historia direito_texto 1+plano curso

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j ,4. CONSl ELHO EDITORIAL DA COLEÇÃO "BIBLIOTECA DE HISTÓRIA DO DIREITO"; Pr Qf. Amdrei Koe mer (UNICAMP) Prof Amtonio,Carlos W.olk mer (l.JFSC) Prof. Manuel Martínez Nei ra (Universidad Carlos ll1 de Madrid) Prof .A i.r1on Cerqueir.i l.,eite Seelaender (UFSC) Prof. Massimo Mecca rell i (UniversiProf. Ai: no Dai Ri Júnior (UFSC) degli Scudi di Macernta) Pr of . l berlo Bercovici (USP e Mackenzie) Pr of. José Ramón Narváez {Universidad Nacional Autonoma do Méx ico) Prof'. JoseB Nunes Mendonçâ (UFPR) Pr of. tui$ lfernando Lopes Pereira (UFPR) Prof . Pao lo Cappellini (U niversità degli Stadi di Firenzc} Pr of. Samuel Rodrigues Barbosa (USP) Prof. Sergio Sa id Staul Jr. (UFPR) Prof". Sílvia Hunold Lara (UNICAMP) Coordenador: Prof. Ricardo Marcelo Fonseca (UFPR) ISBN: 978-85-362-3165-5 Av. Munho;>; da Roçha, 143 - f one: (4 1) 3352-3900 Fax: (41) 3252- 1 31 1 - CEP: 80.030-4 75 - Curitiba Pamná - Brnsil Editor: José Ernani de Carvalho Pacheco Costa, Pietro. C837 Soberania, representação, democracia: ensaios de hist ória do pensamento jurídico./ P ietro Costa./ Curi- tiba: forná, 20 l O. 304p. (Bib li oteca de Históiia do Direito) 1. Democracia. 2. Soberania. 3. Direito - Fi losofia. 1. Título. .. CDD 340.1 (22.ed) CDU 340.I Visite nossos sites na internet: www.jurua.com.br e www.editorialjurua. com

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HISTORIA DIREITO_TEXTO 1+PLANO CURSO

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CONSlELHO EDITORIAL DA COLEÇÃO "BIBLIOTECA DE HISTÓRIA DO DIREITO";

PrQf. Amdrei Koemer (UNICAMP)

Prof Amtonio,Carlos W.olkmer (l.JFSC)

Prof. Manuel Martínez Neira (Universidad

Carlos ll1 de Madrid)

Prof .Ai.r1on Cerqueir.i l.,eite Seelaender (UFSC) Prof. Massimo Meccarell i (Università

Prof. Ai:no Dai Ri Júnior (UFSC) degli Scudi di Macernta)

Prof. Gílberlo Bercovici (USP e Mackenzie)

Prof. José Ramón Narváez {Universidad

Nacional Autonoma do México)

Prof'. JoseB Nunes Mendonçâ (UFPR)

Prof. tui$ lfernando Lopes Pereira (UFPR)

Prof. Paolo Cappell ini (Università degli Stadi di Firenzc}

Prof. Samuel Rodrigues Barbosa (USP)

Prof. Sergio Said Staul Jr. (UFPR)

Prof". Sílvia Hunold Lara (UNICAMP)

Coordenador:

Prof. Ricardo Marcelo Fonseca (UFPR)

ISBN: 978-85-362-3165-5

Av. Munho;>; da Roçha, 143 - Juve~ê - f one: (4 1) 3352-3900 Fax: (41) 3252-131 1 - CEP: 80.030-4 75 - Curitiba Pamná - Brnsil

Editor: José Ernani de Carvalho Pacheco

Costa, Pietro. C837 Soberania, representação, democracia: ensaios de

história do pensamento jurídico./ Pietro Costa./ Curi­tiba: forná, 20 l O.

304p. (Biblioteca de Históiia do Direito)

1. Democracia. 2. Soberania. 3. Direito - Filosofia. 1. Título.

.. CDD 340.1 (22.ed) CDU 340.I

Visite nossos sites na internet: www.jurua.com.br e www.editorialjurua.com

Pietro Costa Professor de História do Direito Medieval e Moderno na Universilâ degli Studi di Firenze.

SOBERANIA, ~

REPRESENTAÇAO, DEMOCRACIA

ENSAIOS DE HISTÓRIA DO PENSAMENTO JURÍDICO

Tradução de: Alexander Rodrigues de Castro Angela Couto Machado Fo.nseca

Érica Hartmaa Ricardo Marcelo Fonseca

Ricardo Sontag Sergio Said Staut Jr.

Walter Guandalini Jr.

Curitiba Juruá Editora

2010

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IDSTÓRIA DO DIREITO: IMAGENS COMPARADAS1

1 A DIMENSÃO HERMENÊUTICA DA HISTORIOGRAFIA

A historiografia dos séculos XIX e XX (a historiografia juódica não menos que a historiografia "geral") se desenvolveu corno disciplina es­pecializada, empenhada em minuciosas pesquisas documentais e disposta a renunciar às grandes questões filosóficas sobre o sentido do devir 11istórico, não por-isto se resolveu cm uma (de qualquer forma impossível) operação cultural "livre de pressupostos": não evitou assim de recorrer a filosofias ou teorias gerais, nem de depender delas cm alguma medida, assumindo, entre­tanlo, diferentes estratégias no confronto com elas, às vezes de explicita e crítica tematização, outras, de implícita e disfarçada adoção.

É no horizonte de uma visão global da sociedade que o historiador de um modo geral concebeu e praticou sua profissão. As filosofias sociais totalizadoras forneciam ao historiador dois importantes instmmentos de orien­tação: de um lado, ofereciam-lhe um repertório lexical e conceituai empre­gável no trabalho de revelação, sistematização e narração dos dados; de outro, e respectivameme, assinalavam à sua disciplina um local preciso no mapa do saber, legitimando-a como componente essencial de uma "enciclopédia" geral.

Graças ao mapa fornecido por uma ou oulra filosofia social, o his­toriador tinha a sensação de avançar sobre um terreno que podia ser diíicil e áspero, mas aparecia consistente, equilibrado e estável: o bfatoriador sabia quem era, que coisa se esperava dele, qual conhecimento podia considerar-se capaz de fornecer. Nesta moldura, de algum modo tranquilizadora, realizava­-se, é claro, a aventura da pesquisa "de campo", cujos resultados não podiam ser, na realidade, rigidamente predetermí.nados (no conteúdo e na qualidade) pelos "prejuízos" que a cada vez eram compartilhados: não importa quais

Tradução de Alexander Rodrigues de Castro (doutorando em história do direito na Uni­versità deg/i Studi di Firen:e).

18 Pietro Costa

fossem os resultados da pesqujsa concreta, o método, o objeto e, em resumo, a identidade da historiografia era dada claramente pela inscrição da pesquisa no horizonte teórico escolhido. A historiografia trazia a sua legitimação teó­rica do fato de ser concebida como um capítulo daquilo que chamaria de uma "grande narrativa": um discurso global sobre o homem e as suas relações intersubjetivas. É nisso que a historiografia encontrava a sua colocação, a sua destinação de sentido, contribllindo parn o seu desenvolvimento e ao mesmo tempo dependendo disso.

Estava à ruspos.ição da historiografia, naturalmente, não uma .única, indiscutível "grande narrativa", mas diversos esquemas teóricos com relação aos quais era necessário reatizar (implícita ou explicitamente) uma esc.olha. O positivismo tardo-oitocentista, o oeoidealismo, o marxismo, ofereciam-se à historiografia, por assim dizer, como cartas geográficas de larga escala, entre seus concorrentes, algumas das quais prometendo fornecer uma orien­tação segura para o des1ocamento nas terras incógnitas nas quais o historia­dor te.ria inic iado as suas minuciosas viagens de reconhecimento.

A cultura do século XIX e de grande parte do XX foi. o teatro de um penoso confronto entre "grandes teorias", de uma " luta entre gigantes", que se desenvolveu com diferentes sortes e que ocupou o cenário ideológico dos últimos cento e cinquenta anos. De tal fonna, passamos da hegemonia positivista aos êxitos ideafütas que, ao menos na Itália, tiveram campo até o segundo pós-guerra, quando veio difundindo-se o marxismo, que até agora está presente na cena, mas em posição relativamente mais periférica.

Entre as grande narrativas, é o marxismo que provavelmente man­teve até os nossos dias, mais que os outros velhos concorrentes, o fascínio de uma compreensão teórica global da realidade social. Mas também esta gran­de narrativa entrou, em anos recentes, em uma crise signlticativa: uma crise que certamente não é a primeira em seu mais que centenário percurso, mas, · que é, entretanto, particulan11ente relevante, ligada provavelmente não ape­nas (como se repetiu demasiadamente) à mudança do cenário internaci onal, mas também à percepção da impotência, não apenas pragmática, mas i_gual­mente de "diagnóstico", da teo.riafreten à complexidade da realidade. i;, em fim, uma crise sobre a qual pesa uma rufusa e crescente desconfiança com relação às "grandes narrativas" oniexplicativas - e, sob este ponto dç vista, a historiografia, se se pensa apenas no caso de "Les Annales", se antecipou.

Hoje, muito além da primeira e da segunda geração dos "Annales", a desintegração "minimatista" das "grandes narrativas" em numerosos mi­crocosmos cognitivos é indubitavelmente uma marca do nossso presente. É a continuação das visões gerais, a couúabi tidade das cartas geográficas de escala planetária, que hoje parece sofrer uma crise radical. Ce1tarnente po­demos com facilidade reconhecer nas "grandes narrativas" o fascínio da coe­rência, da globalidade, da coragem teórica. Ao mesmo tempo, entretanto,

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Soberania, Representação, Democracia 19

cresce a sensação de que as filosofias sociais totalizadoras prometam demais com relação àquelas que hoje parecem ser expectativas mais modestas. As "grnndes narrativas" são 110 fundo, mesmo nas mais recentes e sofisticadas versões, ainda restos do otünismo "progressista" do século XVlll, portadores de uma epistemologia que o sofisticado debate contemporâneo induz a per­ceber como ingênua.

Um dos pontos de separação com relação à grande tradição oito­-novecentista (poderia dizer-se um dos pontos de emersão da sensibilidade pós-modema2?) é a problematização da relação entre sujeito e realidade. No conili to entre as grandes teorias rivais, o desafio era a "tomada" de uma rea­lidade histórico-so~ial que se apresentava como aferível univocamente: se contendia sobre tudo (sobre o objeto, sobre o método, sobre as representa­ções substantivas), mas compart~lhava-se substancialmente de um certo oti­mismo sobre o êxito da tarefa. E, ao contrário, o êxito do empreendimento cognoscitivo que aparece hoje mais complexo e esquivo, corno se a ideia de uma percepção (relativamente) unívoca da realidade tivesse sido substituída por algo como um complicado e substancialmente interminável jogo de es­pelhos e de prospect~vas entrelaçadas.

É no vácuo aberto pela percepção da problemática caracteristica de cada empreendimento cognoscitivo que se introduziu com grande força de sugestão a possibilidade de valorizar a dimensão hermenêutica da histo­riografia.

Não apenas pela ciências sociais, mas também pelas ciências fisi­co-naturais, a possibilidade de uma descrição "pura" da realidade, a empre­gabilidade das categorias (originalmente positivistas) de "fato" e de "obser­vação", foram energicamente colocadas em dúvida, no âmbito dos mais re­centes debates epistemológicos3

. Fatos e observações; a realidade, de um lado, e o cientista como um impassível e metódico observador dela, do outro lado: este esquema, simples e nítido, familiar à epistemologia das ciências da 1rntureza e transformado pelo posítivismo oitocentista (mas também, pelas suas revisitações novecentistas) na outra face de qualquer possível conheci­mento que quisesse dizer-se "cientifica", parece agora ter entrado em uma crise radical também lá onde nasceu, no âmbito das ciências físico-naturais.

É justamente no debate epistemológico geral que a crise do neopo­sítivismo induziu a duvidar do paradigma cientificista nos seus asuntos prin­cipais. E se observa então que não existe, por parte de nenhum cientista, uma

Cf. AA.VV. Sullu modernità. Milano: Angeli, 1986; GALLT, C (a cura di). Logiche e crisi de lia modernità. Bologna: li Mulino, J 99 1. Cf. VlLLA, V. Teoric dclla scienza giuridica e teorie delle scienze nat11rali. Modelli e nn alogie. Mtlano: Giuffre, 1984; ZOLO. D. Scienza e poli tico in Otto Neuratb. Una p r ospett iv:t post-empirist-ica. Milano: Feltrinelli, 1986.

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observação "pura" do fato: a observação é necessariamente "sobrecarregada de teoria"; o cientisca não registra passivamente os fatos, mas os seleciona, os ordena, os constrói: em resumo, os compreende a partir da sua específica fonnação cultural e profiss ional. Não é poss ível colher os falos em sua nua objetividade, mas é inevitável perceber-los através da mediação da cu ltura, da linguagem, cio saber próprios cio ambiente histórico e da camada profissio­nal aos quais se pertence.

Se depois voltamos o olhar da epistemologia geral à epistemologia das ciências humanas, o paradigma positivista aparece com maior razão comprometido. Neste, de fa to, intervém um outro elemento: não só a obser­vação do foto é um processo complicado e mediado pela linguagem, pelas teorias, pela cultura do sujei to, como nas ciências da natureza, mas não existe realmente, para o cultor das ciências humanas, a possibilidade de uma simples, acética observação. Como já foi frequentemente sublinhado, o c ien­tista da sociedade é, ao mesmo tempo, observador e ator: não está "fora" do objeto observado, mas está "dentro" dele, envolvido em um p1;ocesso que a sua própria atividade de observador contribui para modificar. E, portanto, o conceito mesmo de observação a aparecer como inadequado, é a ideia de um sujei to que se faz puro espelho de uma realidade já dada que não parece fa­zer justiça à complexidade do processo cognoscitivo.

Há ainda um último, banalíssimo, mas não insignificante, a rgu­mento, que nos interessa de um modo particular porque diz respeito especifi­camente ao saber historiográfico. Não quero arriscar nenhuma complexa definição, mas creio que posso dizer que o saber his toriográfico, na conven­cional divisão das tarefas dentro da corrente '·enciclopédia do saber", é indi­vidualizado primeiramente por uma conotação temporal: o saber historiográ­fico é um saber voltado no p:.issado; a realidade à qual o historiador se pre­tende, expert, é uma realidade já transcorrida: uma realidade que era, mas que não é mais; e ao historiador pede-se justamente que consiga reconstruir a realidade desaparecida, a recriá-La na nan·ativa. E então, a operação intelec­tual própria da historiografia não pode, por definição, ser reportada à catego­ria "observação de fato' ', cm nenhum sentido (positivista ou pós-positivista) da expressão, pelo banal motivo de que o mundo dos eventos e das ações dos quais o historiador se ocupa foi , mas não é. O historiador não se encontra nunca, nem pode encontrar-se, pela definição convencional de seu saber, frente aos fatos, mas apenas frente a testemunhos, a pegadas, a discursos que não são "fatos", mas sinais.

A historiografia, em resumo, não dispõe nunca de um encontro face a face, não é uma análise direta da realidade, não é um discurso de primeiro grau, mas um discurso sobre um discurso, ou ao menos um discurso através de um discurso: entre a realidade e o historiador se interpõe um estratificado e complexo mundo de sinais, palavras, de testes que constituem, para o h isto-

Soberania, Representação, Democracia 21

riador, a demora habitual. Quando também o historiador entre em contato com objetos materiais (tun antigo edificio, um instrumento de trabalho), eles contarão para ele como sinais, testemunhos de alguma coisa que ele não alcança "em uma tomada direta", mas reconstrói através da via obliqua do indício.

A historiografia, portanto, não é a descrição de coisas ou estado de coisas, mas atribuição de sentido; portanto, interpretação. Uma relação entre hjsto1-iografta e hermenêutica é uma relação de espécie e gênero: aquela ope­ração intelectual que chamamos historiografia é compreensível enquauto reconduzível à lógica da interpretação. Não toda interpretação é historiogra­fia, mas toda operação historiográfica, como decifração de textos, testemu­nhos, s inais, como reconstrução de um "sentido'', é interpretação: refletir sobre a historiografia significa então colher dela as essenciais significados hermenêuticos, na linha de uma tradição que, a partir de Schlciennacher, temalíza o nexo entre interpretação e historiogralia.

Com isto, o problema (embora rapidamente) está ajustado, mas de modo algum simplificado: para quem esteja persuadido da oportunidade de associar hermenêulica e historiografia, é o inteiro e multifacetado debate beanenêutico cio século XX que vem a ser envolvido na tentativa de repre­sentar o objeto e as características da operação historiográfica. Não é obvia­mente este o lugar para urna qualquer tentativa de aprofundamento e de dis­cussão critica4

• Limitar-me-ei a indicar uma série de opções (insuficiente­mente argumentadas) que permitem extrair da associação entre hermenêutica e historiografia alguma consequência.

a) Conta-se a realidade do passado interpretando textos. Mas estes textos não são a realidade: são pontos de vista, parciais, contraditórios, sobre ela. E ainda: dos complicadissimos jogos interativos das quais uma socieda­de se compõe, aquilo que se toma palavra e mensagem é uma porção muito modesta. Enfim, das ações e eventos que em uma sociedade se toma discurso e texto, só uma pa1ie relativamente pequena chega até nós e é utilizável pelo historiador para a sua narrativa; os textos que o histo1iador interroga são apenas a ponta de um enorme iceberg, cm grande parte submerso.

O historiador, portanto, não descreve fatos, mas interpreta textos, e estes textos não são um tecido contínuo e compacto, que adere perfeitamente ' aos perfis da realidade: são pontos de vista fragmentados e descontínuos, testemunhos esparsos, indícios de uma realidade desaparecida, não fotografias exaurientes e fiéis dela. Do paradigma indiciário fala Carlo Ginzburg cm um seu brilhante ensaio5

: A lógica da historiografia é a lógica de Sherlock

Cf. para uma bon síntese FERRARIS, M. S1ori11 dell"ermeneutic:i . Milano: Bompiani, 1988. Cf. GTNZBURG, C. Spie. Radiei <li un paradigma indiziario. ln: GINZBURG, C. Miti emblemi spie. Morfologia e stori :i. Torino: Einau<li, 1986, p. 158-209.

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Holmes, o seu método é a conjectura, a atribuição de sentido a fragmentos em vista da construção de uma narrativa; com uma diferença, inteiramente para a desvantagem do liisloriador: este, diferentemente de Sherlock Holmes, não pode nunca sair da narrativa para entrar em uma qualquer realidade a verifique defi.nitivamente6

.

b) A historiografia, portanto, não pode produzir resultados ce1ios e unívocos porque trabalha sobre textos (constitutivamente, não acidental­mente) fragmentários e indiciários. Não apenas: o caráter problemático do conhecimento hfatoriog:ráfico aumenta quanto mais se tern presente uma característica sobre a qual a bennenêutica do século XX (ainda que não uni­vocamente) insis tiu: a necessidade de reverter a ideia tradicional e "ingênua" da imanência, no texto, de um significado escondido que o iJ1térprete desco­bre na sua objetividade. A interpretação não é o registrar passivo de um signi­ficado já dado no texto; o texto é disponlvel e suscetível de produzir número indeterminado de significados, que aumenta proporcionalmente à sua com­plexidade. O texto é wna "obra aberta"7

, capaz de assumir sempre novos significados graças à criativa sol icitação do intérprete.

Dado um texto, pmianto, não há uma e uma só interpretação "verdadeira" porque não bá um e um só significado já dado no texto: por­que a interpretação é justamente o não registramento do significado, mas atribuição de sentido ao texto, necessariamente varia e mutável segundo os sujeitos e os contextos históricos pelos quais o texto produz significados (e além disso: que coisa é a cultura medievaJ se não uma reescritura sem­pre diferente dos mesmos textos de autoridPde, antes de tudo da Bíblia e do Cmpus Juris, que ser tornaram, por esta via, textos canônicos de toda a cultura ocidental?).

e) O intérprete, o l1istoriador, não "encontra", portanto, os signifi­cados do texto, mas "inventa" significados através do texto, atribui ao l·esto sentidos diversos a cada vez. O texto é um puzzle que o intérprete desmonta c remonta movendo-se a partir das próprias questões e exigências cognosci­tivas e práticas. Se a historiografia é interpretação, o lugar da subjetividade do hiistoriador no processo cognoscitivo não é mais minimizado ou dissimu­lado a favor de uma exageradamente fácil e imediata "objetividade" do re­sultado hermenêutico, mas é reconhecido na sua insubstituibilidade e fecun­didade. A atribuição de significado, a interpretação, é, nos confrontos do texto, uma operação ativa, na gual o sujeito põe em jogo a totalidade da sua experiência "situada": vê o texto a partir de seu mundo, o interroga a partir

Sobre a analogia entre as operações he1menêuticos do historiador e do juiz já havia cha­mado a atenção CALOGERO. G. Ln logicu dei giud.icc e il suo controllo in cassazione. Padova: Cedam, 1937.

7 No sentido de ECO, U. Opera aperta. Milano: Bompiani, 1967.

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da própria história, a partir do próprio enraizamento cultural, da própria es­trutura psicofisica. O envolvimento do sujeito na operação interpretativa não é uma escolha, mas um elemento constitutivo da operação hermenêutica: pode-se apenas escolher entre desconhecer ou reconhecer o ineliminável aporto da subjetividade.

d) O sujeito assim interpreta os textos sobre a base da própria cul­tura, da própria linguagem, da teoria e dos valores dos quais partilha, sobre a base, cm resttmo, de todos os elementos que, sendo componentes essenciais da sua subjetividade, constituem os pressupostos e os instrumento~ da sua operação hermenêutica. A interpretação não é nunca voraussetzungslos: o intérprete se move da sua subjetividade e pré-compreende os textos, os des­monta e os remonta em tomo de um significado que atribui a eles, para tor­nar, enfim, a si mesmo em uma viagem que procede, sim, em círculo, mas transforma os lugares no momento em que os atravessa.

Nesta prospectiva, cai, em primeiro lugar, como a1tificiosa a oposi­ção, tipicamente histo1icista e, de modo específico, neoidealista, entre teoria e historiografia. Interroga-se, interpreta-se um texto não mais despindo-se obrigatoriamente de esquemas teóricos gerais, mas servindo-se de tudo o que pertence ao mundo do intérprete: também das teorias das quais o intérprete disponha, que deverão ser usadas para dobrar, desconstruir e reconstruir o texto interpretado. Deste ponto de vista, vale o exemplo de um grande exer­cício hermenêutico, a psicanálise8

: onde um complexo corpus de teorias "abstratas" deve ser subord inado à compreensão do interlocutor pego na sua mais determinada e precisa individualidade.

Em segundo lugar, toma-se dificil atribuir à interpretação, e assim à historiografia, uma relação privilegiada e forte com a verdade. Não existe uma, e apenas uma interpretação verdadeira porque não exjstc um, e apenas um significado já dado pelo texto. Existem questões diferentes referentes ao mesmo texto, djfcrcntes pontos de vista sobre o texto, diferentes atribuições de sentido a ele: uma historiografia de inspiração hermenêutica duvida da possibilidade de um conhecimento cm sentido forte e pensa antes na plurali­dade das prospectivas e na relatividade, aleatoriedade, no risco das próprias operações.

Trata-se, naturalmente, de um problema muito complexo, que não posso discutir com suCicie11te aprofundamento. Certo é, entretanto, que, a partiir desta inspiração relativista, comum na hermenêutica do século XX, possam ramificar-se caminhos diferentes.

Entre estes, gozou em anos recentes de uma notável notoriedade, sobretudo nos Estados Unidos, sob a influência de Derrida, naquele parti-

x Cf. RICOEUR, P. De l"interpretation. Essai sur Freud. Paris: Scuil, 1965.

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cular setor histócico-hennenêutico que é a crítica literária, a tendência assim chamada ele "desconstmcionista"9

• Para esta, a arbitrariedade da interpreta­ção é absoluta e sem remédio: o leitor, o intérprete, reescreve o texto subs­tituindo-se a ele; o tex to e o intérprete perdem a sua relativa distinção e autonom ia porque o texto interpretante engloba o texto interpretado e faz aquilo que quer dele. Não só omite a objetividade, a "verdade", da operação henncnêutica, mas aparece problemática a possibilidade de um confronto entre interpretações diferentes e a argumentabilidade mesma de uma opção interpretativa, confiada em última análise a uma escolha inefável do próprio intérprete.

Para continuar a exprimir, de minha parte, pareceres sobre este as­sunto inevitavelmente peremptórios porque insuficientemente motivados, creio que o relativismo característico da hermenêutica do século XX deva evitar o solipsismo bennenêutico dos desconstmcioofatas. Com ele se arris­ca perder não tanto a arca ica ideia da "verdade" da interpretação, mas o sentido mesmo da operação hermenêutica. lsto é, acaba-se comprometendo o nexo funcional que liga, que deve ligar, o texto interpretante com o texto interpretado. Não se encontra o significado, ele é atribuído a um texto: mas se joga sempre sobre um texto que tem uma sua precisa conCiguração. A Jfüerdade da interpretação é ampla tanto quanto é extenso o campo da inde­terminação do texto, mas não ilimitada: o vínculo é dado pela constitutiva "alteridade" do texto, pela necessidade de dar coma daquele texto, da sua coerência, da sua unidade. A arbitrariedade da interpretação não é então absoluta, mas relativa ao procedimento de análise que vê de qualquer forma o tex.to interpretante empenhado em dar cont1 do texto interpretado, orien­tado sobre ele10

A historiografia, portanto, enquanto interpretação, procede atribuin­do sentido aos mais diversos tipos de signos, de discursos, de textos. A sua finalndade é compreender que coisa um texto diz e como um texto diz aquilo que diz. Não é, ao contrário, uma pergunta hermencuticamente pertinente aquela que diz respeito à verdade do texto interpretado: interrogo-me sobre as modalidades enunciativas e argumentativas do texto sobre o tema ou os temas que lhe tomam possível a coerência, mas não lhe avalio a mensagem à luz de um pressuposto critério de verdade, qualquer que seja o significado que queremos atribuir a esta palavra. No fundo, no posicionamento her­menêutico-historiográfico, assim, não há uma específica preocupação epis­temológica, não há uma teoria da verdade: colocada de frente a um antigo

Cf. nd es. NORRIS, C. Deconslruction. Thcory nnd Practicc. London-New York: Methuen. 1982. Uma perspectiva de grande inrcresse em FISH, S. Doing Whut Comes Natur:illy. C hangc, Rhetoric and lhe PracUce of Theory in Literary and Legal Studies. Ollford: Clarendon Press, t 989.

1° Cf. Neste sencido ECO, U. l limiti tlcll"interpretazione. Mil:ino: Bompiani, 1990.

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texto cosmológico, não interessa avaliar o grau de fiabilidade da teoria pto­lomaica, mas compreender o texto na complexidade dos seus extratos de sentido suspendendo o juízo sobre a "verdade" de suas assertivas à luz de uma ou de outra teoria de que se compnrtilhe.

A historiografia como interpretação, portanto, pressupõe, pode pressupor, entre os muitos elementos dos quais a cultura do intérprete se compõe, uma teoria, mais ou menos elaborada e sistemática, mas se serve dela para "pôr questões" ao texto, não para avaliar-lhe o grau de verdade: não porque o problema da verdade de uma série de proposições não possa ser legitimamente colocado, mas, porque aquele problema pertence a uma ordem do discurso que não é o seu. A pergunta epistemológica e a pergunta her­menêutica divergem também onde tull mesmo texto se presta a ser interroga­do em relação a ambas as perguntas.

A historiografia, portanro, como henncnêutica, exclui as preocupa­ções da epistemologia e no máximo pode encontrar afinidades ao seu campo problemático nos interesses do semiótica, que se interessa pelo modo corno um sistema de signos funciona, pelo modo como produz a sua mensagem, pelo modo como diz aquilo que diz. Nem paro o historiador, nem para o semiótica se põe o problema da verdade do texto, mas do seu concreto fim­cionamento, de que coisa e de como é sua mensagem - e, por outro lado, ainda que por um longo tempo hennenêutica e semiótica renham caminhado por li nhas paralelas, movendo-se a pa1tir de pressupostos e tradições muito diferentes, não faltam recentes sinais de troca e convergência.

Está, pois, bem presente à semiótica como à historiografia um pro­blema particularmente importante e angustiante: o problema da relação entre os sistemas de signos, os discursos, os textos, de um lado, e a ação e intera­ção social, de oucro.

Uma historiografia de inspiração hcnncnêutica considera que tem o que fazer com tcx.'tos que contam cm variadíssimos e contraditórios mo­dos a realidade, mas não só simplesmente espelham a realidade. A per­gunta do historiador, de frente a isto, diz respeito ao conteúdo e à forma de suas narrativas. Compreender um texto em sua autonomia, na sua intrínse­ca capacidade de produzir uma mensagem, foz parte daquele capitulo da análise dos signos que, utilizando liberalmente a teoria de Morris, podería­mos chamar sintático-semântico. Como, entretanto, nos recordam os estu­diosos de semiótica, os signos, os discursos, os textos, não narram apenas, não representam estaticamente o mundo externo: produzem efeitos, trans­fom1am comportamentos, são, eles próprios, ações sociais. Compreender historicnmence um texto exige que se entendam seus conteúdos representa­tivos, o conteúdo e a forma da narrativa, mas requer também que se re­construam os seus efeitos socialmente relevantes, as transformações indu-

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26 Pietro Costa

zidas: continuando a usar a terminologia de M orris, próx imo a uma com­preensão histórica de tiro si ntático-semântico, é necessário pensar em uma análise pragmática do texto interpre tado.

Não se Lrata obviamente de um problema novo, mas de um proble­ma que torna continuamente a repropor-se ao menos a parti r de Marx e de suas brilhantes e subversivas refl exões sobre o caráter ideológica das teorias, sobre a dependência genética e fuDciona l das teorias aos interesses, às rela­ções s ociais, à pratica justamente. No momento no qual, entretanto, o -pro­blema da relação entre pensamento e prática vinha posto em toda a sua fe ­cundidade, nascia o risco, sempre recorrente, de uma impostação dualista dos te rmos da relação: um dualismo que poderia dar lugar até mesmo à predica­ção de um nexo de causalidade e que, apesar disso, arriscava negligenciar, a cada vez, a validade pragmática do discu rso ou o componente -linguístico­-comunicativo da interação social. Não quero dizer, e deveria apesar d isso argumentá-lo ainda mais profundamente, que uma aproximação hem1enê uti­ca evüe radicalmente o dualismo: creio que ela possa dar uma boa contribui­ção nesta direção sublinhando a recíproca imanência de saber e poder, de discurso e ação.

Tentemos agora traçar a lguma conclusão provisória. Pensar em termos hermenêuticos a historiografi a significa dar um passo atTás da reali­dade ao texto: a historiografia não se debmça diretamente sobre a realidade, mas trabaUrn indiciariamente sobre os textos. Renunc iar às grandes teorias onicompreensivas impõe proceder Da pesquisa sabendo não dispor de tuna visão s istemática e predeterminada da realidade para acomodar as peças do mosaico isoladas cansativarnentc recolhidas. Deste ponto de vista, pensar hermeneuticamente a historiografia é um exercício da socrática consciência de não saber: não sabemos a priori cm qual. capítu lo da "grande narrativa" os textos interpretados se inserem porque não dispomos mais de nenhuma "grande narrativa". A realidade não aparece m a is disposta em uma o rdem da qual conhecemos a trama geral, fa ltando-nos j ustamente a consciência apro­ximada dos particulares: a realidade se apresenta como um entrelaçamento, uma confusão de ações e interações cuja complexidade não é reduzida por uma Leoria geral.

Em tomo a esta rea lidade os textos que, como historiadores. ví­nhamos interrogando, desenvolveram um discurso que, naque le momento no qual tentava-se dc<;ifrá-los, cont1ibuía inadvertidamente para a sua modifi ca­ção. Interpretar historicamente os textos significa levar a sério a nan-ativa que eles tentam nos comunicar: significa por isso suspender o juízo sobre a "verdade", colher a sua validade pragmática, compreender, enfim, de que modo, através de quais estratégias discursivas, e les conseguem transformar a desordem da realidade em uma ordem inteligível.

Soberanía, Representação, Democracia

2 A HISTÓRIA DO DIREITO: A UNIDADE DO OBJETO E A CONTINUIDADE DA TRADIÇÃO

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Se a historiografia é interpretação de textos, a operação intelectual na qual ela se traduz procede de acordo com etapas, em última instância, simj lares, quaisquer que sejam os textos intc11>retados, falem !!les de bata­lhas, de antigas cidades, de tilosofias, de leis, de tribunais. E, entretanto, inegável que as concretas operações historiográficas se diferenciam, também sign iftcativamcnte, em relação a dois elementos fundamentais: em relação aos tipos de textos interpretados, em relação às perguntas atinentes aos tex­tos: e, com efeito, a historiografia do século XIX e do XX repensou continua­mente a si mesma em relação à variedade de seus objetos, redesenhou algu­mas vezes os próprios perfis imemos discutindo sobre a legitimidade de uma ou de outra partilha.

Não é indevido esperar que sobre isto possa vir a incidir a crise das '·grandes narrativas" não apenas convidando a redesenhar a relação entre as diversas "historiografias particulares", mas levantando alguma dúvida sobre o sentido de uma historiografia que possa dizer-se '·geral". Obviamente, po­demos usar as palavras como queremos, mas confesso compreender facil­mente o lugar (cognoscitivamente "forte") de uma história geral somente onde se considera possível: a) alcançar uma compreensão tendencialmente global da realidade do passado; b) individualizar, dentro da sociedade do passado, tipos de ações, níveis de realidade, mais relevantes que outras com respeito ao funcionamento global da sociedade mesma; c) estabelecer, por consequência, internamente à historiografia, alguma hierarquia "epistemoló­gica" entre cada um dos setores de pesquisa. Nesta prospectiva, a história "geral" será então aquela historiografia que, indagando sobre os elementos (considerados) essenciais à sociedade, estará capacitada para representar o quadro global da sociedade do passado e poderá, por tanto, confiar às histó­rias "particulares" a tarefa de aprofundar os elementos estrategicarnenle se­cundários, que deverão compor-se com a na1Tativa principal como suas se­ções ou capítu los (ainda que, obviamente. o critério de distribuição das par­tes seja dive rso de acordo com o modelo teórico-social subj::icente).

Agora, o posicionamento próprio de uma historiografia de inspira- , ção hermenêut ica, sobre o fundo da crise das "grandes narrativas", induz, a meu parecer, a romper com uma lógica tal: se a historiografia é interpretação de textos, se a historiografia não se move a partir de uma "grande nan·aLiva" social pressuposta, nenhum texto adquire o valor de fonte privilegiada, ne­nhuma classe de informações é, a priori, dotada de um poder explicativo maior o menor que qualquer oULra. O historiador se encomra de fronte aos mais variados textos, estimulado pelas mais variadas perguntas, empenhado em uma viagem para a qual nada e ninguém lhe fornece uma carta geográfica

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geral. Um texto vale por aquilo que diz em relação à pergunta e ao processo de atr ibuição de sentido do intérprete: a história do arado não explica mais, ou menos, que a histó1ia da metafisica ocidental e a história das receitas. de cozinha não é uma história necessariamente "menor" (mas nem "maior") que as histórias das batalhas.

Abolklos todos os níveis hierárqu icos dentro da operação historio­gráfica, não estão resolvidos, entretanto, todos os problemas. Na soc iedade felizmente anárquica das mi l histórias (necessariamente) particulares, põe-se para algumas delas o problema das relações com as outras novecentos e no­venta e nove, ou pelo menos com muitas delas; e não está em questão a mera exigência acadêmica de delimitar as fronteiras (e de assinalar cátedras a um 011 a outro agrupamento disciplinar), mas ª!1tes, a efetiva necessidade de elaborar uma eficaz estratégia de pesquisa. E necessário individualizar, no entrelaçamento não dominável de " todos" os textos, um grupo de textos que possa a cada vez aparecer re la tivamente homogêneo; e é necessário, respec­ti vamente, formu lar as perguntas "corretas", determinar os critérios de uma leilura que dê senlido ao texto va lorizando-lhe a coerência. Trata-se, em resumo, de ajustar os iJ1strumcntos linguístico-conceituais em torno aos quais organizar a própria narrativa.

É sobre este fundo, portanto, que devemos raciocinar sobre o pro­blema das características específicas daquela historiografia "particular" que chamamos historiografia jurídica.

Também para essa vale a regra geral anteriormente recordada: para quem compartilhe do fim de todas as hierarquizações dentro da operação historiográfica, a histor iografia jurid icn não produz narrativas historiogrnli­camente mais importantes ou menos importantes do que aquelas produzidas por q ualquer outra possível historiogratia. Esta afirmação, aparentemente óbvia, pode ta lvez aparecer menos banal se apenas se recorde a posição for­temente subordinada que a história do direito veio a ocupar nas prospectivas das "grandes narrativas" historiográlicas: pense-se na crônica subvalorização do fenômeno jurídico-normativo no qual estão incursos, ainda que com al­gumas exceções, os "clás~icos do marxismo", e a grande parte da historio­grafia que dela dependia; pense-se na impostação crociana que desconhecia a relevância dos momentos juridico-institucionais da experiência ocultando-os sobre a dimensão prático-econômica do agir e desvalorizava o saber dos juristas reportando-o ao domínio daqueles famigerados pseudoconceitos nos quais se exauria o discurso de toda "ciência".

Naturalmente, não bastava a incumbência das "grandes narrativas" para tolher toda a legitim idade às histo riografias "particu lares" e, entre estas, a história do direi to; e, além disso, é necessário ainda reconhecer que a dia­lética entre "geral" e "particular", a necessidade de medir-se com as grandes propostas teórico-sociais e com os grandes afrescos historiográficos não

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desempenhou apenas uma função "mortificante" nas preocupações da histó­ria do direito, mas a obrigou repetidamente a propor-se problemas de defini­ção de objeto e de método que provavelmente teria demorado a enfrentar se fosse deixada aos cuidados de seu tranquilo jardim.

É necessário assim tencar compreender em que modo a história do direito representou a si mesma, seja cm relação aos grandes modelos, seja independentemente deles. Creio que haja, para a autorreprescntação da histó­ria do dircilo, um ponto obrigatório de partida, uma verdadeira e própria arché: Federico Cario di Savigny. Savigny criou, por assim dizer, um idioma próprio do historiador do direito: um idioma que se eniiqueceu e complicou no curso do tempo, mas que continuou a ser falndo, em alguma medida, até a tempos recentes. E singular, pois, que o idioma savigniano goze de uma tal duração como dialeto, não como língua: quero dizer, sem metáfora, que, en­quanto a imagem savigniana do desenvolvimento histórico em geral teve uma sorte, tudo somado, modesta (pense-se ao contrário, por contraste, no histori­cismo hegeliano e em todas as sucessivas revisitações), o modo savigniano de pensar o diJ·eito, o pensamento jurídico e a sua história assinalaram verdadei­ramente uma longa estaçrlo da historiografia jurldica.

Gostaria apenas de relembrar esquematicamente alguns dos gran­des temas savignianos que, de acordo com meu parecer, são mais significati­vos (para o assunto em questão) e mais duradouros.

a) Um tema importante é a convicção da substancial absorção do di­reito no pensamento jurídico. Estou ressaltando as tintas por comodidade de exposição. Não quero dizer que Savigny ignorasse modalidades do jurídico diversas do pensamento dos juristas: basta pensar nas costumes e em sua rala­ção romântica "íntima" com o Volk. Quero dizer apenas que toda a sua repre­sentação da experiência jurídica se alavancava não sobre a legislação, não sobre a jutisprudência, nem ao menos sobre os costumes, mas sobre o jurista como produtor de textos de saber: é em torno a isso e graças a isso que os outros ~le­mentos tomavam-se inteligíveis como forças operantes do ordenamento. E o pensamento jlllídico, é a obra de reOexâo e de elaboração empreendidas pelo jurista que recolhe para si, concentra e exalta a unidade da experiência juridica.

b) O direito é pensamento jurídico e o pensamento jurídico se dá na continuidade da tradição. A tradição é o segundo grande conceito savignia- e.

no: o historicismo de Savigny é, d iria com Hobsbawm 11, a invenção, ma is do

que o simples registro, de uma tradição que se dilata no tempo e reforça a imanente unidade do sistema jurídico e a sua representação e celebração no pensamento. O pensamento jurídico se desenvolve no tempo, mas não pro­cede por saltos e fraturas, mas por continuidade e acumulação progressiva. O

11 Cf. llOBSBAWM, E. J.; RANGER, T. L'invcnziune della 1radizione. Torino: Einaudi, 1 C/83.

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pensamento jurídico não é 1w história, mas é a história (assim como é verda­de, tendencialmente, o recíproco).

c) E eis então o terceiro tema: no momento no qual Savigny en fati ­za a historicidade do direit<>. no momento no qual representa o direito como pensamento jurídico, e o pensamento jurídico como tradição, ele declara, per facto, w11 tipo de hannoniii preestabelecida entre direito e história, entre teo­ria jurídica e história do direito. O ofício do historiador do direito e o do jurista tendem a dispor-se sobre uma mesma linha, a combinar-se harmonio­samente na continuidade da tradição e na unidade do sistema.

A perfeita harmonia da solução savig:niana estava destinada a ra­char-se assaz rapidamente (e não falta, aliâs, quem no mesmo Savigny veja parcialmente rejeitada a solução por ele mesmo teoricamente proposta): aquilo que, entretanto, continua a marcar por longo tempo a autocompreen­são da história do direito e a impostação savigniana do prob lema, senão a solução. A solução pode ser posta de lado e se introduzir conflito e tensão entre os elementos que Savigny via harmonicamente componíveis: mas o espelho no qual a história do direito reflete a própria imagem é ainda o es­pelho de Savigny.

Pense-se no caso emblemático da relação da cultura jurídica oito­centista com o direito romano. Ela se desenvolve em duns direções que, ain­da que terminando por se oporem reciprocamente, partem as duas, idea l­mente, de Savigny: de um lado a pandcclíslica, que continua a ver o direito romano como um direito atual, que constrói, através do direito romano, um articulado sistema de conceitos; do outro Indo, a critica interpolação, que tenta aproximar-se ao direito romano em termos puramente "históricos", ainda que terminando por coexistir por longo tempo com um uso sempre novamente "atualizante" do direito romano.

A oposição é nítida, mas não deve obscurecer a pennanência de elementos de fundo ainda largamente comuns em ambos os contendentes e à cultura jurídica entre o século XIX e XX. Em primeiro lugar, o uso '·aniali­zante" do direito romano, a construção da dogmática através (também) do direito romano, tem como premissa (nem sempre explícita, mas ainda assim operante) a ideia. tipicamente savigniana, da continuidade da tradjção. Em segundo lugar, a construção do saber jurídico depende ainda da presunção savigniann acerca do primado do saber sobre outras formas da experiência jurídica. Em terceiro lugar, a aprox imação interpolacionista é histórica mais por aegação do que por posição: é histórica porqtte não é atualizante, mas não é capaz de propor um tipo de relnção com o direito romano que se punha como alternativa real ao uso dogmático-juridico do direito romano.

Neste quadro, o grande modelo positivista tardo-oitocentista apre­senta-se como uma eficaz provocação. A proposra inovativa que ele apre-

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senta ao j urista consiste em substância cm ver o direito cm termos franca­mente füncionalistas: a experiência jurídica não se fecha no círculo mágico do pensamento que a representa na continuidade da tradição; o direito é compreensível como variável dependente dos grupos sodais, interesses, relações econômicas. Repensar posi tivisticamentc o díreito e a his tória do direi to impunha efetivamente o rompimento da casca do jurídico e o abrir-se a uma "grande narrativa" que, como tal, deslocava o acento, para usar uma habitual metáfora, de "dentro" para "fora" do direito: deslocava o direito para uma "grande narrativa" que rompia exatamente aquela ideia de autossu­ficiéncia do direito e da sua história que estava no centro da prospectiva sa­vigniana (e pós-savigniana).

Era certamente, aquela do positivismo, uma proposta sugestiva: e não faltaram personagens de indubitável relevo intelectual, seja entre os ju­ristas, seja entre os historiadores do direito, que se empenharam nesta dire­ção. No centro deste novo orientamcnto, sem dúvida inédito com relação ao quadro savigniano e pós-savigniano, se colocava, em s inton ia com a filosofia positivista, o primado do "fato", da reconstn1ção·do fato, por isso o domínio da sociologia e da história econômico-social. E então realmente pela primei~ ra vez, bem mais consistentemente que com a c rítica inerpolaciooisla, histó­ria e dogmálica jurídica tendem a se opor frontalmente, não mais como ten­sões internas a um campo ainda fundamentalmente homogêneo, mas como dimensões qualitativamente heterogêneas: de um lado o direito, seus con­ceitos, sua "ciência", seus "dogmas"; de outro, a história, os faros, a averi­guação da realidade do passado.

Dogma e história, portanto: eis o dilema metódico que está no cen­tro da autorrepresentaçào da história do direito, ao menos oa Itália, entre a primeira metade do século XX e toda a década de cu1quenta. Compreende-se a difi culdade e a importância do dilema: escolher decisivamente o lado da '·história" parecia, para o historiador do direito, comprometer a relação com o saber jurídico; e vice-versa, cscolJ1cr este último parecia tolher toda a cre­dibilidade historiográfica às suas investigações.

Como é notório. uma solução do djlema, que arriscava se tomar uma verdadeira e própria aporia, foi adiamada por Emílio Betti e muito dis­cutida por historiadores e juristas por mais de vinte anos12. O d ilema, apesar disso, era, por assim dizer, já inscrüo nas coisas mesmas, antes que Betti o apresentasse em sua definitiva e mais clara formulação. O dilema nascia do influxo que o grande modelo positi vista havia exercitado também sobre a histó1ia do direito: a defesa da "história", do seu valor autônomo e fundante, confiada em boa medjda a autores de inspiração positivista, é a defesa do

1 ~ Sobre Oetti cf. Quaderní Fiorentíni, Vll. 1978; GRIF'FERO, T. lnterpretare: ta teoria di Emi lio Beui e il suo contesto. Torino: Ros.:nberg e Sellier, 1988.

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primado epistemológico dos fatos soc iais, com relação aos quAis o direito é mera foana, compreensível apenas em tcnnos flmcionalistas.

Deste ponto de vista, a intervenção de Belli, feita em um célebre discurso de 1927, deve ser lida, antes de tudo, como um episódio, de qual­quer modo tardio, de ração neoideafisia ao positivismo sobre o terreno da história do direito. Vejamos, de qualquer forma mais de perto a argumenta­ção. A primeira, fundamental, asserção diz respeito ao lugar ativo, determi­nante do sujeito na operação histori ogrnfica: a crítica bctlina ao positivrsmo e à sua hermenêutica objetivista é nítida e, ao menos nesta fase de seu pensa­mento, largamente tributária das opiniões de Croce. Não se compreende o passado senão movendo-se do sujeito e do seu presente: o sujeito e o seu presente não são um obstáculo eliminável, mas o pressuposto da compreen­são do passado. O objeto da historiografia não é inteligível como tal, mas só através dos instrumentos conceituais inscritos no presente do historiador.

É fácil intuir a consequência desta premissa: se o objeto ela historio­gra fia é o direito do passado, se um qualquer setor da experiência não é compreensível sem o uso dos instrumentos conceituais correspondentes, não haverá história do di reito, não será possível urna compreensão histórico­-jurídica do direito do passado sem o uso, parte do historiador, do saber jurí­dico elaborado em seu presente; a dogmática hodierna, portanto, não é um obstúculo à compreensão juridic::i do passado; não é nem ao menos qualquer coisa que o historiador do direito possa livremente colocar de lado; a dog­mática hodierna é a condição mesma da análise histórico-jurídica, o instni­menlo que torna visível uma qualquer experiência juríd ica do passado.

É necessário avaliar atentamente o raciocínio bettiano. Ora, já no discurso de 1927 está preseme o núcleo central da posterior reflexão her­menêutica de Betti, que levará este autor à redação da monografia sobre a in­terpretação da lei e, ao fim, conclusivamente, à imponente tentativa de her­menêutica gemi. A impo1tãncia desta tentativa não deve ser subvalorizada: é uma empreitada, na Itália, absolutamente isolada (não apenas sobre o ten·cno da cultura jurídica, mas também filosófica) na qual Betti entra em discussão com a grande reflexão teórico-hermenêutica alemã, de Sch leiermacber até Heidegger e Gadruner. Todavia, deve-se também notar que a direção através da qual procede a hermenêutica bcttiana é substancialmente diferente, senão oposta à direção que assumirá a hermenêutica gadameriana e, de um modo geral, a hermenêutica contemporânea: enquanto esta tenderá a espraiar-se em resultados francamente relativistas, Betti procura fundar, justamente através de reflexão hennenêutica, a objetividade dns ciências do espírito. A centralidade do sujeito não significa para ele dissolução do objeto e de seu inttinseco signi­ficado: interpretar para Betti é realizar um diálogo amigável com o passado. é realizar um encontro perfeito entre sujeito e objeto, onde o texto, graças à in­terpretação, se revela por aquilo que "realmente" significa.

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O uso da dogmática hodierna é, assim, instrumento de intelecção do direito passado: mas, gostaria de dizer, um instrumento de intelecção no sentido forte. O pensamento jurídico não vale para o historiador do direito simplesmente como um critério de seleção dos lextos, um repertório de per­guntas, um léxico empregável na própria "narrativa"; a dogmática hodierna serve ao jurista para compreender historicamente aquela que é a verdadeira e própria essência do objeto '·direito", tanto no presente quanto no passado. A dogmática hodierna serve, assim, ao historiador do direito para compreender os elementos essenciais, os significados ocultos da experiência jurídica do passado: a dogmática jurídica é o "nome" melhor para "coisa" jurídica do passado13

.

Se isto é verdadeiro, são facilmente intuíveis duas consequências.

Em primeiro lugar, a dogmática, o saber jurídico no seu mhimo esforço de conceitualizaçâo, não é um momento apartado das outras experiên­c ias j u rídicas de hoje ou de ontem: o saber jurídico é o centro da experiência jurídica; esta existe na medida em que espelha a sua essência no saber, e vice-versa, este último condensa em si a inteireza da experiência jurídica.

Em segundo lugar, o saber jurídico do presente permite o diálogo como passndo não porque o intérprete escolhe livremente (arbitrariame nte) usar uma linguagem para atribLtir significados e narrar textos, mas, porque o passado do direito é "objetivamente" conexo com o presente na inquebrável unidade da tradição: o diálogo amigável entre passado e presente é um diálo­go ininterrupto, um contínuo fluir e refluir do passado no presente e do pre­sente no passado.

A dogmática jurídica, portanto, exprime a essência da experiência jurídica em todo o arco de seu desenvolvimento e tom a possível o diálogo entre :presente e passado sob a insígnia da continuidade da tradição; respecti­vamente, a história do d ireito se move a parti r do saber jurídico, sobre esta base compreende o passado, toma, enfim, o saber jurídico enriquecendo-o com os outros aportes da tradição por ela revisitada e reconstruída.

Se isto é verdade, parece-me que um nome possa ser evocado em relação à ideia bettiana de d irei to e de história do direito: mais ttma vez Savigny. Rejeitado o posilivísmo como responsável por uma compreensão meramente sociológico-funcionalista do direito; superado o idealismo pela sua indevida minimização do jurídico, o ambiente no qual a história jurídica tennina, com Berti, para reencontrar-se, tem uma marca abertamente savignia­na, para esta, fam iliar e tranquilizadora: fümiUar porque os ligames com Savigny não se interromperam nunca; tranquilizadora porque garantia à his-

13 Cf. Schiavone, A. "li Nome" e "la Cosa". Appunti sulla romanisticn di Emílio Betti. Q uaderni F ior·en tini , v. Vlf. p. 293-31 O, 1978.

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lória do direito a possibilidade de não ser o patinbo feio da faculdade de direito, mas de dialogar em posição de paridade com as disciplinas especifi­camente jurídicas.

Tratava-se certamente de umn solução que resolvia o dilema dog­ma/história de modo apenas aparentemente igual itário, na realidade desequi­librado a favor da centralidade do saber jurídico: é verdade que ele servia à compreensão do passado, mas o passado era predefinido pelo presente do saber jurídico e vivia em simbiose e perfeita continuidade com ele. Justa­mente por isso, a solução bettiana do problema da identidade da história do direito era uma versão sofisticada e atualizada do modelo savigniano antes que a invenção de uma perspectiva radicalmente nova. Ela tendia a resolver a especificidade da história do direito dando importância central ao elemento jurídico: a história não sai, nesta perspectiva, do círculo mágico do direito. Na unidade e na continuidade da tradição, no perfeito espelhar-se do orde­namento no saber, a experiência jurídica se perfilava como uma zona perfei­tamente concluída e deCinida que o historiador contemplava através do filtro obrigatório da "dogmática" de seu presente.

3 A HISTÓRIA E AS HISTÓRIAS: UMA PROPOSTA "ANÁRQUICA"

Da cstaç.ão dominada pelo dilema '-dogma/história" muita água, obviamente, passou sob as pontes (também) da historiografia jurídica; e pa­rece difícil reencootrar no hodierno debaçe alguma coisa similar àquela "clássica" aporia. Entretanto, é também verdade que, apesar dos motivos de contraste que dividiam os "historiadores" dos "dogmáticos'', era comparti­lhada pelos contendentes uma conv icção que teria mantido por muito tempo uma vital idade e plausibilidade: a convicção de poder definir como "direito" uma zona da experiência precisarnentte delineada.

Mesmo que concebessem a história do clireito e suas relações com a "história geral", permanecia estática a confiança de se poder referir a um objeto, o "direito", que graças às suas incrinsecas carac1erísticas valia como seguro contraponto da identidade da história do direito. Seja concebendo a história do direito como capítulo de uma narrativa historiográfica •·geral", seja exaltando-lhe o Ligame com a dogmática e a sua tradjção, a unidade e a identidade da disciplina hjstórico-jurídica derivava imediatnmente da '"obje­tiva" consistência jw-ídica da experiência à qual se referia. Nesta perspectiva, em suma, a história do direito é tal porque se ocupa do direito, porque assu­ma e direito como o referente "real" da própria operação cognoscitiva.

Ora, que a história do direito assuma o direito como seu objcLO pa­rece uma tautologia banal. Vendo-se bem, entretanto, a tautologia é mais

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aparente que real: quando a historiografia jurídica obstina-se em fundar a própria identidade referindo-a ao objeto "direito", ela, via de regra, pressu­põe uma asserção teórica muito complexa, ainda que subentendida; pressu­põe que "direito" valha como uma estrutura da experiência, capaz de a iden­tificar na sua objetividade e unidade.

Ora, eu creio que uma história do direito de inspiração her­menêutica, que tente se pensar além da crise dos "grandes" modelos omni­cxplicativos, possa duvidar da necessidade (e demonstrabilidade) de tal pressuposição. O historiador do d ireito não se encontra, na realidade, frente ao dücito como frente a um bem delimitado setor da experiência, que ele antes compreende cm sua objetividade e unidade e depois, se quiser, insere no contexto social global, domínio de competência do historiador geral. O histor iador do direito, como qualquer outro historiador, se encontra sim­plesmente frente a diferentíssimos tipos de texto: o problema comum, ao historiador do direito como a qualquer ourro historiador, é compreender que coisa diz o texto e como o texto diz aquilo que diz. A juridjcidade não é uma estrutura do texto (e tanto menos obviamente uma estrutura da reali­dade), uma qualidade que o intérprete constata decidindo consequente­men te se o texto em questão é tarefa sua ou é de competência do colega. O intérprete atri bui um significado ao texto e nos conta o texto, constrói uma narrativa através do texto e sobre o texto; esta narrativa tem uma coerência e inteligibilidade na medida em que fala de alguma coisa, na medida em que tem um tema e coordena os próprios enunciados em tomo a ele; se o tema em questão é definjvel como jurídico em qualquer significado que esta expressão possa assumir no nosso hodierno léxico teórico, a narrativa pode dizer-se uma narrativa histórico-jurídica.

Gostaria de insistir sobre alguns aspectos desta questão.

a) O standard de juridicidade é um elemento da cultura do intér­prete, não uma característica do texto.

b) O standard de juridicidade não é uma teoria concluída: são sufi­cientes fragmentos de teoria, conceitos esparsos, não necessariamente coli­gados em um sistema; o standard de juridicidade não é uma teoria füosófico­-juridica, não é uma dogmática: pode ser qualquer alusão linguístico--conceitua! que a hodierna cultura jurídica reconhece como seu e que o bisto- ' riador livremente usa com vistas a uma narrativa, da sua própria narrativa historiográfica. Se a narração historiográCica usa instrumentos linguístico­-conceituais de tiníveis hoje como jurídicos, sejam quais forem os significa­dos da expressão, ela se configura como um discurso histórico-jurídico.

c) A narrativa bistórico-juridica não tem um objetivo máximo ou geral, coincidente com a representação sistemática de tudo o que de juridi­

,, camente relevante se verificou em um dado contexto; ela não é necessaria-

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mente a descrição de uma experiência unitária e concluída que possa dizer-se jurídica: constrói-se uma relação com diferentes tipos de textos, orquestra-se graças às mais diversas teorias ou fragmenlos de teorias juridicas; não co­nhece níveis hierarquicamente diferenciados; não ambiciona representar a unidade sistematicamente concentrada do objeto "direi to"; é uma narrativa aberta, que procede na ausência de limites previamente assjnalados: é o in­térprete que escolhe livremente, arriscadamente, um ou outro esquema jurí­dico de organização do discurso, em relação ao texto ou aos textos utiliza­dos. "Everything goes", em resumo, com exceção da convicção tradicional­mente mais difundida: que o discurso histórico-jrnídico seja capaz de repre­sentar na sua unidade uma particular e fechada "zona" de experiência que poss·ui a "juridicidade" como sua própria essência.

A rigor, portanto, existem não a história do direito, mas tantas his­tória do direito quanto são as narrativas historiográficas que a cada vez se redigem: a história do direito não é o espelho de uma experiência j á definida e em si mesma fechada, mas simplesmente um contraponto linguístico capaz de con1rapor todas aquelas narrativas historiográficas (diversas entre si, ain­da que incomparáveis) que se organizam em tomo de a lgum standard de juridicidade, mesmo que compreendida.

Se isto é verdade, se a história do direito, não referindo-se a um objeto u11itário, não é uma homogenia, definida, fechada práxis de pesquisa, parece improponível a ideia de uma metodologia histórico-jurídica de cará­ter geral, um passe-partout bom para todas as portas. A rigor, cada pesquisa põe perguntas diferentes a diversos tipos de texto: cada narrativa vale por si mesma. Ex iste, entretanto, uma circunstància que não cancela, mas atenua, aquele tipo de feyerabendiano anarquismo histórico-jurídico que acabo de propor: é verdade que os textos que o historiador interpreta são, via de re­gra, muito diferentes entre s.i, mas é também vedade que os textos não são sempre e apesar disso assim diferentes entre si a ponto de não poderem ser, ao menos em certos casos, coligados entre si em razão da sua particular homogeneidade, a ponto de não poderem ser reagrupados em "tipos" sobre a base de significativas analogias. Quando falamos,. para ficar claro, de his­tória do pensamento jurídico, ou de história da ciência do direito, ou de história da legis lação ou de história das insti tuições e assim por diante, nos referi mos a narrativas histórico-jurídicas q11e compartilham, a lém de um standard de juridicidade, o fato de trnbalhar prioritariamente sobre textos entre si homogêneos.

Ora, é provável que, em algum destes casos, seja possivel foromlar perguntas de ca1·áter geral aos qua is reconduzir um número de natTativas hjstórico-jurídicas de outro modo entre si não confrontáveis. Não posso, entretanto, tentaJ desenvolver aqui uma demonstração do disto; e tanto me­nos ·posso referir-me às numerosíssimas famí lias textuais suscetíveis de se-

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rem interrogadas a partir de uma definição previa de "juridicidade", sugerin­do, para algumas delas, a eventual, subjacente, unidade temática. Posso ape­nas assumir, como wn exemplo entre mil, aquela classe de textos, para mim mais familiares, it qual alude-se quando se usa a expressão "pensamento juridjco".

Os textos que, via de regra, compreendemos nesta expressão são textos que, em uma situação histórica determinada, estruturaram-se e foram utilizados como textos funcionais à formação e transmissão do saber. Que tipo de pergu nta geral pode-se pôr a este tipo de texto?

Certamente se trata, de qualquer maneira, de compreender, como cm toda operação interpretativa, que coisa diz o texto e como o texto diz aquilo que diz. Neste caso específico, entretanto, talvez o dado imediata­mente evidente é o caráter homogêneo dos textos em questão. O que toma estes textos homogêneos? Antes de tudo, a organização da mensagem e a sua destirnação: são textos que produzi ram e nos comunicam um saber; não nos dizem o que devemos fazer ou não fazer; não querem simplesmente qivertir­-nos ou nos informar; propõem-se como textos capazes de aumentar os nos­sos conhecimentos. O que os toma, em termos gerais, homogêneos é o seu componente essencialmente cognitivo, o seu organizar-se em cadeias argu­mentativas e demonstrativas em função da "verdade".

Em termos gerais, portaRto, a raiz da homogeneidade destes textos está na sua definibi lidade como "textos de saber". Na realidade, entretanto, quando falamos de saber no singular, do saber global de uma época, usamos de uma cômoda abstração: o saber é sempre o resultado de uma multiplici­dade de saberes que se encaixam um no outro, coordenam-se ou se sobre­põem, vindo a compor, ~m um contexto dado, urna comp lexa "enciclopédia". Os textos de saber vêm, assim, na realidade a estruturar-se, e como tais pe­dem para ser compreendidos, como textos de saber especializados, como textos que têm tudo em comum, ou seja, uma finalidade cognitiva, mas que mostram depois diferenças relevantes em relação aos diversos saberes que eles transmitem.

Dentro destes textos de saber, portanto, formam-se ulteriores liga­mes de afinidade e respectivas marcas de diferença: alguns textos se coligam prcferivelmente a outros textos, reclamam-se um ao outro, formam no curso ' do tempo um espécie de longa cadeia, vêm a construir uma específica tradi­ção. DenlTO dela, os textos tendem com maior frequência a reclamar-se, a col igar-se um ao outro, vindo a constituir, por assim dizer, os pontos de uma linha ininterrupta. A conduzir o leitor ao longo desta linha estão os mesmos textos, através do jogo combinado de citações abertas e algumas remições dissimuladas; e o que deles impressiona é a sua "área de família", a intuitiva reconb ecíbilidade de traços comuns, apesar de neles rustioguirem-se alguns aportes individuais, nas mudanças das modas e dos usos.

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Ora, uma pergunta de caráter geral que é possível direcionar a estes tipos de textos diz respeito justamente à sua "área de família": o que toma estes textos compatíveis entre si e relativamente homogêneos? O que faz com que um setor do saber seja unitário com relação a um outro, o que con­fere a uma disciplina a sua específica identidade, estabelecendo contigu idade e diferenças com relação às outras disciplinas na enciclopédia do saber?

De frente aos textos de saber, de frente a uma específica tradição disciplinar, existe assim, penso cu, uma pergunta geral que, de qualquer modo, precede (e apesar disso é qualitativamente diversa dela) a longa série de questões que podemos formular a propósito dos específicos conteúdos e problemas afrontados a cada vez pela própria disciplina.

A resposta concreta a uma tal pergunta peananece confiada, obvia­mente, às inúmeras narrativas historiográficas que em tomo dela se possam desenvolver. Além da variedade das respostas, é, todavia, possível, penso eu, precisar ulteriom1ente os termos da pergunta servindo-se do conceito de pa­radigma ou matriz disciplinar14

Indagar sobre a matriz de uma disciplina significa em substância tentar individualizar aq11eles elementos que permitem a uma disciplina existir e funcionar: antes de tudo a definição de objeto teórico da disciplina, do tema central sobre o qual os vários textos disciplinares convergem, o ponto de vista sobre a realidade que a disciplina intenciona transmitir por esta via; e depois o método recomendado pela disciplina em função da resolução dos concretos problemas que ela vem enfrentando; enfim, o estilo argumentativo adotado e as escolhas de valor imanentes na tradição disciplinar.

Definições de objeto, de método, de estilo argumentativo, de valores: é o conjuJJto destes elementos que constitui a matriz da qual toma forma unitá-1ia a disciplina. Não se trata necessariamente de definições explícitas: os textos revelam a sua "área de famíba" porque, de fato, os autores pcnencentes a uma determinada tradição companilham escolhas fundamentais, adotam específicos

14 O conceito, como se sabe, foi proposto, já há muitos anos, pelo historiador da ciência Kuhn, mas se revelou um insrn1mcnto uulmcnte empregável em variados setores de pes­qmsa. Cf. KUHN, T. S. Ln struttur:i delle rivoluzioni scientifiche. Torino: Einaudi, 1978; KUHN, T. S. The Essential Tension. Selected Studies in Scicntilic Tradition :md Cbange. Chicago-London: Univcrs ity of Chicago Press, 1977; GUTrlNG. G ("cura di). Par:idigms :ind Revolutions. Nolrc·Dome (lnd.): Uaiversity o r Notre Dame Press. 1980; BARNES, B. T .S.Kuhn nnd lhe Sociíl l Science. New York: Columbia University Prcss, 1983; ZULEITA PUCEffiO, E. Parodigmen und Modcllc in der modemen Rechtslhcorie. Recbtstheorie, 15, p. 503-5 14, 1984. Para o uso do conceito de "paradig­mn" nu história do pensamento jurídico cf. COSTA, P. Lo Stato immaginario. Giuffre: Milano, 1986; COSTA, P. La giuspubblicistica dell' ltalia unita: il paradigma disciplinare. ln: SCHIAVONE A (o cura di). S tato e cultura giuridica in ltalia dall'unit:\ alla Re­pubblica. Roma-Bari: La1er.za, 1990.

Soberania, Representação, Democracia 39

pressupostos (com relação ao objeto, ao método, ao estilo) sobre a base dos quaís operam, produzem os seus textos e tomam aqueles textos reconhecíveis e acessíveis como textos pertencentes a um específico setor do saber.

Desenvolve-se, então, um díscurso que se organiza cm função cog­nítiva, estmtura-sc para produzír no leítor um "cfeíto de variedade", e é em relação a esta estratégia que pede para ser compreendido (não desde já avalia­do em nome da prévia decisão cpistemológíca do intérprete): ele representa um ponto de vista sobre a reaLidadc, a abordagem específica de um determina­do saber, realizado e consoLidado pelo consenso implícito dos membros da discíplina mesma. É o .consenso de uma espccííica comunidade dos membros da disciplina mesma. E o consenso de urna específica comunidadc,de autores que torna possível a adoção de estílos e métodos comuns e específicos de uma determinada tradição cognitiva: discurso de saber e comunidade disciplinar que produz aquele discurso e se reconhece nele, implicando-se mutuamente.

É possível, neste ponto, desenhar um mapa esquemático e aproxi­mativo de diversas línhas de pesquisa. Estudar historicamente um sabçr cspe­ciafü.ado> e, assim, o saber jurídico pode comportar, portanto, diversos níveis de análise entre si distintos ainda que ídealmente complementares: um primei­ro objetivo é indíviduar a cifra, o segredo da unídade e tipicidade do saber, o seu particular modo de conceitualizar a experiência; um segundo objetivo é compreender em que modo a estrutura cogn itiv'1 e argumentativa característica de um determinado saber permite a ele individualizar, impostar, resolver os problemas para os quais ele se consídera especificamente equípado; um tercei­ro objetivo é entender as formas de vida e as formas institueíonais, dentro das quais, graças às quais, o saber se veio formando e transmitindo.

O paradigma, de outra parte, é, como dizia, uma realidade de duas faces, que opera "nos" textos de saber, mas junto, finca raizes nas estratégias próprias de um grupo socíal (de vários modos institucionaLizado), a comunida-de dos autores, a comunidade disciplinar que produz e transmite o saber. Uma íntcressaote diretiva de pesquisa procede então, por assim dizer, não a partir do paradigma através da estrutura da disciplina, mas a partir do paradigma através da comunidade dos autores. É claro que dos textos, como sabemos, o historia­dor não pode saír, mas pode, íntcrpretando textos, cruzando enlrc eles diversos tipos de textos, construir narrativas que neste caso tentam se fazer cornpreen- , der, não tanto os conteúdos do saber disciplinar quanto as formas daquela in-teração social na qual os discursos de saber vieram à existir. ·

Os textos de saber se constituem, assim, de um típo relativamente homogêneo de textos que podem ser estudados cm sua específica validade cog­niúva. Entretanto, todos os textos, e por isso também os textos de saber, incluí­dos os textos de saber jwídicos, não são apenas instrumentos de conhecimento: no momento no qual transmitem informações, eles modificam comportamen­tos. Vale assim a morrisiana distinção entre uma análise semântico-sintática e

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uma anál ise pragmática do texto: e para ouh·os poucos textos põe-se com ur­gêncía, como para os textos de saber jurídico, o lJroblema dos seus efeitos pragmáticos; põe-se, isto é, a exigêncLa de compreender de que modo um texto de saber "faz coisas com palavras", modifica os comportamentos, legitima ou deslegitima coalizões de interesses e estratificações de poder. O saber-poder de foucau ltiana memóiia, o saber que inclui necessariamente i1m momento de poder. adquirida, pelos textos de saber jwíclico, uma capacidade de sugestão e uma persuasividade particular, em muilas direções, seja pensando-se na relação entre os textos de saber e a comunidade discipl inar, seja pensado-se na relação entre o jurista e os seus vários, inevitáveis comi tentes políticos.

Trabalhar sobre os textos de saber é escolher um ponto de observa­ção entre os tantos possíveis: um ponto de observação, não um mundo neces­sariamente fechado e perfeito. Será assim possível conjecturar pesq11isas _que traba[ham não já sobre o texto homogêneo mas, por assim dizer, sobre pon­tos de intersecção, sobre zonas de encontro e sobrepos ição de textos dife­rentes. Estas pesquisas então poderão, assim, partir da aná lise de textos de saber. mas se perguntarão cm que modo, em wn contexto dado, o saber ali­menta, p repara, transforma-se em um saber fazer; em que modo, exemplifi­cando, o saber jurídico "acadêm.ico" se enxerta na cultw·a jurídica da práxis jurispnidencial ou da práxis administrativa e vice-versa. Respectivamente, a análise da comunidade disciplinar se complicará com a análise comparativa de outros grupos profissionais, na tentativa de compreensão dos diversos lugares sociais que o jurista pode a cada vez assumir.

São estes breves e rápidos acenos a uma linha de pesquisa imaginável dentro de uma análise voltada àquele tipo de texto que chamei texto de saber ou texto disciplinar jurídico. Trata-se de exemplos extemporâneos, que não valem nem como um a1ticulado programa de pesquisa nem como um ângulo de ob­servação sobre as atuais pesquisas histórico-jurídicas15, mas que servem apenas para sugerir uma entre as numerosíssimas possibilidades de movimento em um campo que o abandono das certezas tradicionais deixou aberto e indetennjnado, privado de vínculos, mas também de indicações, livre de rígidos limites, mas também desprovido de uma precisa configuração: agora que já surgem menos, de um lado, as "grandes narrativas", ele outro, aquela ''pequena narrativa" que eu gostaria de chamar o "savignismo eterno" da história do direito, do qual Bett'i havia, por último, fornecido a mais sofisticada e robusta fundação.

Espall1ar uma pitada de anarquismo metodológico na ordenada c ida­dela bistó1ico-j uridica significa em substância aproximar-se dos textos re­nunciando a certezas prévias: a uma preven tiva hierarqu ização da experiêu-

15 Para uma apresentação da amai historiografia jurídica italiana cf. MAZZACANE, A. Temdenze attua li dc lla storiografia giuridica ital iana sull'e1à moderna e contemporanea. Scienza & Politica, 6, p. 3-26, 1992.

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Soberania, Representação. Democracia 41

eia e a uma ideia do jurídico como estrutura u11itá1ia da expedencia. Signifi­ca olhar os textos de saber sem pretender que eles exprimam e exaltem a essência do jurídico: significa olhar aos textos disciplinares jurídicos sem se pôr necessariamente dentro da tradição, sem inserir-se no bettiano processo circular que transcorre do presente ao passado na inalterável unidade da ciên­cia jlll·ídica e do seu circular desenvolvimento.

Olhar os textos de saber jurídico "anarquisticameote" significa fa­zer dar um passo forã ela sua tradição e olhar a disciplina jtuídica e a sua história de um ponto de observação destacado com relação a ela. Perguntamo­-nos, então, de que modo o saber se estruturou, funcionou, produziu signifi­cados, enfrentou e resolvêu problemas, expressou o seu ponto de vista sobre a realidade; não assumimos propliamentc uma "doutrina" jurídica, não nos identificamos com a dogmática dos nossos dias em toda a sua organização sistemática global; não decidimos sobre a "verdade" de uma ou de outra teoria. Comportamo-nos frente aos textos de saber jurídicos como o ento­mologista frente às abelhas: seguindo-as dil igentemente, diria amorosamen­te, o voo, os hábitos, a vida; sem, -~otretanto, pretender entrar na colmeia para co laborar na produção de mel.

Emerge, então, a propósito d isto, a pergunta ligada ao tema "a que serve a história do direito". A pergunta, trivial na sua corrente formulação, revela-se na realidade fundamental se a entendemos como uma pergunta sobre o sentido da operação hermenêutica que como histo1iadores do dire.ito tentamos compreender. Não é possível, agora, nem ao menos inscrever uma pergu11ta assim complexa. Vale apenas, conclusivamente, aceno que se co­necte com a diagnose ou, para melhor dizer, com a impressão da qual paiti: se é verdade que as "grandes nan-ativas" perderam muito de sua eficácia persuasiva, então também a pergunta sobre o sentido da operação historio­gráfica deverá ser novamente inscrita.

A ideia de um saber progressivo e emancipató1io ligava-se, via de regra, ao compartilhamento das grandes narrativas omnicompreensivas, co­nectava-se em particular com o modelo positivista e marxista e reverberava seus efeitos sobre a interpretação historiografia legitimando-a como capítulo de uma práxis de libertação. A c1·ise destes modelos tomou, sem dúvida, mais problemâtica a conexão entre saber historiográfico e emancipação ou progresso. Em uma perspectiva hermenêutica, talvez o sentido da operação historiográfica pudesse ser referido não a wn geral projeto emancipatório, mas a uma mais modesta e sugestiva, mas não transcurável, lógica do con­fronto: e poder-se-ia pensar, então, na interpretação historiográfica como um exercício de curiosidade e de paixão com relação ao diferente, ao longínquo, ao disforme; um exercício de compreensão transcultural, similar na substân­cia ao trabalho do etnólogo, que aceita o desafio da diversidade jogando não com o fator "espaço'', mas com o fator "tempo".

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UFRJ – FND História do Direito, das Instituições e do Pensamento Jurídico-Político Prof.a Hanna Helena Sonkajärvi (B), 3a feira, 13:00 às 14:40h; (Noite), 3a feira, 20:10 às 21:50h

Plano de Curso – 2015.1 10/03 Inicio das Aulas: Divulgação do programa pela monitora 1a Aula 17/03 Análise e discussão, junto com a monitora, do texto:

COSTA, Pietro. Soberania. Representação, Democracia. Ensaios de História do Pensamento Jurídico. Curitiba: Juruá, 2010, p. 17-41.

2a Aula 24/03 Apresentação do Plano de Curso; Introdução Geral: O que é a História do Direito?

HESPANHA, António Manuel. Panorama Histórico da Cultura Jurídica Européia. Lisboa: Publicações Europa-América, 2002, p. 35-71.

3a Aula 31/03 O Desenvolvimento da História do Direito como Disciplina Científica

FONSECA, Ricardo Marcelo. O deserto e o vulcão. Reflexões e avaliações sobre a História do Direito no Brasil. In: forum historiae iuris (revista online), 15 de Junho de 2012.

4a Aula 07/04 O Direito Romano e sua Recepção

LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. Lições introdutórias. São Paulo: Atlas, 2008, p. 97-124.

[14/04: Revisão dos textos] 5a Aula 28/04 Ordem Jurídica Medieval e Pluralismo Jurídico na Idade Média e Idade Moderna 1

HESPANHA, António Manuel. Os juristas como Couteiros. A Ordem na Europa Ocidental dos inícios da Idade Moderna. In: Análise Social, v. 36, n. 161, p. 1183-1208, 2001.

6a Aula 05/05 Ordem Jurídica Medieval e Pluralismo Jurídico na Idade Média e Idade Moderna 2: trabalho com uma fonte histórica: “Lei da Boa Razão”.

“Lei de Boa Razão, de 18.08.1769”. In: Delgado da Silva, António. Collecção da Legislação Portugueza desde a ultima compilação das Ordenações. Lisboa, na Typ. Maigrense 1825 a 1830. fol. 6 vols. (legislation, by chronological ordem,

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between 1750 and 1820.) (http://www.fd.unl.pt/ConteudosAreas Detalhe.asp?ID=40&Titulo=Biblioteca%20Digital&Area=BibliotecaDigital).

7a Aula 12/05 A Construção do Direito no Brasil: Pluralismo e Diversidade Cultural

CARVALHO, José Murilo de, Os três povos da República. In: Revista USP, v. 59, p. 96-115, 2003.

8a Aula 19/05 História e Direito Contemporâneo: O Exemplo das Comissões da Verdade (Memória e História Oral)

SABADELL, Ana Lucia; DIMOULIS, Dimiri, Anistia. A política além da justiça e da verdade. In: Acervo, v. 24, n. 1, p. 79-102, 2011.

9a Aula 26/05 Análise e discussão junto com os alunos do texto

FICO, Carlos, Violência, trauma e frustração no Brasil e na Argentina: o papel do historiador. In: Topoi. Revista de História, v. 14, n. 27, p. 239-261, 2013.

Reservado para aula de revisão e dúvidas sobre a prova Prova individual 09/06 Prova individual escrita (Matéria: conteúdo das aulas e todos os textos) 12a Aula 16/06: Entrega das Provas 2a Chamada 23/06 (= Para quem não a prova no dia 09/06) Prova individual escrita (Matéria: conteúdo das aulas e todos os textos das aulas) 13a Aula 30/06: Entrega das Provas Prova Final 07/07 (matéria toda) Prova individual escrita (Matéria: conteúdo das aulas e todos os textos das aulas) 14a Aula 14/07: Entrega das Provas

Avaliação: Prova individual: prova escrita individual, 5 questões = 10 pontos. Matéria da prova: conteúdo das aulas e todos os textos.

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UFRJ – FND História do Direito, das Instituições e do Pensamento Jurídico-Político Prof.a Hanna Helena Sonkajärvi (C), 4a feira, 14:50 às 16:30h

Plano de Curso – 2015.1 11/03: Início das Aulas: Divulgação do programa pela monitora 1a Aula 18/03 Análise e discussão, junto com a monitora, do texto:

COSTA, Pietro. Soberania. Representação, Democracia. Ensaios de História do Pensamento Jurídico. Curitiba: Juruá, 2010, p. 17-41.

2a Aula 25/03 Apresentação do Plano de Curso; Introdução Geral: O que é a História do Direito?

HESPANHA, António Manuel. Panorama Histórico da Cultura Jurídica Européia. Lisboa: Publicações Europa-América, 2002, p. 35-71.

3a Aula 01/04 O Desenvolvimento da História do Direito como Disciplina Científica

FONSECA, Ricardo Marcelo. O deserto e o vulcão. Reflexões e avaliações sobre a História do Direito no Brasil. In: forum historiae iuris (revista online), 15 de Junho de 2012.

4a Aula 08/04 O Direito Romano e sua Recepção

LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. Lições introdutórias. São Paulo: Atlas, 2008, p. 97-124.

[15/04: Revisão dos textos] 5a Aula 29/04 Ordem Jurídica Medieval e Pluralismo Jurídico na Idade Média e Idade Moderna 1

HESPANHA, António Manuel. Os juristas como Couteiros. A Ordem na Europa Ocidental dos inícios da Idade Moderna. In: Análise Social, v. 36, n. 161, p. 1183-1208, 2001.

6a Aula 06/05 Ordem Jurídica Medieval e Pluralismo Jurídico na Idade Média e Idade Moderna 2: trabalho com uma fonte histórica: “Lei da Boa Razão”.

“Lei de Boa Razão, de 18.08.1769”. In: Delgado da Silva, António. Collecção da Legislação Portugueza desde a ultima compilação das Ordenações. Lisboa, na Typ. Maigrense 1825 a 1830. fol. 6 vols. (legislation, by chronological ordem, between 1750 and 1820.) (http://www.fd.unl.pt/ConteudosAreas Detalhe.asp?ID=40&Titulo=Biblioteca%20Digital&Area=BibliotecaDigital).

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13/05 Dia da Jornada de Iniciação Cientifica: Não vai ter aula 7a Aula 20/05 A Construção do Direito no Brasil: Pluralismo e Diversidade Cultural

CARVALHO, José Murilo de, Os três povos da República. In: Revista USP, v. 59, p. 96-115, 2003.

8a Aula 27/05 História e Direito Contemporâneo: O Exemplo das Comissões da Verdade (Memória e História Oral)

SABADELL, Ana Lucia; DIMOULIS, Dimitri, Anistia. A política além da justiça e da verdade. In: Acervo, v. 24, n. 1, p. 79-102, 2011.

03/06 Reservado para aula de revisão e dúvidas sobre a prova 9a Aula 10/06 Análise e discussão junto com os alunos do texto

FICO, Carlos, Violência, trauma e frustração no Brasil e na Argentina: o papel do historiador. In: Topoi. Revista de História, v. 14, n. 27, p. 239-261, 2013.

17/06 Prova individual Prova individual escrita (Matéria: conteúdo das aulas e todos os textos) 2a Chamada 24/06 (= Para quem não fez a Avaliação no dia 17/06) Prova individual escrita (Matéria: conteúdo das aulas e todos os textos das aulas) 13a Aula 01/07: Entrega das Provas Prova Final 08/07 (matéria toda) Prova individual escrita (Matéria: conteúdo das aulas e todos os textos das aulas) 14a Aula 15/07: Entrega das Provas

Avaliação: Prova individual: prova escrita individual, 5 questões = 10 pontos. Matéria da prova: conteúdo das aulas e todos os textos.