heterotopia sebÁcea esofÁgica - scielo · 2010. 7. 14. · heterotopia sebácea do esófago,...

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202 S.FERREIRA ETAL GEVol.13 InstantâneoEndoscópico/EndoscopicSpot HETEROTOPIA SEBÁCEA ESOFÁGICA S.FERREIRA 1 ,I.CLARO 1 ,A.DIASPEREIRA 1 ,P.CHAVES 2 ,C.NOBRELEITÃO 1 GE-JPortGastrenterol2006,13:202-203 (1) ServiçodeGastrenterologia (2) ServiçodeAnatomiaPatológica InstitutoPortuguêsdeOncologia de Lisboa de Francisco Gentil, EPE-CentrodeLisboa-Lisboa,Portugal. Recebidoparapublicação:13/04/2006 Aceiteparapublicação:03/05/2006 Doentedosexomasculino,de77anos,referenciadopara EndoscopiaDigestivaAlta(EDA)porapresentardisfa- giaparasólidos,intermitente,comagravamentonosúlti- mostrêsmeses.Referiatambémpiroseocasional,sem anorexia nem emagrecimento. Dos antecedentes pes- soais, destacava-se o diagnóstico de carcinoma pavi- mento-celulardolábioinferiorhá15anos,tratadocirur- gicamenteesemevidênciaderecidiva.Negavahábitos tabágicos e tinha suspenso os hábitos alcoólicos (50 g/dia)há20anos;nãoefectuavamedicaçãoregular. NaEDAobservaram-se,aoníveldoesófagoproximal, numaárealimitada,váriasplacasdecoramarelada,um poucoelevadasemrelaçãoàmucosacircundante,irre- gulares,com7-8mmdemaiordiâmetro(Figura1),que sebiopsaram;aos35cmdaarcadadentária,identificou- se estenose regular e concêntrica, de aspecto anelar, inultrapassávelcomoendoscópio,compatívelcomeste- nosepéptica.Foiefectuadadilataçãoesofágica,tendoa estenoseficadofacilmentefranqueável. Asbiopsiasefectuadasmostraramepitéliopavimentoso estratificadosemalteraçõeseapresençadeestruturas glandulares que correspondiam a glândulas sebáceas (Figuras2e3).Estabeleceu-se,assim,odiagnósticode heterotopiasebáceaesofágica. Talcomoopróprionomeindica,heterotopiasignificaa presençadetecidonormalnumalocalizaçãoquenãoéa habitual. A heterotopia sebácea foi descrita pela primeiravezem1896(1),aoníveldoslábiosedacavi- dadeoral.Desdeentãoestaentidadetemsidoreferida noutros órgãos derivados da ectoderme (tal como as glândulassebáceas),designadamentenasparótidas,lín- guaegenitaisexternos. A heterotopia sebácea do esófago é, no entanto, uma entidade bastante mais rara, estando descritos apenas cercade30casosnaliteratura.Édesalientarque,do pontodevistaembriológico,oesófagoderivadaendo- derme.Aprimeiradescriçãomorfológicasurgiunoiní- ciodadécadade1960,em4casosdeautópsia.Em1978 seria publicada a primeira descrição endoscópica (2), num doente que realizou EDA por suspeita de úlcera duodenal. Constitui um achado endoscópico e/ou his- tológico,aoqualnãoseatribuemsintomasespecíficos. Daanálisedoscasospublicados,conclui-senãohaver predomíniodesexo;emtodososdoentesodiagnóstico foi efectuado em idade pós-pubertária, possivelmente devido à estimulação das glândulas sebáceas pelos androgénios.Onúmerodelesões,bemcomoasualoca- lização e dimensões, variam nos diferentes casos descritos,emborapareçamsermaisfrequentesnoterço médiodoesófago(3). Discutem-seaindaosmecanismosfisiopatológicossub- jacentes a esta entidade, apontando-se como mais prováveis as hipóteses congénita e metaplásica. Em detrimentodaprimeira,algunsautoresreferemumestu- dobaseadonaanálisedebiopsiasesofágicasde1000 crianças(4),nasquaisnãoforamidentificadasglândulas sebáceas.Poroutrolado,ofactodeaslesõesseman- tereminalteradasemendoscopiasseriadaspodeserum factor desfavorável à hipótese metaplásica. Mesmo assim, esta última é apontada como a mais provável (3,5).Admitindo-seaetiologiametaplásica,deverãoser investigados eventuais factores associados, como o tabagismoeoconsumodeálcool.Váriosdoentesapre- sentavamaindaqueixassugestivasdedoençadorefluxo Figura 1 - Imagem endoscópica do esófago proximal, onde se observamplacasamareladas,elevadasemrelaçãoàmucosacir- cundante.

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  • 202 S.
FERREIRA ET
AL GE
Vol.13

    Instantâneo
Endoscópico

/
Endoscopic
Spot

    HETEROTOPIA SEBÁCEA ESOFÁGICAS.
FERREIRA1,
I.
CLARO1,
A.
DIAS
PEREIRA1,
P.
CHAVES2,
C.
NOBRE
LEITÃO1

    GE
-
J
Port
Gastrenterol
2006,
13:
202-203

    (
1
) Serviço
de
Gastrenterologia(
2
) Serviço
de
Anatomia
PatológicaInstituto
Português
de
Oncologia
de
Lisboa
de
Francisco
Gentil,EPE
-
Centro
de
Lisboa
-
Lisboa,
Portugal.

    Recebido
para
publicação:
13/04/2006Aceite
para
publicação:
03/05/2006

    Doente
do
sexo
masculino,
de
77
anos,
referenciado
paraEndoscopia
Digestiva
Alta
(EDA)
por
apresentar
disfa-gia
para
sólidos,
intermitente,
com
agravamento
nos
últi-mos
três
meses.
Referia
também
pirose
ocasional,
semanorexia
 nem
 emagrecimento.
Dos
 antecedentes
 pes-soais,
destacava-se
o
diagnóstico
de
 carcinoma
pavi-mento-celular
do
lábio
inferior
há
15
anos,
tratado
cirur-gicamente
e
sem
evidência
de
recidiva.
Negava
hábitostabágicos
 e
 tinha
 suspenso
 os
 hábitos
 alcoólicos
 (50g/dia)
há
20
anos;
não
efectuava
medicação
regular.Na
EDA
observaram-se,
ao
nível
do
esófago
proximal,numa
área
limitada,
várias
placas
de
cor
amarelada,
umpouco
elevadas
em
relação
à
mucosa
circundante,
irre-gulares,
com
7-8
mm
de
maior
diâmetro
(Figura
1),
quese
biopsaram;
aos
35
cm
da
arcada
dentária,
identificou-se
 estenose
 regular
 e
 concêntrica,
 de
 aspecto
 anelar,inultrapassável
com
o
endoscópio,
compatível
com
este-nose
péptica.
Foi
efectuada
dilatação
esofágica,
tendo
aestenose
ficado
facilmente
franqueável.
As
biopsias
efectuadas
mostraram
epitélio
pavimentosoestratificado
sem
alterações
e
a
presença
de
estruturasglandulares
 que
 correspondiam
 a
 glândulas
 sebáceas

    (Figuras
2
e
3).
Estabeleceu-se,
assim,
o
diagnóstico
deheterotopia
sebácea
esofágica.Tal
como
o
próprio
nome
indica,
heterotopia
significa
apresença
de
tecido
normal
numa
localização
que
não
é
ahabitual.
 A
 heterotopia
 sebácea
 foi
 descrita
 pelaprimeira
vez
em
1896
(1),
ao
nível
dos
lábios
e
da
cavi-dade
oral.
Desde
então
esta
entidade
tem
sido
referidanoutros
 órgãos
 derivados
 da
 ectoderme
 (tal
 como
 asglândulas
sebáceas),
designadamente
nas
parótidas,
lín-gua
e
genitais
externos.
A
heterotopia
 sebácea
do
esófago
é,
no
entanto,
umaentidade
bastante
mais
 rara,
estando
descritos
apenascerca
de
30
casos
na
 literatura.
É
de
salientar
que,
doponto
de
vista
embriológico,
o
esófago
deriva
da
endo-derme.
A
primeira
descrição
morfológica
surgiu
no
iní-cio
da
década
de
1960,
em
4
casos
de
autópsia.
Em
1978seria
publicada
a
primeira
descrição
endoscópica
 (2),num
doente
que
 realizou
EDA
por
 suspeita
de
úlceraduodenal.
Constitui
um
achado
endoscópico
e/ou
his-tológico,
ao
qual
não
se
atribuem
sintomas
específicos.Da
análise
dos
casos
publicados,
conclui-se
não
haverpredomínio
de
sexo;
em
todos
os
doentes
o
diagnósticofoi
efectuado
em
 idade
pós-pubertária,
possivelmentedevido
 à
 estimulação
 das
 glândulas
 sebáceas
 pelosandrogénios.
O
número
de
lesões,
bem
como
a
sua
loca-lização
 e
 dimensões,
 variam
 nos
 diferentes
 casosdescritos,
embora
pareçam
ser
mais
frequentes
no
terçomédio
do
esófago
(3).Discutem-se
ainda
os
mecanismos
fisiopatológicos
sub-jacentes
 a
 esta
 entidade,
 apontando-se
 como
 maisprováveis
 as
 hipóteses
 congénita
 e
metaplásica.
 Emdetrimento
da
primeira,
alguns
autores
referem
um
estu-do
baseado
na
análise
de
biopsias
esofágicas
de
1000crianças
(4),
nas
quais
não
foram
identificadas
glândulassebáceas.
Por
outro
 lado,
o
facto
de
as
 lesões
se
man-terem
inalteradas
em
endoscopias
seriadas
pode
ser
umfactor
 desfavorável
 à
 hipótese
 metaplásica.
 Mesmoassim,
 esta
última
 é
 apontada
 como
 a
mais
provável(3,5).
Admitindo-se
a
etiologia
metaplásica,
deverão
serinvestigados
 eventuais
 factores
 associados,
 como
 otabagismo
e
o
consumo
de
álcool.
Vários
doentes
apre-sentavam
ainda
queixas
sugestivas
de
doença
do
refluxo

    Figura
 1
 -
 Imagem
 endoscópica
 do
 esófago
 proximal,
 onde
 seobservam
placas
amareladas,
elevadas
em
relação
à
mucosa
cir-cundante.

  • Julho/Agosto
2006 HETEROTOPIA
SEBÁCEA
ESOFÁGICA
203

    gastro-esofágico,
como
acontecia
no
presente
caso.
Namaior
revisão
publicada
(3)
constatou-se
que
foi
esta,aliás,
a
sintomatologia
que
determinou
a
realização
deum
número
 significativo
de
 exames
 endoscópicos.
Adislipidemia
é
outro
factor
referido
como
possivelmenteassociado
à
heterotopia
sebácea
do
esófago,
tendo
porbase
o
facto
de
estas
glândulas
conterem
material
lipídi-co
 no
 seu
 interior.
 É
 indiscutível
 a
 semelhançamacroscópica
 destas
 lesões
 com
 a
 dos
 xantelasmas,nomeadamente
no
que
se
refere
à
cor.
No
entanto,
nãoexiste,
presentemente,
evidência
científica
que
consubs-tancie
qualquer
uma
destas
associações,
que
constituemapenas
elementos
para
investigação
futura.

    Correspondência:

    Sara
Ferreira
Instituto
Português
de
Oncologia
de
Lisboa,
E.P.E.Rua
Professor
Lima
Basto1099-023
LisboaFax:
217
229
855e-mail: [email protected]

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glands
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Ectopicsebaceous
glands
in
the
esophagus.
Am
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Gastroenterol
1995;
90:501-503.

    Figura
3
-
Imagem
histológica
do
esófago
proximal
evidenciandoepitélio
 pavimentoso
 estratificado
 sem
 alterações
 e
 glândulassebáceas
(HE:
100x).

    Figura
2
-
Imagem
histológica
do
esófago
proximal
evidenciandoepitélio
 pavimentoso
 estratificado
 sem
 alterações
 e
 glândulassebáceas
(HE:
40x).