hospitalidade at

15
Hospitalidade Um Olhar sobre o Estrangeiro no Antigo Testamento Autor : Prof. Roberto Rohregger Bacharel Teologia (B.Th) FEPAR e SEMIBC

Upload: rroberto

Post on 07-Jun-2015

1.515 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Teologia, Antigo Testamento, Estrangeiro, hospitalidade

TRANSCRIPT

Page 1: Hospitalidade At

Hospitalidade

Um Olhar sobre o Estrangeiro no Antigo Testamento

Autor : Prof. Roberto Rohregger

Bacharel Teologia (B.Th) FEPAR e SEMIBC

Page 2: Hospitalidade At

Introdução.............................................................................................................3

Um olhar estranho ao estrangeiro........................................................................4

A lei de hospitalidade........................................................................................7

Conclusão.............................................................................................................9

Bibliografia..........................................................................................................11

2

Page 3: Hospitalidade At

Introdução

Poderíamos identificar o Pentateuco como o livro da constituição de um povo, nele

vemos o inicio da sua história e a formação da sua identidade.

A orientação de Deus na formação desta literatura é patente e requerida várias

vezes. Poderíamos dizer então que o Pentateuco seria a alma do povo hebreu?

Nele podemos ver o inicio da constituição de um grupo, que posteriormente viria a

constituir um povo, podemos ver a ação de Deus para reuni-los como uma nação.

Para manter e forjar a identidade de um povo faz-se necessárias regras, regras

estas que surjam efeito na união do povo, criando uma identidade própria e

assegurando a manutenção deste povo e sua subsistência.

Como foi forjada a sua identidade?

Normam K. Gottwald deixa isso claro em As tribos de IAHWEH1 :

“O objetivo imediato da narração dos temas históricos era reforçar e

objetivar a unidade constitucional e ideológica do povo, fornecendo-

lhe uma tipologia da libertação das ações repetitivas de libertar e

guiar da divindade em proveito da comunidade.”

Nos temos nos cinco primeiros livros da Bíblia, a história e as orientações para a

formação, união e organização do povo judeu, estes aspectos foi mantida pela

tradição oral e posteriormente escrita deste povo, esta era sua identidade, mesmo

quando já não possuíam uma terra.

Cabe-nos então neste trabalho analisar qual o significado e qual o tratamento

dado ao estrangeiro, e como funcionava a hospitalidade e a receptividade ao

estrangeiro pela perspectiva do Pentateuco.

1 Gottwald, Norman K. – As Tribos de YAHWEH – pg. 106 – Ed. Paulinas - 1986

3

Page 4: Hospitalidade At

Um olhar estranho ao estrangeiro.

Temos em Gênesis uma das primeiras referencias de inclusão, neste momento

muito necessária, de estrangeiros na comunidade primitiva, ou melhor na família

de Abraão, já havia neste momento a promessa de que este seria o “pai” de uma

grande nação, neste momento podemos dizer que esta nação estava sendo criada

com estrangeiros, como podemos ler em Gênesis 17:12, “O que tem oito dias

será circuncidado entre vós, todo macho nas vossas gerações, tanto o escravo

nascido em casa como o comprado a qualquer estrangeiro, que não for da tua

estirpe.”

Temos então uma estrutura patriarcal, formada agora por uma grande família, com

a promessa de ser uma grande nação, talvez estejamos errados em pensar que a

nação de Israel somente passou a existir, necessariamente com o nascimento de

Isaque, assim também relata Bright:2:

“(...)Alem disso eram um grupo misto e não descendentes todos eles

de Jacó (o grupo do Êxodo). Havia uma “multidão mista” (EX.12,38;

Nm 11,4) com eles. Conseqüentemente, o seu numero era

considerável. Está multidão provavelmente era constituída de escravos

fugitivos, talvez ‘Apiru talvez mesmo egípcios (Lv 24,10). (...)”

Apesar desta “inclusão”, a estrutura do grupo de Abraão era semelhante a como

qualquer outro grupo de nômades, onde os escravos e seus filhos constituíam

como que a família estendida do líder.

Neste momento o que era vital para a formação da nação era que o estrangeiro

deixasse de ser estrangeiro e se unisse a esta nação em formação, e a porta de

entrada para isso era a circuncisão, como podemos ver em Êxodo 12:48:

2 Bright, J. – História de Israel – Ed. Paulus, pg 171

4

Page 5: Hospitalidade At

“Porém, se algum estrangeiro se hospedar contigo e quiser celebrar

a Páscoa do SENHOR, seja-lhe circuncidado todo macho; e, então,

se chegará, e a observará, e será como o natural da terra; mas

nenhum incircunciso comerá dela”.

No decorrer da história de Israel esta separação entre os Judeus e o estrangeiro

fica cada vez mais latente, a ponto de toda teologia da salvação tornar-se

propriedade exclusiva, e desta forma temos a exclusão do estrangeiro de qualquer

possibilidade de partilhar desta religiosidade sem tornar-se judeu, como afirma A.

N. Mesquita em seu comentário bíblico3 :

“Foi esta concepção nacionalística dos judeus que fez com que

considerassem todos as demais povos como excluídos do privilégio

de comunhão com Deus e checassem a ponto de julgar que a

salvação era propriedade da raça preferida”

Cabe aqui ressaltarmos um questionamento com relação a esta posição dúbia no

inicio da formação da nação de Israel, havia uma necessidade de inclusão do

estrangeiro, mas ao mesmo tempo começa a haver um receio com relação a

pureza do povo, este questão é levantada por Gottwald4

“Teria claro o papel do estrangeiro como inimigo? Uma vez que a

constituição da nação necessitava de uma compctação

ideológica/religiosa a massa que juntaria esse povo novamente seria

a constituição de uma nação “pura” formada por um povo eleito que

depositava na aliança a suas esperanças de futuro? O estrangeiro

representaria então um papel ao mesmo tempo agregador ( que

serveria para identificar quem pertencia ao povo hebreu) e

3 Mesquita, A. N. – Comentários Gênesis – Bíblia Soft.4 Gottwald, Norman K. – As Tribos de YAHWEH –– Ed. Paulinas 1ª edição, pg 234

5

Page 6: Hospitalidade At

desagregador uma vez que sua inclusão poderia minar a formação

cultural/religiosa desse mesmo povo??”

Então temos a identificação do estrangeiro como alguém que “não pertence”,

apesar de muitas vezes ele estar convivendo na mesma sociedade, na mesa

cidade e poderem até desfrutar da hospitalidade, eles continuam sendo gerîm,

como explica Roland de Vaux 5:

“Além dos israelitas livres, que formavam o “povo da terra”, e os

estrangeiros de passagem, que podem contar com os costumes da

hospitalidade, mas que não podem desfrutar da proteção da lei, Dt.

15.3; 23.21, uma parte da população é composta por estrangeiros

residentes, os gerîm. (...) O ger é essencialmente o estrangeiro que

vive de forma mais ou menos estável em meio a outra comunidade

em que é aceito e usufrui de certos direitos.

(...) Quando os israelitas, estabelecidos em Canaã, consideravam-

se como os possuidores legítimos da terra, como “povo da terra”,

então os antigos habitantes, não assimilados por casamentos nem

reduzidos à escravidão, tornan-se os gerîm, aos quais se

acrescentam os imigrantes.”

Temos então neste aspecto a sociedade israelita dividida em estrangeiros,

escravos e o “povo da terra” os próprios judeus e esta divisão concedia

“privilégios” claros aos “da terra”:

“Do ponto de vista social, esses estrangeiros residentes são homens

livres, e se opõem, portanto, aos escravos, mas não têm todos os

direitos cívicos, de modo que se contrapõem também aos cidadãos

israelitas. Pode-se compará-los com os perioikoi de Esparta.6

5 Vaux, R. de – Instituições de Israel no Antigo Testamento. – Editora Vida Nova, 1 ª edição, pg 986 , Os habitantes o Peloponeso que conservavam sua liberdade, podiam ter posses, mas não tinham direitos políticos.

6

Page 7: Hospitalidade At

Contudo os gerîm de Israel eram, primitivamente, menos

favorecidos. A propriedade imobiliária ficava em poder dos isrelitas,

os gerîm eram forçados a arrendar seus serviços, Dt 24.14”7

Podemos ver desta forma claramente a separação entre o povo da terra e os

estrangeiros, inclusive impossibilitando o acesso aos meios de produção, no caso

da terra, que ficava nas mãos dos israelitas.

A lei de hospitalidade

Porém contrapondo-se a esta visão mais repulsiva ao estrangeiro, existia como

existe até hoje entre os povos nômades, uma grande hospitalidade ao estrangeiro

que está de passagem, para os povos do deserto, em que a solidão e a distância

faziam parte da sua vida, a hospitalidade, tanto a oferecendo, como usufruindo, é

uma necessidade, que acabou virando uma virtude:

“(....) O hospede é sagrado; recebe-lo é uma honra disputada (...).O

forasteiro pode desfrutar dessa hospitalidade durante três dias e,

quando vai embora, ainda lhe é devida proteção, cuja duração é

variável: em algumas tribos “até que tenha saído do seu ventre o

sal que comeu”, nas grandes tribos como os Rwala da Sérvia, por

mais outros três dias e em um raio de 150 quilômetros.”8

A hospitalidade torna-se desta forma a expressão cultural de um povo, que é

assimilado pela necessidade do seu próprio modo de vida, poderia se pensar

então que quando se abandona a vida nômade este costume morre também, mas

não é isso que ocorre :

7 Vaux, R. de – Instituições de Israel no Antigo Testamento. – Editora Vida Nova, 1 ª edição, pg 99

8 Vaux, pg 29

7

Page 8: Hospitalidade At

“No mundo bíblico, a hospitalidade era uma virtude altamente

valorizada, especialmente entre aqueles que viviam como nômades.

Deste modo, um viajante podia evitar as antigas estalagens, sempre tão

infestadas de ladrões e prostitutas. Desse modo, ele conseguia abrigo,

alimento e descanso. Em alguma outra ocasião, chegaria a sua vez de

retribuir à hospitalidade. (..) A hospitalidade, entre os povos nômades,

foi preservada em Israel, mesmo depois da conquista da Terra

Prometida, e que os israelitas deixaram de vaguear. A hospitalidade

servia de meio de intercomunicação entre culturas diferentes.(...)”9

Essa forma de hospitalidade acaba adquirindo formatos especiais, uma vez que o

acolhedor assume a proteção e o bem estar do acolhido, enquanto estive sob sua

guarda, e isto fica claro, conforme nos relata Vicente de Paulo Ferreira, professor

da UNIVALE- Universidade Vale do Rio Doce:

“Lembremo-nos da passagem: Abraão vê três homens e insiste que eles se

hospedem em sua tenda, oferece-lhes as melhores provisões, como era

devido a hóspedes de honra. Este é o fundamento da hospitalidade

abraâmica. É o que faz Ló, quando insiste em receber em sua casa os

mensageiros de Deus. Mais ainda: responsabiliza-se por eles, coloca-os

acima da segurança de suas filhas quando são ameaçados. É o princípio da

hospitalidade abraâmica que está sendo colocado em prática. Uma

hospitalidade incondicional. Por isso, sem o saber, hospedaram a anjos.

            Esta prática se espalha pelo Antigo Testamento. Reuel reclama da

atitude de suas filhas por não convidarem o estranho (o egípcio Moisés)

para comer pão em sua casa. Manoá (Jz 13.15) se mostra imensamente

alegre e quer dar ao seu hóspede o que de melhor tem em sua casa. Os

moabitas e amonitas são duramente condenados por não trazerem pão e

água para os israelitas quando de sua caminhada pelo deserto rumo à terra

de Canaã (Dt 23.4), contrariando o princípio da hospitalidade. Mesmo em

9 Champlin, R. N. – Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia, Ed. Hagnos, pg169 (vol. 3)

8

Page 9: Hospitalidade At

Gibeá, onde não houve esse espírito de hospitalidade para com o levita e

sua concubina que entram na cidade e têm que ficar na praça, um homem

idoso os leva para a sua casa. O que ocorre depois – a agressão que sofrem

– ratificam a atitude de uma comunidade que não se comprometeu com a

prática da hospitalidade. A ação do homem idoso revela, ao contrário, o

compromisso com o espírito de acolhida ao estrangeiro. Muitos outros

exemplos poderiam ser listados.

            Dessa prática resulta a recomendação legal de amar o estrangeiro

(Dt 10.4).   Portanto, a prática da hospitalidade abraâmica é incondicional.

Não resulta de uma afinidade étnica, nacional ou cultural, nem mesmo de

um mandamento legal. Tem como fundamento um princípio ético,

espiritual e de exercício de amor ao próximo.10

Conclusão

Desta forma temos então o estrangeiro como visitante, que está de passagem,

que acaba tendo uma posição diferente do estrangeiro que vive entre o povo local,

há nestes dois aspectos diferenças de solidariedade; auxílio para o estrangeiro

que esta de passagem, para o que vive no local, uma separação, diferenciação e

até exploração.

Notamos que com o movimento de fixação na terra, apesar da hospitalidade ainda

ser mantida quanto ao seu aspecto de receptividade, isso acaba ocorrendo com

menos força,

Porém essa mesma hospitalidade vai ser requerida e relembrada em muitas

ocasiões não somente no decorrer do Antigo Testamento, como muitas vezes no

Novo Testamento.

10 Da hospitalidade - http://www.metodista.com/cemetre/artigos/da_hospitalidade.htm - autor : Vicente de Paulo Ferreira

9

Page 10: Hospitalidade At

Creio que temos muito que aprender com a hospitalidade como era praticada e

requerida no Pentateuco, ser hospitaleiro é servir e preocupar-se com o bem estar

do hospede, e ter a responsabilidade pelo seu bem estar enquanto sob o seu teto.

Bibliografia

Bright, J. – História de Israel – Ed. Paulus, 2ª edição – 1980 – São Paulo,SP

Champlin, R. N. – Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia - Ed. Hagnos, 5ª Edição – 2001 – São Paulo, SP.

Gottwald, Norman K. – As Tribos de YAHWEH –– Ed. Paulinas 1ª edição – 1986 – São Paulo, SP

10

Page 11: Hospitalidade At

Vaux, Roland de, - Instituições de Israel no Antigo Testamento – Ed. Vida Nova, 1ª Edição – 2004 – São Paulo, SP

Comentário Antonio Neves de Mesquita, Bíblia Soft.

Vaux, R. de – Instituições de Israel no Antigo Testamento. – Editora Vida Nova, 1ª edição – 2004 – São Paulo, SP.

Sites :

Da hospitalidade - http://www.metodista.com/cemetre/artigos/da_hospitalidade.htm - autor : Vicente de Paulo Ferreira.

11