade não produzem

nenhum tipo de aprendizagem. Faz-se necessário uma nova consciência educacional onde

as articulações com o mundo sejam valorizadas, sejam elas sociais, econômicas e/ou

culturais. Somente esta “relação dialógica” pode formar cidadãos que não apenas passarão

pela vida, mas farão parte dela!

A escola e os alunos, vivenciando um momento difícil no seu interior e no seu

entorno, não poderiam simplesmente aceitar a condição de “escola difícil, com problemas”...

Era preciso uma atitude por parte da equipe escolar como um todo para que essa situação

fosse revertida, e está acontecendo! E isso é o que surpreende nesse trabalho!

Bibliografia ANTUNES, Celso. As inteligências múltiplas e seus estímulos. São Paulo: Papirus, 1998. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Temas de Filosofia. Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins. São Paulo: Moderna, 1992. BREDARIOLLI, Rita Luciana Berti. Metodologias para ensino e aprendizagem de arte. Texto do material didático do Curso de Especialização a Distância em Artes da Rede São Paulo de Formação Docente. São Paulo: Redefor, 2011. GALL, Frans Joseph. Untersuchungen ueber die Anatomie des Nervensystems ueberhaupt, und des Gehirns insbesondere. Franz Joseph Gall e Johann Spurzheim Paris e Strasburg, ed. Treuttel e Würtz, 1809, reedição 2001. GARDNER, Howard. Estruturas da mente. São Paulo: Artes Médicas,1994. KOUDELA, Ingrid Dormien. Jogos teatrais. São Paulo: Perspectiva, 1998. PIAGET, Jean. A equilibração das estruturas cognitivas. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 1998. _____________. Jogos teatrais: o fichário de Viola Spolin. Trad. Ingrid Dormien Koudela. São Paulo: Perspectiva, 2001. Cristina Aparecida Zaniboni Antonelli

Possui graduação em Educação Artística pela Universidade de Marília com habilitação em Desenho (1987) e graduação em Artes Cênicas pela Universidade do Sagrado Coração (Bauru - 1999). É especialista em Teatro pela Universidade do Sagrado Coração (Bauru -2001) e Mestre em Comunicação pela Universidade de Marília (2006). Possui experiência em direção teatral e dramaturgia. Autora de várias peças de teatro infantis e infanto-juvenis e co-autora do livro “Interfaces

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Midiáticas: do teatro ao cinema” pela Editora Arte & Ciência (2007), juntamente com a Dra. Elêusis Miriam Camocardi, citado como referência pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo no Programa Cultura é currículo: o cinema vai à escola. Foi coordenadora e professora no curso de graduação em Arte das Faculdades Integradas de Ourinhos no período de 2003 a 2010 e consultora pedagógica do Projeto “Cidade Encena”, promovido pela Fundação Educacional Miguel Mofarrej no ano de 2011. Pós-graduada em Arte Educação pela UNESP (2011). Atualmente trabalha como Coordenadora de Arte do Núcleo Pedagógico na Diretoria de Ensino da Região de Ourinhos, onde coordena o Festival “Escola em cena” desde 2003. É co-autora do currículo de Arte para as séries iniciais da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Em elaboração – 2011, 2012). E-mail: [email protected]