hobsbawm paper - globalização, democracia e terrorismo

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em História Disciplina: Poder e Hierarquizações Sociais Professor: Oswaldo Munteal Paper sobre o Livro Globalização, Democracia e Terrrorismo de Eric Hobsbawn por Hilbernon Maximiano da Silva Neto

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Paper sobre o livro Globalização, Democracia e Terrorismo

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Page 1: Hobsbawm Paper - Globalização, Democracia e Terrorismo

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Programa de Pós-Graduação em História

Disciplina: Poder e Hierarquizações Sociais

Professor: Oswaldo Munteal

Paper sobre o Livro

Globalização, Democracia e Terrrorismo

de Eric Hobsbawn

por

Hilbernon Maximiano da Silva Neto

Page 2: Hobsbawm Paper - Globalização, Democracia e Terrorismo

Introdução:

Publicado em 2007, Globalização, Democracia e Terrrorismo, na realidade é uma compilação de ensaios e palestras proferidas por Eric Hobsbawn, cujo conteúdo foi organizado em dez capítulos. Justamente por ser uma coletânea de textos esparsos e diversos, os temas e assertivas se repetem várias vezes ao longo de sua leitura, passando uma idéia de que Hobsbawm tornou-se repetitivo e superficial. Na nossa opinião este tipo de colocação é totalmente errônea. Em realidade, Globalização, Democracia e Terrrorismo pode ser considerado uma pequena pérola, onde um scholar de altíssimo porte, no ocaso de sua longa vida física, mas ainda lúcido e ativo, nos oferece pistas sobre pontos e aspectos do mundo contemporâneo que merecem ou ainda irão merecer considerações e reflexões mais profundas. Hoje, mais do à época de seu lançamento, Globalização, Democracia e Terrrorismo merece uma leitura atenta e apurada. O nosso objetivo neste paper foi destacar os pontos que achamos mais interessantes sobre dois temas extremamente atuais à luz dos últimos acontecimentos: guerra e xenofobia

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Logo na abertura, já no prefácio do livro, que reúne uma série de ensaios produzidos com o intuito de analisar a situação do mundo no início do terceiro milênio, Eric Hobsbawm faz uma reflexão sábia sobre o papel do historiador em relação à história contemporânea, que serve principalmente para aqueles que se interessam ou atuam no campo das Ciências Humanas como um todo. Para ele - que é considerado um dos mais influentes pensadores ainda vivo - o historiador ‘além de relembrar o que os outros esqueceram ou querem esquecer, deve tomar distância, tanto quanto possível, dos registros da época contemporânea e vê-los em um contexto amplo e com uma perspectiva mais longa’.

Com base nesta perspectiva histórica, i.e, os acontecimentos contemporâneos analisados sob a ótica do tempo de longa duração, Eric Hobsbawm em Globalização, Democracia e Terrrorismo se concentra em focalizar cinco questões que para ele requerem ‘um pensamento claro e bem informado’. São os seguintes conjuntos de questões:

•A questão genérica da guerra e da paz no século XXI;

•O passado e o futuro dos impérios globais;

•A natureza cambiante do nacionalismo;

•O futuro da democracia liberal;

•A questão da violência política e do terror.

Hobsbawm, afirma que todas estas questões acontecem em ‘um cenário mundial dominado por uma aceleração enorme e contínua da capacidade da espécie humana de modificar o planeta por meio de tecnologia e da atividade econômica e a globalização’. Em seguida, o autor enfatiza que infelizmente a questão ambiental decorrente desta impressionante capacidade de modificar o planeta ainda não produziu ‘um impacto significativo sobre os que tomam as decisões políticas’, pois para na opinião dele ‘a maximização do crescimento econômico continua a ser o objetivo dos governos e não existe ainda uma perspectiva realista para a questão do aquecimento global’.

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Com relação à afirmativa acima gostaria destacar que Hobsbawm opta por usar o termo governos, preferindo assim, uma forma mais genérica e vaga, evitando empregar por exemplo, a palavra regimes numa alusão direta aos sistemas políticos ou modos de produção (liberalismo versus socialismo histórico, ou, capitalismo versus comunismo).

Embora alerte que o livro não pretende abordar mais profundamente a questão da globalização, Hobsbawm, tece vários comentários sobre este processo e enxerga na globalização e seus desdobramentos a principal causa dos novos focos de tensão no século XXI.

Hobsbawm, também, deixa bem claro para o leitor, que a sua convicção política que implica em total desprezo pelo imperialismo continua a mesma: ‘seja o [imperialismo] das grandes potências que afirmam estar fazendo um favor às vítimas ao conquistá-las, seja o do homem branco que pressupõe, para si próprio e para os arranjos que faz, uma superioridade automática sobre as pessoas cuja pele tem outra cor’. Com base nesta convicção anti-imperialista e na constatação de que as últimas intervenções militares operadas pelas nações hegemônicas (Exemplos: Iraque e Afeganistão, mais recentemente; e Balcãs nos 90 do século passado) ocorreram sobre o pretexto de preservar ou impor os direitos humanos, ele cria o conceito que passa a chamar de ‘imperialismo dos direitos humanos’.

Embora reconheça que no mundo contemporâneo, determinadas circunstâncias, como nos casos de massacres e genocídios, justifiquem intervenções armadas de caráter humanitário, Hobsbawm, ao mesmo tempo alerta que não temos razão para nos sentirmos satisfeitos com os resultados destas intervenções, já que algumas ‘acabaram sendo longas, sangrentas, profundamente destrutivas e ainda prosseguem’[...]’sem perspectivas de conclusão’.

Em relação ainda aos impérios e suas respectivas pré-disposições para impor o modelo clássico de democracia ocidental e liberal, Hobsbawm, apresenta uma assertiva no mínimo interessante: ‘a democracia, os valores ocidentais e os direitos humanos não são como produtos tecnológicos de importação, cujos benefícios são óbvios desde o início, que são adotados de uma mesma maneira por todos que têm condições de usá-los, como uma pacífica bicicleta ou um mortífero AK 47, ou serviços técnicos, como aeroportos’.

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O que ele fala sobre as guerras, mais especificamente:

Eric Hobsbawm, ao longo do livro, dá continuidade as suas teses sobre guerras e logo na parte inicial apresenta números estarrecedores sobre o total de mortes causadas pelas guerras ocorridas no século XXI, segundo ele, estima-se que 187 milhões de pessoas morrem nestes conflitos.

Na sua análise sobre as guerras, outra colocação interessante. Ele, que nasceu em 1917, considera o período compreendido entre 1914 a 1945, em que tivemos as duas grande guerras mundiais, como um único período, que ele chama de ‘Guerra dos Trinta Anos’. E, que nos anos em que se seguiram à rendição japonesa, ocorreram mais uns quarenta anos de guerra fria. Hobsbawm cita Hobbes para justificar este conceito, lembrando ao leitor que, quando o grande filósofo Inglês afirma que a guerra é algo que não consiste apenas em combates e batalhas, mas também refere-se ao ‘lapso de tempo em que a vontade de travar batalhas é suficientemente conhecida’. Hobsbawm é definitivo: ‘o mundo não teve paz desde 1914 e não está em paz agora’.

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Continuando sua análise sobre a questão da guerra e da paz no século XX, por uma questão de método, Hobsbwan divide o século passado em três períodos cronologicamente organizados:

• Período I: A Era da Guerra Mundial, Centrada na Alemanha (1914-1945);• Período II: A Era da Confrontação Entre as Duas Superpotências (1945-1989);• Período II: Era Posterior ao Fim do Sistema Clássico de Poder Internacional.

Hobsbawm enfatiza que a distribuição geográfica destes conflitos é profundamente desigual, pois exceto a Guerra do Chaco, não ocorreram conflitos entre países nas Américas no Século XX, caracterizando um período de tempo ‘sem que exércitos estrangeiros tivessem tocado as terras do Hemisfério ocidental em nenhum momento’. Tal fato, certamente, constituiu umas das razões pelas quais o atentado às Torres Gêmeas tenha se tornado ainda mais chocante.

Após discorrer sobre a geografia das guerras nos três períodos acima, ele conclui, alertando o leitor para o fato de que ‘no início do século XX, encontramo-nos num mundo em que as operações armadas já não estão essencialmente em mãos de governos ou dos seus agentes autorizados, e as partes disputantes não têm características, status e objetivos comum, exceto quanto à vontade de utilizar a violência’.

Hobsbawm, em sua análise, não omite uma questão crucial: os efeitos da guerra sobre a ‘vida civil’, que para ele, ‘deslocou-se do eixo central anteriormente focado nos contingentes militares para a população ordinária, não somente em termos de vítimas, mas também como ‘objetivo de operações político-militares’. Para Hobsbawm, a despeito de todo o desenvolvimento tecnológico que permitiu maior precisão ao se distinguir alvos militares e civis e por conseguinte entre ‘combatentes e não combatentes’, as principais vítimas continuam e continuarão a ser as populações civis. E, que em ‘alguns aspectos o efeito da guerra sobre a vida civil é amplificado pela globalização e pela crescente dependência do mundo em relação a um fluxo constante e ininterrupto de comunicações, serviços, tecnologias, entregas e suprimentos’.

Baseado nesta constatação do autor, gostaria de fazer uma rápida elucubração. Quais seriam os efeitos sobre a economia mundial de uma guerra com tamanha intensidade e com seus múltiplos desdobramentos geopolíticos, como a do Vietnã, levada a cabo pelos EUA, nas décadas de 60 e 70, do século passado, nos dias de hoje? Certamente muitos e de grande intensidade. No entanto, apesar de ter durado mais de uma década, este conflito na época pouco ou quase nenhum impacto teve sobre o contexto econômico mundial vigente, exceto o enorme desconforto causado pelo impacto das imagens estáticas ou em movimento divulgadas pela mídia, sobre os corações e mentes da opinião pública americana (e porque não o da mundial também), que pela primeira vez assistia em tempo real via TV - à chegada dos corpos de seus soldados nos macabros “body bags”.

Voltando a Hobsbawm, para ele ‘a linha que separa os conflitos entre países e os conflitos no interior dos países - ou seja, entre guerras internacionais e guerras civis - tornou-se difusa porque o século XX teve como características não só guerras, mas também revoluções e desmembramentos de impérios’.

E, continua afirmando que a situação nos anos recentes se tornou ainda mais crítica com a ‘tendência ao emprego do termo “guerra” nos discursos políticos para designar o uso da força armada contra diversas atividades nacionais ou internacionais vistas como anti-sociais’, por exemplo, ‘a guerra contra a máfia’, ‘a guerra contra os cartéis das drogas’, etc. Havendo por tanto

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uma generalização banal da própria expressão guerra, inclusive para identificar o que seria ações de combate ao crime organizado ou não.

Baseado nesta constatação Hobsbawm continua discorrendo sobre a questão moral que envolve a guerra tradicional (militar) e o emprego de forças armadas em operações de caráter policial. Usa primordialmente - como base para sua argumentação - o exemplo da Irlanda, onde um membro do IRA se considera ‘um beligerante, ainda que a Lei do Reino Unido o considere um assassino’. O texto deixa transparecer que, para ele, o exemplo da Irlanda representa muito bem esta situação difusa - pois trata-se de uma guerra (como sustenta o IRA), mas que foi conduzida como uma típica ação policial. E, assim Hobsbawm monta a tese de que, no caso de uma guerra tradicional (militar), ‘a vitória não tem necessariamente uma conotação moral’. Já no caso policial, ou seja, a ‘apresentação de violadores da lei à justiça’ existe uma conotação moral. Isto é, a questão moral nestes casos está vincula essencialmente ao fim, ao objetivo de cada uma das situações. Na primeira (militar), o que realmente se busca é simplesmente a vitória. No segundo caso (policial), o objetivo é radicalmente diferente, pois aqui o que se busca é ‘manter o respeito à lei e à ordem pública dentro de uma entidade politicamente preexistente‘ através da apreensão, seguida da apresentação à justiça dos infratores desta lei e ordem pública.

Hobsbawm conclui esta parte da sua tese, afirmando que ‘essas são as complexidades e confusões das relações entre a paz e a guerra ao iniciar-se o novo século’. E, representam muito bem a operações militares que os EUA e seus aliados ‘estão engajados no momento presente’. Na opinião dele, há no momento, como em grande parte do século passado, ‘uma ausência total de qualquer autoridade global efetiva que seja capaz de controlar ou resolver disputas armadas’. Tal afirmativa, constitui uma verdadeira “alfinetada” no papel que a ONU representa na atualidade. Hobsbawm, chega a propor que a função da mesma (ONU) seja repensada, pois ‘a globalização avançou em quase todos os aspectos - econômico, tecnológico, cultural, até linguístico-, menos um: do ponto de vista político e militar’ e os Estados Unidos continuam a ser as únicas autoridades efetivas.

Hobsbawm deixa claro, que atualmente até existe uma certa autoridade em organismos internacionais, como nas Nações Unidas e em outros órgãos técnicos e financeiros como FMI e Organização Mundial do Comércio. Mas, nada que vá além do poder voluntariamente concedido a estas entidades pelos EUA. E, continua numa previsão pessimista quanto ao futuro já que nada leva a crer que esta situação ‘deve sofrer modificações num futuro previsível’. O risco nesta situação, na visão de Hobsbawm, ‘é que as instituições internacionais se mostrem ineficazes e carentes de legitimidade universal ao tentar lidar com questões como os crimes de guerra’.

Hobsbawm tece toda uma consideração a respeito da necessidade de se desenvolver um sistema real e efetivo de direito internacional, em substituição ao modelo tradicional baseado num consórcio de Estados fortes, que seja capaz de enfrentar os desafios com os quais o mundo começa a se confrontar, isto é, onde ‘os equipamentos necessários à guerra, assim como os meios para financiar guerras não-estatais, está plenamente disponível a entidades privadas’.

Para ele, ainda há um outro agravante, que afeta afeta a relação entre guerra e paz nos próximos cem anos: ‘as tendências separatistas de intensidade variada em Estados nacionais até então estáveis’, como Grã-Bretanha, Espanha, Bélgica e Itália podem bem ampliar-se no futuro’.

Hobsbawm fecha esta parte, discorrendo sobre os vários conflitos e seus respectivos graus de intensidade que ocorreram após o fim da União Soviético - e, consequentemente da Guerra Fria - comentando que desde então ‘as decisões sobre a paz e a guerra têm sido improvisadas’. E, que em

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boa parte dos casos de intervenções que presenciamos, os ‘interventores foram obrigados a manter suas tropas indefinidamente e a custos desproporcionais em áreas em que não têm nenhum interesse particular e das quais não podem extrair nenhum benefício’. Para ele, está claro que estas intervenções, dificilmente podem resultar num ‘modelo geral para o controle futuro dos conflitos armados’ até mesmo devido às lembranças que remontam a um passado colonial relativamente recente.

Portanto, conclui Hobsbawm, que embora a perspectiva de paz seja remota, ‘o equilíbrio entre a guerra e a paz no século XXI dependerá muito mais da estabilidade interna dos países e da capacidade de evitar conflitos militares do que a construção de mecanismos mais eficazes para negociação e a solução de controvérsias’.

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O que ele fala sobre Xenofobia

Para Hobsbawm, um outro elemento que afeta o problema das nações e do nacionalismo é "a aceleração extraordinária do processo de globalização nas décadas recentes e seu efeito sobre o movimento e a mobilidade dos seres humanos" numa escala sem precedentes na história, sejam estes movimento "transfronteiriços temporários ou duradouros". Dentre vários dados apresentados por Hobsbawm sobre os fluxo e movimentos imigratórios, um merece destaque é sobre o número de países que permitem dupla nacionalidade, que entre 1995 e 2004 simplesmente dobrou.

Segundo o autor, "ainda não é possível julgar os efeitos dessa extraordinária mobilidade transfronteiriça sobre os conceitos mais antigos de nação e nacionalismo, mas não há dúvida que eles serão substanciais. A começar por aquilo que Benedict Anderson, definiu como o novo documento de identidade do século XXI: o passaporte - em substituição à clássica certidão de nascimento.

Devido a escala desses movimentos tanto legais como clandestinos, cabem algumas questões. A primeira, segundo o autor, refere-se à capacidade que o “nacionalidade plural, real ou potencial - tem afetado ou pode vir a afetar a lealdade de um cidadão a um Estado nacional?

E, a segunda está relacionada ao poder do Estado para controlar o que acontece com o seu território, incluindo casos outrora considerados relativamente banais, como por exemplo, a capacidade para conduzir um censo demográfico que seja fidedigno e capaz de mensurar quem habita seu território. Para Hobsbawm estas (entre outras) são perguntas que merecem ser formuladas, mas para as quais ainda não temos respostas.

Ainda dentro do tema globalização, Hobsbawm, aborda um problema, que hoje - muito mais do que na época do lançamento do livro - está sob os holofotes da mídia e no centro de várias discussões: a xenofobia. Tema que ele, numa auto-crítica, confessa ter subestimado em seus trabalhos sobre o nacionalismo moderno. Segundo Hobsbawm, mesmo nos EUA, um nação de forte tradição de imigrantes, “a nova globalização de movimentos reforçou a longa tradição popular de hostilidade econômica à imigração em massa e de resistência ao que se vê como ameaças à identidade cultural coletiva”.

Para ele, “o capitalismo globalizado dos mercados livres”, que se instalou na maior parte dos países, “fracassou redondamente no estabelecimento da livre movimentação internacional da força de trabalho, ao contrário do que ocorreu com o capital e o comércio”. Segundo Hobsbawm, os

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governos diante do avanço da xenofobia, estão paralisados e não possuem condições mínimas para apoiar esta movimentação de trabalhadores, por se tratar de um problema explosivo, que afeta seus respectivos eleitorados, particularmente, em países e regiões “ética, confessional e cultural homogêneos e desacostumados a grandes influxos de estrangeiros”.

Dando provas de ser um intelectual (neste caso, muito mais de acordo com a definição de Russel Jacoby do que com a de Antonio Gramsci), i.e, um scholar capaz também de falar para o grande público, que mantém-se plenamente sintonizado com as questões do cotidiano e cujo discurso extrapola os limites do texto e do debate acadêmico”, Hobsbawm lança mão do futebol para explicar a “dialética das relações entre a globalização, a identidade nacional e a xenofobia. Para ele, o - outrora conhecido como violento esporte bretão - é a “entidade pública” que melhor combina estes elementos e que “graças à televisão global transformou-se em um complexo industrial capitalista de categoria mundial”, embora mantenha-se ainda “modesto em comparação com outras atividades de negócios globais”.

Hobsbawm considera que a dicotomia entre o nacional, “último refúgio das paixões do mundo antigo”, representado pelas seleções nacionais de futebol e o transnacional, “trampolim do ultra-liberalismo do mundo novo”, representado pelos super clubes europeus, que mantém sobre contrato os melhores e maiores jogadores, resulta para os amantes deste esporte, “uma verdadeira esquizofrenia, extremamente complexa [...] que ilustra perfeitamente o mundo ambivalente em que vivemos”.

Isto é, segundo o autor, desde que atingiu as proporções de um esporte altamente profissional e globalizado, adquirindo um público sem correlato no mundo do entretenimento de massa, o futebol “tem sido um catalisador de duas formas de identificação grupal”: a local (representada pelo time, o clube do qual se é aficionado e que possui atletas das mais variadas nacionalidades e etnias) e a nacional (representado por jogadores dos clubes, mas que detém o passaporte de um determinado país). No passado esta relação era complementar, hoje diametralmente oposta. Este antagonismo provoca tensões e de certa forma gera surtos xenófobos até mesmo em países “sem histórico anterior de racismo” como a Espanha e Holanda. Alem da “associação do hooliganismo com a extrema direita política”.

Hobsbawm, encerra esta parte, fazendo uma reflexão ainda mais profunda quando conclui que o “processo que transformou camponeses em franceses e imigrantes em cidadãos americanos está sendo revertido e dissolve as grandes identidades, como a do Estado nacional, convertendo-as em identidades grupais auto-referentes, ou mesmo em identidades particulares não-nacionais, [...] sob o lema onde existe o bem, aí está a pátria”.

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Rio, 25 de Julho de 2011.

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