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HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO ENSINO DE ARTE Ivan Jeferson Kappaun 1 - UFSM 1 INTRODUÇÃO Esta pesquisa é relevante no campo da Arte-Educação, visto que as histórias em quadrinhos (HQs) são um meio de comunicação em massa, que veiculam não somente uma forma de literatura, como também disseminam uma forma de arte muito explorada e pouco reconhecida. As HQs constituem-se uma fonte riquíssima de possibilidades a serem exploradas no âmbito do ensino de arte, justamente por possuírem um caráter múltiplo. Além disso, é possível explorá-las fazendo uso da amplitude que as mesmas alcançam, pois milhões de exemplares são consumidos diariamente, principalmente pelo público jovem. Uma peculiaridade, característica das histórias em quadrinhos, que enfatiza sua relevância para o ensino de arte, é seu potencial de crítica social. Os quadrinhos fazem uso de uma abordagem muito singular dos problemas sociais, refletindo o momento que a sociedade está vivenciando. É nesse sentido que uma pesquisa nesses parâmetros se faz importante e pertinente para a Arte/Educação, de modo a se refletir sobre possibilidades de utilização das HQs no ensino de arte, mais especificamente no 7º Ano do Ensino Fundamental. Em uma perspectiva de trabalho que se apoia na proposta triangular do ensino de arte, realizaram-se várias atividades: uma contextualização histórica das histórias em quadrinhos, do movimento artístico denominado de Pop Art e de aspectos biográficos do artista Roy Lichtenstein; uma análise de imagens de quadrinhos importantes na história das HQs, do artista referido e de outros quadrinhos relevantes aos alunos; e, por fim, completando a tríade ver-fazer-contextualizar, os estudantes realizaram suas próprias produções artísticas a partir das histórias em quadrinhos atuais e da estética Pop. Essa proposta é discutida com base em pressupostos teóricos da Arte-Educação, como desenvolvido na próxima seção deste texto. 2 POTENCIALIDADE PEDAGÓGICA DAS HQs NO ENSINO DA ARTE 2.1 Ensino de Arte 1 Licenciado e Bacharel em Artes Visuais. Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: [email protected]

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HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO ENSINO DE ARTE

Ivan Jeferson Kappaun1 - UFSM

1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa é relevante no campo da Arte-Educação, visto que as histórias em

quadrinhos (HQs) são um meio de comunicação em massa, que veiculam não somente uma

forma de literatura, como também disseminam uma forma de arte muito explorada e pouco

reconhecida. As HQs constituem-se uma fonte riquíssima de possibilidades a serem

exploradas no âmbito do ensino de arte, justamente por possuírem um caráter múltiplo. Além

disso, é possível explorá-las fazendo uso da amplitude que as mesmas alcançam, pois milhões

de exemplares são consumidos diariamente, principalmente pelo público jovem.

Uma peculiaridade, característica das histórias em quadrinhos, que enfatiza sua

relevância para o ensino de arte, é seu potencial de crítica social. Os quadrinhos fazem uso de

uma abordagem muito singular dos problemas sociais, refletindo o momento que a sociedade

está vivenciando. É nesse sentido que uma pesquisa nesses parâmetros se faz importante e

pertinente para a Arte/Educação, de modo a se refletir sobre possibilidades de utilização das

HQs no ensino de arte, mais especificamente no 7º Ano do Ensino Fundamental.

Em uma perspectiva de trabalho que se apoia na proposta triangular do ensino de arte,

realizaram-se várias atividades: uma contextualização histórica das histórias em quadrinhos,

do movimento artístico denominado de Pop Art e de aspectos biográficos do artista Roy

Lichtenstein; uma análise de imagens de quadrinhos importantes na história das HQs, do

artista referido e de outros quadrinhos relevantes aos alunos; e, por fim, completando a tríade

ver-fazer-contextualizar, os estudantes realizaram suas próprias produções artísticas a partir

das histórias em quadrinhos atuais e da estética Pop. Essa proposta é discutida com base em

pressupostos teóricos da Arte-Educação, como desenvolvido na próxima seção deste texto.

2 POTENCIALIDADE PEDAGÓGICA DAS HQs NO ENSINO DA ARTE

2.1 Ensino de Arte

1 Licenciado e Bacharel em Artes Visuais. Universidade Federal de Santa Maria. E-mail:

[email protected]

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Uma das funções da Arte-Educação é fazer a mediação entre a arte e o público. As

obras de arte são concretizadas pelos artistas, que as produziram, e se completam com a

participação do público. Enquanto os artistas ou produtores em arte criam suas obras, também

interagem com outras pessoas e o próprio meio social. O público participa ativamente por

meio de seus diferentes modos de ver, analisar, apreciar, gostar, etc. Em função disso, a arte

entra como conteúdo de estudo escolar para mobilizar as atividades que diversifiquem e

ampliem a formação artística e estética dos estudantes. Ao se assumir que a arte pode ser

ensinada e aprendida também na escola, há a necessidade de se trabalhar a organização

pedagógica das inter-relações artísticas e estéticas junto aos alunos.

Entende-se por metodologia de ensino/aprendizagem em arte os encaminhamentos

educativos das práticas de aulas artísticas e estéticas. Esses encaminhamentos são ideias e

teorias que, baseadas em propostas de estudiosos da área e em práticas escolares que se

cristalizam nas propostas das aulas, sendo transformadas em opções e atos, são concretizados

em projetos ou no próprio desenvolvimento das aulas de arte. Essa metodologia visa ajudar os

alunos na apreensão viva e significativa de noções e habilidades culturais em arte. São noções

a respeito de produções artísticas pessoais e apreciações estéticas, ou análises mais críticas de

trabalhos em arte nas diversas modalidades. A arte e o seu ensino são de muita importância,

não só para o indivíduo, mas também para a sociedade.

Arte não é apenas básico, mas fundamental na educação de um país que se

desenvolve. Arte não é enfeite. Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente

da palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, e é conteúdo. Como

conteúdo, arte representa o melhor trabalho do ser humano (BARBOSA, 1991, p.4).

Ostrower (1984) ressalta a importância da arte enquanto processo criativo e enquanto

trabalho, ou seja, a criação desdobra-se no trabalho, pois este traz a necessidade que gera as

possíveis soluções criativas. Nem na arte existiria criatividade se não fosse possível encarar o

fazer artístico como trabalho, como um fazer intencional produtivo e necessário, que amplia a

capacidade de viver. Além disso, cabe destacar a importância simbólica e emocional da arte,

como enaltece Barbosa (1998):

Através das artes temos a representação simbólica dos traços espirituais, materiais,

intelectuais e emocionais que caracterizam a sociedade ou o grupo social, seu modo

de vida, seu sistema de valores, suas tradições e crenças. A arte, como uma

linguagem presentacional dos sentidos, transmite significados que não podem ser

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transmitidos através de nenhum outro tipo de linguagem, tais como as linguagens

discursiva e científica (BARBOSA, 1998, p.16).

A arte e sua efetiva inserção no ensino escolar é de suma importância, considerando a

multiplicidade de competências que ela assume em nossa vida cotidiana. Em geral, é possível

observar um significativo esforço, e consequentes resultados, na melhoria do ensino de arte

nas escolas, assim como uma maior conscientização das pessoas quanto a ver a arte como

trabalho e algo importante para o desenvolvimento cognitivo, social, cultural da sociedade em

que elas estão inseridas.

Uma proposta de muita relevância para a construção do conhecimento em arte foi

sistematizada por Ana Mae Barbosa, denominada ‘Proposta Triangular do Ensino de Arte’.

Esta propõe que a construção do conhecimento em arte acontece quando há a interseção da

experimentação com a codificação e com a informação. Sendo objeto de conhecimento dessa

concepção, consideram-se as questões que envolvem o modo de inter-relacionamento entre a

arte e o público, propondo-se que a composição do programa do ensino de arte seja elaborado

a partir das três ações básicas executadas no contato com a arte: ler obras de arte, fazer arte e

contextualizar.

Ler obras de arte é a ação que, para ser realizada, inclui necessariamente as áreas de

crítica e de estética. A leitura da obra de arte envolve o questionamento, a busca, a descoberta

e o despertar da capacidade crítica dos alunos. O fazer arte está relacionado ao domínio da

ação, da prática artística, como, por exemplo, o trabalho de ateliê. Contextualizar possibilita

operar no domínio da história da arte e outras áreas de conhecimento necessárias para

determinado programa de ensino. Em relação ao ensino/aprendizagem de arte, a concepção de

história da arte não é linear, mas pretende contextualizar uma obra no tempo e explorar suas

circunstâncias. Em lugar da preocupação em mostrar a chamada ‘evolução’ das formas

artísticas através do tempo, pretende-se mostrar que a arte não está isolada de nosso cotidiano,

de nossa história pessoal, mas é parte integrante de nosso cotidiano.

Nesse sentido, Barbosa (1991) ressalta que:

O importante não é ensinar estética, história e crítica da arte, mas desenvolver a

capacidade de formular hipóteses, julgar, justificar e contextualizar julgamentos

acerca de imagens e de arte. Para isso, usam-se conhecimentos de história, de

estética e de crítica de arte (p.64).

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Assim, procura-se influir positivamente no desenvolvimento cultural dos alunos

através de conhecimentos de arte, que envolvem mais do que conhecimentos estéticos e

históricos, que ultrapassam essas fronteiras e invadem o campo da crítica. Através da arte,

pode-se desenvolver uma apreensão crítica da realidade, que permite analisa-la e desenvolver

a capacidade criadora de modo a mudar tal realidade. Como aponta Barbosa (2005), é

necessário desconstruir para construir, selecionar, reelaborar; partir do conhecimento e

modificá-lo de acordo com o contexto e a necessidade. Esses são processos criadores

desenvolvidos pelo trabalho com arte, que são cada vez mais indispensáveis para adaptação

ao mundo em que vivemos.

2.2 Histórias em Quadrinhos

As histórias em quadrinhos (HQs), quadrinhos ou gibis são uma forma de arte que

conjuga textos e imagens, com o objetivo de narrar histórias dos mais variados gêneros e

estilos. São, em geral, publicadas em revistas, livros ou em tiras publicadas em revistas e

jornais. Trata-se de um meio de expressão gráfico, que se caracteriza pela forma de narrativa

feita pela sequência de figuras desenhadas, com um elenco de personagens, que tem

continuidade de uma sequência para outra, com inclusão de diálogo, legendas e outros tipos

de textos dentro de cada quadrinho. O elemento básico da linguagem dos quadrinhos é o

painel, um desenho simples encerrado em uma moldura geralmente retangular ou quadrada,

que fica ao mesmo tempo isolado e em relação íntima com os outros painéis da sequência.

As HQ’s possuem um caráter universal, que busca a compreensão imediata do leitor,

tratando de temas comuns aos leitores, temas passados ou até de temas futuros e oníricos,

muitas vezes visionários. Como afirma Moya (1977, p.23),

[...] os quadrinhos são a forma de comunicação mais instantânea e internacional de

todas as formas modernas de contato entre os homens de nosso século. Mesmo o

momento grandioso da história da humanidade, em que o pé do homem pisou na

Lua e foi televisionado direta e imediatamente, para o mundo todo, já era uma

imagem gasta e prevista pelos quadrinhos.

A Terra já era azul nos capítulos domingueiros, em cores, de Buck Rogers, Brick

Bradford e Flash Gordon...

Importa ressaltar que as histórias em quadrinhos são um produto da cultura de massa,

ou, mais especificamente, da cultura jornalística. Com as transformações que ocorriam na

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sociedade, a alienação do indivíduo, a mutação da informação em mercadoria, o progresso da

ciência, uma nova concepção de realidade, em resumo, o estabelecimento de uma sociedade

de consumo promovida pela Revolução Industrial, criaram condições para o aparecimento do

jornal, do cinema e histórias em quadrinhos.

O nascimento das histórias em quadrinhos está vinculado à explosão da imprensa

norte-americana do final do século XIX. Narrativas ilustradas já eram populares na Europa

(Max und Moritz, na Alemanha; e Ally Sloper, na Inglaterra) e conhecidas no Brasil (As

Cobranças, do ítalo-brasileiro Ângelo Agostini), mas textos e ilustrações ainda eram tratados

como elementos separados. Foi nos EUA que, finalmente, surgiu a nova linguagem. Richard

Felton Outcault, caricaturista do World, começou a publicar, em 5 de janeiro de 1895, uma

série de desenhos satíricos sob o título de At the Circus in Hogan’s Alley. O personagem

principal era um rapazinho oriental, trajando um camisolão amarelo, no qual apareciam os

textos, algumas vezes cômicos, em outras, panfletários. Assim, surgia o Yellow Kid (O

menino amarelo), o primeiro personagem das histórias em quadrinhos. Ambientada numa

favela, a série Hogan’s Alley expressava alguns anseios e reivindicações das classes sociais

menos favorecidas, e foi um grande sucesso.

Com isso, surgiu o que passou a ser chamado de ‘jornalismo amarelo’, justamente

devido à cor da roupa do personagem. Este termo é, até hoje, utilizado para designar a

imprensa sensacionalista. O que não se pode negar é a importância dos personagens de

Outcault, principalmente Yellow Kid. Isso se deve ao fato de o artista ter sido o primeiro

quadrinista a criar um personagem fixo, além de ter introduzido as falas dentro de balões nos

quadrinhos, que caracterizam as histórias em quadrinhos como são atualmente conhecidas.

2.3 Potencial Pedagógico das Histórias Em Quadrinhos

A linguagem dos quadrinhos, provavelmente de forma inconsciente ao leitor, cria

sensações de profunda significação cultural e social. O envolvimento imagem e texto dos

quadrinhos podem ser classificados como veículo de comunicação de massa. Dessa forma,

para que a mensagem seja compreendida, o desenhista da imagem necessita manter uma

interação com o consumidor, uma vez que o artista estará evocando imagens armazenadas nas

mentes de ambos: comunicador e leitor.

Nessa perspectiva, a história em quadrinhos começou a ultrapassar o espaço do

divertimento de massa para, a partir daí, influenciar os leitores em esferas psicológicas e

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sociais, constituindo-se uma forma de leitura alternativa. Nascia, assim, uma literatura de

comunicação visual da cultura de massa. Estudos e avaliações das HQs indicaram que o novo

meio, que então surgia, possuía e ainda possui um efeito positivo para a educação da leitura e

da cultura da imagem. Sua técnica de contar histórias por meio de sequências imagísticas

possibilitou a leitura iconográfica, firmando-se como meio de comunicação.

No entanto, inicialmente, as histórias em quadrinhos foram acusadas de causarem

preguiça mental nas crianças, de dificultarem o hábito da leitura de livros, de provocarem

retardo do processo de abstração e de incentivarem à violência. Em razão disso, até foram

proibidas por escolas e pais. Isso fica bem claro na analogia construída por Moya (1977,

p.71), em que o autor levanta o terror, a ameaça, a violência contida nas histórias em

quadrinhos, censurando e condenando esse meio de expressão.

[...] assim como nos tempos de Salem, Massachusetts, havia a história da caça às

feiticeiras, surgiu o Senador Joseph McCarthy dos comics, o Dr. Frederic Wertham,

no seu terrificante livro The Seduction of the Innocents, uma versão moderna da

danação dos infernos da Divina Comédia.

Os quadrinhos estavam, entretanto, possibilitando que os leitores começassem a

questionar o contexto em que estavam inseridos, causando, consequentemente, repúdio ao

conformismo, ao sistema escolar, aos abusos religiosos, ao ‘no-meu-tempo-era-assim’. Após

um período de intensa ‘caça às bruxas’, várias manifestações – mesmo que tímidas –, em

muitas partes do mundo, começaram a surgir em defesa das HQ’s. Uma infinidade de estudos,

de várias áreas de conhecimento, começaram a ser realizados sobre os meios de comunicação

em massa, e as histórias em quadrinhos foram abordadas.

Estudos psicológicos também foram realizados sobre os quadrinhos. Testes revelaram

que informações transformadas em quadrinhos eram apreendidas num tempo

assustadoramente pequeno, colocando em cheque a teoria do Dr. Whertam e seus seguidores.

Pode-se destacar também a identificação que o leitor faz com o herói da história em

quadrinhos, de modo que vibra quando o mesmo alcança seus objetivos (vence o vilão),

incutindo uma ideologia de que o bem prevalece diante do mal. Além disso, é possível

destacar o prazer que a leitura de quadrinhos proporciona, fortalecendo o gosto pela leitura e

favorecendo o processo de abstração necessário para a leitura dita ‘séria’. Caso contrário, não

haveria necessidade dos livros infantis serem ilustrados.

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2.4 Proposta Pedagógica

A proposta pedagógica desenvolvida iniciou com a seguinte pergunta aos alunos:

“vocês conhecem histórias em quadrinhos?” Após as manifestações, foram feitas algumas

considerações sobre a temática, principalmente sobre aspectos formais, como quadros, balões

de falas, calhas, onomatopeias, legendas, entre outros. Em seguida, foi iniciada uma trajetória

histórica dos quadrinhos, mas a mesma foi construída com os alunos, através de perguntas que

eram feitas pelo professor. Com isso, os alunos puderam se aproximar um pouco da evolução

dessa manifestação tão comum e presente na vida deles. Foi dado destaque à questão social

das histórias em quadrinhos, ou seja, foi evidenciado que os quadrinhos não são uma

produção humana desconectada de sua realidade social.

O Batman, por exemplo, é um personagem sombrio, com hábitos noturnos, figura que

representa a esperança em um ambiente tomado pela criminalidade e vilania. Não se pode

ignorar o fato de o personagem ter sido concebido durante a Grande Depressão, originada

com a quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929. Outro exemplo é o Homem Aranha,

personagem que sofre mutações genéticas a partir da picada de uma aranha geneticamente

modificada e, com isso, adquire superpoderes. Sua gênese situa-se nos anos 60, período de

efervescência científica, inclusive no que diz respeito a estudos genéticos. Pode-se, ainda,

citar a Turma da Mônica, que vai se adaptando de acordo com os acontecimentos nacionais,

incorporando personagens que são ícones do momento, como Ronaldo Fenômeno,

Ronaldinho Gaúcho e Neymar.

Uma vez feita a contextualização histórica das HQ’s, foram apresentados exemplos de

revistas do gênero. Revistas em quadrinhos, de personagens como Fantasma, Batman, Super

Homem, Homem Aranha, Homem de Ferro, Mickey Mouse, Pato Donald, Tio Patinhas, Hulk,

Recruta Zero, Turma da Mônica, Tex e Cavaleiros do Zodíaco (Mangá) foram utilizadas para

ilustrar a discussão que havia sido desenvolvida. Os alunos tiveram a oportunidade de folhear

e ler as revistas, atividade que envolveu os estudantes de tal maneira que muitos não queriam

sair para o intervalo depois que se encerrou a aula. Muitos alunos ainda dispensaram um

tempo considerável observando as imagens, visto que muitas revistas eram antigas,

oferecendo uma iconografia diferente daquela a que estão habituados. Como o envolvimento

da turma foi geral, preferiu-se não dar sequência ao trabalho no primeiro encontro.

No segundo encontro, foi possível discutir sobre as observações que haviam sido feitas

pelos alunos nas histórias em quadrinhos vistas na aula anterior. Foram analisados alguns

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personagens de forma breve, buscando relacionar o personagem e sua história com o contexto

social em que foi criado. Com isso, os alunos começaram a perceber que as produções –

sejam artísticas ou não – estão relacionadas ao contexto em que são concebidas. Por fim,

foram analisadas obras do artista norte-americano Roy Lichtenstein (1923-1997). De acordo

com Chilvers (2001), Lichtenstein adotava imagens provenientes da cultura de massa popular.

Inspirado em histórias em quadrinhos, ele ampliava imagens selecionadas, reproduzindo-as

em cores primárias. Ligado à Arte Pop, esse movimento floresceu no final da década de 50 até

o início da década de 70 do século passado, principalmente na Grã-Bretanha e nos EUA.

Baseado no imaginário do consumismo e da cultura popular, a Pop Art selecionava seu

repertório iconográfico na publicidade, embalagens, imagens da televisão e cinema, bem

como das histórias em quadrinhos.

Para exercitar a leitura de imagens, foram exibidas algumas reproduções de obras de

Roy Lichtenstein, sem que fossem reveladas informações sobre as mesmas. O intuito foi de

proporcionar aos alunos a oportunidade de construírem coletivamente interpretações sobre as

obras, a partir dos conhecimentos prévios sobre o artista e o movimento. Os resultados

alcançados despertaram muito interesse, tendo em visto a diversidade e a qualidade das

considerações desenvolvidas pelos estudantes. As obras elencadas foram Hopeless, Maybe He

became, Drowning girl, Whaam!, In the car e Tintin lendo.

Inicialmente, as considerações foram tímidas. Uma vez encorajados, os alunos

começaram a identificar os elementos mais imediatos das obras, como figuras, cores, linhas e

planos. Percebeu-se o uso de cores chapadas e fortes, priorizando as cores primárias; essa é

uma característica marcante das histórias em quadrinhos, que, uma vez apropriada pelo artista,

fez-se presente nas suas obras. Ao desenvolver a análise e concentrar a atenção aos elementos

constituintes da obra, os alunos começaram a realizar aproximações mais significativas com

as imagens, chegando ao reconhecimento de elementos simbólicos que faziam relação com o

contexto histórico e social no qual os quadrinhos foram produzidos e com as pinturas do

artista.

Para que fosse possível realizar um estudo acerca das HQs e seu potencial pedagógico,

não poderiam faltar as próprias histórias em quadrinhos. Assim, foi solicitado que os alunos

trouxessem revistas em quadrinhos atuais e de personagens que fossem do interesse dos

mesmos. Também foram utilizadas revistas trazidas pelo professor, bem como revistas

disponíveis na biblioteca da escola. De posse de quadrinhos de personagens, que se

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aproximavam aos já apresentados no primeiro encontro, os alunos iniciaram a leitura dos

mesmos. Deveriam atentar para aspectos ou situações que poderiam ser trazidos para o mundo

contemporâneo e relacionados com o contexto social atual. O encontro também foi dedicado à

leitura das histórias em quadrinhos, bem como para marcação dos quadrinhos que atendiam

ao que foi solicitado. Essa última etapa não progrediu muito em virtude do pouco tempo que

restou do encontro.

No terceiro encontro, destinado para à aplicação da proposta pedagógica em artes a

partir das histórias em quadrinhos, passou-se para o fazer artístico. Inicialmente, foi proposto

aos alunos que selecionassem um quadrinho das revistas que haviam sido solicitadas no

encontro anterior, obedecendo ao critério de que a imagem escolhida deveria refletir o

contexto social atual. Para isso, foram retomadas as leituras das histórias. Nesta etapa do

processo, os estudantes sentiram dificuldade em selecionar uma imagem que atendesse às

expectativas pessoais de cada um. Não houve dificuldade em identificar aspectos sociais nos

quadrinhos, mas, sim, em selecionar uma imagem dentre tantas opções. Uma vez concluída a

etapa de seleção de imagens, foi solicitado aos alunos que realizassem a reprodução das

mesmas. Para tal, utilizou-se papel sulfite A3 e lápis de cor.

Os desenhos foram desenvolvidos com muito empenho pelos alunos, ainda que alguns

alunos reclamassem que não sabiam desenhar, o que não se verificou no desenvolvimento da

proposta. Os resultados obtidos foram muito significativos e, por ser um trabalho de uma

dimensão a qual os alunos não estavam habituados, foram necessários mais dois encontros

para a conclusão dos desenhos. Várias foram considerações e falas dos alunos em relação à

atividade, sobretudo sobre a técnica utilizada. Alguns alunos receavam iniciar o trabalho, pois

julgavam impossível realizar a proposta em tais dimensões e com tantas demandas de linhas

dos desenhos selecionados das revistas em quadrinhos. As justificativas se limitavam a dizer

que não sabiam desenhar, o que pode ser interpretado como medo do julgamento, algo que

não se caracteriza como objetivo do ensino de arte. Após falas de incentivo e encorajamento,

os alunos foram, aos poucos, se soltando das amarras que eles mesmos haviam imposto e,

assim como os colegas, também conseguiram realizar a atividade.

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Figura 4 - Desenho de Gabriela.

Balão: “Pouco importa o que eu penso!

Eu preciso agir... não tenho escolha!

O que pode ser

evidenciado é a presença das

histórias em quadrinhos no

cotidiano dos alunos. Muitos mantêm hábitos de ler quadrinhos e um número significativo

adquire periodicamente revistas de seus personagens favoritos. A maioria dos que leem

quadrinhos, também possuem o hábito de lerem livros, o que reforça a ideia contrária de que

os quadrinhos causariam preguiça mental e impediriam a leitura de literatura ‘séria’. Também

Figura 2 - - Desenho de Eduardo.

Balão: “Bem... tenho uma longa lista de

chamadas! Pra começar vou ligar para o meu

sobrinho favorito. Ele ficará surpreendido com

meu novo celular...”

Figura 1 - Desenho de Daniel

Balão: “Edição extraaa! As últimas notícias da campanha eleitoral.”

Figura 3 - Desenho de Fábio

Balão: “As notas da última prova!!!”

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ficou evidente a atração que os alunos sentem por revistas em quadrinhos, denunciada pela

avidez com que se aglomeraram em torno do professor quando o mesmo apresentou

quadrinhos que, até então, eram desconhecidos por eles. Um destaque interessante aponta para

os mangás (quadrinhos japoneses), que foram disputadíssimos inicialmente pelos alunos, mas

que foram refutados posteriormente pela dificuldade de aproximação com o contexto social

em que estão inseridos. Para tal, foram utilizados sobretudos os quadrinhos da Turma da

Mônica e personagens da Disney.

No entanto, o mais significativo no âmbito do ensino de arte foi a aproximação que as

imagens selecionadas proporcionaram com o contexto social em que os alunos estão

vivenciando. Propor a reflexão acerca de situações, muitas vezes ligadas ao dia a dia dos

alunos e, a partir disso, realizar uma leitura crítica dessas situações, é o que de mais valia se

apresenta dos resultados obtidos. E mais interessante ainda foi constatar que esse processo de

reflexão e questionamento de seu contexto social se deu de forma muito leve e fluída, pois os

alunos estavam envolvidos não somente com a proposta, mas também com os próprios

quadrinhos. Os alunos se divertiam e manifestavam satisfação por estarem manipulando

elementos que fazem parte de sua vida, que conheciam muito bem. Foi lúdico!

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que motivou o desenvolvimento de uma proposta pedagógica envolvendo histórias

em quadrinhos foi, acima de tudo, o interesse pela literatura/arte. Particularmente, a

alfabetização dos professores/autores deste texto deu-se através da leitura das histórias em

quadrinhos, antes mesmo do início da formação escolar. Por isso, ter a oportunidade de

utilizar esse meio tão rico em potencial, assim como prazeroso para seus leitores, foi um

ingrediente a mais no direcionamento de esforços em propor uma ação educativa que seja

relevante para a vida dos alunos e também – por que não? – conquistar mais leitores para essa

forma de expressão artística, que também é conhecida por nona arte.

Buscou-se dar ênfase à crítica, que leva a uma autonomia do pensamento. Nesse

sentido, acredito que o desafio maior da educação é conseguir fazer uma mediação que atenda

às necessidades dos alunos, respeitando as diferenças e propiciando que construções sejam

elaboradas a partir dessas diversidades. Assim, uma educação inclusiva e que possibilite a

reflexão crítica e o exercício do pensar faz-se necessária, possibilitando que os alunos tenham

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condições de se posicionarem criticamente em relação ao contexto em que estão inseridos,

questionando pré-definições e aprendendo a defender seu ponto de vista com respeito à

opinião alheia.

O ensino de arte na Contemporaneidade contempla a diversidade de manifestações

artísticas que se apresentam. A partir disso, a inclusão das histórias em quadrinhos para o

ensino/aprendizagem em artes torna-se muito pertinente e relevante, visto que as mesmas

sempre foram tratadas com carga de preconceito diante das manifestações artísticas ‘ditas

maiores’. Com isso, pode-se direcionar o trabalho pedagógico escolar com vistas a romper

esse preconceito que envolve as HQ’s, contribuindo para o desenvolvimento do respeito à

diversidade.

Ofertar uma gama diversificada de imagens, que permitam a elaboração de

questionamentos que se lançam para além de reflexões sobre questões formais, é

importantíssimo para o desenvolvimento de uma proposta de ensino de arte. Relacionar

imagens consagradas pela história da arte, que por sua vez estão relacionadas a imagens de

histórias em quadrinhos, provoca um repensar sobre padrões e concepções pré-formados,

sobre ideais consagrados e sobre as problemáticas que o mundo contemporâneo apresenta.

Desse modo, o estudo sobre as histórias em quadrinhos no ensino de artes nas escolas

contribui para análise e aceitação das diferenças, possibilitando uma reflexão sobre os

problemas sociais, de modo a questionar nossa sociedade e mover ações em direção a

propostas que venham a modificar, de forma benéfica, essa realidade social.

REFERÊNCIAS

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CIRNE, Moacy. A explosão criativa dos quadrinhos. Rio de Janeiro: Vozes, 1970.

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