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HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA 1 Cristianno Pasqualini da Rosa Dulcelene Rocha Eloísio Silva Hilária Rojas Franco Morgiana Kendra Wanessa Hipolito A decisão proferida pelo Poder Judiciário de um país, a princípio não produz efeitos em outro Estado soberano, porque uma das manifestações da soberania é o fato do Poder Judiciário do próprio país ser o responsável pela resolução dos conflitos de interesses. Assim, uma decisão proferida pela Justiça dos EUA ou de Portugal, por exemplo, não tem força obrigatória no Brasil, considerando que, por sermos um país soberano, a função de dizer o direito é atribuída ao Poder Judiciário brasileiro. Pode ser necessário, no entanto, que uma decisão no exterior tenha que ter eficácia no Brasil. Para que isso ocorra é necessário que tal decisão passe por um processo de “reconhecimento” ou “ratificação” feito pela Justiça brasileira. Este “[...] processo de homologação de sentença estrangeira visa aferir a possibilidade de decisões estrangeiras produzirem efeitos dentro da ordem jurídica nacional 2 ”. Somente após esta homologação, a sentença estrangeira terá eficácia no Brasil. Como ressalta Paulo Portela, “uma vez homologada, a sentença poderá produzir os mesmos efeitos de uma sentença nacional 3 ”. No Brasil, o órgão competente para análise e homologação de sentenças estrangeiras é o Superior Tribunal de Justiça: CF. Art. 105 - Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: [...] i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias; 1 Trabalho apresentado à disciplina “Processo Civil V” no período 2013/2. Professor Nilton Cesar Antunes da Costa. 2 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008 3 Direito internacional público e privado. Salvador: Juspodivm, 2010.

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HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA1

Cristianno Pasqualini da Rosa Dulcelene Rocha

Eloísio Silva Hilária Rojas Franco

Morgiana Kendra Wanessa Hipolito

A decisão proferida pelo Poder Judiciário de um país, a princípio não produz

efeitos em outro Estado soberano, porque uma das manifestações da soberania é o

fato do Poder Judiciário do próprio país ser o responsável pela resolução dos conflitos

de interesses. Assim, uma decisão proferida pela Justiça dos EUA ou de Portugal, por

exemplo, não tem força obrigatória no Brasil, considerando que, por sermos um país

soberano, a função de dizer o direito é atribuída ao Poder Judiciário brasileiro.

Pode ser necessário, no entanto, que uma decisão no exterior tenha que ter

eficácia no Brasil. Para que isso ocorra é necessário que tal decisão passe por um

processo de “reconhecimento” ou “ratificação” feito pela Justiça brasileira. Este “[...]

processo de homologação de sentença estrangeira visa aferir a possibilidade de

decisões estrangeiras produzirem efeitos dentro da ordem jurídica nacional2”.

Somente após esta homologação, a sentença estrangeira terá eficácia no Brasil.

Como ressalta Paulo Portela, “uma vez homologada, a sentença poderá produzir os

mesmos efeitos de uma sentença nacional3”.

No Brasil, o órgão competente para análise e homologação de sentenças

estrangeiras é o Superior Tribunal de Justiça:

CF. Art. 105 - Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: [...] i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias;

1 Trabalho apresentado à disciplina “Processo Civil V” no período 2013/2. Professor Nilton Cesar Antunes da Costa. 2 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008 3 Direito internacional público e privado. Salvador: Juspodivm, 2010.

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O STJ passou a ser competente para homologar sentenças estrangeiras por

força da EC 45/04. Antes desta alteração, a competência era do STF.

Há de se ter cuidado ao ler o art. 483 do CPC porque ele menciona o STF, mas

tal previsão foi revogada pela EC 45/04, que previu o STJ como órgão jurisdicional

competente para homologação de sentença estrangeira:

CPC. Art. 483 - A sentença proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de homologada pelo Supremo Tribunal Federal. Parágrafo único - A homologação obedecerá ao que dispuser o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Atualmente, a homologação de sentença estrangeira é regulamentada pela

Resolução n. 9/2005 do STJ.

Após esta homologação, caso seja necessária a execução da sentença

estrangeira, isso será de competência da Justiça Federal de 1ª instância4. A execução

é feita por meio de carta de sentença extraída dos autos da homologação e obedecerá

às regras estabelecidas para a execução da sentença nacional da mesma natureza5.

As decisões interlocutórias e os despachos de mero expediente proferidos pela

Justiça de outros países não são homologáveis, por não terem natureza de sentença,

e sim de meros atos processuais, que devem ser cumpridos no Brasil por meio de

carta rogatória. Vale ressaltar, no entanto, que, “serão homologados os provimentos

não-judiciais que, pela lei brasileira, teriam natureza de sentença” (art. 4º, § 1º, da

Resolução n. 9/2005 do STJ). É o caso dos atos que no exterior são decididos por

meio de autoridade administrativa, mas no Brasil são objeto de decisão judicial. As

sentenças estrangeiras poderão, ainda, ser homologadas apenas parcialmente6.

A ação de homologação de sentença estrangeira é ação de conhecimento que

visa uma sentença constitutiva (sendo esta a posição dominante também na doutrina

estrangeira). Existem, porém, entendimentos (minoritários) na doutrina brasileira de

se tratar de procedimento de jurisdição voluntária.

O STJ não deverá julgar novamente a demanda já decidida e julgada no

exterior, mas somente apreciar os requisitos necessários para que se homologue a

sentença estrangeira.

4 Vide CF, art. 109, X. 5 CPC. Art. 484 - A execução far-se-á por carta de sentença extraída dos autos da homologação e obedecerá às regras estabelecidas para a execução da sentença nacional da mesma natureza 6 § 2º do art. 4º da Resolução n. 9/2005 do STJ.

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(...) Este Tribunal exerce juízo meramente delibatório nas hipóteses de homologação de sentença estrangeira; vale dizer, cabe ao STJ, apenas, verificar se a pretensão atende aos requisitos previstos no art. 5º da Resolução STJ n. 9/2005 e se não fere o disposto no art. 6º do mesmo ato normativo. Eventuais questionamentos acerca do mérito da decisão alienígena são estranhos aos quadrantes próprios da ação homologatória. (AgRg na SEC 6.948/EX, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 17/12/2012)

(...) Assim, sentença estrangeira que não viola a soberania nacional, os bons costumes e a ordem pública e que preenche as condições legais deve ser homologada. (SEC 6.923/EX, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 19/06/2013)

Para que a sentença estrangeira seja homologada é necessário que:

I – a sentença tenha sido proferida no exterior por autoridade competente;

II – as partes tenham sido citadas ou que tenha havido legalmente a revelia;

III – tenha havido o trânsito em julgado da sentença7; e

IV – a sentença estrangeira esteja autenticada pelo cônsul brasileiro e

acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil.

V – a sentença estrangeira não viole a soberania nacional, os bons costumes

e a ordem pública (a sentença estrangeira também não poderá violar uma sentença

brasileira transitada em julgado porque haveria aí uma afronta à soberania nacional).

No art. 88 do CPC, são previstas matérias que podem ser julgadas tanto no

Brasil como também por tribunais estrangeiros:

Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando: I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; III - a ação se originar de fato ocorrido ou de fato praticado no Brasil. Parágrafo único. Para o fim do disposto no nº I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.

A sentença proferida no estrangeiro a respeito de tais temas será eficaz no

território brasileiro após ser homologada pelo STJ. Mesmo que o tema já tenha sido

decidido no exterior, enquanto esta sentença estrangeira não for homologada pelo

STJ, a Justiça brasileira pode julgar a mesma questão proferindo, inclusive, veredito

7 Súmula 420, STF: Não se homologa sentença proferida no estrangeiro sem prova do trânsito em julgado

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contrário ao que foi deliberado na Justiça alienígena. Isso porque esta sentença

estrangeira ainda não produz efeitos no Brasil. Assim, é possível que existam duas

demandas: uma aqui e outra no estrangeiro. O art. 90 trata desta hipótese:

CPC. Art. 90. A ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas.

Se existirem duas sentenças sobre a mesma causa (uma no exterior e outra no

Brasil) e elas forem contraditórias, valerá a decisão em que primeiro tiver ocorrido o

trânsito em julgado:

(...) Segundo o sistema processual adotado em nosso País em tema de competência internacional (CPC, arts. 88 a 90), não é exclusiva, mas concorrente com a estrangeira, a competência da Justiça brasileira para, entre outras, a ação de divórcio, de alimentos ou de regime de guarda de filhos, e mesmo a partilha de bens que não sejam bens situados no Brasil. Isso significa que "a ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas" (CPC, art. 90) e vice-versa. 2. Por isso mesmo, em casos tais, o ajuizamento de demanda no Brasil não constitui, por si só, empecilho à homologação de sentença estrangeira (...), sendo que a eventual concorrência entre sentença proferida pelo Judiciário brasileiro e decisão do STJ homologando sentença estrangeira, sobre a mesma questão, se resolve pela prevalência da que transitar em julgado em primeiro lugar. (...) (SEC 4.127/EX, Rel. p/ Ac. Min. Teori Albino Zavascki, Corte Especial, julgado em 29/08/2012)

A comparação de trânsitos em julgado será entre a ação que tramitou no Brasil

e a ação que buscou o reconhecimento da sentença estrangeira:

Situação 1: se a sentença estrangeira for homologada pelo STJ antes que tenha havido trânsito em julgado no Brasil, a Justiça brasileira não mais poderá

julgar a causa (o processo aqui será extinto sem resolução do mérito por ofensa à

coisa julgada material – art. 267, V, do CPC). Valerá a sentença estrangeira

homologada.

Situação 2: por outro lado, se a sentença brasileira transitar em julgado antes da homologação da sentença estrangeira, o STJ não poderá mais homologá-

la já que havia ofensa à coisa julgada: (...) Impede a homologação de sentença estrangeira referente à guarda de filhos menores a superveniência de decisão de autoridade judiciária brasileira proferida contrariamente àquela que se pretende homologar, visto não

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poderem subsistir dois títulos contraditórios, em manifesta afronta à soberania da jurisdição nacional. Precedentes desta Corte e do STF. (...) (SEC 8.451/EX, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 15/05/2013).

Situação 3: se a sentença brasileira ainda não tiver sido transitado em julgado, não há óbice em se homologar sentença estrangeira que tenha o mesmo

objeto: A existência de ação ajuizada no Brasil com as mesmas partes, com o mesmo pedido e com a mesma causa de pedir não obsta a homologação de sentença estrangeira transitada em julgado. Hipótese de competência concorrente (arts. 88 a 90 do Código de Processo Civil), inexistindo ofensa à soberania nacional. (AgRg na SE 4.091/EX, Rel. Min. Ari Pargendler, Corte Especial, julgado em 29/08/2012)

O art. 89 do CPC prevê determinadas competências que são exclusivas da

autoridade judiciária brasileira. Isso significa que o ordenamento nacional só admite

que sejam decididas pelo Poder Judiciário brasileiro. Logo, se houver sentença

estrangeira sobre tais temas, ela nunca poderá ser homologada pelo STJ, não

produzindo efeitos no Brasil:

Art. 89. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra: I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil; II - proceder a inventário e partilha de bens (móveis ou imóveis), situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.

Procedimento de homologação da sentença estrangeira

1. Petição inicial: A parte interessada apresenta uma petição inicial ao

Presidente do STJ requerendo a homologação. A petição inicial deverá obedecer ao

disposto no art. 282 do CPC e ser instruída com a certidão ou cópia autêntica do texto

integral da sentença estrangeira e com outros documentos indispensáveis,

devidamente traduzidos e autenticados.

2. Citação da outra parte interessada: A outra parte interessada na sentença

será citada para, no prazo de 15 dias, contestar o pedido de homologação.

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3. Conteúdo da contestação: A defesa apresentada somente poderá alegar que

os documentos juntados não são autênticos, que a inteligência (interpretação) dada à

sentença não está correta ou que a sentença não atende aos requisitos da Resolução

n. 9/2005 do STJ.

4. Competência: Se o pedido de homologação da sentença estrangeira não for

contestado, a competência para realizá-la é do Presidente do STJ. Havendo

contestação, o processo será distribuído para julgamento pela Corte Especial,

cabendo ao Relator os demais atos relativos ao andamento e à instrução do processo.

Tutela de urgência Durante a tramitação do processo de homologação, o Presidente

do STJ ou o Relator sorteado poderão determinar medidas de urgência caso se

mostrem necessárias.

5. Ministério Público: O Ministério Público terá vista dos autos nas cartas

rogatórias e homologações de sentenças estrangeiras, pelo prazo de 10 dias,

podendo impugná-las.

6. Recurso: As decisões proferidas pelo Presidente do STJ na homologação de

sentença estrangeira poderão ser impugnadas mediante agravo regimental.

7. Execução: A sentença estrangeira homologada será executada por carta de

sentença, no Juízo Federal competente.

REFERÊNCIAS

GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 2ª edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012. MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008. MOUZALAS, Rinaldo. Processo Civil. 6ª edição. Salvador: Ed. JusPODIVM, 2013.