história 2 parte

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A Guerra dos Spartacus O papel dos meios de comunicação de massa é fundamental para a história do século XX. O jornal, o cinema, o rádio e a televisão pesam na formação da consciência popular. Esses veículos proporcionam momentos mágicos, cujos efeitos inesperadamente podem transcender os limites da diversão ou da simples informação. Esse é o caso do filme "Spartacus", produzido em 1959 por Kirk Douglas, encabeçando um elenco "all-star" que conta também com Peter Ustinov, Sir Lawrence Olivier, Charles Laughton e Jean Simmons, dirigidos por Stanley Kubrick. Naquele momento, Hollywood vivia a febre dos filmes épicos como "Os Dez Mandamentos", "O Manto Sagrado", "Quo Vadis?" e "Ben-Hur". Quando Kirk Douglas leu o romance homônimo, escrito por Howard Fast, lembrou-se do discriminado Issur Danielovich Demsky (seu nome original), filho de imigrantes judeus russos paupérrimos, e do seu povo, que havia sido escravo dos babilônios e egípcios na Antigüidade. Democrata liberal convicto, desejou realizar o filme no mesmo momento, pois era a história de um escravo que liderou uma revolta entre os anos 73 e 71 a.C. contra a majestosa Roma, senhora do mundo ocidental na época. Diz em sua autobiografia que "ao consultar livros de história, encontra-se, quando muito um pequeno parágrafo a seu respeito. Este homem cobrira Roma de vergonha, e queriam relegá-lo ao esquecimento". Ao iniciar a produção, não podia imaginar a importância da película para a história do século XX. Pensou apenas nas lutas do seu povo, desde a Antigüidade. Na mesma época em que o filme era produzido, vivia-se nos Estados Unidos sob o eco do macartismo, a "caça às bruxas" empreendida pelo senador Joseph Mc Carthy, fanático anticomunista, no clima da "Guerra Fria". Por coincidência, o autor do romance era comunista, estava na lista cinza, pois para se isentar das acusações, escrevera uma série de baboseiras patrióticas sobre George Washington e Tom Paine. Daltom Trumbo

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A Guerra dos SpartacusO papel dos meios de comunicao de massa fundamental para a histria do sculo XX. O jornal, o cinema, o rdio e a televiso pesam na formao da conscincia popular. Esses veculos proporcionam momentos mgicos, cujos efeitos inesperadamente podem transcender os limites da diverso ou da simples informao.

Esse o caso do filme "Spartacus", produzido em 1959 por Kirk Douglas, encabeando um elenco "all-star" que conta tambm com Peter Ustinov, Sir Lawrence Olivier, Charles Laughton e Jean Simmons, dirigidos por Stanley Kubrick.

Naquele momento, Hollywood vivia a febre dos filmes picos como "Os Dez Mandamentos", "O Manto Sagrado", "Quo Vadis?" e "Ben-Hur". Quando Kirk Douglas leu o romance homnimo, escrito por Howard Fast, lembrou-se do discriminado Issur Danielovich Demsky (seu nome original), filho de imigrantes judeus russos pauprrimos, e do seu povo, que havia sido escravo dos babilnios e egpcios na Antigidade.

Democrata liberal convicto, desejou realizar o filme no mesmo momento, pois era a histria de um escravo que liderou uma revolta entre os anos 73 e 71 a.C. contra a majestosa Roma, senhora do mundo ocidental na poca. Diz em sua autobiografia que "ao consultar livros de histria, encontra-se, quando muito um pequeno pargrafo a seu respeito. Este homem cobrira Roma de vergonha, e queriam releg-lo ao esquecimento". Ao iniciar a produo, no podia imaginar a importncia da pelcula para a histria do sculo XX. Pensou apenas nas lutas do seu povo, desde a Antigidade.

Daltom Trumbo

Na mesma poca em que o filme era produzido, vivia-se nos Estados Unidos sob o eco do macartismo, a "caa s bruxas" empreendida pelo senador Joseph Mc Carthy, fantico anticomunista, no clima da "Guerra Fria". Por coincidncia, o autor do romance era comunista, estava na lista cinza, pois para se isentar das acusaes, escrevera uma srie de baboseiras patriticas sobre George Washington e Tom Paine. Porm o roteirista escolhido, Dalton Trumbo, era um dos Unfriendly Ten (Dez Indesejveis), punidos em Hollywood.

Desde 1947, quando os estdios cinematogrficos assinaram o Waldorf Amendment, ningum podia contratar qualquer pessoa que tivesse vnculo com o Partido Comunista. Embora Trumbo trabalhasse sob o pseudnimo de Sam Jackson, Kirk mandou s favas o acordo, pois, em sua opinio, "gastamos muito tempo combatendo o comunismo, em vez de melhorar a democracia".

Stanley Kubrick

Um incidente com o diretor Kubrick o fez ir mais longe. Na hora de fazer os crditos do filme, houve uma divergncia quanto ao nome do roteirista. Kubrick, na maior cara-de-pau, queria que o seu nome constasse como autor do que no fizera. Kirk telefona para a Universal, e manda deixar um passe na portaria com o nome de Dalton Trumbo. Em seu gesto impulsivo, no percebeu que rasgara a lista negra dos "Unfriendly Ten".

O nome expresso de Trumbo nos crditos desperta o dio dos anticomunistas. A American Legion, a maior associao de veteranos de guerra em todo o mundo, envia uma carta s suas 17 mil agncias: "NO ASSISTAM SPARTACUS".

Hedda Hopper, uma das maiores fofoqueiras de Hollywood, fulmina: "H (no filme), campos cobertos de cadveres, e mais sangue do que jamais se viu. Na cena final, a amante de Spartacus, carregando seu beb ilegtimo, passa pela via Apia, onde h 6.000 homens crucificados, ainda presos s cruzes. Essa histria foi vendida Universal e tirada de um livro escrito por um comunista, com um roteiro elaborado por outro comunista... Por isso, no v v-lo".

Essas acusaes aguaram a curiosidade do presidente John Kennedy, que pertencia ao Partido Democrtico, enquanto os mais ferrenhos anticomunistas eram do Partido Republicano. Durante uma noite, em plena tempestade de neve, Kennedy saiu sorrateiramente da Casa Branca para ver Spartacus, tornando-se f do filme. O fato foi contado muito tempo depois por Bobby Kennedy a Kirk Douglas: "Sabe, meu irmo ajudou-o muito para Spartacus".

Naturalmente, os agentes da KGB sovitica tambm se interessaram. A histria, contada sob o ponto de vista dos escravos, era para eles a revoluo proletria. Poucas vezes um filme americano fez tanto sucesso na URSS. O fato acontece justamente quando comea a crescer a crise dos msseis, envolvendo os Estados Unidos, Cuba e a Unio Sovitica, no ponto mais alto da "Guerra Fria".

Para Assur Danielovitch, o triunfo fecha um crculo: um filho de imigrantes russos teve a liberdade de filmar na Amrica uma histria de perseguidos e explorados. "Spartacus" no ganha o Oscar de melhor filme, que fica para "Se Meu Apartamento Falasse", mas detona os restos do macartismo, abrindo as portas para outras lutas contra a discriminao. Portanto, se os escravos foram derrotados pelos romanos, 2.000 anos depois a sua histria abriu uma porta para a liberdade.

Finalmente, em 1996, a Academia concede o Oscar especial para Kirk Douglas, em homenagem a toda sua obra cinematogrfica. Porm, antes dessa cobiada estatueta, o seu talento e a postura democrtica lhe valeram a Medalha da Liberdade e a Legio de Honra, as mais altas condecoraes dos Estados Unidos e da Frana, respectivamente.Triunfo da Morte

Triunfo da Morte, de Pieter Bruegel (1525-69)

Pieter Bruegel: maior artista flamengo do sculo 16, fundador de uma dinastia de pintores que se estendeu at o sculo 18. Bruegel viveu em Anturpia at 1563, quando foi para Bruxelas, onde mudou de estilo.

Suas primeiras pinturas eram muito influenciadas por Bosch, cheias de pequenas figuras; mais tarde, porm, tornou as figuras maiores e mais ntidas. Os temas incluem cenas da vida nas aldeias e histrias bblicas, nas quais mostra sua habilidade na descrio da paisagem e nos detalhes do cotidiano.

Bruegel desfrutou de grande reconhecimento enquanto vivo e teve enorme influncia na pintura flamenga. Pieter Brueghel (o Jovem; o filho tem um 'h' no nome), era conhecido como o "Brueghel do Inferno" porque as cenas de inferno e fogueiras estavam entre as suas favoritas. Tambm retratou os camponeses, como o pai.

O irmo mais novo de Pieter, Jan (1568-1625), ficou conhecido como "Brueghel de Veludo" pela sua habilidade em pintar texturas ricas e delicadas.

Elisabeth 1

Elisabeth 1, em 1589As FiandeirasAs Fiandeiras, de Velsquez (1599-1660)Diego Velsquez: pintor espanhol. Suas primeiras obras apresentam solidez escultrica e uso dodetalhe para alcanar a sensao de realidade quase palpvel.Porm, aos poucos, subordinou o detalhe ao efeito global, at que, na ltima fase, a atmosfera e o senso de espao na cena passaram a ser transmitidos de forma viva e imediata, enquanto as figuras individuais se dissolvem em pinceladas embaadas quando observadas de perto.Com esse domnio tcnico, Velsquez alcanou maestria poucas vezes igualada na expresso de personagens _mesmo quando pintou os patticos anes da corte (maravilhosa srie exposta no Museu do Prado, em Madri, no qual esto quase todas as suas obras), transmitiu profundo respeito pelo ser humano, sem sugerir caricatura.

Litta, de Leonardo da Vinci (1452-1519)Leonardo da Vinci: artista plstico, cientista e escritor italiano. Um dos maiores pintores do Renascimento e, possivelmente, seu maior gnio, por ser tambm anatomista, engenheiro, matemtico, msico, naturalista e filsofo, bem como arquiteto e escultor.Suas idias cientficas quase sempre ficaram escondidas em cadernos de anotaes, e foi como artista que obteve o reconhecimento de seus contemporneos. Estagiou no estdio de Verrocchio, em Florena, mas a primeira grande encomenda que recebeu, A Adorao dos Magos (Uffizi, Florena), ficou inacabada quando mudou-se para Milo entre 1481 e 1482.Permaneceu em Milo at 1499, trabalhando principalmente para a corte do duque Ludovico Sforza. A obra mais importante deste perodo milans o grande mural A ltima Ceia (c.1495-7), que se encontra no mosteiro da igreja de Santa Maria delle Grazie e que, apesar das ms condies de conservao, exerceu poderosa influncia sobre sucessivas geraes de artistas e escritores.At 1506, Leonardo trabalhou principalmente em Florena, e tudo indica que nesta poca tenha pintado a Mona Lisa, uma obra famosa por sua originalidade, sutileza e naturalidade. Entre 1506 e 1516, viveu entre Milo e Roma.Convidado por Francisco I, viajou para a Frana em 1516, onde faleceu. Durante sua carreira, foi artista e consultor tcnico do duque de Milo, engenheiro militar de Csar Brgia, alm de pintor e arquiteto do rei Francisco I da Frana.As 5.000 pginas que restaram dos blocos de anotaes de Leonardo contm pesquisas em anatomia, mecnica, hidralica e uma ampla gama de outras cincias. Os blocos de anotaes tambm detalham muitos esquemas de engenharia civil e militar, e projetos de uma enorme variedade de dispositivos mecnicos _um helicptero, uma bicicleta, uma mquina de cortar parafusos, fornalhas, um canho carregvel pela culatra, armas de fogo de cano estriado, mquinas de cunhar moedas e uma grua com dupla articulao.Algumas dessas mquinas estavam muitos anos frente de seu tempo e nunca foram fabricadas, mas alguns projetos eram de grande importncia: por exemplo, o canal de comportas hermticas em forma de mitra, ainda em uso hoje em dia, e o mecanismo de meia engrenagem para converter movimento rotatrio em movimento recproco (de vai-e-vem), que foi amplamente utilizado durante todo o sculo XVI.

Madona del Parto

Madona del Parto, de Piero della Francesca (1410-92)Piero della Francesca: pintor italiano, tido hoje como um dos maiores artistas do Renascimento. A relativa obscuridade em que caiu aps sua morte deve-se ao fato de ter passado grande parte da vida na cidade natal, Borgo San Sepolcro (hoje Sansepolcro), um lugarejo longnquo e sem tradio artstica.No entanto, tambm trabalhou em outras localidades, especialmente na esplendorosa corte de Federico da Montefeltro, em Urbino, e em Arezzo, onde pintou suas obras mais famosas _uma srie de afrescos sobre a Lenda da Santa Cruz (1452-65), na igreja de San Francesco.

Mulher na poca do RenascentismoOs historiadores se desmancham em elogios sobre a poca renascentista. Segundo Agnes Heller, "a um momento esttico sucedera um momento dinmico. O homem novo, o homem moderno, era um homem que ia se fazendo, construindo, e estava consciente disso. Era, precisamente, o homem do renascimento".

Essas idias se adaptam ao sexo masculino, pois a mulher pouco compartilha desse brilhantismo.

Madona del Parto

Numa primeira viso, a mulher Maria. Na pintura "Madona del Parto", de Piero della Francesca ( esq.), Nossa Senhora aponta para o ventre onde traz Jesus Cristo, representando tambm a figura da mulher comum que est prestes a gerar uma nova vida. Porm, trazer em si um filho um privilgio e um fardo para a mulher.

Na Europa, a mortalidade infantil oscila de 20% a 50%. As crianas so vtimas de peste, diarria, constipao, tuberculose e inanio. A preocupao com a morte da criana constante em cada nascimento. Os sobreviventes so amamentados durante 18 a 24 meses, pelas mulheres das camadas inferiores da populao.

As mulheres das camadas dominantes no o fazem, pois nesses estratos sociais deseja-se uma taxa de nascimentos mais elevada, para garantir a transmisso da riqueza, conhecimentos e poder. A prtica baseada na crena de que a amamentao tem efeito contraceptivo. O filho da mulher rica amamentado pela mulher pobre, que recebe o pagamento dobrado de uma domstica por essa funo.

Litta

Quando no tem leite em abundncia, nega-o ao prprio filho, ou o acostuma a mamar diretamente nas tetas de uma cabra. Quando no possui tal animal, capaz de cometer o infanticdio, principalmente se o filho ilegtimo. Outra alternativa o abandono, atestado pela existncia de asilos de crianas desde o sculo VIII. Os destinos opostos que assinalam a maternidade tambm esto presentes na unio conjugal. O casamento resulta de um clculo, servindo como mecanismo de produo, conservao e transmisso da propriedade. Bons casamentos aumentam o patrimnio. A famlia Donato, de Veneza, contabiliza um saldo positivo de 127.177 ducados, em dois sculos, entre receitas e despesas com dotes.

Na maioria das vezes, os casamentos so decididos pelos pais. Os filhos devem aceit-los. O contrrio produz severas punies. Margery Paston, filha de um lorde ingls, foi isolada e espancada durante meses. Alberti, mercador florentino, aconselha deserdar os rapazes que no casassem at os 25 anos.

O casamento mercenrio. Entretanto, humanistas e religiosos realam a importncia de uma relao de amizade entre os cnjuges. Em 1509, Cornelius Nettesheim, erudito alemo, afirma que, "se o casamento se baseasse no amor e na amizade, e no no dinheiro e no interesse, no haveria mais adultrios nem divrcios".

Amar e obedecer ao marido

Todavia, se a amizade importante, tambm exigida a relao de tipo patriarcal. A mulher deve amar e obedecer ao marido. Um ingls, W. Whately, em 1617, recomenda: "Uma mulher devia sempre reconhecer que o marido seu superior e seu senhor". Calvino considera a submisso da mulher ao marido como um modelo da sua normal submisso ao prprio Deus. Quanto s desobedientes, frei Querubino, na sua obra "A Regra da Vida Matrimonial", recomenda que na falha das boas maneiras e da persuaso, " a mulher deve ser espancada ruidosamente (no com fria, mas com amor), para salvao da sua alma".

Na Inglaterra existe a expresso "rule of the thumb" (regra do polegar), referindo-se a uma norma tradicional da lei consuetudinria, pela qual uma mulher s podia ser espancada com um pau cujo dimetro no ultrapassasse o de um polegar.

As Fiandeiras

Segundo a religio, Deus, ao expulsar Eva do paraso a condena, e tambm a todas as suas filhas, a dois castigos: as canseiras de um trabalho sem fim e as dores do parto. Com exceo das mulheres das camadas sociais mais elevadas, mes e filhas executam vrios tipos de trabalho.

No campo participam dos trabalhos agrcolas, renem o rebanho, tratam do galinheiro, recolhem os ovos, ordenham as vacas, transportam a palha, plantam e preparam o linho e o cnhamo, que depois lavam, batem, fiam e tecem para fazerem as roupas e toalhas; tosquiam as ovelhas, fiam e tecem a l para fazerem as capas e as mantas; tratam da horta, colhem legumes e ervas para cozinharem. As mulheres da aristocracia tambm se ocupam dos trabalhos agrcolas, porm no aspecto organizativo, quando os maridos se ausentam, principalmente em caso de guerra. Ricas ou pobres, as mulheres sempre fiam e tecem. Na lngua inglesa, solteirona "spinster", que deriva do verbo fiar, "to spin".

Catlogo de prostitutas

A prostituio tambm freqente. Em 1500, com uma populao de 100 mil habitantes, Veneza possui cerca de 12 mil prostitutas. No final do sculo XVI, essa cidade, famosa tambm pelas suas liberalidades, permite que as meretrizes exibam publicamente os seios no submundo, junto ponte do Rialto. Mas at a existem distines. Esplndidos apartamentos acolhem "honradas cortess", que so objeto inclusive de um catlogo, editado em 1570, mencionando 215 nomes.

O oposto da prostituio o convento. Durante o sculo XV, em Florena, Veneza e Milo, cerca de 13% das mulheres eram monjas. Boa parte delas provinha das camadas altas e mdias da populao. Um nmero excessivo de filhas podia ser a runa de um pai, caso viesse a despender altas somas com os dotes. Nesse caso, Jesus era o genro ideal.

Por outro lado, um nmero reduzido de mulheres faz surgir no Renascimento um papel alternativo ao de Maria ou ao de Eva. a amazona, uma mulher-homem perigosamente hbil. Joana D'Arc, a primeira delas, paga caro como comandante militar: condenada morte como feiticeira pelo seu papel masculino.

Elisabeth 1

Caterina Sforza, aps a morte do marido Girolamo, duque de Milo, assume o comando das operaes militares. Derrotada, presa, talvez violentada e conduzida sob priso a Roma por Cesar Brgia. As duas maiores excees foram Catarina de Mdicis, viva de Henrique II, rei da Frana, regente dos seus dois sucessores, Francisco II e Carlos IX, e Elisabeth Tudor, rainha da Inglaterra.

Entre elas, Elisabeth define melhor o papel da amazona. Nunca se casou. Difamada pelos adversrios como lsbica, designava-se como "prncipe", com o corpo de mulher e o corao de um rei. Seus partidrios a consideravam virgem viril. Como Joana D'Arc, Elisabeth era considerada (e considerava-se) uma amazona. Em sua poca, profunda a sensao de incmodo provocada por uma virgem armada, uma fmea racional, uma fora emotiva que no podia ser limitada pela ordem natural das coisas.

Joana e Elisabeth na tela

Figuras fortes para qualquer poca, Joana e Elisabeth inspiraram uma vasta filmografia, sendo recentemente retratadas mais uma vez, por Luc Besson (1999) e Shekar Kapur (1998), em produes supercaprichadas.

A Joana D'Arc encarnada pela ucraniana Milla Jovovich (na foto ao lado), corresponde ao padro de beleza que sempre acompanha a idia de heri. A Frana, ou o que restava dela, havia sido praticamente derrotada pelos ingleses, na Guerra dos 100 Anos (1337-1453). Em 1420, pelo tratado de Troyes, o rei Carlos VI da Frana deserdou seu filho, tambm chamado Carlos, denominado no filme como Delfim, ttulo aplicado exclusivamente ao herdeiro do trono francs, em favor do rei Henrique V da Inglaterra. Mortos os reis signatrios do acordo, a guerra poderia recomear.

nesse quadro que surge a donzela Joana, crente na sua misso de fazer coroar o Delfim (John Malkovitch), como rei da Frana; ele a recebeu na sua corte em Chinon, no dia 6 de maro de 1429, ouvindo dela a mensagem da voz do povo afirmando que a realeza no uma coisa terrestre, que os homens no podem dispor da coroa de acordo com as suas vontades, e s Deus tem o poder de pass-la atravs de seus anjos, quele que merece receb-la, em virtude do seu nascimento; essa voz tambm dizia que o lugar dos ingleses no na Frana, mas para l do canal da Mancha, onde foram estabelecidos por Deus.

A identificao entre a mstica Joana, o pensamento popular e as pretenses do Delfim, produzem um efeito extraordinrio; na soma, o discurso moderno, patritico, ao contrrio dos seus adversrios ingleses. Essa conjuno foi a mola propulsora das vitrias da "chefe de guerra", posto criado para Joana pelo Delfim. Carlos VII foi coroado em Reims, em 17 de julho de 1429.

Triunfo da Morte

Depois disso Joana no pra; no auge do seu prestgio queria empurrar os ingleses para a sua ilha, pretenso que no era compartilhada pela coroa. A partir da torna-se incmoda ao rei da Frana e aos ingleses. Na pelcula, ao deixar de receber apoio do rei, sua conscincia torna-se cada vez mais perturbada, mergulhada em conflitos sobre a incerteza da sua misso, sobretudo se essa deveria ser banhada em sangue; as cenas realistas das batalhas parecem inspiradas em quadros como o Triunfo da Morte de Brueghel. Em 24 de maio de 1430, presa em Compigne pelos partidrios do duque de Borgonha, que por sua vez a vende aos ingleses.

Na tela, durante o seu julgamento as autoridades eclesisticas hesitam diante do mito por ela representado; as acusaes de bruxaria e pacto com o demnio so inconsistentes. No processo inquisitorial, o argumento decisivo para a sua condenao a acusao de "cisma", termo que no vocabulrio eclesistico significava rebelio: Joana recusava-se obstinadamente a se submeter Igreja, dirigindo-se diretamente autoridade de Deus; guiada pelas vozes, mantinha-se fiel a elas.

Finalmente, excomungada pelos inquisidores, entregue justia de Rouen que a manda queimar em 30 de maio de 1431, com apenas 19 anos de idade. Destaque-se o fato de que na realidade a Inquisio ou a Igreja no condenam ningum morte, mas sim excomungam; da o indivduo, afastado da comunidade crist, condenado morte pelas autoridades civis.

A Elizabeth I ou Isabel I, vivida por Cate Blanchett ( esquerda), no camponesa. Filha de Henrique VIII com a segunda esposa Ana Bolena, foi herdeira presuntiva do trono at a morte de sua irm consangnea Maria a Sanguinria, a Bloody Mary, filha de Catarina de Arago, casada com Felipe II, rei da Espanha, com o qual no teve filhos. Enquanto princesa, o filme exibe uma sensual e nada virgem Elizabeth, curtindo uma "dolce vita" com Robert Dudley, conde de Leicester (Joseph Fiennes), numa viso at generosa do apetite sexual herdado do pai, que ostentou seis esposas e uma lista de amantes.

Com a morte de Maria, em 1558, a maioria da corte aceita Elizabeth como rainha. Inicialmente, seu ministro e conselheiro lorde Burghley (Richard Attenborough), busca induzi-la ao casamento, que no caso de uma rainha definiria a posio diplomtica e futuras possveis alianas.

Na pelcula, impossibilitada de amar na plenitude e com a nica perspectiva de um consorte indesejado, o que se destaca nas atitudes homossexuais do duque de Anjou (Vincent Cassel), e na repulsa a Felipe II (George Yiasoumi), vivo de sua irm Maria, decide adotar a postura de virgem, aproveitando que a religio anglicana mantivera a hierarquia sacerdotal e a crena nos santos, tendo a prpria rainha como chefe para as questes polticas.

Lord Burghley por ela aposentado e Walsingham (Nick Shalmann) ascende como o maquiavlico principal conselheiro; no filme, h o corte dos cabelos como smbolo da mudana de uma personalidade feminina para uma assexuada, acompanhada pelo Requiem de Mozart. A cena, embora de uma fotografia maravilhosa, seria mais histrica com as msicas do trovador John Dowland, o predileto de Elizabeth, o qual no deve ter apenas cantado seus versos para a rainha. Mozart comps o Requiem no final do sculo XVIII, um tanto quanto distante da segunda metade do sculo XVI em que se passa a histria.

Amor ao poder

Na realidade Elizabeth amava o poder acima dos homens, coisa difcil de entender para os simples mortais que nunca o tiveram. Ela aplicava o termo convenincia para designar qualquer meio para preservar a paz. Tinha de sobra a virt requerida por Maquiavel em "O Prncipe". Foi uma verdadeira equilibrista na poltica cuja cena era compartilhada por Inglaterra, Frana, Holanda e Espanha.

A Holanda e a Inglaterra entraram em guerra contra a Espanha; a primeira pela independncia e a segunda pela rejeio do catolicismo e adoo do anglicanismo, que afastava definitivamente as pretenses de Felipe II de realizar uma aliana com os ingleses. Elizabeth no queria uma vitria total da Espanha na Holanda, para no fortalecer demais os espanhis, nem uma derrota completa da Espanha contra os holandeses, para no ampliar o crescente poderio francs.

Se todas se enfraquecessem, a Inglaterra se sobressairia. No por acaso que os ingleses chegaram ao domnio dos mares e na seqncia atingiram a Revoluo Industrial. A gestao da "Rainha dos Mares" comea com Elizabeth.

Alm da Elizabeth de Shekar Kapur, houve uma deliciosa presena da personagem, ainda em 1998, na fantasiosa comdia romntica "Shakespeare Apaixonado", ganhadora do Oscar de melhor filme, em 1999, onde aparece mais velha, vivida por Judy Dench que rouba a cena no final do filme da mesma maneira como Sean Connery fez no Robin Hood protagonizado por Kevin Costner, como Ricardo Corao de Leo.

Tirando a capa que tinha como disfarce, a rainha que acabara de assistir "Romeu e Julieta", de Shakespeare, surge para perdoar a presena feminina de lady Viola De Lesseps (Gwineth Paltrow) num papel teatral, fato ento proibido na Inglaterra para as mulheres. Diante da confuso criada, ironicamente declara: "Sei o que ser mulher num ofcio de homem". E sabia mesmo!Cinema Ajuda a Entender a HistriaPreparar o seu saco de pipocas, sentar-se confortavelmente em frente TV, de preferncia num horrio em que os pais ou irmos no vo disput-la, o primeiro passo para assistir a um filme que tenha algum interesse para o seu estudo.

O filme deve ser indicado pelo seu professor, embora alguns dos livros didticos mais modernos j tragam dicas sobre o assunto. Porm, como essas publicaes no so atualizadas com freqncia, muitas fitas apontadas podem ter j desaparecido do mercado, especialmente se forem filmes europeus, daqueles que as locadoras despacham logo se a audincia for baixa.

Explorar um filme histrico exige pacincia. preciso observar muitos detalhes, desde as roupas, adereos e cenrios at os dilogos e o comportamento geral dos atores em cena.

Um filme assinado por um diretor reconhecidamente exigente meio caminho andado para um bom estudo. Um exemplo o italiano Lucchino Visconti, diretor, entre outros filmes, de"O Leopardo", "Ludwig, o ltimo Rei da Baviera" e "Os Deuses Malditos".

Visconti costumava levar os atores aos museus, para verem quadros de poca e aprenderem atravs deles a gesticulao e a postura para as cenas. Em "O Leopardo", passou os figurantes em revista, para ver se todos tinham os tipos fsicos compatveis. Se as cenas exigiam copos ou xcaras, s admitia fazer com peas legtimas do sculo XIX, sem uso de imitaes. Visconti, mestre italiano do cinema, teve como seguidores Federico Fellini, Michelangelo Antonioni, Pierpaolo Pasolini, Franco Zefirelli, Francesco Rosi e outros.

Tal qual se l um livro, deve ser visto um filme.Ao ler um livro, voc pergunta: Por que o autor se envolveu com o tema? Com um filme, a mesma coisa: Por que o diretor ou o produtor estava envolvido pelo tema? Foi s pelo aspecto puramente comercial, uma coisa que venderia bem, ou havia alguma coisa que ideologicamente tocava nos donos da iniciativa? Na maioria das vezes as duas coisas esto envolvidas, com maior ou menor intensidade.OS FILMES ENVOLVEM VRIAS HISTRIASQUE SUGEREM INTERROGAES:

o fato histrico em si, narrado por cronistas ou historiadores. Normalmente ocorrem divergncias interpretativas e o diretor do filme opta por uma nica verso;

o mesmo fato, contado por um romance histrico ou pea teatral, envolve dilogos. Neste ponto, houve a incluso de personagens fictcios? Como eles se comportam?

a histria das filmagens, o making off. Houve, nessa ltima fase, acrscimos ou cortes ao filme, durante a montagem? O roteiro foi alterado em funo de crticas ou da censura do pas em que o filme foi feito?

quando o filme foi distribudo internacionalmente, houve interferncia da censura em algum pas? O filme foi proibido em um ou vrios pases? Quais as razes das proibies?

a montagem apresentada foi definitiva ou posteriormente foram acrescentadas ou retiradas cenas?

Com esses degraus pode-se separar no s a realidade possvel da fico criada na tela, como tambm a alterao das caractersticas dos personagens.

PARA COMPREENDER O FILME: anote as seqncias, estabelea a hierarquia entre elas, da retire a idia principal.

Um filme no montado necessariamente em uma seqncia cronolgica, e a narrativa pode passear por vrios momentos histricos e de envolvimento direto ou indireto dos personagens dentro deles.FILMES SUGERIDOS

Um filme essencial para ser visto "1900 (Novecento)", de Bernardo Bertolucci, aluno de Pasolini e Fellini, no qual o diretor busca resumir ahistria da primeira metade do sculo XX, a partir da histria de um campons e seu patro e como as relaes entre eles vo se modificando no decorrer do tempo. Antes que o historiador Eric Hobsbawn afirmasse que o sculo XX foi caracterizado pela luta entre ocapitalismo e o socialismo, Bertolucci o fez atravs do cinema.

Para sentir o clima daSegunda Guerra Mundial, no preciso ver as cenas realistas de "O Resgate do Soldado Ryan". Assista ao clssico"Casablanca"de Michael Curtiz, com um elenco composto por atores de vrias nacionalidades que, por si s, simbolizam os povos em conflito; a guerra vista atravs dos freqentadores de um bar, o Rick's, onde esto as msicas, do tema romntico As Time Goes By La Marseillaise, o hino nacional francs; a luta pela fuga para a liberdade entre Victor Laszlo e o oficial nazista; a corrupo e o arrependimento patritico do capito Renault e o tringulo amoroso entre Rick Blaine, Ilsa Lund, e Victor Laszlo.

Com relao antigidade clssica, veja"Spartacus", dirigido por um Stanley Kubrick jovem, com Kirk Douglas, no papel ttulo e tambm como produtor do filme. Os bastidores saborosos esto em "O Filho do Trapeiro", autobiografia de Kirk Douglas. Alm de muita ao e cenas brilhantes de lutas e batalhas, o filme foi combatido pelo macartismo reinante na poltica americana dos anos 50, mas aplaudido pelo ento presidente Kennedy e um grande sucesso de pblico na ex-URSS, em pleno auge da Guerra Fria, durante a Crise dos Msseis. O filme se baseia na revolta liderada pelo escravo Spartacus, contra o Estado romano, em 73 aC, poca dacrise da Repblica Romana, na qual a luta dos generais pelo poder era clara nas figuras deJlio Csar,Crassuse de uma oposio poltica sem foras, liderada por Gracus, um personagem histrico fictcio. Quando o filme fez 30 anos, em 1990, os tempos j eram outros; foram includas cenas, na poca censuradas, que insinuavam relaes homossexuais entre o fictcio Antoninus e o poderoso general Crassus, dando portanto um outro carter a essas duas figuras.

Sobre aIdade Mdiah um leque interessante, que vai desde a genial comdia"O Incrvel Exrcito de Brancaleone", de Mario Monicelli, com Vittorio Gassman, uma stira baseada emcrnicas medievais, passa pelo realismo de"O Leo no Inverno"de Anthony Harvey, com um elenco superstar que inclui Peter O'Toole, Katherine Hepburn, como Henrique II e Eleonora de Aquitnia, e um jovem Anthony Hopkins como Ricardo Corao de Leo, futuro rei da Inglaterra, e Timothy Dalton, depois Agente 007, como Felipe II, o Augusto, rei da Frana, e chega ao romance histrico"O Nome da Rosa", escrito por Umberto Eco e filmado por Jean-Jacques Annaud, com o charme de Sean Connery no papel de William of Baskerville.

Acerca daIdade Modernapodem ser apontados"Giordano Bruno", de Giuliano Montaldo, com Gian Maria Volont, mostrando o processo e as torturas aos quais foi submetido o filsofo, queimado vivo pelaInquisio em 1600; o divertido"O Rei Pasmado e a Rainha Nua", dirigido por Imanol Uribe, com Gabino Diego e Laura del Sol, fico sobre um rei espanhol do sculo XVII, que aps ver uma prostituta nua, exigiu que a rainha assim para ele se exibisse; um padre fantico leva o caso Inquisio e por a a histria corre saborosa. "Amadeus", de Milos Forman, com Tom Hulce no papel do compositor Mozart e F. Murray Abraham como o invejoso Salieri, sobre os ltimos anos da vida de Mozart, tendo como pano de fundo odespotismo esclarecido do imperador Jos II, da ustria,e as intrigas entre os partidrios do absolutismo tradicional e osadeptos das idias iluministas.

Fechando essa poca, aRevoluo Francesa abordada em"Danton, O Processo da Revoluo", do polons Wajda, com Grard Depardieu no papel ttulo, numa viso democrtica e pessoal do diretor, sobre older jacobino guilhotinado no perodo do Terror, e tambm em"Casanova e a Revoluo" ou "A Noite de Varennes"(existem os dois ttulos em portugus para o mesmo filme), de Ettore Scola, com Marcello Mastroianni como Casanova, o clebre conquistador, ento envelhecido, durante uma fico criada em torno dafuga do rei Lus XVI e sua priso em Varennes, fato capital para explicar uma derrapagem e radicalizao do processo revolucionrio.Bem, esse pacote encerra uma filmografia bsica. Passe antes no supermercado, reforce o estoque das pipocas; depois assista aos filmes, faa pesquisas via Internet, pois existem inmeros sites, inclusive oficiais, sobre filmes e diretores. No se esquea sobretudo de consultar seu professor de histria, que o ajudar a mergulhar lucidamente nesse mundo.

Islamismo unifica Mundo ArbeEnquanto o feudalismo se estruturava na Europa, o Oriente Mdio passava por uma transformao bastante diferente. No sculo 7, a pennsula arbica era habitada por povos que levavam uma vida nmade, divididos em tribos, incapazes de constituir uma federao mais ampla e estvel. Ao sul da pennsula, no Imen, havia formas de sociedade mais desenvolvidas, caracterizadas pela vida urbana e pelo comrcio, principalmente de produtos vindos do Oriente, que ganhavam o interior da pennsula por meio de caravanas de camelos, que seguiam at a Sria. Persas, rabes e etopes disputavam a posse de pontos essenciais.

Nesse perodo, Meca tornara-se um centro comercial importantssimo, rota de passagem de mercadorias e, portanto, de contato entre diversas culturas. Esses povos eram politestas e a religio absorvia essa realidade, visto que a f refletia um pouco de todas as crenas populares do Oriente. Outras cidades se desenvolveram na regio, muitas vezes rivais, devido aos interesses comerciais das grandes famlias de mercadores.

Porm, desde o sculo 5, Meca j era o principal centro urbano rabe graas s peregrinaes a Caaba. Durante quatro meses ao ano, suspendiam-se as guerras entre as tribos para que bedunos e habitantes das cidades pudessem visitar o templo e cumprir suas obrigaes religiosas. Se eram politicamente divididos, os rabes, separados em tribos ou em cidades independentes, possuam elementos de unidade, como as prticas religiosas e uma lngua comum.

Coube a Muhammad liderar o processo de unificao completa dos povos rabes. Em Medina, j no s a pregao de uma f. Muhammad organiza uma comunidade dentro dos princpios islmicos, cuja lei no est dissociada da f, j que sua origem divina. Ao morrer, em 632, ele tinha deixado uma religio consciente de sua especificidade, esboara um regime social externo e superior organizao social e unificara a Arbia, coisa at ento inconcebvel.

A unificao rabe completara-se no campo poltico e religioso ao mesmo tempo. Para Muhammad, a centralizao era fundamental para a coeso do povo, ou seja, para a superao das diferenas tribais. Na verdade, foi o processo de expanso que permitiu, em pouco tempo, a unificao de fato do mundo rabe e a formao de um imprio.Liberalismo burgus reorganiza sociedadeAtualizado em 18/07/2013, s 12h24O perodo histrico denominado Idade Moderna, que se estendeu aproximadamente do sculo 15 at meados do sculo 18 na Europa, organizava-se em um sistema chamado Antigo Regime e caracterizava-se peloAbsolutismo,MercantilismoeSociedade Estamental.No Absolutismo, o poder real era considerado de origem divina, concentrando-se, assim, nas mos dos monarcas.O princpio da lgica social era baseado na origem de nascimento, determinando uma organizao onde no havia mobilidade social, j que esse dado no podia ser alterado.Por exemplo, se o indivduo nascesse em uma famlia nobre, teria at o final de seus dias um lugar privilegiado socialmente, o que lhe garantiria direitos polticos diferenciados.Essa concepo de valores interferiu, inclusive, no desenvolvimento das atividades econmicas, predominantemente comerciais, que dependiam da legalizao do monarca para serem realizadas.Numa economia baseada no princpio do monoplio, era o Estado quem fazia ou no as concesses comerciais.A atividade comercial era desenvolvida pela burguesia, cuja origem social remonta ao campesinato medieval. Portanto, por mais que a burguesia se desenvolvesse e adquirisse importncia econmica, sua origem social humilde atuava como uma barreira no que se referia aos privilgios sociais, criando uma progressiva insatisfao na mesma, que culminou com aRevoluo Francesaem 1789.O rompimento com a nobreza e a implantao de uma ordem social, denominada liberal burguesa, inaugurou novos parmetros, onde o poder econmico passou a determinar o status social dos indivduos em detrimento da origem de nascimento, definindo a forma de estruturao das sociedades capitalistas contemporneas.Os princpios liberais foram importantes na Amrica Latina, estimulando e embasando os processos de independncia, porm sendo adaptados aos contextos locais.No Brasil, a elite agrria incorporou esses ideais e passou a buscar o fim do pacto colonial. Porm, manteve inalterada a estrutura social interna, baseada na escravido, fonte de riqueza para essa elite, adaptando, assim, as idias liberais aos seus interesses de classe social. O fim do pacto colonial garantiu o status de nao independente ao Brasil, embora estruturalmente no tenham ocorrido mudanas, j que o principal limite do liberalismo brasileiro tenha sido a propriedade de bens, caracterizada pelo latifndio e escravido.Conhea as origens da globalizaoGlobalizao uma palavra constante nos meios de comunicao. Para muitos historiadores, esse processo de interligao do mundo comeou com a expanso comercial martima europia dos sculos 15, 16, a chamada Era das Grandes Navegaes. Que fatores permitiram ao homem europeu romper com os laos do mundo medieval e lanar-se na conquista dos "mares nunca dantes navegados"?

O primeiro foi a crise de crescimento do sculo 15. A produo agrcola no atendia s necessidades dos centros urbanos; a produo artesanal desses centros no encontrava mercados suficientes no campo; o comrcio internacional, alm de escoar os poucos metais preciosos que a Europa possua, tinha preos altos em funo dos intermedirios existentes entre o produtor e o comprador final. A soluo era alargar a Europa por meio do comrcio e da expanso martima.

O segundo fator foi a aliana entre burguesia e reis nas monarquias nacionais. Um empreendimento da grandeza das grandes navegaes s seria possvel com um Estado centralizado, aliado ao capital da burguesia. O terceiro fator foi o avano tcnico e cientfico (caravelas, bssola, sextante, astrolbio, desenvolvimento da cartografia e da astronomia), possibilitando as condies tecnolgicas para as navegaes. O quarto fator estava no campo das mentalidades. Renascimento e grandes navegaes fizeram parte da mesma aventura humana.Por Roberto Nasser*Entenda os motivos da guerra civil americanaA guerra civil americana ou Guerra de Secesso (separao), ocorreu de 1861 a 1865. As razes para tal conflito esto na discrdia entre a burguesia industrial nortista, que no aceitava a extenso da escravido para as novas terras do Oeste americano, e a aristocracia sulina que desejava essa extenso e nas tarifas alfandegrias.

A economia nortista tinha uma forte base industrial. Dessa forma, defendia a existncia de uma poltica protecionista para dificultar as importaes dos produtos industriais de outros pases. A consequncia dessa poltica foi a transformao da economia sulina numa compradora dos produtos industriais produzidos pelos nortistas.

Em contrapartida, a economia sulina era tipicamente agrria-exportadora (sistema de plantation), portanto, os latifundirios exportadores queriam comprar os produtos industrializados de quem pudesse vend-los mais baratos, para isso era necessrio uma poltica livre-cambista.

A consequncia dessa atitude da elite sulina que ela no aceitava a situao de ser um mercado consumidor dos artigos produzidos pela indstria nortista.

A causa imediata da guerra foi a vitria do candidato do Partido Republicano e representante dos interesses nortistas, Abraham Lincoln, em 1860. A vitria nortista ocorreu em 1865, deixando um saldo de aproximadamente 600 mil mortos, o Sul devastado e a consolidao dos interesses polticos e econmicos da regio Norte.Por Roberto Nasser*

Especial para o FovestAdam Smith cria a bblia do liberalismoRobinson Cruso foi parar numa ilha deserta depois que o navio em que viajava naufragou. Sem pestanejar, Cruso decidiu suas prioridades: primeiro, construir um abrigo onde pudesse evitar o frio e os animais selvagens; depois, pescar e colher frutas para se alimentar. J instalado, e com a sobrevivncia garantida, pde investir: melhorou as condies da casa improvisada, construiu equipamentos para pescar mais eficientemente e tomou algumas medidas para proteger-se contra outros habitantes da ilha que talvez fossem pouco amistosos.Esse o foco do romance profundamente atraente de Daniel Defoe (1660-1731), "A Vida e Estranhas e Surpreendentes Aventuras de Robinson Cruso de York, Marinheiro", escrito em 1719.A habilidade fantstica de Cruso representa o triunfo do individualismo, da capacidade humana de dominar a natureza. Um indivduo completamente dominado pela busca racional dos interesses materiais. Foi essa imagem da capacidade individual que o economista Adam Smith (1723-1790) reafirmou.Ingls, como Defoe, vivendo na poca em que seu pas experimentava o incio da Revoluo Industrial e assistindo ao triunfo das fbricas e ao desejo voraz de conquistar mercados, ele se tornou um observador do homem de negcios independente, o empresrio. Seu livro, "A Riqueza das Naes" (1776), em que postulou a liberdade atividade empresarial, tornou-se uma espcie de bblia do liberalismo.Havia a a noo de que o interesse individual deveria ser aceito e estimulado. Caberia aos governos ajudar os homens a expressarem seus interesses e, com isso, encontrarem a felicidade. Num mundo liberal regido pelas foras do mercado, uma mo invisvel garantiria a sustentao da economia sem que fosse necessria a presena da "mo pesada" dos Estados mercantilistas. A mo invisvel do mercado conciliaria o interesse pessoal com o interesse comum ou pblico.O ingls Adam Smith expressava sua f no progresso da sociedade, no indivduo, tornando-se cada vez mais habilidoso em seu trabalho e, dessa forma, aumentando a quantidade de cincia. O conhecimento seria progressivo e, como resultado, a condio humana melhoraria constantemente. Seria o triunfo de uma sociedade de homens com o esprito de Robinson Cruso.

Dcada de 60 marcada pela efervescnciaMxico. 1968. Olimpada. No pdio, dois atletas negros dos EUA, John Carlos e Tommy Smith, primeiro e terceiro colocados, usando luvas pretas, fazem uma saudao com o punho cerrado e erguido. O protesto dirigia-se contra o racismo nos Estados Unidos. O gesto _uma aluso ao grupo radical Panteras Negras_ provocou severas punies aos corredores por parte do comit olmpico.

quela altura, o mundo vivia uma impressionante efervescncia. Os EUA estavam envolvidos na Guerra do Vietn e patrocinavam ditaduras na Amrica Latina. Cuba tornava-se modelo para os revolucionrios de todo o continente. Ernesto Che Guevara, morto em 1967 na Bolvia, firmava-se como a imagem da rebeldia de sua gerao.

A contestao era a marca da juventude. As minissaias e os biqunis expunham com ousadia os corpos femininos. A plula anticoncepcional liberava as prticas sexuais. Em lugar dos ternos e gravatas, do cabelo curto e dos valores da sociedade de consumo, os jovens usavam jeans, cabelos longos e acreditavam em sociedades igualitrias. "Black Power"; "Make love, not war"; "Sex, drugs and rock'n'roll".

Ainda em 1968, os estudantes tomaram as ruas de Paris, Praga e Washington com slogans desafiadores: " proibido proibir!"; "Chega de atos, queremos palavras!"

No Brasil, a ditadura instalada em 1964 era questionada nas ruas. De um lado, bombas de gs e cavalaria. De outro, coquetis molotov e muitas palavras de ordem.

Em junho de 1968, na Guanabara, uma passeata reuniu 100 mil pessoas, divididas por dois slogans: "S o povo organizado derruba a ditadura" e "S o povo armado derruba a ditadura".

Em dezembro, o governo impunha o Ato Institucional n 5. O Congresso Nacional era fechado e estavam suspensos todos os direitos civis e constitucionais. A imprensa passava a ser censurada. Ocorreram centenas de prises e cassaes polticas. A mordaa que calava as palavras de ordem fazia ecoar os gritos daqueles que eram submetidos tortura nos pores da ditadura.

Consolidava-se, assim, o Estado de Segurana Nacional, que identificava, como seus inimigos internos, setores da sociedade tidos como agentes internacionais do comunismo. A oposio ao regime era considerada oposio nao, e criticar o governo, uma ao antipatritica.

Estudantes, intelectuais e escritores eram suspeitos. Um slogan autoritrio faria sucesso entre os apoiadores da ditadura: "Brasil: ame-o ou deixe-o". E a luta armada ganharia corpo entre os jovens.Flavio de Campos*

Especial para a Folha de S. PauloSanto Agostinho estava frente de seu tempo"Que , pois, o tempo? Se ningum me pergunta, eu o sei; se desejo explicar a quem o pergunta, no o sei", afirmou Santo Agostinho, um homem entre dois tempos. Entre um tempo romano que desmoronava e o tempo medieval em formao. O jeito romano de olhar para o mundo cedia lugar ao olhar cristo medieval.

"O homem destri uma civilizao, mas constri outra usando os tijolos da anterior", afirmou o cineasta polons Andrew Wajda. Dos escombros de Roma os cristos construiriam uma nova sociedade.

Em 410, Roma, absolutamente fragilizada, foi saqueada pelos godos. Os pagos _nome com que a Igreja designa os no-cristos_ atriburam a invaso ao fato de os romanos terem abandonado os deuses antigos. De acordo com eles, enquanto fora adorado, Jpiter protegera a cidade; ao ser "trocado" pelo cristianismo, deixara de faz-lo.

Entre 412 e 427, Santo Agostinho escreveu "A Cidade de Deus", um livro cuja base era a filosofia grega e que exerceria forte influncia nos tempos medievais. Nele respondeu a tais acusaes, argumentando que coisas piores haviam ocorrido em tempos pr-cristos. Que os deuses pagos eram perversos. Ele no negava a existncia de entidades como Baco, Netuno e Jpiter, considerados demnios.

Demnios que ordenavam aos homens, por exemplo, que criassem peas teatrais, definidas por Santo Agostinho como "espetculos da imundcie". Em razo desses deuses, Roma sempre fora perversa e pecaminosa.

Com o cristianismo, ela se salvaria. E, se a cidade dos homens fora invadida, pouco importava, j que o objetivo maior dos homens era a salvao por meio da bondade para atingir a cidade de Deus, a sociedade dos eleitos.

A busca central no era a cidadania na sociedade dos homens, mas a salvao no reino de Deus.

Para falar sobre o mal que habitaria os homens, Santo Agostinho relatou, em suas "Confisses" _histria apaixonada de sua descoberta de Deus_, que na infncia roubara peras da rvore de um vizinho, embora no estivesse com fome e na casa de seus pais houvesse melhores.

Fizera-o por maldade e considerava tal ato um de seus maiores pecados. O pecado para ele habitava todos os homens. E, se os bebs so inocentes, no porque lhes falte o desejo de fazerem o mal, mas por carecerem de fora.Renan Garcia Miranda*

Especial para a Folha de S.PauloMuulmanos e cristos travam guerra no sculo 9 No sculo 9, pertenciam aos domnios muulmanos o noroeste da ndia, o norte da frica, a Palestina, diversas ilhas mediterrneas e a maior parte da pennsula Ibrica.

A conquista das terras ibricas obrigou os cristos a submeterem-se ao Islo ou a se refugiarem no norte da pennsula, onde constituram-se pequenos reinos independentes, que depois viriam a formar Portugal e Espanha.

Apesar das diferenas tnico-culturais e das disputas de terras, o combate aos muulmanos tornou-se o principal fator de alianas entre os cristos ibricos. Em nome da mesma f, construram sua identidade cultural e poltica.

Em meados do sculo 9, os cristos ganharam um valioso reforo. Em Compostela (de compostum, cemitrio), foram descobertos restos mortais identificados como sendo do apstolo Tiago. Fiel seguidor de Jesus, Tiago teria sido decapitado em Jerusalm, e seu corpo, milagrosamente levado para a pennsula.

Na verdade, a mstica da regio ligava-se a tradies bem mais antigas. Compostela situava-se no extremo oeste da Europa, no Ocidente, onde o sol se pe, lugar simblico da morte. Ali situavam-se cemitrios romanos e suevos. frente, o Atlntico, o mar Tenebroso, que se supunha habitado por seres monstruosos.

A descoberta teve notvel repercusso em toda a cristandade. Santiago de Compostela, como o local passou a ser chamado, atraiu peregrinos de toda a Europa. A proximidade dos domnios muulmanos aumentava os riscos e a importncia das peregrinaes. A partir do sculo 11, cavaleiros cristos dirigiam-se para l, ampliando as foras militares contra os "infiis". Uma guerra santa era travada em solo ibrico.

No caminho at Santiago, outras localidades receberam novo impulso econmico. O comrcio e os servios ampliaram-se para atender aos peregrinos. A populao crist cresceu, fixando-se em reas at ento desocupadas.

Aproveitando-se desse reforo populacional e espiritual, os reinos cristos acentuaram sua ofensiva contra os domnios muulmanos. Em 1492, conclua-se a conquista da pennsula, com a incorporao de Granada.

A reconquista representou, para os ibricos, uma primeira expanso feudal. Caracterizou-se pela incorporao de novas terras, pelo crescimento demogrfico, pelo desenvolvimento das cidades, das atividades mercantis e pela expanso crist. No entanto 1492 no se encerra em Granada. Meses depois, em outubro, Colombo daria continuidade conquista material e espiritual. Do outro lado do Atlntico.Flavio de Campos*

Especial para a Folha de S.PauloOs gregos criam o mtodo cientfico

O mdico grego Hipcrates (460-377 a.C) foi o primeiro a olhar para um homem que sofria um ataque epilptico _consequncia da doena que faz com que as pessoas caiam ao solo, comportando-se como se j no mais tivessem o controle de seu corpo_ e dizer: "No h nenhum deus a dentro; um fenmeno do corpo desse indivduo".

Todos os outros povos da Antiguidade davam uma explicao religiosa para esse fenmeno. Viam deuses e demnios na epilepsia, que era chamada de "doena sagrada".

O mdico Hipcrates, porm, afirmava que todas as doenas possuem uma causa natural, no devendo ser encaradas como uma punio divina.

A explicao de Hipcrates para a epilepsia ilustra o que a Grcia Antiga nos proporcionou: a idia da investigao sistemtica, de que o mundo regido por leis da natureza, e no por deuses cheios de caprichos.

Matemticos indianos inventaram o zero, chave da aritmtica. A civilizao chinesa inventou a plvora e a bssola.

Nenhuma dessas civilizaes, entretanto, conseguiu desenvolver um mtodo cientfico que duvidasse de tudo, investigador e experimental. Esse mtodo veio dos gregos antigos.

Uma civilizao que desenvolveu uma assemblia, onde os homens aprenderam a persuadir uns aos outros por meio do debate, da polmica; uma economia martima que impedia o isolamento e, ao mesmo tempo, desenvolvia uma classe mercantil independente, que podia contratar seus prprios professores; que escreveu as obras "Ilada" e "Odissia" e que construiu uma religio que no era dominada por sacerdotes.

E, o fundamental, uma civilizao que persistiu em conjugar esses fatores durante mil anos.

Como dizia o pensador romano Lucrcio, os gregos viam "a natureza livre e desembaraada de seus senhores arrogantes, agindo espontaneamente por si mesma, sem a interferncia dos deuses".

Mas isso no representou o fim da religiosidade entre os gregos antigos. O prprio juramento dos mdicos, atribudo a Hipcrates, comea com uma invocao aos deuses Apolo, Esculpio, Higiia e Panacia.

Claro que libertar-se da superstio uma condio necessria, mas no suficiente, para a cincia. Ento, interessa ao estudante observar que percurso histrico explicaria o aumento do racionalismo. O que teria levado os gregos a se diferenciarem dos outros povos da Antiguidade?Renan Garcia Miranda*

Especial para a Folha de S.Paulo

Riquezas geradas pelas conquistas construram Roma

O grande orgulho de Otvio Augusto, primeiro imperador romano, era ter encontrado uma cidade de tijolos e t-la vestido de mrmore.

As riquezas geradas pelas conquistas permitiram aos imperadores realizar inmeras obras pblicas. Aquedutos, arenas, esgotos, portos, estradas: smbolos visveis do poder de Roma.

"Po e circo" se tornaram a marca da relao dos imperadores com a plebe marginalizada. Aumentaram a distribuio de cereais gratuitos e o financiamento dos populares combates de gladiadores. Para facilitar a frequncia a tais espetculos, 159 dias foram assinalados como feriados pblicos.

E havia ainda os edifcios para os banhos: vastos recintos, que lembravam templos, com banhos quentes, frios e tpidos, salas para massagens e at mesmo bibliotecas. O banho era um ritual que evidenciava a adorao ao corpo.

Culturalmente, o Imprio era um ambiente cosmopolita, em que as caractersticas regionais iam sendo absorvidas e fundidas, criando uma sociedade extraordinariamente aberta e diversificada. Tendncias diferentes e muitas vezes divergentes coexistiam at num mesmo monumento.

Diante disso, a arte romana no revela um estilo coerente, como o que encontramos no Egito e na Grcia. Alis, boa parte das obras de arte no era assinada, e seus autores poderiam ter vindo de todas as partes do territrio imperial. nesse mosaico de estilos que reside a romanidade.

Essa romanidade se estendeu pelo Oriente e pelo Ocidente, por meio da progresso do uso do latim, da criao de cidades e do direito romano. As barreiras entre italianos e habitantes das provncias iam sendo rompidas medida que espanhis, gauleses, africanos e outros povos dominados alcanavam postos no Exrcito e na administrao imperial, chegando at a imperadores.

Os romanos deram o nome de "pax romana" ao perodo de estabilizao das fronteiras, que foi, para eles, a realizao do sonho de uma ordem pblica universal. Nesse perodo, 300 mil soldados, deslocando-se rapidamente pelas estradas, defenderam as fronteiras junto dos rios Reno e Danbio contra as incurses das tribos germnicas, contiveram invases orientais e sufocaram rebelies internas.

A paz romana foi, antes de tudo, uma "paz armada", o maior smbolo de seu apogeu, que, no entanto, j carregava em seu interior os sinais da decadncia do Imprio.Renan Garcia Miranda*

Especial para a Folha de S. PauloPortugueses colonizavam em nome de Deus

Os costumes dos diversos povos americanos chocaram os conquistadores europeus. Enquanto o Novo Mundo, por sua natureza abundante, parecia o paraso terrestre, sua populao foi considerada brbara, sujeita a todo o tipo de pecado: a nudez, a luxria e at o canibalismo.

A cultura indgena foi catalogada sob rtulos j conhecidos. Como se o olhar europeu fosse focado atravs de culos medievais, confirmava-se aquilo que eles j sabiam. A disposio era para reconhecer, e no para conhecer.

A cada passo da aproximao e da conquista das novas terras, os portugueses repetiam as atitudes de Ado ao tomar conhecimento dos animais: conferiam nomes aos lugares.

Primeiro Monte Pascoal, ao avistarem terras poca da Pscoa. Terra de Vera Cruz e Terra de Santa Cruz para definir a vinculao das possesses cristandade.

Baa de Todos os Santos, So Vicente, So Sebastio do Rio de Janeiro, So Paulo, todos os nomes referiam-se ao santo padroeiro do dia de sua conquista pelos portugueses.

O batismo da nova terra antecedeu o batismo dos nativos. Como na Bblia, nomear era uma forma de exercer o domnio e o controle simblicos daquilo que se nomeia.

Os mnimos sinais da natureza eram compreendidos como indcios de mensagens de Deus aos conquistadores. A constelao do Cruzeiro do Sul no cu era interpretada como a evidncia da bno de Deus sobre a terra.

A existncia de aves falantes, os papagaios, era mais um sinal da proximidade das novas terras com o paraso, onde os animais se comunicavam com os seres humanos.

O termo nativo "zom" foi compreendido como uma referncia bblica a uma presena milagrosa do apstolo so Tom, e o mito indgena do dilvio foi registrado como indcio de que eles tiveram conhecimento da grande inundao descrita pela tradio judaico-crist.

No teatro que se desenrolava nesse cenrio idilizado, os indgenas eram figurantes. A incorporao de novas terras e gentes ao mundo conhecido dos europeus desencadeou uma espcie de febre de "fim de mundo".

A conquista do Novo Mundo foi interpretada como o acontecimento mais importante desde a encarnao de Cristo. Para muitas pessoas, a histria estava chegando ao fim.

Assim, vivia-se uma poca de preparao para o Juzo Final, antecedida pela converso de todos os povos segundo os relatos bblicos. A descoberta do Novo Mundo anunciava o fim do mundo.Flavio de Campos*

Especial para a Folha de S.PauloNew Deal d vida nova aos EUA

Em 1932, a msica da moda nos Estados Unidos era: "Brother, Can You Spare a Dime? ("Irmo, Voc Pode me Emprestar um Trocado?"). Esse era o esprito de um pas com 14 milhes de desempregados. E, pior, tinha-se a ntida impresso de que a crise no iria ter fim, de que no existia um ponto de virada: era a Grande Depresso.

Famlias aninhavam-se, em busca de calor, junto aos incineradores dos edifcios municipais, enquanto outras procuravam restos de comida nos caminhes de lixo. Boa parte da populao norte-americana responsabilizava o presidente Hoover e os republicanos pela crise.

A poltica liberal do governo, de no interferir no mercado, teria sido a responsvel pela quebra da Bolsa de Nova York em 1929 e pela depresso.Assim, em 1932, o democrataFranklin Delano Rooseveltvenceu facilmente as eleies presidenciais norte-americanas.

Durante a campanha eleitoral, Roosevelt havia se comprometido a estabelecer um "Novo Ajuste" (New Deal) para o povo americano. Em seu discurso de posse, declarou: "A nica coisa a temer o prprio medo".

E, audaciosamente, contrariando as teorias ultraliberais que defendiam uma mnima interveno estatal na economia, procurou empenhar o Estado na ajuda aos "de baixo". Para resolver o problema do desemprego e reaquecer a economia, deu incio a um enorme programa de obras pblicas.

O New Deal estabeleceu um amplo programa de apoio aos desempregados. Construram-se ou restauraram-se 400 mil quilmetros de estradas, colocaram-se em funcionamento 40 mil escolas, com a contratao de 50 mil professores, instalaram-se mais de 3,5 milhes de metros de tubulaes de gua e esgoto, alm de praas e quadras esportivas em todo o pas.

Na habitao popular, uma agncia estatal avalizava financiamentos imobilirios, viabilizando um grande programa que impulsionou a construo civil.

A idia era: o Estado gera empregos, as pessoas voltam lentamente a consumir, as fbricas e as fazendas aumentam a produo, contratam mais mo-de-obra, mais pessoas so reintegradas ao sistema e o capitalismo voltaria a florescer.

O consumo aumentou em 50% depois de trs anos de investimentos governamentais. No entanto ainda havia 9 milhes de desempregados no pas ao final da dcada de 30.

O problema do desemprego e do crescimento econmico s foi resolvido a contento durante a Segunda Guerra Mundial.Calvinismo regula vida poltica e social da populaoEm 1533, o religioso francs Joo Calvino conheceu o luteranismo e converteu-se, o que significou problemas com seu Estado natal, que apoiava a Igreja Catlica. A situao obrigou-o a exilar-se na cidade de Genebra, centro das discusses reformistas.

Bem recebido, Calvino estabeleceu na cidade uma sociedade na qual a Igreja regularia a vida poltica e social dos cidados. Ali fincaria ps a moralidade calvinista, impondo uma disciplina rigorosa quanto ao vesturio, aos costumes sexuais, ao comparecimento igreja e aos negcios comerciais.

As atividades econmicas foram particularmente beneficiadas, liberadas do preceito religioso de pecado e tendo consentida a cobrana de juros, prtica condenada pela Igreja Catlica.

Os calvinistas tornaram-se cristos militantes, atuantes em suas congregaes e dispostos a eliminar o mal em si mesmos e nos outros, capazes de governar sua cidade com a mesma vontade de ferro que empregavam para controlar as paixes.

Como Lutero, Calvino ressaltava a submisso dos cristos s autoridades polticas. Mas, se apenas a dedicao lei de Deus poderia ser vista como sinal de salvao, ento a obedincia s leis humanas seria sempre condicionada por sua f e moral crists.

Quanto predestinao, Calvino, que discutira muito pouco o assunto, argumentava que, embora estivesse predestinado salvao ou danao, o homem jamais poderia conhecer antecipadamente sua sorte. A escolha de uns e a rejeio de outros era um sinal do mistrio de Deus.

Enquanto o catlico se salvaria pela virtude, pelo arrependimento e pela penitncia, o protestante viveria sem saber se j estaria salvo ou condenado, buscando em cada momento vislumbrar indcios de que a graa divina recara sobre ele.

Aps a morte de Calvino, seus seguidores foram, lentamente, tornando a predestinao algo crucial e estabelecendo parmetros lgicos para um homem reconhecer os sinais de Deus.

O trabalho passou a ser visto como uma vocao divina, e o sucesso decorrente dele, um sinal da predestinao. Isso levou muitos tericos a considerarem o calvinismo a religio do capitalismo, por no condenar o comrcio, o emprstimo a juros e por valorizar o trabalho.

Vendo na riqueza sinais exteriores da graa divina, os protestantes estabeleceram uma violenta disciplina moral em que todas as energias seriam canalizadas para a acumulao de bens.Renan Garcia Miranda*

Especial para a Folha de S.PauloColonizadores espanhis acabam com Imprio AstecaPara os mexicas, que erroneamente chamamos de astecas, termo que designa apenas seus ancestrais distantes, a religio desempenhava papel central nas relaes entre o Estado e a sociedade.

A guerra era sagrada, pois por meio dela se obtinham escravos para o sacrifcio humano, elemento central na ligao entre a comunidade e o Estado.

Quando os espanhis invadiram a Amrica, os mexicas reinavam sobre um imprio aberto a dois oceanos, controlando as rotas da Amrica Central.

Sustentado por um exrcito de elite, o imprio, a partir de sua capital, Mxico-Tenochtitln, afirmava sua superioridade sobre 20 milhes de sditos.

Em 1519, o vale do Mxico, com cerca de 5 milhes de habitantes, era a maior concentrao urbana do mundo. Hernn Corts, conquistador espanhol, dominaria esse imprio com 600 soldados, 16 cavalos, 10 canhes e 13 arcabuzes.

Em 1539, 20 anos aps o incio do domnio espanhol, Mxico-Tenochtitln tornou-se um conjunto de runas e obras espanholas: um mosaico de capelas e conventos, bairros indgenas e palcios mexicas, estes transformados em casa dos conquistadores.

A anlise histrica dessas civilizaes ordenou excessivamente o desenvolvimento dos fatos, dando-lhes feies europeizadas.

bastante comum encontrarmos nos livros referncias s semelhanas entre elas e as civilizaes do Egito antigo, modelo com que os europeus tinham mais familiaridade. Porque era isso que eles pretendiam: construir na Amrica uma cpia da sociedade europia, submetendo culturas locais.

Era a ocidentalizao do mundo, a difuso do modo de pensar europeu.

No ano passado, foram encontradas na cordilheira dos Andes, crianas incas mumificadas.

Elas chamavam a ateno para os sacrifcios humanos praticados entre os incas. Os corpos estavam em tumbas, rodeados de objetos e com marcas de pancadas leves no crnio.

O arquelogo norte-americano Johan Reinhard, que encontrou as mmias, falando a respeito das dificuldades de analisar o material, afirmou revista "Superinteressante": " Tudo o que temos, por ora, so relatos dos colonizadores espanhis, que no so confiveis".

As concepes de tempo desses povos eram diferentes das nossas. Desprovidos de uma escrita comparvel europia, eles deixaram somente vestgios de pouca utilidade para compreend-los.

A cultura dos incas, por exemplo, desintegrou-se to rapidamente aps o domnio espanhol que hoje extremamente difcil sua reconstituio histrica. Quase tudo que sabemos desses povos pr-hispnicos vem de documentos de conquistadores europeus.

Os historiadores Carmen Bernard e Serge Gruzinski formulam a seguinte questo: "Como penetrar nesse "outro mundo" sem reduzi-lo demais nossa forma de perceber os seres e as coisas?"Renan Garcia Miranda*

Especial para a Folha de S.PauloDarwinismoA palavra "cientista" foi criada em 1840 pela Associao Britnica para o Progresso da Cincia. Nessa poca, surgiram, em vrios pases, peridicos cientficos. Era a popularizao da cincia.

Em 1859, quando foi publicada "A Origem das Espcies", de Charles Darwin, toda a edio foi vendida no primeiro dia. O princpio da seleo natural determina quais membros da espcie tm mais chance de sobrevivncia. As crias no so reprodues idnticas de seus pais. Um leo pode ser ligeiramente mais rpido ou mais forte do que os pais; uma girafa pode desenvolver um pescoo mais comprido do que o dos pais.

A cada gerao, a caracterstica favorvel torna-se mais pronunciada e mais difundida nas espcies. Com o passar dos sculos, a seleo natural elimina as espcies antigas e produz novas. Hoje sobrevivem ainda poucas espcies das que habitavam a Terra, havia 10 milhes de anos, mas apareceram muitas outras, entre elas os humanos. Os homens seriam produtos da seleo natural.

A Teoria da Evoluo teve consequncias revolucionrias fora da rea cientfica. A evoluo desafiou a tradicional crena religiosa de que um nmero fixo de espcies havia sido criado instantaneamente h cerca de 6.000 anos. Ao contrrio, dizia Darwin, as vrias espcies, at a humana, evoluram gradativamente por milhes de anos e h ainda espcies novas em evoluo.

Em ltima anlise, o darwinismo ajudou a acabar com a prtica de ter a Bblia como referncia em questes cientficas. Darwin havia tirado dos homens o privilgio de terem sido a criao especial de Deus.

Alguns pensadores sociais aplicaram as concluses darwinianas ordem social, produzindo teorias que as transferiram explicao dos problemas sociais. As expresses "luta pela existncia" e "sobrevivncia do mais capaz" foram tomadas de Darwin para apoiar a defesa que faziam do individualismo econmico.

Os empresrios bem-sucedidos, afirmavam esses pensadores, haviam demonstrado sua capacidade de vitria no mundo competitivo dos negcios. Os que fracassavam na luta pela existncia demonstravam sua incapacidade.

A aplicao da biologia de Darwin s teorias sociais fortalecia o imperialismo, o racismo, o nacionalismo e o militarismo. Os darwinistas sociais insistiam em que as naes e as raas estavam empenhadas numa luta pela sobrevivncia, em que apenas o mais forte sobrevive e, na realidade, apenas o mais forte merece sobreviver.

Eles dividiam a humanidade em raas superiores e inferiores e consideravam o conflito racial e o nacional uma necessidade biolgica e um meio para o progresso.Renan Garcia Miranda*

Especial para a Folha de S.PauloArtes tentam prever o futuro da humanidadeAll that jazz." O show no pode parar para a indstria norte-americana. O espetculo deve deixar o mundo embasbacado. No cinema, na poltica, na TV, na cincia ou na guerra, o que conta a tecnologia, como efeitos especiais, capaz de seduzir parte dos mais miserveis, que sonham integrar-se ao maravilhoso mundo das compras.

A literatura e o cinema cristalizaram os nossos temores em relao ao futuro. Aldous Huxley descreveu, em "Admirvel Mundo Novo" (1932), uma sociedade homognea, composta por pessoas despersonalizadas.

George Orwell temera que a vida dos cidados fosse controlada pela ao de um Estado autoritrio no livro "1984" (1949). Fritz Lang anunciou a alienao e a automao do homem-mquina no filme "Metrpolis" (1926).

Charles Chaplin exps os riscos da misria e de desumanizao em "Tempos Modernos" (1936). Stanley Kubrick apontou a opresso da tecnologia sobre os homens em "2001, uma Odissia no Espao" (1968).

Ridley Scott, em "Blade Runner" (1982), apresentou um mundo sombrio, com altssimo desenvolvimento da engenharia gentica, coroada com a produo de andrides.

Larry e Andy Wachowski, em "Matrix" (1999), expuseram as inquietaes diante da informtica, uma tecnologia capaz de fabricar realidades e desenvolver a extremos as potencialidades humanas e, por isso, imprimir um carter artificial vida coletiva.

H um tom proftico nessas obras. De certo modo, o futuro assustador anunciado j est incorporado ao nosso cotidiano.

A alienao est presente na rotina massacrante dos trabalhadores em diferentes setores da indstria. A superficialidade, na programao da TV. A misria, na primeira esquina.

Mas a consagrao das profecias realiza-se em dois campos recentes. Com o desenvolvimento da informtica e da biotecnologia, abriu-se a possibilidade de explorar, ao mximo, a informao.

H um extraordinrio desenvolvimento da capacidade de produo com o aperfeioamento da comunicao e o armazenamento de dados. A rede mundial de computadores emergiu como o smbolo da globalizao.

A vida tornou-se matria-prima geradora de riqueza. J foram realizadas bem-sucedidas experincias de clonagem de animais. O mesmo pode ocorrer com seres humanos. O avano cientfico deve ter limites morais e ticos? A vida no seria mais sagrada?

Nas manipulaes artificiais, busca-se a perfeio, a abundncia, a juventude, a eternidade. Como nas concepes medievais acerca do Paraso terrestre.Flvio de Campos*Especial para a Folha

Homem medieval volta AntiguidadeA necessidade de voltar Antiguidade greco-romana esteve presente em toda a Idade Mdia. Era como se o homem medieval nunca tivesse esquecido sua origem greco-romana. Mas essa relao com a Antiguidade no representava o desejo nostlgico de retornar a ela. Os homens medievais sabiam que j eram "outros homens", diferentes dos da Antiguidade.

Queriam o poder, a cincia, a arte e a filosofia dos antigos adaptada ao seu mundo. Fazer renascer a produo intelectual da Antiguidade no significava retornar ao mundo antigo, significava criar a partir dos antigos.

Uma dessas buscas de retorno Antiguidade foi a escolstica: a aplicao dos ensinamentos de Aristteles religio. A f, para os escolsticos, embora no fosse oriunda da razo, no era contrria a ela. Por meio da razo, eles procuravam provar o que j consideravam verdade por meio da f. Nessa busca, criaram nova sntese entre o pensamento cristo e a filosofia grega.

Santo Toms de Aquino (1225-1274) foi o mais destacado dos escolsticos. Cristo devoto, ele dividia a verdade revelada em duas categorias: crenas cuja verdade podia ser demonstrada pela razo e crenas cuja veracidade ou falsidade a razo no podia provar. Ele acreditava, por exemplo, que a especulao filosfica podia provar a existncia de Deus e a imortalidade da alma humana, mas no podia provar as doutrinas da Trindade, da Encarnao e da Redeno. Considerava que a revelao no era inimiga da razo, mas a complementava e aperfeioava. A razo no devia ser temida, pois era outro caminho para Deus.

De acordo com Toms de Aquino, medida que o raciocnio humano se tornava mais eficiente, tambm se tornava mais cristo. Havia toda uma ampla gama de conhecimentos no revelados por Deus e que no eram necessrios salvao. Nessa categoria, enquadrava-se grande parte do conhecimento sobre o mundo natural das coisas e das criaturas que os seres humanos teriam perfeita liberdade de explorar. Nas questes no-teolgicas, a razo era o nico guia.

Juntos, Deus e inteligncia. Amar o intelecto era honrar a Deus. Sintetizar o aristotelismo e a revelao divina do cristianismo era o projeto de Aquino.

Santo Toms insistia em que grande parte daquilo que Aristteles tinha a dizer sobre o homem era certo, mas o filsofo no tinha o conhecimento de Deus. No tinha a viso proporcionada pela revelao, que permitiria ao homem aperfeioar seus ensinamentos.Renan Garcia Miranda*

Especial para a Folha de S.PauloHistria o estudo do passado para entender o presenteMuitos alunos ainda identificam histria como matria que se memoriza. Nada mais grotesco ou anacrnico. Essa distoro , em parte, herana da ditadura militar que imps um ensino acrtico e no-reflexivo. Os tempos mudaram, mas alguns problemas persistem: a falta de leitura, a mercantilizao, a m qualidade do ensino e sua desvinculao da realidade. Isso, claro, incide sobre o estudo da histria.

Mas, afinal, o que histria?

o estudo do passado para entender o presente, mas de um passado vivo, que est presente em ns. Vejamos, por exemplo, a conferncia contra o racismo que se realiza em Durban, na frica do Sul. Ela nos remete aos sculos do colonialismo, da escravido e do trfico de escravos. Duas vises esto em conflito: a dos pases ricos e a dos pobres.

As origens do conflito esto ligadas ao processo de afirmao e de expanso do capitalismo desde o sculo 15. Nele, os pases do norte ficaram cada vez mais ricos e os pobres - cuja situao se agravou com a globalizao e as polticas neoliberais - ficaram ainda mais pobres. Estes exigem reparaes, pelo que sofreram.

Em nome do progresso e da civilizao, os pases capitalistas dominaram africanos, asiticos e latino-americanos, sujeitando-os misria, humilhao e ao preconceito. Da o conflito: os pobres clamam por justia e pelo fim do preconceito. A chama reacendeu-se, o passado vive.

A luta dos negros, dos ndios, dos ciganos e dos migrantes, vtimas da xenofobia, mais um sintoma de que a histria no pode ser vista de forma nica, homognea, apenas pela ptica dos dominadores. Cada povo tem sua cultura, seus projetos e seu modo de vida, o que, por si s, questiona a viso etnocntrica, a pretensa superioridade de uma civilizao sobre a outra - no caso a branca, ocidental e crist sobre as demais.

As vtimas do preconceito e do desemprego so hoje herdeiras de sculos de dominao e de excluso social. Essa relao - passado e presente - constitui a essncia da histria. So as inquietaes do presente que nos levam a reinterpretar o passado. A histria , portanto, uma cincia do presente.

A histria no s est viva como a prpria vida. Quem ainda acha que histria "decoreba" inclua-se nela: a melhor maneira de entend-la.Geraldo Teruya*

Especial para a Folha de S.Paulo11 de setembro abala hegemonia dos EUAO impacto provocado pelos ataques terroristas nos EUA levantou uma srie de questes, a comear pela hegemonia econmica americana. Como ela foi conquistada? Uma passagem pela sua histria fornece elementos para uma reflexo.

Durante a colonizao, a regio centro-norte construiu uma economia forte, comercial e industrial, voltada para o mercado interno. Isso explica por que os EUA emergiram do processo de independncia no sculo 18, como nao rica, liberal e capitalista, mas herdaram graves contradies que se desdobraram na Guerra Civil (1861-65) com a vitria do norte industrial sobre o sul agrrio.

Vale lembrar que a riqueza americana foi obtida por um imperialismo interno, pelo massacre de ndios, pela explorao de escravos e pela ocupao violenta de terras a oeste do territrio. No final do sculo 19, alimentados por um poderoso parque industrial, lanaram o "Big Stick", a poltica externa imperialista e agressiva, legitimada pela doutrina racista do "destino manifesto". Vieram as guerras mundiais, centradas na Europa, e nelas os EUA entraram na metade do conflito, conquistando a hegemonia mundial "sob os escombros das duas guerras".

Com aGuerra Fria, os EUA patrocinaram ditaduras, financiaram conflitos e massacraram povos pelo mundo em nome da luta contra o comunismo sovitico. Entre 1989 e 1991, a Guerra Fria acabou. Instalou-se uma nova ordem mundial e, com ela, a globalizao da economia, da qual os EUA assumiram a liderana. Nesse contexto, os novos conflitos tendem a superar fronteiras e Estados.

Os ataques questionam o poder dos EUA e talvez a sua prpria hegemonia mundial. Ao mesmo tempo, estimulam o nacionalismo e podem criar uma nova Guerra Fria, tendo como inimigo o terrorismo internacional. Recrudesceram os movimentos racistas e xenfobos.

O novo e o velho interagem. O velho discurso da civilizao (ocidental) contra a "barbrie" (fundamentalismo islmico) deixa expostas as contradies desse mundo globalizado.

Para quem achava que a histria no mais mudaria, bom abrir os olhos. O que vem por a s o tempo dir.Geraldo Teruya*

Especial para a Folha de S.Paulo