história geral da áfrica vii unesco

1022
Comitê Científico Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA VII África sob dominação colonial,1880-1935 UNESCO Representação no BRASIL Ministério da Educação do BRASIL Universidade Federal de São Carlos EDITOR ALBERT ADU BOAHEN

Upload: carlos-junior

Post on 26-Jun-2015

916 views

Category:

Documents


63 download

DESCRIPTION

Excelente coleção sobre a Africa.

TRANSCRIPT

  • 1. Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da Histria Geral da fricaHISTRIA GERALDA FRICA VIIfrica sob dominaocolonial,1880-1935EDITOR ALBERT ADU BOAHENUNESCO Representao no BRASILMinistrio da Educao do BRASILUniversidade Federal de So Carlos

2. Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da Histria Geral da fricaHISTRIA GERAL DA FRICA VIIfrica sob dominao colonial,1880-1935 3. Coleo Histria Geral da frica da UNESCOVolume I Metodologia e pr-histria da frica(Editor J. Ki-Zerbo)Volume IIfrica antiga(Editor G. Mokhtar)Volume III frica do sculo VII ao XI(Editor M. El Fasi)(Editor Assistente I. Hrbek)Volume IVfrica do sculo XII ao XVI(Editor D. T. Niane)Volume V frica do sculo XVI ao XVIII(Editor B. A. Ogot)Volume VIfrica do sculo XIX dcada de 1880(Editor J. F. A. Ajayi)Volume VII frica sob dominao colonial, 1880-1935(Editor A. A. Boahen)Volume VIII frica desde 1935 (Editor A. A. Mazrui) (Editor Assistente C. Wondji)Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidos neste livro,bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as da UNESCO,nem comprometem a Organizao. As indicaes de nomes e apresentao domaterial ao longo deste livro no implicam a manifestao de qualquer opinio por parteda UNESCO a respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regioou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas fronteiras ou limites. 4. Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da Histria Geral da fricaHISTRIA GERALDA FRICA VIIfrica sob dominaocolonial, 1880-1935EDITOR Albert Adu BoahenOrganizao das Naes Unidaspara a Educao,a Cincia e a Cultura 5. Esta verso em portugus fruto de uma parceria entre a Representao da UNESCO no Brasil, aSecretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade do Ministrio da Educao doBrasil (Secad/MEC) e a Universidade Federal de So Carlos (UFSCar).Ttulo original: General History of Africa, VII: Africa under colonial domination, 1880-1935. Paris:UNESCO; Berkley, CA: University of California Press; London: Heinemann EducationalPublishers Ltd., 1985. (Primeira edio publicada em ingls). UNESCO 2010 (verso em portugus com reviso ortogrfica e reviso tcnica)Coordenao geral da edio e atualizao: Valter Roberto SilvrioReviso tcnica: Kabengele MunangaPreparao de texto: Eduardo Roque dos Reis FalcoReviso e atualizao ortogrfica: M. Corina RochaProjeto grfico e diagramao: Marcia Marques / Casa de Ideias; Edson Fogaa e Paulo Selveira /UNESCO no Brasil Histria geral da frica, VII: frica sob dominao colonial, 1880-1935 / editado por Albert Adu Boahen. 2.ed. rev. Braslia : UNESCO, 2010. 1040 p.ISBN: 978-85-7652-129-71. Histria 2. Histria contempornea 3. Histria africana 4. Culturas africanas 5. Colonialismo 6. Resistncia opresso 7. Nacionalismo 8. frica I. Adu Boahen, Albert II. UNESCO III. Brasil. Ministrio da Educao IV. Universidade Federal de So CarlosOrganizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO)Representao no BrasilSAUS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9 andar70070-912 Braslia DF BrasilTel.: (55 61) 2106-3500Fax: (55 61) 3322-4261Site: www.unesco.org/brasiliaE-mail: [email protected] da Educao (MEC)Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (Secad/MEC)Esplanada dos Ministrios, Bl. L, 2 andar70047-900 Braslia DF BrasilTel.: (55 61) 2022-9217Fax: (55 61) 2022-9020Site: http://portal.mec.gov.br/index.htmlUniversidade Federal de So Carlos (UFSCar)Rodovia Washington Luis, Km 233 SP 310Bairro Monjolinho13565-905 So Carlos SP BrasilTel.: (55 16) 3351-8111 (PABX)Fax: (55 16) 3361-2081Site: http://www2.ufscar.br/home/index.phpImpresso no Brasil 6. SUMRIOApresentao................................................................................................VIINota dos Tradutores. .................................................................................... IX .Cronologia.................................................................................................... XI.Lista de Figuras.......................................................................................... XIIIPrefcio....................................................................................................... XIXApresentao do Projeto........................................................................... XXVCaptulo 1 A frica diante do desafio colonial............................................ 1Captulo 2 Partilha europeia e conquista da frica: apanhado geral.......... 21Captulo 3 Iniciativas e resistncia africanas em face da partilha e daconquista. ................................................................................. 51.Captulo 4 Iniciativas e resistncia africanas no nordeste da frica........... 73Captulo 5 Iniciativas e resistncia africanas no norte da frica e noSaara......................................................................................... 99Captulo 6 Iniciativas e resistncia africanas na frica ocidental,18801914.............................................................................. 129Captulo 7 Iniciativas e resistncia africanas na frica oriental,18801914.............................................................................. 167Captulo 8 Iniciativas e resistncia africanas na frica central,18801914.............................................................................. 191 7. VIfrica sob dominao colonial, 1880-1935Captulo 9 Iniciativas e resistncia africanas na frica meridional........... 219Captulo 10 Madagscar de 1880 a 1939: iniciativas e reaes africanas conquista e dominao coloniais..................................... 251Captulo 11 Libria e Etipia, 18801914: a sobrevivncia de doisEstados africanos.................................................................. 281Captulo 12 A Primeira Guerra Mundial e suas consequncias............... 319Captulo 13 A dominao europeia: mtodos e instituies..................... 353Captulo 14 A economia colonial............................................................. 377Captulo 15 A economia colonial das antigas zonas francesas, belgase portuguesas (19141935)................................................... 401Captulo 16 A economia colonial: as antigas zonas britnicas.................. 437Captulo 17 Economia colonial: a frica do norte................................... 485Captulo 18 As repercusses sociais da dominao colonial: aspectosdemogrficos......................................................................... 529Captulo 19 Repercusses sociais da dominao colonial: novasestruturas sociais................................................................... 567Captulo 20 A religio na frica durante a poca colonial....................... 591Captulo 21 As artes na frica durante a dominao colonial................. 625Captulo 22 A poltica e o nacionalismo africanos, 19191935................ 657Captulo 23 Poltica e nacionalismo no nordeste da frica,19191935............................................................................ 675.Captulo 24 Poltica e nacionalismo no Maghreb e no Saara,19191935............................................................................ 703.Captulo 25 Poltica e nacionalismo na frica ocidental, 19191935....... 727Captulo 26 Poltica e o nacionalismo na frica oriental,19191935............................................................................ 757.Captulo 27 Poltica e nacionalismo nas fricas central e meridional,19191935............................................................................ 787.Captulo 28 A Etipia e a Libria, 19141935: dois Estados africanosindependentes na era colonial............................................... 833Captulo 29 A frica e o Novo Mundo................................................... 875Captulo 30 O colonialismo na frica: impacto e significao . .............. 919Membros do Comit Cientfico Internacional para a Redaode uma Histria Geral da frica................................................................ 951Dados biogrficos dos autores do volume VII........................................... 953Abreviaes e lista de peridicos................................................................ 957Referncias bibliogrficas........................................................................... 961ndice remissivo........................................................................................ 1009 8. APRESENTAOVII APRESENTAO Outra exigncia imperativa de que a histria (e a cultura) da frica devem pelo menos ser vistas de dentro, no sendo medidas por rguas de valores estranhos... Mas essas conexes tm que ser analisadas nos termos de trocas mtuas, e influncias multilaterais em que algo seja ouvido da contribuio africana para o desenvolvimento da espcie humana. J. Ki-Zerbo, Histria Geral da frica, vol. I, p. LII.A Representao da UNESCO no Brasil e o Ministrio da Educao tm a satis-fao de disponibilizar em portugus a Coleo da Histria Geral da frica. Em seusoito volumes, que cobrem desde a pr-histria do continente africano at sua histriarecente, a Coleo apresenta um amplo panorama das civilizaes africanas. Com suapublicao em lngua portuguesa, cumpre-se o objetivo inicial da obra de colaborar parauma nova leitura e melhor compreenso das sociedades e culturas africanas, e demons-trar a importncia das contribuies da frica para a histria do mundo. Cumpre-se,tambm, o intuito de contribuir para uma disseminao, de forma ampla, e para umaviso equilibrada e objetiva do importante e valioso papel da frica para a humanidade,assim como para o estreitamento dos laos histricos existentes entre o Brasil e a frica.O acesso aos registros sobre a histria e cultura africanas contidos nesta Coleo sereveste de significativa importncia. Apesar de passados mais de 26 anos aps o lana-mento do seu primeiro volume, ainda hoje sua relevncia e singularidade so mundial-mente reconhecidas, especialmente por ser uma histria escrita ao longo de trinta anospor mais de 350 especialistas, sob a coordenao de um comit cientfico internacionalconstitudo por 39 intelectuais, dos quais dois teros africanos.A imensa riqueza cultural, simblica e tecnolgica subtrada da frica para o conti-nente americano criou condies para o desenvolvimento de sociedades onde elementoseuropeus, africanos, das populaes originrias e, posteriormente, de outras regies domundo se combinassem de formas distintas e complexas. Apenas recentemente, tem-se considerado o papel civilizatrio que os negros vindos da frica desempenharamna formao da sociedade brasileira. Essa compreenso, no entanto, ainda est restritaaos altos estudos acadmicos e so poucas as fontes de acesso pblico para avaliar estecomplexo processo, considerando inclusive o ponto de vista do continente africano. 9. VIIIfrica sob dominao colonial, 1880-1935A publicao da Coleo da Histria Geral da frica em portugus tambm resul-tado do compromisso de ambas as instituies em combater todas as formas de desigual-dades, conforme estabelecido na declarao universal dos direitos humanos (1948),especialmente no sentido de contribuir para a preveno e eliminao de todas as formasde manifestao de discriminao tnica e racial, conforme estabelecido na convenointernacional sobre a eliminao de todas as formas de discriminao racial de 1965.Para o Brasil, que vem fortalecendo as relaes diplomticas, a cooperao econ-mica e o intercmbio cultural com aquele continente, essa iniciativa mais um passoimportante para a consolidao da nova agenda poltica. A crescente aproximao comos pases da frica se reflete internamente na crescente valorizao do papel do negrona sociedade brasileira e na denncia das diversas formas de racismo. O enfrentamentoda desigualdade entre brancos e negros no pas e a educao para as relaes tnicase raciais ganhou maior relevncia com a Constituio de 1988. O reconhecimento daprtica do racismo como crime uma das expresses da deciso da sociedade brasileirade superar a herana persistente da escravido. Recentemente, o sistema educacionalrecebeu a responsabilidade de promover a valorizao da contribuio africana quando,por meio da alterao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB) ecom a aprovao da Lei 10.639 de 2003, tornou-se obrigatrio o ensino da histria eda cultura africana e afro-brasileira no currculo da educao bsica.Essa Lei um marco histrico para a educao e a sociedade brasileira por criar, viacurrculo escolar, um espao de dilogo e de aprendizagem visando estimular o conheci-mento sobre a histria e cultura da frica e dos africanos, a histria e cultura dos negrosno Brasil e as contribuies na formao da sociedade brasileira nas suas diferentesreas: social, econmica e poltica. Colabora, nessa direo, para dar acesso a negros eno negros a novas possibilidades educacionais pautadas nas diferenas socioculturaispresentes na formao do pas. Mais ainda, contribui para o processo de conhecimento,reconhecimento e valorizao da diversidade tnica e racial brasileira.Nessa perspectiva, a UNESCO e o Ministrio da Educao acreditam que esta publica-o estimular o necessrio avano e aprofundamento de estudos, debates e pesquisas sobrea temtica, bem como a elaborao de materiais pedaggicos que subsidiem a formaoinicial e continuada de professores e o seu trabalho junto aos alunos. Objetivam assim comesta edio em portugus da Histria Geral da frica contribuir para uma efetiva educaodas relaes tnicas e raciais no pas, conforme orienta as Diretrizes Curriculares Nacionaispara a Educao das Relaes tnico-Raciais e para o Ensino da Histria e Cultura Afro-brasileira e Africana aprovada em 2004 pelo Conselho Nacional de Educao.Boa leitura e sejam bem-vindos ao Continente Africano. Vincent DefournyFernando Haddad Representante da UNESCO no Brasil Ministro de Estado da Educao do Brasil 10. NOTA DOS TRADUTORESIXNOTA DOS TRADUTORESA Conferncia de Durban ocorreu em 2001 em um contexto mundial dife-rente daquele que motivou as duas primeiras conferncias organizadas pelaONU sobre o tema da discriminao racial e do racismo: em 1978 e 1983 emGenebra, na Sua, o alvo da condenao era o apartheid.A conferncia de Durban em 2001 tratou de um amplo leque de temas, entreos quais vale destacar a avaliao dos avanos na luta contra o racismo, na lutacontra a discriminao racial e as formas correlatas de discriminao; a avaliaodos obstculos que impedem esse avano em seus diversos contextos; bem comoa sugesto de medidas de combate s expresses de racismo e intolerncias.Aps Durban, no caso brasileiro, um dos aspectos para o equacionamentoda questo social na agenda do governo federal a implementao de polticaspblicas para a eliminao das desvantagens raciais, de que o grupo afrodescen-dente padece, e, ao mesmo tempo, a possibilidade de cumprir parte importantedas recomendaes da conferncia para os Estados Nacionais e organismosinternacionais.No que se refere educao, o diagnstico realizado em novembro de 2007,a partir de uma parceria entre a UNESCO do Brasil e a Secretaria de EducaoContinuada, Alfabetizao e Diversidade do Ministrio da Educao (SECAD/MEC), constatou que existia um amplo consenso entre os diferentes participan-tes, que concordavam, no tocante a Lei 10.639-2003, em relao ao seu baixograu de institucionalizao e sua desigual aplicao no territrio nacional. Entre 11. X frica sob dominao colonial, 1880-1935os fatores assinalados para a explicao da pouca institucionalizao da lei estavaa falta de materiais de referncia e didticos voltados Histria de frica.Por outra parte, no que diz respeito aos manuais e estudos disponveis sobrea Histria da frica, havia um certo consenso em afirmar que durante muitotempo, e ainda hoje, a maior parte deles apresenta uma imagem racializada eeurocntrica do continente africano, desfigurando e desumanizando especial-mente sua histria, uma histria quase inexistente para muitos at a chegadados europeus e do colonialismo no sculo XIX.Rompendo com essa viso, a Histria Geral da frica publicada pela UNESCO uma obra coletiva cujo objetivo a melhor compreenso das sociedades e cul-turas africanas e demonstrar a importncia das contribuies da frica para ahistria do mundo. Ela nasceu da demanda feita UNESCO pelas novas naesafricanas recm-independentes, que viam a importncia de contar com uma his-tria da frica que oferecesse uma viso abrangente e completa do continente,para alm das leituras e compreenses convencionais. Em 1964, a UNESCOassumiu o compromisso da preparao e publicao da Histria Geral da frica.Uma das suas caractersticas mais relevantes que ela permite compreendera evoluo histrica dos povos africanos em sua relao com os outros povos.Contudo, at os dias de hoje, o uso da Histria Geral da frica tem se limitadosobretudo a um grupo restrito de historiadores e especialistas e tem sido menosusada pelos professores/as e estudantes. No caso brasileiro, um dos motivosdesta limitao era a ausncia de uma traduo do conjunto dos volumes quecompem a obra em lngua portuguesa.A Universidade Federal de So Carlos, por meio do Ncleo de EstudosAfrobrasileiros (NEAB/UFSCar) e seus parceiros, ao concluir o trabalho detraduo e atualizao ortogrfica do conjunto dos volumes, agradece o apoioda Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (SECAD),do Ministrio da Educao (MEC) e da UNESCO por terem propiciado ascondies para que um conjunto cada vez maior de brasileiros possa conhecer eter orgulho de compartilhar com outros povos do continente americano o legadodo continente africano para nossa formao social e cultural. 12. Cronologia Na apresentao das datas da pr-histria convencionou-se adotar dois tiposde notao, com base nos seguintes critrios: Tomando como ponto de partida a poca atual, isto , datas B.P. (beforepresent), tendo como referncia o ano de + 1950; nesse caso, as datas sotodas negativas em relao a + 1950. Usando como referencial o incio da Era Crist; nesse caso, as datasso simplesmente precedidas dos sinais - ou +. No que diz respeito aossculos, as menes antes de Cristo e depois de Cristo so substitudaspor antes da Era Crist, da Era Crist. Exemplos: (i) 2300 B.P. = -350 (ii) 2900 a.C. = -2900 1800 d.C. = +1800 (iii) sculo V a.C. = sculo V antes da Era Crist sculo III d.C. = sculo III da Era Crist 13. Lista de FigurasXIII Lista de FigurasFigura 1.1 A frica em 1880, em vsperas da partilha e da conquista. ................................... 2.Figura 1.2 A guerra dos Ashanti, em 1896 (Costa do Ouro).................................................. 9.Figura 2.1 A Conferncia de Berlim sobre a frica Ocidental (1884-1885)......................... 34Figuras 2.2a a 2.2f Armas de guerra utilizadas por europeus e africanos entre 1880 e 1935......................................................................................................... 47Figura 2.3 A frica de 1914.................................................................................................. 50Figura 4.1 O Coronel Ahmad Urabi...................................................................................... 75Figura 4.2 Poltica e nacionalismo no nordeste da frica...................................................... 76Figura 4.3 Alexandria aps o bombardeamento de julho de 1882 pela frota britnica.......... 78Figura 4.4 Abbas Hilmi (Abbas II, 18921914), quediva do Egito....................................... 81Figura 4.5 Muhammad Ahmad ibn Abdallah, o Mahdi (18441885)................................... 84Figura 4.6 Mamud Ahmad, um dos comandantes dos Ansar (exrcito mahdista)................ 90.Figura 5.1 As grandes regies do Maghreb e do Saara........................................................ 100Figura 5.2 As campanhas europeias no Maghreb................................................................. 104Figura 5.3 A Tripolitnia otomana, Sirte e a Cirenaica....................................................... 109 .Figura 5.4 Sayyid Ahmad alSharif alSanusi, chefe espiritual dos Sanusiyya..................... 110Figura 5.5 Umar alMukhtar, um dos chefes da resistncia Sanusi colonizao italiana...... 115Figura 5.6 Amghar Hassu u Basallam, dos Ilemchan (Ait Atta do Saara), chefe doscombatentes da resistncia de Bu Ghafir (Saghru), na Arglia, em 1933............... 117Figura 5.7 Guerra do Rif no Marrocos................................................................................ 124Figura 6.1 Estados e povos da frica ocidental nas vsperas da partilha europeia.............. 131Figura 6.2 Samori Tour (c. 18301900), aps a sua captura pelo capito Gouraud............ 139 14. XIV frica sob dominao colonial, 1880-1935Figura 6.3 Nana Prempeh I (c. 1873-1931) no exlio nas Seychelles, cerca de 1908........... 150Figura 6.4 Jaja (c. 18211891), soberano do Estado de Opobo, no delta do Nger.............. 154Figura 6.5 Bai Bureh (c. 18451908), chefe da rebelio provocada pelo imposto depalhota, em 1898................................................................................................ 160.Figura 6.6a Levante na Costa do Marfim no incio da dcada de 1900.............................. 163Figura 6.6b Costa do Marfim: o tenente Boudet aceita a rendio dos chefestradicionais............................................................................................. 163Figura 7.1 Povos e diviso poltica da frica oriental.......................................................... 169Figura 7.2 Equipe volante de assentadores de dormentes na construo da estrada deferro de Uganda.................................................................................................. 172.Figura 7.3 O chefe Abushiri (c. 18451889), lder da resistncia costeira colonizaoalem e britnica na frica oriental, 18881889................................................. 178Figura 7.4 Mwanga (c. 18661903), exrei de Buganda, e Kabarega (c. 18501923),exrei de Bunyoro................................................................................................ 181Figura 8.1 Povos e diviso poltica da frica central, c. 1900............................................... 193Figura 8.2 Chefe bemba no meio do seu povo, recebendo um europeu, 1883..................... 197Figura 8.3 Gungunhana e seus guerreiros............................................................................ 199Figura 8.4 Mapondera, chefe rebelde da Rodsia do Sul (atual Zimbbue)........................ 207Figura 9.1 Povos e diviso poltica do sul da frica............................................................. 221Figura 9.2 Campo de batalha de Isandhlwana, 1879........................................................... 228Figura 9.3 Lobengula (c. 18361894), rei dos Ndebele, 18701894..................................... 230Figura 9.4 Moshoeshoe I, rei dos Basuto (c. 17851870).................................................... 236 .Figura 10.1 Madagscar em fins do sculo XIX.................................................................. 252 .Figura 10.2 Rainilaiarivony, primeiroministro de Madagscar (18641895), maridode Ranavalona II e III...................................................................................... 253Figura 10.3 A rainha Ranavalona III (18831897) em traje de gala.................................... 253Figura 10.4 Principais zonas das rebelies Menalamba....................................................... 265Figura 10.5 Madagscar: trabalhadores empregados na contruo da estrada de ferro deTananarive Tamatave..................................................................................... 273Figura 10.6 Resistncia, insurreio e nacionalismo em Madagscar, 18961935................ 275Figura 11.1 Libria: territrio anexado pelos amrico-liberianos, 1822-1874..................... 283 .Figura 11.2 Expanso do territrio etope no reinado do imperador Menelik II................ 287.Figura 11.3 Menelik, rei de Shoa (18651889); imperador da Etipia (18891913).................... 288Figura 11.4 E. J. Barclay, secretrio de Estado da Libria.................................................... 293Figura 11.5 Arthur Barclay, presidente da Libria (19041911).......................................... 294Figura 11.6 Usurpaes britnicas e francesas no territrio reivindicado pela Libria, 1882-1914......................................................................................................... 296Figura 11.7 A Etipia e a corrida para a frica................................................................... 300Figura 11.8 A batalha de Adua............................................................................................ 306Figura 11.9 Professores e alunos do colgio da Libria, 1900.............................................. 312Figura 12.1(A) (E) A guerra em solo africano.................................................................. 320 15. Lista de FigurasXVFigura 12.2 General P. E. Von Lettow-Vorbeck.................................................................. 326.Figura 12.3 A campanha na frica Oriental Alem............................................................ 329Figura 12.4 Voluntrios forados do Egito embarcando para o estrangeiro...................... 331Figura 12.5 frica Oriental Alem: feridos esperam para serem removidos de Nyangao,depois da batalha de Mahiwa (15 a 19 de outubro de 1917)........................... 331.Figura 12.6 A campanha na frica Oriental Alem: tropas autctones do exrcito belga voltam para a costa depois de os alemes terem cruzado o rio Rovuma. .......... 331.Figura 12.7 O desenho da frica depois da Primeira Guerra Mundial............................... 348Figura 13.1 Sir Frederick Lugard (18581945)....................................................................... 354Figura 13.2 LouisGabriel Angoulvant, governador da Costa do Marfim, 19081916........ 354 .Figura 13.3 General Joseph Simon Gallieni (18491916), comandante superior do Sudo francs, 18861888; governadorgeral de Madagscar, 18961905........ 354Figura 13.4 Albert Heinrich Schnee (18711949), governador da frica Oriental Alem, 19121918............................................................................................. 354Figura 13.5 LouisHubert Lyautey (18591935), residentegeral francs no Marrocos, 19121925......................................................................................................... 363Figura 13.6 A administrao indireta em ao: o prncipe de Gales recebe chefes em Acra................................................................................................................... 365Figura 13.7 A campanha na frica Oriental Alem: askaris da frica oriental enviados como agentes recrutadores pela administrao civil.......................................... 372.Figura 15.1 Os recursos das colnias francesas, belgas e portuguesas.................................. 402Figura 15.2 Comrcio exterior colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas........................................................................................................ 405Figura 15.3 Avaliao aproximada das possibilidades monetrias africanas na Guin Francesa (19281938)........................................................................................ 421Figura 16.1 frica oriental: desenvolvimento econmico das antigas zonas britnicas. ...... 442 .Figura 16.2 frica ocidental: desenvolvimento econmico das antigas zonas britnicas........................................................................................................... 447Figura 16.3 Colheita de ch na Niassalndia.......................................................................... 450Figura 16.4 Abrindo cacau na Costa do Ouro..................................................................... 453Figura 16.5 frica oriental: desenvolvimento econmico das antigas zonas britnicas. ...... 459 .Figura 16.6 Operrios negros em uma mina na frica do Sul............................................ 476.Figura 16.7 Extenso da rede ferroviria da Repblica da frica do Sul, entre 1900 e 1953................................................................................................................... 478Figura 17.1 Desenvolvimento econmico durante o perodo colonial no noroeste da frica............................................................................................................ 486Figura 17.2 Vinhedos europeus na Arglia, por volta de 1930. ........................................... 490.Figura 17.3 A implantao da colonizao agrcola na Tunsia, em 1921............................ 491Figura 17.4 Dficit da balana comercial marroquina, de 1912 a 1938............................... 499 .Figura 17.5 Comrcio global da Arglia, de 1915 a 1938.................................................... 500Figura 17.6 Parcela referente Frana no comrcio global da Arglia, de 1920 a 1938...... 500Figura 17.7 Produo e exportao de azeite de oliveira tunisiano de 1931 a 1939. ........... 505. 16. XVI frica sob dominao colonial, 1880-1935Figura 17.8 Lbia, Egito e Sudo: desenvolvimento econmico na poca colonial.............. 511Figura 17.9 Assu: as guas do Nilo na sada da barragem (1937)...................................... 518Figura 17.10 Cultura do algodo de Djazra, regio situada ao sul da confluncia do Nilo Azul com o Nilo Branco. ....................................................................... 526.Figura 18.1 Leprosrio mvel numa pequena aldeia ao norte de Bangui............................ 558Figura 19.1 Vista geral de Lagos, Nigria, um dos principais portos da frica ocidental na poca colonial............................................................................... 571Figura 19.2 Escola secundria CMS de Mengo, Uganda: em busca do saber..................... 578.Figura 19.3 Jogo de crquete na colnia: a formao da nova elite...................................... 580Figura 19.4 Festa na casa do governador de Lagos: a nova elite e os administradores coloniais............................................................................................................ 582Figura 20.1 Personagens Makishie durante uma cerimnia de iniciao, em Zmbia......... 594Figura 20.2 Membros de uma sociedade secreta em Serra Leoa......................................... 599 .Figura 20.3 Fachada de uma mesquita no norte de Gana.................................................... 605Figura 20.4 William Wade Harris, o evangelista liberiano da frica ocidental................... 614Figura 20.5 O reverendo John Chilembwe (1860/1870-1915), chefe da revolta de 1915 na Niassalndia, e sua famlia............................................................................ 617Figura 20.6 O profeta Simon Kimbangu (c. 18901951), fundador da glise-de-Jsus Christ-sur-la-terre (Igreja de Jesus Cristo sobre a Terra), no Congo Belga.... 619Figura 20.7 O profeta M. JehuAppiah, Akaboha III, neto e sucessor do fundador da Igreja Musama Disco Christo (Costa do Ouro, Gana).................................... 622.Figura 21.1 Esttuas de madeira provenientes de um santurio Yoruba dedicado a Shango.............................................................................................................. 627.Figura 21.2 Kuduo akan em cobre, de Gana........................................................................ 630Figura 21.3 O bispo Samuel Ajayi Crowther (1808-1891). ................................................ 640 .Figura 23.1 Nacionalismo no Egito: Zaghll Pacha (c. 1857-1927)....................................... 678Figura 23.2 O movimento nacionalista no Egito ( 1918-1923).......................................... 682Figura 23.3 O University College de Khartum, em 1953.................................................... 686Figura 24.1 Poltica e nacionalismo no Maghreb e no Saara, 1919-1935............................ 704Figura 24.2 Abdel Karm (18821963), cdi de Melilla, chefe da resistncia marroquina ao imperialismo espanhol, durante a guerra do Rf , 19211926... 712Figura 24.3 Guerra do Rf: soldados espanhis exibem as cabeas decepadas de soldados de Abdel Karm.................................................................................. 712Figura 24.4 Habib Bourguiba (nascido em 1903), lder do Partido NeoDestour (Tunsia)............................................................................................................ 722Figura 25.1 Poltica e nacionalismo na frica ocidental, 1919-1935................................... 728Figura 25.2 I. T. A. Wallace Jonhson (1894-1965), jornalista de Serra Leoa, sindicalista, pan-africanista e poltico nacionalista............................................ 735Figura 25.3 A delegao do National Congress of British West Africa que visitou Londres em 1921.............................................................................................. 737Figura 25.4 Blaise Diagne (1872-1934), primeiro deputado africano eleito para a Assembleia Nacional da Frana........................................................................ 751 17. Lista de Figuras XVIIFigura 26.1 Poltica e nacionalismo na frica oriental, 1919-1935.. ................................... 758.Figura 26.2 O reverendo Alfayo Odongo Mango Ka Konya, fundador da Joroho Church entre os Luo em 1932.......................................................................... 765Figura 26.3 Jomo Kenyatta (18901978), nacionalista queniano e primeiro presidente do Qunia independente, 19631978............................................................... 773 .Figura 26.4 Harry Thuku (18951970), um dos fundadores e dirigente da East African Association. ......................................................................................... 774.Figura 27.1 Isaiah Shembe (18701931), fundador dos nazaritas da frica do Sul (Igreja Sionista Africana)...................................................................................... 795.Figura 27.2 Poltica e nacionalismo na frica do Sul, 1919-1935....................................... 797Figura 27.3 Poltica e nacionalismo na frica central, 1919-1935....................................... 800Figura 28.1 Didwo Twe, senador Kru da Libria, um dos raros autctones a ascender a uma funo pblica de primeiro plano........................................................... 837Figura 28.2 Charles Dunbar B. King, presidente da Libria................................................ 841Figura 28.3 Hail Selassi I, imperador da Etipia (19301974)......................................... 845Figura 28.4 A Libria e a borracha. Trabalhadores de uma grande plantao prontos para a colheita................................................................................................... 850Figura 28.5 Distribuio da malha rodoviria na Libria em 1925...................................... 852Figura 28.6 Invaso da Etipia pela Itlia fascista............................................................... 868Figura 29.1 Marcus Garvey (18871940), fundador e chefe da Universal Negro Improvement Association................................................................................. 880Figura 29.2 Os afro-brasileiros na frica ocidental, nos sculos XVIII e XIX.................... 884Figura 29.3 J. E. K. Aggrey (18751921), educador da Costa do Ouro............................... 895Figura 29.4 Nnamdi Azikiwe (nascido em 1904), jornalista nigeriano, panafricanista e poltico........................................................................................................... 898Figura 29.5 Influncia religiosa dos Yoruba na Bahia, Brasil............................................... 913Figura 29.6 Mesquita central de Lagos, um exemplo da influncia brasileira na arquitetura da Nigria....................................................................................... 917 18. Prefcio XIX Prefcio por M. Amadou - Mahtar MBow,Diretor Geral da UNESCO (1974-1987)Durante muito tempo, mitos e preconceitos de toda espcie esconderam domundo a real histria da frica. As sociedades africanas passavam por socie-dades que no podiam ter histria. Apesar de importantes trabalhos efetuadosdesde as primeiras dcadas deste sculo por pioneiros como Leo Frobenius,Maurice Delafosse e Arturo Labriola, um grande nmero de especialistas no-africanos, ligados a certos postulados, sustentavam que essas sociedades nopodiam ser objeto de um estudo cientfico, notadamente por falta de fontes edocumentos escritos.Se a Ilada e a Odissia podiam ser devidamente consideradas como fontesessenciais da histria da Grcia antiga, em contrapartida, negava-se todo valor tradio oral africana, essa memria dos povos que fornece, em suas vidas, atrama de tantos acontecimentos marcantes. Ao escrever a histria de grandeparte da frica, recorria-se somente a fontes externas frica, oferecendouma viso no do que poderia ser o percurso dos povos africanos, mas daquiloque se pensava que ele deveria ser. Tomando freqentemente a Idade Mdiaeuropia como ponto de referncia, os modos de produo, as relaes sociaistanto quanto as instituies polticas no eram percebidos seno em refernciaao passado da Europa.Com efeito, havia uma recusa a considerar o povo africano como o criadorde culturas originais que floresceram e se perpetuaram, atravs dos sculos, por 19. XXfrica sob dominao colonial, 1880-1935vias que lhes so prprias e que o historiador s pode apreender renunciando acertos preconceitos e renovando seu mtodo.Da mesma forma, o continente africano quase nunca era considerado comouma entidade histrica. Em contrrio, enfatizava-se tudo o que pudesse refor-ar a idia de uma ciso que teria existido, desde sempre, entre uma fricabranca e uma frica negra que se ignoravam reciprocamente. Apresentava-sefrequentemente o Saara como um espao impenetrvel que tornaria impossveismisturas entre etnias e povos, bem como trocas de bens, crenas, hbitos e idiasentre as sociedades constitudas de um lado e de outro do deserto. Traavam-sefronteiras intransponveis entre as civilizaes do antigo Egito e da Nbia eaquelas dos povos subsaarianos.Certamente, a histria da frica norte-saariana esteve antes ligada quela dabacia mediterrnea, muito mais que a histria da frica subsaariana mas, nosdias atuais, amplamente reconhecido que as civilizaes do continente africano,pela sua variedade lingstica e cultural, formam em graus variados as vertenteshistricas de um conjunto de povos e sociedades, unidos por laos seculares.Um outro fenmeno que grandes danos causou ao estudo objetivo do passadoafricano foi o aparecimento, com o trfico negreiro e a colonizao, de esteretiposraciais criadores de desprezo e incompreenso, to profundamente consolidadosque corromperam inclusive os prprios conceitos da historiografia. Desde queforam empregadas as noes de brancos e negros, para nomear genericamenteos colonizadores, considerados superiores, e os colonizados, os africanos foramlevados a lutar contra uma dupla servido, econmica e psicolgica. Marcadopela pigmentao de sua pele, transformado em uma mercadoria, entre outras, econdenado ao trabalho forado, o africano passou a simbolizar, na conscincia deseus dominadores, uma essncia racial imaginria e ilusoriamente inferior quelado negro. Este processo de falsa identificao depreciou a histria dos povos afri-canos, no esprito de muitos, rebaixando-a a uma etno-histria em cuja apreciaodas realidades histricas e culturais no podia ser seno falseada.A situao evoluiu muito desde o fim da Segunda Guerra Mundial, emparticular, desde que os pases da frica, tendo alcanado sua independncia,comearam a participar ativamente da vida da comunidade internacional e dosintercmbios a ela inerentes. Historiadores, em nmero crescente, esforaram-se em abordar o estudo da frica com mais rigor, objetividade e abertura deesprito, empregando obviamente com as devidas precaues fontes africanasoriginais. No exerccio de seu direito iniciativa histrica, os prprios africanossentiram profundamente a necessidade de restabelecer, em bases slidas, a his-toricidade de suas sociedades. 20. Prefcio XXI nesse contexto que emerge a importncia da Histria Geral da frica, emoito volumes, cuja publicao a Unesco comeou.Os especialistas de numerosos pases que se empenharam nessa obra, pre-ocuparam-se, primeiramente, em estabelecer-lhe os fundamentos tericos emetodolgicos. Eles tiveram o cuidado em questionar as simplificaes abusivascriadas por uma concepo linear e limitativa da histria universal, bem comoem restabelecer a verdade dos fatos sempre que necessrio e possvel. Eles esfor-aram-se para extrair os dados histricos que permitissem melhor acompanhara evoluo dos diferentes povos africanos em sua especificidade sociocultural.Nessa tarefa imensa, complexa e rdua em vista da diversidade de fontes eda disperso dos documentos, a UNESCO procedeu por etapas. A primeirafase (1965-1969) consistiu em trabalhos de documentao e de planificao daobra. Atividades operacionais foram conduzidas in loco, atravs de pesquisas decampo: campanhas de coleta da tradio oral, criao de centros regionais dedocumentao para a tradio oral, coleta de manuscritos inditos em rabe eajami (lnguas africanas escritas em caracteres rabes), compilao de inventriosde arquivos e preparao de um Guia das fontes da histria da frica, publicadoposteriormente, em nove volumes, a partir dos arquivos e bibliotecas dos pasesda Europa. Por outro lado, foram organizados encontros, entre especialistasafricanos e de outros continentes, durante os quais discutiu-se questes meto-dolgicas e traou-se as grandes linhas do projeto, aps atencioso exame dasfontes disponveis.Uma segunda etapa (1969 a 1971) foi consagrada ao detalhamento e articu-lao do conjunto da obra. Durante esse perodo, realizaram-se reunies interna-cionais de especialistas em Paris (1969) e Addis-Abeba (1970), com o propsitode examinar e detalhar os problemas relativos redao e publicao da obra:apresentao em oito volumes, edio principal em ingls, francs e rabe, assimcomo tradues para lnguas africanas, tais como o kiswahili, o hawsa, o peul, oyoruba ou o lingala. Igualmente esto previstas tradues para o alemo, russo,portugus, espanhol e chins1, alm de edies resumidas, destinadas a umpblico mais amplo, tanto africano quanto internacional. A terceira e ltima fase constituiu-se na redao e na publicao do trabalho.Ela comeou pela nomeao de um Comit Cientfico Internacional de trinta e1 O volume I foi publicado em ingls, rabe, chins, coreano, espanhol, francs, hawsa, italiano, kiswahili, peul e portugus; o volume II em ingls, rabe, chins, coreano, espanhol, francs, hawsa, italiano, kiswahili, peul e portugus; o volume III em ingls, rabe, espanhol e francs; o volume IV em ingls, rabe, chins, espanhol, francs e portugus; o volume V em ingls e rabe; o volume VI em ingls, rabe e francs; o volume VII em ingls, rabe, chins, espanhol, francs e portugus; o VIII em ingls e francs. 21. XXIIfrica sob dominao colonial, 1880-1935nove membros, composto por africanos e no-africanos, na respectiva proporode dois teros e um tero, a quem incumbiu-se a responsabilidade intelectualpela obra.Interdisciplinar, o mtodo seguido caracterizou-se tanto pela pluralidadede abordagens tericas quanto de fontes. Dentre essas ltimas, preciso citarprimeiramente a arqueologia, detentora de grande parte das chaves da histriadas culturas e das civilizaes africanas. Graas a ela, admite-se, nos dias atuais,reconhecer que a frica foi, com toda probabilidade, o bero da humanidade,palco de uma das primeiras revolues tecnolgicas da histria, ocorrida noperodo Neoltico. A arqueologia igualmente mostrou que, na frica, especifi-camente no Egito, desenvolveu-se uma das antigas civilizaes mais brilhantesdo mundo. Outra fonte digna de nota a tradio oral que, at recentementedesconhecida, aparece hoje como uma preciosa fonte para a reconstituio dahistria da frica, permitindo seguir o percurso de seus diferentes povos notempo e no espao, compreender, a partir de seu interior, a viso africana domundo, e apreender os traos originais dos valores que fundam as culturas e asinstituies do continente.Saber-se- reconhecer o mrito do Comit Cientfico Internacional encarre-gado dessa Histria geral da frica, de seu relator, bem como de seus coordena-dores e autores dos diferentes volumes e captulos, por terem lanado uma luzoriginal sobre o passado da frica, abraado em sua totalidade, evitando tododogmatismo no estudo de questes essenciais, tais como: o trfico negreiro, essasangria sem fim, responsvel por umas das deportaes mais cruis da histriados povos e que despojou o continente de uma parte de suas foras vivas, nomomento em que esse ltimo desempenhava um papel determinante no pro-gresso econmico e comercial da Europa; a colonizao, com todas suas conse-qncias nos mbitos demogrfico, econmico, psicolgico e cultural; as relaesentre a frica ao sul do Saara e o mundo rabe; o processo de descolonizao ede construo nacional, mobilizador da razo e da paixo de pessoas ainda vivase muitas vezes em plena atividade. Todas essas questes foram abordadas comgrande preocupao quanto honestidade e ao rigor cientfico, o que constituium mrito no desprezvel da presente obra. Ao fazer o balano de nossosconhecimentos sobre a frica, propondo diversas perspectivas sobre as culturasafricanas e oferecendo uma nova leitura da histria, a Histria geral da fricatem a indiscutvel vantagem de destacar tanto as luzes quanto as sombras, semdissimular as divergncias de opinio entre os estudiosos.Ao demonstrar a insuficincia dos enfoques metodolgicas amide utiliza-dos na pesquisa sobre a frica, essa nova publicao convida renovao e ao 22. PrefcioXXIIIaprofundamento de uma dupla problemtica, da historiografia e da identidadecultural, unidas por laos de reciprocidade. Ela inaugura a via, como todo tra-balho histrico de valor, a mltiplas novas pesquisas. assim que, em estreita colaborao com a UNESCO, o Comit Cient-fico Internacional decidiu empreender estudos complementares com o intuitode aprofundar algumas questes que permitiro uma viso mais clara sobrecertos aspectos do passado da frica. Esses trabalhos publicados na coleoda UNESCO, Histria geral da frica: estudos e documentos, viro a cons-tituir, de modo til, um suplemento presente obra2. Igualmente, tal esforodesdobrar-se- na elaborao de publicaes versando sobre a histria nacionalou sub-regional.Essa Histria geral da frica coloca simultaneamente em foco a unidade his-trica da frica e suas relaes com os outros continentes, especialmente com asAmricas e o Caribe. Por muito tempo, as expresses da criatividade dos afro-descendentes nas Amricas haviam sido isoladas por certos historiadores em umagregado heterclito de africanismos; essa viso, obviamente, no correspondequela dos autores da presente obra. Aqui, a resistncia dos escravos deportadospara a Amrica, o fato tocante ao marronage [fuga ou clandestinidade] polticoe cultural, a participao constante e massiva dos afrodescendentes nas lutas daprimeira independncia americana, bem como nos movimentos nacionais delibertao, esses fatos so justamente apreciados pelo que eles realmente foram:vigorosas afirmaes de identidade que contriburam para forjar o conceitouniversal de humanidade. hoje evidente que a herana africana marcou, maisou menos segundo as regies, as maneiras de sentir, pensar, sonhar e agir decertas naes do hemisfrio ocidental. Do sul dos Estados-Unidos ao norte doBrasil, passando pelo Caribe e pela costa do Pacfico, as contribuies culturaisherdadas da frica so visveis por toda parte; em certos casos, inclusive, elasconstituem os fundamentos essenciais da identidade cultural de alguns doselementos mais importantes da populao.2 Doze nmeros dessa srie foram publicados; eles tratam respectivamente sobre: no 1 O povoamento do Egito antigo e a decodificao da escrita merotica; no 2 O trfico negreiro do sculo XV ao sculo XIX; no 3 Relaes histricas atravs do Oceano ndico; no 4 A historiografia da frica Meridional; no 5 A descolonizao da frica: frica Meridional e Chifre da frica [Nordeste da frica]; no 6 Etnonmias e toponmias; no 7 As relaes histricas e socioculturais entre a frica e o mundo rabe; no 8 A metodologia da histria da frica contempornea; no 9 O processo de educao e a historiografia na frica; no 10 A frica e a Segunda Guerra Mundial; no 11 Lbya Antiqua; no 12 O papel dos movimentos estudantis africanos na evoluo poltica e social da frica de 1900 a 1975. 23. XXIVfrica sob dominao colonial, 1880-1935Igualmente, essa obra faz aparecerem nitidamente as relaes da frica como sul da sia atravs do Oceano ndico, alm de evidenciar as contribuiesafricanas junto a outras civilizaes em seu jogo de trocas mtuas.Estou convencido que os esforos dos povos da frica para conquistar oureforar sua independncia, assegurar seu desenvolvimento e consolidar suasespecificidades culturais devem enraizar-se em uma conscincia histrica reno-vada, intensamente vivida e assumida de gerao em gerao.Minha formao pessoal, a experincia adquirida como professor e, desdeos primrdios da independncia, como presidente da primeira comisso criadacom vistas reforma dos programas de ensino de histria e de geografia decertos pases da frica Ocidental e Central, ensinaram-me o quanto era neces-srio, para a educao da juventude e para a informao do pblico, uma obrade histria elaborada por pesquisadores que conhecessem desde o seu interioros problemas e as esperanas da frica, pensadores capazes de considerar ocontinente em sua totalidade.Por todas essas razes, a UNESCO zelar para que essa Histria Geral dafrica seja amplamente difundida, em numerosos idiomas, e constitua baseda elaborao de livros infantis, manuais escolares e emisses televisivas ouradiofnicas. Dessa forma, jovens, escolares, estudantes e adultos, da fricae de outras partes, podero ter uma melhor viso do passado do continenteafricano e dos fatores que o explicam, alm de lhes oferecer uma compreensomais precisa acerca de seu patrimnio cultural e de sua contribuio ao pro-gresso geral da humanidade. Essa obra deveria ento contribuir para favorecera cooperao internacional e reforar a solidariedade entre os povos em suasaspiraes por justia, progresso e paz. Pelo menos, esse o voto que manifestomuito sinceramente.Resta-me ainda expressar minha profunda gratido aos membros do ComitCientfico Internacional, ao redator, aos coordenadores dos diferentes volu-mes, aos autores e a todos aqueles que colaboraram para a realizao destaprodigiosa empreitada. O trabalho por eles efetuado e a contribuio por elestrazida mostram com clareza o quanto homens vindos de diversos horizontes,conquanto animados por uma mesma vontade e igual entusiasmo a servio daverdade de todos os homens, podem fazer, no quadro internacional oferecidopela UNESCO, para lograr xito em um projeto de tamanho valor cientficoe cultural. Meu reconhecimento igualmente estende-se s organizaes e aosgovernos que, graas a suas generosas doaes, permitiram UNESCO publi-car essa obra em diferentes lnguas e assegurar-lhe a difuso universal que elamerece, em prol da comunidade internacional em sua totalidade. 24. Apresentao do Projetopelo Professor Bethwell Allan OgotPresidente do Comit Cientfico Internacionalpara a redao de uma Histria Geral da fricaA Conferncia Geral da UNESCO, em sua dcima sexta sesso, solicitouao Diretor-geral que empreendesse a redao de uma Histria Geral da frica.Esse considervel trabalho foi confiado a um Comit Cientfico Internacionalcriado pelo Conselho Executivo em 1970.Segundo os termos dos estatutos adotados pelo Conselho Executivo daUNESCO, em 1971, esse Comit compe-se de trinta e nove membros res-ponsveis (dentre os quais dois teros africanos e um tero de no-africanos),nomeados pelo Diretor-geral da UNESCO por um perodo correspondente durao do mandato do Comit.A primeira tarefa do Comit consistiu em definir as principais caractersticasda obra. Ele definiu-as em sua primeira sesso, nos seguintes termos: Em que pese visar a maior qualidade cientfica possvel, a Histria Geralda frica no busca a exausto e se pretende uma obra de sntese queevitar o dogmatismo. Sob muitos aspectos, ela constitui uma exposiodos problemas indicadores do atual estdio dos conhecimentos e dasgrandes correntes de pensamento e pesquisa, no hesitando em assinalar,em tais circunstncias, as divergncias de opinio. Ela assim preparar ocaminho para posteriores publicaes. A frica aqui considerada como um todo. O objetivo mostrar asrelaes histricas entre as diferentes partes do continente, muito amide 25. XXVI frica sob dominao colonial, 1880-1935subdividido, nas obras publicadas at o momento. Os laos histricosda frica com os outros continentes recebem a ateno merecida e soanalisados sob o ngulo dos intercmbios mtuos e das influncias mul-tilaterais, de forma a fazer ressurgir, oportunamente, a contribuio dafrica para o desenvolvimento da humanidade. A Histria Geral da frica consiste, antes de tudo, em uma histria dasidias e das civilizaes, das sociedades e das instituies. Ela funda-menta-se sobre uma grande diversidade de fontes, aqui compreendidasa tradio oral e a expresso artstica. A Histria Geral da frica aqui essencialmente examinada de seu inte-rior. Obra erudita, ela tambm , em larga medida, o fiel reflexo damaneira atravs da qual os autores africanos vem sua prpria civilizao.Embora elaborada em mbito internacional e recorrendo a todos osdados cientficos atuais, a Histria ser igualmente um elemento capitalpara o reconhecimento do patrimnio cultural africano, evidenciandoos fatores que contribuem unidade do continente. Essa vontade emexaminar os fatos de seu interior constitui o ineditismo da obra e poder,alm de suas qualidades cientficas, conferir-lhe um grande valor deatualidade. Ao evidenciar a verdadeira face da frica, a Histria poderia,em uma poca dominada por rivalidades econmicas e tcnicas, proporuma concepo particular dos valores humanos.O Comit decidiu apresentar a obra, dedicada ao estudo sobre mais de 3milhes de anos de histria da frica, em oito volumes, cada qual compreen-dendo aproximadamente oitocentas pginas de texto com ilustraes (fotos,mapas e desenhos tracejados).Para cada volume designou-se um coordenador principal, assistido, quandonecessrio, por um ou dois codiretores assistentes.Os coordenadores dos volumes so escolhidos, tanto entre os membros doComit quanto fora dele, em meio a especialistas externos ao organismo, todoseleitos por esse ltimo, pela maioria de dois teros. Eles encarregam-se da ela-borao dos volumes, em conformidade com as decises e segundo os planosdecididos pelo Comit. So eles os responsveis, no plano cientfico, peranteo Comit ou, entre duas sesses do Comit, perante o Conselho Executivo,pelo contedo dos volumes, pela redao final dos textos ou ilustraes e, deuma maneira geral, por todos os aspectos cientficos e tcnicos da Histria. o Conselho Executivo quem aprova, em ltima instncia, o original definitivo.Uma vez considerado pronto para a edio, o texto remetido ao Diretor-Geral 26. Apresentao do Projeto XXVIIda UNESCO. A direo da obra cabe, dessa forma, ao Comit ou ao ConselhoExecutivo, nesse caso responsvel no nterim entre duas sesses do Comit.Cada volume compreende por volta de 30 captulos. Cada qual redigido porum autor principal, assistido por um ou dois colaboradores, caso necessrio.Os autores so escolhidos pelo Comit em funo de seu curriculum vitae.A preferncia concedida aos autores africanos, sob reserva de sua adequaoaos ttulos requeridos. Alm disso, o Comit zela, tanto quanto possvel, paraque todas as regies da frica, bem como outras regies que tenham mantidorelaes histricas ou culturais com o continente, estejam de forma equitativarepresentadas no quadro dos autores.Aps aprovao pelo coordenador do volume, os textos dos diferentes captu-los so enviados a todos os membros do Comit para submisso sua crtica.Ademais e finalmente, o texto do coordenador do volume submetido aoexame de um comit de leitura, designado no seio do Comit Cientfico Inter-nacional, em funo de suas competncias; cabe a esse comit realizar umaprofunda anlise tanto do contedo quanto da forma dos captulos.Ao Conselho Executivo cabe aprovar, em ltima instncia, os originais.Tal procedimento, aparentemente longo e complexo, revelou-se necessrio,pois permite assegurar o mximo de rigor cientfico Histria Geral da frica.Com efeito, houve ocasies nas quais o Conselho Executivo rejeitou origi-nais, solicitou reestruturaes importantes ou, inclusive, confiou a redao deum captulo a um novo autor. Eventualmente, especialistas de uma questo ouperodo especficos da histria foram consultados para a finalizao definitivade um volume.Primeiramente, uma edio principal da obra em ingls, francs e rabe serpublicada, posteriormente haver uma edio em forma de brochura, nessesmesmos idiomas.Uma verso resumida em ingls e francs servir como base para a traduoem lnguas africanas. O Comit Cientfico Internacional determinou quaisos idiomas africanos para os quais sero realizadas as primeiras tradues: okiswahili e o haussa.Tanto quanto possvel, pretende-se igualmente assegurar a publicao daHistria Geral da frica em vrios idiomas de grande difuso internacional(dentre os quais, entre outros: alemo, chins, italiano, japons, portugus, russo,etc.).Trata-se, portanto, como se pode constatar, de uma empreitada gigantescaque constitui um ingente desafio para os historiadores da frica e para a comu-nidade cientfica em geral, bem como para a UNESCO que lhe oferece sua 27. XXVIII frica sob dominao colonial, 1880-1935chancela. Com efeito, pode-se facilmente imaginar a complexidade de umatarefa tal qual a redao de uma histria da frica que cobre no espao, todoum continente e, no tempo, os quatro ltimos milhes de anos, respeitando,todavia, as mais elevadas normas cientficas e convocando, como necessrio,estudiosos pertencentes a todo um leque de pases, culturas, ideologias e tra-dies histricas. Trata-se de um empreendimento continental, internacional einterdisciplinar, de grande envergadura.Em concluso, obrigo-me a sublinhar a importncia dessa obra para a fricae para todo o mundo. No momento em que os povos da frica lutam para se unire para, em conjunto, melhor forjar seus respectivos destinos, um conhecimentoadequado sobre o passado da frica, uma tomada de conscincia no tocante aoselos que unem os Africanos entre si e a frica aos demais continentes, tudoisso deveria facilitar, em grande medida, a compreenso mtua entre os povosda Terra e, alm disso, propiciar sobretudo o conhecimento de um patrimniocultural cuja riqueza consiste em um bem de toda a Humanidade. Bethwell Allan Ogot Em 8 de agosto de 1979Presidente do Comit Cientfico Internacional para a redao de uma Histria Geral da frica 28. A frica diante do desafio colonial1CAPTULO 1A frica diante do desafio colonialAlbert Adu Boahen Na histria da frica jamais se sucederam tantas e to rpidas mudanascomo durante o perodo entre 1880 e 1935. Na verdade, as mudanas maisimportantes, mais espetaculares e tambm mais trgicas , ocorreram num lapsode tempo bem mais curto, de 1880 a 1910, marcado pela conquista e ocupao dequase todo o continente africano pelas potncias imperialistas e, depois, pela instau-rao do sistema colonial. A fase posterior a 1910 caracterizouse essencialmentepela consolidao e explorao do sistema. O desenvolvimento desse drama foi verdadeiramente espantoso, pois at1880 apenas algumas reas bastante restritas da frica estavam sob a dominaodireta de europeus. Em toda a frica ocidental, essa dominao limitavase szonas costeiras e ilhas do Senegal, cidade de Freetown e seus arredores (quehoje fazem parte de Serra Leoa), s regies meridionais da Costa do Ouro (atualGana), ao litoral de Abidjan, na Costa do Marfim, e de Porto Novo, no Daom(atual Benin), e ilha de Lagos (no que consiste atualmente a Nigria). Nafrica setentrional, em 1880, os franceses tinham colonizado apenas a Arglia.Da frica oriental, nem um s palmo de terra havia tombado em mos dequalquer potncia europeia, enquanto, na frica central, o poder exercido pelosportugueses restringiase a algumas faixas costeiras de Moambique e Angola.S na frica meridional que a dominao estrangeira se achava firmementeimplantada, estendendose largamente pelo interior da regio (ver figura 1.1). 29. 2 frica sob dominao colonial, 1880-1935figura 1.1 A frica em 1880, em vsperas da partilha e da conquista. 30. A frica diante do desafio colonial 3 At 1880, em cerca de 80% do seu territrio, a frica era governada porseus prprios reis, rainhas, chefes de cls e de linhagens, em imprios, reinos,comunidades e unidades polticas de porte e natureza variados. No entanto, nos trinta anos seguintes, assistese a uma transmutao extra-ordinria, para no dizer radical, dessa situao. Em 1914, com a nica exce-o da Etipia e da Libria, a frica inteira vse submetida dominao depotncias europeias e dividida em colnias de dimenses diversas, mas de modogeral, muito mais extensas do que as formaes polticas preexistentes e, muitasvezes, com pouca ou nenhuma relao com elas. Nessa poca, alis, a frica no assaltada apenas na sua soberania e na sua independncia, mas tambm emseus valores culturais. Como Ferhat Abbas salientava em 1930, a propsito da colonizao daArglia pelos franceses, para a Frana a colonizao constitui apenas uma empreitada militar e econmica, posteriormente defendida por um regime administrativo apropriado; para os argelinos, contudo, uma verdadeira revoluo, que vem transtornar todo um antigo mundo de crenas e ideias, um modo secular de existncia. Coloca todo um povo diante de sbita mudana. Uma nao inteira, sem estar preparada para isso, vse obrigada a se adaptar ou, se no, sucumbir. Tal situao conduz necessariamente a um desequil- brio moral e material, cuja esterilidade no est longe da desintegrao completa1. Essas observaes sobre a natureza do colonialismo valem no s para acolonizao francesa da Arglia mas para toda a colonizao europeia da frica,sendo as diferenas de grau e no de gnero, de forma e no de fundo. Em outraspalavras, durante o perodo entre 1880 e 1935, a frica teve de enfrentar umdesafio particularmente ameaador: o desafio do colonialismo. Grau de preparao dos africanos Qual foi a atitude dos africanos perante a irrupo do colonialismo, que trazconsigo to fundamental mutao na natureza das relaes existentes entre elese os europeus nos trs ltimos sculos? Eis uma questo ainda no estudadaem profundidade pelos historiadores, tanto africanos como europeus, que, noentanto, precisa ser respondida. E a resposta clara e inequvoca: na sua esma-gadora maioria, autoridades e dirigentes africanos foram profundamente hostis1 ABBAS, 1931, p. 9, apud BERQUE, captulo 24 deste volume. 31. 4 frica sob dominao colonial, 1880-1935a essa mudana e declararamse decididos a manter o status quo e, sobretudo, aassegurar sua soberania e independncia, pelas quais praticamente nenhum delesestava disposto a transigir, por menos que fosse. Tal resposta pode ser encontradanas declaraes dos dirigentes africanos da poca. Em 1891, quando os britnicos ofereceram proteo a Prempeh I, rei dosAshanti, na Costa do Ouro (atual Gana), ele replicou: A proposta para o pas Ashanti, na presente situao, colocarse sob a proteo de Sua Majestade, a Rainha e Imperatriz da ndia, foi objeto de exame aprofundado, mas me permitam dizer que chegamos seguinte concluso: meu reino, o Ashanti, jamais aderir a uma tal poltica. O pas Ashanti deve continuar a manter, como at agora, laos de amizade com todos os brancos. No por ufanismo que escrevo isto, mas tendo clareza do significado das palavras [...]. A causa dos Ashanti progride, e nenhum Ashanti tem a menor razo para se preocupar com o futuro ou para acreditar, por um s instante, que as hostilidades passadas tenham prejudicado a nossa causa2. Em 1895, Wogobo, o Moro Naba, ou rei dos Mossi (na atual Repblica doAlto Volta), declarou ao oficial francs, capito Destenave: Sei que os brancos querem me matar para tomar o meu pas, e, ainda assim, voc insiste em que eles me ajudaro a organizlo. Por mim, acho que meu pas est muito bem como est. No preciso deles. Sei o que me falta e o que desejo: tenho meus prprios mercadores; considerese feliz por no mandar cortarlhe a cabea. Parta agora mesmo e, principalmente, no volte nunca mais3.Em 1883, LatDior, o damel de Cayor (no atual Senegal), de quem se voltar afalar no captulo 6, em 1890, Machemba, chefe dos Yao de Tanganica (atual Tan-znia), citado mais adiante, no captulo 3, e Hendrik Wittboi, um dos soberanosda regio que hoje constitui a Nambia, tambm referido no captulo 3, tiverama mesma atitude em face do colonizador. Mas um dos ltimos e mais fascinantestestemunhos que gostaramos de citar aqui o emocionante apelo lanado emabril de 1891 por Menelik, imperador da Etipia, rainha Victoria, da Inglaterra.A mesma mensagem foi enviada aos dirigentes da Frana, Alemanha, Itlia eRssia. Neste apelo Menelik definia primeiramente as fronteiras que eram entoas da Etipia e expressando ambies expansionistas pessoais declarava ainteno de restabelecer as antigas fronteiras da Etipia at Khartum e o lagoNiza, a includos todos os territrios de Galla, acrescentando:2 Apud FYNN, 1971, p. 434.3 Apud CROWDER, 1968, p. 97. 32. A frica diante do desafio colonial5 No tenho a menor inteno de ser um espectador indiferente, caso ocorra a potn- cias distantes dividir a frica, pois a Etipia h quatorze sculos tem sido uma ilha crist num mar de pagos. Dado que o TodoPoderoso at agora tem protegido a Etipia, tenho a esperana de que continuar a protegla e a engrandecla e no penso sequer um instante que Ele permita que a Etipia seja dividida entre outros Estados. Antigamente, as fronteiras da Etipia eram o mar. No tendo recorrido fora nem recebido ajuda dos cristos, nossas fronteiras martimas caram em mos dos muulmanos. No abrigamos hoje a pretenso de recuperlas pela fora, mas esperamos que as potncias crists, inspiradas por nosso Salvador, Jesus Cristo, as devolvam a ns ou nos concedam pelo menos alguns pontos de acesso ao mar4. Quando, apesar deste apelo, os italianos lanaram sua campanha contra aEtipia, com a conivncia do Reino Unido e da Frana, Menelik proclamou denovo, em 17 de setembro de 1895, uma ordem de mobilizao na qual declarava: Os inimigos vm agora se apoderar de nosso pas e mudar nossa religio [...]. Nossos inimigos comearam a avanar abrindo caminho na terra como toupeiras. Com a ajuda de Deus, no lhes entregarei meu pas [...]. Hoje, que os fortes me emprestem sua fora e os fracos me ajudem com suas oraes5.Essas so as respostas textuais dos homens que tiveram de fazer frente ao colonia-lismo: elas mostram, incontestavelmente, sua determinao em oporse aos europeuse em defender sua soberania, sua religio e seu modo de vida tradicional.Tambm deixam claro que esses dirigentes tinham a certeza de estar prepa-rados para enfrentar os invasores europeus, alis, com razo. No tinham elesplena confiana em sua magia, nos antepassados e, certamente, em seus deuses(ou deus), que no deixariam de vir em sua ajuda? Muitos deles, em vsperasdos confrontos fsicos reais, recorreram s oraes, aos sacrifcios ou s poese feitios. Como registrou Elliot P. Skinner: Os Mossi de modo geral acreditam que, quando os franceses atacaram Uagadugu, o Moro Naba Wogobo, deposto, ofereceu sacrifcios s divindades da terra. Conforme a tradio, sacrificou um galo preto, um carneiro preto, um burro preto e um escravo negro numa elevada colina, perto do Volta Branco, implorando deusa da terra que4 ASMAI, Arquivos do Ministerio degli Affari Esteri (Roma), Ethiopia Poso 36/13109 Menelik to Queen Victoria, Adis Abeba, 14 Miazia, 1883, documento acrescentado a Tarnielli to MAE, Londres, 6 de agosto de 1891.5 Apud MARCUS, 1975, p. 160. 33. 6 frica sob dominao colonial, 1880-1935 repelisse os franceses e aniquilasse o traidor Mazi, que eles tinham colocado no trono6.Como se ver em muitos dos captulos seguintes, a religio foi efetivamenteuma das armas empregadas contra o colonialismo. Alm disso, vrios dirigentesafricanos s tinham conseguido edificar seus imprios, de propores variveis,poucos decnios antes, e alguns estavam ainda em vias de alargar ou de restaurarseu reino. Muitos poderiam ter defendido sua soberania, apoiados pelos sditos,utilizando as armas e as tticas tradicionais. Alguns, como Samori Tour, chefedo imprio Manden, da frica ocidental, ou Menelik, da Etipia, tinham atmesmo conseguido modernizar seus exrcitos. Nessas condies, no viam porque no estariam aptos a preservar sua soberania e pensavam poder desfazeros planos dos invasores usando a diplomacia. Conforme veremos, em 1889, nomomento em que Cecil Rhodes se aprestava para ocupar o pas dos Ndebele,o rei destes, Lobengula, enviou uma delegao a Londres para se avistar com arainha Victoria; em 1896, quando o exrcito dos invasores britnicos avanavaem direo a Kumasi para prender Prempeh, que, cinco anos antes, rejeitara aoferta de proteo do Reino Unido, este manda uma misso diplomtica dotadade amplos poderes junto rainha Victoria; como vimos, Menelik tinha feitoapelo anlogo a esta mesma soberana, assim como a outros chefes de Estadoeuropeus.Fica tambm evidente, com a leitura de algumas citaes aqui feitas, que nume-rosos dirigentes africanos, de fato, acolheram muito favoravelmente as inovaes quecom regularidade foram sendo introduzidas depois do primeiro tero do sculo XIX,pois at ento elas no tinham feito pesar nenhuma ameaa sobre sua soberania eindependncia. Na frica ocidental, por exemplo, os missionrios fundaram, emSerra Leoa, j em 1826, o Fourah Bay College, assim como escolas primrias eduas escolas secundrias, uma na Costa do Ouro e a outra na Nigria, nos anosde 1870. O panafricanista antilhano Edward Wilmot Blyden chegara mesmoa lanar um apelo a favor da criao de uma universidade na frica ocidental.Africanos ricos, em 1887, comeavam a enviar os filhos para a Europa paraprosseguir os estudos e receber uma formao profissional. Podemos citar, apropsito, o caso de John Mensah Sarbah, que voltou para a Costa do Ourocom todos os seus diplomas de jurista.Mais ainda, aps a abolio do hediondo trfico de escravos, os africanostinham se mostrado capazes de se adaptar a um sistema econmico baseado6 SKINNER, E. P., 1964, p. 133. Ver tb. ISICHEI, 1977, p. 181. 34. A frica diante do desafio colonial 7na exportao de produtos agrcolas: leo de palma na Nigria, amendoim noSenegal e na Gmbia, antes de 1880; na Costa do Ouro, o cacau foi reintrodu-zido em 1879 por Tetteh Quashie, vindo de Fernando P. Todas essas trans-formaes se produziram sem controle europeu direto, salvo em alguns bolsescosteiros. Quanto aos africanos ocidentais que, em nmero bem reduzido, setinham beneficiado de uma educao europeia, gozavam de situao bastanteinvejvel no incio dos anos de 1880. Dominavam a administrao, onde ocu-pavam os raros postos existentes oferecidos pelas administraes europeias; nacosta, alguns deles dirigiam as prprias empresas de importao e exportao eexerciam o monoplio sobre a distribuio dos produtos importados. Na fricaoriental que a influncia europeia era ainda mnima, embora, aps as viagensmemorveis de Livingstone e de Stanley, bem como a subsequente propagandadas sociedades missionrias, a chegada das igrejas, das escolas e, depois, dasestradas e das ferrovias fosse simples questo de tempo.Os africanos no viam, portanto, nenhuma necessidade de modificar radical-mente suas relaes seculares com a Europa, certos de que, se os europeus qui-sessem lhes impor mudanas pela fora e avanar em suas terras, conseguiriambarrarlhes o caminho, tal como vinham fazendo h dois ou trs sculos. Daesse tom de confiana, se no de desafio, perceptvel nas palavras j citadas.No entanto um fato escapava aos africanos: em 1880, graas ao desenvol-vimento da revoluo industrial na Europa e ao progresso tecnolgico queela acarretara inveno do navio a vapor, das estradas de ferro, do telgrafoe sobretudo da primeira metralhadora, a Maxim , os europeus que eles iamenfrentar tinham novas ambies polticas, novas necessidades econmicas etecnologia relativamente avanada. Por outras palavras, os africanos no sabiamque o tempo do livrecambismo e do controle poltico oficioso cedera lugar,conforme diz Basil Davidson, era do novo imperialismo e dos monoplioscapitalistas rivais 7.Os europeus j no queriam apenas trocar bens, mas exercer controle polticodireto sobre a frica. Alm disso, os dirigentes africanos no sabiam que asespingardas que eles usavam e armazenavam at ento, de carregar pela boca (osfranceses tomaram 21365 espingardas dos Baule da Costa do Marfim, depoisde esmagada a sua ltima revolta, em 1911)8, estavam inteiramente fora demoda, no podendo ser comparadas aos novos fuzis dos europeus, de carregarpela culatra, com cadncia de tiro quase dez vezes superior e carga seis vezes7 DAVIDSON, B., 1978a, p. 19.8 WEISKEL, 1980, p. 203. 35. 8frica sob dominao colonial, 1880-1935mais forte, nem s novas metralhadoras Maxim, ultra rpidas (ver figura 1.2). rO poeta ingls Hilaire Belloc resume bem a situao: Acontea o que acontecer, ns temos a metralhadora, e eles no9.Foi a que os dirigentes africanos cometeram um erro de clculo, que, emnumerosos casos, teve consequncias trgicas. Como veremos, todos os chefescitados, com exceo de apenas um, foram vencidos e perderam a soberania.Alm disso, LatDior foi morto; Prempeh, Behanzin e Cetshwayo, rei dosZulus, foram exilados; Lobengula, chefe dos Ndebele, morreu em fuga. ApenasMenelik, como veremos em captulo posterior, conseguiu vencer os invasoresitalianos, preservando assim sua soberania e independncia. Estrutura do volume VII evidente, portanto, que as relaes entre africanos e europeus se modi-ficaram radicalmente e que a frica teve de enfrentar, entre 1880 e 1935, ogrande desafio do colonialismo. Quais foram as origens desse fantstico desafio,o colonialismo? Em outras palavras, por que e como as relaes existentes haviatrs sculos entre a frica e a Europa sofreram uma reviravolta to drstica eto fundamental durante esse perodo? Como que se instalou o sistema colonialna frica e que medidas polticas e econmicas, psicolgicas e ideolgicas foramadotadas para sustentar esse sistema? At que ponto a frica estava preparadapara enfrentar tal desafio, como que o enfrentou e com que resultado? Entre asinovaes, quais as que foram aceitas e quais as rejeitadas? Que que subsistiu doantigo sistema e que elementos foram destrudos? Que adaptaes, que arranjosforam feitos? Quantas instituies foram abaladas e quantas se desintegraram?Quais os efeitos de todos esses fenmenos sobre a frica, seus povos, suas estru-turas e instituies polticas, sociais e econmicas? Enfim, qual foi o significadodo colonialismo para a frica e sua histria? a tais questes que este volumeprocurar responder.Com esse fim em vista, bem como com o propsito de explicar as iniciativase reaes africanas em face do desafio colonial, dividimos este volume, parteos dois primeiros captulos, em trs grandes sees. Cada uma precedida porum captulo (3, 13, 22), onde apresentamos um apanhado geral do tema daseo, visto de uma perspectiva africana global; depois, nos captulos seguintes,9 Apud PERHAN, 1961, p. 32. 36. A frica diante do desafio colonialFigura 1.2 A guerra dos Ashanti, em 1896 (Costa do Ouro): o invasor britnico equipado com metralhadora Maxim. (Fonte: Muse de lHomme). 9 37. 10frica sob dominao colonial, 1880-1935abordamos o mesmo tema do ponto de vista regional. A seo introdutria, quecompreende o presente captulo e o que se segue, estuda as atitudes dos africanose seu grau de preparao em vsperas da transmutao fundamental que se dnas relaes entre a frica e os europeus, bem como os motivos da partilha,da conquista e da ocupao da frica pelas potncias imperialistas europeias.Convm realar, pois frequentemente se ignora, que a fase da conquista efetivafoi precedida por anos de negociaes entre essas potncias e os dirigentesafricanos e por colquios que redundaram em tratados. Cumpre insistir nessafase de negociaes, pois ela mostra que as potncias europeias originalmenteaceitavam a contraparte africana como igual e reconheciam a soberania e aindependncia das sociedades e dos Estados africanos.A segunda seo trata das iniciativas e reaes africanas diante da conquistae da ocupao do continente, tema grosseiramente deturpado ou inteiramenteignorado, at os anos de 1960, pela escola colonial da historiografia africana.Para os membros dessa escola, tais como H. H. Johnston, sir Alan Burns e, maisrecentemente, Margery Perham, Lewis H. Gann e Peter Duignan10, os africanosteriam de fato acolhido favoravelmente a dominao colonial, j que ela no sos preservava da anarquia e das guerras civis mas tambm lhes trazia algumasvantagens concretas. Citemos, a esse respeito, Margery Perham: A maioria das tribos aceitou rapidamente a dominao europeia, considerando que ela fazia parte de uma ordem irresistvel, da qual podiam extrair numerosas vanta- gens, essencialmente a paz, e inovaes apaixonantes: ferrovias e estradas, lmpadas, bicicletas, arados, culturas e alimentos novos e tudo o que podia ser adquirido ou provado nas cidades. Essa dominao trouxe s classes dirigentes tradicionais ou recmcriadas maior autoridade e segurana, bem como novas formas de riqueza e de poder. Por muito tempo, apesar da extrema perplexidade que estas provocaram, as revoltas foram bastante raras, e no parece que a dominao tenha sido sentida como uma indignidade11. Semelhantes ideias tambm se refletem no uso de termos eurocntricos, taiscomo pacificao, Pax Britannica e Pax Gallica, que descrevem a conquista ea ocupao da frica entre 1880 e 1914. Os historiadores que dedicaram certointeresse ao assunto s o mencionaram, por assim dizer, de passagem. Na obra Ashort history of Africa, publicada em 1962, uma das primeiras anlises modernasrealmente srias da histria da frica, os historiadores ingleses Roland Oliver e10 JOHNSTON, H. H., 1899, 1913; BURNS, 1957; PERHAM, 1960a; GANN & DUIGNAN, 1967.11 PERHAM, 1960a, p. 28. 38. A frica diante do desafio colonial 11J. D. Fage consagram apenas um pargrafo ao que eles chamam de resistnciatenaz dos africanos, num captulo de quatorze pginas dedicado ao que depoisse conheceu como corrida europeia s colnias africanas. para corrigir essafalsa interpretao da escola colonial, para restabelecer os fatos e dar relevo perspectiva africana que resolvemos destinar sete captulos ao tema das inicia-tivas e reaes africanas.Verse neles que no h nenhuma evidncia em apoio tese segundo a qualos africanos teriam acolhido com entusiasmo os soldados invasores e rapida-mente aceitado a dominao colonial. Na realidade, as reaes africanas foramexatamente o inverso. Est bem claro que os africanos s tinham duas opes:ou renunciar sem resistncia soberania e independncia, ou defendlas aqualquer custo. muito significativo que a maioria dos dirigentes africanos,como ser amplamente demonstrado neste volume, tenha optado sem hesitarpela defesa da sua soberania e independncia, a despeito das estruturas polticase socioeconmicas de seus Estados e das mltiplas desvantagens que sofriam.De um lado, a superioridade do adversrio, de outro, a bravia determinao deresistir a todo preo esto traduzidas no baixorelevo reproduzido na sobrecapadesta obra. Esse baixorelevo, pintado numa das paredes do palcio dos reis doDaom, em Abomey, mostra um africano armado de arco e flecha, barrandodesafiadoramente o caminho a um europeu armado com uma pistola.John D. Hargreaves coloca esta interessante questo em artigo recente:Dadas as diversas atitudes possveis da parte dos invasores europeus, os dirigentesafricanos podiam escolher entre vrias opes. No nmero das vantagens de curtoprazo que lhes ofereciam os tratados ou a colaborao com os europeus, estava nos o acesso s armas de fogo e aos bens de consumo, mas ainda a possibilidade deconquistar para a sua causa aliados poderosos, que os ajudariam em suas disputasexternas ou internas. Ento, por que motivo tantos Estados africanos rejeitaram essasoportunidades, preferindo resistir aos europeus nos campos de batalha?12. A resposta pode parecer enigmtica, mas somente para os que encaram oproblema do ponto de vista eurocntrico. Para o africano, o que estava em jogo,na verdade, no era esta ou aquela vantagem a curto ou a longo prazo, massua terra e sua soberania. precisamente por essa razo que quase todas associedades africanas centralizadas ou no optaram mais cedo ou mais tardepor manter, defender ou recuperar sua soberania; no podiam aceitar nenhumcompromisso que a pusesse em risco, e, de fato, foram numerosos os chefes que12 HARGREAVES, 1969, p. 2056. 39. 12frica sob dominao colonial, 1880-1935preferiram morrer no campo de batalha, exilarse voluntariamente ou ser des-terrados pela fora a renunciar sem combate soberania de seu pas.Assim, os dirigentes africanos, na sua maioria, optaram pela defesa de suasoberania e independncia, diferindo nas estratgias e nas tticas adotadas paraalcanar esse objetivo comum. A maior parte deles escolheu a estratgia doconfronto, recorrendo s armas diplomticas ou s militares, quando no empre-gando as duas, como foi o caso de Samori Tour e Kabarega (de Bunyoro),que veremos mais adiante; j Prempeh e Mwanga (de Buganda) recorreramexclusivamente diplomacia. Outros, como Tofa, de Porto Novo (no atualBenin), adotaram a estratgia da aliana ou da cooperao, mas no a colabo-rao. Cumpre insistir nesta questo da estratgia, pois ela foi grosseiramentedesfigurada at o presente, de forma que j se classificaram alguns soberanosafricanos como colaboradores, qualificando sua atividade como colaborao.Somos contrrios ao emprego do termo colaborao, pois, alm de inexato, pejorativo e eurocntrico. Conforme j vimos, a soberania era o problema fun-damental em jogo entre os anos de 1880 e 1900 para os dirigentes africanos e,quanto a isso, est bem claro que nenhum deles se prestava a fazer acordos. Osdirigentes africanos qualificados erroneamente como colaboradores eram aque-les que estimavam que a melhor maneira de preservar sua soberania ou mesmode recuperar a soberania acaso perdida em proveito de alguma potncia africana,antes da chegada dos europeus, no consistia em colaborar, mas antes em se aliaraos invasores europeus. Por colaborador entendese seguramente aquele que traia causa nacional unindose ao inimigo para defender os alvos e objetivos desteltimo ao invs dos interesses de seu prprio pas. Ora, como j vimos, todosos africanos se viam confrontados com o problema de abandonar, conservar ourecuperar sua soberania. Tal era o objetivo daqueles que ligaram sua sorte doseuropeus, sendo inteiramente falso qualificlos de colaboradores.Seja como for, depois da Segunda Guerra Mundial, o termo colaboradorganhou sentido pejorativo, e interessante notar que certos historiadores que oempregam tm conscincia disso. R. Robinson, por exemplo, declara: Convmsublinhar que o termo [colaborador] no utilizado em sentido pejorativo 13.Se h o risco de o termo assumir tal sentido, por que empreglo ento, emespecial no caso da frica, em que particularmente inexato? Por que no usara palavra aliado, bem mais conveniente? Assim, Tofa, rei dos Gun de PortoNovo, sempre citado como um exemplo tpico de colaborador. Mas s-loia13 ROBINSON, R., 1972, p. 120. 40. A frica diante do desafio colonial13na verdade? Como Hargreaves claramente mostrou14, Tofa tinha de enfrentartrs diferentes inimigos no momento da chegada dos franceses: os Yoruba, anordeste, os reis Fon do Daom, ao norte, e os britnicos, na costa, de modoque, com certeza, considerou a chegada dos franceses um presente dos cus, umaoportunidade no s para preservar sua soberania, mas at para obter algumasvantagens custa de seus inimigos. Era, pois, natural que Tofa quisesse aliarseaos franceses, e no colaborar com eles. S historiadores sem conscincia dosproblemas que Tofa tinha de enfrentar naquela poca ou que negam ao afri-cano toda iniciativa ou o conhecimento de seus prprios interesses, ou aindaaqueles que encaram a matria de uma perspectiva eurocntrica, que o classi-ficam como colaborador. Alm do mais, o fato de esses pretensos colaboradores,amide prontos a se aliar aos europeus, muitas vezes, mais tarde, oporemlhesresistncia lutando contra eles outra prova da inexatido do termo: Wogobo,rei dos Mossi, LatDior, o damel de Cayor, e o prprio grande Samori Tourso exemplos do absurdo total do qualificativo.Afinal de contas, s historiadores realmente ignorantes da situao polticae etnocultural da frica em vsperas da conquista e da partilha europeias ouque tenham a respeito opinies simplistas usam esse termo. Partem da hiptesede que, a exemplo de muitos pases europeus, os pases africanos so habitadospelo mesmo grupo etnocultural ou pela mesma nao e, portanto, todo segmentoda populao que se alie a um invasor justifica a denominao de colaborador;mas, na frica, nenhum pas, nenhuma colnia, nenhum imprio era povoadopor um s grupo tnico. Todos os pases e imprios contavam numerosas naesou grupos etnoculturais to diferentes uns dos outros como os italianos o so,por exemplo, dos alemes ou dos franceses. Alm disso, antes da chegada dosinvasores europeus, as relaes entre esses diferentes grupos eram muito fre-quentemente hostis, sendo, alis, possvel que alguns estivessem sob o domniode outros. Chamar de colaboradores esses grupos subjugados ou hostis porqueoptaram por se juntar aos invasores europeus para lutar contra seus inimigos ousenhores estranhos no compreender nada da questo. Na verdade, como sepoder constatar em certos captulos deste volume, a natureza das reaes afri-canas colonizao foi determinada no s pela situao poltica e etnoculturalcom que se defrontavam os povos africanos, mas tambm pela prpria naturezadas foras socioeconmicas presentes em cada sociedade poca do confronto,bem como da sua organizao poltica.14 HARGREAVES, 1969, p. 2146. 41. 14frica sob dominao colonial, 1880-1935Muitos historiadores europeus tm condenado os opositores por roman-tismo e falta de perspiccia, louvando, ao contrrio, o progressismo e a cla-rividncia dos colaboradores. Segundo os termos empregados por Oliver eFage em 1962: Se [os dirigentes africanos] fossem perspicazes e beminformados, mais particular- mente, se tivessem acesso a conselheiros estrangeiros, como missionrios ou comer- ciantes, poderiam compreender muito bem que nada teriam a ganhar resistindo, mas, pelo contrrio, muito ganhariam negociando. Se fossem menos clarividentes, tivessem menos sorte ou fossem menos bem aconselhados, perceberiam que seus inimigos tradicionais estavam do lado do invasor e adotariam ento uma atitude de resistncia que facilmente podia terminar numa derrota militar, na deposio do chefe, na perda de territrios em proveito dos aliados autctones da potncia ocu- pante, talvez pela fragmentao poltica da sociedade ou do Estado [...] Tal como no tempo do trfico de escravos, havia ganhadores e perdedores e encontravamse representantes de ambos nos confins de cada territrio colonial15.Ronald E. Robinson e John Gallagher tambm descreveram a oposio oua resistncia como lutas romnticas de reao contra a realidade, protestosapaixonados de sociedades traumatizadas pela nova era de mudanas e que nose aquietavam 16.Mas essas opinies so muito discutveis. A dicotomia entre resistncia e oque se pretende por colaborao no apenas mecnica, mas pouco convincente.Certamente que houve ganhadores e perdedores durante o trfico de escravos,mas, desta vez, no havia ganhadores. Os assim chamados colaboradores, talqual os que resistiram, acabaram por perder, e interessante notar que so osdirigentes classificados como romnticos e intratveis que ainda so lembrados,tendo se tornado fonte de inspirao para os nacionalistas de hoje17. Concordointeiramente com a concluso de Robert I. Rotberg e Ali A. Mazrui, segundoa qual no se pode dizer que a introduo das normas e do poder dos ocidentais, bem como dos controles e coeres de que vinham acompanhados, foi questionada em todas as partes da frica pelos povos afetados18.15 OLIVER & FAGE, 1962, 1970, p. 203.16 ROBINSON, R. E. & GALLAGHER, J., 1962, p. 63940.17 Para um estudo mais detalhado do problema, ver BOAHEN, Towards a new cathegorization and perio-dization of Africa responses and reactions to colonialism, em que se baseiam partes deste captulo.18 ROTBERG & MAZRUI, eds., 1970, p. xviii. 42. A frica diante do desafio colonial 15No entanto, qualquer que tenha sido a estratgia dos pases africanos, nenhumdeles, com exceo da Libria e da Etipia, conseguiu preservar sua soberania,por motivos que examinaremos em seguida: no incio da Primeira Guerra Mun-dial, que marca o fim da primeira seo deste volume, a frica havia tombadosob o jugo colonial. No captulo 11, veremos como e por que os liberianos e osetopes fizeram frente ao colonialismo.Qual foi a ao poltica, social e econmica das potncias coloniais em suasnovas possesses, aps o interldio da Primeira Guerra Mundial? Essa questoser respondida na segunda seo do volume. Os diversos mecanismos polticoscriados para administrar as colnias e as ideologias que os embasam foram satis-fatoriamente estudados em numerosas obras sobre o colonialismo na frica19,de modo que consagramos a esse tema apenas um captulo. Em compensao,estudaremos com bastante ateno para contrabalanar as teorias da escolacolonial os aspectos socioeconmicos do sistema colonial e sua incidncia sobrea frica. Verse, nesses captulos, que o perodo que vai do fim da PrimeiraGuerra Mundial a 1935 qualificado por certos historiadores contemporneoscomo de apogeu do colonialismo foi marcado pela instalao de uma infraes-trutura rodoviria e ferroviria, assim como pelo engodo de uma certa evoluosocial, por causa da abertura de escolas primrias e secundrias. No entanto, oobjetivo essencial das autoridades coloniais continuava a ser a explorao dosrecursos africanos, fossem animais, vegetais ou minerais, em benefcio exclu-sivo das potncias metropolitanas, principalmente de suas empresas comerciais,mineiras e financeiras. Um captulo dessa seo para o qual gostaramos de pedirateno especial o que trata dos aspectos demogrficos da dominao colonial,tema em geral ausente das pesquisas consagradas ao colonialismo na frica.Quais foram as iniciativas e as reaes dos africanos em face da consoli-dao do colonialismo e da explorao do seu continente? Essa questo serrespondida na terceira seo deste volume