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Estudos Feministas, Florianópolis, 17(1): 296, janeiro-abril/2009 159 Estudos de Gênero e História Estudos de Gênero e História Estudos de Gênero e História Estudos de Gênero e História Estudos de Gênero e História Social Social Social Social Social Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Busco mostrar em que os Estudos de Gênero podem colaborar com a História Social, argumentando a partir de três eixos: 1) avaliação da importância do olhar preocupado com gênero para uma compreensão mais acurada do social sob uma perspectiva histórica; 2) análise das abordagens teórico-metodológicas atentas à construção social das diferenças sexuais que dialogam com a disciplina histórica – a desenvolvida dentro dos marcos da História Social e a ligada ao pós-estruturalismo de Joan Scott “ a partir de duas preocupações: a) destacar as possibilidades de ação humana e b) enfrentar questões gerais da disciplina; e 3) exposição de como o debate em torno dessas abordagens colabora para as atividades de pesquisa e a reflexão teórica. Meu objetivo último é tentar ajudar a aumentar o número de trabalhos de pesquisa em História que lançam mão do conceito de gênero no Brasil. Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave: gênero; Estudos de Gênero; História Social; pós-estruturalismo; historiografia; História das Mulheres. Copyright 2009 by Revista Estudos Feministas. Carla Bassanezi Pinsky Historiadora O número de trabalhos de História que lançam mão do conceito de gênero no Brasil é muito baixo. Poderia ser maior. Com este texto busco mostrar aos historiadores (meus interlocutores privilegiados) que é possível responder positi- vamente à pergunta: “os Estudos de Gênero podem colabo- rar com a História Social?”. Minha argumentação se dá em torno de três eixos: 1) avaliação da importância do olhar preocupado com gênero para uma compreensão mais acurada do social sob uma perspectiva histórica; 2) análise das abordagens teórico-metodológicas atentas à construção social das diferenças sexuais que dialogam com trabalhos de História, tanto a desenvolvida dentro dos marcos da chamada História Social, quanto a ligada ao pensamento pós-estruturalista. A primeira, defendida por historiadoras como Louise Tilly, Eleni Varikas e Catherine Hall, inspira-se na corrente historiográfica de vertente marxista (adotada por Edward P. Thompson, Eric Hobsbawm, Natalie Davis, Michelle Perrot, entre outros). A Ensaio Ensaio Ensaio Ensaio Ensaio

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Estudos Feministas, Florianópolis, 17(1): 296, janeiro-abril/2009 159

Estudos de Gênero e HistóriaEstudos de Gênero e HistóriaEstudos de Gênero e HistóriaEstudos de Gênero e HistóriaEstudos de Gênero e HistóriaSocialSocialSocialSocialSocial

Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Busco mostrar em que os Estudos de Gênero podem colaborar com a História Social,argumentando a partir de três eixos: 1) avaliação da importância do olhar preocupado comgênero para uma compreensão mais acurada do social sob uma perspectiva histórica; 2)análise das abordagens teórico-metodológicas atentas à construção social das diferençassexuais que dialogam com a disciplina histórica – a desenvolvida dentro dos marcos da HistóriaSocial e a ligada ao pós-estruturalismo de Joan Scott “ a partir de duas preocupações: a)destacar as possibilidades de ação humana e b) enfrentar questões gerais da disciplina; e 3)exposição de como o debate em torno dessas abordagens colabora para as atividades depesquisa e a reflexão teórica. Meu objetivo último é tentar ajudar a aumentar o número detrabalhos de pesquisa em História que lançam mão do conceito de gênero no Brasil.Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chave: gênero; Estudos de Gênero; História Social; pós-estruturalismo; historiografia;História das Mulheres.

Copyright 2009 by RevistaEstudos Feministas.

Carla Bassanezi PinskyHistoriadora

O número de trabalhos de História que lançam mãodo conceito de gênero no Brasil é muito baixo. Poderia sermaior. Com este texto busco mostrar aos historiadores (meusinterlocutores privilegiados) que é possível responder positi-vamente à pergunta: “os Estudos de Gênero podem colabo-rar com a História Social?”. Minha argumentação se dá emtorno de três eixos:

1) avaliação da importância do olhar preocupadocom gênero para uma compreensão mais acurada dosocial sob uma perspectiva histórica;

2) análise das abordagens teórico-metodológicasatentas à construção social das diferenças sexuais quedialogam com trabalhos de História, tanto a desenvolvidadentro dos marcos da chamada História Social, quanto aligada ao pensamento pós-estruturalista. A primeira,defendida por historiadoras como Louise Tilly, Eleni Varikase Catherine Hall, inspira-se na corrente historiográfica devertente marxista (adotada por Edward P. Thompson, EricHobsbawm, Natalie Davis, Michelle Perrot, entre outros). A

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segunda tem como principal defensora a historiadora JoanScott, que, influenciada por obras de Foucault e Derrida,passou a criticar a História Social e sustentar o que chamoude uma nova epistemologia para os estudos históricos. Essasabordagens são aqui analisadas a partir de duas preocu-pações explícitas em ambas: a) destacar as possibilidadesde ação humana na história e b) enfrentar questões geraisda disciplina histórica adotando uma perspectiva que levagênero em conta;1

3) exposição de como o debate em torno dessasabordagens colabora para as atividades de pesquisa e areflexão teórica. Com isso, busco inspirar um ou outro historia-dor a estudar questões de gênero em seus trabalhos depesquisa. Daí, talvez, o tom um tanto didático do texto...

História das MulheresHistória das MulheresHistória das MulheresHistória das MulheresHistória das Mulheres

Para observar as vantagens da preocupação com otema e mesmo da adoção do conceito de gênero, é interes-sante relembrar as conquistas da História das Mulheres, assimcomo as primeiras tentativas de incorporar os Estudos deGênero à disciplina histórica.

A História das Mulheres adquiriu expressão a partirdécada de 1970, inspirada por questionamentos feministase por mudanças que ocorriam na historiografia, entre asquais, a ênfase em temas como família, sexualidade, repre-sentações, cotidiano, grupos “excluídos”. Seu sucesso atre-lou-se aos avanços da Nouvelle Histoire, Social History,Cultural History e dos Estudos de População.

A produção historiográfica passível de ser reunidasob o título História das Mulheres foi e é bastante diversificadaem termos de assuntos, métodos e qualidade intelectual.Entretanto, esses trabalhos têm em comum: a atenção àsmulheres do passado e o reconhecimento de que acondição feminina é constituída histórica e socialmente.

Vários historiadores, após denunciar a exclusão dasmulheres nos trabalhos de História feitos até então,procuraram torná-las visíveis na chamada História Geral.Essa preocupação foi especialmente marcante nos primeirosmomentos de desenvolvimento da História das Mulheres. Paraalguns críticos, entretanto, isso não foi suficiente por nãoafetar profundamente a historiografia tradicional, com seusrecortes temáticos, periodizações, fontes e “fatos históricos”já bem delimitados.2

Porém, muitos outros trabalhos sim contestaram aHistória Geral existente por tomar o homem branco eocidental como “medida da humanidade”, e nãoreconhecer que as mulheres podem ter trajetórias distintasdas dos homens. Na tarefa de reescrever a História, agora

1 E a famosa Judith Butler vai ficarde fora? Tenho dúvidas se os desa-fios de Judith Butler e se conceitoscomo “múltiplas identidades” ougender trouble são imprescindíveisaos historiadores. É provável mes-mo que a História Social possa darconta dos fenômenos da mudan-ça social e da ação humana comsuas próprias ferramentas disci-plinares.

2 Joan SCOTT, 1988b.

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ESTUDOS DE GÊNERO E HISTÓRIA SOCIAL

levando as mulheres em consideração, por um lado,ganharam destaque as biografias de mulheres e as evidên-cias da participação feminina nos acontecimentos históricose na vida pública. Por outro lado, passou a ser valorizada a“dimensão política da vida privada”, local privilegiado,mas não único, da female agency. Nas pesquisas sobre“pessoas comuns”, as mulheres também foram contem-pladas em “biografias coletivas” de diversos grupos sociais.3

Historiadores empenharam-se em estabelecer relações entreas experiências femininas e as vivências de classe e/ouétnicas e entre as classes e/ou os grupos étnicos. Certostrabalhos apresentaram as mulheres atuando na históriada mesma forma que os homens. Outros, por sua vez,revelaram possibilidades diferenciadas das experiênciasfemininas.4

A História das Mulheres deixava clara a importânciada diferença sexual na organização da vida social emdiversos contextos muito bem mapeados. Um grandeavanço, sem dúvida, mas ainda insatisfatório para os quereivindicavam resultados mais amplos para além das merasdescrições. Não basta acrescentar as mulheres aos livros deHistória – disseram –, é preciso repensar o próprio saberhistórico e privilegiar abordagens analíticas.5 Atendendoao apelo, vários historiadores procuraram explicar o desen-rolar do processo histórico oferecendo novas narrativas, apre-sentando novas causas e demonstrando consequênciasantes ignoradas.

Surgiram também inquietações do tipo: como asexperiências masculinas passaram a ser as únicasrepresentativas da história humana? Qual o efeito do “olharsobre as mulheres” na prática historiográfica? Assim, estudossobre mulheres serviram para “questionar a prioridaderelativa dada à ‘história do homem’, em oposição à ‘históriada mulher’, expondo a hierarquia implícita em muitos relatoshistóricos”,6 em caracterizações de avanços e retrocessos eem temas e periodizações, tais como Renascimento, Revo-lução Francesa e cidadania, classe trabalhadora, con-quista da América. “Se uma forma de periodização significaa eleição de determinados acontecimentos como os maisimportantes para assinalar uma mudança fundamental naorganização econômica, social, política, uma periodizaçãono feminino será aquela que elege como acontecimentos-chaves aqueles relevantes para as mulheres”.7

A tendência do enfoque exclusivo sobre as mulheresacabou dando lugar ao estudo das relações entre os sexos(o pressuposto: as mulheres são definidas também emrelação aos homens, e vice-versa). A própria experiênciamasculina passou a ser estudada para além de categoriaspretensamente neutras, como classe e etnicidade. O

7 Carmen ESCANDÓN, 1991.

6 SCOTT, 1992.

5 Gisela BOCK, 1988; e JoanSCOTT, 1988a.

4 Alguns chegaram até a falar deuma “cultura feminina”, enfati-zando a diferença. Esses foram,posteriormente, criticados por iso-larem as mulheres do contextosocial mais amplo e supervalori-zarem seus poderes e esferasrestritas de atuação.

3 Louise TILLY, 1990.

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feminino foi visto como reportado necessariamente ao mas-culino nas práticas concretas e simbólicas, em relações depoder, conflito ou complementaridade, dentro de contextoshistóricos específicos. As relações sociais de sexo adquiriramo mesmo status de categorias como classe e raça e passa-ram a ser consideradas imprescindíveis em teorias que sepropõem a explicar as mudanças sociais.

Para Catherine Hall e Leonore Davidoff, por exemplo,“sexo e classe operam sempre juntos, e a consciência declasse também adota sempre uma forma sexuada aindaque a articulação de ambos nunca seja perfeita”. A distinçãoentre homem e mulher é um fato sempre presente; determinaa experiência, influi na conduta e estrutura expectativas.8

O debate sobre a necessidade e as maneiras detornar o saber histórico preocupado com a construção socialdas diferenças sexuais um campo de conhecimento maisanalítico prosseguiu e continua até hoje. Dentro dessedebate, existem várias ressalvas e críticas, como tambémdefesas ardorosas, do atrelamento da pesquisa com talpreocupação aos métodos e ferramentas conceituais dachamada História Social. As discussões a esse respeitochegaram a tomar rumos inusitados quando algunsenvolvidos foram além do questionamento das formas deelaboração dos fatos históricos e criticaram a própriametodologia de análise da disciplina. Voltaremos a isso.

A preocupação com gêneroA preocupação com gêneroA preocupação com gêneroA preocupação com gêneroA preocupação com gênero

Em outras reflexões, o termo sexo foi questionado porremeter ao biológico e a palavra gênero passou a ser utili-zada para enfatizar os aspectos culturais relacionados àsdiferenças sexuais. Gênero remete à cultura, aponta para aconstrução social das diferenças sexuais, diz respeito àsclassificações sociais de masculino e de feminino. A partirdessa visão aparentemente consensual do conceito de gê-nero, o termo foi empregado de diferentes maneiras peloshistoriadores.

Os Estudos de Gênero entraram na História. Nessedebut, herdaram muitos dos pressupostos, preocupações emetodologias de pesquisa da já atuante História das Mulhe-res, mas também reformularam ou contestaram vários outros.

Uma das formas, talvez a mais interessante, de ado-ção do termo é seu emprego como categoria de análise.Nesse sentido, uma das propostas da História preocupadascom gênero é entender a importância, os significados e aatuação das relações e representações de gênero no passa-do, suas mudanças e permanências dentro dos processoshistóricos e suas influências nesses mesmos processos.9

8 Catherine HALL e LeonoreDAVIDOFF, 1987.

9 Carla BASSANEZI, 1992.

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ESTUDOS DE GÊNERO E HISTÓRIA SOCIAL

Na avaliação de Joan Scott (feita em 1986), com aqual muitos historiadores concordaram, os Estudos de Gênerorepresentam a grande saída diante dos impasses provoca-dos por teorias que procuram causas originais da domina-ção do sexo feminino pelo masculino. Trabalhos preocupa-dos com “origens” e “causas primárias”, apesar de teremcolaborado para o conhecimento da “condição feminina”,terminavam muitas vezes por subordinar as relações entrehomens e mulheres a uma “causa essencial” abstrata euniversal, sem refletir sobre os significados das transforma-ções dessas relações (podemos acrescentar: tomando aprópria dominação masculina como pressuposto, como sefosse algo a-histórico). As chamadas teorias do patriarcadoexplicam a subordinação “universal” e “invariável” das mu-lheres pela necessidade masculina de controle da sexua-lidade feminina, fixando a oposição homem/mulher. Ascorrentes feministas marxistas apontam, por sua vez, para opeso da necessidade capitalista de controlar a força detrabalho feminina na divisão sexual do trabalho (procurandogarantir o “papel reprodutivo” e a manutenção de um“exército de reserva”).

Essas duas perspectivas (e suas variantes, como, porexemplo, as teorias da “dominação dual”) não avançamno sentido de explicar historicamente a diversidade dasformas de relações entre os sexos e as representaçõesdistintas do masculino e do feminino existentes em várioscontextos e culturas. A categoria de gênero, entretanto,ajuda a pensar nessas questões, escapar ao reducionismo,levar em conta as transformações históricas e incorporar, napesquisa e na análise, seus entrecruzamentos com etnia,raça, classe, grupo etário, nação, entre outras variáveis.

Em determinadas abordagens, o termo “gênero” vaise sofisticando na promessa de enriquecer os estudos histó-ricos. Tomado como uma categoria, ou seja, um modo deperceber e analisar relações sociais e significados, gêneropode ser empregado como uma forma de afirmar os compo-nentes culturais e sociais das identidades, dos conceitos edas relações baseadas nas percepções das diferençassexuais. Em outras palavras, a categoria de gênero remeteà ideia de que as concepções de masculino e de femininopossuem historicidade.

Assim, os significados de “ser homem”, “ser mulher” oude identidades e papéis [relacionados de algummodo a concepções que fazem referência a sexo]como “mãe”, “boa esposa”, “moça de família”, “chefeda casa” são entendidos, na perspectiva de gênero,como situações produzidas, reproduzidas e/outransformadas ao longo do tempo.1010 BASSANEZI, 1992.

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Como uma categoria de análise, gênero por si sónão pressupõe ou descreve nada além do fato de que per-cepções das diferenças sexuais são capazes de nortear re-lações sociais. Não traz em si um conteúdo. Não se refere aum objeto específico. Não define de antemão condições,identidades e relações. Portanto, estudar gênero demandapesquisa.

A vantagem da categoria de gênero é justamentepermitir, e mais, exigir que o estudo e a análise sejam feitossem definições preestabelecidas com relação aos signifi-cados ligados às diferenças sexuais. Essas definições devemser buscadas em cada contexto. A questão central a ser res-pondida pelos pesquisadores parte do “como”: como, emsituações concretas e específicas, as diferenças sexuais sãoinvocadas e perpassam a construção das relações sociais?

O objeto da investigação não precisa ser necessaria-mente a categoria empírica “mulher” (ou “homem”), podeser o significado atribuído a objetos11 e atitudes. Pode remeteràs condições de desigualdade, a manifestações e a ideiassobre sexualidade, maternidade, paternidade; às relaçõesfamiliares ou de trabalho; às ideias veiculadas pelos meiosde comunicação. Pode tratar das manifestações subjetivasou dos discursos científicos (da Medicina, da História, daBiologia). Isso porque as representações de gênero estãopresentes – sendo construídas, reproduzidas e contestadas– em vários espaços, tais como as instituições, o mercadode trabalho, os meios de comunicação, os movimentossociais, as experiências coletivas e as escolhas individuais.

Existem até historiadores com estudos interessantís-simos sobre a influência das concepções de gênero nasideias sobre civilização12 ou nas concepções nacionalistasem vários lugares do mundo e em diversas épocas.13 Emminha opinião, esses temas são os que melhor simbolizam anovidade e o alcance de voo da categoria de gênero, poisnão falam direta e imediatamente de homens e mulheresconcretos, e sim de concepções de masculino e femininopresentes e atuantes no processo histórico.

As propostas de Joan ScottAs propostas de Joan ScottAs propostas de Joan ScottAs propostas de Joan ScottAs propostas de Joan Scott

Um grande marco nos Estudos de Gênero foi a publi-cação, em 1986, de “Gender: A Useful Category of HistoricalAnalysis”, de Joan Scott, que problematizava gênero emtermos de categoria de análise como uma forma de fazercom que os trabalhos preocupados com as diferençassexuais passassem das descrições para as explicações(inquietação compartilhada por vários outros autores) e,finalmente, para a elaboração de teorias.

11 Antropólogos ensinam que coi-sas também podem ser vistas co-mo masculinas ou femininas(Suely KOFES, 1993).

12 Como o estudo de Mary LouiseRoberts (1992) sobre a França em“crise cultural” no pós-PrimeiraGuerra Mundial.13 HALL, 1993.

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ESTUDOS DE GÊNERO E HISTÓRIA SOCIAL

A definição de gênero que Scott apresenta nesse textoparte de duas proposições: a) gênero é um elementoconstitutivo das relações sociais baseado nas diferençaspercebidas entre os sexos; e b) gênero é um modo primáriode significar relações de poder. A primeira refere-se aoprocesso de construção das relações de gênero. A segundarefere-se à pertinência da aplicação do termo comocategoria de análise de outras relações de poder.14

Para Scott, a definição de gênero envolve aindaquatro elementos que podem operar em conjunto:

a) símbolos que evocam múltiplas representações(por exemplo, Eva e Maria, inocência e corrupção, virtude edesonra). Eles devem ser pesquisados em suas modalidadese nos contextos específicos em que são invocados;

b) conceitos normativos que evidenciam asinterpretações e os significados dos símbolos (doutrinasreligiosas, regras sociais, científicas, políticas), e que remetema afirmações dominantes dependentes da rejeição ourepressão de possibilidades alternativas. Aqui, o desafio daspesquisas seria revelar o debate por trás da aparência deuma permanência eterna na representação binária ehierárquica de gênero;

c) política, instituições e organização social, noçõese referências que devem ser incluídas nas análises, pois gê-nero é construído tanto no parentesco quanto na economiae na política; e

d) identidade subjetiva. O pesquisador pode exa-minar os modos pelos quais as identidades de gênero sãoconstituídas, relacionando-as a atividades (educacionais,políticas, familiares etc.), organizações e representaçõessociais contextualizadas.

Enfim, Scott propõe que os pesquisadores observem“os efeitos do gênero nas relações sociais de maneirasistemática e concreta”.15

A afirmação de que o gênero é um campo primáriono qual ou por meio do qual o poder é articulado (apesarde não ser o único, é um meio recorrente de proporcionar asignificação de poder) conduz o historiador a buscar asformas pelas quais os significados de gênero estruturam aorganização concreta e simbólica de toda a vida social,ou seja, as referências que estabelecem distribuições depoder (controle ou acesso diferencial às fontes materiais eaos recursos simbólicos). Gênero é tanto produto das relaçõesde poder quanto parte da construção dessas própriasrelações. Os pesquisadores podem, portanto, pensar nasseguintes questões: como as instituições incorporaramgênero? Por que as mulheres permaneceram por tanto tempoinvisíveis no conhecimento histórico? O sujeito da ciência ea objetividade científica são engendered (pautados por

14 Eleni VARIKAS, 1991.

15 SCOTT, 1986.

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gênero)? Quais são os efeitos sociais da associação entreEstado totalitário e masculinidade, regimes autoritários econtrole da sexualidade feminina?16

Scott pergunta: se as significações de gênero e asde poder se constroem mutuamente, como ocorrem asmudanças? – uma grande questão da História –, ou seja, seas estruturas se reproduzem, como se dão as rupturas? ParaScott, as respostas não são únicas. Elas devem ser buscadasem cada contexto histórico. As pesquisas ancoradas nadisciplina histórica têm mostrado que movimentos sociais,rebeldias individuais, transformações econômicas, crisesdemográficas etc., podem servir para que sejam redefinidosos termos de gênero ou reforçar os conceitos tradicionaissob novas aparências. Dessa forma, por exemplo, “homem”e “mulher” – categorias aparentemente fixas ligadas ànatureza dos sexos – podem receber definições alternativasou incorporar possibilidades antes negadas ou reprimidas.

Essas propostas de Scott foram amplamenteaplaudidas, mesmo porque algumas delas já vinham sendopostas em prática por historiadores sociais.17 Aspreocupações militantes dessa autora e seu apelo parareflexões acadêmicas que colaborassem com o projetofeminista também atraíram atenções e elogios. Outros textosde Scott, porém, provocam reações negativas, por diversosmotivos em vários campos: suas críticas aos Estudos deGênero ligados à História social, suas observações relativasaos “limites epistemológicos” da própria História Social e,finalmente, sua aproximação com métodos linguísticos e oque chamou de pós-estruturalismo.

A opção pós-estruturalista de Joan ScottA opção pós-estruturalista de Joan ScottA opção pós-estruturalista de Joan ScottA opção pós-estruturalista de Joan ScottA opção pós-estruturalista de Joan Scott

Joan Scott deve sentir-se à vontade ao fazer críticasà História Social: em 1978, publicou, em parceria com LouiseTilly, um livro brilhante nessa linha de abordagem chamadoWoman, Work and Family.18 Esse livro é uma rara ecompetente combinação de macro-História (comparativa,de grande duração, preocupada com longos processos) eHistória do cotidiano. Especificamente, ele é o resultado bem-sucedido de um esforço de estudar a história do trabalhodas mulheres na França e na Inglaterra no período 1700-1950. Sustentando o princípio de que o conhecimento dasexperiências femininas, no caso, a atuação das mulheresno mundo do trabalho, só pode surgir da compreensão doscontextos econômicos, demográficos e familiares nos quaisessas mulheres configuram suas vidas, as autoras delineiama trajetória do trabalho das mulheres a partir das mudançase permanências desses fatores inter-relacionados. A obranão apenas trata do impacto da industrialização no trabalho

16 Cito, como exemplo, doisobjetos de estudo capazes dedemonstrar como gênero éevocado para definir relações depoder: a) o nazismo, cujo idealde superioridade é simbolizadopelo homem ariano, que cultuaa virilidade e tem como objetivoo extermínio dos judeus (queconduz, entre outras coisas, àesteril ização em massa demulheres judias) (BOCK, 1988); eb) a discussão do carátergendered masculino do espaçopúblico burguês na época daRevolução Francesa: a política damonarquia, chamada de “políticada alcova”, é associada pelosdiscursos revolucionários,negativamente, ao feminino e àimoralidade. Em contrapartida, aRepública (a política visível doespaço público) é associada,positivamente, ao masculino. Umestudo como esse fornece pistassobre a exclusão das mulheres(relacionada à formação davirtude republicana) e sobrecomo, a partir de quaismecanismos ideológicos, a críticada autoridade arbitrária nãochega ao interior da famíliaburguesa (Joan LANDES, 1988).17 VARIKAS, 1991.

18 TILLY e SCOTT, 1987.

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feminino e de sua estreita relação com as estratégias dereprodução das famílias – como pretendem as autoras –,como também contribui com pistas em bases sólidas para oestudo das mentalidades e das intersecções entre condiçõesestruturais, relações sociais e escolhas individuais.

Posteriormente, referindo-se à parceria entre HistóriaSocial e História das Mulheres (e fazendo uma espécie deautocrítica), Scott diria:

os historiadores sociais (eu, dentre eles) documen-taram os efeitos da industrialização sobre as mulheres,um grupo cuja identidade comum nós pressupomos.Questionávamos menos freqüentemente naquelaépoca sobre a variabilidade histórica do próprio termo“mulheres”, como ele se alterou, como no decorrerda industrialização, por exemplo, a designação mu-lheres “trabalhadoras” como uma categoria separadade “trabalhadores” criou novas percepções sociaisdo que significava ser uma mulher.19

Para Scott, a História Social, ao estudar processos ousistemas por meio de grupos humanos particulares e ao plura-lizar os objetos e as narrativas históricas, abriu espaço paraa História das Mulheres e de Gênero. Entretanto, “reduziu aação humana colocando-a em função de forças econômi-cas e fez do gênero um de seus inúmeros subprodutos”, enão algo que pudesse ser estudado em si mesmo. Isso ocorreporque a História Social defende que a diferença de gêneropode ser entendida dentro de seu quadro explicativo(econômico).20 A ideia adotada pela História Social de quecategorias de identidade refletem uma experiência objetiva(e que, portanto, determinações objetivas e efeitos subjetivosconstituem esferas separadas) conduz a explicações queservem mais para confirmar que para modificar visõespreestabelecidas sobre as mulheres. Essa concepção remetea uma essência feminina e consequentemente a interesses(e consciência) determinados pela posição econômica ousexual. Uma história escrita nesses termos endossa a ideiada diferença sexual imutável e termina por ser usada parajustificar a discriminação.21 Para que se possa romper com ocampo conceitual (da Filosofia Ocidental), que tem construí-do o mundo hierarquicamente em termos de universalidadesmasculinas e especificidades femininas, é necessária umanova abordagem teórica.22

Scott, então, descarta a História Social e afirma terencontrado no pós-estruturalismo uma “epistemologia maisradical”, capaz de “tratar as mulheres como sujeitos dahistória e gênero como uma categoria analítica”.23 A autorachama de pós-estruturalismo as abordagens linguísticas efilosóficas calcadas em ideias de Derrida e Foucault. ParaScott, as teorias da linguagem empregadas pelos pós-

23 SCOTT, 1988c.

22 SCOTT, 1988e.

21 SCOTT, 1988a, introdução.

20 SCOTT, 1988b.

19 SCOTT, 1992.

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estruturalistas ajudam a pensar “como as pessoas constroemsignificados”, “como a diferença (e, portanto, diferença se-xual) opera na construção do significado” e “como as com-plexidades dos usos contextuais abrem caminho para mu-danças no significado”.24

Quando Scott fala em linguagem, não quer dizerrepresentação de ideias que causam relações materiais ouda qual resultam.25 Por linguagem, ela entende “sistemasde significado ou conhecimento” em que o significado écriado por meio da diferenciação. Afirma que “não há reali-dade social fora ou anterior à linguagem”, ou seja, “é impos-sível separar significados de experiências, não há experiên-cia social separada da percepção das pessoas sobre ela”,“linguagem não é só as idéias que as pessoas têm sobredeterminados assuntos, mas as suas representações e orga-nizações da vida e do mundo”.26 “Linguagem não somentepossibilita a prática social; ela é a prática social”.27 Textosnão são só documentos, mas também “articulações dequalquer tipo ou meio, inclusive práticas culturais”.28

Discurso não é uma forma de expressão, ou palavras, mas éum conjunto não só de modos de pensar, de entender, comoo mundo opera e qual o lugar de cada um nele, comotambém de modos de organizar vidas, instituições esociedades, de implementar e justificar desigualdades, mastambém de recusá-las.29 Em outras palavras, discurso “é umaestrutura de proposições, termos, crenças e categorias histó-rica, social e institucionalmente específicas”.30 Scott diz teroptado por essa noção porque ela permite quebrar com asoposições conceito/prática, representações/vida concreta,material. Diferença é a “noção de que o significado é feitoatravés de contraste: uma definição positiva se baseia nanegação ou repressão de algo representado como suaantítese”. E, finalmente, desconstrução é a análise das ope-rações da diferença (modos pelos quais os significados sãopostos para funcionar) nos textos.31

Uma abordagem que vê o significado como algoconstruído em termos de diferença é útil (para os historiadorescom preocupações feministas), já que percebe a diferençasexual como uma maneira de estabelecer significado.32 Aapropriação do pós-estruturalismo pelos Estudos de Gênerono sentido de pensar a diferença (em termos de pluralidadee diversidade, em vez de unidade e universalidade), segun-do Scott, vai ao encontro das necessidades teóricas de seestudarem as relações de poder, a produção dos signifi-cados e as formas de construção e de legitimação das hierar-quias de gênero. Nessa perspectiva, gênero é redefinidocomo conhecimento (o saber) sobre a diferença sexual.33 Oconhecimento se refere a tudo em que se constituem asrelações sociais (ideias, instituições, estruturas, práticas,

24 SCOTT, 1987.

25 SCOTT, 1987, 1988e.

26 SCOTT, 1987, 1988c, 1988e.27 SCOTT, 1987.

28 SCOTT, 1988e.

29 SCOTT, 1987.

30 SCOTT, 1988e.

31 SCOTT, 1988e.

32 SCOTT, 1988c.

33 SCOTT, 1988a, introdução.

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rituais). Conhecimento é um modo de ordenar o mundo e éinseparável da organização social. Assim, “gênero é a orga-nização social da diferença sexual”. Os significados estabe-lecidos por gênero podem ser contestados politicamente, eé por meio deles que as relações de poder são constituídas.

Um dos princípios caros a essa abordagem é o deque os significados são produzidos diferencial e hierarqui-camente. Diferencialmente por ocorrerem por meio de con-trastes e oposições binárias (uma definição positiva se ba-seia na negação ou repressão de algo representado comosua antítese, por exemplo, homem/mulher, identidade/diferença, presença/falta). Hierarquicamente por haver umtermo dominante, prioritário, e outro subordinado, secun-dário.34 As oposições reprimem ambiguidades internas e aheterogeneidade de cada categoria. Encobrem assim ainterdependência dos termos (pois, na verdade, o segundoé necessário ao primeiro). Por exemplo: “se a definição deHomem permanece na subordinação da Mulher, então umamodificação na condição da Mulher requer (e provoca) umamodificação em nossa compreensão do Homem (um simplespluralismo cumulativo não funciona)”.35

Os estudos pós-estruturalistas prometem ser capazesde relativizar o status de todo conhecimento, ligar conheci-mento a poder e teorizá-lo em termos de operações da dife-rença. Consideram que podem dizer como as hierarquiasde gênero são construídas e legitimadas (tratando de pro-cessos, não de origens; de causas múltiplas, de retóricas ediscursos, e não de ideologias e consciências).36 SegundoScott, esses estudos enfocam os processos conflitivos queestabelecem significados (tomados, nessa perspectiva,como instáveis, abertos à contestação e redefinição). Apon-tam as maneiras pelas quais conceitos de gênero adquirema aparência de fixos. E lidam com jogo de forças envolvidonessa construção, ou seja, a política.

Nessa abordagem, os interesses que controlam oucontestam significados são produzidos discursivamente, sãorelativos e contextuais, e não inerentes aos atores ou às suasposições estruturais (não há, como na abordagem da HistóriaSocial, interesses objetivamente determinados e nem umaseparação entre condições materiais, pensamentos e açõesengendrados por aquelas).37 Os significados são disputadoslocalmente dentro de campos de força discursivos que sesobrepõem, influenciam e competem uns com os outros.Porém, aparecem como verdades, exercendo uma funçãolegitimadora de poder.38 Política é, portanto, o processo peloqual jogos de poder e conhecimento constituem identidadee experiência, e estas, por sua vez, são fenômenos organi-zados discursivamente em contextos e configurações parti-culares.39

38 SCOTT, 1988e.

37 SCOTT, 1988a, introdução.

36 SCOTT, 1988a, introdução.

35 SCOTT, 1992.

34 SCOTT, 1988e, 1992.

39 SCOTT, 1988a, introdução.

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Ainda segundo Scott, a desconstrução é o métodomais indicado para criticar, reverter e deslocar as oposiçõesbinárias, revelando, com isso, o seu funcionamento, expondoos termos reprimidos e desafiando o status natural dadicotomia dos pares.

Aplicações(?)Aplicações(?)Aplicações(?)Aplicações(?)Aplicações(?)

Um exemplo que ilustra a aplicação dessa aborda-gem é a análise que a própria Scott faz do famoso “CasoSears” (1979-1986),40 que levou aos tribunais norte-america-nos o debate “igualdade versus diferença”.

A loja Sears, com a assessoria de uma historiadora,apoiou-se em argumentos que enfatizavam a diferençasexual – homens e mulheres têm interesses distintos com rela-ção a postos de trabalho e tipos de emprego – para justificara política salarial da empresa contra as acusações de discri-minação que lhe haviam sido feitas por feministas. As femi-nistas, por sua vez, insistiam em argumentos que acabaramsendo entendidos como uma “suposição” a favor da igual-dade de interesses das mulheres com relação a escolhasde emprego e, consequentemente, à questão salarial. Asfeministas perderam a causa.

À luz do pós-estruturalismo, Scott afirma que “igualda-de” e “diferença”, na verdade, não designam termos opos-tos, e sim interdependentes (“igualdade não é a eliminaçãoda diferença e a diferença não obsta a igualdade”). Portan-to, uma discussão mais profunda seria a que girasse em tor-no da relevância de ideias gerais de diferença sexual emcontextos específicos. O termo “diferença” pode ser usadopositivamente – enfatizando a desigualdade escondida emum termo aparentemente neutro, pois, por exemplo, o termo“trabalhador” pode não dar conta das especificidades dasexperiências femininas – ou negativamente – justificandoum tratamento desigual.

Scott toma o “Caso Sears” como uma lição “sobre aoperação do discurso como um campo político” em queconceitos são manipulados para implementar e justificarum poder. A solução seria expor a formulação “igualdadeversus diferença” como uma ilusão, pois o primeiro termo dizrespeito a princípios e valores reivindicados e o segundo, auma “ferramenta analítica” (antítese de semelhança ouidentidade) cujo contexto deve ser especificado. Em outraspalavras, a natureza da comparação deve ser explicitada,e não posta como algo inerente às categorias de “homem”e “mulher”, cuja oposição generalizada acaba por obscu-recer as diferenças entre as mulheres, as semelhanças entrehomens e mulheres e as distintas experiências históricas. A

40 SCOTT, 1988e.

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proposta, portanto, é enfatizar as diferenças (atenção aoplural!).

A ênfase nas diferenças proporciona uma maiordiversidade que a simples oposição homem/mulher. Dá con-dições para a criação de identidades individuais e coletivas(algumas pessoas se identificam, porque, entre tantas dife-renças, têm algo em comum, por exemplo, sofrem discrimi-nação, reivindicam determinados direitos). As diferençasdestacadas desafiam identidades fixas e categorias essen-cialistas e podem ser o próprio significado da igualdadereivindicada: “a igualdade reside na diferença”.

Scott questiona a visão de que igualdade e diferençasão de fato dicotômicas. E “propõe que a igualdade podeimpor indiferença às diferenças; logo, de acordo com suaavaliação, é possível ser tanto diferente quanto igual”.41

As sugestões de Scott para a análise das oposiçõesbinárias presentes nas operações dos discursos têm sidoaproveitadas também por alguns pesquisadores que nãoconcordam totalmente com seus princípios pós-estrutu-ralistas. Sueann Caulfield,42 por exemplo, faz uso das “teoriasepistemológicas de significação” para analisar as constru-ções de gênero (no discurso da revista Vida Policial, entre1925 e 1927) referentes a conceitos, tais como “mulherhonesta”/”desonesta”, “garotas modernas”/”futura boa mãe”.Caulfield também se inspira nessas teorias para demonstrarque gênero é usado como ponto de referência para construire legitimar relações sociais e interesses políticos que vão docampo da sexualidade ao das lutas raciais, dos conflitosnos espaços público e privado ao projeto de construção danacionalidade brasileira.

A proposta de Scott – como instrumento teórico-meto-dológico para o entendimento de como gênero significarelações de poder e de como é tomado como referênciapara cristalizar identidades – mostra-se útil na análise queCaulfield faz da linguagem conceitual da revista que utilizacomo fonte de pesquisa. Porém, essa historiadora prefereoutras abordagens teóricas ao enfrentar a questão das sub-jetividades e da ação humana (human agency), poisreconhece – assim como vários outros historiadores – os limitesdo pós-estruturalismo diante dessa problemática.

Pesquisadores preocupados com a militância políti-ca fora dos muros acadêmicos, por sua vez, consideram asposições que privilegiam as diferenças culturais entre ho-mens e mulheres perigosas para os movimentos sociais con-trários à discriminação, como é o caso do feminista. Segundoeles, as diferenças acabam sendo tomadas como perma-nentes e irredutíveis. E os argumentos igualitaristas (que ser-vem como antítese do senso comum conservador) acabamficando em segundo plano. A ideia de que a ênfase nas

41 Marnie HUGES-WARRINGTON,2002.

42 Sueann CAULFIELD, 1991.

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diferenças possibilita a criação de “identidades individuaise coletivas” não os convence, pois – argumentam – opensamento que procura reconhecer um número cada vezmaior de diferenças dentro das diferenças (a diferençamúltipla) “só pode ir parar na mônada, no átomo, isto é, naafirmação de que todo indivíduo é único e diferente”.43

As implicações políticas das abordagens teóricasnão podem ser descartadas, porque a própria Scott procurajustificar sua adesão ao pós-estruturalismo por uma opçãopolítico-feminista, cujos objetivos seriam: tornar as mulheressujeitos históricos; apontar e transformar as desigualdadesentre homens e mulheres; modificar a distribuição de poderexistente; produzir um novo conhecimento sobre a diferençasexual; articular uma (ou várias) identidade(s) política(s) emtorno de algumas lutas de interesse das mulheres, semconformá-las a estereótipos. Enquanto interpretam o mundo,os historiadores são capazes de contribuir para mudá-lo,afirma Scott.44 É impossível, portanto, dizer que ela não temboas intenções. Scott não é uma alienada.

Joan Scott Joan Scott Joan Scott Joan Scott Joan Scott versusversusversusversusversus E. P E. P E. P E. P E. P. Thompson. Thompson. Thompson. Thompson. Thompson

Entre as propostas de Scott está um amplo questiona-mento da disciplina histórica, tomada tanto como métodoquanto como instituição. Questionar a própria História éimportante porque as representações, os retratos que faz, dopassado contribuem para a construção de gênero nopresente; as “políticas da História” fazem parte de relaçõesde poder.45

Para Scott, a discriminação sofrida pelas mulheresnos estudos históricos pode não ter ocorrido apenas pormachismo ou por um viés de gênero dos profissionais, e simpor problemas inerentes aos próprios métodos gender blind(cegos à questão de gênero) da História Social. O trabalhode E. P. Thompson,46 A formação da classe operária inglesa,47

é tomado como exemplo dessa afirmação.Scott escolhe analisar essa obra pela influência que

exerceu (e exerce) na História das Mulheres e de Gênero,apesar de, segundo a historiadora, Thompson nunca ter teci-do considerações a respeito de gênero, de experiênciasfemininas diferenciadas (ou não) das experiências dostrabalhadores em geral ou do peso dos aspectos masculinose femininos na formação da classe trabalhadora.48

Em sua crítica ou “análise textual”, Scott afirma que ohistoriador concebe o movimento coletivo das lutas sociaisem termos unificados, pois fala de The Making of, o processo,como uma única grande história.49 Isso dificulta a incor-poração da diversidade ou da diferença. Afirma tambémque, embora “homem” (humano) ou “trabalhador” possam

44 SCOTT, 1988a.45 SCOTT, 1988a.46 Não cabe aqui desenvolver comdetalhes as ideias de E. P.Thompson, o debate em torno de-las ou os termos de sua contribui-ção para o desenvolvimento daHistória e da Sociologia histórica(para isso, ver: Harvey KAYE, 1984;Bryan D. PALMER, 1981; e EllenTRIMBERG, 1984). Para umaanálise de aspectos de sua formade escrever História e do modocomo define os conceitos de“experiência”, “ação”, “deter-minação” e “hegemonia”, ver:BASSANEZI, 1994. Contudo, é bommencionar que, orientado poruma perspectiva marxista,Thompson rompe com análisessimplistas economicistas. Incorpo-ra a cultura em sua abordagem eenfatiza a ação humana no pro-cesso dinâmico da história, que,para ele, engloba tanto condicio-namentos e determinações quan-to a atuação dos sujeitos. Procuraentender o “processo histórico eintegrar a análise da cultura e daação humana em uma análisemacroestrutural de mudança so-cial”. Afirma ser contra uma teoriadescolada do empírico; daí aimportância que atribui à pesqui-sa. Além disso, sua visão de Histó-ria assume, explicitamente, umduplo compromisso: com as evi-dências históricas e com os pro-blemas e as questões sociais dopresente.47 The Making of the EnglishWorking-Class, no original publi-cado em 1963.48 SCOTT, 1988d.49 Será que essa crítica, no limite,não questiona o próprio pressu-posto da disciplina História, queespera que o profissional da área,a partir de suas pesquisas, apre-sente uma narrativa legível sobreo período ou o processo históricoestudado?

43 Antônio Flávio PIERUCCI, 1990.

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ter um sentido neutro no trabalho de Thompson, a questãoda mulher não está nele representada (e se estivesse, a coe-rência da narrativa seria desafiada, já que o texto, apesarde falar sobre mulheres, não trata de seus papéis históricos).Assim, a narrativa da obra é gendered (ela própria marcadapor gênero), pois os conceitos gerais nos quais se baseia,na verdade, possuem um viés masculino.

Thompson, na visão de Scott, demonstra que astradições auxiliam os trabalhadores na sua luta por direitos.Porém, dá a entender que as experiências domésticas femi-ninas “atrapalham” essa luta; as reivindicações das mulhe-res, baseadas nessas vivências, são apresentadas, precon-ceituosamente, como imediatistas, menos políticas ou comum peso bem menor no processo de formação da classetrabalhadora. A presença das mulheres no trabalho deThompson apenas enfatiza a relevância das associaçõesde classe e da política dos homens. As mulheres são priorita-riamente associadas às funções domésticas, mesmo sendotrabalhadoras, e o impacto diferencial do capitalismo sobreelas é negligenciado. Na luta dos trabalhadores ingleses,descrita pelo historiador, as mulheres são retratadas maiscomo companheiras leais que como militantes convictas.

A variedade de comportamentos políticos é avaliadade acordo com um esquema gendered, ou seja, umesquema que emprega símbolos comumente relacionadosao masculino e ao feminino para identificar polos positivose negativos das estratégias políticas adotadas pelostrabalhadores. Assim, o racionalismo é considerado algopositivo na formação da consciência de classe, enquantoas referências religiosas e os usos do imaginário sexual sãovistos como negativos. As mulheres que se encaixam no idealde heroínas racionais são vistas como exceção, comportam-se como homens. A análise de Thompson faz com que oreligioso, o espiritual e o doméstico (codificados comofeminino) não sejam vistos como “aperfeiçoadores” dapolítica. Enfim, a definição de experiência de classe (comofortemente determinada pelas relações produtivas50 nasquais os homens se inserem), empregada por Thompson,coloca a domesticidade de lado e associa implicitamenteprodutores e ação política efetiva. Embora esteja claro quenem todos os trabalhadores são homens, a produção érepresentada como uma atividade, ainda que nãoexclusivamente de homens, masculina.

Além dessas críticas específicas dirigidas ao trabalhomais famoso de Thompson, Scott toma o autor como umrepresentante de uma tradição de historiadorescomprometidos com a questão da igualdade social que,entretanto, descartam como reacionária qualquer tentativade reconhecimento da complexidade da diferença sexual.

50 Aqui, Scott parece adotar umavisão estreita do termo “relaçõesprodutivas”, opondo as esferas da“produção” (o mundo do trabalho,o espaço público) e da “reprodu-ção” (o mundo doméstico,privado).

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Em consequência disso, os primeiros trabalhos de Históriadas Mulheres, ancorados na tradição thompsoniana, foramincapazes de explicar o papel marginal das mulheres naformação da classe operária. Então – argumenta ela –, sócom a revisão das premissas teóricas do trabalho deThompson é que a política da classe operária pode serpercebida como um campo de luta de visões diferentessobre uma “nova sociedade” (revelando, por exemplo, queas vozes femininas eram mais ligadas ao socialismo utópicoe, com a vitória do racionalismo, o “socialismo científico”,elas ficaram excluídas).51

Na busca de uma explicação para os modos distintospelos quais os interesses de classe são expressos ou definidose, assim, contemplar a diversidade na narrativa histórica,Scott acaba descartando totalmente o que chama de “redeanalítica de Thompson”. “Rede” esta que, segundo a histo-riadora, comete o equívoco de advogar uma correlaçãosimples e direta entre esferas separadas: a da existênciasocial e a do pensamento político. Outro de seus erros seriasustentar que a consciência emana da experiência e consi-derar classe como um movimento unificado enraizado numapercepção singular de interesse.

Scott reitera que a abordagem mais frutífera encontra-se no estudo das organizações das representações (oscontextos e as políticas de qualquer sistema de represen-tação) nos discursos a partir das seguintes questões: comoas categorias de classe foram formuladas por meio dasrepresentações em momentos históricos específicos? Quaisos limites das formas linguísticas? Quais as lutas das defini-ções envolvidas (afirmações, negações, repressões)? Comouma definição torna-se dominante? Como gênero é utilizadona construção de classe (terminologias, programas políticose organização simbólica)? Ela garante que o resultadodessa abordagem será não um conceito unitário de classe(ou gênero), e sim um conceito de classe (ou gênero) comoum campo de múltiplos e disputados significados.52 Aconstrução dos significados, portanto, deve ser analisadacomo um conjunto de eventos em si mesmos, sem que sejaempregada a distinção entre vida material e pensamentopolítico, como fazem os textos clássicos.

Se os próprios estudos históricos colaboram naconstrução das representações da diferença sexual, tambémeles merecem ser desconstruídos, alerta Scott.

Antecipando-se a algumas críticas e respondendoa outras, Scott afirma que, embora alguns interpretem asideias de Foucault como um argumento a favor da futilidadeda ação humana na luta por mudanças sociais, elas devem,de fato, ser lidas como um alerta contra soluções simplistas,um conselho para que os atores pensem melhor sobre as

51 Há quem tenha identificado emum artigo posterior de Thompson– “The Moral Economy Revisited”(1990), mais especificamente naparte em que trata dos papéis degênero nos food riots (“motins poralimentos”, ocorridos no séculoXVIII e início do XIX) – respostasindiretas às críticas de Scott. Afeta-do ou não por essas críticas, ofato é que, nesse trabalho, a partirda pesquisa em documentos(como gosta de fazer), Thompsondá bastante espaço à participa-ção das mulheres nos motins, suarelação com os homens e comas autoridades, sua atuação nocomércio e na economia familiar.O historiador alerta para a confu-são que a noção de “igualdade”(ou a de “desigualdade”) podetrazer ao ser empregada erronea-mente por historiadores de hojena caracterização das relaçõesentre homens e mulheres do pas-sado. Naquela época, as pessoasnão agiam por noções comoesta, posto que “estavam profun-damente habituadas a aceitarque os papéis de homens e mu-lheres fossem diferentes”, comcertos espaços de justaposição.“Era exatamente a extensão e aimportância manifesta dos papéisda mulher e suas responsabilida-des que dava a ela autoridadena casa e respeito na comunida-de”. Thompson explica a proemi-nência das mulheres nos motinsem parte por seu papel destaca-do na economia (que lhes davaautoridade para administrar a vidadiária e autoconfiança parareivindicar em protestos públicos).Entretanto, afirma, “é tolice suporque a reciprocidade e o respeitoentre trabalhadores homens emulheres nas comunidadesdissolvessem as diferençassexuais”. Por outro lado, as evi-dências “contestam os estereóti-pos da submissão feminina, timi-dez ou confinamento das mulhe-res ao mundo privado da casa”.Como de costume, Thompsonenfatiza o estudo contextualizadoda cultura e das ações dos sujeitoshistóricos.52 SCOTT, 1988d.

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implicações e os significados filosóficos e políticos dosprogramas e das estratégias que endossam.53

O casamento da História Social com osO casamento da História Social com osO casamento da História Social com osO casamento da História Social com osO casamento da História Social com osEstudos de GêneroEstudos de GêneroEstudos de GêneroEstudos de GêneroEstudos de Gênero

Foram muitas as críticas à proposta de Scott. Aoresponder diretamente a algumas delas,54 a historiadora55

basicamente acusou seus críticos de não terem entendidodireito o que ela havia escrito. Viu-se então obrigada a reite-rar suas definições de “discurso”, “linguagem” e “descons-trução” como coisas bem diferentes e mais abrangentesque as interpretações dadas pelos críticos (e, realmente,são definições aparentemente tão complexas e distintas dasque os historiadores sociais costumam dar para os mesmostermos que não admira terem causado confusão).

Em geral, os críticos valorizam o trabalho de Scott ecomungam de suas preocupações políticas. Vários historia-dores consideram “perspicaz” sua análise sobre os Estudosda Mulher e “original e promissora” sua visão a respeito degênero. Concordam (uns mais, outros menos) com certasobservações a respeito da historiografia, mas grande partenão se convence dos argumentos em favor do pós-estru-turalismo.56 Para eles, o problema principal não está nasquestões que Scott apresenta, mas na abordagem quepropõe para resolvê-las. Consideram que ela foi “injusta”ao depor a História Social e insistem nas possibilidadespositivas dessa linha de pesquisa.

Uma das críticas mais recorrentes e interessantes dizrespeito à deficiência das ferramentas teóricas pós-estrutu-ralistas diante da questão da ação humana. Tal deficiênciaacentua-se quando se tenta casar essa abordagem comum projeto político como o explicitado por Scott, qual seja,romper com os determinismos, fazer das mulheres sujeitoshistóricos e fornecer elementos para se questionarem as desi-gualdades de gênero. Caracteriza-se aí uma contradição.

Caulfield57 pergunta: como a análise textual resolvea questão dos modos como as identidades subjetivas ou ospontos de vista alternativos são construídos? Como podehaver ação se há somente sujeitos/objetos produzidosdiscursivamente? Como estudar rupturas e resistências se aação humana parece dissolver-se diante dos onipresentes“sistemas discursivos”? Ao pressupor que a ação ocorredentro de uma linguagem conceitual que estabelece por silimites e contém, ela própria, possibilidades de negação,resistência e interpretação, como reconhecê-los?

Para Tilly,58 o método da desconstrução com suaênfase no texto (quer se trate de um enunciado, dalinguagem ou de oposições binárias) parece subestimar a

56 Scott também foi acusada deadotar indiscriminadamente odesconstrutivismo; ao se apropriardo vocabulário de Derrida eFoucault, nem sempre soubequestionar suas (deles) suposi-ções. “Por exemplo, é verdadeque ‘não há nenhuma realidadeexterna ou anterior à língua’? [...]É possível distinguir os objetos doestudo literário dos objetos doestudo histórico?” (HUGES-WARRINGTON, 2002).

53 SCOTT, 1988e.

54 Linda GORDON, 1990; Bryan D.PALMER, 1987; e ChristineSTANSELL 1987.55 SCOTT, 1987, 1990.

57 CAULFIELD, 1991.

58 TILLY, 1990.

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ação humana e superestimar a coerção social. Ele pratica-mente ignora o ator e o mundo pautado por relações sociaisconcretas, e não atribui peso suficiente às lutas sociais nasmudanças históricas. E, mais, não pressupõe minimamentea relevância das condições em que as relações de poderse transformam.

De fato, diante de uma abordagem teórica que afirmaque “a elaboração dos significados envolve conflito e po-der”, pois “os significados são localmente disputados dentrode campos de força discursivos” que “se sobrepõem, influen-ciam e competem uns com os outros, aparecem como verda-de e servem a uma função legitimadora de poder”,59 pode-mos perguntar: qual o espaço para a ação? Ou, como fazVarikas,60 qual é o estatuto do sujeito da história?

Na abordagem pós-estruturalista, as respostas nãosão claras. Se, por um lado, parece afirmar a possibilidadede “intervenção dos sujeitos agentes” (ao mencionar a insta-bilidade do significado dos conceitos resultantes dosprocessos de contestação e, consequentemente, demúltiplas redefinições), por outro lado, parece negá-ladiante da “impessoalidade das forças discursivas que cons-troem o significado”. Essa segunda leitura (favorecida pela“ausência literal do sujeito na exposição das teorias deprodução do significado”) remete a um assustador deter-minismo: o da estrutura da linguagem. Mesmo quando seafirma a existência de “conflitos internos”, as pessoas pare-cem não existir ou contar decisivamente para os resultadosdos “jogos de poder”.61

Em um de seus artigos, Scott parece considerar a in-fluência da dinâmica das relações sociais na elaboraçãodo significado ao afirmar que o poder de controlar um campode força discursivo particular reside nas alegações do conhe-cimento incorporado em escritos/documentos, organizações,instituições e relações sociais (hierárquicas).62 Porém, Scottnão deixa claro – ao falar em termos de “oposições binárias”,“processos textuais de aquisição de significado” e “forçasde significação” – como se dá essa influência e que pesoela tem no processo de elaboração e, menos ainda, no decontestação dos significados, ou, se preferirmos, das mu-danças na história. A própria autora reconhece que as expli-cações foucaultianas não satisfazem seus colegas historia-dores, preocupados em entender como as mudanças ocor-rem, em especial aqueles que perguntam pelas “causas”.63

Para Tilly, o método preconizado por Scott coloca emquestão “a existência de um mundo real e a possibilidadede descrevê-lo e explicá-lo”.64 Criticar os que afirmam apossibilidade de se resgatarem os fatos históricos “brutos”,“tal como aconteceram”, não é o mesmo que negar queeles tenham existido e que é válido tentar chegar próximo a

59 SCOTT, 1988e.

60 VARIKAS, 1991.

61 VARIKAS, 1991.

62 SCOTT, 1988e.

63 SCOTT, 1988e.

64 TILLY, 1990.

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eles, construindo narrativas e oferecendo interpretações. Oshistoriadores sociais atuais não têm mais a pretensão dechegar à “verdade” do passado. Sabem ser possível obterapenas verdades parciais, mas não negam que os aconte-cimentos da história tenham ocorrido e tenham tido efeitosconcretos. Além disso, têm um compromisso com os fatosreconstituídos a partir das evidências e, apesar de interpretá-los, não os inventam. Abrir mão desses pressupostos é abrirmão da própria prática histórica.

Se há um acordo com relação à validade de procurarresgatar o passado a partir de questões que nos inquietamhoje, vamos adiante. A etapa seguinte é assumir que essa éuma tarefa que pode ser executada sempre parcialmente,pois parece ser possível mergulhar sempre mais profunda-mente na pesquisa para se descobrirem novas evidênciasou ângulos alternativos que sugerem interpretações novasou mais abrangentes.65 A compreensão dos acontecimentose o resgate de experiências, as generalizações, as catego-rias e as teorias formuladas devem ser cotejados com osachados da pesquisa e a representatividade dos dados(ainda que, na prática, “investigação” e “análise”, ou “des-coberta” e “teoria”, não sejam dois momentos totalmentedistintos do trabalho do pesquisador). Escrever História nãoé escrever ficção ou registrar versões sem nenhum critério. Adescrição, a explicação da “realidade” e as generalizaçõessubsequentes devem aliar-se à preocupação de fazer umaleitura crítica das fontes, questionar ideias preconcebidasa respeito do assunto e, se for o caso, chamar a atençãopara outros esquemas interpretativos. Diante da variedadede versões, é preciso questionar o sentido dessa diversidadee as condições de sua produção. Por outro lado, nos casosem que o objetivo é estabelecer uma reconstituição minima-mente consensual da história,66 o historiador deve escolherentre uma versão ou outra e apresentar justificativas sólidaspara o resultado de seu trabalho.67

A proposta de dar mais atenção às relações de poderque perpassam os documentos e os dispositivos institu-cionais agrada a historiadores sociais, como Tilly, Varikas eHall. As análises do discurso (no sentido mais restrito) que sevalem de algumas ferramentas linguísticas também nãoencontram oposição, mas a substituição do método da Histó-ria Social pelo da desconstrução, sim.

Tilly68 aponta para o limite desse método na tarefade explicar o social, pois “permite a explicitação de significa-ções ocultadas”, mas “não permite construir novas”. Alémdisso, não leva em conta tempo e contexto, dois recortesfundamentais para os historiadores. A desconstrução pratica-mente nega as explicações (como um passo adiante dasdescrições). Portanto, é um equívoco preferi-la a uma

66 Mesmo sabendo que ela podemudar com o tempo e a evoluçãodos questionamentos dos pesqui-sadores em seu presente, mesmoreconhecendo o viés próprio dasfontes e a inevitabilidade do viéspróprio do historiador, e o dos seusfuturos leitores, é preciso escreveruma história.67 Sobre esse assunto, ver: NatalieDAVIS, 1990; Bryan D. PALMER,1987; Carla PINSKY, 2006; E. P.THOMPSON, 1978; Eleni VARIKAS,1991; entre muitos outros.68 TILLY, 1990.

65 Guita DEBERT, 1986.

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abordagem preocupada em encontrar causas e conse-quências que leva em conta as condições sociais, os fatoresrelacionados às mudanças e às próprias relações degênero.

Hall,69 por sua vez, apela para o sentimento (que con-sidera algo importante na escrita da História): “nós realmentepensamos em nós mesmos como sujeitos inseridos em umcampo discursivo? Não é também vital pensar sobre osmodos pelos quais os indivíduos e grupos são capazes dedesafiar significados e expandir o terreno?”.

Varikas,70 como essas outras duas historiadoras, nãoacredita nas promessas referentes ao potencial político dopós-estruturalismo. Duvida da possibilidade de, com essaabordagem, conhecermos o papel dos atores sociais quese situam na base das hierarquias (de gênero, por exemplo)nos “processos de diferenciação” estabelecidos pelas pró-prias hierarquias. Além disso, não vê como o pesquisadorpossa ter acesso a essa informação por meio da descons-trução. Para Varikas, outro problema que o pós-estruturalismode Scott não resolve é o do tratamento dos documentos.Como sua metodologia parece desenvolvida apenas parao trabalho com “discursos constituídos”, fica a questão decomo trabalhar em seus termos quando os documentos usa-dos informam pouco sobre as relações de força pelas quaisseu discurso é constituído (quando, por exemplo, as mulheressão o objeto do discurso). E mesmo quando o discursoanalisado tenha sido produzido por mulheres, o pesquisadorpode cometer erros gravíssimos de interpretação, pois nãosão só os modelos culturais e as formações discursivas queexplicam os discursos dessas mulheres. As experiênciasacumuladas (vivências e interpretações) também o fazeme, portanto, também precisam ser estudadas.

E o que, então, a História Social oferece aos Estudosde Gênero?

Com várias das ferramentas comumente emprega-das pela História Social, o pesquisador pode estudar asrepresentações dos sujeitos e as relações de gênero a partirdos documentos, depoimentos e indícios variados produzi-dos e deixados pelas próprias pessoas das quais eles falam(como diários, cartas, testemunhos, textos publicados emqualquer mídia).

O pesquisador também pode estudar relações degênero, comportamentos, mentalidades e práticas a partirda fala de outros, inclusive de sujeitos ou discursos situadosno primeiro plano das hierarquias (por exemplo, homens,produtores/detentores de saber, reprodutores de discursosdominantes, autoridades) ou de discursos mantenedores daordem social.71 Por um lado, o pesquisador pode utilizar essasfontes para estudar tanto as normas culturais, os modelos de

71 Por exemplo, dos meios de co-municação (como as revistas fe-mininas estudadas em: BASSANEZI,1992), ou dos legisladores (comono trabalho de: CAULFIELD, 2000).

70 VARIKAS, 1991.

69 HALL, 1991.

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conduta e a moral dominante, a ordem social e as hierar-quias de poder estabelecidas, quanto analisar as contradi-ções internas desses discursos, suas ambiguidades, armadi-lhas e lacunas. Por outro lado, pode estudar essas mesmasfontes para detectar as atuações e performances dos atoreshistóricos, submissas e/ou rebeldes aos limites sociais. Práti-cas, reinterpretações, tensões e conflitos presentes na vidados sujeitos históricos emergem muitas vezes das entrelinhase se revelam diante do olhar de um leitor mais atento (como,por exemplo, atitudes de “moças mal comportadas”, “espo-sas infelizes, mulheres “rebeldes”, “conflitos de geração”,resistências variadas e projetos de vida alternativos).72

Muitas das críticas de Scott à História das Mulheresnão se sustentam, e os que saem em sua defesa argumentamcom exemplos concretos. Muitos trabalhos considerados“descritivos” trataram de estudar a vida das mulheres nopassado, sem isolar seu tema de outras preocupações históri-cas (como a força das ideias que contestam determinaçõessociais ou a relação entre os “vencedores” e os “vencidos”).Outros, mais “analíticos”, trataram de explicitar como suaspesquisas específicas contribuem para a discussão dequestões “mais amplas” da disciplina histórica (por exemplo,os fatores envolvidos nas transformações sociais, as formasde resistência à ordem social e a mobilidade social). Alémdisso, apresentaram novas questões (tais como a importân-cia da economia doméstica; o viés de gênero nos discursosnacionalistas; as definições de masculinidade e feminilida-de relacionadas a esferas para além da vida privada, queafetam a estrutura legal, política e econômica; as condiçõesde variação da divisão sexual do trabalho). Muitos delesutilizaram gênero como categoria de análise, sem precisarlançar mão do pós-estruturalismo.73

Um número grande de trabalhos, utilizando métodosda História Social, procura abordar o passado a partir daperspectiva de gênero. Fazem isso ao comparar e relacionarexperiências e representações masculinas e femininas.Chamam atenção para as diferenças, variações esemelhanças entre classes, grupos etários e/ou étnicos, aolongo do tempo em contextos distintos. Reformulam, a partirda perspectiva de gênero, conceitos (como o de trabalhadorou o de cidadão, por exemplo). Atentos a gênero, estudamas “operações do poder” em muitos espaços e temposhistóricos. E vários deles dedicam-se a mostrar como e porque a escrita da História foi (e, por vezes, ainda é) marcadapor um viés de gênero centrado no masculino. Outros aindaquestionam as ideologias da “objetividade e neutralidade”de discursos científicos e de projetos políticos que se dizembaseados na racionalidade.74

72 Como procurei mostrar em:BASSANEZI, 1992.

73 HALL, 1990, 1991; HALL eDAVIDOFF, 1987; TILLY, 1990; eVARIKAS, 1991.

74 Catherine HALL, 1991; BonnieG. SMITH, 2003; e Louise TILLY,1990.

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A própria crítica ao essencialismo não surgiu graçasao pós-estruturalismo, e sim a estudos que se debruçaram,por exemplo, sobre “povos dominados” ou determinadosgrupos étnicos, e a trabalhos que privilegiaram temas erecortes, como “mulheres negras”, “sociedades orientais”,entre outros. Segundo Hall, “a diferença” tornou-se assuntodo feminismo ocidental devido não ao pós-estruturalismo, esim ao desafio ao etnocentrismo; e só a capacidade dedescentralizar nossas práticas (tarefa para a qual o pós-estruturalismo fez muito pouco) é que contribui para odesenvolvimento de uma política que valorize de fato adiferença.75

Historiadores sociais preocupados com gênero nãoveem necessidade de abandonar seus pressupostos emfavor do pós-estruturalismo para estudar as formas pelasquais as representações e os símbolos constroem gênero erelações sociais. Com as ferramentas de que dispõem,sentem-se capazes de visitar o passado em busca dasespecificidades, descontinuidades e continuidades dossignificados (por exemplo, de “ser homem”, “ser mulher”,“ser jovem” etc.) e das relações (familiares, de trabalho etc.,e até do próprio significado desses termos em cada épocae contexto). Descrevem (parte importante do trabalhohistórico), mas também analisam. Recusam de antemãodefinições dominantes ou essencialistas das diferenças dossexos e historicizam noções relativas à masculinidade efeminilidade. Procuram ainda entender as relações degênero também em termos de relações de poder. Investigamas experiências e, ao mesmo tempo, interpretam significadosculturais, conferindo historicidade às representações degênero. E, finalmente, buscam no próprio desenvolvimentoda historiografia76 ferramentas metodológicas e dados parasuas pesquisas.77

As acusações de que a História Social reduz as açõeshumanas em função das forças econômicas não têm sentidodiante das inúmeras pesquisas nessa área baseadas nopressuposto de que a história não é o fruto de leis impessoaisacima dos indivíduos, mas o resultado (ainda que frequen-temente incontrolável e enviesado) das ações humanas.Elas levam em conta o problema do ator e das experiênciase enfrentam a questão das possibilidades de ação diantedas determinações. Fazem isso ao reconhecer que a históriae a sociedade são produtos da ação dos indivíduos (maisou menos intencionais) tanto quanto são capazes demodelar essa mesma ação.78 É parte do projeto da HistóriaSocial o reconhecimento da iniciativa humana. A ideia deMarx de que os “homens fazem sua história, mas não nascondições que escolheram, e sim nas que lhes foram legadaspelo passado” ou “as circunstâncias fazem os homens na

75 HALL, 1991.

76 Serviram e servem de apoio, porexemplo, os Estudos de Popula-ção (padrões de casamento, ta-xas de fecundidade, migrações,situação dos domicílios), a HistóriaMundial, os estudos de processosem larga escala (urbanização, in-dustrialização, globalização etc.),a História das Ideias, a HistóriaPolítica, a História Econômica e ados Movimentos Sociais.77 BASSANEZI, 1992; TILLY, 1990; eVARIKAS, 1991.

78 Por exemplo: TILLY, 1990.

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mesma medida em que os homens fazem a circunstâncias”é uma forte referência.79 Na História Social, portanto, os sujei-tos são estudados em sua relação com as determinações(sociais, políticas, econômicas e até culturais) e as possibi-lidades de agir; o pressuposto é de que, na história, aspessoas atuam dentro de condições objetivas determinadas(se as condições são favoráveis, as ações são viáveis).

Não há como acusar de gender blind (cegos a gêne-ro) ou androcêntricos pesquisadores que equiparam gêneroà classe (recusando-se, portanto, a explicar gênero comoum subproduto da economia) e que analisam a influênciado gênero na constituição da classe (e vice-versa), incorpo-rando nos conceitos de classe (ou de etnicidade, ou degrupo etário, entre outros) as experiências diferenciadas dehomens e mulheres.80 Essas acusações também não se sus-tentam diante de trabalhos preocupados com o peso dasexperiências femininas na constituição de representaçõessociais.

Não é necessário ser pós-estruturalista para seinteressar pelos modos engendered (pautados por gênero)da construção dos significados ou dos jogos de poder. UmaHistória Social analítica e de gênero é capaz de não só de-monstrar que o poder constrói gênero e que gênero é utiliza-do como metáfora para outras relações de poder, comotambém pode explicar em que termos e quais as causas econsequências dos processos, as condições históricas quetornam as desigualdades e as hierarquias mais ou menosacentuadas e como os limites mudam com as condiçõeshistóricas.81 Portanto, é ainda no âmbito da História Socialque muitas pessoas encontram subsídios para projetospolíticos que implicam em romper com “determinismosbiológicos” e questionar desigualdades sociais baseadasnas percepções da diferença sexual.

Pesquisadores esclarecem que as “posiçõesestruturais” não dizem respeito ao “econômico”, e sim àprodução e reprodução da vida real concreta.82 Debatendocom Scott, confirmam que a História Social toma como pontode partida uma ligação (de causalidade, relacionada aum ou mais fatores) entre posições estruturais e interessessociais, necessidades sociais e formas de consciência.83

Entretanto, isso não direciona os resultados a uma respostaúnica, não banaliza o conteúdo e a multiplicidade possíveldesses interesses ou as formas como esses interesses searticulam com os interesses comuns de homens e mulheres.Pelo contrário, esse mesmo enfoque é que impulsiona abuscar respostas para esses problemas.

Historiadores sociais rebatem a crítica de postularemuma relação imediata e fatal entre experiência e consciên-cia, afirmando que os interesses comuns de um grupo social

82 Como lembra Heleieth SAFFIOTI(1990).

83 Por exemplo, preocupa-se comas experiências femininas emdeterminada classe social e pres-supõe a existência de alguns (nãotodos) interesses e necessidadesdiferenciais das mulheres devidoa sua (delas) posição estruturalnum certo tipo de relação queenvolve poder (VARIKAS, 1991).

81 CAULFIELD, 2000; e TILLY, 1990.

80 Ver: HALL, 1990; HALL eDAVIDOFF, 1987; SMITH, 2003; eVARIKAS, 1991. E ainda a primeiraparte de Scott (1988d).

79 Carlos Nelson COUTINHO, 1987.

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são constituídos no processo de reflexão e interpretaçãodos fatos e das situações do cotidiano. Não subestimam arelevância do estrutural (como as relações de produção),ainda que esse não se estabeleça em outro domínio quenão seja a atividade humana. Porém, além disso, valorizamos aspectos culturais presentes nas experiências humanase seu papel na dinâmica social (constituída por permanên-cias e mudanças). De fato,84 muitos historiadores identificadoscom a História Social preocupam-se em estudar os modoscomo homens e mulheres atribuíram significado às suasvidas.85 Em termos práticos, na História Social, dissolvem-seas oposições do tipo “realidade versus consciência”,“determinação versus agency”.

Thompson enfrenta o problema da articulação entreação humana e determinações históricas ao falar sobre otermo experiência:

Os homens e mulheres [...] retornam como sujeitosdentro desse termo – não como sujeitos autônomos,“indivíduos livres”, mas como pessoas queexperimentam suas situações e relações produtivasdeterminadas como necessidades e interesses e comoantagonismos e em seguida “tratam” essa experiênciaem sua consciência e sua cultura [...] das maneirasmais complexas (sim, “relativamente autônomas”) e,em seguida, agem, por sua vez sobre sua situaçãodeterminada. [...] a experiência é um termo médioentre o ser social e a consciência social, é aexperiência que dá cor à cultura, aos valores, aopensamento.86

As determinações são entendidas como “limites”fixados, “pressões” exercidas, e não “programaçãopredeterminada” ou “implantação de necessidade”. Emoutras palavras, Thompson atribui certo peso aos limitesimpostos pelas condições materiais de existência sobre aformação da consciência e as possibilidades de ação dossujeitos, mas não um peso absoluto; dentro desses limites(objetivos e culturais) as pessoas podem atuar, contribuindo,em certos casos, para o alargamento dos mesmos limites.

Ao desenvolver um trabalho de pesquisa histórica(com revistas femininas dos Anos Dourados) a partir daperspectiva de gênero, adotei como fio condutor o esquemaque redigi da seguinte forma:

As concepções relacionadas a percepções dadiferença sexual tanto são produtos das relaçõessociais quanto produzem e atuam na construçãodestas relações. Em outras palavras, assim como asidéias influenciam a vida das pessoas, as experiênciase os elementos materiais da existência, por sua vez,influem na constituição do pensamento (moldando

84 Como avalia Varikas (1988).

85 Não há como acusar historiado-res como Robert Darnton ouNatalie Davis de simplistas aotratarem das relações entre ação/expressão individual e vida social/estruturas. Para Darnton (1986),“a expressão individual ocorredentro de um idioma geral, deque aprendemos a classificar sen-sações e a entender coisaspensando dentro de uma estrutu-ra fornecida por nossa cultura. Aohistoriador [...] deveria ser pos-síveldescobrir a dimensão social dopensamento e extrair a significa-ção de documentos, passandodo texto ao contexto e voltandoao primeiro, até abrir caminhoatravés de um universo mentalestranho”.

86 THOMPSON, 1978.

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as formas de as pessoas interpretarem tudo o querelacionam de algum modo às diferenças sexuais).[...] As relações entre pessoas e grupos sociais seestabelecem a partir das maneiras pelas quais elesdão significado e interpretam suas experiências (entreelas a da percepção das diferenças sexuais), emépocas e contextos determinados, a partir de limitesculturais específicos, e, ao mesmo tempo, passam aagir de acordo com os significados construídos. A reali-dade social define os parâmetros de escolhas possíveisdos sujeitos históricos que, dentro das determinaçõesde seu tempo (as “condições objetivas”), tambémparticipam dos processos de construção, manutençãoe contestação dos significados e das relações degênero (e, consequentemente, da distribuição depoderes marcada por concepções de gênero) emuma certa ordem social. Essa ordem fica ameaçada,entre outras coisas, quando sua potência é questiona-da pela ação de sujeitos que, conscientemente ounão, coletiva ou individualmente, desafiam, burlamou tentam transformar seus limites. Assim, as transforma-ções históricas nas relações pautadas por gênero estãoligadas tanto a mudanças no contexto sócio-econô-mico, nas sensibilidades e nas interpretações culturaisgerais quanto às resistências e reivindicações concre-tas de sujeitos históricos (rebeldias femininas, por exem-plo: quando certas mulheres assumem atitudes quedesafiam normas do comportamento feminino apro-priado, ameaçam e podem chegar a subverter asrelações de gênero estabelecidas, participando,assim, da reformulação destas relações).87

Em publicação posterior – Pássaros da liberdade:jovens, judeus e revolucionários no Brasil –,88 pude observarcom mais clareza o entrelaçamento das questões de gênerocom as de classe, grupo etário e etnicidade. A perspectivade gênero enriqueceu meu estudo da trajetória dosparticipantes de um movimento juvenil preocupado emdesafiar a ordem social e contribuir para o estabelecimentode uma nova era ao propor um estilo de vida socialistaradical num contexto de igualdade sexual em que, inclusive,defendia-se o “amor livre”. Entre outros assuntos, procureiinvestigar se as relações de gênero dominantes nasociedade mais ampla resistiram ou não em um grupo jovem,estruturado, emocionalmente motivado e com um projetoexplícito de mudança de práticas e valores. Constatei queaquele movimento juvenil não só foi capaz de se mostrarcomo uma alternativa às concepções de gênero dominantespara o futuro, no kibutz, como viabilizou, no presente, entreseus membros, relações e identidades de gênero em muitospontos distintas das que predominavam fora, na sociedademais ampla.

87 BASSANEZI, 1992.

88 PINSKY, 2000.

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As concepções baseadas na diferença sexual eetária são produtos da história. Assim, as vivências derapazes e moças e suas visões sobre o que era próprio ousocialmente aceito para homens e mulheres e para jovens,na luta revolucionária e na sociedade que pretendiam criar,foram frutos de seu tempo. As inter-relações de determinaçõessociais e ação dos sujeitos históricos envolvidos desenvol-veram-se no cotidiano de uma geração formada por imigran-tes ou descendentes de imigrantes que chegaram ao Brasilfugindo da pobreza ou de perseguições antissemitas naEuropa. Forjaram-se, de um lado, na intersecção entre astradições judaicas, a cultura familiar, a herança dos diversosmovimentos juvenis sionistas socialistas e as relações inter-étnicas, entre gerações, de classe e de gênero, que carac-terizavam a sociedade urbana brasileira dos anos 1940-1950. E, de outro, foram moldadas pelas novas experiências,reflexões e vontades daqueles jovens idealistas. Sempredeterminação social e opção pessoal.

O belíssimo trabalho de Sueann Caulfield89 – Emdefesa da honra: moralidade modernidade e nação noRio de Janeiro (1918-1940) – valeu-se do conceito de gêneropara melhor compreender as práticas sobre honra nosâmbitos pessoal, familiar, jurídico e nacional e sua relaçãocom hierarquias de poder, sexuais, sociais e raciais. Mostroucomo, mesmo sem ideais revolucionários e sem rejeitarfrontalmente “as normas que mantêm sistemas de honra evergonha”, pessoas envolvidas com os meandros da Justiçaforam responsáveis por mudanças nos significados de honra,nos valores sexuais e na concepção de “mulher moderna”.Algumas delas foram, inclusive, capazes de ampliar os limitesdas convenções relativas às relações de gênero e das identi-dades femininas e masculinas. Aproveitando-se das possi-bilidades oferecidas à História pela perspectiva de gênero,Caulfield estudou, ainda, a função das normas ligadas àhonra sexual nos debates públicos sobre a modernidadedo Brasil e nas formas como a modernização cosmopolitaocorreu na primeira metade do século XX.

Gênero e História: homens, mulheres e a práticahistórica, de Bonnie G. Smith,90 retrata o viés de gênero embu-tido no processo de profissionalização da disciplina históri-ca: as “definições evolutivas de masculinidade e feminili-dade” estreitamente ligadas à definição de História. O livrodestaca ainda o trabalho das historiadoras, desde o séculoXVIII; os preconceitos sofridos e sua contribuição para a am-pliação dos objetos e temas da História. Com sua pesquisaespecífica, Smith colabora também para uma análise histo-riográfica e metodológica da nossa disciplina.

Peter N. Stearns – em sua bela síntese História dasrelações de gênero91 – promoveu uma união instigante entre

90 SMITH, 2003.

91 Peter N. STEARNS, 2007.

89 CAULFIELD, 2000.

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os Estudos de Gênero e a chamada História Mundial, a linhaque “elege o mundo como objeto de pesquisa”, comparasociedades e civilizações e analisa as mudanças maissignificativas nos processos de longa duração. Stearns vaida pré-história ao século XXI. Investiga o que ocorre com asdefinições de masculinidade e de feminilidade e com asrelações de gênero quando duas culturas distintas entramem contato. Estudou o feminino e o masculino nas primeirascivilizações agrícolas e, depois, o que ocorreu com as rela-ções de gênero a partir do encontro entre as civilizações daChina e Índia antigas e sociedades do mundo clássico edeterminados grupos nômades. Observou também a intera-ção de duas importantes concepções de gênero no momen-to em que o budismo se expandiu da Índia para a China.Com relação ao período pós-clássico, descreveu o que sepassou com as relações de gênero nas regiões de expansãodo islamismo, nos primeiros contatos culturais do Japão coma China, e nos séculos de invasão mongol. Examinou aquestão de gênero nos contatos culturais pós-1450 daEuropa Ocidental com a Rússia e com partes da Ásia(Filipinas e Índia) e os encontros na América entre povos tãodistintos quanto os colonizadores, os nativos americanos eos escravos trazidos da África. Sobre o século XIX, Stearnsverificou as transformações de gênero que se deram a partirdo encontro do Ocidente com povos da Oceania, da Áfricae da Ásia, num momento em que os próprios padrõesocidentais estavam se modificando com rapidez. Analisa,para os séculos XX e XXI, as interações entre tradições degênero e influências externas do contexto mundial queenvolvem movimentos feministas, nacionalismos, atuaçãode organismos internacionais, imigrações, movimentossociais e globalização cultural. Ao final, a partir de um olhargeral sobre os principais intercâmbios culturais que afetaramas relações de gênero, esboça algumas generalizações,identificando padrões, tipologias e tendências históricas.

Como se vê, é possível e, a meu ver, necessário utilizaro conceito de gênero em trabalhos de História. Eles ganhammuito com isso, como poderá constatar o leitor dos livros,acessíveis em português, acima mencionados. Por outro lado,não seria desprezível se também outros pensadores da ques-tão de gênero procurassem dar historicidade às suasanálises para evitar o risco de girar em falso em torno deabstrações.

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ESTUDOS DE GÊNERO E HISTÓRIA SOCIAL

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[Recebido em fevereiro de 2008e aceito para publicação em novembro de 2008]

Gender Studies and Social HistoryGender Studies and Social HistoryGender Studies and Social HistoryGender Studies and Social HistoryGender Studies and Social HistoryAbstractAbstractAbstractAbstractAbstract: This text intends to show how Gender Studies can collaborate with Social History fromthree axis of argumentation: 1) it discusses the relevance of Gender Studies for a more accurateunderstanding of the social characteristics under a historical perspective. 2) It examines two ofthe theoretical-methodological approaches on the social construction of sexual differencesadopted in History works; revisits the proposal developed from the angle of Social History confrontedwith post-structuralist proposal of J. Scott based in two programs clearly adopted by both: a)highlight human agency possibilities and b) face general questions of historical discipline froma gender perspective. 3) It shows how the debate concerning those approaches collaborates forresearch activities and theoretical reflection.Key WKey WKey WKey WKey Words:ords:ords:ords:ords: Gender; Gender Studies; Social History; Post-structuralism; Historiography; Women’sHistory