hermenêutica - estudo introdutório

22
Artur A. M. Felix Hermenêutica “Hermenêutica é um ramo da filosofia que se debate com a compreensão humana e a interpretação de textos escritos. A palavra deriva do nome do deus grego Hermes , o mensageiro dos deuses, a quem os gregos atribuíam a origem da linguagem e da escrita e considerado o patrono da comunicação e do entendimento humano.” 1 Origem do Termo “O termo "hermenêutica" provém do verbo grego "hermēneuein" e significa "declarar", "anunciar", "interpretar", "esclarecer" e, por último, "traduzir". Significa que alguma coisa é "tornada compreensível" ou "levada à compreensão". Alguns defendem que o termo deriva do nome do deus da mitologia grega Hermes . O certo é que este termo originalmente exprimia a compreensão e a exposição de uma sentença "dos deuses", a qual precisa de uma interpretação para ser apreendida corretamente. Encontra-se desde os séculos XVII e XVIII o uso do termo no sentido de uma interpretação correta e objetiva da Bíblia . Spinoza é um dos precursores da hermenêutica bíblica . Outros dizem que o termo "hermenêutica" deriva do grego "ermēneutikē" que significa "ciência", "técnica" que tem por objeto a interpretação de textos poéticos ou religiosos, especialmente da Ilíada e da "Odisséia"; "interpretação" do sentido das palavras dos textos; "teoria", ciência voltada à interpretação dos signos e de seu valor simbólico. Hermes é tido como patrono da hermenêutica por ser considerado patrono da comunicação e do entendimento humano.” 2 1 Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. 2 Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. 1

Upload: arturfelix

Post on 18-Dec-2015

21 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Estudo introdutório a Hermenêutica

TRANSCRIPT

Artur A. M. FelixHermenuticaHermenutica um ramo da filosofia que se debate com a compreenso humana e a interpretao de textos escritos. A palavra deriva do nome do deus grego Hermes, o mensageiro dos deuses, a quem os gregos atribuam a origem da linguagem e da escrita e considerado o patrono da comunicao e do entendimento humano. [footnoteRef:1] [1: Origem: Wikipdia, a enciclopdia livre.]

Origem do TermoO termo "hermenutica" provm do verbo grego "hermneuein" e significa "declarar", "anunciar", "interpretar", "esclarecer" e, por ltimo, "traduzir". Significa que alguma coisa "tornada compreensvel" ou "levada compreenso".Alguns defendem que o termo deriva do nome do deus da mitologia grega Hermes. O certo que este termo originalmente exprimia a compreenso e a exposio de uma sentena "dos deuses", a qual precisa de uma interpretao para ser apreendida corretamente.Encontra-se desde os sculos XVII e XVIII o uso do termo no sentido de uma interpretao correta e objetiva da Bblia. Spinoza um dos precursores da hermenutica bblica.Outros dizem que o termo "hermenutica" deriva do grego "ermneutik" que significa "cincia", "tcnica" que tem por objeto a interpretao de textos poticos ou religiosos, especialmente da Ilada e da "Odissia"; "interpretao" do sentido das palavras dos textos; "teoria", cincia voltada interpretao dos signos e de seu valor simblico.Hermes tido como patrono da hermenutica por ser considerado patrono da comunicao e do entendimento humano.[footnoteRef:2] [2: Origem: Wikipdia, a enciclopdia livre.]

Hermenutica bblicaHermenutica bblica pretende estudar os princpios da interpretao da Bblia enquanto uma seleo de livros sagrados e divinamente inspirados. No Cristianismo, esta interpretao estudada e obtida atravs da exegese. A hermenutica bblica abrange a relao dialtica que visa substancializar os significados dos textos bblicos para aproximar o mesmo da realidade fctica, na qual se vislumbra o esclarecimento por meio da Bblia. A hermenutica bblica utliza-se de outros princpios comuns aos demais tipos de hermenutica, como por exemplo a hermenutica jurdica que segue os princpios da inegabilidade do ponto de partida e a proibio do "non liquet". Em verdade, a hermenutica bblica no deve se afastar do texto bblico, bem como no se abstem da problemtica inicial do hermenuta. O principal objetivo da hermenutica bblica o de descobrir a inteno original do autor bblico. No caso dos textos da Bblia o leitor, ao menos racionalmente, no tem acesso direto ao autor original. Por isso necessrio aplicar princpios da hermenutica (a cincia da interpretao) ao texto bblico.Alm do fator de separao pessoal entre o leitor atual e o autor original, h outras barreiras para a compreenso. Os ltimos e mais recentes livros da Bblia foram escritos h cerca de dois mil anos atrs. Alm da distncia de tempo, h diferenas de idioma, pois a Bblia foi escrita originalmente em hebraico, aramaico e grego. H ainda diferenas culturais e de costumes que separam os leitores atuais dos autores originais da Bblia. Alguns exemplos so o sistema de sacerdotes e sacrifcios da Lei de Moiss no Antigo Testamento, e o uso do vu por mulheres no Novo Testamento. [footnoteRef:3] [3: Origem: Wikipdia, a enciclopdia livre.]

Quem Precisa de Hermenutica?

de MOISS SILVA

O termo hermenutica (assim como seu primo mais ambguo e at misterioso, hermenutico) tem-se tornado cada vez mais popular em recentes dcadas. Como resultado, tem sido ampliado e estendido de todas as formas. Usado por tantos escritores, o termo transforma-se em alvo mvel, gerando ansiedade nos leitores que buscam, em vo, defini-lo e compreender o que significa.Seu significado tradicional relativamente simples: a disciplina que lida com os princpios de interpretao. Alguns escritores gostam de cham-la de cincia da interpretao; outros preferem falar de arte da interpretao (talvez com a implicao: "Ou voc a tem ou no!"). Deixando de lado essas diferenas de perspectiva, o interesse bsico da hermenutica claro o suficiente. Deve ser acrescentado, entretanto, que quando os escritores usam o termo, na maioria das vezes o que eles tm em mente a interpretao bblica. Mesmo quando outro texto que est sendo discutido, a Bblia provavelmente assoma por trs.Esta ltima observao suscita uma questo interessante. Afinal, por que tal disciplina deveria ser necessria? Nunca tivemos aula sobre "Como Interpretar o Jornal". Nenhum colgio prope um curso sobre "A Hermenutica da Conversao". Isso uma realidade at com respeito a cursos sobre Shakespeare ou Homero, que certamente tratam de interpretao da literatura, mas em que nenhum pr-requisito de hermenutica aparece. Por que ento somos informados subitamente em nossa instruo acadmica que precisamos nos tornar hbeis em uma cincia de som extico, se queremos entender a Bblia?Uma resposta possvel que pode ocorrer que a Bblia um livro divino, e assim exige de ns algum treinamento especial para entend-la. Mas esta soluo simplesmente no satisfaz. Como expressou um estudioso catlico romano, "Se algum capaz de falar de maneira absolutamente clara e tornar-se compreensvel com eficcia irresistvel, esse tal Deus; portanto, se h alguma palavra que poderia no exigir uma hermenutica, essa seria a palavra divina"[1] Os protestantes, por essa razo, tm sempre enfatizado a doutrina da perspicuidade ou clareza das Escrituras. A Bblia em si nos diz que o pr-requisito essencial para entender as coisas de Deus ter o Esprito de Deus (1Co 2.11), e que o cristo, tendo recebido a uno do Esprito, no precisa nem mesmo de um professor (1Jo 2.27).O que ocorre, na realidade, que precisamos da hermenutica no exatamente pelo fato de a Bblia ser um livro divino, mas porque, alm de ser divino, um livro humano. Estranho como possa soar aos ouvidos, esta maneira de olhar nosso problema pode nos colocar no caminho correto. A linguagem humana, por sua prpria natureza, grandemente equvoca, isto , capaz de ser compreendida em mais de uma forma. No fosse assim, nunca duvidaramos do que as pessoas querem dizer quando falam; se proposies pudessem significar somente uma coisa, dificilmente ouviramos debates sobre se Johnny disse isso ou aquilo. Na prtica, claro, o nmero de palavras ou sentenas que geram mal-entendidos constitui uma proporo muito pequena do total de proposies emitidas por um determinado indivduo em um determinado dia. O que precisamos reconhecer, porm, que o potencial para uma m interpretao est sempre presente.Em outras palavras, precisamos da hermenutica para textos alm da Bblia. Na verdade, ns precisamos de princpios de interpretao para entender conversaes triviais e at mesmo acontecimentos no-lingsticos afinal, a falha em compreender o piscar dos olhos de algum poderia significar um desastre em certas circunstncias. Mas, ento, retornamos nossa questo original: Por que no nos foi exigido estudar hermenutica no segundo grau? Por que que, apesar dessa omisso em nossa educao, quase sempre compreendemos o que nosso prximo nos diz?A resposta simples que aprendemos hermenutica durante toda a nossa vida, desde o dia em que nascemos. Pode at ser que as coisas mais importantes que aprendemos sejam aquelas que fazemos inconscientemente. Em resumo, quando voc comea um curso de hermenutica, pode estar certo de que j conhece muito bem os princpios mais bsicos de interpretao. Toda vez que voc l o jornal ou ouve uma histria ou analisa um acontecimento, prova a si mesmo que um entendido na arte da hermenutica!Isso talvez seja algo perigoso de se dizer. Voc pode ser tentado a fechar este livro "intil" imediatamente e devolv-lo livraria, na esperana de conseguir seu dinheiro de volta. Entretanto, necessrio que apresentemos a questo e a ressaltemos. Alm de gozar de um relacionamento correto com Deus, o princpio mais fundamental da interpretao bblica consiste em colocar em prtica o que fazemos inconscientemente todos os dias de nossa vida. A hermenutica no primariamente uma questo de aprender tcnicas difceis. O treino especializado tem o seu lugar, mas , na verdade, bastante secundrio. Poderamos dizer que o que importa aprender a "transpor" nossas rotinas interpretativas costumeiras para a nossa leitura da Bblia. justamente a que comeam nossos problemas.Por uma razo, no devemos pensar que o que fazemos todos os dias seja to simples assim. Antes que voc pudesse ler uma revista, por exemplo, voc teve que aprender ingls. Voc acha que isso fcil? Pergunte a qualquer estrangeiro que tentou aprender ingls depois da adolescncia. Notavelmente, voc atravessou esse difcil e complicado processo com grande sucesso nos primeiros poucos anos de sua vida. Aos 4 ou 5 anos de idade, voc e todo e qualquer ser humano sem deficincias j teria dominado centenas e centenas de regras fonolgicas e gramaticais. Na realidade, seu vocabulrio era bastante limitado, mas aprend-lo a parte mais fcil do domnio de uma lngua.Alm disso, sua mente recebe, cotidianamente, incontvel nmero de impresses. Estas so os fatos da Histria primeiramente suas experincias pessoais, porm suplementada pelas experincias de outros, incluindo informao sobre o passado - com todas suas associaes, quer psicolgicas, sociais ou outras quaisquer. De maneira no menos impressionante que a aquisio de uma lngua, seu crebro organiza cuidadosamente essas milhes de impresses, mantendo algumas na superfcie, outras em nvel semiconsciente, e ainda outras em algo equivalente a uma lata de lixo. tudo um componente essencial da interpretao eficiente. Sigamos nossa ilustrao um tanto fictcia: Toda vez que voc recebe uma impresso, sua mente verifica se esse j um fato arquivado; se no, ela relaciona essa nova impresso s obtidas anteriormente a fim de que possa fazer sentido. Usando outra analogia comum, seu crebro como um filtro que seleciona todos os dados novos. Se um fato anterior despercebido no passa pelo filtro, seu crebro tem apenas duas escolhas imediatas: for-lo pelo filtro distorcendo a evidncia ou rejeit-lo completamente. O ltimo o equivalente inconsciente "J tomei uma deciso portanto, no me perturbe com os fatos". H, porm, uma terceira opo: admitir sua ignorncia e deixar o novo fato de lado at que seu filtro seja capaz de lidar com ele.Vemos, ento, que nossa prtica diria de interpretao no to simples como podamos ter imaginado. Exige um processo bastante complexo (ainda que geralmente inconsciente) que concentra-se na linguagem e na Histria, usando ambos os termos num sentido bastante amplo. Obviamente, nossa compreenso reduzida medida que a linguagem ou os fatos que esto sendo interpretados so desconhecidos para ns. Se um advogado usa linguagem tcnica legal quando procura iniciar uma conversa com um estranho no metr, dificilmente se pode esperar que haja muita compreenso. De maneira semelhante, uma pessoa que no acompanhou os desenvolvimentos do governo americano, por um perodo extenso de tempo, no ser capaz de compreender um editorial de um jornal, ou at mesmo caricaturas polticas.[footnoteRef:4] [4: Walter C. Kaiser, Jr. e Moiss Silva. Introduo Hermenutica Bblica, 2002 Editora Cultura Crist Sit.;http://www.hermeneutica.com/principios/precisa.html]

ExegeseExegese a interpretao profunda de um texto bblico, jurdico ou literrio. A exegese como todo saber, tem prticas implcitas e intuitivas. A tarefa da exegese dos textos sagrados da Bblia tem uma prioridade e anterioridade em relao a outros textos. Isto , os textos sagrados so os primeiros dos quais se ocuparam os exegetas na tarefa de interpretar e dar seu significado. A palavra exegese deriva do grego exegeomai, exegesis; ex tem o sentido de ex-trair, ex-ternar, ex-teriorizar, ex-por; quer dizer, no caso, conduzir, guiar.Por isso, o termo exegese significa, como interpretao, revelar o sentido de algo ligado ao mundo do humano, mas a prtica se orientou no sentido de reservar a palavra para a interpretao dos textos bblicos. Exegese, portanto, a denominao que se confere interpretao das Sagradas Escrituras desde o sculo II da Era Crist. Orgenes, cristo egpcio que escreveu nada menos que 600 obras, defendia a interpretao alegrica dos textos sagrados, afirmando que estes traziam, nas entrelinhas de uma clareza aparente, um sentido mais profundo. O termo exegese restou ligado interpretao alegrica, ensejando abusos de interpretao, a ponto de alguns autores afirmarem, ironicamente, que a Bblia seria um livro onde cada qual procura o que deseja e sempre encontra o que procura.Ser exegeta aplicar o texto no contexto cultural da poca do texto lido e extrair os princpios morais e culturais para o tempo presente.Obs.: A Exegese Bblica aplica-se na correta interpretao dos manunscritos sagrados, tendo como princpio bsico a correta interpretao de uma palavra a partir da lngua original em que a mesma fra escrita, abrangendo inmeras vertentes e variantes de uma mesma palavra em seus variados sentidos e aplicao. [footnoteRef:5] [5: Origem: Wikipdia, a enciclopdia livre.]

O estudo a seguir foi Extrado do Sit.; www.hermeneutica.com.br/principios/index.htmlA Necessidade de Interpretao de Gordon D. Fee e Douglas Stuart Com certa freqncia encontramos com algum que diz com muito fervor: "Voc no precisa interpretar a Bblia; leia-a, apenas, e faa o que ela diz." Usualmente, semelhante observao reflete o protesto contra o "profissional", o estudioso, o pastor, o catedrtico ou o professor da Escola Dominical que, por meio de "interpretar," parece estar tirando a Bblia do homem ou da mulher comum. sua maneira de dizer que a Bblia no um livro obscuro. "Afinal das contas," argumenta-se, "qualquer pessoa com metade de um crebro pode l-la e entend-la. O problema com um nmero demasiado de pregadores e professores que cavam tanto que tendem a enlamear as guas. O que era claro para ns quando a lemos j no mais to claro." H muito de verdade em tal protesto. Concordamos que os cristos devam aprender a ler a Bblia, crer nela, e obedec-la. E concordamos especialmente que a Bblia no precisa ser um livro obscuro, se for corretamente estudada e lida. Na realidade, estamos convictos que o problema individual mais srio que as pessoas tm com a Bblia no uma falta de entendimento, mas, sim o fato de que entendem bem demais a maior parte das coisas! O problema de um texto tal como: "Fazei tudo sem murmuraes nem contendas" (Fp 2.14), por exemplo, no compreend-lo, mas, sim, obedec-lo coloc-lo em prtica. Concordamos, tambm, que o pregador ou o professor esto por demais inclinados a escavar primeiro, e a olhar depois, e assim encobrir o significado claro do texto, que freqentemente est na superfcie. Seja dito logo de incio e repetido a cada passo, que o alvo da boa interpretao no a originalidade, no se procura descobrir aquilo que ningum jamais viu. A interpretao que visa a originalidade, ou que prospera com ela, usualmente pode ser atribuda ao orgulho (uma tentativa de "ser mais sbio" do que o resto do mundo), ao falso entendimento da espiritualidade (segundo o qual a Bblia est repleta de verdades profundas que esto esperando para serem escavadas pela pessoa espiritualmente sensvel, com um discernimento especial), ou a interesses escusos (a necessidade de apoiar um preconceito teolgico, especialmente ao tratar de textos que, segundo parece, vo contra aquele preconceito). As interpretaes sem igual usualmente so erradas. No se quer dizer com isto que o entendimento de um texto no possa freqentemente parecer sem igual para algum que o ouve pela primeira vez. O que queremos dizer mesmo que a originalidade no o alvo da nossa tarefa. O alvo da boa interpretao simples: chegar ao "sentido claro do texto." E o ingrediente mais importante que a pessoa traz a essa tarefa o bom-senso aguado. O teste de uma boa interpretao se expe o sentido do texto. A interpretao correta, portanto, traz alvio mente bem como uma aguilhoada ou cutucada no corao. Mas, se o significado claro aquilo sobre o que a interpretao diz respeito, ento para que interpretar? Por que no ler, simplesmente? O significado simples no vem pela mera leitura? Em certo sentido, sim. Mas num sentido mais verdico, semelhante argumento tanto ingnuo quanto irrealista por causa de dois fatores: a natureza do leitor e a natureza da Escritura. O Leitor Como Intrprete (Parte I) de Gordon D. Fee e Douglas Stuart A primeira razo por que precisamos aprender como interpretar que, quer deseje, quer no, todo leitor ao mesmo tempo um intrprete. ou seja a maioria de ns toma por certo que, enquanto lemos, tambm entendemos o que lemos. Tendemos, tambm, a pensar que nosso entendimento a mesma coisa que a inteno do Esprito Santo ou do autor humano. Apesar disso, invariavelmente levamos para o texto tudo quanto somos, com toda nossa experincia, cultura e entendimento prvio de palavras e idias. s vezes, aquilo que levamos para o texto, sem o fazer deliberadamente, nos desencaminha ou nos leva a atribuir ao texto idias que lhe so estranhas. Desta maneira, quando uma pessoa em nossa cultura ouve a palavra "cruz", sculos de arte e simbolismo cristos levam a maioria das pessoas a pensar automaticamente numa cruz romana (T) embora haja pouca probabilidade de que aquele era o formato da Cruz de Jesus, que provavelmente tinha a forma de um "T". A maioria dos protestantes, e dos catlicos tambm, quando l textos acerca da igreja em adorao, automaticamente forma um quadro de pessoas sentadas numa construo com bancos, muito semelhante s deles. Quando Paulo diz: Nada disponhais para a carne, no tocante s suas concupiscncias (Rm 13.14), as pessoas nas culturas de idiomas europeus tendem a pensar que "a carne" significa o corpo" e, portanto, que Paulo est falando nos "apetites fsicos." Mas a palavra "carne," conforme Paulo a emprega, raras vezes se refere ao corpo e neste texto quase certamente no tem esse sentido mas, sim, a uma enfermidade espiritual, uma doena de existncia espiritual s vezes chamada "a natureza pecaminosa." O leitor, portanto, sem o fazer deliberadamente, est interpretando o que l, e, infelizmente, por demais freqentemente interpreta incorretamente. Isto nos leva a notar ainda mais arte o leitor de uma Bblia em idioma latino j est envolvido na interpretao. A traduo, pois, em si mesma uma forma (necessria) de interpretao. Sua Bblia, seja qual for a traduo que voc empregar, que para voc o ponto de partida, , na realidade, o resultado final de muito trabalho erudito. Os tradutores so regularmente conclamados a fazer escolhas quanto aos significados, e as escolhas deles iro afetar como voc entende. Os bons tradutores, portanto, levam em considerao as diferenas entre nossos idiomas. Esta, porm, no uma tarefa fcil. Em Romanos 13.14, por exemplo, devemos traduzir "carne" porque esta a palavra que Paulo empregou, e depois deixar o intrprete contar-nos que "carne" aqui no significa "corpo"? Ou devemos "ajudar" o leitor e traduzir "natureza pecaminosa" porque isto que Paulo realmente quer dizer? Retomaremos este assunto com maiores detalhes no captulo seguinte. Por enquanto, basta indicar que o prprio fato da traduo j envolveu a pessoa na tarefa da interpretao.

O Leitor Como Intrprete (Parte II) de Gordon D. Fee e Douglas Stuart A necessidade de interpretar tambm achada por meio de notar aquilo que acontece em nosso redor o tempo todo. Uma simples olhada para a igreja contempornea, por exemplo, torna abundantemente claro que nem todos os "significados claros" so igualmente claros para todos. de interesse mais do que passageiro que a maioria daqueles na igreja de hoje que argumentam que as mulheres devem guardar silncio na igreja, com base em 1 Corntios 14.34-35, negam, ao mesmo tempo, a validez do falar em lnguas e da profecia, o prprio contexto em que a passagem do "silncio" ocorre. E aqueles que afirmam que as mulheres, e no somente os homens, devem orar e profetizar, com base em 1 Corntios 11.2-16, freqentemente negam que devem faz-lo com a cabea coberta. Para alguns, a Bblia "ensina claramente" o batismo dos crentes mediante a imerso; outros acreditam que podem defender o batismo de crianas por meio da Bblia. Tanto a "segurana eterna" quanto a possibilidade de "perder a salvao" so pregadas na igreja, mas nunca pela mesma pessoa! As duas posies, no entanto, so afirmados como sendo o significado claro dos textos bblicos. At mesmo os dois autores deste livro tm certos desacordos entre si quanto ao significado "claro" de certos textos. Mesmo assim, todos ns estamos lendo a mesma Bblia e todos estamos procurando ser obedientes quilo que o texto "claramente" significa. Alm destas diferenas reconhecveis entre "crentes bblicos," h, tambm, todos os tipos de coisas estranhas em andamento. Usualmente podemos reconhecer as seitas, por exemplo, porque tm uma autoridade alm da Bblia. Mas nem todas elas a tm; em todos os casos, porm, torcem a verdade pelo meio que selecionam textos da prpria Bblia. Toda heresia ou prtica que se possa imaginar, desde o arianismo (a negao da divindade de Cristo), das Testemunhas de Jeov e de "O Caminho", at o batismo em prol dos mortos entre os mrmons, at o manipular de serpentes entre as seitas apalacianas, alega ser "apoiada" por algum texto. At mesmo entre pessoas mais teologicamente ortodoxas, no entanto, muitas idias estranhas conseguem ganhar aceitao em vrios crculos. Por exemplo, uma das modas atuais entre os protestantes norte-americanos, especialmente os carismticos, o assim-chamado Evangelho da riqueza e da sade. As "boas novas" so que a vontade de Deus para voc a prosperidade financeira e material! Um dos defensores deste "evangelho" comea seu livro ao argumentar em prol do "sentido claro" da Escritura e ao alegar que coloca a Palavra de Deus em posio de absoluta primazia no decurso do seu estudo. Diz que no conta aquilo que pensamos que ela diz, mas, sim, o que ela realmente diz. O "significado claro" o que ele quer. Comeamos, porm, a ter nossas dvidas acerca de qual realmente o "significado claro" quando a prosperidade financeira argumentada como sendo a vontade de Deus a partir de um texto tal como 3 Joo 2: "Amados, acima de tudo fao votos por tua prosperidade e sade, assim, como prspera a tua alma" texto este que realmente no tem nada a ver com a prosperidade financeira. Outro exemplo toma o significado claro do jovem rico (Marcos 10.17-22) como sendo exatamente o oposto daquilo "que realmente diz," e atribui a "interpretao" ao Esprito Santo. Podemos talvez questionar com razo se o significado claro realmente est sendo procurado; talvez o significado claro seja simplesmente aquilo que semelhante escritor quer que o texto signifique a fim de apoiar suas idias prediletas. Dada toda esta diversidade, tanto dentro quanto fora da igreja, e todas as diferenas at mesmo entre os estudiosos, que alegadamente conhecem "as regras," no de se maravilhar que alguns argumentam em prol de nenhuma interpretao, em prol da simples leitura. Esta, porm, uma opo falsa, conforme vimos. O antdoto m interpretao no simplesmente nenhuma interpretao, mas, sim, a boa interpretao, baseada nas diretrizes do bom senso. Os autores deste livro no sofrem de iluses de que, ao ler e seguir nossas diretrizes, todos finalmente concordaro quanto ao "significado claro", nosso significado! O que esperamos realizar aumentar a sensibilidade do leitor a problemas especficos inerentes em cada gnero, inform-lo por que existem opes diferentes e como fazer julgamentos de bom-senso, e especialmente ter a capacidade de discernir entre interpretaes boas e as no to boas e de saber o que as faz assim.

A NATUREZA DA ESCRITURA(Parte 1 O Lado Divino) de Gordon Fee Uma razo mais significante para a necessidade de interpretao acha-se na natureza da prpria Escritura. Historicamente a igreja tem compreendido a natureza da Escritura de maneira muito semelhante sua compreenso da Pessoa de Cristo a Bblia , ao mesmo tempo, humana e divina. Conforme o Professor George Ladd certa vez expressou o fato: "A Bblia a Palavra de Deus dada nas palavras de (pessoas) na histria." esta natureza dupla da Bblia que exige da nossa parte a tarefa da interpretao. Porque a Bblia a Palavra de Deus, tem relevncia eterna; fala para toda a humanidade em todas as eras e em todas as culturas. Porque a Palavra de Deus, devemos escutar e obedecer. Mas porque Deus escolheu falar Sua Palavra atravs das palavras humanas na histria, todo livro na Bblia tambm tem particularidade histrica; cada documento condicionado pela linguagem, pela sua poca, e pela cultura em que originalmente foi escrito (e nalguns casos tambm pela histria oral que teve antes de ser escrito). A interpretao da Bblia exigida pela "tenso" que existe entre sua relevncia eterna e sua particularidade histrica. H alguns, naturalmente, que acreditam que a Bblia meramente um livro humano, e que contm somente palavras das pessoas na histria. Para estas pessoas, a tarefa de interpretar limitada pesquisa histrica. Seu interesse, como no caso de Ccero ou Milton, com as idias religiosas dos judeus, de Jesus, ou da igreja primitiva. A tarefa para eles, no entanto, puramente histrica. O que estas palavras significavam para as pessoas que as escreveram? O que pensavam acerca de Deus? Como se compreendiam a si mesmos? H, do outro lado, aqueles que pensam na Bblia somente em termos da sua relevncia eterna. Porque a Palavra de Deus, tendem a pensar nela como sendo apenas uma coletnea de proposies a serem cridas e de imperativos a serem obedecidos embora, invariavelmente, haja grande medida de selecionamento e escolha a ser feita entre as proposies e imperativos. H, por exemplo, cristos que baseados em Deuteronmio 22.5 ("A mulher no usar roupa de homem"), argumentam literalmente que a mulher no deve usar cala comprida nem short. As mesmas pessoas, porm, raras vezes tomam literalmente os demais imperativos naquela lista, que incluem a construo de um parapeito no telhado da casa (v. 8), a no plantao de dois tipos de sementes numa vinha (v. 9), e fazer borlas nos quatro cantos do manto (v. 12). A Bblia, no entanto, no uma srie de proposies e imperativos; no simplesmente uma coletnea de "Ditados da parte do Presidente Deus," como se Ele olhasse para ns aqui em baixo, estando Ele no cu, e dissesse: "Ei, vocs a em baixo, aprendam estas verdades. Nmero 1: No h Deus seno Um s, e Eu o sou. Nmero 2: Eu sou o criador de todas as coisas, inclusive a humanidade" e assim por diante, chegando at a proposio nmero 7.777 e ao imperativo nmero 777. Estas proposies, naturalmente, so verdadeiras; e acham-se na Bblia (embora no nessa forma exata). Realmente, semelhante livro poderia ter tornado muitas coisas mais fceis para ns. Mas, felizmente, no foi assim que Deus escolheu falar conosco. Pelo contrrio, escolheu falar Suas verdades eternas dentro das circunstncias e eventos especficos da histria humana. isto tambm que nos d esperana. Exatamente porque Deus escolheu falar no contexto da histria humana, real, podemos ter certeza que estas mesmas palavras falaro novamente em nossa prpria histria "real", conforme tm feito no decorrer da Histria da igreja.

A NATUREZA DA ESCRITURA(Parte 2 O Lado Humano) de Gordon Fee O fato de que a Bblia tem um lado humano nosso encorajamento; tambm o nosso desafio, e a razo porque precisamos interpretar. Duas coisas precisam ser notados quanto a isto. 1. Ao falar atravs de pessoas reais, numa variedade de circunstncias, por um perodo de 1500 anos, a Palavra de Deus foi expressada no vocabulrio e nos padres de pensamento daquelas pessoas, e condicionada pela cultura daqueles tempos e circunstncias. Ou seja: a Palavra de Deus para ns foi primeiramente a Sua Palavra a elas. Se iriam ouvi-la, somente poderia ser atravs de eventos e linguagem que elas poderiam ter entendido. Nosso problema que estamos muito longe delas no tempo, e s vezes no pensamento. Esta a razo principal porque precisamos aprender a interpretar a Bblia. Se a Palavra de Deus acerca das mulheres usando roupas de homens, ou das pessoas que devem ter parapeitos ao redor das casas pode falar conosco, precisamos saber primeiro o que dizia aos seus ouvintes originais e por que. Logo, a tarefa de interpretar envolve o estudante/leitor em dois nveis. Primeiramente, necessrio escutar a Palavra que eles ouviram; devem procurar compreender o que foi dito a eles l e ento. Em segundo lugar, devemos aprender a ouvir essa mesma Palavra no aqui e agora. Diremos mais acerca destas duas tarefas, abaixo. 2. Um dos aspectos mais importantes do lado humano da Bblia que Deus, para comunicar Sua Palavra para todas as condies humanas, escolheu fazer uso de quase todo tipo de comunicaes disponvel: a histria em narrativa, as genealogias, as crnicas, leis de todos os tipos, poesia de todos os tipos, provrbios, orculos profticos, enigmas, drama, esboos biogrficos, parbolas, cartas, sermes e apocalipses. Para interpretar corretamente o "l e ento" dos textos bblicos, no somente se deve saber algumas regras gerais que se aplicam a todas as palavras da Bblia, como tambm se deve aprender as regras especiais que se aplicam a cada uma destas formas literrias (gneros). E a maneira de Deus comunicar-nos Sua Palavra no "aqui e agora" freqentemente diferir de uma forma para outra. Por exemplo, precisamos saber como um salmo, uma forma que freqentemente era dirigida a Deus, funciona como a Palavra de Deus para ns, e como os Salmos diferem das "leis," que freqentemente eram dirigidas a pessoas em situaes culturais que j no existem mais. Como tais "leis" nos falam, e como diferem das "leis" morais, que sempre so vlidas em todas as circunstncias? Tais so as perguntas que a natureza dupla da Bblia nos impe.

A PRIMEIRA TAREFA: A EXEGESE de Gordon Fee e Douglas Stuart A primeira tarefa do intrprete chama-se exegese. A exegese o estudo cuidadoso e sistemtico da Escritura para descobrir o significado original que foi pretendido. A exegese basicamente uma tarefa histrica. a tentativa de escutar a Palavra conforme os destinatrios originais devem t-la ouvido; descobrir qual era a inteno original das palavras da Bblia. Esta a tarefa que freqente-mente exige a ajuda do "perito," aquela pessoa cujo treinamento a ajudou a conhecer bem o idioma e as circunstncias dos textos no seu mbito original. No necessrio, no entanto, ser um perito para fazer boa exegese. Na realidade, todos so exegetas dalgum tipo. A nica questo real se voc vai ser um bom exegeta. Quantas vezes, por exemplo, voc ouviu ou disse: "O que Jesus queria dizer com aquilo foi..." "L naqueles tempos, tinham o costume de .. ."? So expresses exegticas. So empregadas mais freqente-mente para explicar as diferenas entre "eles" e "ns" por que no edificamos parapeitos em redor das nossas casas, por exemplo, ou para dar uma razo do nosso uso de um texto de uma maneira nova ou diferente por que o aperto da mo freqentemente tomou o lugar do "sculo santo." At mesmo quando tais idias no so articuladas, so, na realidade, praticadas o tempo todo de um modo que segue o bom-senso. O problema com boa parte disto, no entanto, (1) que tal exegese freqentemente seletiva demais, e (2) que freqentemente as fontes consultadas no so escritas por "peritos verdadeiros," ou seja: so fontes secundrias que tambm empregam outras fontes secundrias, ao invs das fontes primrias. So necessrias umas poucas palavras acerca de cada um destes problemas: 1. Embora todos empreguem exegese nalgumas ocasies, e embora muito freqentemente semelhante exegese seja bem feita, mesmo assim, tende a ser empregada somente quando h um problema bvio entre os textos bblicos e a cultura moderna. Posto que realmente deve ser empregada para tais textos, insistimos que o primeiro passo ao ler TODO texto. De incio, isto no ser fcil de fazer, mas aprender a pensar exegeticamente pagar ricos dividendos no entendimento, e tornar a leitura, sem mencionar o estudo da Bblia, uma experincia muito mais emocionante. Note bem, no entanto: Aprender a pensar exegeticamente no a nica tarefa; simplesmente a primeira tarefa. O problema real com a exegese "seletiva" que a pessoa freqentemente atribuir suas prprias idias, completamente estranhas, a um texto e, assim, far da Palavra de Deus algo diferente daquilo que Deus realmente disse. Por exemplo, um dos autores deste livro recentemente recebeu uma carta de um evanglico bem conhecido, que argumentou que o autor no deveria comparecer a uma conferncia juntamente com outra pessoa bem conhecida, cuja ortodoxia era algo suspeita. A razo bblica dada para evitar a conferncia foi 1 Tessalonicenses 5.22: "Abstende-vos de toda forma do mal". Se, porm, nosso irmo tivesse aprendido a ler a Bblia exegeticamente, no teria usado o texto dessa maneira. Ora, 1 Ts. 5:22 foi a palavra final de Paulo num pargrafo aos tessalonicenses a respeito das expresses carismticas na comunidade. "No tratem as profecias com desprezo", diz Paulo. "Pelo contrrio, testem tudo, e apeguem-se ao que bom, mas evitem todas as formas malignas." "Evitar o mal" tem a ver com "profecias," que, ao serem testadas, revelam-se no serem do Esprito. Fazer este texto significar alguma coisa que Deus no pretendeu abusar do texto, no us-lo. Para evitar erros deste tipo, devemos, aprender a pensar exegeticamente, ou seja: comear no passado, l e ento, e fazer assim com todos os textos. 2. Conforme logo notaremos, no se comea consultando os "peritos." Mas quando for necessrio faz-lo, devemos procurar usar as melhores fontes. Por exemplo, em Marcos 10.23 (Mt. 19.23; Lc 18.24), no trmino da histria do jovem rico, Jesus diz: "Quo dificilmente entraro no reino de Deus os que tm riquezas!" Passa a acrescentar: " mais fcil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus." Freqentemente se diz que havia uma porta em Jerusalm chamada o "Fundo da Agulha," pela qual os camelos somente poderiam atravessar de joelhos, e com grande dificuldade. A lio desta "interpretao" que um camelo poderia realmente passar pelo "Fundo da Agulha." O problema desta "exegese," no entanto, que simplesmente no verdadeira. Nunca houve semelhante porta em Jerusalm, em qualquer perodo da sua histria. A primeira "evidncia" que se conhece em prol de tal idia achada no sculo XI d.C. (!), num comentrio de um eclesistico grego chamado Teofilacto, que tinha a mesma dificuldade com o texto que ns temos. Afinal das contas, impossvel para um camelo passar pelo fundo de uma agulha, e era exatamente o que Jesus queria ensinar. impossvel para algum que confia nas riquezas entrar no Reino. necessrio um milagre para uma pessoa rica receber a salvao, o que certamente a lio das palavras que se seguem: "Para Deus tudo possvel."

A HERMENUTICA DE ATOS IO Problema do Precedente Histrico na Hermenutica de Atos de Gordon Fee e Douglas Stuart Conforme foi notado anteriormente, nossa preocupao aqui diz respeito a uma s pergunta. Como as narrativas individuais em Atos, ou qualquer outra narrativa bblica, quanto a isto, funcionam como precedentes para a igreja posterior, ou so precedentes? Ou seja: o Livro de Atos tem uma Palavra que no somente descreve a igreja primitiva como tambm fala como uma norma para a igreja em todo tempo? Se houver semelhante Palavra, como a pessoa a descobre ou estabelece princpios para ajudar a escut-la? Seno, ento o que fazemos com o conceito do precedente? Em resumo, exatamente qual papel, que o precedente histrico desempenha na doutrina crist ou na compreenso da experincia crist? Deve ser notado de incio que quase todos os cristos bblicos tendem a tratar o precedente como sendo autoridade normativa at algum determinado ponto. Mas raramente feito com consistncia. Do outro lado, as pessoas tendem a seguir algumas narrativas como sendo as que estabelecem padres obrigatrios, ao passo que negligenciam outras; do outro lado, s vezes tendem a fazer um padro mandatrio, embora haja uma complexidade de padres dentro do prprio livro de Atos. As seguintes sugestes no so propostas como absolutas, mas espero que ajudem voc a lidar com este problema hermenutico. Alguns Princpios Gerais A pergunta hermenutica crucial aqui se as narrativas bblicas que descrevem aquilo que aconteceu na igreja primitiva, tambm funcionam como normas que pretendem delinear o que deve acontecer na vida contnua da igreja. H exemplos em Atos acerca dos quais podemos dizer apropriadamente: "Devemos fazer isto," ou devemos meramente dizer: "Podemos fazer isto"? Nossa suposio, juntamente com muitas outras, que a no ser que a Escritura explicitamente nos mande fazer alguma coisa, aquilo que meramente narrado ou descrito nunca pode funcionar de modo normativo. H boas razes para fazermos esta suposio. De modo geral, declaraes doutrinrias derivadas da Escritura dividem-se em trs categorias: (1) a teologia crist (aquilo que os cristos acreditam), (2) a tica crist (como os cristos devem comportar-se), (3) a experincia ou a prtica crist (aquilo que os cristos fazem). Dentro destas categorias poderamos distinguir, ainda, dois nveis de declaraes, que chamaremos de primrio e secundrio. No nvel primrio h aquelas declaraes doutrinrias derivadas das proposies explcitas ou imperativos da Escritura (i.e., o que a Escritura pretende ensinar). No nvel secundrio h aquelas declaraes derivadas apenas incidentalmente, por implicao ou por precedente. Por exemplo: na categoria da teologia crist, declaraes tais como: Deus um s, Deus amor, todos pecaram, Cristo morreu pelos nossos pecados, a salvao pela graa, e Jesus Cristo divino, so derivadas de passagens onde so deliberadamente ensinadas, e so, portanto, primrias. No nvel secundrio h aquelas declaraes que so a decorrncia lgica das declaraes primrias ou que so derivadas da Escritura por implicao. Assim sendo, o fato da divindade de Cris-to primrio; como as duas naturezas concorrem na unidade secundrio. Uma distino semelhante pode ser feita no que diz respeito doutrina da Escritura. Que a Palavra inspirada de Deus primrio; a natureza exata da inspirao secundria. No se quer dizer com isto que as declaraes secundrias no so importantes. Freqentemente, tero aplicao significante f da pessoa no que diz respeito s declaraes primrias. Realmente, seu valor teolgico ulterior talvez se relacione a quo bem preservam a integridade das declaraes primrias. O que importante notar aqui que quase tudo quanto os cristos derivam da Escritura como precedente est em nossa terceira categoria, a experincia ou a prtica crists, e sempre no nvel secundrio. Por exemplo, que a Ceia do Senhor deva ser uma prtica contnua na igreja uma declarao em nvel primrio. O prprio Jesus a ordena; as Epstolas e Atos do testemunho dela. Mas a freqncia da sua observncia, um ponto em que os cristos diferem entre si, baseada na tradio e no precedente: decerto no obrigatria. Esta tambm, argumentaramos, a situao da necessidade do batismo (primrio) e do seu modo (secundrio), ou a prtica de os cristos "se reunirem juntos" (primrio) e a freqncia ou o dia da semana (secundrio). Mais uma vez: no se quer dizer com isto que as declaraes secundrias no so importantes. Por exemplo, ficamos certamente em dificuldades para comprovar que o dia em que os cristos se renem para o culto deve ser sbado ou domingo, mas em qualquer dos casos a pessoa est dizendo algo de relevncia teolgica mediante a sua prtica. Em relacionamento estreito com esta discusso h o conceito da intencionalidade. comum entre ns dizer: "A Escritura nos ensina que..." Usualmente, as pessoas querem dizer com isso que algo "ensinado" por declaraes explcitas. Surgem problemas com isso quando as pessoas passam para a rea da histria bblica. Alguma coisa ensinada simplesmente porque registrada mesmo quando registrada de modo que parece favorvel? uma mxima geral da hermenutica que a Palavra de Deus pode ser achada na inteno da Escritura. Esta uma questo especialmente crucial para a hermenutica das narrativas histricas. uma coisa o historiador incluir um evento porque serve ao propsito maior da sua obra, e outra coisa diferente o intrprete entender que aquele incidente tem valor didtico parte da inteno maior do historiador.

A HERMENUTICA DE ATOS II- A Inteno do Autor de Gordon Fee e Douglas Stuart Embora a inteno mais ampla e inspirada de Lucas seja uma questo debatvel para alguns, nossa hiptese, baseada na exegese precedente, que (ele) estava querendo demonstrar como a igreja emergiu como um fenmeno mundial, principalmente gentio, a partir das suas origens como uma seita de crentes judaicos, baseada em Jerusalm e orientada para Jerusalm, e como o Esprito Santo foi diretamente responsvel por este fenmeno de salvao universal baseada na graa somente. O tema recorrente de que nada pode impedir este movimento para a frente da igreja no poder do Esprito Santo nos leva a pensar que Lucas tambm pretendia que seus leitores fossem ver este como um modelo para sua existncia. E o fato de que Atos est no cnon nos leva a' pensar, alm disto, que decerto assim que a igreja sempre deveria ser evangelstica, alegre, dotada do poder do Esprito Santo. Mas o que se diz dos pormenores especficos naquelas narrativas, as quais somente ao serem tomadas em conjunto nos ajudam a ver a inteno maior de Lucas? Estes pormenores tm o mesmo valor didtico? Servem tambm como modelos em forma de narrativa? Pensamos que no, basicamente porque a maioria de tais detalhes so incidentais lio principal da narrativa e por causa da ambigidade dos detalhes entre uma narrativa e outra. Dessa forma, quando examinamos Atos 6.1-7, vimos como a narrativa funcionou no plano global de Lucas, como uma concluso sua primeira seo principal, que ao mesmo tempo serviu para introduzir os helenistas. possvel que sua inteno tenha includo, tambm, a demonstrao da resoluo amigvel da primeira tenso dentro da comunidade crist. A partir desta narrativa, tambm podemos aprender vrias outras coisas de modo incidental. Por exemplo, podemos aprender que uma boa maneira de ajudar um grupo minoritrio na igreja deixar aquele grupo ter sua prpria liderana, selecionada pelos seus prprios membros. o que realmente fizeram. Devemos faz-lo? No necessariamente, visto que Lucas no nos ordena assim, nem h qualquer motivo para acreditar que tinha aquilo em mente quando registrou a narrativa. Do outro lado, semelhante procedimento faz to bom sentido que duvidamos que haja motivo para algum lutar contra. Nosso argumento : seja o que for que algum colher de semelhante narrativa, tais respigas so apenas incidentais inteno de Lucas. No se quer dizer com isto que aquilo que incidental falso, nem que no tem valor teolgico; quer dizer, isto sim, que a Palavra de Deus para ns naquela narrativa est primariamente relacionada com aquilo que pretendeu ensinar. A partir desta discusso, os seguintes princpios emergem no que diz respeito hermenutica da narrativa histrica: 1. A Palavra de Deus em Atos, que pode ser considerada normativa para os cristos, relacionada primariamente com aquilo que uma determinada narrativa pretendia ensinar. 2. O que incidental inteno primria da narrativa pode realmente refletir o modo de um autor inspirado entender as coisas, mas no pode ter o mesmo valor didtico quanto aquilo que a narrativa pretendia ensinar. No negamos, assim, aquilo que incidental nem subentendemos que no tem palavra alguma para ns. O que argumentamos, sim, que aquilo que incidental no deve tornar-se primrio, embora sempre possa servir de apoio adicional quilo que ensinado noutros trechos de modo inequvoco. 3. O precedente histrico, para ter valor normativo, deve ser relacionado com a inteno. Ou seja, se puder ser demonstrado que o propsito de uma determinada narrativa estabelecer um precedente, logo, tal precedente deve ser considerado normativo. Por exemplo, se pudesse ser demonstrado por razes exegticas que a inteno de Lucas em Atos 6.1-7 era dar igreja um precedente para selecionar seus lderes, logo, semelhante processo de seleo deve ser seguido por cristos posteriores. Se, porm, estabelecer um precedente no era a inteno da narrativa, logo, seu valor como precedente para cristos posteriores deve ser tratado de acordo com os princpios especficos sugeridos em nossa seo seguinte. O problema de tudo isto, naturalmente, que tende a deixar-nos com pouca coisa que normativa para aquela rea ampla de interesse a experincia e a prtica crists. No h ensino expresso quanto ao modo do batismo, idade dos que ho de ser batizados, nem aos fenmenos carismticos especficos que devam ser evidenciados quando algum recebe o Esprito, nem freqncia da Ceia do Senhor, para citar apenas uns poucos exemplos. Estas, porm, so exata-mente as reas em que h tanta diviso entre os cristos. Invariavelmente, em tais casos, s pessoas argumentam que assim que eles faziam, quer derivem tais prticas das narrativas de Atos, quer por implicao com base naquilo que dito nas Epstolas. A Escritura simplesmente no diz que o batismo deve ser por imerso, no diz que crianas devem ser batizadas, no diz que os cristos devem ser batizados no Esprito com a evidncia das lnguas como uma segunda obra da graa, e no diz que a Ceia do Senhor deve ser celebrada todos os domingos. O que fazemos, portanto, com algo como o batismo por imerso? O que a Escritura diz? Neste caso, pode ser argumentado a partir do significado da prpria palavra, da nica descrio em Atos de "descer gua" e de "sair da gua" (8.38-39), e da analogia de Paulo, que descreve o batismo como sendo a morte, o sepultamento, e a ressurreio (Rm 6.1-3), que a imerso era a pressuposio do batismo na igreja primitiva. No foi ordenada em nenhum lugar exatamente porque esta pressuposta. Do outro lado, pode ser indicado que, sem um tanque batismal na igreja local da Samaria, as pessoas que foram batizadas ali devem ter tido grande dificuldade em serem imergidas. Simplesmente no se conhece qualquer suprimento de gua ali que tivesse feito da imerso uma opo vivel. Derramavam gua sobre elas, como sugere aquele antigo manual da igreja, o Didaqu (c. de 100 d.C.), que deve ser feito quando no havia suficiente gua corrente fria, ou gua parada tpida, para a imerso? Simplesmente no sabemos, naturalmente. O Didaqu torna abundantemente claro que a imerso era a norma, mas tambm deixa claro que o ato em si muito mais importante do que o modo. Embora o Didaqu no seja um documento bblico, um documento cristo muito antigo e ortodoxo, e pode ajudar-nos ao demonstrar como a igreja primitiva fazia ajustamentos pragmticos nesta rea em que a Escritura no explcita. A prtica normal (regular) servia como a norma. Mas porque era apenas normal, no veio a ser normativa. Provavelmente faramos bem em seguir esta orientao e no confundir a normalidade com a normatividade.

A HERMENUTICA DE ATOS III- Alguns Princpios Especficos de Gordon Fee e Douglas Stuart Com estas observaes e princpios gerais em vista, ofereceramos as seguintes sugestes quanto hermenutica dos precedentes bblicos: 1. Provavelmente nunca vlido usar uma analogia baseada em precedentes bblicos para dar autoridade bblica para as aes dos dias atuais. Por exemplo, a poro de l de Gideo tem sido usada repetidas vezes como uma analogia para descobrir a vontade de Deus. Visto que Deus graciosamente condescendeu com a falta de confiana da parte de Gideo, Ele pode fazer o mesmo com a dos outros, mas no h autoridade ou encorajamento bblico para tais aes. De modo semelhante, h aqueles que argumentam em prol do batismo no Esprito Santo como sendo subseqente salvao, com base na analogia de Jesus, que nasceu do Esprito e, no Seu batismo, foi revestido do poder do Esprito. Semelhante analogia, porm, por interessante que seja, realmente irrelevante, visto que a experincia cristo uma coisa radicalmente diferente do nascimento de Jesus pelo Esprito. Se tudo na vida de Jesus fosse normativo para ns, seria esperado de todos ns que morrssemos crucificados e fssemos ressuscitados trs dias mais tarde. 2. Embora talvez no tenha sido o propsito primrio do autor, as narrativas bblicas realmente tm valor ilustrativo e, s vezes, valor como "padro". Realmente, assim que pessoas no Novo Testamento ocasionalmente usavam certos precedentes histricos do Antigo Testamento. Paulo, por exemplo, empregou alguns exemplos tirados do Antigo Testamento como advertncias para aqueles que tinham uma falsa segurana na sua eleio divina (1 Co 10.1-13), e Jesus empregou o exemplo de Davi como um precedente histrico para justificar as aes dos Seus discpulos no sbado (Marcos 2.23-28 e paralelos). Ningum entre ns, porm, tem a autoridade de Deus para reproduzir o tipo de exegese e anlises analgicas que os autores do Novo Testamento ocasionalmente aplicavam ao Antigo Testamento. Deve ser notado especialmente em casos em que o precedente justifica uma ao presente, que o precedente no estabelece uma norma para a ao especifica. Os homens no devem comer regular-mente dos pais da proposio ou colher gros no sbado para demonstrar que o sbado foi feito para o homem. Pelo contrrio, o precedente ilustra um princpio no que diz respeito ao sbado. Uma advertncia est em ordem aqui. Para um precedente bblico justificar uma ao atual, o princpio da ao deve ser ensinado em outro texto, onde a inteno primria ensinar assim. Por exemplo, usar a purificao do templo feita por Jesus para justificar a assim-chamada indignao justa dalgum usual-mente um eufemismo para a ira egosta abusar deste princpio. Do outro lado, podemos corretamente basear a experincia atual de falar em lnguas no somente no precedente (em Atos) como tambm no ensino sobre os dons espirituais em 1 Corntios 12 - 14. 3. Em questes da experincia crist, e at mais da prtica crist, os precedentes bblicos podem s vezes ser considerados padres repetveis ainda que no devam ser considerados normativos. especialmente o caso quando a prtica obrigatria mas seu modo no o . A deciso quanto a certas prticas ou padres serem repetveis deve ser orientada pelas seguintes consideraes. Primeiramente, o argumento mais forte possvel pode ser feito quando um s padro achado (embora devamos tomar cuidado em no dar importncia demasiada ao silncio), e quando aquele padro se repete dentro do prprio Novo Testamento. Em segundo lugar, onde h uma ambigidade de padres, ou quando um padro ocorre uma s vez, repetvel para cristos posteriores somente se parecer ter aprovao divina ou estiver em harmonia com aquilo que ensinado noutros lugares da Escritura. Em terceiro lugar, aquilo que culturalmente condicionado, ou no repetvel de modo algum, ou deve ser traduzido para a cultura nova ou diferente. Conseqentemente, luz destes princpios, podemos formar um argumento muito forte em prol da imerso como sendo o modo do batismo, um argumento mais fraco em prol da observncia da Ceia do Senhor todos os domingos, mas quase nenhum argumento a favor do batismo das crianas (este pode, naturalmente, ser argumentado a partir do precedente histrico na igreja, mas no to facilmente do precedente bblico, que a questo em pauta aqui). Da mesma forma, a funo do ministro cristo como sacerdote fracassa em todos os casos, em termos da sua base bblica. No imaginamos com isto que solucionamos todos os problemas, mas pensamos que so sugestes funcionais, e esperamos que levem voc a pensar exegeticamente e com maior preciso hermenutica enquanto ler as narrativas bblicas. [footnoteRef:6] [6: Gordon D. Fee. Entendes o que Ls?, 1984 Edies Vida Nova.]

Referencias

Gordon D. Fee e Douglas Stuart. Entendes o que Ls?, Um guia para entender a Bblia com auxlio da exegese e da Hermenutica. So Paulo: Edies Vida Nova, 2011.

1