hillman entrevista - a esperança é um mal

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Hillman Entrevista - A Esperança é Um Mal

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A esperana um mal : Entrevista com James HillmanCliff: Tenho uma pergunta. Tenho medo que parea uma pergunta tola.Hillman: Ento talvez voc deva pensar duas vezes antes de faz-la.Em entrevista concedida analista junguiana Jan Marlan, Hillman lamenta o fato de seu ltimo livro, o mais pessoal de toda uma longa obra, The Terrible Love ofWarno ter tido uma grande repercusso ou divulgao. Revelar sua dimenso pessoal gostos, crticas, opinies, juzos no faz parte do repertrio do criador da Psicologia Arquetpica, afinal, esta se caracteriza por denunciar o excesso de subjetivizao da noo de Alma e sua crtica ao fetiche da interiorizao pessoal.Nesta entrevista, Hillman nos oferece momentos preciosos do seu olhar crtico, ferino, irnico sobre temas que so caros comunidade junguiana e, tambm, sua prpria obra. Do elogio ao modo de pensamento orgnico que diferencia Jung de outros pensadores fragil relao dos junguianos com o pensamento crtico, Hillman vai desfilando suas idias sobre uma variedade de temas que, poucas vezes, tivemos oportunidade de testemunhar. Nisso reside a importncia desta entrevista e sua relevncia para uma compreenso mais abrangente dos seus diversos e variados escritos.Quero salientar trs pontos fundamentais que merecem destaque: O cancelamento e suspenso das categorias interno e externo ou dentro e fora que se revelam precrias e ingnuas para pensar as questes da alma e suas manifestaes como imagens psquicas. Aqui, encontramos em Hillman, um modo de pensar quese faz herdeiro e tributrio da tradio alqumica na sua superao do pensamento moderno com suas categorias puras e no-simultneas. A crtica ao Cristianismo. Tema que foi desenvolvido de modo brilhante no livroThe Terrible love of war.Independente de onde voc estiver no mundo ocidental, s psicologicamente cristo. Seus pensamentos, idias, amores, corpo, gestos, aes, temores, sentimentos, ou seja, sua psiqueest marcada de modo indelvel pelo sinal da cruz. A Psicologia Arquetpica no possui nenhum compromisso com a questo das origens e do essencialismo. Uma ruptura com a vertente metafsica platnica da teoria dos arqutipos. Declarao fundamental no sentido que aponta para um elogio ao, ao que se move, ao processo inaugurado pelo efeito do trabalho com as imagens e no com a tentativa de classificao dos fenmenos em um conjunto de modelos e princpios fixos.Por final, uma toro de sentido, tipicamente pag, em uma palavra to cara cultura crist-ocidental: esperana.Deixamos aqui um convite desesperanoso para o prazer da leitura desta entrevista.Agradeo ao amigo e Soul-Brother Joel Nascimento pela autorizao em compartilhar esta entrevista que tambm se encontra no seu site:http://jungvitoria.net/Marcus QuintaesJames Hillman:O fundador da psicologia arquetpica discute Jung e Freudpor Cliff Bostock(Originalmente publicado em Paradigms , columa de Creative Loafing, Atlanta, 4/4/ 1998)Leitores habituais desta coluna sabem que sou um doutorando em psicologia profunda no Pacific Graduate Institut em Santa Brbara, Califrnia. A escola foi fundada para expandir a obra do mitologista Joseph Campbell e de James Hillman, o fundador da psicologia arquetpica. A biblioteca de Campbell assim como os papis de Hillman esto depositados no Pacifica.Hillman foi, por muitos anos, diretor do C.J. Institute em Zurique, mas de h muito se descreve como um junguiano renegado. Sua psicologia arquetpica se distancia de alguns dos aspectos mais dogmticos da teoria junguiana e estabelece uma base esttica para a psicologia. Sua principal contribuio nos ltimos dez anos ou mais, tem sido salvar a psicologia da apropriao exclusiva pelo consultrio teraputico (tanto Freud quanto Jung nunca pretenderam que a psicologia ficasse restrita prtica teraputica).Assim Hillman se tornou, na Amrica, um dos crticos mais aguados da cultura e da psicoterapia. Aos setenta e poucos anos, agora ele s leciona em Pacifica. A cada primavera retorna Santa Bbara para dirigir um seminrio o deste ano sobre envelhecer e tambm para dar algumas aulas. A radincia de sua mente tipicamente exaure os alunos em poucas horas. Ele tem a reputao de rabugice e no tolera o que considera irrelevante ou tolo. Por isso, fazer-lhe uma pergunta sempre, em parte, um convite para ser estripado em pblico.Porm, quando visitou Pacifica h algumas semanas percebi que estava de excepcional bom humor. A seguir elenco excertos de alguns de seus comentrios durante uma de minhas aulas Recordando a psicologia junguiana. Como se poderia supor, Hillman ao ensinar emprega quase unicamente o mtodo socrtico. As perguntas apresentadas aqui foram formuladas por mim ou por algum de meus colegas de classe:Cliff: Qual , para voc, a grande diferena entre Freud e Jung?Hillman: Para mim, a diferena importante que Freud era um pensador crtico e Jung um pensador orgnico. Esta uma forma de tipologia que no muito apreciada atualmente, pois as pessoas presumem que o pensador crtico o pensador vlido; por isso Jung foi descartado pelos acadmicos enquanto Freud, embora tenha recebido todo tipo de critica, celebradoSe voc for simplesmente um pensador crtico, ir ignorar um monte de coisas sobre a existncia humana. E boa parte dela ser descartada. Assim, Freud era um atesta e Jung, com uma mente orgnica fascinada, explorava matrias que ainda encaramos como totalmente estranhas: I-Ching, astrologia, alquimia, discos voadores. E isto se somando ao seu trabalho como psiclogo sado da mesma tradio que o de Freud. Ele era capaz de enxergar atravs dessas coisas, e perceber o seu significado. Freud, como um pensador estritamente crtico, no conseguia ver atravs delasMeu problema que sou um pensador sumamente critico, mas no sou nutrido pelo pensamento puramente crtico. Leio as filosofias inglesa e francesa, mas elas no so meu prato predileto. Elas no me nutrem como o fazem as gregas. Porm, acredito ser importante notar que Jung e Freud possuam backgrounds similares. Ambos tiveram uma formao imensamente rica em estudos clssicos. Eles se engajaram no estudo da filosofia romntica; eles liam Goethe. Eu costumava dizer aos estudantes em Zurique: se quiser estudar Jung, no leia Jung, leia os livros que ele leu. Veja, este tipo de formao foi completamente esquecido pela psicologia atual. Ningum mais l literatura e filosofia. Lem somente psicologia.Cliff: As conseqncias de uma nfase excessiva na funo do pensamento crtico so bastante bvias. Mas o que acontece quando no se enfatiza suficientemente esse pensamento?Hillman: Foi exatamente isto, sem dvida, o que aconteceu com muitos junguianos. Eles perderam a capacidade, ou a disposio, para pensar criticamente. Eu no sei. Eles s lem contos de fada. Tudo to malditamente interior! Pode-se observar melhor este trao no modo como a cultura popular veio a entender Jung. Tudo literalisado. Tudo diz respeito minha vida interior. O ponto central da abordagem de Jung fornecer rdeas livres ao pensamento, dar-lhe liberdade para que investigue os vrios aspectos do fenmenoCliff: Mas, h tambm uma reao dentro da comunidade jungianaHillman: Com toda certeza! Temos agora a Escola de Londres que est tentando introduzir teorias das relaes dos objetos, a teoria kleiniana, na teoria jungiana um esforo para torn-la mais crtica. O problema que isto sacrifica a ddiva de Jung: a perspectiva cultural. Coloca a profundidade dentro do consultrio. Jung fazia breves viagens ao redor do mundo e conversava com africanos e indianos. No posso enfatizar o bastante o quanto Jung e Freud foram voltados para a cultura. Jung disse que a psique estava no mundo, no dentro de ns. Ele fez uma constante e repetida crtica a respeito de os deuses as vozes da psique do mundo terem se tornado doenasCliff: O que quer dizer? Com certeza no quer dizer que os deuses so reais. No so eles projees de nossa prpria psique? Eles esto dentro de ns, no esto?Hillman: Examinemos esta idia do dentro. Onde fica o dentro?Cliff: Quero dizer dentro da minha pele, dentro de minha experincia, meu corpo, minha alma.Hillman: OK, bem, mostre-me onde os deuses vivem dentro de voc.Cliff: Eu diria que esto aqui, no meu plexo solar.Hillman: Bem, me diga uma coisa. Como que os deuses entraram em seu estmago?Cliff: Eu no sei. Eu sHillman: Espero que tenha entendido meu ponto. Dizer que os deuses esto dentro de sua barriga ou quanto a isto em seu crebro espantoso. Toda essa idia de dentro e projeo suspeita. Jung sabia disso. A psique est no mundo. Ento os deuses esto no mundo. Ns estamos no mundo.Cliff: Ns estamos nos deuses?Hillman: Pode-se dizer que sim. Mas, o modo como banimos os deuses da conscincia fez com que o que representam se tornasse doena. Eis porque sinto um impulso irresistvel de atacar o cristianismo toda vez que escrevo. O cristianismo insistiu em um deus, uma voz e ento o restante se tornou pecado ou doena. O ertico, o dionisaco tudo foi banido para a sombra. Acredito que todos ns conhecemos o efeito disto.Cliff: Eu entendo que voc favorece Jung sobre Freud porque, como diz, mais nutrido pelo pensamento orgnico do que pelo crtico. Voc diz tambm que o pensamento crtico insuficiente em boa parte da comunidade jungiana. Estou curioso para saber o que pensa dos livros de Richard Noll, The Aryan Christ [ O Cristo ariano] e The Jung Cult [O culto de Jung].Hillman: Eu odeio estes livros. Acho que so umas merdas.Cliff: Hum, esta uma afirmao muito forte.Hillman: Bem, acredito que os livros so mal intencionados. Noll foi rejeitado pela comunidade junguiana e esta foi sua vingana.Cliff: Mas, a sua revista, Spring, publicou-o.Hillman: Eu nunca o publiquei. Foi uma deciso do editor lamentvel porque d a impresso que eu concordo com ele, que Spring concorda com ele. Eu no concordo. Noll toma literalmente o que estava indicado como metafrico. Se estivermos falando de tipologias, ento ele s um pensador crtico.Cliff: Concordo que as crticas que Noll faz s teorias de Jung so em geral embaraosamente superficiais. Ele tem uma compulso quase misteriosa para literalisar tudo. Mas penso que seu modo de contextualizar historicamente o pensamento de Jung valioso. Ele tambm trouxe a pblico algumas informaes antes no disponveis. Penso ser importante que algum se encarregue de Jung.No estou certo sobre essas informaes serem novas. E mesmo quando se possui uma mente crtica, no preciso literalisar absolutamente tudo. Esta minha prpria luta. Concordo que preciso examinar criticamente o legado de Jung, mas continuo achando que o que Noll faz no bom, ou que ele no a pessoa indicada para faz-lo.Cliff: Estou pensando em algo que voc disse antes, que no h pensamento crtico suficiente na comunidade junguiana. Fico me perguntando se esta posio extremada da ortodoxia no constelou uma oposio radical. No poderia Noll ser a personificao dela?Hillman: Concordo inteiramente com essa idiaEu mesmo sou considerado rebelde de modo que conheo estes trabalhos, mas, repito, no acredito que a necessidade de uma anlise crtica em si signifique que a de Noll acurada.Cliff: Estou curioso para saber o que pensa sobre o livro de David Tacey, Remaking Men [ Refazendo o homem]. o que considero uma crtica bem ponderada da ortodoxia junguiana e que permanence completamente fiel ao esprito de Jung. Inclui tambm um captulo sobre sua anlise de Tacey.Hillman: Verdade? No li. Agora, se o assunto for mente selvagem, certamente David Tacey tem uma mente selvagem.Cliff: Ele permanece fiel a voc, mas muito crtico a respeito de sua participao no movimento mitopotico dos homens com Robert Bly, Michael Meade Hillman: Eu sei, eu sei. Muitas pessoas o so. Francamente, penso que muita gente sente inveja por Bly, Meade e eu termos escrito best sellers. Acabamos sendo selvagemente atacados.Cliff: Tenho uma pergunta. Tenho medo que parea uma pergunta tola.Hillman: Ento talvez voc deva pensar duas vezes antes de faz-la.Cliff: No, h muito tempo quero fazer esta pergunta. Seu dictum famoso, com certeza, siga a imagem. Voc fala da psicologia como um princpio esttico. Em vez de analisar o significado de uma imagem, voc diz para seguir a prpria imagem. Nunca entendi exatamente como isto teraputico ou o que a resoluo significa nesta abordagem. Em ltima instncia, o que importa, que estria trazemos para a imagem? Recentemente escrevi um trabalho no qual comparava as orientaes de Lacan, Jung, Freud e a sua ao assim denominado Complexo de dipo. Eu fiquei girando e girando sem parar na minha cabea esta imagem, este mito, e acabei ficando com tontura.Hillman: Estou falando a respeito de um tipo de desconstruo da imagem. Ns a giramos at o momento certo de parar.Cliff: Bem, e como saber quando ela chegou a este ponto? Eu no senti isto em meu texto.Hillman: Voc simplesmente sente que o momento certo de parar, e voc sabe que isto se deu. Como que o pintor sabe quando o quadro est acabado? Parte de ser um bom pintor saber quando o que est na tela j suficiente. Voc aprende a perceber quando algo est completo. A sensao de completude, de ser o momento certo para parar, o ponto. Penso que o movimento uma boa metfora para a psicologia.Cliff: Voc empregou a palavra desconstruo. Me surpreende que a tenha empregado, pois um processo relativizante, ps-moderno Hillman: Oh, voc est trazendo baila a questo do essencialismo.Cliff: Bem, isso. A desconstruo assume que no se pode saber a origem das coisasHillman: Voc alguma vez ouviu dizer que eu tivesse qualquer interesse por origens?Cliff: Na verdade no, nunca. Mas eu quis dizer origens no sentido de arqutipos.Hillman: OK, este o cerne de minha diferena com Jung. Eu no uso a palavra como substantivo. por isso que psicologia arquetpica. Estou falando sobre ao, movimento, processo no sobre um conjunto de princpios fixos. A origem no me diz nada. Pense em como este mundo seria diferente se no estivssemos tentando conhecer as origens do universo. Pode imaginar uma tarefa mais ridcula?Cliff: Voc no gosta muito da palavra esperana.Hillman: A esperana um mal. Foi o nico mal deixado na caixa quando Pandora fechou bruscamente a tampa de novo. A esperana diz respeito a um futuro desconhecido. como a promessa de salvao na vida depois da morte.Cliff: Ento voc pessimista?Hillman:Nenhum pouco. De fato, acho que sou bem otimista. Penso somente que deveramos prestar ateno ao que est aqui agora. Foi essa tal de esperana que conduziu o planeta confuso atual. Se tivssemos prestado ateno ao que era verdade no momento ao invs de nos atermos ao que espervamos se tornasse verdade no futuro, o mundo se mostraria bem diferente Estou pensando em algo que disse durante as palestras que proferi na semana passada. Ao envelhecer os homens experimentam um aumento da prstata que os obriga a levantar vrias vezes durante a noite para ir ao banheiro. Bem, pode-se dizer que desesperanoso ou que se espera que melhore. Eu prefiro dizer: na velhice, eu desperto para a noite. Percebe? uma leitura metafrica daquele fato. Penso que otimista. Cuida do problema e d sentido minha experincia. Mas, no uma posio esperanosa.Copyright 1998 by Creative Loafing | Published Apr. 4/11, 1998Traduo: Norma TellesReviso: Marcus Quintaes