história das relações internacionais

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História das Relações Internacionais “O Direito Internacional oitocentista é um direito dos povos civilizados que se universaliza nos alvores do século XX” No século XVI, assiste-se a uma idependência dos Estados em relação à Igreja, conduzindo à racionalização do Direito Internacional, convertendo-se o ius gentium christianorum em ius publicum europeaum. É o que Slim Laghmani, denomina de “destruição” ou “reestruturação”, isto porque, sob fim da Respublica Christiana é criada uma Europa de Estados, que constituí o chamado moderno Direito Internacional, baseadado na ideia de Estado. Portanto, um ius gentium europaeum, que na verdade, é até à Conferência de Paris de 1856, um Direito Cristão Europeu, que se pautava por um ideial cristão, aplicado aos Estados europeus e aos Estados americanos, é esta a génese do direito oitocentista que se vai desenvolver. Durante o século XVI, este Direito Internacional, teorizado em função da sociabilidade do Homem, era tido como universal, contudo, a partir do século XVII, com a formulação da figura do Estado, e a posterior sedimentação do Estado Moderno, perde a sua vertente universalista, passando a ser o Direito de apenas alguns Estados, nomeadamente, dos cristãos ou civilizados. Com a negação do princípio da universalidade do direito das gentes, assiste- se no século XIX, a uma recusa dos entendimentos de

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“O Direito Internacional oitocentista é um direito dos povos civilizados que se universaliza nos alvores do século XX”

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História das Relações Internacionais

“O Direito Internacional oitocentista é um direito dos povos civilizados que se universaliza nos alvores do século XX”

No século XVI, assiste-se a uma idependência dos Estados em relação à Igreja,

conduzindo à racionalização do Direito Internacional, convertendo-se o ius gentium christianorum

em ius publicum europeaum. É o que Slim Laghmani, denomina de “destruição” ou

“reestruturação”, isto porque, sob fim da Respublica Christiana é criada uma Europa de Estados,

que constituí o chamado moderno Direito Internacional, baseadado na ideia de Estado. Portanto,

um ius gentium europaeum, que na verdade, é até à Conferência de Paris de 1856, um Direito

Cristão Europeu, que se pautava por um ideial cristão, aplicado aos Estados europeus e aos

Estados americanos, é esta a génese do direito oitocentista que se vai desenvolver.

Durante o século XVI, este Direito Internacional, teorizado em função da sociabilidade do

Homem, era tido como universal, contudo, a partir do século XVII, com a formulação da figura do

Estado, e a posterior sedimentação do Estado Moderno, perde a sua vertente universalista,

passando a ser o Direito de apenas alguns Estados, nomeadamente, dos cristãos ou civilizados.

Com a negação do princípio da universalidade do direito das gentes, assiste-se no século XIX, a

uma recusa dos entendimentos de Vitória, Suárez, Grócio e Gentili que denfendem uma

comunidade universal da sociedade humana, que englobava todas as comunidade humanas

sujeitas a um Direito dito superior, o Direito Natural. As correntes positivistas que se

desenvolvem no referido século, vão recusar a ideia de um direito comum universal, defendo que

o Direito Internacional, seria apenas o cumum aos povos que conjuntamente contribuíssem para

a sua construção. Ou seja, o Direito Internacional, era no século XIX, “um ordenamento jurídico

de uma sociedade de Estados, concreta e historicamente determinada”, é um verdadeiro Direito

europeu aplicado apenas aos estados cristãos e civilizados. As concepções de alguns autores,

como Kluber e Heffter, comprova esta ideia da existência de um Direito Internacional europeu

aplicável apenas a alguns. Assim Kluber, defende que o Direito das Gentes constituía um direito

europeu, reconhecido nos Estados Unidos da América e no Brasil, mas não aplicado à Turqui.

Também no pensamento de Heffter, o Direito Internacional, aplicava-se exclusivamente às

nações europeias, incluindo-se os Estados Unidos da América e os Estados latino-americanos,

ficando os povos selvagens e os muçulmanos excluídos.

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História das Relações Internacionais

De acordo com o enunciado, é de que concluir que, o Direito Internacional oitocentista,

dito europeu, é um direito apenas dos povos civilizados ou considerados civilizados, na época. O

conceito de civilização é por isso, fundamental para determinar o que é, bom como, o âmbito

de aplicação deste direito. Nesta medida, é importante destrinçar o referido conceito, e ainda

analisar quais eram os povos considerados civilizados, ou seja, que estavam sujeitos ao Direito

Internacional.

Assim, o termo civilização denota o grau de desenvolvimento cultural em que se

encontra um determinado povo, sendo que o densenvolvimento cultural, incluí as técnicas

dominadas, as relações sociais, as crenças, os valores, factores economicos e a criação

artística.

Associado ao conceito, surge a ideia que é partilhada por autores como, Holtzendorf e

Martens, que defendem a necessidade de existir uma consciência jurídica comum e a

partilha dos mesmos interesses e princípios, como requesito para a qualificação de um

Estado como civilizado, em que seria, por esta ordem de ideias, aplicado o Direito Internacional.

Considerarando-se que este só era possível em sociedades com determinado grau de

desenvolvimento, consciência jurídica e organização política, o mesmo é dizer que, seriam

civilizadas as nações que partilhavam costumes, usos, instituições sociais, culturais e uma

indentidade nas relações internacionais e nas práticas diplomáticas. E como nos povos

selvagens não existia uma organização, nem a tal consciência ou partilha de interesses (pelo

menos, organizados), vivendo estes numa espécie de anarquia, não podiam estar sujeitos aos

mesmos direitos e deveres dos Estados civilizados.

É de notar que, a exigência de uma consciência jurídica comum dos princípios gerais

que orientam as relações entre os Estados, decorre da realização positiva através de tratados e

costume, do Direito Internacional. Esta consciência só existe nos Estados de civilização

europeia, e naqueles que comungam desta civilização, razão pela qual, mais uma vez, os povos

bárbaros e selvagens estavam excluídos. Assim, com base na formulação do termo civilização,

e a consequente necessidade de consciência e partilha de objectivos, pode afirmar-se que o

Direito Internacional oitocentista é um direito dos povos civilizados, nos quais essa

consciência jurídica, partilha de interesses, direitos e deveres estava presente.

Esta dicotomia, entre povos civilizados e não civilizados, levanta a questão de saber

como é que se estabeleciam e regulavam as relações internacinais entre estes povos, para uns,

nomeadamente, Heffter, eram reguladas pelas normas convencionais, para outros, como

Martens, as relações submeter-se-iam aos ditames do Direito Natural. Numa posição intermédia,

está Despagnet, considerando que as relações entre povos civilizados e não civilizados,

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deveriam reger-se segundos os princípios da moral e por tratados particulares de amizade,

comércio, concessões territoriais, entre outros direitos. Nos finais do século XIX, parece dominar

o entendimento de que os povos civilizados deviam respeitar os princípios de Direito Natural,

dando o exemplo aos povos não civilizados.

Porém, Bluntschli, na defesa da tese universalista, criticou a existência de um Direito

Internacional puramente cristão, considerando que o fim Direito Internacional é a organização de

toda a humanidade, não devendo restringir-se apenas aos Estados europeus, mas sim, a todos

os povos. Independentemente, e embora reconheça a importância dos Estados europeus e

americanos no seu desenvolvimento e garantia. Mérignhac, vem ainda acrescentar que estes

Estados tinham a obrigação de dar a conhecer este ramo do direito, bem como, certificar-se das

condições necessárias para a sua aplicação nos povos não civilizados. É com base nos

entendimentos destes e outros autores, que se pode considerar que se pretendia uma

universalização do Direito Internacional. O ius publicum europaeum vai transformar-se num

direito universal, fruto da abertura a novas sociedades, decorrentes dos movimentos

nacionalistas, que durante o século XIX e início do século XX, deram origem ao aparecimento de

novos Estados, que reivindicavam a existência de um direito que se adequasse à realidade de

cada um. Por outro lado, o movimento codificador tem também grande importância, contribuindo

para a uniformização de um Direito Internacional.

A duas Guerras Mundiais foram dois acontecimentos que contribuiram em muito para a

universalização do Direito Internacional, isto porque, delas resulta uma nova composição da

sociedade internacional, decorrente da proliferação de novos Estados, novos ideais políticos, o

aparecimento das organizações internacionais, e ainda preocupações com novas matérias como

a economia, a saúde mundial com a criação da Organização Mundial de Saúde, a protecção do

meio ambiente, a defesa dos Direitos Humanos com os diversas organizações internacionais

especializadas dentro e fora da ONU, tudo isto conduziu, no século XX ao reforço da

universalização do Direito Internacional.

Assim sendo, e em conclusão, o Direito Internacional oitocentista é um direito dos

povos civilizados que se universaliza nos alvores do século XX, um Direito Público que no

século XVI, se aplicava às nações europeias, que comungavam um ideal cristão.

Posteriormente, com a construção da figura do Estado, e a afirmação do Estado moderno a partir

do século XVII, o Direito Internacional perde a sua vertente universalista passando a ser o Direito

de apenas alguns Estados, os civilizados, ou seja, os que detinham, na visão de Holtzendorf e

Martens, a consciência jurídica comum e a partilha dos mesmos interesses e princípios, a ideia

da existência de um Direito Internacional aliado ao conceito de civilização. Por fim, nos séculos

XIX e XX, fruto dos movimentos nacionalistas, e das duas Guerras Mundiais, o Direito

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Internacional sofre alterações verificando-se uma verdadeira universalização do mesmo,

deixando se ser, tal como o Professor Jorge Miranda considera, um Direito “euro-americano”,

para passar a ser um Direito universal.

Referências bibliográficas:

- Pedro Caridade de Freitas, Portugal e a Comunidade Internacional, na segunda metade do século XIX, Lisboa, Quid Juris, 2012;

- António Pedro Barbas Homem e Pedro Caridade de Freitas, Textos de apoio de História das Relações Internacionais, Lisboa, AAFDL, 2012;

- Jorge Miranda, Curso de Direito Internacional Público, 5ª edição, Principia, 2012.