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História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa Apontamentos de: Alda Delicado E-mail: [email protected] Data: 10/09/2006 Livro: Nota:

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Page 1: História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa · núcleo flamengo, sendo a costa portuguesa um ponto de passagem importante 1.2 A expansão medieval – áreas de irradiação

História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa

Apontamentos de: Alda Delicado E-mail: [email protected] Data: 10/09/2006 Livro: Nota:

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HISTÓRIA DOS DESCOBIMENTOS E EXPANSÃO PORTUGESA I – Antecedentes: a expansão comercial 1 – Introdução - A Expansão quatrocentista é uma das traves mestras dos alicerces dos Tempos Modernos - a conquista de Ceuta foi o primeiro passo desse movimento expansionista português - Mas Ceuta foi também o ponto de chegada de um longo processo anterior no qual se reuniram as condições económicas, sociais, políticas e mentais que permitiram o processo de Descobrimentos - depois do final da crise de 1353/85 as classes vencedoras do conflito irão alterar a sociedade portuguesa: - do ponto de vista político com a separação definitiva de Castela

- do ponto de vista económico com a mer4cantilização do Estado baseada na conquista e navegação - do ponto de vista social a afirmação dos estratos burgueses e mercantis

- a morte de D. Fernando não foi no entanto mais do que um rastilho de um processo que já se vinha a formar e que se pautava por uma coesão de interesses - no período até 1415 Portugal realizou uma autêntica expansão diferente da que se seguiu à conquista de Ceuta - a expansão medieval caracteriza-se por existir um estado que assume, orienta e e coordena toda a acção e actividade - nesta conjuntura Portugal não é o único país a desenvolver esta abertura comercial e na Península Ibérica destaca-se a zona Catalã e a zona Biscaínha - Portugal tinha uma posição para a qual influíram factores geográficos e humanos, sendo estes últimos divididos em: - protecção e intervenção régias - afirmação espontânea dos grupos e populações mercantis - destes factores foi consolidada uma política nacional centrada na conquista, navegação e no comércio ultramarinos 1.1 Conjuntura histórico-geográfica – dos factores geográficos às intervenções

humanas - a faixa ocidental da Península Ibérica desenvolveu desde cedo particularidades específicas que vocacionaram Portugal para as actividades marítimas desligando-se dos interesses continentais - as bacias hidrográficas eram pequenos quadros agrícolas articulados com a costa - a vida social e económica convergia para a orla marítima - as actividades que mais se destacaram foram as marítimas nomeadamente a pesca, a salga, a extracção do sal e a construção naval - com o fim da Reconquista estas linhas de força reforçam-se - Coimbra, Santarém, Lisboa e Alcácer do Sal são os núcleos mais importantes a desenvolver-se no litoral - a conquista das terras a sul levou a que se apropriassem as experiências e técnicas muçulmanas para o património português - com a incorporação do Algarve reforça-se a rede comercial que se estende desde Coimbra até ao Sul - com os muçulmanos quer no Sul quer depois em Marrocos vai desenvolvendo-se um trato pacífico que permite a troca de informações e técnicas - desde Afonso I que as medidas estatais se preocupavam com o reforço das actividades económicas das zonas costeiras para além das necessidades de defesa - as principais medidas dos monarcas portugueses foram: - concessão de privilégios - fundação de povoas marítimas

- chamando técnicos estrangeiros - desenvolvendo organismos de protecção, defesa e apoio das populações marítimas

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- a primeira Dinastia foi considerada uma Monarquia Agrária por Lúcio de Azevedo mas os próprias monarcas chegaram a ter as suas próprias embarcações envolvidas no comércio marítimo como foi o caso de D.Fernando - dos condicionalismos geográficos e dos incentivos humanos resultou uma notável actividade comercial que levou os navegadores portugueses aos movimentados centros de comércio europeu - as ligações estabeleceram-se com o Mediterrâneo nomeadamente Veneza e Génova e com o núcleo flamengo, sendo a costa portuguesa um ponto de passagem importante 1.2 A expansão medieval – áreas de irradiação - são 3 os principais eixos geográficos da expansão medieval 1.2.1 O Mediterrâneo - as dificuldades de penetração no Mediterrâneo eram elevadas porque a concorrência catalã e muçulmana era agressiva - no início a presença portuguesa pautou-se por indivíduos que participaram em grandes feiras com a de S. Demétrio em Tessalónica - durante a segunda metade do século XII os mercadores portugueses espalham-se pelos centros do Mediterrâneo central e ocidental como nos portos do Langedoque e da Provença como Narbona, Montepellier e Marselha - nas feiras de Champanhe ocorriam os produtos orientais que dali subiam para os centros do Norte - por volta de 1375 os contactos comerciais são grandes e são as colónias de catalães em Portugal que controlam a exportação do pescado e frutas para Aragão e Sevilha - os portugueses também não eram desconhecidos nos centros ocidentais da península Italiana - há companhias de italianos conhecidas desde D. Dinis como os de Placência e Pistola, Florentinos ou a comapnhai dos Bardi em 1338 - a expedição às Canárias financiada em 1341 por D. Afonso IV tem na sua composição genoveses, florentinos, catalães e castelhanos - os genoveses vêm ainda a receber grandes privilégios por parte de D. Pedro na sequência de acordos já firmados com D. Afonso IV - os contactos nem sempre foram pacíficos tendo-se registado ainda algumas actividades de corso - desde cedo que os portugueses tinham ainda acesso aos mercados marroquinos, interpostos da costa marítima dominados pelos muçulmanos - Jaime Cortesão refere um comércio com cidades muçulmanas desde a segunda parte do século XII que é referenciada pela presença de produtos de origem muçulmana em cargas de transporte para o Norte - outra prova destes contactos frequentes é o morabitino, uma moeda muçulmana, ser de uso corrente em Portugal até pelo menos o reinado de D. Sancho I - até à conquista do Algarve os contactos entre a população cristã e a população muçulmana eram frequentes e não tinha a barreira marítima - o intercâmbio solidificou-se no decurso do século XIV acompanhando a activação do comércio mediterrâneo e a sua articulação com o Atlântico - no tempo de D. Fernando o comércio com as terras mouras era referido normalmente existindo em Faro uma casa da Mouraria que cobrava os direitos reais desse comércio - Zurara testemunha na Crónica de D. Pedro de Meneses a troca assídua de frutos por ouro - no mercado português circulavam assim produtos orientais de proveniência árabe - no reinado de D. Fernando eram feitas viagens desde o Mediterrâno Oriental (Jaffa) - este intercâmbio foi trazendo para Portugal alguns conhecimentos das principais rotas do comércio do Magrebe e alguns desses circuitos estavam já representados em mapas e cartas - a recolha de informações não são apenas os mercadores cristãos os interessados mas também os judeus - as informações foram também recolhidas por religiosos como os franciscanos que desceram a costa africana em missões de evangelização

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1.2.2 Os Mares do Norte - será com as regiões do norte que os contactos portugueses serão mais notórios, frequentes e regulares - desde o século XII que os mercadores portugueses viajam até às grandes feiras do Norte como Lille e Bruges - desde 1179 que as embarcações de França pagavam dízima ao monarca português pelo menos na Foz do Douro - os portugueses são os primeiros estrangeiros a fundar uma feitoria na Flandres (1197-1200) e transformam-na no centro de difusão dos seus negócios no Norte da Europa - estes contactos pressupõe uma série de pontos intermédios nas bocas dos rios mais importantes como Agour, Garona/Gironda, Loire, Somme e Sena - em 1240 estão estabelecidos mercadores do Porto em vários locais de França como La Rochelle que se converteu na principal base de operações dos mercadores portugueses no Noroeste de França - são conhecidos ainda os privilégios que os mercadores recebem de Filipe o Belo de França tendo estabelecido um tratado em 1309 - em 1411 é realizado um convénio entre o Conde da Flandres e os mercadores portugueses sendo pela primeira vez disputadas as marcas de origem dos produtos - a partir da Flandres estabelecem-se ligações com a Hansa sendo que Bruges era o porto mais forte dos mercadores da liga - durante o último quartel do século XIV são ainda de destacar os contactos com Midelburgo na Zelândia - a partir desse porto chegam ainda a Lubeck e mais tarde a Dantzig - para além destas zonas, a Inglaterra era ainda visitada: em 1203 João Sem Terra permite a livre circulação e a fixação de mercadores portugueses - os principais produtos comercializados com a Inglaterra eram os panos e os vinhos - em 1294 estabelece-se um acordo comercial que procura resolver questões comerciais entre os dois países, sendo que o acordo formal só surge depois de 1352 e é o culminar de vários privilégios concedidos ao longo dos tempos e que permite aos pescadores portugueses pescar livremente nas águas de Inglaterra e da Bretanha 1.2.3 Irradiação na Península - o último eixo da expansão medieval é com o contexto peninsular da Galiza à Corunha, Biscaia e Guipuscua e de Ayamonte a Sevilha, Aragão e a Catalunha - os contactos terrestres facilitaram a presença portuguesa em alguns desses centros - contactos certos e seguros aconteceram com 2 centros: o Cantábrico e o Andaluz desde o reinado de D. Dinis - estão registados vários convénios com comunidades marítimas da península - o século XIV viu estas relações reforçadas - a atracção deste comércio é ainda a ligação de Valência e Segóvia com o Levante - Portugal teve no período medieval presença nos corredores marítimos e uma posição por vezes bem sólida junto dos interpostos comerciais - a expansão atrai aos pontos mais nevrálgicos do comércio nacional os interesses estrangeiros

1.3 Medidas de fomento – das intervenções régias à acção colectiva das populações - a acção directa dos monarcas foi fundamental para assegurar este surto comercial - mas igualmente importante foi a obra colectiva das comunidades marítimas - os monarcas iam atrás dos mercadores já que os primeiros acordos internacionais foram feitos entre os reis estrangeiros e os mercadores directamente - também no plano interno se criam estruturas de apoio como o Fundo Comum criado em 1293 - no reinado de D. Dinis é ainda criada a Comuna dos Mercadores que era um primeiro ensaio de seguro marítimo

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- D. Afonso IV, ao arrendar as baleações do reino acorda uma série de medidas de apoio à pesca que podem ser interpretadas como fomento da actividade pesqueira em toda a costa – instituem-se dois centros, um em Peniche e outro em Lagos - as pressões colectivas dos mercadores farão surgir leis de maior alcance para a protecção às actividades marítimas - Companhia das Naus fundada por D. Fernando provavelmente em 1380 – todas as embarcações eram obrigadas a inscrever-se na Bolsa do Fundo Comum que tinha como objectivo fazer face aos acidentes marítimos - os privilégios aos construtores de navios eram reforçados - os mercadores depois da vitória de D. João I vêem os seus privilégios reforçados como a criação das Confrarias e Irmandades dos Homens do Mar - a Bolsa e Companhia de Socorros Marítimos era um apoio forte a toda a actividade marítima e comercial 1.4 As povoas marítimas - o desenvolvimento espontâneo das povoas marítimas e o seu rápido enquadramento traduziu-se na pujança das actividades marítimas - as povoas marítimas seguem a mesma política de povoamento e protecção às actividades como a pesca, extracção de sal, construção naval e comércio - destas acções resultou o desenvolvimento de uma frota de pesca e comércio e de uma frota militar que os monarcas utilizaram frequentemente 1.5 As taracenas e a armada real - desde cedo os monarcas estiveram envolvidos nas actividades de construção naval - a referência à tarecenas, oficinas de construção naval surgem no reinado de D. Sancho II mas é provável que existissem oficinas mais antigas em Lisboa e Alcácer do Sal - no início da primeira dinastia há referências a uma frota real quer fosse para usos comerciais quer para usos militares – estas referências intensificaram-se no reinado de D.Dinis - surgem ainda privilégios a um corpo de marinhagem ou oficiais das embarcações desde o tempo de D. Sancho II - a formação da Bolsa e Companhia das Naus em 1380 revela ainda a existência de um corpo de funcionários administrativos - em 1317 o genovês Manuel Pesanha é nomeado almirante-mor das Galés de El-Rei com o objectivo de dotar a marinha de guerra e de corso nacional de melhores condições para a navegação no Mediterrâneo - em 1314 o cargo já existia ocupado por Nuno Fernandes Cogominho - no reinado de D. Fernando existia outro almirante, Gonçalo Tenreiro e em 1380 o cargo estava nas mãos de D. João Afonso Telo e em 1385 Lopo Afonso - o Porto é a principal cidade costeira na segunda metade do século XIII e em 1361 refere que tem mais embarcações qur todos os outros portos do reino - em finais de Trezentos existe uma frota de comércio e militar de inegável grandeza que Castela considera muito superior à sua em 1369 1.6 A burguesia mercantil

- todas estas alterações levaram ao desenvolvimento de um grupo social, economicamente forte e homogéneo em toda a faixa costeira - em meados do século XIV, o padrão de vida da burguesia mercantil ultrapassa o das classes nobiliárquicas tradicionais - existem várias referências e esta riqueza nomeadamente na Pragmática de 1340 - o crescimento atrai a Portugal mercadores estrangeiros sendo os mais importantes os italianos como os Bardi (1338) de Florença - os monarcas concederam e alargaram privilégios a estes estrangeiros - a classe mercantil portuguesa está profundamente entrosada nos principais pólos económicos europeus e mediterrânicos

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- a rivalidade comercial luso-castelhana começa a desenhar-se na segunda metade do século XIV e ultrapassam o mero conflito territorial - a presença portuguesa sente-se também em locais mais longínquos como o Mar do Norte e na Costa Marroquina - a vinda de Pessanha está associada a uma necessidade de penetração no Mediterrâneo - de 1341 data a primeira viagem financiada por D.Afonso IV às Canárias - a burguesia e os mesteiras foram as classes que melhor souberam capitaliza a seu favor as contrariedades do século XIV como a Peste Negra – conseguiram também associar-se às classes mais desfavorecidas que viam nos burgueses a possibilidade de ascensão social - a crise dinástica favoreceu este grupo que ansiava pela mudança social - o quadro social e económico no início do século XV é bastante marcado por várias características: - largo segmento social de tipo burguês com infiltrações nas camadas urbanas e rurais - nobreza jovem e solidária com os interesses da burguesia - a área de acção da burguesia portuguesa é o Atlântico embora com uma faixa muito limitada mas que se expande para o Atlântico Norte onde decorre a pesca da baleia - existe um nítido interesse no Mediterrâneo embora Portugal tenha um controlo menor nesta região - embora haja viagens até Salé, a maior parte da costa africana é pouca explorada 2 – A conjuntura europeia - a Europa na segunda metade do século XIV e na primeira metade do século XV estava a braços com inúmeras dificuldades como a Peste Negra e a Guerra dos Cem Anos que destruíram as rotas comerciais e despovoaram vastas zonas - as explorações mineiras da Europa são gravemente afectadas o que tem efeitos monetários graves nas economias europeias - outros sectores da economia ficam também prejudicados com a falta de matérias-primas como a lã que afectava a manufactura têxtil - o definhamento das actividades agrícolas levam a uma carência de cereal - em Portugal a burguesia aproveita-se da posição de Lisboa nas rotas comerciais para abastecer uma Europa carente de todos os recursos - em Lisboa juntam-se várias motivações: - de ordem ideológica - de ordem social e política - de ordem militar, estratégica e económica 3 - Ceuta - a concretização destes objectivos levará à conquista e posse de Ceuta - desde os século XI e XII que os muçulmanos na orla mediterrânea vão abrindo caminho para o interior do continente de onde vêm as especiarias e o ouro - no início do século XIV já existe uma considerável rede de feitorias muçulmanas que são representadas na Carta de Dulcert (1339) e no Atlas Catalão (1375-1380) e no de Viladestes (1413) - uma das rotas subia pela costa e terminava em Ceuta enquanto outra seguia directamente para Ceuta, enquanto outras chegavam a essa cidade vindas do Oriente - existia ainda um conjunto de rotas marítimas que se dirigiam ou que passavam por Ceuta - Ceuta era ainda uma região rica do ponto de vista agrícola, quer de cereais, quer de plantas têxteis e industriais, quer da produção de açúcar - este cenários favorável em Ceuta era descrito por vários cronistas como Gomes Eanes de Zurara, Rui de Pina, Damião de Góis e João de Barros - a defesa destas vantagens é feita em particular pelo vedor da fazenda João Afonso - Ceuta juntava os interesses de todas as classes sociais e era a solução apra graves problemas de ordem social, económica e política - a necessidade de conquistar Ceuta foi ainda reforçada pelo risco de perder a primazia na busca de caminhos para o Sul face às outras economias peninsulares

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- para além das solidariedades internas, existia ainda um conjunto de solidariedades externas para o projecto: primeiro o apoio do Papa através de uma Bula de Cruzada, mas mais importante o apoio de mercadores estrangeiros que juntam os seus barcos à expedição da Galiza, Biscaia, Inglaterra, Flandres e Alemanha - a nação portuguesa associa-se ao monarca neste projecto entrando numa nova fase II – Os portugueses em Marrocos nos século XV e XVI 1 – Introdução 1.1 A empresa marroquina: sua inserção na expansão - a presença portuguesa em Marrocos é parte integrante e importante da expansão ultramarina portuguesa - os portugueses iam a Marrocos buscar mercadorias de troca essenciais como trigo, cavalos e ouro necessárias para a captação de escravos (necessários para a produção açucareira da Madeira) e ouro (custeamento das armadas e compra de especiarias) na África Negra - o processo de expansão para a Índia passa ainda por Marrocos no século XVI já que se tratava de uma escola de guerra para a política de conquista seguida no Oriente - foi ainda em Marrocos que Pêro da Covilhã aprendeu o árabe que lhe permitiu executar a sua missão à Índia para recolha de informações - as conquistas em Africa raramente são criticadas ou tratadas em tom jocoso já que os guerreiros contra os mouros são celebrados - Marrocos foi o único espaço ultramarino onde os monarcas intervieram directamente e que foi por muito considerado como um prolongamento da Reconquista - a expansão em Marrocos deu ainda origem a várias consultas a elementos importantes da sociedade que nos permitiram ver os posicionamentos assumidos pelos representantes das várias classes sociais face à expansão ultramarina - D.Duarte fez uma consulta para decidir o futuro da expansão em Marrocos - D.João III fez uma consulta para decidir entre África e a India 1.2 Os antecedentes

- a expansão em Marrocos surge primeiro como um prolongamento da Reconquista - as razões invocadas são várias: - as razões históricas devido aos reis godos terem governado a região - estratégia militar pois trata-se de atacar o adversário no seu próprio território - três dinastias estiveram presentes na Península Ibérica: os Almorávidas, os Almóadas e os Merinidas - as primeiras investidas cristãs em terras marroquinas datam do século XIII: Ceuta, Salé e Larache, conhecidas zonas de pirataria - em 1291 realizou-se um primeiro convénio para decidir a partilha das terras marroquinas: - as terras da Berbéria a oriente do rio Moulouya – Aragão - as terras a ocidente desse rio até Ceuta – Castela - é possível interpretar que as terras a ocidente de Ceuta se destinassem ao monarca português - no século XIV realizam-se as últimas expedições merinidas na Península Ibérica – em 1329 retomam Algeciras e em 1333 Gibraltar – esta fase termina com a Batalha do Salado em 1340 - na sequência desta vitória D.Afonso IV solicita à Santa Sé uma bula de cruzada – Gaudemus et exultamus - a alternativa Granada/Marrocos esteve sempre em cima da mesa: - D.João I propôs Granada como alternativa a Ceuta - o Infante D. Henrique depois da vitória de Ceuta pensou em conquistas Gibraltar - D.Duarte em 1433 solicitou se deveria fazer a guerra em Marrocos ou Granada - as opiniões levam-nos a pensar que uma parte da nobreza estaria mais interessada em Granada por razões de honra, serviço a Deus e pelo proveito - é portanto no processo de Reconquista Cristã que se situam os antecedentes da expansão portuguesa em Marrocos

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2 – O Magrebe Al Agsa no tempo da Expansão Portugue sa - Magrebe Al Agsa ou ocidente extremo era a designação árabe de Marrocos – os cristãos davam-lhe a designação de Berbéria ou Reino de Belamarim (corruptela de Beni Mérin, nome da família fundadora da dinastia merinida – 1258 a 1465) - a expansão árabe em Marrocos e na Península Ibérica revestiu-se sempre de um componente de guerra santa (jihad) - a maioria da população era constituída por berberes islamizados embora existissem também comunidades ligadas a práticas pagãs - existiam 3 grupos tribais na população berbere:

1) Masmouda – originários das regiões montanhosas do sul eram pastores e criadores de gado semi-nómadas que se foram sedentarizando nas planícies

2) Sanhaja (Zenata) – semelhantes aos anteriores 3) Zenata ou Zenetas – últimos a chegar oriundos de Leste e verdadeiros nómadas que

em meados do século XV se começaram a fundir com a população árabe - a dispersão e mobilidade dos grupos dificulta a sua localização - a população árabe era constituída por andaluzes e ifriquianos e concentrava-se nas cidades e ricas planícies atlânticas - de destacar ainda as comunidades judaicas que tiveram um papel fundamental nas relações comerciais com a Europa e com o Oriente - os pontos de fixação das praças fortificadas portuguesas situaram-se em três regiões no sentido NE-SO 1) Habt – Ceuta, Alcácer Ceguer, Tânger e Arzila – as duas primeiras situavam-se na zona montanhosa da cordilheira do Rif e as outras duas nas planícies que dão acesso ao Gharb

2) Duquela – Azamor, Mazagão, Safim e Aguz – zona de vastas planícies viradas para o Atlântico – era uma região de grande produção cerealífera

3) Ued Suz – Santa Cruz do Cabo de Guê – zona de transição entre o clima mediterrânico e o tropical – importante pela produção de algodão e açúcar e por ser um interposto comercial que explicam a grande densidade populacional da região

- a economia marroquina caracterizava-se por: 1) uma rica produção agrícola de cereais, cana de açúcar, algodão e índigo 2) uma costa em que o peixe abundava 3) extensas zonas de criação de gado, produção de mel e cera 4) manufactura de produtos de couro, metais e sobretudo têxteis 5) ponto de chegada de várias rotas comerciais que transportavam ouro e escravos - o início da expansão portuguesa coincide com a decadência da dinastia merinida que durou de 1258 a 1465 - os sintomas de desagregação surgiram em 1358 com o assassinato de Abou Inan – o poder dos merinidas foi diminuindo ficando restringida ao reino de Fez com: - a retomada da independência dos reinos de Tlemeen e de Tunis - com a criação dos reinos de Marraqueche e Tafilalet - com a independência de Touat - a crise do poder central levou ainda à desagregação do reino de Fez em feudos controlados pelas famílias dominantes - a situação era ainda agravada pelos conflitos sociais entre berberes e árabes que se agravaram quando os árabes começaram a ocupar as planícies férteis do Atlântico - a resistência berbere vai confinar-se à região do Rif, do sul e de certas zonas do Atlas e lá irão surgir centros de propaganda religiosa (zaouia – confrarias; culto dos marabutes – santos dedicados à guerra santa) onde surge a oposição à ocupação portuguesa 3 – Das razões de Ceuta à explicação da Expansão Po rtuguesa no Norte de África

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- Ceuta é considerada o marco que baliza os Descobrimentos Portugueses - as justificações para a escolha de Ceuta foram muito estudadas, mas todas se baseiam numa única fonte: a Crónica da Conquista de Ceuta de Gomes Eanes de Zurara - Zurara conta os seguintes detalhes: - D. João I ofereceu-se primeiro a Castela para a conquista de Granada - o monarca pretendia realizar um festejo para armar cavaleiros os seus filhos

- o Vedor da Fazenda, João Afonso, sugere Ceuta realçando as suas vantagens económicas e referindo a possibilidade de honra para os infantes

- assim, há 4 causas principais para a expedição que vão convencer D.João I: 1) o serviço a Deus 2) a honra do feito para o rei e Portugal 3) oportunidade para fazer os seus filhos cavaleiros 4) a ociosidade da nobreza portuguesa - vários autores deram destaque a diferentes razões:

1) Luciano Cordeiro, Pedro de Azevedo e Mário de Albuquerque consideram que o argumento da ociosidade da nobreza o mais importante.

2) Oliveira Martins defende o papel do infante D. Henrique e que Ceuta se inseria num plano mais vasto que juntava os objectivos da fé e do lucro

3) Joaquim Bensaúde dá destaque ao idealismo religioso do infante que queria atacar os sarracenos por mar na Índia e por terra em Marrocos

4) António Sérgio destaca o papel da burguesia comercial como força impulsionadora

5) O Visconde de Lagoa defende que a conquista de Ceuta se destinava a criar um centro de comércio que ligasse o Norte de África à Europa

6) Veiga Simões e Duarte Leite voltam à teoria da nobreza guerreira desejosa de honra

7) Jaime Cortesão refere a importância de Ceuta como porto de confluência das rotas caravaneiras e como base do corso muçulmano

8) David Lopes refere a posição estratégica de Ceuta como perturbadora do reino de Granada e do corso muçulmano

9) Vitorino Magalhães Godinho considerava Ceuta uma porta de comunicação entre dois mundo económicos, o marroquino mediterrânico e o marroquino atlântico

10) Torquato de Sousa Soares defendeu que a conquista de Ceuta tinha sido uma resposta cristã à pirataria e corso muçulmanos

- a maior parte dos historiadores preocupa-se não só com a decisão de Ceuta mas também com toda a estratégia de conquista em Marrocos - a explicação para a decisão portuguesa encontra-se na confluência entre a procura portuguesa e a oferta marroquina - na região do Habt as razões económicas e das várias classes sociais eram importantes mas mais relevante foram as razões militares e políticas - no plano militar o controlo do estreito de Gibraltar era importante para limitar o corso e porque era entendido como uma extensão da conquista territorial que estava limitada na Península por Castela - Jorge Borges de Macedo definiu essa política como uma estratégia de equilíbrio compensado que vai dar lógica ao projecto marroquino de D. Sebastião - a política de ocupação pela conquista continuada numa prática de pilhagens e razias para o interior era justificada pela presença da nobreza mais interessada em senhorios e no saque do que no comércio - as explorações na costa sud-marroquina já foram motivadas pelo interesse económicos mas foi só no século XV com as feitorias de Arguim e da Mina que a costa marroquina adquiriu importância adicional por ser o local de compra de produtos como os panos, os cavalos e trigo para trocar por ouro e escravos - houve portanto importantes interesses económicos e de estratégia político-militar que subjazem à expansão portuguesa em Marrocos 4 – O movimento da Expansão – ritmos e sentidos – e stratégias políticas de ocupação - logo após na conquista de Ceuta se colocou a questão da sua manutenção ou abandono

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- no Conselho, D. João I defendeu a opção da conservação e até mesmo do prolongamento da conquista em Marrocos - em 1433 voltou a ser posta em questão a opção de Marrocos versus Granada – conhecem-se os pareceres do Conde de Barcelos e dos condes de Ourém e Arraiolos que se mostravam partidários da guerra em Granada, que teria grandes vantagens: - reconhecimento por Castela do direito às Canárias - reconhecimento do direito à conquista do Norte de África - obtenção de senhorios e títulos nas terras reconquistadas - controlo da política interna castelhana embora de forma velada - alguns destes nobres vão pressionar D. Duarte a continuar a conquista em África como solução para a crise financeira da classe em especial dos secundogénitos - Marrocos era ainda importante já que Ceuta isolada só trazia gastos para a Coroa - em 1437 surge assim a decisão de avançar para Tânger com a expedição liderada por D. Henrique e embora o infante D. Pedro se opusesse, ajudou nos preparativos - os portugueses depois de um longo cerco viram-se obrigados a um acordo de cedência de Ceuta para conseguirem sair com vida – D. Fernando ficou como refém e garantia da devolução da cidade o que nunca aconteceu, acabando D. Fernando por morrer no cativeiro em 1443 - D. Duarte morreu em 1438 e sucedeu-lhe como regente D. Pedro durante a menoridade de Afonso V – D. Pedro sempre defendeu uma opção comercial e por isso deu-se um interregno na expansão em Marrocos - com D. Afonso V o foco voltou a África conquistando Alcácer Ceguer em 1458 e outras acções guerreiras garantiram a posse de Tânger - a confusão política no reino de Fez permitiram ainda a fácil conquista de Arzila em 1472 - D. Afonso V passou a intitular-se rei dos Algarves d’aquem e além mar - no final do reinado dá-se uma viragem na política expansionista que passou a ser controlada pelo infante D. João e que passou a ter um carácter mais comercial - a posição de quase independência dos reinos da costa marroquina também favorecia formas de ocupação que já não passavam pela conquista - os castelhanos começavam também a procurar estas costas e os habitantes das regiões costeiras procuravam a defesa dos portugueses - nesta conjuntura situa-se a política portuguesa em Marrocos no último quartel do século XV: - em 1480 a cidade de Safim coloca-se sob suserania portuguesa - em 1483 estabelece-se uma feitoria em Orão - em 1486 Azamor recorre à tutela portuguesa - tentativa de controlo da zona cerealífera da Enxovia pela via diplomática - construção de uma fortaleza em Graciosa entre Larache e Alcácer Quibir - com D. Manuel atingiu-se o apogeu da presença portuguesa em Marrocos e voltou a política de conquista territorial: Sta Cruz do Cabo de Guê, Mogador, Safim, Azamor, Mazagão e Aguz - em 1509 decidem-se as questões da partilha com o Tratado de Sintra e D. Manuel segue uma política imperial marcada por várias acções: - constituição de uma zona de mouros de pazes em Duquela - a conquista de Azamor em 1513 - comendas e rendas para moradores como medidas de fixação - em 1513 D. Manuel tinha planeado a conquista de Mamora e Anafé mas a derrota levou ao fim da ofensiva manuelina em Marrocos - a expansão portuguesa na zona norte de Marrocos teve sempre subjacente uma política de ocupação territorial iniciada por D. João I, continuada com fracasso por D. Duarte, com sucesso por D. Afonso V, por um relativo fracasso de D. João II e com alguns passos bem sucedidos por D. Manuel 5 – A vida nas praças marroquinas: população, estru turas administrativas e o

abastecimento - a população das praças marroquinas distribuía-se por 3 grupos que viviam em bairros diferentes: cristãos, mouros e judeus - entre os cristãos habitavam portugueses e estrangeiros e eram essencialmente moradores e militares - ocupavam as melhores regiões das cidades

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- alguns militares exerciam cargos de guerra sempre transferidos entre várias localizações do império – cada militar recebia uma tença em mantimentos e em dinheiro – Arzila no início do século XVI teria de 600 a 650 militares - a percentagem de peões e cavaleiros dependia da política em prática no momento: em períodos de expansão o nº de cavaleiros aumentava e em épocas de defesa os peões eram reforçados - existia ainda um número de estrangeiros, castelhanos e genoveses dedicados ao comércio - a população moura ainda dependia das funções das praças e tempos de ocupação - viviam em quarteirões separados e alguns deles converteram-se ao cristianismo sendo conhecidos como mouriscos - em certas cidades como Arzila, Azamor, Safim e Santa Cruz do Cabo de Guê formaram-se grupos de mouros de pazes que se comprometiam a pagar a troco de protecção portuguesa tributos e integravam os exércitos portugueses quando necessário - estes mouros estavam sob a alçada de um alcaide que tinha como funções: - aplicava a justiça nas questões entre mouros - recolhia o tributo a pagar aos portugueses - reunia e comandava as tropas mouras - as comunidades judaicas também viviam num quarteirão à parte e desempenharam um papel importante como intermediários entre a comunidade cristã e a muçulmana - os judeus gozavam de liberdades já abolidas em Portugal tendo um rabi-mor que tratava das questões de justiça - no governo de cada praça existiam ainda os funcionários administrativos:

- capitão – autoridade e jurisdição sobre as actividades económicas, judiciárias e militares

- contador – responsável pelos assuntos da fazenda e substituto do capitão - feitoria - funções económicas como os direitos alfandegários - adail – substituição do capitão e funções militares

- alcaide – responsável pelo castelo com outros funcionários menores como o alcaide menor, o alcaide do mar, o sobreroldas, pilotos

- almacadém – mourisco que guiava as tropas portuguesas no interior - alfaqueque – negociava o resgate de cativos - ouvidores e tabeliões. Funcionários judiciais que reportavam ao capitão - todos estes funcionários tinham direito ao ordenado e a mantimentos e alguns recebiam ainda percentagens como o capitão que recebia o quinto das cavalgadas e presas de mar - um dos problemas constantes das praças marroquinas foi o abastecimento de mantimentos – D. Manuel criou uma feitoria na Andaluzia, uma região rica em cereais exportados para o Norte de África - a Madeira foi numa primeira fase fornecedora de cereais para estas regiões e mais tarde os Açores - o tom dominante das fontes do período referem que as praças marroquinas viviam em constante sobressalto, o que levava a que existisse um sistema de vigilância apertado 6 – Do fim da política expansionista em Marrocos ao abandono de algumas praças - em 1517 Vitorino Magalhães Godinho refere que o mundo estava a mudar com o crescimento de 2 impérios: o otomano e o de Carlos V - por outro lado assiste-se a uma escalada do corso de países europeus como a França - também os mercadores estrangeiros através do contrabando tentavam acabar com a hegemonia comercial portuguesa - entretanto a dinastia saadiana conseguiu unificar politicamente a zona de Marrocos e colocou em perigo as conquistas portuguesas - a estratégia militar de D. Manuel passa a ser defensiva - D. João III debate-se com a dificuldade da manutenção da segurança das rotas marítimas e com a perda da ligação com os mercados do ouro e nesse sentido coloca em questão a manutenção das praças marroquinas - D. João III contou no entanto com a oposição de uma parte da nobreza que defendia o abandono das possessões na Índia e a manutenção de algumas praças fortes em Marrocos como Azamor e Safim

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- em 1532 solicitou ao papa o abandono de 3 praças fortes, Safim, Azamor e Alcácer Ceguer - em 1533 consultou novamente a nobreza colocando várias questões: se deveriam abandonar Safim ou Azamor, se deveria transformá-las em fortalezas roqueiras e por onde se deveria fazer a guerra em Marrocos - a maioria das respostas era contra o abandono das praças e D. João III tenta salvar as praças fortes através da via diplomática - em 1541 Santa Cruz foi tomada pelos árabes e nesse ano o rei decide sair de Azamor e Safim ficando na costa sul apenas Mazagão - em 1541/42 o Conselho Real reúne-se para decidir a política ultramarina portuguesa e as opções são claramente entre a conquista para povoar em África ou a conquista para comerciar no Oriente - com a pressão árabe também as praça de Arzila e Alcácer Ceguer foram perdidas - a incompreensão de certos sectores da população levou a que D. João III adiasse decisões inevitáveis que levaram à perda de recursos, homens e crédito internacional como com a perda de Santa Cruz do Cabo de Guê

7 – Conclusão - com D. João III, a presença portuguesa em Marrocos ficou limitada a Ceuta e Tanger no Norte e Mazagão no Sul - em 1640 Ceuta não reconheceu D. João IV como rei e Tânger foi cedida a Inglaterra com D. Catarina de Bragança como dote - Mazagão permaneceu português até 1769 quando o Marquês de Pombal ordenou a sua evacuação - apesar da mudança de perspectiva que ocorreu em 1520, a ideia de Marrocos permaneceu viva entre os portugueses e é essa mentalidade que explica a dificuldade em abandonar as praças e o sonho de D. Sebastião de voltar a conquistar terras na região como forma de reequilibrar a hegemonia continental de Espanha - usualmente a expansão portuguesa em Marrocos é vista com uma luz negativa - mas existiram aspectos positivos já que Marrocos desempenhou um papel importante na organização do espaço ultramarino não só como mercado fornecedor de produtos para troca como também como garantiu a segurança do tráfego marítimo na região - o declínio dos interesses portugueses em Marrocos coincidiu com as dificuldades que o comércio no Oriente começava a ter e que levam a que o custo de manter as praças fortes em Marrocos já não seja compensado com os lucros do comércio oriental III - O Atlântico: sua integração geográfica e econ ómica 1 – Vectores da expansão quatrocentista - a conquista de Ceuta marca o início da navegação oceânica, da exploração geográfica e da conquista militar - a partir dessa data, toda a realidade metropolitana se organizou em função da exploração desses círculos exteriores - depois da Tomada de Ceuta, Vitorino Magalhães Godinho apresenta três rumos possíveis para a expansão portuguesa: - metódica ocupação de Marrocos - progressão para Sul da costa Atlântica - intervenção na concorrência económico-política do Mediterrâneo - o que se verificou foi uma sobreposição dos primeiros dois rumos e foi a partir do Atlântico que se abriram novos rumos nomeadamente no Índico - a conquista de Ceuta foi do ponto de vista económico um fracasso já que as rotas comerciais que atingiam a cidade foram desviadas e os constantes assédios terem impossibilitado o desenvolvimento das actividades produtivas desejadas - no entanto, Ceuta assumiu um importante papel estratégico já que o controlo do Estreito permitiu limitar as ambições expansionistas castelhanas e o corso muçulmano ao mesmo tempo que o corso português assegurava uma base em território inimigo - houve ainda outros aspectos importantes como:

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- captação de informações sobre as rotas mas também sobre o Oriente - base marítima e terrestre à navegação e à exploração - seguindo essa estratégia de exploração, rapidamente as ilhas da Madeira (1419) e dos Açores (1427) foram reconhecidas e povoadas e o Cabo Bojador foi dobrado (1434) - Ceuta serviu ainda como ponto de partida para a conquista de outras praças fortes em Marrocos cuja posse teve um nítido interesse nos séculos XV e XVI - assim, após a conquista de Ceuta a estratégia da expansão seguiu dois vectores: a conquista militar e territorial no Magrebe e a exploração geográfica e comercial das orlas marítimas - estes dois vectores tinham os seus apoiantes específicos e criaram clivagens importantes na sociedade e no reino que nunca chegou a escolher uma direcção única para a expansão 1.1 As políticas da Expansão - a dicotomia destes dois vectores pode ser atribuída a duas classes sociais:

- a nobreza tinha interesse na acção militar, na guerra directa ao infiel pretendendo adquirir novos territórios, rendas, títulos, recompensas régias ou honrarias - a burguesia estava mais interessada na actividade comercial e na exploração geográfica que culminasse em contactos pacíficos

- estes dois grupos viam-se assim frequentemente em conflito de interesses e os próprios monarcas oscilavam entre as duas perspectivas sem escolherem nitidamente uma - apenas D. João II escolherá de forma inequívoca e irreversível a política de expansão económica e da exploração geográfica - no contexto actual as duas políticas podem ser vistas com uma certa complementaridade que permitiu a definição dos primeiros quadros em que se movimentou a Expansão Portuguesa nomeadamente a conjugação entre o controlo das terras e dos oceanos - a conquista foi feita parcelarmente através de acções pontuais que recorreram a soluções técnicas e humanas adaptadas a cada caso mas fazendo uso da experiência acumulada - abriu-se assim uma estrada marítima que se alargou às águas do Atlântico Central e Ocidental que se abriu quer pelas necessidades da navegação quer pela curiosidade da exploração 2 – Etapas da Exploração do Atlântico - esta integração e exploração do Atlântico foi sendo feita através da acoplagem sucessiva de pequenos espaços formando complexos geográfico-económicos - consideram-se quatro grandes fases na exploração do Atlântico 2.1 Primeira Etapa de Integração - a primeira etapa baliza-se entre a tomada de Ceuta em 1415 e o início da regência de D. Pedro em 1439/40 - no plano interno verifica-se uma certa instabilidade política devido à afirmação das duas correntes que defendiam rumos diferentes para a Expansão Portuguesa - a nobreza torna-se cada vez mais reivindicativa e agitada - à burguesia representada por mercadores nacionais e estrangeiros não lhes interessa a posse de terras já que a sua base é o comércio e os bens mobiliários - apesar destes interesses diferentes eles convergiam em alguns objectivos como a posse de Ceuta que agradava aos nobres por poderem fazer incursões em território inimigo mas também aos mercadores que podiam utilizar a cidade como ponto de apoio das explorações - até 1434 e depois do acautelamento da manutenção de Ceuta a exploração geográfica desempenhou um papel mais importante tendo o Infante D. Henrique programado várias viagens de exploração na costa africana ao sul das Canárias - a costa até ao Cabo Não é sistematicamente explorada, e é atingido o Cabo Bojador que é dobrado em 1434 por Gil Eanes - o regresso ao Cabo Bojador implicava afastamentos consideráveis da costa o que levou a que esta fase tivesse demorado mais tempo mas também a que a região Atlântica tivesse sido mais activamente explorada levando à descoberta das ilhas

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- a Madeira e os Açores passam a estar envolvidas no quadro geo-estratégico das navegações para Sul já que passam a ser importantes pontos de apoio logístico à navegação - na metrópole o Algarve passa também a desempenhar um papel importante sendo o seu senhorio atribuído ao Infante D. Henrique em 1419 - as Canárias são um dos pontos de escala mais importantes e por isso a sua disputa com Castela é desde cedo um ponto da estratégia do Infante - o período até 1434 permitiu ainda a recolha de experiências e aquisição de informações imprescindíveis para permitir a abertura dos mares do Sul - a passagem do Bojador exigiu várias viagens de exploração até ao sucesso de Gil Eanes - a partir de 1434 abre-se um espaço triangular entre a costa marroquina, as ilhas atlânticas e a costa metropolitana que irá condicionar a evolução económica do século XV - após 1434 dificuldades de ordem técnica e de ordem política irão limitar as viagens de exploração 2.1.1 Problemas políticos - com o passar da revolução a sedimentação e arrumação social vai-se definindo com mais clareza - a nobreza procura impor-se na nova sociedade e os monarcas procuram restringir ao máximo a sua influência nas decisões - em 1436, depois de uma fase dedicada à exploração, os interesses da expansão viram-se novamente para Marrocos - o desastre de Tanger em 1437 acaba por ser um desaire para a facção senhorial por revelar os perigos para a Nação da política imperial em Marrocos - depois da morte de D. Duarte, a rainha Leonor é nomeada regente mas a burguesia mercantil não confia na rainha e decide dar a regência ao infante D. Pedro porque vêem nele o fim das expedições em Marrocos dadas as suas posições sempre de apoio à iniciativa comercial - com D. Pedro (de 1440 a 1449) irá consolidar-se o pendor mercantil da Expansão - o período de 1434 a 1439/40 pauta-se assim pelas dificuldades políticas internas que levam a uma redução das expedições - ainda assim, em 1436 com Afonso Baldaia passa-se a Angra dos Ruivos, o Rio do Ouro e chega-se à Pedra da Galé - na região do rio do Ouro Baldaia larga os primeiros eploradores continentais: Heitor Homem e Diogo Lopes de Almeida - depois desses eventos a evolução na costa interrompe-se já que o desaire de Tanger irá fazer parar as expedições até 1440 2.1.2 Problemas técnicos - as condições de navegabilidade em torno do Bojador eram totalmente distintas das encontradas até essa região: - novos acidentes de costa - fortes correntes marítimas - novas direcções de ventos - a Sul do Bojador a direcção dos ventos passa a ser constantes o que colocava muitas dificuldades às viagens de regresso - estas dificuldades levaram ao surgimento de novas soluções de navegação a nível das embarcações e dos meios de orientação - no período de 1434/36 e 1440 apareceu uma nova embarcação, a caravela que tinha vários aperfeiçoamentos face às embarcações tradicionais: - a vela latina triangular - casco subido em relação à linha da água - dotada de 2 mastros e depois 3 - esta era uma embarcação versátil e manobrável que se manteve em constantes modificações para se adaptar às suas missões - as embarcações com vela latina permitiam a navegação à bolina que obrigava no entanto a entrada cada vez maior no Atlântico para longe da costa o que levou ao desenvolvimento de sistemas de orientação já que a navegação já não se fazia à vista da costa

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2.2 Segunda etapa de integração - o período de 1440 a 1449 foi marcado por alguns factos marcantes durante o qual se incorporou uma parte significativa da costa africana e do Atlântico nas regiões conhecidas e mapeadas - em 1441 Antão Gonçalves desce além do rio do Ouro trazendo dois azenegues ao Infante - em 1441 Nuno Tristão desce até ao Cabo Branco - em 1442 D. Pedro organiza uma expedição para explorar a região ao sul do Cabo Branco por Gonçalo de Sintra e Dinis Dias que chegam provavelmente ao Golfo de Arguim - em 1443 Nuno Tristão explora toda a costa do Golfo de Arguim onde os portugueses vão construir a sua primeira feitoria na costa africana com os objectivos de exploração comercial de especiarias, produtos raros e escravos e de recolha de informações - o rio S. João no fundo do Golfo de Arguim permitia a entrada no continente e abria os contactos com as rotas caravaneiras tendo sido nas suas margens construído o interposto de Oadan - a zona de Arguim transformou-se assim no mais importante centro de comércio ultramarino até à construção da fortaleza da Mina em 1482 - assim, em 1433/44 estabelecia-se em Arguim o primeiro centro de tráfico com os Estados Negros e Berberes do interior - Arguim foi ainda o primeiro grande factor de mobilização da burguesia mercantil que finalmente via os lucros da Expansão o que contribuiu para a sua maior motivação - em 1444 os comerciantes do Algarve organizam uma expedição capitaneada por Lançarote de Lagos com a intenção de começar o comércio de escravos, chegando no final dessa viagem o primeiro contingente de escravos a Lagos - a partir desta expedição, outras são organizadas com a participação privada a acentuar-se e a permitir uma maior rapidez nas descobertas - em 1444 Nuno Tristão prossegue o reconhecimento da costa chegando ao Rio Senegal - entre 1444 e 1446 toda a região da costa entre o Senegal e a Gambia vai ser reconhecido - em 1444 Dinis Dias dobra o Cabo Verde e Álvaro Fernandes chega ao Cabo dos Mastros - os contactos com as populações destas regiões revelam-se cada vez mais difíceis tendo mesmo Nuno Tristão morrido numa incursão - nos últimos tempos a regência é ainda incorporada a região dos rios da Guiné que permitia a entrada cada vez maior no interior africano - a partir da Senegâmbia está aberto o acesso à região aurífera de Bambouk e ao centro de Tombuctú com a presença de um grande número de interpostos comerciais - Arguim torna-se a base de operações desde 1443 sendo um porto de escala obrigatório nas viagens de ida e volta - as viagens vão-se afastando cada vez mais da costa (volta pelo largo) graças às adaptações das embarcações e aos sistemas de orientação astronómicas que passam a ser prática corrente destas viagens - a importância estratégica dos Açores e da Madeira cresce com estas viagens cada vez mais pelo interior do Atlântico o que levará a um incremento da colonização das ilhas - a colonização não serve apenas para formar pontos de escala das viagens mas também para o fornecimento de produtos que irão servir como mercadoria de troca - um dos produtos mais em destaque é o açúcar que começa a chegar à Europa em grandes quantidades democratizando-se o seu consumo - mas nas ilhas o cultivo de cereais também desempenha um papel importante já que servem de sustento às viagens mas também à própria metrópole - para além destes produtos as ilhas têm também vinhos, gados, pastel, urzela, sangue de dragão, mel, cera, sal e pescarias - a partir de Arguim procura-se essencialmente ouro e escravos mas há ainda outros produtos como a malagueta, o marfim, a almíscar, as gomas, peles, óleos, ovos de ema, papagaios e gatos de algália - a metrópole por seu lado também se vai desenvolver nomeadamente a produção têxtil e outros produtos manufacturados como as quinquilharias de prata, cobre, latão e coral - assim estabelece-se um rico trato entre as 3 regiões que é descrito pelos principais pilotos do período como Cadamosto, Diogo Gomes ou Uso-di-Mare

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- no final desta segunda etapa, o Atlântico está transformado numa área de grande interesse económico que liga a costa portuguesa em especial o Algarve à costa africana em especial de Arguim à Senegâmbia e às ilhas do Atlântico - a morte do infante D. Pedro vem trazer uma alteração profunda à estratégia da expansão 2.3 Terceira Etapa da Integração - de 1449/50 a 1482 decorre um largo período ao fim do qual está criado um novo complexo geográfico - este período tem no entanto várias fases que se articulam para a definição de uma nova área geográfica de actuação 2.3.1 Da morte do Infante D. Henrique a Fernão Gome s - de 1449 a 1460 surge um primeiro sub-período sem alterações profundas na estratégia embora se note um abrandamento nas viagens de exploração - D. Afonso V ao assumir o trono deixou que os interesses da nobreza se sobrepusessem levando a uma inflexão na política externa nomeadamente na Expansão - as viagens de exploração praticamente terminaram devido a vários motivos: - dificuldades inesperadas por exemplo com as populações autóctones - avultados recursos financeiros necessários - concorrência de outros países - D. Afonso V volta a olhar para a estratégia da conquista de Marrocos reabilitando a estratégia da conquista de Tanger - o próprio Infante D. Henrique interessa-se por essa vertente militar e guerreira no Norte de África - as explorações a sul surgem apenas a cargo de particulares e geralmente estrangeiros como Cadamosto e Uso-di-Mare em 1455-56 - em 1456 Diogo Gomes sobe o rio Gambia atingindo Cantor, um grande mercado nas margens do rio - neste períoso foram explorados os grandes rios da Guiné e eventualmente terão sido tocadas algumas ilhas de Cabo Verde - o Infante D. Henrique neste período pouco se interessa por estas navegações dedicando aos planos em Marrocos e deixando aos particulares a iniciativa das viagens - com a morte do Infante, os largos privilégios que possuíam voltam em parte para a Coroa ficando o seu herdeiro, o sobrinho D. Fernando com alguns deles também - nesta fase há duas viagens ma com poucos resultados: - 1460 – exploração de Diogo Gomes - 1461/2 – exploração de Pêro de Sintra 2.3.2 Dos arrendamentos a Fernão Gomes à Feitoria d e S. Jorge da Mina - o mais importante dos arrendamentos celebra-se a 1469 a Fernão Gomes que tem a seu cargo vários pilotos importantes: - João de Santarém - Pêro Escobar - Soeiro da Costa - Fernão Pó - Lopo Gonçalves - Rui Sequeira - Álvaro Esteves - neste período de arrendamento é explorado o golfo que ia desde a Serra Leoa até ao Cabo de Santa Catarina atingido em 1474 - foram descobertas regiões que davam acesso a ricos produtos já que se incluía a costa da Malagueta, a costa dos Escravos, a costa do Marfim e a costa do Ouro - organizou-se o comércio essencialmente na foz do rio S. João como em Samá, Axém, Cabo das Três Pontas e na Aldeia das Duas Partes onde em breve se irá instalar a feitoria da Mina

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- o golfo deu ainda acesso a ilhas como S. Tomé, Príncipe, Fernão Pó e Ano Bom assim como as ilhas de Cabo Verde - a exploração fica confinada a estes espaços até ao reinado de D. João II - a construção do Castelo-Feitoria na Mina irá esbater a importância de Arguim - em 1474 o fim do contrato com Fernão Gomes leva a que o príncipe D. João assuma a direcção da exploração deixando o rei D. Afonso V liberto para a guerra em Marrocos - a riqueza do comércio na região desperta a cobiça de outros países como Castela, que levam a medidas restritivas do comércio na região, nomeadamente em relação a estrangeiros - às medidas reais seguem-se as bulas papais que confirmam o monopólio português no comércio com as Terras dos Negros - a construção da feitoria de S. Jorge da Mina em 1482 marca o ponto culminante da terceira fase, tendo como objectivo abranger, controlar e centralizar o comércio dessa região - a articulação do comércio na região gira em torno de dois pólos: a Feitoria da Mina e a Casa da Mina em Lisboa - nos anos de 1480-1482 D. João II implementa uma política de restrição de tráfego na região mas também uma política de ocultação de dados e resultados das explorações - para proteger o comércio do golfo preparou pequenas caravelas com grandes bombardas mas também firmou o tratado de Alcáçovas/Toledo em que firma a paz com Castela - os capitães das embarcações são dotados de poderes quase discricionários para manterem um rígido controlo - as consequências económicas desta política são vastas dado que as quantidades de produtos que começam a chegar à Europa aumentam substancialmente - Lisboa torna-se a cabeça deste comércio embora os restantes portos do reino também sejam beneficiados - do ponto de vista politico e social é o abandono da estratégia guerreira de D. Afonso V e a aposta definitiva na política comercial, de protecção, apoio e incentivo aos interesses burgueses - os recursos financeiros do comércio permitem ainda à Coroa libertar-se dos constrangimentos dos interesses das classes sociais 2.4 Quarta etapa: a devassa geográfica do Atlântico Sul e a soldagem com o Índico,

1482-1502/3 - a última fase da estruturação e integração do Atlântico inicia-se em 1482 com várias viagens de exploração relevantes: - 1482 – Diogo Cão explora o Atlântico Sul - Costa do Bernim explorada por Fernão Pó e Afonso de Aveiro - no troço entre a Mina e o Cabo da Boa Esperança não se organizou praticamente nenhum comércio o que aponta como objectivo principal destas viagens o caminho para o Índico - as viagens mais importantes deste período foram as de Fernão Domingos do Arco, Fernão Dulmo e João Afonso do Estreito 2.4.1 As Viagens de Diogo Cão e Bartolomeu Dias, 14 82-1488 - a primeira expedição de Diogo Cão zarpa em 1482 e chega ao rio Zaire e desce a costa até ao Cabo Lobo ou de Santa Maria - a última viagem realiza-se em 1485/86 e desce até aos limites da Serra Parda regressando a Lisboa com a convicção que a costa africana continuava para Sul - terá existido uma terceira viagem de Diogo Cão na qual provavelmente subiu o rio Congo até às Cataratas de Ialela onde colocou uma inscrição - na sequência destas explorações, D. João II fez saber ao papa que estava praticamente a alcançar a Índia - Colombo propõe-lhe a viagem em busca da Índia para Leste que D. João II recusa 2.4.2 Viagem de Bartolomeu Dias, 1487-88 - Bartolomeu Dias rumo para sul do Cabo do Padrão explorando a costa até à Angra das Voltas e à Serra dos Reis

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- neste ponto afasta-se da costa e navega para sul voltando depôs para leste – não tendo encontrado a costa vira para Norte onde encontra a Angra dos Vaqueiros já na costa oriental africana - voltando Bartolomeu Dias junto à costa, encontra o Cabo das Tormentas que é agora renomeado Cabo da Boa Esperança por D. João II - a certeza da chegada à Índia é adquirida com a volta do navegador a Lisboa fechando-se o ciclo da exploração do Atlântico IV – O Índico e o Pacífico 1 – As viagens terrestres - D. João II ao preparar a viagem para a Índia organiza uma série de viagens terrestres em complemento - uma dessas viagens dirige-se aos Lugares Santos em África, nomeadamente ao reino do Preste João - a mais importante é a viagem de Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva por terra para a Índia - destinava-se à recolha de informação sobre o território, sobre a navegabilidade do Índico e sobre os principais interpostos como Cananor, Calecute, Goa e Sofala - no ano de 1487 partiam Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva e Bartolomeu Dias deixaria o Tejo para dobrar o Cabo da Boa Esperança 2 – A articulação geográfica e económica com o Índi co e o Oriente 2.1 Viagem de Vasco da Gama – 1497-98 - o comando da nova expedição com o objectivo de chegar à Índia é dado a Vasco da Gama que servira anteriormente o monarca nas armadas - Vasco da Gama passa o Cabo da Boa Esperança e ruma a Calecute onde chegou em Maio de 1498 - o objectivo era estabelecer boas relações com as populações, mas o seu esforço não foi totalmente conseguido já que as populações ficaram pouco impressionadas com os portugueses - este último período é importante por se juntarem os conhecimentos técnicos e científicos necessários para efectuar a viagem - de todas as viagens anteriores tinha resultado um conhecimento muito aprofundado do Atlântico Ocidental e da costa africana - na 2ª missão de Vasco da Gama em 1502/3 consolida-se o potencial económico da rota do Cabo com a chegada do primeiro carregamento de especiarias - o Atlântico perde importância económica mas ganha importância estratégica - o Tratado de Tordesilhas de 1494 visou arredar os castelhanos deste lucrativo comércio acautelando as rotas pelo Atlântico 3 – A Índia. O Oriente 3.1 As rotas terrestres e marítimas - a partir de 1503 o grande objectivo passou a ser a Índia - as preocupações do monarca passaram a ser o interposto de Malabar e as rotas marítimas e terrestres que traziam as especiarias e o ouro - D. Manuel definiu como objectivo desde o início o domínio do Índico, quer pela via diplomática quer pela via militar O domínio do Índico vai ser conseguido rapidamente devido a:

- os mares do Oriente eram conhecidos e percorridos por marinheiros experientes que passaram esses conhecimentos aos portugueses - existiam rotas comerciais já estabelecidas entre as populações orientais que se articulavam com as rotas do Mediterrâneo

- os principais entrepostos localizava-se no sentido dos paralelos, o que facilitava a navegação

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- as soluções técnicas impostas pelos condicionalismos físicos do Índico foram rapidamente encontradas - o recurso à guerra foi necessário em especial porque os árabes estavam integrados activamente neste comércio e movimentaram muitas das populações contra os portugueses - a integração do Oriente no império português aconteceu em 2 fases principais 3.2 Fases de integração e conquista 3.2.1 Primeira etapa: 1500 a 1505/9 - o grande mentor da política de conquista dos mares foi D. Francisco de Almeida - apesar disso a viagem de Pedro Álvares Cabral, a 2ª missão de Vasco da Gama e a viagem de Duarte Pacheco Pereira começaram com esse objectivo - esta estratégia pressupunha o controlo de um conjunto de bases terrestres de apoio às manobras e actividades militares - estas bases terrestres ficaram conhecidas como Fortalezas-feitorias - da execução prática da instituição destas bases encarrega-se D. Francisco de Almeida, o 1º Vice-Rei da Índia nomeado em 1505 com o objectivo de garantir o tráfico do ouro estabelecendo com firmeza o controlo de Sofala e Quíloa - o ponto culminante desta estratégia é a Batalha de Diu de 1509 na qual é consolidada a estratégia e acção militar assegurando o controlo português do Índico - no fim deste vice-reinado, está assegurada uma rede que vai de Sofala a Melinde passando ainda por Mombaça e Quíloa - no interior africano estabelecem-se várias feitorias articuladas com Sofala como Sena e Tete - A Norte assegura-se o controlo de Socotorá na entrada do Mar Vermelho - na costa ocidental do Malabar estabelece-se uma rede de feitorias destinadas a controlar o comércio das especiarias: Cochim, Cananor, Angediva e Diu - deste primeiro assalto aos centros comerciais das especiarias resultou uma perturbação das rotas tradicionais do comércio oriental que passavam agora por Malaca, Samatra e Ceilão e procuravam atingir o Golfo Pérsico com a protecção de Ormuz e Adém - nos interpostos do Mediterrâneo o impacto também se sentiu já que as quantidades de produtos que lá chegavam diminuiu significativamente - a Europa deixava assim de depender exclusivamente do eixo mediterrânico e o eixo Lisboa-Antuérpia substitui o Veneza-Alexandria - os outros países rapidamente se aproveitaram das rotas abertas pelos portugueses entrando no comércio atlântico nomeadamente as Províncias Unidas e a Inglaterra 3.2.2 Consolidação das bases marítimas – constituiç ão das bases territoriais – 1509-

1515 - a perda do Oriente por parte de Portugal seria essencialmente uma perda do controlo das rotas comerciais - Afonso de Albuquerque iria continuar a política de controlo marítimo mas com a consolidação das bases terrestres - a política de domínio das rotas e de transporte seria substituída por uma política de fixação, sedentarização e colonização dos territórios - o primeiro objectivo de Albuquerque foi fechar as rotas do Mar Vermelho conquistando a costa de Oman e Ormuz - o ponto mais importante conquistado por Albuquerque foi no entanto Goa em 1510 j+a que tinham uma privilegiada situação geográfica no centro da costa do Malabar vigiando a passagem para as ilhas do Sul - Goa foi seleccionada para sede administrativa e institucional visando a solidificação e fixação territorial ao mesmo tempo que vigiava o Golfo Pérsico e o Mar Vermelho - a conquista de Ormuz vem reforçar esse controlo e é mesmo esta cidade que vai funcionar como termómetro da situação oriental até à sua perda em 1622 - a conquista de Malaca em 1511 permitiu ainda a abertura da porta para o Extremo Oriente, evitando ao mesmo tempo a fuga do comércio que se tinha operado com o controlo português do Malabar

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- Albuquerque pretendia ainda a conquista de Adém para fechar completamente o poderio português mas já não conseguiu completar essa tarefa 4 – O Pacífico - uma terceira etapa que abre um novo espaço geográfico atinge-se em 1511 com a conquista de Malaca que correspondia à junção do Mundo do Índico com o Mundo do Pacífico - através de Malaca surgem novos produtos: pimenta, noz moscada, cravo, arroz, porcelanas, vidros, sedas, perfumes, drogas, ouro e prata - nesta fase assiste-se novamente à descoberta de novas regiões até onde os europeus ainda não tinham chegado - a partir de Malaca são organizadas explorações no Golfo de Bengala, no continente chinês e na rede insultar do Pacífico - um dos feitores de Malaca visitou a China em 1513 tendo-se seguido várias explorações e tendo-se enviado um embaixador em 1517 e em 1541 ou 1542/3 chegariam os portugueses ao Japão - outro eixo de interesse eram as Molucas de onde chegavam as especiarias nas ilhas de Samatra, Java, Amboíno, Buru, Ceram e Ternate atingidas por Afonso de Albuquerque e por Francisco Serrão - em 1522 ou 1525 teria sido atingido o continente australiano na expediçãod e Gomes de Sequeira - todo o contacto com o mundo oriental partia de Malaca e todas as expedições têm como ponto de partida 1511 - este período é de particular relevância pois com Fernão Magalhães em 1519 se conhecia finalmente a dimensão total do mundo V – A construção naval portuguesa (século XV-XVI) 1 – Nos primórdios da marinha portuguesa - a situação geográfica de Portugal sempre favoreceu o desenvolvimento das actividades marítimas e da construção naval - em 1258 Viloa do Conde já possuía uma considerável frota pesqueira e os pescadores não se limitavam à costa portuguesa indo à Galiza, à Bretanha ou ao Norte de África - os caminhos do comércio marítimo eram também já trilhados pelos navegadores portugueses desde pelo menos o século XII par aos destinos do Norte e Noroeste europeu - as viagens marítimas foram muito favorecidas pois as viagens terrestres eram longas e as estradas de má qualidade - a partir do século XIV os monarcas portugueses tomaram medidas de defesa dos mercadores como a Companhia das Naus fundada provavelmente em 1380 por D. Fernando - a marinha de guerra devia ser ainda embrionária desenvolvendo-se com a nomeação em 1317 de Manuel Pessanha como almirante-mor das galés reais - terão sido os homens de Pessanha a introduzir a bússula chamada agulha de marear - a cartografia portuguesa também denota a influência das cartografias catalã e italiana tendo no século XVI atingindo uma qualidade superior - a influência das heranças judaico-cristã e árabe em Portugal desempenhou ainda um papel importante quer no acesso às obras clássicas, quer no acesso às obras árabes que os judeus traduziram para latim - através desta influência chegaram a Portugal tratados que versavam a astronomia com o do árabe Alfragano e o uso do astrolábio como o de Massala (século VIII-IX) - Portugal foi ainda um ponto de encontro das várias técnicas de construção naval que se foram aperfeiçoando com a cartografia e a náutica - o processo de síntese das várias práticas de construção naval deu-se por via empírica, ou seja pela observação e troca de experiências e pelos contactos entre os mestres construtores navais 2 – Os navios: construção, tipologia e funcionalida de

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- Portugal assistiu à confluência de técnicas de construção naval árabes, mediterrânicas e do Norte da Europa - a caravela teve a sua origem etimológica numa embarcação do Norte de África, o cáravo do qual a caravela seria uma evolução resultando o nome da contracção de cáravo-à-vela - eram embarcações semelhantes em vários aspectos com idêntica tonelagem e por isso não é razoável assumir que tivessem evoluído sem contacto - sucessivas adaptações resultaram em embarcações que se revelavam mais próprias para os desafios específicos de cada uma das fases da Expansão - as embarcações evoluíram com a procura de soluções para os desafios da navegação e das missões de que eram encarregues Este processo de interacção levou ao surgimento de tipos de embarcações como a caravela, a nau ou o galeão 2.1 Barca e barinel - as primeiras incursões na costa ocidental africana foram sempre feitas em barcas e barinéis - o termo barca aparece referido até ao século XVIII designando embarcações utilizadas na pesca, na navegação fluvial e de cabotagem - as principais características da barca usada nos Descobrimentos eram: - tinha no máximo 30 tonéis de arqueação - Tilhas (coberturas) à popa e proa - um mastro com pano latino segundo a tradição mediterrânica - também tinha remos que utilizada subsidiariamente - foi numa barca que Gil Eanes dobrou o Bojador em 1434 e a escolha dessa embarcação deveu-se à suspeita de existirem baixios na região, o que obrigava à utilização de um barco de pequenas dimensões - as características do barinel não são conhecidas mas deveria ter a sua origem no Mediterrâneo e devia contar com dois mastros com pano latino - no início da década de 1420 a caravela toma o lugar de navio dos descobrimentos 2.2 Caravela - a mais antiga referência a uma caravela encontra-se em 1226 e a mais recente em 1738 - existiram vários tipos de caravelas ao longo destes 500 anos: caravela alfamista, pescareza, latina, de descobrir, antiga meã, redonda ou de armada - a pesacareza era uma embarcação de pesca pequena que surgiu no século XIII - a caravela redonda ou de armada aparece no século XVI, é de muito maior porte e a sua tripulação podia rondar os cem homens - o prolongamento das viagens começou a exigir embarcações mais robustas mas sem perda de qualidades - a caravela realizou as principais viagens de descoberta da costa ocidental africana estudando os regimes das correntes e dos ventos do Atlântico - a caravela latina de 2 mastros tinha cerca de 40 a 60 tonéis de arqueação e podia ser armada com pequenas peças de artilharia como os falcões e os berços - era facilmente manobrável por um pequeno número de marinheiros e tinha pouco calado podendo navegar com pouca altura de água - nos finais do século XV surgiu a caravela latina de 3 mastros que tinham uma arqueação média que podia ir até aos 100 tonéis - no século XVI surge ainda outra caravela com 4 mastros com pano redondo com 160 a 180 tonéis e podendo ser artilhada com peças de maior calibre – esta caravela poderia ter sido um desenvolvimento de uma adaptação das caravelas latinas pois na navegação oceânica o pano redondo do mastro da popa tornava a embarcação mais fácil de navegar com o vento pela popa - a grande vantagem da caravela foi apontada por João da Gama Pimentel Barata como sendo o dobro da superfície de velame de que dispunha sem perca de equilíbrio entre os elementos do navio nomeadamente a adequação ao tamanho e desenho do casco - os navios com velas latinas faziam singraduras, ou seja uma rota em ziguezagues sucessivos

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- a caravela continuou sempre a ser o navio preferido para as viagens à costa africana mas no Atlântico Sul as suas limitações ficavam mais patentes: com a extensão das viagens o desgaste do navio e a sua capacidade de aprovisionamento dos víveres e mercadorias era cada vez mais limitado 2.3 Nau - esta dificuldades em percursos longos está patente nas Lendas da Índia de Gaspar Correia - os dez anos entre a viagem de Bartolomeu Dias e a viagem de Vasco da Gama foram justificados por vários argumentos como a política de sigilo que teria revestido outras viagens neste período - as teorias mais recentes apontam para um conjunto de razões como a garantia por D. João II da não interferência de Castela através de vias diplomáticas - apesar disso sabemos que Bartolomeu Dias viajou em caravelas mas Vasco da Gama já utilizou naus, que terão sido desenvolvidas neste período - a nau é um navio de alto bordo com 3 ou 4 cobertas incluindo o convés, artilhada com peças de grande calibre – foram os primeiros navios a dispor de buzinas ou mais tarde portinholas - o tamanho das naus variou muito de cerca de 120 tonéis na viagem de Vasco da Gama até aos 900 no tempo de D. João III - as naus possuíam várias vantagens: - eram maiores - podiam resistir melhor às tempestades - resistiam mais aos corsários - carregavam grande volume de mercadorias e de mantimentos - a nau em conjunto com o galeão vai assegurar a Carreira da Índia - o tonel que media a capacidade dos navios tinha uma dupla função, com o transporte de produtos e também para medir a arqueação dos navios - o crescimento da tonelagem dos navios deveu-se à ganância dos comerciantes mas também à concorrência feroz que os portugueses começaram a sentir - ao longo do tempo a capacidade concorrencial dos navios portugueses foi-se perdendo com os desenvolvimentos na construção naval de outros países mas isso só iria acontecer no século XVII - a nau e o galeão resultaram da conjunção das tradições mediterrânicas e do Norte da Europa: - os portugueses optaram pelo forro liso em vez do forro trincado utilizado no Norte

- no Mediterrâneo começava-se o processo de construção pelo assentamento da quilha, depois pela fixação das cavernas e por fim com o assentar das tábuas enquanto no Norte se começava pelo casco, depois a quilha e as cavernas

- as naus portuguesas introduziram algumas novidades: - vulgarização da cevadeira, a pequena vela que pende de um mastro que sai para a frente da proa

- as velas da gávea e os joanetes - a grande dimensão das vergas - as peças de madeira cruzadas nos mastros de onde pendiam as velas - é possível que na Índia se tivesse começado a utilizar a pólvora ensacada facilitando a sua introdução nos canhões e aumentando a cadência de tiro - a grande novidade da nau resumia-se à sua eficácia - a galé, um navio utilizado no Mediterrâneo nunca serviria no Atlântico porque era um navio de baixo bordo a remos com um grande número de homens em relação à tonelagem o que lhe conferia pequena capacidade de carga extra, com pouca capacidade de registar às vagas no mar alto e com poucas peças de artilharia 2.4 Galeão - os grandes navios de vela eram utilizados no comércio e na guerra no século XVI - nos finais desse século surge um navio com especiais aptidões para a guerra naval: o galeão português - o galeão era mais estreito e comprido e tinha dois mastros à frente com pano redondo e dois à ré com pano latino

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- estas características tornavam o galeão mais rápido e esquivo à artilharia inimiga - não temos provas que documentem um maior poder de fogo dos galeões e por isso pensasse que a maior diferença estivesse na morfologia do casco e no velame - as diferenças entre os galeões e as naus deviam ser poucas mas não há dúvida que os galeões tiveram um papel importante nas navegações portuguesas do século XVI 3 – Teoria da Construção naval - a experiência teve um papel fundamental na construção naval mas também a reflexão teórica teve o seu papel - Portugal tem uma das mais ricas colecções de tratados teóricos e compilações documentais - Fernando Oliveira é um dos principais autores, um padre que viajou pelo Norte de África, Inglaterra, Espanha e França, e que escreveu o primeiro tratado de construção naval, o Livro da fábrica das naus e a primeira enciclopédia de assuntos náuticos, Ars náutica - Fernando Oliveira acreditava no valor da experiência que adquiriu como piloto mas também se baseou nas obras clássicas para elaborar os seus livros - João Baptista Lavanha foi também uma figura eminente da ciência ibérica que foi autor do Livro primeiro da arquitectura naval - Manuel Fernandes, mestre construtor da Ribeira das Naus escreveu em 1616 o Livro das Traças de Carpintaria - livro técnico com mais de 250 desenhos técnicos

4 – Conclusão - as grandes viagens marítimas dos século XV e XVI só se puderam realizar com os recursos técnicos necessários - ao serem colocados em situações novas os portugueses inovaram mas é preciso ter em conta que:

- as embarcações não foram criadas de raiz mas resultaram de adaptações e melhorias

- a adequação dos navios às suas missões foi um processo gradual - ao processo empírico correspondeu ainda uma produção teórica que nos permite ter uma noção mais precisa do contributo português para a construção naval, mas que terá ainda de ser estudada em maior profundidade VI – A Cartografia Portuguesa nos séculos XV e XVI 1 – A Cartografia medieval - a cartografia medieval anterior ao século XIII não obedecia a nenhum princípio científico - o mundo era representado de uma forma simbólica de forma circular, oblonga ou rectangular - a sua mais antiga expressão são os mapas conhecidos por T-O em que o mar oceano formava uma coroa circular a envolver os 3 continentes que eram cortados pelos rios Nilo e Don ou Tanais – no topo encontrava-se a Ásia r por baixo a Europa e África - estes esquemas foram evoluindo lentamente obedecendo no entanto à arrumação tradicional - Jerusalém ocupava o centro da representação e as crenças bíblicas eram muitas vezes representadas em seu redor - esta tradição cartográfica de raiz erudita perdurou até ao final da Idade Média por exemplo

- nos mapas-mundi de Beato de Liébana so século VIII desenhado nos Comentários do Apocalipse - no de Henrique de Mogúncia dedicado ao imperador Henrique IV - no mapa-mundo da catedral de Hereford - mapas quatrocentistas de Andreas Walsperger e de Fra Mauro

1.1 A carta-portulano - na Idade Média surgiu uma nova corrente cartográfica baseada na navegação ne nos elementos de ordem técnica disponíveis

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- os portulanos eram textos descritivos destinados a marinheiros de pouca cultura e que tinham informações de carácter prático - alguns exemplos de portulanos são: - o Périplo do Mar Eritreu - o Périplo do Mar Interior - Il Compasso de Navegare - com a generalização da agulha de marear, os portulanos começaram a registar os rumos magnéticos e as distâncias em milhas entre os lugares - a evolução será a carta-portulano que é a transcrição gráfica dos portulanos com a representação das costas e dos seus locais - o uso da agulha de marear só foi substituído pelo das alturas estelares fundamentais para a navegação afastada da costa necessária no Atlântico Sul 2 – Origem da cartografia portuguesa - a origem da cartografia portuguesa não é clara embora algumas vezes seja apontada a importância do cartógrafo Jácome de Maiorca que chegou ao reino pela mão do Infante - Duarte Pacheco Pereira no Esmeraldo de situ orbis refere a importância deste cartógrafo no ensino da arte em Portugal - sobre este cartógrafo há muito pouco de certo que se saiba - os avanços das navegações portuguesas de Quatrocentos foram registados nas cartas à medida que prosseguiam os reconhecimentos para sul - as viagens lusas são registadas nas obras de cartógrafos estrangeiros:

- os italianos Andrea Bianco, Pedro Rosselli, Grazioso Benincasa, Cristóforo Soligo e Francesco Rosselli

- o maiorquino Gabriel Valseca - o alemão Martellus - o facto das obras terem topónimos portugueses faz pensar que se basearam em fontes portuguesas - não chegaram até nós nenhumas provas destas obras cartográficas mas elas são referidas em alguma documentação que nos permite pensar que a primeira carta portuguesa tivesse sido desenhada em 1443 - existem no entanto três cartas sobreviventes do século XV:

- uma anónima e sem data – foi atribuída a data disputada de 1471 ou de 1482 na qual ainda não aparece a feitoria de S. Jorge da Mina - uma atribuída a Pedro Reinel sem data – situa-se entre 1484, colta de Diogo Cão da primeira viagem cujos resultados regista e 1487, ano da conquista de Málaga que ostenta na carta uma bandeira mourisca - uma assinada por Jorge de Aguiar em 1492 – nesta carta o traçado vai apenas até S. Jorge da Mina e apresenta uma feição catalano-maiorquina

- existem ainda dois fragmentos de cartas do século XV sendo que uma representa o Mediterrâneo, Adriático e o Canal da Mancha enquanto o segundo tem sido atribuído a Pedro Reinel sendo interessante por representar a mais antiga escala de latitudes de 18º a 61º reflectindo a evolução da navegação astronómica 3 – A cartografia portuguesa quinhentista - a cartografia portuguesa atingiu o seu apogeu no século XVI e sobreviveram muitos exemplos da arte nacional - a escola portuguesa reflecte-se nas inovações tecnológicas e no estilo de raiz lusitana das cartas e na presença de cartógrafos portugueses nas cortes europeias - a análise de Teixeira da Mota referia a existência de 47 cartógrafos portugueses neste período mas não podemos ter certezas sem estudos mais aprofundados 3.1 O planisfério de Cantino - esta importante carta anónima recebeu o nome do negociantes italiano que a levou ao Duque de Ferrara

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- foi possível datar a carta de 1502 e ela baseia-se na carta padrão de el-rei que se conservava nos Armazéns da Guiné e Índia - é a primeira carta náutica que apresenta o Equador, os Trópicos e o Circulo Polar Ártico e embora não tenha uma escala graduada tudo indica que se baseia num padrão graduado - a zona do Mediterrâneo é representada com a informação das cartas portulano - a África tem no entanto um contorno quase real assim como a orla do Índico onde já tinham chegado as navegações portuguesas - o planisfério apresenta ainda o tradicional traçado de Ptolomeu em zonas onde não havia outro conhecimento como o Golfo Pérsico e a península da Malásia - este planisfério tem ainda o mérito de representar terras a ocidente desligadas do Estremo Oriente 3.2 A “Geografia” de Ptolomeu - Composta no início do século II permaneceu desconhecida no Ocidente até que Emmanuel Crysoloras de Bizâncio deu a conhecer a obra numa tradução latina de Jacopus d’Angelus na primeira década do século XV - com a criação da Imprensa foram criadas as condições para a sua rápida divulgação saindo a primeira obra dos prelos em 1475 - no final do século as descobertas portuguesas levaram a que os erros da obra fossem suficientemente graves para interromper a sua publicação - em 1507 saiu uma nova edição com algumas cartas novas, as tabulae novae - o pioneirismo destas novas cartas deveu-se a Claudins Clavus que elaborou uma representação mais realista da península da Escandinávia - a influência desta obra na cartografia portuguesa é notória quer no traçado, que rna nomenclatura - do avultado número de técnicos portugueses alguns se destacaram: - os Reinel, Pedro e Jorge - Lopo Homem, pai de André Homem e Diogo Homem - Diogo Ribeiro, cosmógrafo-mor da Casa de la Contratation de las Índias em Sevilha - Bartolomeu Velho que se distinguiu em França - Bartolomeu Lasso que influenciou a cartografia holandesa - Fernão Vaz Dourado - Luís Teixeira - Gaspar Viegas - Sebastião Lopes 4 – Inovações introduzidas pelos portugueses - a introdução da escala de latitudes foi a grande inovação portuguesa do início do século XVI e que teve imediata repercussão na cartografia europeia - o continente africano foi desenhado nas cartas através de levantamentos da Costa por latitudes como os realizados por Mestre José Vizinho e Duarte Pacheco Pereira de 1485 - numa carta de Pedro Reinel de 1504 surge pela primeira vez uma escala graduada mais curta e inclinada perto da Terra Nova - esta escala foi adoptada por vários cartógrafos portugueses e estrangeiros - a graduação de longitudes também aparece cedo na cartografia portuguesa nomeadamente numa obra atribuída a Pedro Reinel de 1519 - a determinação correcta das longitudes no mar só foi possível no século XVIII com o cronómetro de Harrison - o problema só interessava devido à localização do arquipélago das Molucas e da sua pertença segundo o Tratado de Tordesilhas aos portugueses ou espanhóis - houve também algumas inovações estéticas como a rosa-dos-ventos com uma flor-de-lis com uma pétala central em forma de losango ornamentada na ponta e flanqueada por uma gavinha de cada lado - nos planos hidrográficos dos roteiros de D. João de Castro surge ainda outra inovação que é o desenho das vistas da costa rebatidos no plano horizontal acompanhados por pormenorizados roteiros

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- com as obras de João Teixeira Albernaz I esta técnica atinge o seu apogeu no século XVII - também o registo de sondagens pode ser uma inovação portuguesa - nas viagens de navegação de Quinhentos eram ainda utilizados regimentos astronómicos de navegação nas cartas e nos atlas destinados a ajudar os navegadores - André Homem, João Baptista Lavanha e Luís Teixeira incluem nas suas obras tábuas de declinação solar necessárias para calcular o Regimento da altura do pólo ao meio dia - as tabelas mais antigas que se conhecem provêm da obra Almanach Perpetuum de Abraão Zacuto - para além destes regimentos, em alguns autores surgem ainda tabelas de marés e o Computo Calendárico útil par ao cálculo das fases da lua que determina as marés 5 – A influência da cartografia portuguesa na carto grafia estrangeira - pouco se sabe de escolas cartográficas na Europa embora tenhamos conhecimento de vários cartógrafos - na cidade de Dieppe na Normandia um estudo das cartas revelou uma inspiração lusitana devido aos nomes de origem portuguesa representados nas linhas costeiras em geral e mesmo nas francesas - está comprovada a presença de cartógrafos portugueses em França como Bartolomeu Velho, Pêro Fernandes, Fernando Oliveira, André Homem e João Afonso, dito Santongeois - a influência da cartografia portuguesa nas obras holandesas é ainda mais evidente com a presença de cartas de Bartolomeu Lasso e de Luís Teixeira nesse país Na cartografia italiana essa influência também está patente nas obras de Nicolau Caverio e do Visconde de Maiollo - em Espanha trabalharam vários cartógrafos portuguesas como Diogo Ribeiro , Jorge Reinel, João Dias de Sólis, João Baptista Lavanha e Pedro Teixeira Albernaz - a cartografia portuguesa ainda influenciou as obras de outros países como as cartas do navegador turco Piri Reis e algumas cartas de origem nipónica que revelaram influência de Fernão Vaz Dourado VII - Linhas e rumos da colonização portuguesa 1 – Ocupação e colonização no Atlântico - a Expansão portuguesa saldou-se por uma sobreposição e soldagem de sucessivos quadros geográficos - paralelamente foi-se procedendo ao aproveitamento dos recursos económicos destes espaços que surgia como suporte e incentivo à realização de novas viagens - para além da exploração dos recursos locais, em algumas regiões procedeu-se também á produção através de acções de fixação e sedentarização Em certas regiões para fomentar esta produção e a economia de transporte foram criadas feitorias-fortalezas e fortalezas-feitorias - a política da boa vizinhança foi seguida sempre que possível para manter as boas relações comerciais - o quadro humano encontrado em cada uma das regiões influenciou as soluções encontradas:

- numa região a produção era suficiente mas a população era menos evoluída e estava fora dos mecanismos do mercado organizado - na outra região existiam povoações heterogéneas com maior grau de desenvolvimento e com fortíssimos interesses comerciais organizados e redes de comércio de grande amplitude

- noutras regiões a produção foi necessária desde o início ou porque a população não existia ou porque o seu grau de desenvolvimento não permitia o fornecimento dos mínimos necessários de abastecimento – nestas regiões a colonização foi prioritária - mo Atlântico a colonização foi particularmente importante nas ilhas e no Brasil 1.1 A questão das Canárias - as ilhas das Canárias estiveram sempre presentes nos planos de expansão do século XV

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- numa carta ao Papa Clemente VI D. Afonso IV faz referência a uma viagem às Canárias em 1336 ou antes - em 1341 este monarca organizou uma viagem ao arquipélago da qual faziam parte florentinos, genoveses, espanhóis e catalães - também Castela organizou várias expedições ao arquipélago - no reinado de D. Fernando o monarca viria a realizar actos de titularidade e soberania como - as ilhas apesar de bem conhecidas permaneceram com pouco interesse até ao desenhar da política expansionista no Norte de África e no Atlântico - devido a essa falta de interesse não surpreende que as primeiras viagens tenham efeitos nulos quer do ponto de vista estratégico quer do ponto de vista económico - a situação modifica-se em finais do século XIV, inícios do século XV quando se tornam claras as ambições expansionistas - D. Fernando faz a doação das ilhas em 1370 a Lançarote de França - os interesses castelhanos e a hostilidade dos indígenas impedem a efectiva ocupação das ilhas por Lançarote - em 1386 Aragão procura tomar posse das ilhas e em 1402 é a vez de Castela tentar o mesmo - em 1416 o Infante D. Henrique envia expedições às Canárias procurando a sua conquista - em 1448 dão-se novas tentativas até porque as ilhas começam a desempenhar um papel importante como ponto de passagem nas rotas para sul - o tratado de paz assinado entre Portugal e Castelo em 1479/80 estipula que os castelhanos ficam com as Canárias e com Granada mas que a eles ficam proibidas as viagens a sul do arquipélago - o príncipe D. João excluía assim os castelhanos das novas rotas comerciais 1.2 Descoberta e colonização da Madeira - estas ilhas foram possivelmente avistadas e tocadas no século XIV aparecendo citadas no Libro del Conoscimento (1348-1349) praticamente com os seus nomes finais - apesar dessa circunstância, o seu interesse estratégico desenvolveu-se tardiamente só passando a ser importante como porto de paragem das navegações já no século XV - de uma das viagens ao Norte de África resultou a descoberta de Porto Santo em 1419 por João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira - no ano seguinte em companhia de Bartolomeu Perestrelo chegaram à Madeira - o arquipélago da Madeira marcou um fenómeno novo na expansão portuguesa: a colonização - este foi um processo tradicional por adoptar o arquétipo senhorial típico da metrópole mas também inovador no ensaio sucessivo de culturas em busca das mais adequadas - este processo também foi cíclico com a cultura de vários produtos que foram marcando os diferentes períodos da colonização das ilhas - as primeiras experiências de aproveitamento da região surgem entre 1419-20 e 1425-26 protagonizada pelos seus descobridores, João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz da Cunha e Bartolomeu Perestrelo - a aptidão das ilhas para o cultivo agrícola começa a ser aparente rapidamente e é tomada a decisão da colonização - um dos argumentos para defender esta colonização é o caso das Canárias - dividem-se os historiadores sobre se o rei ou D. Henrique teriam tido a iniciativa da colonização, mas sabe-se que se o monarca institucionalizou a prática e só ele o poderia fazer, o infante operacionalizou os procedimentos - Perestrelo recebeu o governo de Porto Santo e Zarco e Vaz Teixeira dividem a ilha da Madeira - as ilhas foram colonizadas por uma população diversificada: - pequenos nobres constituídos pelos governadores e suas famílias - colonos-exploradores dos meios agrícolas da metrópole - condenados e homiziados - escravos mouros e depois da década de cinquenta escravos negros - povoadores estrangeiros essencialmente italianos e flamengos - o povoamento da Madeira foi dificultado pelas escarpas íngremes e pela densidade da arborização - o regime jurídico administrativo era mais lato, maleável e atractivo :

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- as terras foram doadas sem qualquer encargo aos de mais elevada condição - aos homens pobres e humildes era exigida a obrigação de serem aproveitadas no prazo de 10 anos

- os pastos, matas, nascentes, margens e costas eram doadas em comum a todos - em 1433 D. Duarte cede o senhorio vitalício das ilhas a D. Henrique reservando para o monarca a cunhagem de moeda e a justiça última - o infante D. Henrique tem assim a seu encargo: - todos os direitos e rendas - toda a jurisdição cível e crime excepto a justiça final - poder para arrotear e explorar as culturas e terras - reserva de foro devido ao monarca - depois de 1433 o infante cria as capitanias tornando oficial uma relação que já existia com os seus capitães donatários: - Tristão Vaz Teixeira – Capitania do Machico em 1440 - Bartolomeu Perestrelo – Capitania de Porto Santo – 1446 - João Gonçalves Zarco – Capitania do Funchal – 1450 - os direitos e deveres dos capitães-donatários eram: - receber o cargo de capitão - encargo jurisdicional no território - direito de conceder terrenos em sesmaria - privilégio de construção de fornos e moinhos e da venda de sal - redízima de todas as rendas - a exploração dos recursos do arquipélago começou pelos géneros disponíveis como o pescado, as plantas tintureiras (sangue de dragão, pastel e urzela) e as madeiras - seguiram-se produtos agrícolas como os cereais, produtos hortícolas, frutas e gado - a fortuna das ilhas iria encontrar-se à volta de 3 produtos: os cereais, o açúcar e o vinho - a produtividade dos trigos, cevadas e aveias foi espantosa no início do seu cultivo, alimentando a exportação para o Norte de África e para a metrópole - o cansaço da terra e a exploração de outras culturas levaram ao declínio dos cereais e a partir de 1485 as necessidades da povoação já não eram satisfeitas pela produção interna - a cana-do-açúcar foi introduzida pelo infante e em 1470 já era claro que seria um factor dinamizador da economia da ilha - o açúcar começou a inundar o mercado europeu e na década de 60 chega à Flandres concorrendo com o açúcar do Levante e da Sicília - D. Fernando tenta estabelecer o monopólio do açúcar mas D. Manuel intervém em 1496 fixando o preço do produto - os principais destinos do açúcar da Madeira eram: - Itália, com Veneza e Génova - Quios e Constantinopla - Flandres - costa noroeste de França - Inglaterra - Lisboa - a cultura da cana transformou-se num dos mais activos agentes de colonização - a cultura da cana obrigava ao surgimento de actividades de suporte como os mesteirais ou os criadores de gado - a crise dos açúcares do século XVI com a concorrência de outras regiões levou ao desenvolvimento do cultivo da vinha, embora ela tenha sido introduzida ainda no tmepo do Infante - desde cedo que os vinhos se destinaram à exportação e no século XVII os metropolitanos e ingleses andam activamente no seu comércio - o crescimento da população da ilha foi considerável ao longo dos século XV e XVI - a cidade do Funchal foi a que mais cresceu seguindo-se Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta do Sol e Arco e na capitania do Machico desenvolveu-se também Santa Cruz - nos finais do século XV surgiu no arquipélago uma vida rural, industrial e mercantil variada, intensa e multifacetada 1.3 Açores

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- o avistamento das ilhas dos Açores antes da sua descoberta em 1427 por Diogo Silves é possível mas mais problemático do que no caso da Madeira - a descoberta está ligada às viagens de retorno da costa africana que exigiam uma volta pelo meio do Atlântico e por isso é provável que as ilhas mais ocidentais tivessem sido avistadas numa destas viagens de regresso - as ilhas mais orientais, Flores e Corvo, foram no entanto seguramente descobertas apenas por Diogo de Teive em 1452 - o primeiro acto efectivo de ocupação dá-se em 1439 com a autorização dada pelo regente D. Pedro ao seu irmão D. Henrique para efectuar o povoamento das ilhas - dessa tarefa foi encarregado Frei Gonçalo Velho em 1431-32 - as dificuldades foram maiores do que na Madeira devido aos fracos recursos naturais e à distância considerável da metrópole - aqui também os povoadores foram diversificados: - pequeno grupo de nobres que capitaneou as acções de colonização - colonos de extracção rural - judeus, condenados e homiziados - escravos mouros e negros - alguns estrangeiros: flamengos, italianos, franceses, castelhanos e ingleses - Gonçalo Velho dirigiu o povoamento de Santa Maria e S. Miguel e legou a capitania ao seu sobrinho João Soares de Albergaria que por sua vez vendeu S. Miguel a Rui Gonçalves da Câmara, um madeirense que impulsionou a colonização com povoadores da Madeira - durante a vida do infante procedeu-se ao povoamento da Terceira cuja capitania foi entregue a Jácome de Bruges em 1450 tendo fundado a cidade da Praia - em 1452, explorações par ocidente de Diogo de Teive levaram-no a descobrir as ilhas das Flores e Corvo - na Terceira é ainda fundada Angra surgindo assim duas capitanias na ilha: - Praia atribuída a Álvaro Martins Homem - Angra atribuída a João Vaz Corte Real - a Graciosa foi povoada por Pedro Correia da Cunha e Vasco Gil do Sodré com colonos vindos de Coimbra e do Algarve - o flamengo Joz de Utra tornou-se capitão donatário do Faial e Pico tendo atraído à primeira ilha muitos colonos flamengos, oq eu voltaria a ser feito pelo seu conterrâneo Guilherme Van der Haagen que levou colonos flamengos para as Flores, S. Jorge e Corvo - Corvo foi doado ao Duque de Bragança em 1453 e as Flores e o Corvo foram doadas a Fernão Teles em 1474 - as dificuldades do povoamento levam à concessão aos colonos de um prazo de 5 anos de isenção de dízima e portagem em 1443 - devido a estas dificuldades o regente irá ainda ter a iniciativa da colonização de algumas ilhas como S. Miguel para onde enviou degredados em 1454 - o processo de ocupação foi semelhante ao da Madeira: aproveitamento dos recursos existentes e posterior produção de cereais, açúcar e vinho - os recursos disponíveis eram sobretudo as madeiras e a urzela, mas desde cedo a pesca de lobos marinhos e de baleias se revelou importante - após as queimadas assiste-se à sementeira de cereais como o trigo, a cevada e a aveia e também nestas ilhas a produtividade foi muito elevada incentivando a sua exportação para o Norte de África, para a metrópole e para a costa africana - o açúcar foi também introduzido em S. Miguel por iniciativa de D. Pedro e o Infante levou-o também para Santa Maria - as ilhas onde o cultivo da cana foi mais relevante foram S. Miguel e a Terceira - as condições do arquipélago e o pouco interesse dos colonos levou a que o cultivo da cana fosse sempre pouco importante - a vinha espalhou-se também por Santa Maria, S. Miguel, Terceira e Pico mas sema tingirem um nível de qualidade muito elevado - para além dos cereais, a outra produção relevante dos Açores foi o gado bovino, ovino e caprino que alimentou exportações nos século XV e XVI - à pecuária está ligada a produção de peles, couros, sebos e saborias que desempenharam um papel importante na economia do arquipélago

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- outros produtos surgiram nos séculos XV e XVI como os inhames, os citrinos, o milho grosso e o linho - papel fundamental foi ainda desempenhado pelo pastel, uma planta tintureira da região da Flandres que se adaptou muito bem às condições do arquipélago sendo até chamada a planta dos ovos de ouro e alimentando um vivo comércio com Sevilha, a Flandres, França e Ilhas Britânicas - a partir de finais do século XV os Açores tinham-se tornado um ponto de escala obrigatório nas viagens de regresso da Guiné e da Mina e com a abertura da Rota do Cabo os Açores ganham um papel determinante no comércio atlântico 1.4 Cabo Verde - Cadamosto atribui-se nas suas obras a prioridade da descoberta das ilhas de Cabo Verde em 1456 mas António de Nola, Diogo Gomes e Vicente Dias disputam o feito - a análise dos historiadores leva a uma defesa da data de 1460 e da parceria Nola-Gomes para o avistamento das ilhas mais próximas da costa: Santiago, Maio, S. Cristóvão, S. Filipe e Sal -as ilhas mais afastadas, S. Vicente, S. Nicolau, S. Antão, Brava e os Ilhéus foram descobertas em 1462 por Diogo Afonso - as ilhas eram desertas, áridas e pobres e com um clima adverso ao europeu o que levou a uma lenta ocupação do arquipélago - Santiago foi dividida em duas capitanias: Ribeira Grande e Alcatrazes - o povoamento do arquipélago foi feito em 3 fases: de 1460/2 a 1469/74, de 1474 a 1500 e depois de 1500 - na primeira fase registam-se os incentivos ao povoamento e a sua dificuldade – o principal chamariz das ilhas é a sua proximidade com Arguim - os seus principais recursos eram o sal, as conchas, as pescarias e mais tarde a urzela, o pastel e o algodão - os privilégios concedidos aos povoadores foram essencialmente facilidades de comércio com a costa africana nomeadamente o comércio de escravos - a concessão da região a Fernão Gomes leva a um aumento da importância das ilhas que passam a ser um ponto importante para a vigilância e controlo de todo o comércio na região - em 1472 surgem as primeiras regulamentações e restrições que procuram controlar o comércio na região - as ilhas começam a ser disputadas pelos castelhanos que assaltam as ilhas e são impostas medidas draconianas de controlo em 1479/80 para evitar a fuga de informações e de comércio - a exploração da rota do cabo e a colonização do Brasil vão dar um novo alento à ocupação das ilhas com a introdução de novas culturas, e a irradiação do comércio em particular de escravos - a colonização destas ilhas trouxe novos desafios e novas soluções: as condições adversas levaram a que os trabalhos manuais nas ilhas fossem entregues aos escravos que constituíram o grosso da população - em Cabo Verde a miscigenação racial surgiu com todas as suas consequências culturais e sociais - o desenvolvimento de outras actividades como a pecuária, o cultivo do algodão e da cana-do-açúcar e a extracção de sal foram fundamentais par ao desenvolvimento da economia do arquipélago - Cabo Verde revelou-se ainda um excelente campo de ensaio e aclimatação dos produtos que depois seriam levados para outros destinos - o povoamento das ilhas foi sempre difícil e no início do século XVI praticamente só tinha sido conseguido em Santiago e no Fogo - para além dos outros produtos destacava-se ainda o comércio de marfim, cera, mela, arroz e milho - o comércio de escravos era no entanto a actividade principal quer para o Brasil quer para as colónias espanholas da América sendo o seu grande centro a Ribeira Grande 1.5 S. Tomé, Príncipe e Ano Bom, Fernão Pó

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- o conhecimento destas ilhas foi seguramente adquirido no período de arrendamento a Fernão Gomes entre 1469 e 1474 - S. Tomé terá sido descoberta em 1471 por Pêro Escobar e Príncipe no ano seguinte pelo mesmo navegador - João de Paiva em 1485 e João Pereira em 1490 foram capitães da ilha de Fernão Pó mas ela só começa a ser povoada por Álvaro de Caminha em 1493 e com Fernão de Melo em 1499 - S. Tomé vai representar o recurso sistemático à mão-de-obra escravos - as primeiras tentativas de colonização foram feitas com cristãos novos e judeus mas as condições climáticas levaram à importação de escravos para fazer a ocupação do arquipélago - uma das ilhas de Fernão Pó era habitada mas por comunidades primitivas que foram utilizadas como mão-de-obra escrava para a produção de cana de açúcar - novamente D. João II atribuí vastos privilégios de comércio para atrair colonos para a região, medidas que irão contemplar todas as ilhas - a cana-de-açúcar instalou-se nestas ilhas praticamente em regime de monocultura e em 1485 já estaria introduzida com sucesso e a alimentar a exportação para S. Jorge da Mina, para o reino e para a Europa - no decurso do século XVI a cana-de-açúcar vai fazer a fortuna das ilhas em especial de S. Tomé, que foi até considerado melhor negócio do que o açúcar do Brasil - para além destes produtos são cultivados ainda laranjas, limões, cidras e outras árvores - o sistema de colonização baseia-se na escravatura paternalista em que a mão-de-obra é servil mas também existiam relações de humanidade entre a população - as centros privilegiados de povoamento foram os engenhos que podiam reunir 200 a 300 trabalhadores - o trato açucareiro de S. Tomé vai ser ainda importante para a burguesia portuguesa de toda a raia costeira 2 – O Oriente - o Oriente era uma região totalmente diferente das que os portugueses conheciam: - estádio civilizacional avançado - comércio próspero e evoluído - esquemas bem organizados de propriedade e produção - forte concentração demográfica - rede de cidades importantes - fortes interesses e organização política desenvolvida - rede de cumplicidades fortemente implementada - ideologias religiosas enraizadas e difundidas - neste panorama, os portugueses apenas necessitavam que esta rede continuasse a funcionar mas que os produtos se dirigissem para Portugal, pelas suas rotas e com os seus navios - para atingir esse objectivo era necessário controlar as rotas comerciais e os pontos estratégicos desse comércio - D. Francisco de Almeida segue assim uma política de domínio dos mares e de fortalezas-feitorias que garantiam o comércio e o policiamento marítimo e o reabastecimento militar - Afonso de Albuquerque vem ainda fazer um notável esforço na política de fixação e colonização - a rede comercial tão espalhada exigia um mínimo de implantação territorial que garantisse uma estrutura administrativa mais próxima e permanente do que a metrópole - assegurado o domínio marítimo depois da batalha de Diu em 1509, inicia-se uma rígida política de licenças de circulação e transporte, os Cartazes - conquistada Goa em 1510, rapidamente se torna o centro operacional do império português - as acções de controlo da região só podiam ser levadas a cabo por uma administração eficiente o que exigia a captação de população e assegurar a sua manutenção com estruturas de apoio - Albuquerque fomentou uma política de implantação e solidariedade social que passava pelo cruzamento dos europeus com os habitantes locais - esta política de miscigenação foi dificultada pela rigidez do sistema de castas que criou mais um nível inferior formado pelos descendentes

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- em todo o Índico os portugueses formaram comunidades que pela sua distância em relação á metrópole foram assumindo uma independência cada vez maior no que dificultava a criação de uma rede estruturada - o clero desempenhou um papel muito importante nesta integração com a população local - os franciscanos, dominicanos, agostinhos e capuchos chegaram ao Oriente desde cedo mas os jesuítas que se instalaram em 1542 tiveram um papel muito importante no alargamento e difusão das bases morais e culturais da presença portuguesa - Goa, para além de capital administrativa torna-se desde cedo uma metrópole religiosa e cultural, sede do bispado do Oriente chegando mesmo a ultrapassar Lisboa em população - em 1522 o império português governado pelo vice-rei D. Duarte de Meneses começava a acusar as dificuldades com revoltas em Ormuz - D. Nuno da Cunha, Martim Afonso de Sousa e D. João de Castro conseguiram nos seus vice-reinados suster a derrocada do império - a segunda batalha de Diu de 1546 sustentada por D. João de Castro iria assegurar a presença portuguesa na região; este vice-rei acreditava numa estratégia de mobilidade de controlo das rotas marítimas - o descalabro moral era um dos principais problemas com os governadores e capitães a revelarem comportamentos de corrupção e ociosidade que destruíram a estrutura do império - o regime trienal dos vice-reinados e dos altos cargos de funcionários era demasiado curto para que fossem tomadas acções consequentes mas era demasiado longo para os actos de rapina que degradavam a estrutura do império - a intolerância e a violência sobre as populações instalou-se com a Inquisição em 1560 - a ganância levava a que as cargas dos navios fossem cada vez maiores e em piores condições o que resultava na frequente perda de vidas e carga - Diogo Couto na obra o Soldado Prático dá uma boa imagem da situação de degradação em que se vivia - a decadência do comércio e as revoltas frequentes em todas as cidades dificultam as justificações de manutenção de um império tão distante - apesar destas dificuldades, no período filipino o comércio manteve-se e até se alargou às possessões espanholas - a concorrência francesa, inglesa e holandesa começou também a minar o predomínio comercial português fomentando as rebeliões em vários pontos - o legado cultural deixado pelos portugueses no Índico sobrepôs-se a esta imagem de decadência já que o cristianismo chegou a muitos pontos como às costas do Malabar, às Molucas, a Malaca, ao Japão, à China, à Cochinchina e a Tonquim - os jesuítas estudaram as línguas locais, fizeram gramáticas, e escreveram manuais de estudo, fundaram escolas em várias localizações - os jesuítas foram ainda exploradores geográficos compondo Cartas e descrições das terras e povoações inéditas na Europa 3 – Atlântico Ocidental – o Brasil - desde cedo se argumentou que a viagem de Pedro Álvares Cabral de 1500 não teria sido a primeira vez que foi avistada terra no Atlântico Ocidental Sul - a frequência da navegação nestas águas na volta da Guiné e da costa africana leva Jaime Cortesão a considerar que seria impossível que essas terras não tivessem sido avistadas - a política de sigilo terá levado á ocultação de dados de viagens, cartas e mapas que já refeririam esta terra - nas últimas décadas do século XV realizaram-se inúmeras viagens nesta região por Fernão Domingues do Arco, Fernão Dulmo e João Afonso do Estreito aos quais foi dada a capitania de uma ilha ou ilhas no Atlântico Ocidental - João Vaz Corte Real realiza várias viagens a partir dos Açores que poderão ter avistado o Brasil - é lícito assumir que existiram viagens e missões que deram a partir de 1475-80 um conhecimento seguro do Atlântico Sul e Ocidental - podemos reter alguns factos pertinentes: - a proposta de Colombo apresentada a D. João II em fiuns de 1483 - a primeira missão de Duarte Pacheco Pereira em 1486

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- o Tratado de Tordesilhas em 1494 - a segunda missão de Duarte Pacheco Pereira em 1496 - depois da viagem de Colombo D. João II prepara uma viagem para Ocidente, o que leva os reis católicos a assinarem o Tratado de Tordesilhas em 1494 e as exigências de D. João II em alterar a marcação para 370 léguas a Ocidente de Cabo Verde faz pensar que já teria um conhecimento bastante bom do Atlântico - apesar destas viagens, a descoberta oficial do Brasil acontece apenas em 1500 na expedição liderada por Pedro Álvares Cabral que se dirigia para a Índia - dado o conhecimento na altura das rotas do Atlântico, é pouco provável que a descoberta tivesse sido acidental já que o desvio para ocidente foi certamente intencional - depois da descoberta Cabral seguiu para a Índia e Gaspar Lemos fez o reconhecimento da costa antes de voltar para a metrópole com a noticia da descoberta - depois da notícia D. Manuel enviou uma nova expedição em caravelas com o objectivo de reconhecer a nova região tendo começado no Cabo de Santo Agostinho e tendo percorrido mais de 2.500 milhas sem ter atingido o fim do continente - existem outros navegadores que reclamaram a prioridade da descoberta do Brasil como Alonso de Hojeda, Vincente Pinzon, Diogo de Lepe, Alonso Vellez de Mendonza e Américo Vespúcio - nenhum dos navegadores espanhóis conseguiram provar a sua prioridade - Vespúcio teria sido um tripulante na viagem de reconhecimento de André Gonçalves e baseando-se na sua experiência escreveu umas famosas Cartas em que se atribui a descoberta do continente que acabou por ter o seu nome devido a um mapa desenhado por Martim Waldsee Müller em 1507 onde aparece a designação pela primeira vez - a ocupação e integração económica do Brasil aconteceu em 4 fases fundamentais - a terra brasileira era habitada mas por um povo primitivo que desconhecia a agricultura e o comércio e que não tinham qualquer organização social ou administrativa – descrita por Pêro Vaz de Caminha na sua Carta para D. Manuel - o monarca começou por arrendar o comércio na base das feitorias sendo Fernão de Loronha o primeiro arrendatário encarregue de descobrir em cada ano 300 léguas - o interesse da Coroa no período da descoberta do Brasil estava essencialmente no comércio com a Guiné, Mina e com o Oriente tendo desprezado estas novas terras - apesar disso, a concorrência de outros países europeus levou que a posse do Brasil tivesse que ser acautelada tendo sido formadas a partir de 1516 Capitanias do Mar - periodicamente saiam de Lisboa armadas com o objectivo de vigiar os mares, proteger o comércio e começar a fomentar o povoamento - as acções de Cristóvão Jacques foram importantes em especial por terem introduzido a plantação e fabrico do açúcar que levaria à formação de capitanias de terra - surgiram assim os primeiros núcleos no Cabo de Santo Agostinho, na Baía de Todos os Santos e no Sul na região da Cananeia - Cristóvão Jacques e João de Melo da Câmara insistem com D. João III para garantir a segurança da nova terra, sendo nomeado em 1530 Martim Afonso de Sousa como Capitão de Mar e Guerra e com 3 objectivos: - defender a costa dos corsários franceses - fixar os limites a Norte e a Sul - fundar os primeiros núcleos de colonização - usou os poderes do capitão donatário para procurar jazidas de ouro e prata sendo organizada a primeira Bandeira a partir de S. Vicente em 1530 - é fundada ainda uma nova povoação nas margens do rio Piratininga a cidade de S. Paulo enquanto S. Vicente daria origem a Porto de Santos - a ocupação do território desde o início se baseia no cultivo da cana tendo surgido o primeiro engenho em S. Vicente fundado pelo governador - começou então a terceira fase da ocupação com o regime das Donatárias: foram criados 15 lotes com 12 Capitães Donatários que tomaram posse entre 1534 e 1536 - algumas zonas viram o seu desenvolvimento acelerar como foi o caso de S. Vicente, de Porto Seguro, Olinda, Pernambuco e Ilhéus - apesar do desenvolvimento, o regime das capitanias não correspondeu às expectativas devido às dificuldades levantadas pelos corsários, rivalidades e pelos elevados custos

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- em 1548 o sistema das capitanias era extinto criando-se um Governo Geral com Tomé de Sousa como primeiro titular do cargo - começava a fase mais importante e decisiva em especial com a acção dos jesuítas capitaneados pelo Padre Manuel da Nóbrega - a cana-de-açúcar foi o principal impulsionador da colonização dominando a vida da colónia até ao Ciclo do Ouro - o território foi explorado pela Bandeira de Raposo Tavares de 1648 a 1651 muito para além dos limites do Tratado de Tordesilhas - o crescimento da colónia fez-se a partir de 4 núcleos: S. Vicente, Baia, Pernambuco e Maranhão - no centro e no Nordeste a civilização do açúcar assentou numa base tríplice: o latifúndio, a monocultura e a escravidão - no Sul desenvolveu-se uma policultura menos hierarquizada e mais livre assente na captura de escravos e mais tarde desenvolvem-se os latifúndios de criadores de gado - a Norte desenvolve-se a civilização do gado e do couro, sertaneja, móvel e marcada pela presença de índios que se tornam uma raça rústica de vaqueiros - pela primeira vez largas faixas da população da metrópole eram atraídas pela colonização mas também o comércio com África se anima devido à necessidade dos escravos - o processo iniciado com as capitanias acelera-se com o Governo Geral - em 1570 o monopólio régio do comércio oriental termina mas nem assim os particulares se interessam por essa região dado que estão comprometidos com a exploração do Brasil - as descrições do século XVI do Brasil revelam a riqueza quer em produtos agrícolas quer com o açúcar, com o tabaco e com o algodão - surgem ainda as actividades complementares à economia do engenho já que à volta de cada um surgiam populações empregues nas mais diversas actividades - há 4 diferenças fundamentais entre a colonização no Índico e no Brasil: - pela primeira vez se empreende a colonização em grande escala

- pela primeira vez entra no circuito ultramarino um sector agrícola que motiva uma importante faixa da população da metrópole - pela primeira vez assiste-se à implantação de um sistema industrial em torno da transformação da cana - desenvolve-se um sector comercial nas mãos da burguesia metropolitana que necessita de menos investimentos e está muito mais perto de casa

- o desenvolvimento das culturas do algodão, tabaco e sobretudo a pecuária vai suportar o ciclo da cana mas também o ciclo da mineração - os gados vão ocupar as regiões dos Sertões do Maranhão, do Piaui, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará - o processo económico na sua generalidade desde a produção ao comércio passando pela transformação e transporte está pela primeira vez inteiramente em mãos nacionais VIII – Consequências dos descobrimentos 1 – Introdução - os Descobrimentos Portugueses permitiram a criação de uma nova concepção das coisas e do mundo que está já bem clara no mapa de Cantino de 1502 - os meios cultos da Europa ainda preferiam os clássicos e a sua visão do mundo até ao início do século XVI embora as informações difundidas pelos portugueses já fossem conhecidas desde o início de Quinhentos - os Descobimentos vão enquadrar-se na Europa do Humanismo e do Renascimento - no círculo hispânico desenvolvem-se as ciências e técnicas numa vertente prática e operativa - assim, existiam dois hemisférios culturais: um preocupado com a apropriação e recriação de um mundo passado e outro voltado para o presente - passa-se de uma concepção teo-cêntrica do passado para uma concepção homo-cêntrica do presente - o que deu ao Renascimento português uma feição diferente foi mesmo o carácter técnico e científico

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- os Descobrimentos foram ainda importantes para a afirmação nacional já que garantiram e viabilizaram a independência face a Castela que durante a Idade Média se viu ameaçada por constantes planos de anexação - os Descobrimentos permitiram que Portugal se afirmasse numa realidade marítima e territorial fora do quadro peninsular - surgiram consequências a vários níveis: - no plano económico a rápida mercantilização do Estado - no ponto de vista social a rápida ascensão e afirmação da burguesia mercantil

- no ponto de vista cultural a mudança de mentalidade sentiu-se na produção cultural e artística de uma forma muito marcada

- os Descobrimentos levaram ainda que se passasse de uma visão paroquial restrita no espaço para uma visão ecuménica entre realidades e civilizações diferentes 2 – Espaço. Tempo. Número - os conceitos de Espaço, Tempo e Número alteraram-se com a Expansão Portuguesa - os tradutores de Toledo tiveram um papel decisivo na difusão das tradições árabes onde se incluíam tratados de álgebra, astronomia, aritmética e geometria - a Europa genericamente desprezava esses instrumentos mas as necessidades da navegação e do comércio levaram a que fossem estudados, aprendidos e desenvolvidos - as necessidades práticas levaram a que esses conhecimentos se tornassem relevantes 2.1 Do Espaço inventado e mítico ao Espaço Real - neste período havia duas formas de conceber a Geografia: uma tradicional baseada nos conhecimentos míticos e outra moderna, baseada na experiência e no conhecimento real dos locais através das explorações - em Lisboa emerge um sistema de correios e comunicações que vem tornar cada vez mais próximos os diferentes espaços - passa-se de um espaço controlado por deuses ou demónios para um espaço que o homem conhece, controla e domina - surgirá uma nova e correcta forma de representar a realidade que irá ter profundas repercussões materiais e mentais – alguns exemplos são: - Carta de Modena de 1471 - Carta de Pedro Reinel de 1485 - Carta de Jorge de Aguiar de 1492 - Carta de Viana de 1492-97 - Carta de Cantino de 1502 - os espaços abertos pelos portugueses só começam a ter repercussões na Europa em meados de Quinhentos - o Tempo também irá sofrer alterações significativas com a noção e concepção de cronometria - a rede de informações também se torna fundamental para o controlo do tempo - o relógio era um bem de uso muito restrito e ainda colectivo mas passa a ser um instrumento frequente na mão dos navegadores e dos mercadores .- o tempo passou a balizar com rigor a vida diária marcando os horários do trabalho e do negócio - a navegação astronómica também exigia que as observações fossem feitas a horas fixas que tinham de ser escrupulosamente calculadas com instrumentos precisos - os regimes da marés também eram influenciados pelas horas que teriam de ser rigorosamente contadas 2.2 Nos caminhos da quantificação - associada a estas novas concepções de espaço e tempo, surge o conceito de número - introduz-se e generaliza-se a numeração árabe devido às necessidades operativas dos meios náuticos e a mentalidade quantitativa difunde-se - o afluxo de dinheiro à Casa da Índia exigia ainda uma forma de o contar e contabilizar que nunca existira até então

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- o cálculo das latitudes e longitudes necessárias à orientação no mar tornaram a matemática um conhecimento necessário e corrente - a necessidade iria levar à primazia o campo das ciências práticas e técnicas como a cosmografia, a cartografia, a astronomia, a matemática, a geometria, as ciências naturais, a botânica, a zoologia, a mineralogia, a antropologia, a etnografia, a farmacologia e a medicina - o espaço geográfico também muda profundamente com os 5 continentes a substituírem os 3 anteriormente conhecidos - também a viagem de Fernão de Magalhães leva ao conhecimento de todo o mundo e da sua verdadeira dimensão - algumas figuras influenciaram definitivamente este período - o explorador Duarte Pacheco Pereira com a sua obra Esmeraldo de Situ Orbis apela constantemente à experiência e os seus trabalhos são importantes para a divulgação da navegação astronómica - D. João de Castro foi um dos mais notáveis roteiristas tendo deixado obras como o Roteiro de Lisboa a Goa, o Roteiro de Goa a Diu ou o Roteiro do Mar Roxo – utiliza a dúvida como um novo instrumento e como forma de buscar a verdade – uso cautelar da dúvida - Pedro Nunes era outro adepto indefectível da prática e da experiência tendo conseguido aliar a teoria e a reflexão com a prática – das suas contribuições destaca-se o nónio, o compasso, o anel graduado e o instrumento das sombras - Garcia da Orta é mais um investigador que nos legou o Colóquio dos Simples e Drogas da Índia que veio revolucionar os conhecimentos de medicina e botânica ainda influenciados pelos clássicos romanos – novamente coloca a dúvida como acicate do conhecimento - em Amato Lusitano fica claro que entre o saber e o dizer vai um profundo abismo 3 – Da Literatura de Viagens à Crónica, à História e à Epopeia - na época dos Descobrimentos iniciou-se um novo tipo de literatura de viagens que descrevia com rigor o mundo novo desconhecido na Europa - na paisagem física desaparecem os deuses, as musas, ninfas e surge a paisagem tal como ela é - alguns dos cronistas deste período são Pêro Vaz de Caminha, Duarte Pacheco Pereira, Francisco Álvares, Valentim Fernandes e Fernão Cardim - na crónica de Zurara a descrição do leilão de escravos e a sua posição contra a escravatura realçando a humanidade do que era apenas considerado uma mercadoria mostra bem a influência humanista do autor - a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto enquadra-se no género de epopeia, contando as viagens e atribulações do seu autor que respeita em todo o momento as novas culturas e civilizações que encontra - as línguas europeias não são superiores às asiáticas e simplesmente são colocadas em posição de igualdade - os Lusíadas de Camões vai também perfilhar o género da epopeia sendo nesta obra expostos os novos conhecimentos do período - João Barros com a sua obra Quatro Décadas é um bom artífice da concepção universal Gaspar Correia segue os princípios de testemunha dos acontecimentos nas suas obras - também Diogo do Couto no seu Soldado Prático revela que o culto da verdade é um vício 4 – O Impacto nas manifestações artísticas - no campo das manifestações artísticas os Descobrimentos vão ter influência nas formas decorativas e ornamentais e nos conteúdos - a profusão da esfera imperial não deixa dúvidas que se trata de uma arte ao serviço do poder - encontramos nos elementos decorativos o contacto com as novas realidades e os elementos exóticos - edifícios como os Jerónimos, a Torre de Belém ou o Convento de Cristo em Tomar estão recheados de exemplos destes novos motivos - na pintura também encontramos elementos como a caravela ou outro tipo de embarcações que simbolizam o importante papel dos portugueses - os painéis de Nuno Gonçalves dão mesmo vida aos personagens dessa gesta colectiva

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- a nível da arte mundial os Descobrimentos vão influenciar artistas como Miguel Ângelo - os Descobrimentos foram particularmente importantes por semearem os gérmenes do desenvolvimento científico e cultural da Europa 5 – Economia. Sociedade - em termos económicos, as receitas alfandegárias e o fluxo dos tratos ultramarinos vem influenciar decisivamente a economia portuguesa e a sua evolução vai medir a saúde da economia - os Descobrimentos vão ainda provocar impactos na sociedade com o aparecimento dos cavaleiros-mercadores e dos burgueses enobrecidos - a aventura ultramarina permitira a alteração das estruturas sociais tradicionais e a literatura reflecte bem essas mudanças - o crescimento urbano foi outra das consequências do desenvolvimento económico em especial de Lisboa que se tornou uma das mais importantes cidades europeias - a ligação de Lisboa e Antuérpia levou a que esta cidade também evoluísse transportando os efeitos dos Descobrimentos para o Norte - os centros vitais da economia mudam com a perda de importância de Veneza que deixa de controlar a única via de circulação que era o Mediterrâneo e que passa a incorporar também o Atlântico - a realidade paroquial cede o lugar à realidade ecuménica - surgem ainda documentos como as cédulas e as obrigações de pagamento assim como as letras de câmbio – é o recurso generalizado ao crédito - aparecem concentrações de capitais em mãos de particulares como antes nunca tinha acontecido - surgem as grandes companhias de comércio, os seguros, a banca e as bolsas - os transportes acompanham as exigências do grande comércio com o aumento das arqueações dos navios operando-se uma autêntica revolução nos sistemas de transportes marítimos - houve ainda uma revolução dos preços no século XVI com uma alta generalizada dos preços na Europa levando a que os Estados considerassem que a sua supremacia política residia na posse e controlo de metais preciosos - as práticas mercantilistas dos vários países europeus leva a uma autêntica guerra entre as moedas em que cada país adoptava a sua estratégia: o bulionismo espanhol, o mercantilismo comercialista português, a corrente inglesa comercialista e o mercantilismo francês industrialista - surge o forte nacionalismo económico que implica que cada país irá construir um círculo colonial - a Europa viu chegar novas plantas como o milho americano que se difunde rapidamente em Portugal devido às crises alimentícias - outras plantas tidas como raras vulgarizam-se como a mandioca, a batata, o arroz a batata doce - o açúcar passará a ser de uso comum nas dietas alimentares das populações sendo importante para as conservas alimentares - outras plantas com um impacto importante na Europa foram o chá, o chocolate, o café e o tabaco - algumas matérias primas vão ainda revolucionar a forma de vestir e trajar como os couros, o algodão e a seda - surgem ainda importantes frutas como as bananas e as laranjas - a miscigenação racial e cultural foi importante com elementos trazidos de África, do Oriente e do Brasil a integrarem-se nas culturas tradicionais europeias

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