história oral e jovens rurais: a (i)materialidade da dúvida

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História oral e jovens rurais: a (i)materialidade da dúvida 1 Rodrigo Kummer 2 Introdução Esta discussão trata do dilema dos jovens 3 rurais entre ficar e partir do meio rural. Envolve um exercício analítico e de discussão acerca da agricultura familiar e mais especificamente da conjuntura que envolve os jovens inseridos nela. O comportamento tendencial entre os agricultores familiares, até a década de 1970 era a reprodução das unidades produtivas alocando os filhos como seguidores da profissão. A partir da vinculação destes espaços ao processo de modernização a sucessão hereditária no trabalho rural tornou-se dificultada. Dadas os problemas e os ganhos diminutos os filhos preferem migrar e engajar-se em trabalhos urbanos ao invés que permanecerem na atividade agrícola. Ser o que se é principia a ser onde se é, ou onde se quer ser. A saída é um comportamento intencional e relacional ao mesmo tempo. Da mesma forma o é a permanência. Nesse sentido pensar o fenômeno “permanência” é antes da mais nada supor que o fato de ficar é um comportamento tácito, definido, medido e organizado a partir de conflitos sociais, ideológicos e identitários. Há um jogo de situações socialmente demarcadas que intercede o curso das decisões. O caráter de definição efetiva torna-se esguio e protelado. Decidir, nesse caso, é antever a vida conforme as opções podem ser visualizadas, isto é, de forma parcial. O que prepondera é, portanto a indecisão, já que o conteúdo capaz de aprimorar as representações é alcançado com a sobreposição de pequenas partes de um enigma cotidiano. 1 Este artigo faz parte das discussões estabelecidas na dissertação de mestrado “Juventude rural, entre ficar e partir: a dinâmica dos jovens rurais da comunidade de Cerro Azul, Palma Sola/SC” defendida em junho de 2013 junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unioeste, campus Toledo/PR, sob a orientação do Prof. Dr. Silvio Antônio Colognese. 2 Mestre em Ciências Sociais pela Unioeste (2013) e docente da Unipar/Campus de Francisco Beltrão-PR. E- mail: [email protected] 3 Neste trabalho o termo “jovens” fará sempre referência a ambos os sexos. Apreciações específicas aparecerão expondo a terminologia “rapaz” e “moça”.

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Análise de História Oral entre jovens de Palma Sola/SC

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  • Histria oral e jovens rurais: a (i)materialidade da dvida1

    Rodrigo Kummer2

    Introduo

    Esta discusso trata do dilema dos jovens3 rurais entre ficar e partir do meio rural. Envolve um exerccio analtico e de discusso acerca da agricultura familiar e mais especificamente da conjuntura que envolve os jovens inseridos nela. O comportamento tendencial entre os agricultores familiares, at a dcada de 1970 era a reproduo das unidades produtivas alocando os filhos como seguidores da profisso. A partir da vinculao destes espaos ao processo de modernizao a sucesso hereditria no trabalho rural tornou-se dificultada. Dadas os problemas e os ganhos diminutos os filhos preferem migrar e engajar-se em trabalhos urbanos ao invs que permanecerem na atividade agrcola.

    Ser o que se principia a ser onde se , ou onde se quer ser. A sada um comportamento intencional e relacional ao mesmo tempo. Da mesma forma o a

    permanncia. Nesse sentido pensar o fenmeno permanncia antes da mais nada supor que o fato de ficar um comportamento tcito, definido, medido e organizado a partir de conflitos sociais, ideolgicos e identitrios. H um jogo de situaes socialmente demarcadas que intercede o curso das decises. O carter de definio efetiva torna-se esguio e protelado. Decidir, nesse caso, antever a vida conforme as opes podem ser visualizadas, isto , de forma parcial. O que prepondera , portanto a indeciso, j que o contedo capaz de aprimorar as representaes alcanado com a sobreposio de pequenas partes de um enigma cotidiano.

    1 Este artigo faz parte das discusses estabelecidas na dissertao de mestrado Juventude rural, entre ficar e

    partir: a dinmica dos jovens rurais da comunidade de Cerro Azul, Palma Sola/SC defendida em junho de 2013 junto ao Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da Unioeste, campus Toledo/PR, sob a orientao do Prof. Dr. Silvio Antnio Colognese. 2 Mestre em Cincias Sociais pela Unioeste (2013) e docente da Unipar/Campus de Francisco Beltro-PR. E-

    mail: [email protected] 3Neste trabalho o termo jovens far sempre referncia a ambos os sexos. Apreciaes especficas aparecero expondo a terminologia rapaz e moa.

  • Para tanto se especifica uma anlise desse processo entre jovens rurais da comunidade de Cerro Azul. Esta localidade faz parte do meio rural do municpio de Palma Sola, que por sua vez est vinculado a regio Oeste de Santa Catarina. Desenvolveu-se uma pesquisa de campo pautada na anlise de trajetria de vida, leitura de mundo e problematizao de perspectivas futuras entre estes jovens. A partir dessa proposio foi possvel tornar palpvel o carter fludo e fugidio dessa conjuntura. O artigo por sua vez traz um pequeno esboo dessa seara de comfabulaes, no as tratando de forma direta fato impossibilitado pelas dimenses do texto. por certo uma provocao superficial que se desenvolve em duas partes. Na primeira discutem-se os aspectos relativos s questes juvenis no meio rural. Na segunda so problematizadas as vinculaes entre as falas dos jovens e a dicotomia entre ficar e sair do meio rural.

    Aspectos conjunturais entre migrao e permanncia de jovens rurais

    Um bom nmero de pesquisas na rea do rural d conta de compreender fenmenos de migrao juvenil. No entanto as anlises que abarcam os processos que consideram analiticamente a permanncia dos jovens no campo ainda so pouco expressivas. Nesse caso h um campo de discusso a se solidificar. O ficar em relao ao sair no um fato essencialmente novo de pesquisa, mas uma realidade social latente por explicaes.

    Quando se trata do conjunto de estudos acadmicos relativos juventude rural predominam as abordagens sobre as questes do xodo desses sujeitos. Percebe-se que parte dessas anlises do conta do entendimento do xodo e partem do pressuposto de uma necessria e automtica adequao desses indivduos a vida urbana e a consequente falncia do sistema de agricultura familiar. Ou por outro lado, defendem que estes jovens devam permanecer no meio rural, retomando a ideia de fixar o homem no campo. Interposto de forma geral essa conotao dbia recompe a complexidade de que se no existirem condies de vida atrativas no meio rural para os jovens eles migraro para o meio urbano. A inexistncia dessas condies reveste-se como uma excluso e determina o comportamento de sada.

    As explicaes encontradas na literatura sobre a permanncia iniciam considerando o carter positivo da juventude rural vista como uma categoria-chave para a reproduo social

  • no campo e da agricultura familiar. No entanto, se expressa tambm o carter negativo que a agricultura revela aos jovens (aos atores interessados), quando comparada a atividades urbanas, tanto no que tange a renda quanto aos esforos demandados (FERREIRA & ALVES, 2009).

    Entre os fatores relacionados sada esto, de um lado os atrativos da vida urbana, principalmente em opes de trabalho remunerado (fatores de atrao); e de outro lado, as dificuldades da vida no meio rural e da atividade agrcola (fatores de expulso) (BRUMER, 2007, p. 36). Singer (1973) destaca que essas migraes so explicadas pelas relaes capitalistas no campo e os fatores de estagnao, isto , crescente presso populacional sobre reas cultivveis. Nesse processo os fatores de mudana fazem parte do prprio processo de industrializao, na medida em que este atinge a agricultura, trazendo mudana de tcnica e, em consequncia, o aumento da produtividade do trabalho (SINGER, 1973, p. 38). Por seu turno os fatores resultam da incapacidade dos produtores em economia de subsistncia de elevarem a produtividade da terra (p. 38). Corrobora, ainda a anlise de Linhart, que verifica a existncia de uma produo sociolgica que explica o xodo de forma confusa e contraditria. Ora exemplificado como consequncia da modernizao da agricultura, ora como resultado da decadncia do sistema tradicional de atividade agrcola (2002, p. 7). Significa, portanto, efetivar como causa da migrao dos jovens rurais o desenvolvimento das relaes capitalistas. Como bem assinala Singer, h, de fato, uma interferncia estrutural do capitalismo no campo, sendo que este est sujeito economia de mercado. Mas, como reafirma Brumer, apesar do peso dos fatores estruturais, as decises sobre a migrao so tomadas por indivduos, que variam na avaliao de fatores de atrao ou de expulso (2007, p. 37). Isso significa que mesmo diante de uma influncia drstica do processo de industrializao, de urbanizao e de tecnificao os jovens percorrem e manifestam-se neste territrio movedio. So sujeitos e agem no tecido social, ou seja, sempre resta margem de manobra em relao s decises tomadas e a tomar.

    A tendncia de crise de sucesso e da reproduo do espao rural evidenciada na regio estudada pela recusa de parte dos filhos em assumirem as atividades dos pais e pelas dificuldades encontradas entre aqueles que desejam suced-los permeada pelo fato de existirem jovens permanecendo no meio rural. Acredita-se que a opo pela permanncia est vinculada a dois paralelos: ao arrefecimento da atrao exercida pelo espao urbano e a

  • considerao da permanncia nas atividades rurais como significativas para o alcance dos projetos de vida.

    A deciso, entre ir ou ficar, como explica Weisheimer, leva em conta os projetos profissionais, que so tambm os projetos de vida. Sendo o projeto uma antecipao consciente do futuro contingente os jovens avaliam o que as atividades urbanas e rurais lhes oferecem ou possibilitam (2007, p. 248). Para Abramo a dvida entre ficar e sair uma questo estruturante. O jovem rural est diante de responder: O que ser e fazer e onde fazer o que quer. No campo ou na cidade? (2007, p. 68). E quando decidir precisa levar em conta o seu papel dentro da unidade familiar, pesar a sua vontade de autonomia e o seu sentimento de compromisso e solidariedade com relao famlia (p. 69).

    De acordo com Carneiro (2007), em algumas situaes o rural passa a ser valorizado justamente pela diminuio das distncias em relao ao urbano. No se trata de idealizar um padro urbano no espao rural, mas compor, entre semelhanas e diferenas uma objetividade do rural. As composies, conforme indica se centralizam na valorizao da tranquilidade rural, no sossego (viso muito influenciada pela veiculao das notcias de violncia manifesta nas cidades); valorizao do contato com a natureza; valorizao dos laos de afetividade com o lugar, isto , viver onde nasceu e foi criado; maior facilidade para ser algum, ou seja, no plano local mais fcil ser visto e notado; fato de estar entre iguais e manter um controle relativo do projeto de vida. Alm das dificuldades percebidas para arranjar um bom emprego no meio urbano.

    Vale ressaltar que a perspectiva de permanncia envolve a constatao de uma situao concreta diferenciando-se da noo de fixao dos jovens ao meio rural. Menezes avalia que do interesse da sociedade urbana que o homem do campo continue em seu espao rural de origem, reduzindo a migrao campo-cidade e descongestionando os grandes centros urbanos (2009, p. 28). Alm disso, segundo a autora o sentimento em relao aos pequenos agricultores pobres de estigmatizao e no de valorizao. Uma viso do pequeno agricultor como jeca, matuto, tabaru, caipira num tom pejorativo que o diminui a um status inferior, de cidado de segunda classe. Resume que a pretensa valorizao do rural parece ser o receio de que os retirantes faam chegar s grandes cidades exrcitos delinquentes de todo tipo (2009, p. 30).

  • Por outro lado Wanderley defende que a valorizao da vida no campo se estabelece a partir dele e est relacionada, principalmente, pelas relaes de amizade, pela solidariedade e pela tranquilidade. Os resultados manifestos de permanncia se relacionam a vnculos pessoais com o lugar; a qualidade de vida local; e a qualidade das relaes sociais (2007, p. 27). Renata Menasche (2007) mais enftica, demonstrando que o centro da questo no discutir se os jovens querem ou no permanecer, mas sim discutir as condies para que possam ficar.

    A permanncia de jovens no meio rural que se verifica guarda uma relao fortuita com uma srie de demandas e reivindicaes a que esses sujeitos chamam ateno. Brumer cita que essas reivindicaes abordam dois aspectos: acesso a uma renda prpria, cujos recursos eles podem decidir como utilizar; e autonomia em relao aos pais (2007, p. 39). Stropassolas lembra que no so apenas os problemas relativos ao acesso a terra ou ao crdito que os jovens mantm expectativa de verem resolvidos, mas tambm as polticas de direito ao lazer, cultura, ao esporte, educao, sade, entre outros (2007, p. 291). Menasche percebe que a demanda central do jovem por um meio rural integrado, que realmente vena a viso dicotmica e que reintegre as particularidades do meio rural. Ele quer tambm um meio rural que assegure a sua cidadania (2007, p. 138). A crescente participao da juventude nas atividades agrcolas, como constata Weisheimer, contribui para promover a sua permanncia. Isso se alia ao contexto de complexificao que o fato de ser agricultor familiar denota. Como indica Stropassolas esta uma profisso que passa a ser extremamente exigente na sociedade moderna. E os jovens experimentam um grande desafio: carregam uma tradio que aprenderam, mas so chamados a inovar (2007, p. 285), algumas vezes em conflito direto com os pais. Alm das perspectivas de modernizao, os jovens se percebem envolvidos nas dinmicas de diversidade produtiva. No so apenas as atividades de plantar e criar que se vislumbram aos novos agricultores. Viver no campo cada vez mais denota um conjunto significativo de possibilidades. Se no se pode falar em uma nica juventude rural, muito menos falar-se- em uma nica agricultura ou uma nica perspectiva de rural, como assinala Weisheimer (2005).

    Em sntese a produo acadmica que trata da permanncia dos jovens no meio rural constata que eles anseiam por qualidade de vida, pelo acesso a cidadania plena. Nesse sentido

  • cabe analisar o que os jovens entendem por qualidade de vida, qual o seu conceito. E tambm problematizar onde e como eles vislumbram alcanar, usufruir dessa qualidade de vida, se no meio rural ou no meio urbano. Enfim, como afirma Stropassolas temos uma multiplicidade de novas situaes e pouca gente fazendo pesquisa (2007, p. 292).

    As perspectivas da dvida nas falas dos jovens rurais de Cerro Azul

    Os jovens da comunidade de Cerro Azul4constroem uma representao identitria que retifica sua vinculao ao local. Sempre que inquiridos relatam um sentimento de afinidade e carinho pelo lugar. Independente de estarem na comunidade ou t-la deixado sempre se evoca um discurso que eleva as qualidades e os envolvimentos de vida de cada um com o lugar. Os que saram expressam sentimento de nostalgia, de um tempo dantes, da infncia, da adolescncia. Os que esto tambm justificam acepes de denotam uma ligao que d sentido a sua trajetria de vida.

    Essas manifestaes podem ser pensadas enquanto condio de uma formao identitria que supe o local como elemento definidor. Assim, independem as caractersticas do lugar, pois de qualquer forma ele influir e talvez defina as identidades subjacentes e manifestas. Tomar o rural como espao que qualifica de maneira mpar as relaes identitrias seria pressupor que h algo de especfico ou endmico nesse processo, fato no encontrado na pesquisa. O rural, assim como o urbano, se reveste enquanto lugar do vivido, da descoberta entre os indivduos, de sua noo de pessoa e por isso interfere diretamente no discurso que julga o rural como ambiente nostlgico afeito a perfeio de um perodo que forosamente no pode mais ser experienciado.

    Analisando as falasde jovens migrantes constatou-se que em todos os casos o xodo foi motivado pelo interesse de melhorias de oportunidades de trabalho e remunerao. Todos manifestaram que poderiam ter optado pela permanncia no meio rural, entretanto a opo lhes colocaria numa contingncia de conviver com carncias que no lhes traziam apreo. Entre essas carncias so citadas, enfaticamente, a falta de dinheiro e a falta de perspectivas futuras, isto , o encaminhamento de um projeto de vida satisfatrio.

    4 As anlises que compem este item se baseiam no trabalho de campo com a realizao de entrevistas com

    jovens que migraram da comunidade de Cerro Azul e com aqueles que continuam morando l.

  • Entre os entrevistados do sexo masculino no se percebeu nenhum desprezo atividade agrcola, evidenciando que o carter especfico da sada no era relativo ao modo de vida do meio rural, mas a atividade produtiva e as problemticas econmicas interligadas a ela. Entre as moas colocou-se a falta de pretenso a priori para permanncia, numa acepo de que fora o caminho j pr-estabelecido pela famlia, como uma condio.

    Em todos os depoimentos, portanto, constatou-se que a justificativa para o xodo se ateve basicamente na busca de melhores oportunidades de trabalho e estudos, levando em conta uma expectativa de melhoria na qualidade de vida. No h um posicionamento especfico em criticar a conjuntura rural como espao de vida, tanto que todos deixaram claro o apreo pelo local e pelas dinmicas existentes na vida rural. Mas no sentido de atividades produtivas, de renda e crescimento uma ideologia de progresso de fato privilegiaram expor as melhorias que a vida urbana pode oferecer-lhes. Assim retomando o contexto dos fatores de atrao e repulso leva-se em conta uma dicotomia em que pesam mais significativamente os fatores de atrao. Ao enfatizar essa condio discursiva se quer problematizar que entre as falas elevando e qualificando o ambiente rural representam uma definio articulada deste. Entre os jovens que deixaram o meio rural o discurso nostlgico encerra-se quando inquiridos sobre a deciso de deixar o meio rural. Nesse momento surgem ponderaes ao que at ento se mantinha em caracteres idlicos. Expressam-se as dificuldades, as faltas de oportunidades, as carncias e os problemas estruturais que perpassam desde ms condies de estradas at a volatilidade dos preos pagos aos produtos agrcolas. No h um despojo em relao ao rural, mas a avaliao em torno de alguns problemas que, nesses casos, retificam a deciso pela sada.

    Entre os que ficam no h uma renncia vida no campo. At porque o discurso vai ao encontro de uma justificativa para a permanncia ainda que momentnea. Porm uma deciso permeada de dvidas. Se no h uma noo de abandono do rural h o desejo de que ele se modifique, que melhore e permita fazer com que a deciso seja mais efetiva. Assim o discurso seria mais direto. O que se percebeu entre os que esto no meio rural, propensos ou no a permanecer que a deciso est condicionada ao que vai acontecer. , em geral, um quadro de permanncias residuais e volteis, ainda que desejosas de concretizao.

  • Pelas informaes colhidas o que explica a permanncia, no sentido geral, ainda que existam diferenas significativas, uma expectativa. Se expressa pelo fato de que os jovens ali instalados no esto efetivamente certos de que fizeram a melhor opo, nem que esto satisfeitos. Eles entendem que sim, bom viver no meio rural e do meio rural, porm mantm essa noo ponderada, uma vez que ainda no est bom como deveria, ou como gostariam. Porque no abandonam o rural e vo para o urbano? Pois, no momento sentem-se seguros ali e tecem projees de que podero continuar ali e se estabelecerem, mas isso se efetivar se as coisas melhorarem. Se puderem comprar um pedao de terra. Se puderem suceder os pais. Se a renda aumentar. Se os preos no oscilarem tanto. Enfim, uma srie de cogitaes. A maioria no descarta ir embora. Essa no uma resposta nula. No so ento permanecentes, e mais se enquadram como ficantes. Uns porque no conseguem moralmente abandonar os pais. Outros porque sentem que a falta de qualificao lhes impedir de progredir no meio urbano. H aqueles que ficam apesar de desejarem partir, ou mais especificamente: ficam apesar de desejarem uma vida melhor no prprio campo.

    Os jovens manifestam a viso de expectativa quando se trata de discutir o projeto de vida. O rural pode lhes garantir um projeto de vida, mas teria, para isso, que garantir acessos que se percebem no meio urbano. mais do que a noo de viver o melhor dos dois mundos. uma noo de que o bom aqui, isto , o melhor mundo o rural, mas sem situaes outras, urbanas, mesmo sendo bom este mundo perde o sentido.

    Entre os jovens migrantes h uma percepo elogiosa em torno de como concebem o jovem rural. A explicao para esse fato reside, entre outros pontos, na prpria condio que manifestam, sua prpria identidade. Afinal de contas estes indivduos foram jovens rurais e ainda depreendem conter elementos e comportamentos que os identifiquem como tal. Como pressuposto identitrio compe-se uma anlise a partir de um par dialtico, ou melhor, o jovem urbano. Em algum sentido ser um jovem rural no ser um jovem urbano. um ser e um no ser ao mesmo tempo. No entanto esse no ser urbano no significa, por seu lado, um isolamento, uma intangncia territorial e cultural. antes uma forma de marcar diferenas onde elas no sejam necessariamente bem definidas.

    A deciso de um jovem em empreender escolhas perante o tecido social sejam elas de cunho ideolgico, de gostos, preferncias ou de projeo futura situam-se num terreno complexo. Toda deciso imprime uma ao de optar. Toda opo se estabelece sob um leque

  • de possibilidades, sendo elas muitas ou esparsas. Ao seguir um caminho no se pode seguir os demais, ainda que pudessem ser eles, tambm, interessantes e de alguma forma desejveis. Em resumo, sair do meio rural se d por um corte em relao possibilidade de continuar ali. Essas renncias podem ser dolorosas, forosas ou pragmticas.

    Percebeu-se que os jovens tinham uma dificuldade de comporem uma imagem, um conceito sobre o jovem rural. Tanto os migrantes como os permanecentes5 ficavam reticentes quando questionados: como voc define o jovem rural?; existe diferena dele para o jovem urbano?; qual seu projeto de vida?; deseja ficar ou migrar?.Estabeleceu-se invariavelmente uma conotao de volatibilidade nas falas. A utilizao da entrevista, ordenada no sentido de buscar elementos da trajetria de vida e de aspectos de sua histria de vida, potencializaram as anlises e fortaleceram o carter provisrio das vises, decises e perspectivas.

    Consideraes Finais

    A dvida geradora da pesquisa acercava as motivaes que influenciam os jovens do meio rural a decidir entre sair e permanecer. A nfase recaiu em como e porque decidem ficar se existe a tendncia a sada? As respostas e a articulao demoveram a hiptese de que aqueles que de fato l estavam haviam percebido a real possibilidade de desenvolverem seu projeto de vida no meio rural e assim desejavam proceder. Os dados levaram a compreenso de outra dinmica: a de que os que esto, na maioria dos casos, ainda no se decidiram entre sair ou ficar. H mltiplos desejos, tanto ficar quanto sair. As dinmicas aparecem como castelos especulativos, num conjunto de expectativas e de articulao em torno da projeo para permanecer, mas com vinculaes possveis ao espao urbano.

    A tese em si, que norteou toda a pesquisa e que se afigura como a definio geral da discusso que a migrao e, principalmente a permanncia de jovens no meio rural uma condio voltil, fluda e que se relaciona com as situaes sociais vividas por esses jovens. Suas vontades e desejos so negociados e manifestas num jogo intermitente entre a disposio

    5 O termo permanecentes designa a condio dos jovens que esto no meio rural, porm sem definirem

    exatamente se continuaro ali ou migraro. uma condio provisria e fluda que caracteriza a maior parte do comportamento juvenil no campo: o de expectativa.

  • para ir e para ficar. Esperar decidir no sentido de conjecturar e melhor a probabilidade de sucesso ficando ou saindo. Um tomar flego. Arrisquei-me a considerar o termo permanncia como ficncia que assimilaria a noo de estar em situao de partida e permanncia. Fica-se apesar de... Vai-se apesar de... Se for possvel, se o conjunto de demandas for atendido h permanncia, caso contrrio a dinmica de xodo reforada. Esses dados s foram evidenciados a partir das falas, da observncia e compreenso que a dvida tem como papel socialmente incorporado numa conjuntura dicotmica. Muito ainda h a ser explorado pela histria oral no processo de desvelamento de dinmicas juvenis no meio rural. Para alm de paradigmas quantitativos possvel dizer que a dvida, neste caso, explica outra dvida. Se no o fizer, pelo menos lhe incita a reproduzir-se ainda mais no terreno frtil da pesquisa.

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