2º seminÁrio de relaÇÕes internacionais: … · em elaborar a história das relações...
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2º SEMINÁRIO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS: GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO
“OS BRICS E AS TRANSFORMAÇÕES DA ORDEM GLOBAL”
João Pessoa, 28 e 29 de Agosto de 2014
Trabalho para apresentação em Workshop Doutoral
Área Temática: Economia Política e Análise de Política Externa
Relações Brasil-Moçambique: de 1975 aos dias atuais
José Alejandro Sebastian Barrios Díaz
Doutorando do Instituto de Relações Internacionais - IREL
Universidade de Brasília - UnB
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Introdução
Um dos maiores legados da política externa brasileira é a constituição de um
acumulado de relações bilaterais em nível global, e o estudo das relações bilaterais entre a
República Federativa do Brasil e a República de Moçambique se insere nesse contexto. A
constituição desses vínculos acontece por diversos motivos, dentre os quais políticos,
econômicos, culturais e sociais. O presente projeto de tese pretende utilizar a história como
ferramenta para analisar as conexões entre essas dimensões, tanto no campo empírico
como no conceitual.
Particularmente, as relações com os países africanos é um processo histórico que
pode ser recortado até o período colonial brasileiro. Contudo, o relacionamento brasileiro
contemporâneo com o continente africano tem sido uma variável na política externa.
Atualmente a percepção é que esse vínculo tem sido fortalecido e ampliado, tanto pela
figura do ex-presidente Lula da Silva, como pelas instituições domésticas que trabalham em
nível internacional, utilizando o patrimônio histórico construído pelas relações bilaterais com
os países ou blocos.
Em se tratando de África, por um lado, parece que o continente emergiu como um
novo polo global de crescimento econômico (SARAIVA, 2008). As atenções globais se
voltam para aquele continente e se materializam na forma de investimentos externos e as
altas taxas de crescimento, oportunidades de comércio e forte presença dos países
desenvolvidos, como Europa, Japão, Estados Unidos, mas também dos emergentes,
especialmente China e Brasil.O desafio, contudo, permanece distribuição do crescimento
econômico e questões de estabilidade política.
É possível acrescentar uma lista que descreve todo um esforço em alfabetização e
emergência de uma classe média e uma nova geração de empresários, incremento dos
gastos em saúde e modernização agrícola, aumento da produtividade e consolidação da
democracia, em um contexto cujo histórico de vulnerabilidades econômicas e problemas
institucionais persiste e faz da África um laboratório para o estudo do poder mundial em
formação e transformação.
Por outro lado, continuam os desafios memoráveis, tal como as situações de risco
político, social e econômico, fragilidades institucionais, partidos que se mantém no poder
durante décadas (como no caso da FRELIMO em Moçambique), baixos níveis de
desenvolvimento humano, de apropriação das políticas de desenvolvimento internacional,
acesso à terra, tecnologia, bens e serviços importantes para a população em geral.
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Vale a pena destacar que, no mosaico de Estados que constituem a África,
tradição e modernidade têm-se amalgamado, criando uma situação singular dentro de cada
país. Neste sentido, existe uma necessidade de buscar a singularidade dos distintos
processos de desenvolvimento para compreender as questões contemporâneas das
relações internacionais em África.
O desmantelamento do sistema colonial começa com o fim da Segunda Guerra
Mundial e as consequentes mudanças nas relações de poder entre as grandes potências. A
descolonização da África Subsaariana se inicia em 1957, com a independência de Gana,
mas Portugal conservou seus territórios até o ano de 1975, data das independências de
todas as colônias portuguesas em África, salvo Guiné Bissau, independente desde 1973
(SARAIVA, 1997).
Portanto, as relações Brasil-Moçambique antes de 1975 passavam,
compulsoriamente, pelo eixo com Portugal, caracterizado pelos compromissos que mantinha
o Brasil com esse país. Esse eixo, por sua vez, orientou a relação do Brasil com o mundo
colonial português até a revolução dos cravos.
Neste sentido, este projeto de tese toma como objeto de estudo as relações Brasil-
Moçambique, em perspectiva histórica, na totalidade de suas dimensões. O recorte temporal
estabelecido para a pesquisa é 1975-2015, quando da independência de Moçambique.
Ainda que seja possível (e desejável para os fins da pesquisa) retroceder no tempo, o objeto
de estudo é definido nesses termos temporais e espaciais.
Assim, o trabalho pretende desenvolver uma narrativa das relações Brasil-
Moçambique, que procure responder a seguinte pergunta: “como se constituíram as
relações entre Brasil e Moçambique e quais as possibilidades e desafios que se apresentam
no horizonte”?
Todavia, foram elaboradas perguntas secundárias para orientar o desenvolvimento
das etapas do trabalho e a pesquisa nas diversas fontes. Propõe-se o uso de perguntas por
capítulos e por fontes, de maneira a ir respondendo o problema de pesquisa enunciado
acima por partes. Algumas dessas perguntas auxiliares são, por exemplo: como as políticas
exteriores de Brasil e Moçambique se encontraram? Em quais dimensões? Onde se
conectam os distintos processos históricos de formação nacional e inserção internacional de
ambos os países? É possível falar no estabelecimento de uma parceria estratégica? Qual é
a estrutura de poder dessa relação? Quais foram os ganhos para o Brasil? E para
Moçambique? O que cada país quer? Que tipos de políticas se perseguem? Em que tipo de
pensamento essas políticas estão fundamentadas? O que cada lado realmente faz?
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Dois eixos analíticos procuram incorporar assuntos das relações internacionais
contemporâneas ao trabalho, que é a busca do entendimento da relação entre política
externa e desenvolvimento (em se tratando das políticas exteriores envolvidas), e da relação
entre política externa e cooperação internacional do Brasil (em se tratando das instituições
nacionais que trabalham com Moçambique, considerando a cooperação como um
instrumento de política externa).
A ideia central do trabalho é conectar os distintos processos históricos de (formação
nacional? Acho que não) inserção internacional de ambos os países e reconstruir essa
história à luz de evidências empíricas e teóricas, enfocando as semelhanças e diferenças,
os pontos de contato e atrito e as perspectivas para o porvir, e fornecer os fios condutores
dessa relação. É examinar os diferentes padrões das relações Brasil-Moçambique em sua
própria individualidade.
Mais do que a história diplomática, se procurará investigar os elemento cognitivos,
ideologias, intenções e desdobramentos que marcaram a aproximação entre ambos os
países, e que definiram e definem as suas relações exteriores. Neste sentido, ao se pensar
em elaborar a história das relações internacionais (ao invés de relações bilaterais) entre
ambos os países, se amplia o objeto de estudo para o nível tanto do sistema internacional,
como das interações que decorrem de elementos sociais, econômicos, culturais, dimensões
que reivindicam análises em outras fontes que não somente os documentos oficiais e
diplomáticos.
O estudo da história das relações internacionais, para Renouvin & Duroselle (1967)
serve para explicar as relações entre as comunidades políticas. Nessa perspectiva teórica e
metodológica, o Estado é o principal ator, e sua ação é o foco das relaçõesinternacionais,
mas limitar-se ao estudo da história diplomática não basta para explicar os elementos das
relações entre esses atores.
De maneira geral, para Duroselle (2000) o estudo científico das relações
internacionais só pode ser baseado no conhecimento fornecido pela história. Há uma
necessidade de nos aproximar dos acontecimentos, ou seja, os processos que
estabeleceram as relações entre Brasil e Moçambique. Essa perspectiva, que é teórica e
metodológica, permite o estudar as respectivas sociedades nacionais, no sentido de
encontrar visões de mundo em comuns, e portanto,as regularidades, os principais pontos de
encontro entre ambos os países e suas convergências em relação ao sistema internacional,
bem como divergências e dificuldades.
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Pensar em termos de uma história das relações internacionais entre Brasil e
Moçambique,é pretender produzir um conhecimento dos fatos, conceitos, eventos e
acontecimentos com os quais progrediram as relações entre ambos os países, incluindo a
construção das relações exteriores e as subsequentes políticas externas, mas também das
instituições brasileiras que atualmente mantém relações com Moçambique, que serão
devidamente mapeadas e estudadas no decorrer do trabalho.
Cinco hipóteses foram formuladas para este projeto de tese, com vistas a responder
a primeira parte da pergunta/problema desta pesquisa, apresentadas no quadro abaixo.
Hipótese I Considerando que os destinos da cooperação internacional são dados
importantes sobre política externa e relações de poder, Moçambique
(um dos principais destinos da cooperação brasileira) aparece como um
ator importante, pelo qual o Brasil operacionaliza seu paradigma de
cooperação sul-sul.
Hipótese II As relações Brasil-Moçambique se constituíram no âmbito do processo
de independência de Moçambique, em 1975. As diplomacias
envolvidas são os aparelhos de Estado que permitiram o adensamento
das relações bilaterais.
Hipótese III Moçambique como um palco para o Brasil implementar políticas de
desenvolvimento internacional (saúde, educação, agricultura) e um
mercado para atuação de empresas brasileiras (Odebrecht, Vale
Moçambique, Grupo Andrade Gutierrez etc).
Hipótese IV Existe uma questão moral, histórica e cultural que liga o Brasil às ex-
colônias de Portugal. As relações Brasil-Moçambique assumem essa
tendência devido ao passado compartilhado e afinidades culturais.
Hipótese V A questão essencial entre Brasil e Moçambique é política e não moral,
econômica ou histórica. Foram questões políticas que principiaram o
estabelecimento das relações e que tiveram um papel fundamental no
curso dos eventos.
Justificativa
O estudo histórico das relações entre Brasil e Moçambique é uma exigência do
momento e a pesquisa visa colaborar para o entendimento de como o Brasil se posiciona no
mundo. Não consta na literatura uma pesquisa como a formulada neste projeto, de modo
que traria contribuições importantes para a comunidade de brasileiros que trabalha com
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Moçambique, em suas diversas necessidades. Em segundo lugar Moçambique aparece
como um dos principais destinos da cooperação internacional do Brasil, um dos grandes
instrumentos da política externa.
Neste sentido, os destinos da cooperação internacional são dados significativos para
se pensar na inserção internacional do Brasil. Em relação à África, os países de língua
portuguesa representam o destino para 74% dos recursos de cooperação, tornando-se a
região com maior aporte de recursos brasileiros (CABRAL & WEINSTOCK, 2012). A figura a
seguir mostra a distribuição geográfica da cooperação do Brasil, onde se destaca a África
como principal destino.
Figura 1 - Destinos geográficos da cooperação internacional do Brasil, 2012.
Fonte: CABRAL & WEINSTOCK, 2012.
Todavia, dos países contemplados pela agenda de cooperação do Brasil,
Moçambique aparece como principal centro dos investimentos do governo brasileiro até
2010, é palco de um dos principais projetos de cooperação técnica, a construção da fábrica
de medicamentos antirretrovirais, chamada Sociedade Moçambicana de Medicamentos,
produto de uma visão específica do Brasil sobre a cooperação internacional. A figura abaixo
mostra Moçambique como principal destino de cooperação.
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Figura 2 - Países que receberam recursos de cooperação brasileira
Fonte: CABRAL & WEINSTOCK, 2012.
De acordo com o World Economic Outlook,do Fundo Monetário Internacional (2013),
Moçambique cresce a uma taxa de 7.5% ao ano que, de acordo com previsões do IMF
(2013), pode chegar a 8.4% ainda em 2013, apresentando uma taxa crescendo desde o
processo de paz e as primeiras eleições. De maneira geral, esse crescimento contínuo da
última década foi baseado no aumento do consumo doméstico e das exportações (gás
natural e carvão), investimentos em infraestrutura (mega projetos como hidroelétricas),
capacidade produtiva e aumento do setor extrativo, ainda que a agricultura do país seja
majoritariamente de subsistência.
É importante notar que o setor industrial do país é explorado principalmente por
empresas de capital estrangeiro e sul-africanas que trabalham no setor de alumínio, energia,
gás natural e areias (IPC, 2007).
Um dos grandes problemas que enfrenta Moçambique é a falta de pessoas com
habilidades técnicas, capacitadas para apoiar o processo de desenvolvimento. Estima-se
que 70% da população fez o ensino fundamental, 4% o ensino médio (secundário) e apenas
um por cento cursou o ensino universitário (APRM, 2010). Este é um dos espaços que o
Brasil tem ocupado em Moçambique, por meio de diversos projetos de cooperação,
principalmente nas áreas de agricultura, saúde pública e educação.
Em poucas palavras, penso que Moçambique pode ser entendido como um parceiro
em formação, e o presente reivindica que essa história seja reconstruída e trabalhada, de
maneira a explicar como os elementos (políticos, econômicos, sociais, históricos, culturais)
se relacionam uns com os outros, como se processou a transformação de uma postura
anticolonial para a incorporação de Moçambique e de outros países africanos na agenda da
política externa brasileira.
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O trabalho vai contribuir com o fortalecimento da compreensão do tempo presente,
ao explicar com propriedade aspectos da relação do Brasil com este país da África Austral.
Por isso se atribui relevância ao resgate da formação histórica do Estado de Moçambique e
sua intersecção com a história das relações internacionais do Brasil.
Considerando a existência de lacunas nos estudos brasileiros em relação à África,
este trabalho pretende ser um documento de referência quando se trata da relação Brasil-
Moçambique e contribuir a diminuir as brechas de conhecimento em relação ao continente
africano.
Objetivos
O objetivo geral do trabalho é compreender as intersecções entre as políticas
externas do Brasil e Moçambique, das semelhanças e diferenças e dos pontos de contato e
atrito, por meio da reconstrução histórica das relações Brasil-Moçambique, de 1975 aos dias
atuais.
Em termos de objetivos específicos, o trabalho pretende:
1. Construir uma imagem de Moçambique, explorando seu contexto histórico,
social, econômico e político e problematizar a história recente vis-à-vis a
presença de atores internacionais e suas políticas no país;
2. Estudar a inserção internacional de Moçambique e sistematizar sua política
externa, desde a formação do Estado Nacional em 1975, aos dias atuais;
3. Fornecer um quadro do marco legal de todas as iniciativas acordadas no
âmbito governamental entre Brasil e Moçambique, de 1975 aos dias atuais;
4. Proporcionar um entendimento conceitual/empírico da relação entre política
externa e desenvolvimento e qualificar esse desenvolvimento;
5. Explicar como os distintos elementos presentes na relação Brasil-
Moçambique se relacionam uns com os outros à luz das políticas externas.
Revisão de Literatura
Esta seção retoma os principais conceitos colocados durante a introdução e a
justificativa. Busca dar um panorama de como a literatura tem trabalhado especificamente
com: (i) a história de Moçambique; (ii) as relações Brasil – África; (ii) as relações Brasil e
Moçambique e (iv) as teorias do desenvolvimento, um dos eixos de análise do Projeto. Esta
seção está dividida em quatro pontos, obedecendo à ordem estabelecida acima.
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Uma breve história de Moçambique
Moçambique faz parte de uma das últimas levas de independência que se originam
com o desmantelamento do sistema colonial no pós-Segunda Guerra Mundial. É preciso
reconhecer que o colonialismo e a recente independência tiveram um grande peso na
formação do Moçambique contemporâneo. O país nasceu com opções ideológicas e
políticas que devem ser consideradas para a análise do objeto.
A colonização foi um período controverso, pois significou a realização de uma
experiência histórica específica, que abrange a dimensão física, humana e espiritual e
produz um tipo particular de discurso em relação às sociedades africanas em geral
(MUDIMBE, 1988). O discurso do progresso, da colonização e da modernidade, se mesclou
com as culturas e tradições africanas.
Em 1958 os frutos do progresso e da missão civilizadora foram avaliados em
Moçambique. Naquele ano havia quatro milhões de habitantes e 1.101 tinham educação
secundária. Desses, 47 puderam acabar seus estudos universitários em Lisboa. Estima-se
que em 1960 havia 60 mil habitantes com educação primária, ou menos de 2% do total
(HOMEM & CORRÊA, 1977).
A população moçambicana, de acordo com o Recenseamento Geral da População e
Habitação de Moçambique (2011) habita majoritariamente na área rural, quase 70%. A
principal atividade da população em idade produtiva (a partir de 15 anos), ou 75% , dedica-
se à agricultura, pecuária e silvicultura. Na capital do país, Maputo, residem 17% de toda a
população urbana e também 12% de todas as pessoas que vivem com HIV/AIDS, onde a
prevalência chega 19.8% de soropositivos dentre a população adulta (USAID, 2013).
Moçambique está dividido em onze províncias (no Norte, as províncias de Niassa,
Cabo Delgado e Nampula; no centro, Zambézia, Tete, Manica e Sofala e no sul, Inhambane,
Gaza, Maputo Província e Maputo Capital), que se dividem em 128 distritos e 43 municípios.
Faz fronteira com seis países (Tanzânia, Malawi, Zâmbia, Zimbabwe, África do Sul e
Suazilândia e toda a faixa leste do país é banhada pelo Oceano Índico, extensão que é
historicamente vital para o país e aos vizinhos do interior da África, pelo acesso ao oceano
por meio dos portos moçambicanos.
A independência do país foi negociada pela Frente de Libertação de Moçambique
(Frelimo) e Portugal e foi firmado o acordo de Lusaka (capital da Zâmbia) em 07 de
setembro de 1974 e a independência foi oficialmente proclamada em 25 de junho de 1975
(HOMEM & CORRÊA 1977). O primeiro presidente do país foi o presidente da Frelimo,
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Samora Machel (1975 – 1986); Joaquim Chissano (1986 – 2005) e Armando Guebuza
(2005), atual presidente da República de Moçambique.
Durante a época colonial, as funções administrativas e burocráticas do país eram
exercidas por portugueses e seus descendentes que viviam em Moçambique. Com o início
da guerra anticolonial e posteriormente da guerra civil, esses quadros dirigentes deixam o
país. O Relatório APRM (2010) afirma que, depois de 1975, havia cinco engenheiros em
Moçambique, ilustrando a situação de vulnerabilidade na qual se encontrava o país.
Logo no pós-independência, se adotou o planejamento central como instrumento de
desenvolvimento, baseado no controle centralizado do câmbio, na elaboração de planos
nacionais de desenvolvimento e na suposição que os excedentes em um setor da economia
seriam alocados para promover o desenvolvimento em outros setores (VIEIRA, 2005).
A guerra civil em Moçambique, de acordo com Wenstein (2002) teve todos os
elementos das guerras civis antigas da África, e também da violência característica das
novas guerras civis. As antigas são aquelas que aconteceram antes da queda do muro de
Berlim em 1989, classificadas como ideológicas, ou baseadas em divisões econômicas e
políticas fundamentais. As novas guerras civis, por outro lado, são as motivadas pela
violência étnica, faccional ou local, que no geral resultam em atrocidades aos não
combatentes.
Nesse período, um milhão de pessoas morreram, mais de um milhão de refugiados
estavam vivendo em acampamentos no Zimbábue, Malauí e África do Sul, e as estimativas
dos deslocados internamente chegavam a dois milhões (ALDEN & SIMPSON, 1993).
Nos anos 1980 surgem os primeiros diálogos em relação à paz, processo importante
para entender os desafios superados pelo país,
e que todas as ações em cooperação internacional dependem da vontade política
para fortalecer o Estado e o processo democrático moçambicano (ALDEN, 1995).
Um dos fatores que contribuíram para lançar as bases dos acordos de paz foi a
mudança de orientação, do regime marxista da Frelimo, para uma concepção capitalista da
economia, bem como a criação da Constituição de 1990, que criou um ambiente propício
para o diálogo entre as partes e previa eleições multipartidárias (APRM, 2010).
Em 1992 o Conselho de Segurança das Nações Unidas adotou a Resolução 782,
que autorizou o Secretário Geral Boutros Boutros-Ghali a apontar um representante especial
para Moçambique, no caso, o diplomata italiano Aldo Ajello, com vinte e cinco observadores
militares no processo. No mesmo ano, a Resolução 797, de 1992 aprova o estabelecimento
da Missão das Nações Unidas em Moçambique – ONUMOZ, cujo amplo mandato foi
estabelecido para supervisionar o processo de transição. Toda essa operação estaria em
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acordo com o cronograma acordado pelas partes em Roma, e foi inicialmente estimado que
custaria US$ 260.00 milhões até as eleições, em 1994 (ALDEN, 1995; UN, 1992).
Em 1994 foi realizada a primeira eleição multipartidária para presidente, fato que
marcou a introdução do regime democrático, estendendo-se às subsequentes eleições
realizadas em 1999, 2004 e 2009 (a próxima será em 2014). Desde então, o país mantém
um regime democrático e tem sido apontado, pela maioria dos atores internacionais lá
instalados, como um caso de sucesso (ALDEN, 2001).
Atualmente a estratégia de desenvolvimento do país é definida pelo Plano de Ação
para a Redução da Pobreza Absoluta, por meio do combate à pobreza e organização social
em torno do Estado. O Plano de Ação de Redução da Pobreza se fundamenta em pilares de
governança, capital humano e desenvolvimento econômico, buscando criar riquezas para
apoiar o aumento da qualidade de vida da população e consolidar sua estabilidade
macroeconômica, investindo em áreas prioritárias e em projetos de reconstrução da
infraestrutura (APRM, 2010).
Moçambique é o país número 185, de 187, no ranking do índice de desenvolvimento
humano (2013) do Programa das Nações Unidas de Desenvolvimento (PNUD), com 0.327
pontos, logo depois da República Democrática do Congo (186) e Níger (187), um PIB de
US$ 906 per capta; expectativa de vida de 50 anos e 1.2 anos de estudo; apenas 6% da
população com 25 anos ou mais possui educação secundária e os gastos governamentais
em saúde estão ao redor de 5.7% do PIB (UNDP, 2011; UNDP, 2013).
A tabela a seguir, compara o índice de desenvolvimento humano (IDH) entre Brasil e
Moçambique, com os Estados Unidos (para ilustrar os números de um país desenvolvido)
nas últimas três décadas, e evidenciar a pobreza do país em questão. O mesmo relatório
estima que o IDH nessa região, no ano de 2050, será 12% inferior, devido a problemas de
acesso a serviços de saúde e serviços básicos, como água potável.
Tabela IDH Comparado: Estados Unidos, Brasil, Moçambique e África Subsaariana
País/Região 1980 1990 20002 2005 2009 2010 2011
Estados Unidos
0.837 0.870 0.897 0.902 0.906 0.908 0.910
Brasil 0.549 0.600 0.665 0.692 0.708 0.715 0.718
Moçambique -- 0.200 0.245 0.285 0.312 0.317 0.322
África Subsaariana
0.365 0.383 0.401 0.431 0.456 0.460 0.4663
Fonte: Elaborado pelo autor a partir do Human Development Report 2013
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De acordo com a Freedom House(2013), o país, em 2012, era parcialmente livre,
com três pontos para liberdades civis e quatro para liberdades políticas; a mesma desde
2003. Essa mesma organização, a título de curiosidade, marca o Brasil como um país livre,
porém com dois pontos para liberdades civis e dois para liberdades políticas, enquanto que
os Estados Unidos são livres, com um ponto para as duas liberdades (FREEDOM HOUSE,
2013).
A seguir busca-se ampliar o escopo da análise e pensar o contexto mais amplo das
relações do Brasil com o continente africano.
Relações Brasil – África
Para começar, gosto de lembrar que “África” é uma expressão moderna, uma
construção que busca reunir, representar e homogeneizar uma variedade de povos e
culturas, cuja principal característica em comum é o quesito tráfico de escravos e, portanto,
a questão colonial. Nesse sentido, adverte-se que o termo África é usado para designar uma
geografia, um continente, sem buscar representar uma algo mais que território (HALL,
2003).
De acordo com Saraiva (1997) podemos falar em cinco momentos da história geral
entre Brasil – África, importantes para compreender a mudança da posição brasileira em
relação aos países africanos. O primeiro, relativo ao período colonial brasileiro, do século
XVI ao início do século XIX, encontrou na escravidão mão de obra e no tráfico de escravos
sua continuidade. A formação e uso da língua portuguesa permitiu, entre as elites, o
compartilhamento de ideias políticas e institucionais.
A independência do Brasil marca o início do segundo período, que se prolonga ao
fim da Segunda Guerra Mundial (1945). Essa fase é caracterizada por um “silêncio entre os
dois lados”, no qual o Brasil estava interessado em buscar legitimidade da independência e
reconhecimento junto às grandes potências. Com a extinção do tráfico de escravos o Brasil
distanciou-se ainda mais.
No terceiro período já se pode vislumbrar uma emergência de assuntos e questões
relativos aos países africanos, logo no imediato pós Segunda Guerra Mundial e no início dos
anos 1960. O período é marcado por um incipiente interesse pelo continente, fruto do novo
cenário internacional e da presença de novos Estados nas relações internacionais (em 1939
só havia um Estado independente em África; em 1960 havia cinquenta), que instigaram a se
pensar “o lugar da África”, ainda que, inicialmente, esse lugar estivesse condicionado por
posições históricas do Brasil em relação a Portugal.
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O quarto período vai de 1961 à metade da década de 1980, no qual se tentou
estabelecer um lugar da África na política externa brasileira (PEB), por meio de
aproximações políticas e econômicas, articuladas em diferentes visões de mundo, como as
teses da geopolítica brasileira, do General Golbery, representando a ideologia da Escola
Superior de Guerra, que incluía o atlântico como elemento vital para as relações de paz e
estratégia de segurança coletiva do Brasil.
Finalmente, o quinto período se estende até a data de publicação do livro, em 1997,
que significou uma redução da agenda africana na PEB, momento no qual o país teria
adotado uma “opção seletiva” das relações, muitas vezes priorizando a África do Sul, área
de interesse desde o pós Segunda Guerra Mundial. Sobre este período, a ideia do autor é
que a partir de 2003, emergiria uma nova na relação Brasil – África, marcada pela liderança
do Brasil, por meio da emergência de uma nova visão em relação à África, na qual a
cooperação em Moçambique exerce um importante papel de afirmação.
Foi o Presidente Jânio Quadros, com sua política externa independente (PEI), quem
promoveu uma primeira transformação na política externa brasileira, no sentido de ampliar o
horizonte geográfico, indo além das áreas privilegiadas de concentração da PEB,
tradicionalmente formuladas em termos de apoio e alinhamento ao continente americano e
europeu. O Presidente Quadros afirmava que o Brasil seria um elo, uma ligação entre a
África e o Ocidente. A Divisão da África do MRE foi criada em sua gestão, em 1961 (CERVO
& BUENO, 2002).
Quatro dimensões podem ser destacadas dessa agenda: (i) promoção da paz e
coexistência entre ambos os blocos ideológicos da Guerra Fria; (ii) princípios de
autodeterminação e não intervenção; (iii) expansão do mercado externo do Brasil e (iv)
apoio ao movimento de emancipação de territórios não autônomos. Mesmo com pouco
tempo como Presidente, a política de Jânio continuou sendo implementada por seu
sucessor, João Goulart, presidente até 1964, trabalhando na perspectiva da PEI e
procurando promover a solidariedade e associação entre anticolonialismo,
desenvolvimento e paz (CERVO & BUENO, 2002). Cuidado.
Mas a versão oficial não pode deixar de ser problematizada, de modo que, apesar
das diretrizes da PEI e dos discursos em favor da descolonização em África, a posição do
Brasil foi marcada pela ambiguidade entre o discurso (PEI e apoio à descolonização) e a
prática (alinhamento a Portugal). Já no primeiro governo militar, em 1964, do Marechal
Castelo Branco, houve uma reconsideração e renuncia de vários aspectos da PEI e da
política para a África, que passou a ser centrada em uma dimensão geopolítica, cujo objeto
seria mais a defesa do atlântico do que as relações bilaterais ou apoio ao anticolonialismo
(NOSOLINI, 2001).
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Para José Honório Rodrigues (1982), o forte vínculo com Portugal era um retrocesso
para o Brasil, pois este comprometia a concepção de uma política africana em seu nível
mais básico, o da sua formulação, e o Brasil pactuava com Portugal por certo “arcaísmo” na
sua visão de mundo. A hipótese do autor é que, ao superar essa fase, o país descobriria
uma “vocação africana” e buscaria o continente, por meio do atlântico, para estabelecer uma
zona de cooperação.
Nesse sentido, o processo de descolonização foi o palco político do renascimento do
debate e interesse brasileiro pela África, que passa a ser gradualmente incluída na política
externa brasileira, com interesses de desenvolvimento econômico, industrialização, paz e
manutenção dos preços das matérias primas (CERVO & BUENO, 2002).
É importante compreender essa posição ambígua assumida pelo Brasil porque nos
primeiros anos do pós-guerra não se registrou maior interesse, por parte do Brasil, em
aproximar-se dos países africanos, salvo nos debates sobre descolonização nas Nações
Unidas (PENNA FILHO, 2001).
Nesse prisma e do ponto de vista político, o Brasil aparecia, aos olhos dos países da
África, como um Estado comprometido, em primeiro lugar, a priorizar o relacionamento
especial Portugal. Para Saraiva (1996), três fatores ajudam a compreender esse tipo de
postura do Brasil para Portugal: (i) a herança do lusotropicalismo; (ii) as percepções
geopolíticas e anticomunistas promovidas pelos dois governos militares depois do golpe de
1964; (iii) o entendimento de Portugal como um instrumento seguro, no sentido de buscar
vantagens econômicas para o Brasil.
A relação entre Brasil e Portugal, baseada na “lógica do sentimentalismo”, da
atenção especial que deveria ter o Brasil, na qualidade de portador da cultura portuguesa,
aos assuntos bilaterais e mesmo multilaterais, quando envolvessem Portugal, acabou por
afetar as não apenas as relações com as colônias, mas com grande parte do mundo
africano, que a partir de um sentimento de solidariedade e ação coordenada, em diversos
organismos internacionais, acusavam o Brasil de cooperar com o colonialismo (PENNA
FILHO, 2001).
Recorda-se que Portugal foi um dos países que mais demoraram em incorporar o
fenômeno da descolonização e insistiu na gestão de seus territórios. Assim, Lisboa teve
uma postura inversa à tendência da época, tendo reforçado o seu sistema colonial. E como
não havia uma PEB para a África, o relacionamento entre ambos passava pelas metrópoles
europeias.
No começo do século XXI, os anos 1990 e 2000 marcam um momento importante
para mais uma revisão na política externa brasileira, cujo paradigma se organiza por meio
de um “universalismo seletivo” no governo de Cardoso. Lula da Silva recupera a dimensão
15
africana da política externa brasileira e inicia um processo de liderança nesse sentido,
exercendo uma diplomacia presidencial engajada, que encontra nos países africanos uma
oportunidade para operacionalizar sua visão de mundo. O perdão da dívida externa se torna
um elemento presente na agenda bilateral com os países africanos e, a partir do ano 2000,
o Brasil fortalece e amplia sua agenda de cooperação internacional no continente.
O próximo item explora as relações bilaterais Brasil- Moçambique.
Relações Brasil – Moçambique
É importante considerar que o Brasil reconheceu a independência de Moçambique
assim que foi proclamada, em 1975, por meio de um comunicado conjunto, em Brasília e
Maputo. A Embaixada do Brasil foi estabelecida em 1975 e no mesmo ano o Brasil chegou a
doar 120 kg de alimentos em socorro de vítimas de inundações, que acabaram por piorar a
grave crise econômica do pós-independência (NOSOLINI, 2001).
Após um período de insatisfação, por parte de Moçambique, em relação à postura
colonial do Brasil, durante a década de 1980, quando o ministro das Relações Exteriores,
Ramiro Saraiva Guerreirovisitou Moçambique, recebido pelo Presidente Samora Machel,
discutiram a possibilidade de uma cooperação bilateral mutuamente vantajosa e a
intensificação do comércio exterior, mas também estabelecer e consolidar o diálogo político
entre os dois países (NOSOLINI, 2001).
A institucionalização de essa nova fase nas relações entre Brasil e Moçambique
aconteceu em setembro de 1981, com a Visita do Ministro dos Negócios Estrangeiros de
Moçambique, Joaquim Chissano. Firmou-se, nessa oportunidade, o Acordo Geral de
Cooperação entre a República de Moçambique e a República Federativa do Brasil, em
Brasília, no dia 15 de setembro de 1981 (BRASIL, 1981). Esse acordo se mantém até hoje
como o principal instrumento de cooperação de ambos os países e dispõem sobre o
estabelecimento de cooperação econômica, científica, técnica e cultural.
Em 1988, o Presidente de Moçambique, Joaquim Chissano, visita oficialmente o
país, solicitando, além de mais cooperação, o perdão da dívida externa de Moçambique. O
pedido foi recusado pelo motivo do Brasil também estar experimentando, naquela época,
uma crise econômica, inflação e dívida externa (NOSOLINI, 2001).
Na década de 1980 o Brasil já disponibilizava cooperação que se concentrava em
três áreas prioritárias: mineração, extensão rural e transportes. Esse apoio aconteceu por
meio da capacitação técnica e organização de planos de ações estratégicas e no
16
fortalecimento de instituições moçambicanas por meio de estágios realizados no Brasil ou
missões técnicas brasileiras em Moçambique (CÔRREIA, 1997).
Nos anos 1990 o Presidente Fernando Henrique Cardoso visita Moçambique, e há
uma continuidade dos projetos de cooperação estabelecidos nos 1980. A cooperação foi
marcada, em menor grau, pela visita de alguns representantes, funcionários, professores,
estudantes e ministros moçambicanos ao Brasil, para participar em feiras, divulgar
interesses e solicitar assistência técnica.
A embaixada de Moçambique em Brasília foi criada em 1998, e mostra um
estreitamento das relações e superação formal do ressentimento de Moçambique sobre a
postura do Brasil. Moçambique foi incluído entre os Estados que o Presidente Lula visitou
em sua primeira viagem oficial à África, acompanhado de uma comitiva de empresários e
ministros em 2003 e inaugura mais um capítulo na história das relações Brasil-
Moçambique.(NOSOLINI, 2001).
O conceito de Desenvolvimento
Um dos eixos de análise proposto por este Projeto de Tese é examinar as interfaces
entre a política externa e o desenvolvimento. Pensando na relação entre Brasil e
Moçambique, e as possíveis contribuições ao desenvolvimento que tem surgido desse
contato, optou-se por empregar o conceito de desenvolvimento como liberdade de Sem, que
combina crescimento econômico com questões de saúde e educação.
A trajetória intelectual de Amartya Sen mostra os limites da abordagem tradicional da
economia do desenvolvimento, que estão na compreensão equivocada do crescimento
econômico, que é um instrumento para se atingir outros objetivos, não um fim em si mesmo,
como colocado pela “primeira geração”. O crescimento econômico importa, mas, para o
autor, sua importância está intrinsecamente relacionada aos benefícios associados que são
alcançados no processo de crescimento. Esses benefícios são variados, mas o autor aponta
para ganhos em alfabetização, educação e saúde, reconhecendo que a acumulação de
capital, prevista no processo de crescimento econômico, não gera, necessariamente,
benefícios para a população (SEN, 1983).
A liberdade é o panorama que conduz o processo de desenvolvimento, que é
definido pelo autor como o “[...] processo de expansão das liberdades reais que as pessoas
desfrutam” (SEN, 2000). O desenvolvimento entendido como liberdade enfrenta as visões
mais limitadas da economia tradicional, que confundem desenvolvimento com acumulação
de riquezas ou com industrialização.
A preocupação do desenvolvimento como liberdade é recolocar os indivíduos no
centro do debate sobre desenvolvimento que, após algumas décadas, foi focado em
17
conceitos altamente técnicos afastando os seres humanos das discussões. Nesse sentido, o
desenvolvimento como liberdade é definido em torno da ideia de se fornecer a todos os
seres humanos a oportunidade de viver sua vida integralmente (STREETEN, 1994).
O fato colocado por Sen (2000) é que, apesar de vivermos em uma época de
abundância de riqueza, o crescimento econômico não trouxe, per se, melhorias para a maior
parte da população mundial. Persistem os mesmos problemas de desigualdade, pobreza e
privações de todos os tipos, colocando em evidência os limites do mundo material.
Superar esses problemas faz parte do processo de desenvolvimento, que consiste,
por sua vez, “[...] na eliminação das privações que limitam as escolhas e oportunidades das
pessoas exercerem suas características de ativos (agentes), ao invés de pacientes” (SEN,
2000, p.40). Nesse ponto, a abordagem permite relacionar a promoção das liberdades com
políticas públicas que visem aumentar essas liberdades.
Em outro trabalho, o autor cita que a promoção do bem-estar não se alcança apenas
com a maximização da satisfação humana (SEN, 2002). Existem condições, valiosas por si
mesmas, como a saúde, que são colocadas, ao menos em nível teórico, como uma
necessidade comum a todos. Por isso as liberdades refletem as capacidades das pessoas
para viver uma vida que considerem dignas, ou seja, levar um determinado tipo de vida ou
outro, e ter as ferramentas básicas para tal.
Acontece que para Sen, os temas liberdade e desenvolvimento têm sido debatidos
há muito tempo. Assim, para o autor, dificilmente apenas o PIB, industrialização ou
progresso tecnológico vão caracterizar um país desenvolvido. Existem exemplos empíricos
na história que comprovam esse fato. O caso da industrialização do Brasil, nos anos 1960-
1970, entendida, para certo grupo de autores, como uma ação setorial, foi um esforço
esgotado em si mesmo, na medida em que não estava inserida em um projeto nacional de
desenvolvimento que considerasse, também, outras questões sociais (RAMOS, 2010).
Ainda que se reconheça a importância dos mercados, como promotores da liberdade
de troca e intercâmbio de bens e serviços econômicos, o crescimento, nesta visão, é um
meio de expandir as liberdades, mas esses fatores dependem de outros determinantes,
como a educação e a saúde. O crescimento econômico não é julgado, portanto, apenas pela
elevação do produto, mas pela expansão dos serviços sociais.
Sobre os dados históricos que descrevem as condições de crescimento dos países
ocidentais, vale advertir que são limitados para compreender o desenvolvimento
contemporâneo, pois as condições que o conduziram são diferentes. Admite-se, portanto,
que não há uma estratégia universal de desenvolvimento, mas se reconhece que existem
questões universais, discutidas em torno da problemática do desenvolvimento, que
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perpassam por diversas sociedades e que são experimentadas pelos indivíduos (BENDIX,
1965).
A tese de Bendix (1965), com respeito ao conceito e definição de desenvolvimento, é
de que este incorpora combinações de tradição e modernidade, de maneira que processo
de o desenvolvimento de cada país é singular, e não apenas um produto e subproduto da
industrialização (BENDIX, 1965). Esta é uma tentativa de enfatizar a singularidade das
experiências históricas em lugar das generalizações.
Significa dizer que os países adotam uma tecnologia que veio de fora, e são
combinadas com suas próprias instituições tradicionais, ou seja, que todas as sociedades
adotam, de maneira singular, uma combinação entre a modernidade e o tradicional. Bendix
(1965) vai além da costumeira oposição binária tradição-modernidade e questiona se isso
realmente pode ser compreendido em termos de uma sucessão cronológica (do tipo antes e
depois).
Como o Brasil, que também é produto de um desenvolvimento singular, Moçambique
é um país de alta complexidade social, histórica, cultural, política e econômica, onde
tradição, colonização e modernização têm-se amalgamado, criando uma situação singular
dentro do mosaico de Estados que compõem a África Subsaariana, que será explorado pelo
autor.
Metodologia
A natureza metodológica do trabalho é qualitativa, de caráter interpretativo e
compreensivo, que procura, além descrever o objeto proposto, situar teoricamente o
fenômeno estudado, por meio da reconstrução histórica das relações bilaterais Brasil-
Moçambique, desde 1975. Nesses termos a narrativa, ferramenta para interpretar e conectar
os processos e acontecimentos envolvidos, será utilizada para construir a história das
relações bilaterais Brasil-Moçambique e responder ao conjunto de questões formuladas na
problematização do objeto (TRATCHENBERG, 2006).
Para Hanson (1971), compreender significa reconhecer como os distintos elementos
de uma análise se encaixam. E o que torna possível observar e compreender um fenômeno,
a partir de certo ângulo, é a teoria, de maneira que a explicação acontece no âmbito da
teoria. Nesse sentido o trabalho histórico começa com uma observação e posteriormente
com o estabelecimento de um problema. Para Tratchenberg (2006) um evento se explica
quando se mostra que ele compõe um conjunto maior de eventos inteligíveis e que uma
explicação histórica visa fornecer um framework no qual os dados apareçam inteligíveis.
19
Assim, compreender historicamente seria observar o fenômeno como sendo de certo
tipo, e relacionado a outros tipos de fenômenos. Daí a importância do marco teórico, pois os
fatos não falam por si mesmos (TRATCHENBERG, 2006). Neste sentido, o marco teórico
desta investigação é entendido como um instrumento de análise e base da interpretação, e
é composto tanto pelas teorias das relações internacionais, como da história das relações
internacionais.
Os conceitos desempenham esse papel de trazer à tona questões fundamentais para
o objeto de estudo. Vale manifestar o interesse do autor em incorporar a aspectos da
epistemologia proposta pela Escola Francesa e pela Escola Inglesa de História das
Relações Internacionais, bem como da tradição americana e de Brasília à interpretação
proposta e na pesquisa de conceitos e categorias de análise, revisitando as definições
clássicas como poder, aliança, ideias e política externa, princípios da política externa
brasileira, legitimidade e soberania. Serão incluídas no exercício de analise as teorias das
relações internacionais.
O marco teórico do projeto será inspirado na proposta de Duroselle (2000), de sua
teoria fundada no estudo da história, para quem o objeto de estudo da história são os
“acontecimentos concretos”, que fornecem as bases empíricas da investigação e os
elementos de continuidade e de ligação entre uma série de acontecimentos. Essa análise
revela os padrões nos quais ocorreram esses acontecimentos e permite estabelecer um
método para esse tipo de investigação, enfatizando a singularidade desses acontecimentos
no tempo histórico.
A política externa, de acordo com Duroselle (2000), envolve um processo de tomada
de decisão que deriva de um cálculo estratégico, elaborado por um grupo de pessoas. Esse
cálculo estratégico é uma categoria de análise importante neste projeto, pois permite colocar
as seguintes perguntas: qual a estratégia do Brasil para Moçambique? E o que o Brasil pode
representar para Moçambique? Qual era o motivo pelo qual os moçambicanos se
aproximaram dos brasileiros? Quais outras forças estiveram em jogo no estabelecimento
das relações entre Brasil e Moçambique?
Nessa perspectiva metodológica, o estudo da historia das relações internacionais
está ligado a dois dados verificáveis no curso da história, a finalidade e causalidade. Os
líderes produzem um cálculo, traduzido em termos de estratégia (finalidade). Porém, tal
estratégia deve considerar as outras forças que produzem efeitos (causalidade), entendidos
como o “peso das massas humanas, que toma formas diversas” (DUROSELLE, 2000, p.95).
Assim, falar das relações Brasil-Moçambique, de 1975 aos dias atuais, é revisitar
essas duas dimensões e entender os diversos projetos e intenções envolvidas, explorando e
20
discutindo um dado que é singular no tempo. O trabalho do historiador é, nesse sentido,
revisitar um acontecimento do passado com a finalidade de torná-lo conhecido no presente
e no futuro.
Partindo da premissa de que os tipos de fontes escolhidas afetam as respostas, o
trabalho está fundamentado na pesquisa de fontes primárias e secundárias. Em relação às
primárias, os seguintes acervos serão consultados: Arquivo Nacional de Brasília; Arquivo da
Biblioteca Nacional; Arquivo Histórico do Itamaraty; Biblioteca da Universidade de Brasília;
Biblioteca do Senado Federal do Brasil; Centro de Pesquisa e Documentação Histórica
(CPDOC/RJ), Acervo da Agência Brasileira de Cooperação, Biblioteca Nacional de
Moçambique; Acervo do Ministério de Negócios Estrangeiros e Cooperação de Moçambique
e outras, inclusive veículos midiáticos (Folha de São Paulo e Correio Braziliense) no Brasil e
Moçambique (O País e Jornal Notícias de Moçambique)
Em relação às fontes secundárias, o levantamento bibliográfico e documental será
conduzido nos acervos onde houver disponibilidade das mesmas, em bibliotecas e nos
sistemas eletrônicos de fontes de dados, periódicos especializados e diversos sites das
instituições de ambos os países, organismos internacionais, fundações privadas, ONGs,
dentre outros. A literatura sobre política externa brasileira alcançou um desenvolvimento
descritivo e metodológico alto, de maneira que o grande desafio se encontra na
sistematização da política externa moçambicana.
Nesse sentido, realizar-se-á uma investigação concebida com base em um desenho
analítico e metodológico que reúna a história oficial da atividade internacional de ambos os
países, mas também a história crítica e o estudo das respectivas sociedades, para
desconstruir certos fatos que se apresentam como dados nas relações internacionais e
estabelecer um equilíbrio entre essas duas dimensões.
Para complementar a abordagem metodológica se pretende utilizar a história oral, a
memória dos recursos humanos envolvidos e a realização de entrevistas não estruturadas
com atores chave. A intenção é ir além da produção de uma crônica sobre aquilo que
aconteceu, e encontrar os fios condutores dos fatos e as distintas interpretações sobre os
mesmos.
Cabe lembrar, que conhecer a realidade nos convida a pensar em três
desdobramentos teóricos, expostos a seguir, os quais complementam a posição
epistemológica do autor, com a ideia de que:
1. O conhecimento científico é situado não é neutro;
2. A realidade social não é independente ao sujeito que a investiga, ela é parcial;
21
3. Não existe dualidade (antagonismo) entre conhecimento e intervenção (SOTILLO
& VALENCIA, 2010).
Para realizar o exposto, o trabalho será dividido em quatro partes1, com dois
capítulos cada. A primeira parte consiste no capítulo metodológico e conceitual, que juntos
formam o marco teórico. A segunda parte é de natureza descritiva, e apresenta uma
imagem de Moçambique, cuja história pode retroceder aos tempos do colonialismo,
descrevendo todo o contexto político, econômico e social do Moçambique contemporâneo e
sistematiza sua política externa e sua inserção internacional. A terceira parte recupera a
história da política externa do Brasil e suas relações com a África em geral. Na quarta parte
se desenvolve a narrativa da história das relações bilaterais entre os países envolvidos,
propondo periodizações para a compreensão do objeto. A conclusão comenta os resultados
à luz da relação entre política externa e desenvolvimento.
Plano de Trabalho
Para realizar esta pesquisa, dividiu-se o processo em oito momentos, associados
aos oito semestres disponíveis para tal.
Primeiro Semestre
Segundo Semestre
Terceiro Semestre
Quarto Semestre
Quinto Semestre
Sexto Semestre
Sétimo Semestre
Oitavo Semestre
Obter os créditos
Obter os créditos
Obter os créditos
Obter os créditos
Pesquisa em Moçambique
Pesquisa em Moçambique
Elaboração da Parte IV
Discussão dos resultados
Parte I da Tese: marco teórico e capítulo metodológico
Revisão da Parte I e início da pesquisa em fontes secundárias
Início da Parte II: história da PEB e história de Moçambique
Revisão da Parte II e continuação da pesquisa em fontes secundárias
Pesquisa em fontes secundárias
Pesquisa em fontes secundárias; Construção da narrativa Brasil-Moçambique
Construção da narrativa Brasil-Moçambique
Revisão do trabalho e finalização da conclusão
Cronograma
Ano/
Atividade
2014 2015 2016 2017
Conclusão dos Créditos (40) X X
Pesquisa em fontes primárias no Brasil X X X
Qualificação (Introdução + Parte I; Parte X
1 O projeto se encontra sujeito às modificações necessárias para sua realização.
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II e parte III)
Parte IV: Entrevistas com atores-chave X X
Pesquisa em Moçambique X X
Discussão dos resultados e conclusão X X
Defesa X
Fontes e Bibliografia
I – FONTES SECUNDÁRIAS
1. Livros e obras de referência por área temática Relações Internacionais do Brasil
CABRAL, Lígia & WEINSTOCK, Julia. Brazilian Technical Cooperation for Development. Drivers, Mechanisms and Future Prospects. London: Overseas Development Institute, 2012.
LESSA, Antônio Carlos. A diplomacia universalista do Brasil: a construção do sistema contemporâneo de relações bilaterais. In: RBPI, n°41, p.29-41, 1998.
LIMA, Maria Regina Soares. Brazil’s Response to the “New Regionalism”. In: MACE, Gordon & THÉRIEN, Jean-Philippe. Foreign Policy and Regionalism in the Americas. Boulder, Colorado: Lynne Rienner Publishers, 1996.
RODRIGUES, José Honório. Brasil e África: Outro Horizonte. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
SARAIVA, José Flávio S. O Lugar da África: A dimensão atlântica da política externa do Brasil. Brasília: Editora da UNB, 1996.
História das Relações Internacionais
DUROSELLE, Jean-Baptiste. Todo Império Perecerá: Teoria das Relações Internacionais. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2000.
RENOUVIN, Pierre & DUROSELLE, Jean-Baptiste. Introdução à História das Relações Internacionais. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967.
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História da África
HOMEM, Eduardo & CORRÊA, Sônia. Moçambique: Primeiras Machambas. Rio de Janeiro: Margem, 1977.
MUDIMBE, V. Y. The Invention of Africa. Gnosis, Philosophy, and the order of Knowledge. Indiana University Press, 1988.
OrganismosInternacionais
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Teoria e metodologia
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SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
SEN, Amartya. Desigualdade Reexaminada. São Paulo: Record, 2002.
SOTILLO et al. Metodología de Investigación en Cooperación para el Desarrollo. Catarata: Universidad Complutense de Madri, Instituto Universtario de Desarollo y Cooperación, 2010.
TRATECHENBERG, Marc. Thecraft of International History: a guide tomethod. Princeton UniversityPress, 2006.
2. Artigos em Revistas Especializadas
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ALDEN, Chris. The UN and the Resolution of Conflict in Mozambique. The Journal of Modern African Studies, vol.33, n°1, p.103-128, 1995.
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SARAIVA, José Flávio S. África na Ordem Internacional do Século XXI: mudanças epidérmicas ou ensaios de autonomia decisória?. Revista Brasileira de Política Internacional, vol.51, n°1, p.87-104, 2008.
SARAIVA, José Flávio S. Moçambique em Retrato 3x4: Uma pequena brecha para a política africana do Brasil.In: II Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional II CNPEPI. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores, 2007.
STREETEN, Paul. Human Development: Means and Ends. The American Economic Review. American Economic Association. Vol.84, n°2, p.232-237,1994.
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3. Capítulos de Livros
RAMOS, Alberto Guerreiro. A Modernização em Nova Perspectiva: Em busca de um modelo de possibilidade. In: HEIDEMANN, Francisco & SALM, José F. Políticas Públicas e Desenvolvimento: Bases epistemológicas e modelos de análise. Brasília: Editora UNB, 2010.
4. Fontes Eletrônicas
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5. Teses e Dissertações Consultadas
Mestrado
CÔRREIA, Yolanda. Cooperação Técnica entre Brasil e os PALOP. Dissertação de Mestrado Universidade de Brasília, 1997.
NOSOLINI, Elber Eugênio C. Brasil e os PALOP: aproximação, distanciamento e reaproximação. De 1975 aos dias atuais. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília, 2001.
VIEIRA, Luciana Gonçalves. Moçambique sob o signo da Globalização: Transformações Políticas e Econômicas (1994-2004). Dissertação de Mestrado. Brasília: Universidade de Brasília, 2005.
Doutorado
PENNA FILHO, Pio. Do Pragmatismo Consciente à Parceria Estratégica: As Relações Brasil – África do Sul (1918-2000). Tese de Doutorado. Universidade de Brasília, 2001.