hermeÊutica jurÍdica: uma questÃo itrigate

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Hermenêutica Jurídica: Uma questão intrigante ______________________________________________________________________ 1 ______________________________________________________________________ Consilium - Revista Eletrônica de Direito, Brasília n.4, v.1 maio/ago. de 2010. HERMEÊUTICA JURÍDICA: UMA QUESTÃO ITRIGATE Renata Malta Vilas-Bôas 1 Sumário: 1. Introdução. 2. Hermenêutica jurídica. 3 Interpretação jurídica. 4 Distinção entre hermenêutica e interpretação. 5. Problemas da interpretação jurídica: vaguidade e ambigüidade. 6. Quais as normas jurídicas sujeitas à interpretação ? 7. Quem deve fixar as regras de interpretação ? 8. Regras de Interpretação. 9. As fases do ciclo da interpretação. 10. Métodos de interpretação. 11. Sistemas de interpretação. 12. Classificação da interpretação. 13. Hermenêutica e interpretação constitucional. 13.1 Métodos de interpretação constitucional. 13.2 Princípios de interpretação constitucional. 14. Regras de interpretação constitucional. 15. Conclusão. Resumo: O presente trabalho versa sobre a hermenêutica jurídica e interpretação jurídica, duas questões extremamente importantes para o operador do direito, que precisa conhecê-las de forma adequada para poder compreender a própria ciência jurídica. Para podermos compreender um texto jurídico, faz-se necessário compreender as ferramentas que permitem que isso possa acontecer, aparecendo, assim, o papel da interpretação jurídica, mas antes de podermos utilizar as ferramentas – os métodos de interpretação – precisamos conhecê-los, surgindo assim o papel do hermeneuta que cria e apresenta essas ferramentas. Dessa forma, iremos verificar a distinção entre hermenêutica e interpretação (com seus conceitos, regras e estruturas próprias) e a interpretação constitucional e a infraconstitucional. Para ao final, concluirmos pela necessidade de aperfeiçoamento sempre nessa área do saber para que possamos acompanhar e evoluir no universo jurídico. 1 Advogada. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Professora atuando na Graduação e na Pós-Graduação nas disciplinas em Direito Processual, Introdução ao Estudo do Direito, dentre outras. Autora dos seguintes livros: Manual de Teoria Geral do Processo – 2ª. edição, Introdução ao Estudo do Direito, Metodologia de Pesquisa Jurídica, Docência Jurídica, Ações Afirmativas e o Princípio da Igualdade e Hermenêutica e Interpretação Jurídica. Articulista mensal da Revista Prática Jurídica. Ex-Diretora do Curso de Direito da Universidade Católica de Brasília.

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O presente trabalho versa sobre a hermenêutica jurídica e interpretaçãojurídica, duas questões extremamente importantes para o operador do direito, queprecisa conhecê-las de forma adequada para poder compreender a própria ciênciajurídica. Para podermos compreender um texto jurídico, faz-se necessário compreenderas ferramentas que permitem que isso possa acontecer, aparecendo, assim, o papel dainterpretação jurídica, mas antes de podermos utilizar as ferramentas – os métodos deinterpretação – precisamos conhecê-los, surgindo assim o papel do hermeneuta que criae apresenta essas ferramentas. Dessa forma, iremos verificar a distinção entrehermenêutica e interpretação (com seus conceitos, regras e estruturas próprias) e ainterpretação constitucional e a infraconstitucional. Para ao final, concluirmos pelanecessidade de aperfeiçoamento sempre nessa área do saber para que possamosacompanhar e evoluir no universo jurídico.1

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  • Hermenutica Jurdica: Uma questo intrigante ______________________________________________________________________

    1 ______________________________________________________________________

    Consilium - Revista Eletrnica de Direito, Braslia n.4, v.1 maio/ago. de 2010.

    HERMEUTICA JURDICA: UMA QUESTO ITRIGATE

    Renata Malta Vilas-Bas1

    Sumrio: 1. Introduo. 2. Hermenutica jurdica. 3 Interpretao jurdica. 4 Distino

    entre hermenutica e interpretao. 5. Problemas da interpretao jurdica: vaguidade e

    ambigidade. 6. Quais as normas jurdicas sujeitas interpretao ? 7. Quem deve fixar

    as regras de interpretao ? 8. Regras de Interpretao. 9. As fases do ciclo da

    interpretao. 10. Mtodos de interpretao. 11. Sistemas de interpretao. 12.

    Classificao da interpretao. 13. Hermenutica e interpretao constitucional. 13.1

    Mtodos de interpretao constitucional. 13.2 Princpios de interpretao constitucional.

    14. Regras de interpretao constitucional. 15. Concluso.

    Resumo: O presente trabalho versa sobre a hermenutica jurdica e interpretao

    jurdica, duas questes extremamente importantes para o operador do direito, que

    precisa conhec-las de forma adequada para poder compreender a prpria cincia

    jurdica. Para podermos compreender um texto jurdico, faz-se necessrio compreender

    as ferramentas que permitem que isso possa acontecer, aparecendo, assim, o papel da

    interpretao jurdica, mas antes de podermos utilizar as ferramentas os mtodos de

    interpretao precisamos conhec-los, surgindo assim o papel do hermeneuta que cria

    e apresenta essas ferramentas. Dessa forma, iremos verificar a distino entre

    hermenutica e interpretao (com seus conceitos, regras e estruturas prprias) e a

    interpretao constitucional e a infraconstitucional. Para ao final, concluirmos pela

    necessidade de aperfeioamento sempre nessa rea do saber para que possamos

    acompanhar e evoluir no universo jurdico.

    1 Advogada. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco UFPE. Professora atuando na Graduao e na Ps-Graduao nas disciplinas em Direito Processual, Introduo ao Estudo do Direito, dentre outras. Autora dos seguintes livros: Manual de Teoria Geral do Processo 2. edio, Introduo ao Estudo do Direito, Metodologia de Pesquisa Jurdica, Docncia Jurdica, Aes Afirmativas e o Princpio da Igualdade e Hermenutica e Interpretao Jurdica. Articulista mensal da Revista Prtica Jurdica. Ex-Diretora do Curso de Direito da Universidade Catlica de Braslia.

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    Consilium - Revista Eletrnica de Direito, Braslia n.4, v.1 maio/ago. de 2010.

    PalavrasChave: Hermenutica Jurdica. Interpretao Jurdica. Hermenutica

    constitucional. Princpios Constitucionais de interpretao.

    1. Introduo

    Com a atual dinamicidade do mundo moderno e a divulgao das normas

    jurdicas e o estudo da hermenutica jurdica e da interpretao jurdica, revela-se de

    extrema importncia, haja vista que nem sempre ao lermos um texto e, em especfico,

    um texto jurdico conseguimos compreender o seu significado e sua extenso. Dessa

    forma, os mtodos de interpretao se fazem necessrios para que possamos verificar

    qual o alcance da norma jurdica e qual a melhor interpretao diante do caso concreto.

    A proposta do presente trabalho a verificao da forma de interpretao

    constitucional e infraconstitucional. Tal constatao deve ser feita da mesma forma,

    utilizando as mesmas tcnicas, para tanto precisamos entender o que vem a ser a

    hermenutica e a interpretao jurdica.

    Entendemos que a hermenutica e a interpretao jurdica so os dois pilares

    estruturais da cincia jurdica. So essas duas estruturas fundamentais que vo fazer a

    diferena entre os juristas e os meros curiosos acerca do universo jurdico.

    2. Hermenutica Jurdica

    A expresso hermenutica s surgiu recentemente com a compreenso que

    temos dela hoje, porm, desde a Antigidade Clssica, como, por exemplo, os filsofos

    Plato e Aristteles, a hermenutica j era trabalhada e a forma que eles tinham de

    utiliz-la era por meio da lgica.

    importante ressaltar que essa expresso no um termo tcnico-jurdico, ou

    seja no exclusivo nem originrio do universo jurdico, podendo assim, relacionar-se

    com qualquer cincia. A hermenutica Jurdica a cincia auxiliar do direito que tem

    por objetivo estabelecer princpios e regras tendentes a tornar possveis a interpretao e

    a explicao no s das leis como tambm do direito como sistema. 2

    2 HERMENUTICA JURDICA. In: Dicionrio Jurdico. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1990, p. 226-227.

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    A Hermenutica Jurdica a cincia que estuda quais os mtodos de

    interpretao jurdica que podemos fazer. Assim a funo da hermenutica cientfica,

    abrindo novas possibilidades de mtodos interpretativos.

    Para Carlos Maximiliano, a hermenutica jurdica tem por objeto o estudo

    e a sistematizao dos processo aplicveis para determinar o sentido e o alcance da

    norma.3

    Conforme Renata Malta Vilas-Bas, podemos afirmar que:

    hermenutica jurdica uma cincia com um objeto especfico a

    sistematizao e o estabelecimento das normas, regras e;ou processos que

    buscam tornar possvel a interpretao e fixar o sentido e o alcance das

    normas jurdicas.4

    A hermenutica tambm muito utilizada em outras reas do conhecimento,

    assim temos, por exemplo, a hermenutica filosfica e a hermenutica literria.

    Dessa forma, podemos afirmar que

    HERMENUTICA JURDICA uma cincia com um objeto especfico, que a

    sistematizao e o estabelecimento das normas, regras e/ou processos que busca tornar

    possvel a interpretao e a inda busca fixar o sentido e o alcance das normas jurdicas.

    Nas palavras de Reis Friede, temos que:

    A hermenutica , por via de conseqncia, um processo dinmico, vivo e

    cclico, que alimenta, crescente e constantemente, os prprios mtodos de

    interpretao, procedendo, em ltima instncia, sistematizao dos processos

    aplicveis para determinar, ao final, o sentido verdadeiro e o alcance real das

    expresses do Direito.5

    3 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e aplicao do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 1. 4 VILAS-BAS, Renata Malta. Hermenutica e Interpretao Jurdica hermenutica constitucional. Braslia: Fundao Universa, 2003, p. 8. 5 FRIEDE, Reis. Cincia do Direito, +orma, Interpretao e Hermenutica Jurdica. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002, p. 154.

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    3. Interpretao Jurdica

    Interpretao um termo extremamente ambguo e polissmico, podendo ser

    dividido em duas categorias distintas, vejamos:

    O termo interpretao como sendo a extrao de um significado, neste caso

    estamos buscando e utilizando o sentido literal da palavra interpretada;

    O termo interpretao pode ainda significar a construo de um significado,

    nessa hiptese a palavra interpretada seria apenas o ponto de partida para

    desenvolvermos um raciocnio lgico.

    Ao buscarmos a conceituao de interpretao no dicionrio jurdico, temos que

    a interpretao a investigao metdica de uma lei, a fim de apreender-lhe o sentido

    no apenas gramatical, mas em funo lgica, sistemtica, histrica e teleolgica, ou

    seja, sua conexo harmnica com o sistema jurdico, o motivo por que foi feita e o

    intuito para que foi feita. Exegese, na moderna acepo. 6

    Conforme Carlos Maximiliano, Interpretar explicar, esclarecer; dar o

    significado o vocbulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um

    pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expresso; extrair, de

    frase, sentena ou norma, tudo o que a mesma contm.7

    Podemos, assim, afirmar que

    INTERPRETAO JURDICA a busca da extrao do sentido da norma

    jurdica. E onde se busca entender o contedo da norma jurdica, no s no aspecto

    gramatical, mas todos os outros possveis.

    6 INTERPRETAO. In: Dicionrio Jurdico. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1990, p. 303. 7 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e aplicao do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 7.

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    R. Limongi Frana conclui que a interpretao passa a ser a aplicao das regras

    que foram definidas anteriormente pela hermenutica, para que assim possamos

    desenvolver e entender os textos legais.8

    Conceituar o que vem a ser a interpretao uma tarefa difcil como ressalta

    Vicente Ro, haja vista que so diversas as doutrinas que tratam desse assunto. Dessas

    doutrinas, umas atribuem interpretao o fim de descobrir a vontade do legislador;

    outras, o de apurar o sentido, ou o esprito da lei considerada em si, como ser

    autnomo, desligado de seus prprios antecedentes histricos; outros, ainda, o de

    proteger e disciplinar as situaes de fato segundo as necessidades sociais do momento

    em que as normas so aplicadas; outras mais, o fim de uma livre investigao do

    direito, a fim de se criar a norma reputada mais conveniente ordem social.9

    Entendemos que a interpretao a aplicao dos mtodos desenvolvidos e

    criados no mbito da hermenutica, que busca extrair o sentido da norma jurdica

    contextualizando seu momento histrico. A prpria interpretao traz em seu bojo duas

    idias distintas, quais sejam:

    A interpretao como sendo a forma de se extrair o significado da

    expresso ou do vocbulo, ou ainda, a interpretao como sendo a construo de um

    significado, na qual a palavra interpretada seria o incio de todo um processo para se

    desenvolver o raciocnio lgico em cima da norma analisada.

    Para Machado Neto, a interpretao apresenta trs funes distintas que so:

    A interpretao tem como funo conferir a possibilidade de aplicao da norma

    jurdica s relaes sociais que lhe originaram;

    Tem tambm como funo estender, ampliar o sentido da norma as relaes

    novas que no existiam no momento da concepo e criao das normas; e

    8 FRANA, R. Limongi. Hermenutica Jurdica. So Paulo: Saraiva, 1997, p. 4. 9 RO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5. Ed.,1999, p. 463.

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    A interpretao tem ainda a funo de temperar o alcance do preceito

    normativo de forma que ele venha a corresponder s necessidade reais e atuais

    de carter social.10

    4. Distino entre Hermenutica e Interpretao

    O conceito de interpretao difere do de hermenutica apesar de, ainda hoje,

    encontrarmos alguns, poucos, doutrinadores que fazem essa confuso conceitual.

    Celso Ribeiro Bastos consegue diferenciar a hermenutica jurdica da

    interpretao jurdica de forma magistral. Para esse jurista, a hermenutica jurdica seria

    o conjunto de tintas disponveis, sendo assim, o hermeneuta, busca encontrar e produzir

    as mais variadas nuances de cores de tintas. Por sua vez, o intrprete agiria como um

    pintor que diante daquelas possibilidades apresentadas pelas tintas iria utiliz-las para

    apresentar uma obra-prima.11

    10 MACHADO Neto, A. L. Compndio de Introduo Cincia do Direito. So Paulo: Saraiva, 1975, p. 216-217 11 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenutica e Interpretao Constitucional. So Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, p. 35.

    Vou pintar um quadro. Quais cores usar ?

    Esse o intrprete agindo ...

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    Dessa forma, a HERMENUTICA JURDICA difere da interpretao jurdica

    no momento em que no primeiro caso estamos lidando com uma cincia auxiliar do

    direito que busca nos dizer QUAIS SO as formas de se buscar o entendimento das

    normas jurdicas, enquanto que a INTERPRETAO JURDICA passa a ser a

    aplicao dessas formas no texto legal concreto para se buscar o sentido das normas

    jurdicas.

    Nas palavras magistrais de Vicente Ro, temos que:

    A hermenutica tem por objeto investigar e coordenar, por meio sistemtico,

    os princpios cientficos e leis decorrentes que disciplinam a apurao do

    contedo, do sentido e dos fins das normas jurdicas e a restaurao do conceito

    Esse o hermeneuta agindo ...

    Descobrimos mais um mtodo de interpretao

    !!!! Depois de

    muito pensar, cheguei a

    concluso que podemos interpretar a norma atravs do novssimo mtodo X !!!

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    orgnico do Direito, para efeito de sua aplicao; a interpretao, por meio de

    regras e processos especiais, procurando realizar, praticamente, estes princpios

    e estas leis cientficas; a aplicao das normas jurdicas consiste na tcnica de

    adaptao dos preceitos, nelas contidos e assim interpretados, s situaes de

    fato que se lhes subordinam.

    Fixando os precisos termos dessa distino, no queremos significar, entretanto,

    que hermenutica, interpretao e aplicao constituem-se em trs disciplinas

    inteiramente distintas, sem ligao, nem recproca dependncia.

    Ao contrrio, aquilo que as distingue, to-somente, a diferena que vai entre a

    teoria cientfica, sua prtica e os diferentes modos tcnicos de sua aplicao.

    Em substncia, entre elas existe uma unidade conceitual e uma continuidade,

    que devem ser devidamente consideradas, pois o Direito Terico, Normativo ou

    Aplicado, sempre e precipuamente uma cincia 12

    Sendo assim, entendemos que hermenutica jurdica e interpretao jurdica so

    duas expresses distintas que no devem ser utilizadas como sinnimos, porm

    precisamos ressaltar que h uma corrente minoritria que no apresenta o mesmo

    entendimento.

    5. Problemas da Interpretao Jurdica: Vaguidade e Ambigidade

    No mbito do Direito, ao buscarmos a interpretao jurdica, nos

    deparamos com dois problemas distintos e perigosos que so a vaguidade e a

    ambigidade, j que os dois geram incertezas e dvidas.

    A ambigidade, nas palavras magistrais de Plcido e Silva, derivado do

    vocbulo latino ambigus (equvoco, duvidoso, incerto, varivel, com dois sentidos), vem

    precisamente indicar a disposio legal ou texto de lei, ou clusula contratual que

    possa mostrar um duplo sentido. Desse modo, diz-se que a lei ambgua, ou h

    12 RO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Revista dos Tribunais, p. 1999, p. 456.

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    ambigidade, quando, por defeito ou falta de clareza de sua redao, se possa ter

    dvida em relao a seu verdadeiro sentido, ou possa ser interpretado de diferentes

    maneiras.13

    A vaguidade gera a incerteza com relao aos limites de seu significado,

    at onde estar o alcance da norma jurdica a ser interpretada.

    6. Quais as normas jurdicas sujeitas interpretao ?

    Com relao a esse questionamento, hoje a doutrina unnime em

    responder que todas as normas jurdicas so passveis de interpretao, sejam elas

    constitucionais ou infraconstitucionais. At mesmo as normas jurdicas no escritas,

    como os costumes os princpios gerais do direito esto sujeitas interpretao.

    Nem aquelas normas jurdicas entendidas como sendo claras e bvias esto

    sujeitas interpretao, j que at mesmo a clareza um conceito relativo, j que algo

    que claro hoje, com o passar do tempo pode se tornar obscuro e sem sentido, por

    exemplo.

    No adotamos, assim, a idia que diante da clareza a interpretao se cessa.

    O brocardo jurdico in claris cessat interpretatio (a interpretao cessa quando o texto

    claro), apesar de estar em latim no tem a sua origem no direito romano. O jurisconsulto

    Ulpiano demonstra exatamente ao contrrio, mesmo a lei clara precisa ser interpretada.

    Associamos-nos ao pensamento de Perelman que defende que:

    mas quando se poder dizer que um texto claro ? Quando claro o

    sentido que o legislador antigo lhe deu ? Quando o sentido que se lhe d

    claro para o juiz ? Quando os dois sentidos claros coincidem ? 14

    Conforme Carlos Maximiliano, no iremos somente interpretar os textos

    que so obscuros ou considerados defeituosos, temos que interpretar todas as normas

    13 De Plcido e Silva. Vocabulrio Jurdico. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 102-103. 14 PERELMAN, Chaim. tica e Direito. So Paulo: Editora Martins Fontes, 1996, p. 622.

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    jurdicas, sejam elas obscuras ou claras, deficientes ou perfeitas, ambguas ou isentas de

    controvrsia15.

    certo que determinados ramos do direito no permitem uma extenso

    muito grande em sua interpretao, mas nem por isso o intrprete deve deixar de faz-

    lo, mesmo por que em determinadas situaes o que est claro leva a uma injustia,

    sendo assim, necessrio a sua interpretao.

    7. Quem deve fixar as regras de interpretao ?

    Conforme a doutrina majoritria, cabe aos doutrinadores e jurisprudncia

    fixar os critrios de interpretao, justificando da seguinte forma:

    a) porque, resultantes da cincia jurdica pura, ou da atividade dos juzes e

    tribunais, esses ditames no permanecem inertes, antes acompanham todas

    as transformaes e vicissitudes da vida social, o que no aconteceria se

    fossem consolidadas em leis; e

    b) porque, se em leis transformassem, as prprias normas interpretativas

    precisariam ser interpretadas, criando-se, dessarte, um verdadeiro crculo

    vicioso 16

    Apesar dessa ser a corrente majoritria, encontramos um grupo de

    doutrinadores que se posicionam que as regras de interpretao devem estar previstas

    nos cdigos e em normas especficas, de tal sorte que as regras de interpretao iro ter

    a mesma fora normativa que as demais normas jurdicas.

    8. Regras de Interpretao

    So trs as espcies de regras de interpretao jurdica: as legais, as

    cientficas e as da jurisprudncia, vejamos cada uma delas:

    15 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e Aplicao do Direito. 19. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007, p. 29. 16 RO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Revista dos Tribunais, p. 1999, p. 464. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e Aplicao do Direito. 19. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007, p. 78-79.

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    8.1. As Regras Legais de Interpretao

    Encontra-se previsto no art. 4. e 5. Da Lei de Introduo ao Cdigo Civil

    as regras de interpretao das normas jurdicas:

    Art. 4. Quando a lei for omissa, o juiz decidir o caso de acordo com a

    analogia, os costumes e os princpios gerais do direito.

    Art. 5. Na aplicao da lei, o juiz atender aos fins sociais a que ela se dirige

    e s exigncias do bem comum.

    Nos posicionamos no sentido de que alm desses dois artigos da LICC

    para interpretar uma norma jurdica para poder buscar o sentido correto da norma, temos

    ainda que verificar o resultado da interpretao levando em considerao a nossa Carta

    Magna, em seu artigo 3 que estabelecem que constituem objetivos fundamentais da

    Repblica Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidria;

    garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir

    as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de

    origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao.

    8.2. Regras Cientficas de Interpretao

    Vrios so os doutrinadores que se debruaram para estudar e delinear as

    regras de interpretao. Dentre os doutrinadores que se destacam podemos citar as

    regras clssicas de Justiniano, a quem devemos o Corpus Iuris Civilis. J atualmente

    podemos citar as regras criadas por Carlos de Carvalho em sua clssica obra +ova

    Consolidao das Leis Civis. Vejamos:

    Caput A ementa de lei facilita sua inteligncia.

    1. +o texto da lei se entende na haver frase ou palavra intil, suprflua ou

    sem efeito;

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    2. Se as palavras da lei so conformes com a razo devem ser tomadas no

    sentido literal e as referentes no do mais direito do que aquelas a que se

    referem;

    3. Deve-se evitar a supersticiosa observncia da lei que, olhando, s a

    letra dela, destri a sua inteno.

    4. O que conforme ao esprito e letra da lei se compreende na sua

    disposio.

    5. Os textos da mesma lei devem-se entender uns pelos outros; as

    palavras antecedentes e subseqentes declaram o seu esprito;

    6. Devem concordar os textos das leis, de modo a torn-los conforme e

    no contraditrios, no sendo admissvel a contradio ou

    incompatibilidade neles.

    7. As proposies enunciativas ou incidentes da lei no tm a mesma

    fora que as suas decises;

    8. Os casos compreendidos na lei esto sujeitos Pa sua disposio, ainda

    que no os especifique, devendo proceder-se de semelhante a semelhante, e

    dar igual inteligncia s disposies conexas.

    9. O caso omisso na letra da lei se compreende na disposio quando h

    razo mais forte.

    10. A identidade de razo corresponde mesma disposio de direito.

    11. Pelo Esprito de umas se declara o das outras, tratando-se de leis

    anlogas.

    12. As leis conformes no seu fim devem ter idntica execuo e no podem

    ser entendidas de modo a produzir decises diferentes sobre o mesmo

    objeto.

    13. Quando a lei no fez distino o intrprete no deve faz-la,

    cumprindo entender geralmente toda a lei geral.

    14. A eqidade de direito natural e no permite que algum se locuplete

    com jactura alheia.

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    15. Violentas interpretaes constituem fraude da lei 17

    8.3. Regras da Jurisprudncia para Interpretao Jurdica

    Quem mais se preocupou em compilar as regras de jurisprudncia foi

    Washington de Barros Monteiro, que entre outras apresentou as seguintes regras:

    a) Na interpretao deve-se sempre preferir a inteligncia que faz sentido

    que no faz.

    b) deve-se preferir a inteligncia que melhor atenda tradio do direito.

    c) deve ser afastada a exegese que conduz ao vago, ao inexplicvel, ao

    contraditrio e ao absurdo.

    d) h que se ter em vista o eo quod plerumque fit, isto , aquli que

    ordinariamente sucede no meio social.

    e) Onde a lei no distingue, o intrprete no deve igualmente distinguir.

    f) todas as leis excepcionais ou especiais devem ser interpretadas

    restritivamente.

    g) tratando-se porm, de interpretar leis sociais, preciso ser temperar o

    esprito do jurista, adicionando-lhe certa dose de esprito social, sob pena de sacrificar-

    se a verdade lgica.

    h) em matria fiscal, a interpretao se far restritivamente.

    i) deve ser considerado o lugar onde ser colocado o dispositivo, cujo

    sentido deve ser fixado 18

    17 CARVALHO, Carlos de. +ova Consolidao das Leis Civil. 1899 APUD FRANA, R. Limongi. Hermenutica Jurdica. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1997, p.27-28. 18 MONTEIRO, Washington B. Curso de Direito Civil. Vol. I, p. 43.

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    9. As Fases do Ciclo da Interpretao

    Quando vamos realizar a interpretao, faz-se necessrio realizar cinco

    operaes, fases ou etapas, so elas:

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    Cumpre-nos ressaltar que o escopo principal da crtica formal apurar a

    sua autenticidade, se ela realmente existe no universo jurdico, isso se foi publicado no

    Nessa primeira etapa, devemos observar o que ocorreu na sua individualidade concreta, conforme o seu contedo de esprito e pensamento e de conformidade com o sentimento que recebe no ambiente social em que se verifica. uma operao preliminar que ir se realizar no ambiente social.

    Diagnstico do Fato

    Diagnstico Jurdico

    Interpretao da Norma

    Crtica Formal e a Crtica Substancial

    Aplicao ou Adaptao

    Nessa segunda etapa, observa-se e confronta-se o direito que ir submet-la a uma qualificao jurdica. Pergunta-se a qual ramo do direito pertence aquele problema. Quais as partes envolvidas ? Por que aconteceu e porque aconteceu daquela forma especfica. So alguns dos diversos questionamentos que so feitos para que se possa fazer uma qualificao jurdica.

    Na terceira fase do processo de interpretao, iremos realizar a crtica formal, que a verificao formal da existncia da lei, para isso necessrio que o juiz verifique se a lei existe (plano de existncia) Iremos ainda realizar a crtica substancial que a verificao da validade e da vigncia da norma jurdica (plano de validade),.

    J na quarta fase, iremos realizar a interpretao utilizando os princpios e as leis cientficas criadas e estabelecidas pela hermenutica.

    Na quinta e ltima fases, iremos realizar a adaptao do preceito normativo ao caso concreto.

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    Dirio Oficial, se est devidamente assinada, dentre outros requisitos previstos no

    processo legislativo.

    Doutrinariamente, a crtica formal distingue-se entre superior em inferior.

    Crtica Formal Superior: Quando se analisa os documentos em seu

    todo investigando a sua autoria, sua autenticidade e sua ligao com

    os demais documentos;

    Crtica Formal Inferior: Nesse caso iremos somente analisar o texto

    legal em que a norma encontra-se inserida.

    J a crtica substancial da norma jurdica tem por escopo principal analisar

    detalhadamente os requisitos referentes legitimidade e eficcia das normas jurdicas.

    Dessa forma, investiga-se: se a norma foi elaborada, sancionada, promulgada e

    publicada pelo poder competente e esse este poder manteve-se dentro da esfera de sua

    competncia. Se est respeitando a natureza hierrquica das normas jurdicas. Se a

    norma jurdica est em vigor ou se ela foi revogada, ou se ela de natureza temporria.

    Se a norma de natureza cogente ou se de natureza dispositiva19. Dentre outros

    questionamentos.

    10. Mtodos de Interpretao

    So diversos os mtodos interpretativos e os operadores do direito no esto

    obrigados a realizarem todas as formas de interpretao antes de chegarem a uma

    concluso. E por isso que as decises judiciais, baseadas no mesmo fato, sob o

    auspcio da mesma norma jurdica, pode apresentar uma deciso diferenciada entre

    juzes, porque o entendimento, a interpretao deles a cerca da norma jurdica pode ser

    divergente, com base nos mtodos que o magistrado adotou ou deixou de utilizar.

    Abordaremos, nesse ponto, os mtodos clssicos de interpretao, assim

    considerados por serem os primeiros a serem trabalhados e desenvolvidos. Os mtodos

    modernos de interpretao, na realidade, so uma aglutinao dos mtodos clssicos;

    sendo assim, se no mtodo clssico podemos encontrar o mtodo sistemtico e o

    mtodo lgico, nos mtodos modernos de interpretao estaremos tratando do mtodo

    lgico-sistemtico. 19 RO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Revista dos Tribunais, p. 1999, p. 463.

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    10.1. Mtodo Gramatical ou Literal ou Semntica

    Por meio deste mtodo, o intrprete busca o sentido literal da norma jurdica.

    Em um primeiro momento, o intrprete dever dominar o idioma em que a norma

    jurdica foi produzida e assim estabelecer uma definio; neste primeiro momento o

    intrprete buscaria fixar qual o sentido dos vocbulos do texto normativo. Sendo assim,

    a definio jurdica buscaria conciliar o aspecto onomasiolgico da palavra20 e o

    semasiolgico21. Dessa forma, o intrprete consultaria um dicionrio comum e ainda um

    dicionrio jurdico para verificar se nos dois universos lingsticos a palavra apresenta o

    mesmo significado. Alm de buscar fixar o sentido de cada uma das palavras que

    compe a norma jurdica, busca-se verificar, tambm, a sintaxe da norma jurdica,

    observando assim, a pontuao, colocao e escolha dos vocbulos dentre outros

    aspectos. Deve, ainda, o interprete manter-se atento s seguintes normas:

    Caso a expresso tenha um sentido comum e um sentido tcnico deve-se dar

    preferncia ao sentido tcnico a no ser que dentro do contexto daquela norma

    jurdica especfica este sentido tcnico no caiba;

    Verificar em que contexto maior est inserida aquela norma analisada, ou seja,

    preciso contextualiz-la;

    Na hiptese de existir uma contradio entre o sentido gramatical e o sentido lgico,

    o sentido lgico dever prevalecer;

    A norma jurdica dever estar de acordo com a Lei onde ela est inserida;

    A expresso dever ser analisada e interpretada levando-se em considerao as

    demais expresses inseridas na norma jurdica;

    Na hiptese de encontrarmos expresses com sentidos diversos caber ao intrprete

    fixar-lhe o melhor e mais adequado sentido22.

    Para Cssio, os critrios a serem utilizados para a aplicao do mtodo

    gramatical, so os seguintes:

    20 O uso corrente do termo para a designao do fato. 21 A sua significao normativa. 22 DINIZ, Maria Helena. Compndio de Introduo Cincia do Direito. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 425-426.

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    Verbis tenaciter inhaerendum; verba cum effectu sunt accipienda: toda palavra tem

    valor exato, no h nado ocioso na lei, nada sobra nela, a lei no contm palavras

    inteis;

    Ubi voluit dizit, ubi non voluit non dixit: toda omisso intencional;

    In claris non fit interpretario: sendo claro o teor da lei no se deve avanar mais na

    interpretao.23

    10.2. Mtodo Lgico

    O mtodo lgico, por sua vez, busca desvendar o sentido e o alcance das

    normas jurdicas, estudando-a atravs de raciocnios lgicos. Os procedimentos desta

    tcnica, segundo Trcio Sampaio Ferraz Jr.24 So trs:

    Atitude Formal: A atitude formal expressa-se no momento em que se

    preocupa em verificar a existncia e se for o caso resolver eventuais

    incompatibilidades, utilizando-se para isso regras formais. Ou seja, busca-se

    aqui estabelecer normas jurdicas que venham a solucionar situaes de

    incompatibilidades antes que os casos reais ocorram. um momento em que

    se busca prever quais as solues na hiptese de surgir eventuais

    incompatibilidades.

    Atitude Prtica: A atitude prtica por sua fez visa evitar as

    incompatibilidades a medida que elas forem surgindo no universo jurdico e

    real.

    Atitude Diplomtica: A atitude diplomtica faz com que o intrprete, com o

    intuito de evitar uma incompatibilidade em um determinado momento e em

    razo de uma norma jurdica especfica, crie uma soluo nica para aquele

    nico caso, resolvendo assim, aquele nico conflito.

    23 OLIVEIRA, J.M. Leoni Lopes de. Introduo ao Direito. 2. Edio. Rio de Janeiro: Editora Lmen Jris, 2006, p. 228. 24 FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. A Cincia do Direito. So Paulo: Atlas, 1980, p. 77-79.

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    10.3. Mtodo Sistemtico

    Com o auxlio dessa tcnica, iremos analisar a norma jurdica dentro do

    contexto em que ela est inserida, relacionando-as com as demais normas do mesmo

    sistema jurdico, podendo ser o legal ou no. Segundo o conselho de Horst

    Bartholomeyzik25 na leitura da norma jurdica, +U+CA se deve ler o segundo

    pargrafo sem antes ter lido o primeiro, nem deixar de ler o segundo depois de ter lido

    o primeiro; +U+CA se deve ler um s artigo, leia-se tambm o artigo vizinho.

    Dessa forma, devemos sempre comparar e analisar os textos normativos que

    tratam do mesmo objeto da norma jurdica analisada, caso contrrio correremos o risco

    de realizar uma interpretao limitada e at imprpria por no considerarmos todo o

    universo envolvido. No entendimento de Glauco Barreira Magalhes Filho, temos que A

    interpretao sistemtica a interpretao da norma luz das outras normas e do

    esprito (principiologia) do ordenamento jurdico, o qual no a soma de suas partes,

    mas uma sntese (esprito) delas. A interpretao sistemtica procura compatibilizar a

    partes entre si e as partes com o todo a interpretao do todo pelas partes e das

    partes pelo todo.26

    Esse mtodo apresenta algumas tcnicas e dentre elas convm ressaltar:

    A norma jurdica deve ser examinada na sua ntegra e tambm inserida no

    ordenamento jurdico;

    preciso comparar a norma jurdica com outros afins, que compem o mesmo

    instituto jurdico, e ainda, com outros institutos anlogos;

    A norma jurdica analisada deve ser confrontada com outras normas de igual

    hierarquia e de hierarquia superior, e ainda devemos compar-la com os Princpios

    Gerais do Direito, com o Direito Comparado e com todo o conjunto do sistema

    jurdico.

    25 BARTHOLOMEYZIK, Horts. Die Kunst der Gesetzauslegung. Frankfurt, 1971, p. 32, apud, DINIZ, Maria Helena. Compndio de Introduo Cincia do Direito. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 427. 26 MAGALHES FILHO, Glauco Barreira. Hermenutica Jurdica Clssica. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p.37.

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    10.4. Mtodo Filolgico

    Este mtodo controvertido, pois alguns doutrinadores entendem que a

    interpretao filolgica deve ser inserida dentro da interpretao gramatical, porm

    Savigny considera que ela se encontra presente no mtodo histrico. Esse doutrinador

    subdivide o mtodo histrico em duas espcies distintas, a interpretao histrica

    propriamente dita e a interpretao histrica em sentido filolgico. O mtodo filolgico

    vem a ser a interpretao dos textos jurdicos luz da tradio ou sentido histrico das

    palavras. A filologia faz a anlise e considera o sentido das palavras no tempo.27

    10.5. Mtodo Histrico

    Este mtodo permite que o intrprete possa empreender a pesquisa gentica

    da norma, pois, usando esse mtodo, o intrprete ir buscar os antecedentes da norma.

    Dessa forma, o intrprete ir considerar os motivos que levaram elaborao da norma

    jurdica, quais os interesses dominantes que esta norma jurdica buscava resguardar.

    Esse mtodo v o Direito como sendo um produto histrico, oriundo da vida social e,

    desta forma, capaz de adaptar-se as novas condies e realidades sociais.

    Esse mtodo foi desenvolvido por Savigny que trouxe para o Universo

    Jurdico o mtodo histrico utilizado nas cincias histrica. Este jurista tinha como

    objetivo elevar o Direito categoria de cincia do esprito, da o nome de sua Escola:

    Escola Histrica do Direito.28

    10.6. Mtodo Sociolgico

    27 MAGALHES FILHO, Glauco Barreira. Hermenutica Jurdica Clssica. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p.39. 28 MAGALHES FILHO, Glauco Barreira. Hermenutica Jurdica Clssica. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p.39.

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    O mtodo sociolgico apresenta trs objetivos distintos. So eles:

    Objetivo Eficacial: Por este objetivo, temos que o mtodo sociolgico confere

    aplicabilidade norma jurdica diante dos fatos sociais por ela previsto, dando-lhe

    eficcia.

    Objetivo Atualizador: Este segundo objetivo do mtodo sociolgico de

    interpretao da norma jurdica aquele ligado sua atualizao. Esse segundo

    objetivo est diretamente relacionado como o mtodo histrico, sendo assim,

    teramos uma interpretao histrico-evolutiva que possibilita uma elasticidade

    maior da norma jurdica, ou seja, permite que ela venha a abranger situaes novas

    antes no contempladas, que no foram previstas pelo Legislador.

    Objetivo Transformador: O terceiro objetivo, por sua vez, confere ao mtodo

    sociolgico um carter reformador que busca satisfazer os anseios pela justia, ao

    atendimento das exigncias do bem comum, conforme previsto no artigo 5 da Lei

    de Introduo ao Cdigo Civil.

    10.7 Mtodo Teleolgico ou Finalstico

    Este mtodo tem como objetivo a interpretao da norma jurdica a partir do

    fim social que ela almeja. Desta forma, a norma jurdica seria um meio ou o meio

    adequado para se atingir um fim desejado.

    A interpretao teleolgica oriunda do jurista Ihering que defende que o

    Direito no evolui espontaneamente contrapondo-se ao pensamento de Savigny mas,

    sim, pela luta. As conquistas oriundas dessa luta so traduzidas em interesses que

    passam a ser protegidos e integrar a ordem jurdica sob a forma dos direitos subjetivos.

    Dessa forma, no entender de Ihering, as normas jurdicas devem ser consideradas em

    razo dos interesses que ela pretende proteger.

    10.8 Mtodo Deontolgico

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    Esse mtodo tem como objetivo interpretar a norma jurdica levando em

    considerao os conceitos de moral e justia. Assim deve-se interpretar a norma jurdica

    verificando se ela uma norma justa ou injusta.

    10.9 Mtodo Integral ou Interpretao Escalonada

    No considerado por todos os doutrinadores como sendo um mtodo de

    interpretao. Para alguns, trata-se apenas de um procedimento de uma etapa. Esse

    mtodo deve ser sempre seguido pelo intrprete que afirma que somente poder realizar

    uma outra interpretao da norma jurdica aps ter primeiro terminado de realizar a

    interpretao gramatical. Somente depois de ter analisado todos os aspectos da

    interpretao gramatical que se pode prosseguir na anlise das demais formas

    interpretao.

    10.10 Interpretao Modificativa

    Para Enneccerus e outros doutrinadores, eles acrescentam, ainda, entre as

    diversas formas de interpretao, a interpretao modificativa.

    Para seus adeptos a regra fundamental :

    se uma disposio abrange casos e conseqncias no conhecidas nem

    previstas pelo legislador e que, racionalmente, se ele houvesse previsto ou

    conhecido, no teria regulado pelo modo declarado, -nos facultado

    desenvolver a norma segundo a sua prpria idia fundamental e de acordo

    com as necessidades e experincias da vida, a no ser que a tanto

    decisivamente se oponham as exigncias da segurana do direito (isto e, o

    interesse de sua estabilidade) 29

    Cabe ressaltar que para a realizao dessa forma de interpretao faz-se

    necessrio que se aplique anteriormente todos os demais mtodos de interpretao para

    29 RO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 498.

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    assim verificar-se primeiramente quais as situaes que originou a norma e como o

    legislador as regulamentou. Somente aps essa primeira interpretao, que se pode

    concluir que as interpretaes at ento realizadas no so mais capazes de atender a

    atualidade. Dessa forma, temos que, sem contradizer o entendimento originrio da

    norma deve-se dar uma interpretao que melhor coadune com a atualidade, atendendo

    assim as necessidades reais e sociais.

    11. Sistemas de Interpretao

    Quando verificamos os sistemas de interpretao observamos a existncia

    de trs sistemas distintos, so eles:

    11.1 Sistema Dogmtico, Exegtico, Jurdico Tradicional ou Sistema

    Francs

    Ao analisarmos esse sistema, percebemos que ele acaba se subdividindo

    em duas categorias especficas, vejamos:

    a) Extremada: Defendida pelo jurista francs Laurent, parte do

    pressuposto que a lei clara assim o intrprete deve-se ater a realizao da interpretao

    gramatical e lgica somente, j que a letra a frmula do pensamento e dizer que

    esse pensamento ser outro que no aquele expresso no texto claro e formal, acusar o

    legislador de uma leviandade que no se lhe pode imputar Dessa forma, o intrprete

    no pode reformar a lei, devendo simplesmente explic-la.30

    b) Moderada: Defendida entre outros por Baudry-Lacantinerie. Para seus

    adeptos, alm da interpretao gramatical e da lgica deve-se fazer uma interpretao

    sistemtica para poder compreender o alcance da norma jurdica.

    11.2 Sistema Histrico-Evolutivo

    O sistema histrico-evolutivo ou simplesmente sistema evolutivo possui

    como defensor Savigny, fundador da Escola Histrica do Direito. Para ele deveria ser

    30 FRANA, R. Limongi. Hermenutica Jurdica. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1997, p.14-15.

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    realizado uma interpretao completa, especificamente aplicando-se as interpretaes

    Gramatical, lgica, sociolgica, histrica, sistemtico e teleolgica.

    11.3 Sistema da Livre Pesquisa ou da Livre Formao do Direito

    A corrente da Livre Formao do Direito veio a contrapor-se ao mtodo

    tradicional da Escola da Exegese. Conforme analisamos nos itens anteriores, o mtodo

    da escola da exegese estava completamente dominada e restrita as leis. Dessa forma, era

    impossvel adaptar-se s novas exigncias da modernidade. J a corrente do Direito

    Livre permite que o intrprete tenha ampla liberdade na aplicao do direito. Para os

    defensores dessa corrente, poderia o juiz abandonar a norma jurdica caso essa norma

    no fosse capaz de apresentar uma soluo justa para o caso concreto. Dessa forma,

    tinha-se que caso a lei fosse considerada justa poderia vir a ser aplicada, caso contrrio

    deveria julgar conforme a justia.

    Essa doutrina no deveria ser aplicada ao Direito Penal em razo do

    Princpio da Reserva legal, porm, poderia ser aplicado aos demais ramos do direito,

    assim o juiz possua o poder de marginalizar leis de criar normas para casos

    especficos.31 Essa doutrina passou por trs fases ou momentos distintos para o seu

    desenvolvimento, a primeira fase datada entre 1840 a 1900 tem como precursores

    Blow, Stobbe, Bekker, dentre outros.

    Na primeira fase, seus precursores entediam que o juiz deveria exercer a

    sua atividade sem dependncia da norma jurdica e sempre se baseando no estudos dos

    fatos e de acordo com as exigncias da lgica.

    J na segunda fase que se iniciou no sculo XX e durou apenas seis anos, o

    jurista austraco Eugen Erhlich defendeu em sua obra Livre determinao do direito e a

    cincia jurdica livre, de 1903, que ao juiz deveria ser permitido que ele tivesse plena

    liberdade na falta de norma jurdica, seja ela escrita ou costumeira. Assim a atividade

    criadora do juiz somente existiria diante da lacuna da norma jurdica. Essa segunda fase

    considerada moderada.

    31 NADER, Paulo. Introduo ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007, p. 285.

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    Na terceira fase, que iniciou em 1906, temos a publicao da obra de

    Kantorowicz intitulada A luta pela cincia do direito na qual defendia a tese de que o

    direito livre deveria ser considerada como um direito natural rejuvenescido j que o juiz

    deveria atuar em razo da justia e, portanto, poderia ser baseada tanto na norma quanto

    fora dela. Dessa feita, o intrprete deveria desprezar todas aquelas normas que no

    estivessem em consonncia com os ideais de justia, devendo-se, assim, interar-se e

    inspirar-se na sociologia e sempre orientado pela sua conscincia jurdica.

    Atualmente, podemos vislumbrar o Direito Livre na idia do uso

    alternativo do direito ou Direto Alternativo.

    Esse sistema apresenta subdivises, conforme veremos a seguir:

    a) Romntica: Essa corrente encontra-se esposada no Magistrado

    Magnaud cujas sentenas ficaram celebras pela total libertao das normas, assim nas

    palavras de Serpa Lopes, o Direito por ele distribudo tinha a colorao de suas idias

    polticas ou cunho dos seus pendores sentimentais 32

    b) Cientfica: J os adeptos dessa corrente encontra entre seus adeptos

    Ihering, Khler, dentre outros. Ela se subdivide em Extremada e Moderada. A

    extremada deve como adeptos Stammler e Sitelmann, enquanto que a Moderada temos

    entre seus adeptos Franois Gny.

    12. Classificao da Interpretao

    Podemos classificar a interpretao jurdica realizada quanto aos efeitos

    produzidos e com relao aquele que realizou a interpretao assim tempos que:

    12.1 Classificao da Interpretao Quanto aos seus Efeitos

    Ao realizarmos a interpretao de qualquer norma jurdica, utilizando um ou

    vrios mtodos de interpretao, iremos produzir efeitos diferenciados; assim, se

    somente utilizamos a interpretao gramatical o resultado apresentado provavelmente

    ser diferenciado se utilizarmos os mtodos gramatical, lgico, histrico, sociolgico e

    sistemtico.

    32 FRANA, R. Limongi. Hermenutica Jurdica. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1997, p.18.

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    Dessa feita, para cada interpretao realizada, teremos por conseqncia

    efeitos diferenciados com relao ao alcance da norma jurdica, sendo assim

    apresentamos a seguir os trs efeitos existentes:

    Interpretao Restritiva: ao interpretarmos a norma jurdica

    restritivamente, estamos dizendo que somente o que est contida na norma jurdica

    estar em vigor, nada mais poder ser acrescentado, limitando a incidncia da norma

    jurdica e ainda diminuindo o seu contedo. Nesse caso, estamos diante de uma situao

    em que a norma jurdica ela diz mais do que realmente quer dizer, sendo assim, deve ser

    limitado o seu alcance.

    Interpretao Extensiva: essa forma de interpretao amplia o

    universo do que est disposto na norma jurdica;

    Interpretao declarativa: quando ir apenas declarar a vontade

    da norma, sem que haja necessidade de se ampliar ou diminuir o efeito da interpretao.

    12.2 Classificao da Interpretao Quanto ao Agente

    Podemos classificar a forma de interpretao quanto quele que faz a

    interpretao, sendo assim temos que:

    Autntica

    Judicial

    Pblica Administrativa

    Quanto ao Agente Usual

    Privada

    A interpretao autntica aquela que realizada pelo prprio rgo que

    criou a norma jurdica. J a interpretao Judicial aquela realizada pelo Poder

    Judicirio. Alguns doutrinadores tambm a chama de doutrinal.

    A interpretao Administrativa aquela realizada pelo Poder Executivo.

    Pode ser do tipo Regulamentar ou do tipo Casustica. Regulamentar aquela oriunda do

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    Poder Regulamentar do Direito Administrativo que permite que o agente ou funcionrio

    pblico possa criar normas jurdicas dentro do seu mbito de atuao. Como, por

    exemplo, os decretos, as portarias, as instrues ministeriais etc. J a interpretao

    casustica aquela normalmente realizada pela consultoria jurdica do rgo pblico, no

    qual o administrador para poder executar as suas medidas, realizada consultas

    especficas para poder esclarecer dvidas, com relao ao entendimento de

    determinadas normas jurdicas.

    A interpretao Usual surgiu com Savigny e aquela que advm do

    Direito Consuetudinrio, conforme o Cdigo de Direito Cannico art. 29 que

    estabelece que Consuetudo est optima legum interpres - O costume timo intrprete

    da lei.

    A interpretao Privada ou Doutrinria aquela realizada pelos

    doutrinadores, pelos juristas. Andr Franco Montoro33, em sua obra, ao analisar a

    interpretao quanto ao agente classifica da seguinte forma:

    Judiciria ou Usual: aquela realizada

    pelos juzes ao proferir a sentena.

    Legal ou Autntica: aquela realizada

    pelo prprio legislador que, mediante a

    criao de uma nova norma jurdica,

    chamada lei interpretativa, ir interpretar

    a anterior.

    Quanto Origem

    Administrativa: aquela realizada pelos

    rgos da administrao pblica.

    Doutrinria ou Cientfica: aquela

    interpretao realizada pelos juristas em

    suas obras ou pareceres.

    33 MONTORO, Andr Franco. Introduo ao estudo do direito. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 432-433.

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    13. Hermenutica e Interpretao Constitucional

    As normas constitucionais esto no topo da hierarquia da normas jurdicas

    em nosso ordenamento jurdico, assim, devemos dar uma especial ateno sua

    interpretao.

    Para Paulo Bonavides, no h diferena na forma de interpretao da normas

    jurdicas constitucionais para as normas jurdicas infraconstitucionais.34 Porm, o

    posicionamento deste jurista contestado pela maioria dos doutrinadores, dentre os

    quais podemos citar Canotilho35 , Carlos Maximiliano36, Nobert Wimmer37 dentre

    outros.

    Como as normas constitucionais apresentam diversas caractersticas

    diferenciadas das demais normas, logo preciso que a interpretao constitucional

    tambm seja diferente, apresentando caractersticas e peculiaridades prprias.

    13.1 Mtodos de Interpretao Constitucional

    Atualmente, dispomos de diversos mtodos de interpretao constitucional. So

    eles:

    a) Mtodo Integrativo ou Cientfico-Espiritual

    Esse mtodo foi desenvolvido por juristas alemes, dentre os quais o que deu

    maior notoriedade ao referido mtodo foi Rudolf Smend por meio de um livro que foi

    publicado em 1928.

    34 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. So Paulo: Malheiros Editores, 1993, p. 110. 35 ... o Direito Constitucional uma cincia normativa, que no pode abdicar de uma metodologia e metdicas especficas, essencialmente dirigidas ao processo de concretizao e aplicao das normas constitucionais. (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1992, p. 53. 36 ... A tcnica de interpretao muda, desde que se passa das disposies ordinrias para as constitucionais, de alcance mais amplo, por sua prpria natureza e em virtude do objetivo colimado, regidas de modo sinttico e em termos gerais. ( MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e Aplicao do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 248.) 37 a interpretao constitucional possui um significado essencial para a teoria jurdica da Constituio, pois ela que lhe fornece (erarbeitet) os critrios para o conhecimento das normas constitucionais. Uma teoria jurdica da Constituio que contradiz ou se coloca em desacordo com os mtodos por meio dos quais se realiza a interpretao do sistema de sentido da Constituio normativa (Sinnsystem der normativen Verfassung), transforma-se numa obra inacabada destituda de contato com a realidade (wirklichkeitsfremden Torso) at mesmo porque entre Constituio e realidade social existe uma irren7uncivel tenso que no pode ser eliminada. (WIMMER, Norbert. Materiales Verfassungsverstndnis. APUD DINIZ, Mrcio Augusto de Vasconcelos. Constituio e Hermenutica Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 1998, p. 234.

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    No entender deste jurista alemo, a constituio no pode ser compreendida

    como sendo somente um estatuto de organizao e estruturao do Estado que permite e

    determina certas atividades a si, mas, sim, como uma forma vital que os cidados

    dispem de participar ativamente da vida do Estado.38

    Sendo assim, o mtodo integrativo ou cientfico-espiritual entende que os valores que

    forem expressos e tutelados pela Constituio iro operar como valores e norteadores

    da interpretao coletiva dos cidados e assim devem ser compreendidos e aplicados.

    Dentro deste contexto, o intrprete constitucional dever sempre se ater

    realidade da vida e sua concretude existencial, ou seja, a constituio dever ser

    analisada levando-se em considerao os seus aspectos teleolgicos o seu fim e ainda

    materiais.

    No mtodo integrativo, o primeiro passo a ser observado refere-se ao esprito da

    Constituio, sendo assim, preciso delimitar quais os princpios polticos

    fundamentais informadores de todo o sistema constitucional.

    O mtodo cientfico-espiritual deve considerar:

    O conjunto de todos os valores seja de mbito poltico, econmico, social

    e cultural que estejam subjacente ao texto constitucional ; e ainda

    O sentido e a realidade da Constituio como sendo elementos essenciais

    do processo integrativo.

    b) Mtodo Tpico

    O mtodo tpico tambm surgiu na Alemanha, tendo sido desenvolvido por

    Theodor Viehweg e Esser, sendo que o primeiro trabalho publicado ocorreu por volta de

    1954, de autoria de Viehweg.

    38 la Constitucin no puede ser comprendida slo como um estatuti de la organizacin, que estructura el Estado y que faculta e impone ciertas actividades al mismo, sino a la vez, como una forma victal de los ciudadanos que participan en la vida del Estado. Smend Rudolf. In: ENTERRIA, Eduardo Garcia de. Hermenutica e Supremacia Constitucional. Revista de Direito Pblico. V. 77, n. 19 jan./mar./1986. p. 36-37.

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    Theodor Viehweg no admite que a tpica seja considerada um mtodo,

    contestando esse posicionamento por entender que mtodo um procedimento que seja

    comparvel por meio de uma rigorosa lgica e crie um sistema dedutivo, isto , um

    nexo inequvoco de fundamentos. Dessa forma, esse jurista vem a definir a tpica como

    sendo uma mera tcnica do pensamento problemtico, orientada para o problema. 39

    Assim, a tpica uma forma de conduzir o pensamento cujo desenvolvimento ocorrer

    mediante a sua utilizao e por quem o utiliza. Ou seja, a extenso dos seus limites ir

    de acordo com o trabalho intelectual desenvolvido pelo prprio interlocutor, tendo

    como marco inicial as convices pessoais do interlocutor e os critrios por ele

    determinado em funo do objeto de que se trata.

    c) Mtodo Concretista

    O mtodo concretista desdobra-se em trs mtodos especficos,

    desenvolvidos por Konrad Hesse, Friedrich Muller e Peter Hberle.

    Os intrpretes concretistas utilizam um procedimento similar ao aplicado

    no mtodo tpico a partir do posicionamento que, para interpretar o caso concreto,

    preciso partir de critrios especficos utilizados diante do problema e da norma jurdica

    a ser interpretada.

    Porm, o mtodo concretista abandonou a posio do mtodo tpico no

    momento em que defende que o texto constitucional dever ser o referencial, o primado,

    diante do problema.

    c.1) Mtodo Hermenutico-concretizante: uma contribuio de Konrad Hesse

    Konrad Hesse, analisando o mtodo concretista, entendeu que o teor da

    norma jurdica s se completa mediante o ato interpretativo, dessa forma, a tarefa de

    concretizao composta de vrias etapas, que so:

    Primeira Etapa: preciso que a teoria constitucional estabelea

    quais so os fundamentos e as ferramentas que devero ser

    39 DINIZ, Mrcio Augusto de Vasconcelos. Constituio e Hermenutica Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 1998, p. 249.

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    utilizadas na interpretao, sendo assim, o intrprete dever

    desenvolver um estudo prvio de quais so essas ferramentas para

    que possa ento partir para analisar as normas constitucionais.

    Segunda Etapa: O intrprete deve cobrir o problema com a

    norma que ele quer entender, para que ele possa determinar,

    imediatamente, e de forma decisiva, o seu contedo.40

    Terceira Etapa: A soluo do problema. Para Hesse a

    determinao do sentido da norma constitucional a sua

    aplicao a um caso concreto um processo unitrio, que pode

    passar por etapas distintas, porm, s faz sentido se for possvel

    solucionar o problema do caso concreto diante da interpretao

    da norma constitucional.

    c.2) Mtodo Concretista-estruturante: uma contribuio de Friedrich Mller

    Na viso de Friedrich Muller, o texto de uma norma jurdica apenas a

    parte visvel da norma jurdica, tal qual um iceberg. Dessa forma, o texto da norma

    jurdica seria a ponta do iceberg, sendo que o intrprete constitucional dever fazer a

    interpretao para que possa desvendar todo o iceberg existente.

    Dentro desta tica ns teremos:

    Primeiro Processo Parcial de Concretizao: quando

    interpretamos a norma jurdica transformando-a no programa

    normativo;

    Segundo Passo Parcial de Concretizao: Tem como objeto um

    pedao da realidade social que um domnio normativo, que

    ocorre depois que a norma jurdica interpretada.

    Sendo assim, o texto da norma constitucional no pode ser confundido

    com a prpria norma constitucional. So duas coisas diferentes.

    40 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. So Paulo: Malheiros Editores, 1993, p. 398

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    c.3) Mtodo Concretista da Constituio Aberta: contribuio de Peter Hberle

    O alemo Peter Hberle contribuiu para o desenvolvimento do mtodo

    concretista de interpretao desenvolvendo o mtodo concretista da Constituio

    Aberta. Segundo o entendimento desse doutrinador, a interpretao da Constituio

    deve ocorrer mediante um processo aberto, uma operao livre que proporciona um

    largo terreno para o debate e a renovao.

    Ao desenvolver a sua teoria, Hberle entende que o juiz constitucional j

    no o nico que realiza a operao de interpretao, sero vrios os participantes desse

    processo, ou seja, todas as foras polticas pblicas so, em potencial, intrpretes da

    Constituio. 41

    Hberle fundamenta sua teoria do mtodo interpretativo da Constituio

    Aberta na ideologia democrtica, sem a qual a sua teoria torna-se impossvel de ser

    utilizada.

    13.2 Princpios de Interpretao Constitucional

    Para abordar o tema em questo, precisamos relembrar a conceituao de

    princpio de Celso Antnio Bandeira de Mello:

    Princpio , por definio, mandamento nuclear de um sistema,

    verdadeiro alicerce dele, disposio fundamental que se irradia sobre

    diferentes normas compondo-lhes o esprito e servindo de critrio para

    sua exata compreenso e inteligncia, exatamente por definir a lgica e a

    racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tnica e lhe d

    sentido harmnico. 42

    Nesse sentido, tambm se posicionou De Plcido e Silva, pois, no

    entender desse jurista, os princpios jurdicos so, sem qualquer dvida, o alicerce e a

    41 HBERLE, Peter. Hermenutica Constitucional A sociedade aberta dos Intrpretes da constituio: contribuio para a interpretao pluralista e procedimental da constituio. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 41-43. 42 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p.230.

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    base que serve de partida para o Direito ou ainda, os princpios podem ser considerados

    como os elementos vitais do prprio Direito.43

    Carmem Lcia Antunes Rocha defende que o Princpio o Verbo 44,

    dessa forma temos que, nos princpios, que podemos buscar a essncia, o incio, a

    fonte de uma ordem, quais so os seus paramentos fundamentais e quais os caminhos

    que ele determina que devemos seguir.

    Concluindo chegamos concepo de que o princpio, sua idia ou

    conceituao, vem a ser a fonte, o ponto de partida que devemos seguir e nos orientar

    em todo o percurso, ao mesmo tempo em que o incio, tambm o meio a ser

    percorrido e o fim a ser atingido. Dessa forma, todo o ordenamento jurdico deve estar

    de acordo com os princpios, pois s eles permitem que o prprio ordenamento se

    sustente, se mantenha e desenvolva.

    E para ressaltar a importncia que devemos dar aos princpios Vicente

    Ro, em sua obra O Direito e a vida dos Direitos45, j afirmava na dcada de 1950,

    quando publicou a primeira edio, que o estudante ao desconhecer os princpios,

    quando no induzido ao erro, acaba originando os rbulas ao invs de juristas. Ou

    seja, se o estudante desconhecer os princpios, ser quando muito um mero aplicador do

    direito que ns entendemos possa ser facilmente substitudo por um programa de

    software desenvolvido no mbito da informtica jurdica.

    13.2.1 Princpios Constitucionais

    Ao analisarmos a natureza jurdica dos princpios constitucionais, nos

    posicionamos conforme Carmem Lcia Antunes Rocha que entende que:

    Os princpios constitucionais so os contedos primrios diretores do

    sistema jurdico-normativo fundamental de um Estado. Dotados de

    originalidade e superioridade material sobre todos os contedos que

    formam o ordenamento constitucional, os valores firmados pela

    sociedade so transformados pelo Direito em princpios. Adotados pelo

    constituinte, sedimentam-se nas normas, tornando-se, ento, pilares que

    43 De Plcido e Silva. Vocabulrio Jurdico. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1973, p. 1220. 44 ROCHA, Carmem Lcia Antunes. Princpios Constitucionais da Administrao Pblica. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 21. 45 RO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 48.

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    informam e conformam o Direito que rege as relaes jurdicas no

    Estado. So eles, assim, as colunas mestras da grande construo do

    Direito, cujos fundamentos se afirmam no sistema constitucional. 46

    No magistral enfoque dado pela professora Carmem Lcia, podemos

    constatar que os princpios constitucionais so a fonte primria e o alicerce do

    ordenamento jurdico, constituindo um conjunto de valores criados e desenvolvidos pela

    sociedade.

    Diante dessa colocao surge o questionamento se possvel que ocorra

    um conflito entre dois ou mais princpios. Sabemos que quando se trata de legislao

    isso pode ocorrer, mas ser que possvel que isso ocorra no mbito dos princpios e se

    isso ocorre, qual princpio deve prevalecer ? possvel falar em hierarquia entre os

    princpios Constitucionais ?

    Existe hierarquia entre os princpios constitucionais? Essa uma questo

    que sucita grandes questionamentos e, hoje temos duas correntes47 que se propem a

    responder esse questionamento. Se adotarmos a corrente que entende que h hierarquia

    entre os princpios, ento se houver um conflito entre dois princpios, basta verificar o

    que se encontra hierarquicamente superior, pois ele que deve ser utilizado para

    solucionar o conflito, porm, se adotarmos a corrente que defende que no existe

    hierarquia entre os princpios, ento estaremos diante de um caso de antinomia e

    precisaremos buscar a soluo atravs de outros caminhos.

    No entender de J.J. Gomes Canotilho:

    46 ROCHA, Carmem Lcia Antunes. Princpios constitucionais da Administrao Pblica. Belo Horizonte: Del Rey, 1994: p. 25. 47 Podemos falar em, no mnimo, duas correntes pois, atravs do estudo sistematizado dos princpios constitucionais podemos localizar posicionamentos divergentes. O posicionamento de Jos Souto Maior Borge,( na obra Pr-dogmtica: por uma hierarquizao dos princpios constitucionais. Revista Trimestral de Direito Pblico. So Paulo: Malheiros, 1993), apresenta uma vertente que denomina hierarquia dos princpios constitucionais. Aps trabalhar com a classificao e distino tradicional entre normas e princpios, defende que os princpios tambm so normas, sendo assim defende que existem princpios constitucionais que so em razo do seu contedo se sobressaem em relao aos demais. Retomando os ensinamentos de Francisco Campos, Souto Maior acaba por defender a existncia de hierarquia entre os princpios constitucionais. Outros iminentes constitucionalistas tambm tm se posicionado neste sentido. Por outro lado, encontramos doutrinadores que mantm a viso clssica doutrinria de que no existe hierarquia entre os princpios constitucionais.

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    O fato de a Constituio consistir num sistema aberto de princpios j

    insinua que podem existir fenmenos de tenso entre os vrios princpios

    estruturantes ou entre os restantes princpios constitucionais gerais e

    especiais. Em caso de conflito entre princpios, estes podem ser objeto de

    ponderao, harmonizao, pois eles contm apenas exigncias que, num

    primeiro instante devem ser realizados. Nesta linha, conclui que os

    princpios suscitam problemas de validade e peso.

    13.2.2 Princpios de Interpretao da Constituio

    O processo de interpretao de texto requer do intrprete conhecimento

    de todo o sistema constitucional, sua interpretao diante de uma dada realidade

    histrica, assim como uma leitura do dispositivo legal objeto de interpretao dentro de

    uma leitura sistemtica do seu texto inserida no ordenamento jurdico

    infraconstitucional, e no ordenamento constitucional.48

    Alm dos mtodos de interpretao clssica (gramatical, lgico,

    sistemtico e histrico) e dos mtodos modernos de interpretao (lgico-sistemtico,

    histrico-teleolgico e voluntarista) e ainda, os mtodos especficos de interpretao

    constitucional, deve o hermeneuta constitucional estar atento aos princpios norteadores

    da interpretao constitucional, e mais ainda, entendemos que o hermeneuta deve iniciar

    sua atividade interpretativa por estes princpios.

    Dessa forma temos que

    Ao intrprete constitucional caber visualiz-los em cada caso e seguir-

    lhes as prescries. A generalidade, abstrao e capacidade de

    expanso dos princpios permite ao intrprete, muitas vezes, superar o

    legalismo escrito e buscar no prprio sistema a soluo mais justa,

    superadora do summum jus, summa injuria. Mas so esses mesmos

    princpios que funcionam como limites interpretativos mximos,

    neutralizando o subjetivismo voluntarista dos sentimentos pessoais e das

    48 CANARIS, Claus Willtelm. Pensamento Sistemtico e Conceito de Sistema na Cincia do Direito.

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    convenincias polticas, reduzindo a discricionariedade do aplicador da

    norma e impondo-lhe o dever de motivar seu convencimento.49

    Entende-se que a observncia dos postulados hermenuticos de carter

    obrigatrio para o intrprete constitucional, dessa forma Celso Ribeiro de Bastos, assim

    se posiciona:

    um comando, uma ordem mesma, dirigida a todo aquele que pretende

    exercer a atividade interpretativa. Os postulados precedem a prpria

    interpretao, e se se quiser, a prpria Constituio. So, pois, parte de

    uma etapa anterior natureza interpretativa, que tem de ser considerada

    enquanto fornecedora de elementos que se aplicam Constituio, e que

    significam, sinteticamente, o seguinte: no poders interpretar a

    Constituio devidamente sem antes atentares para estes elementos.

    Trata-se de uma condio, repita-se, de interpretao. No se ter

    verdadeira atividade interpretativa se no estiver bem imbudo dessas

    categorias. Concluindo, o intrprete fica diante de enunciados cogentes,

    dos quais a sua atividade (interpretativo-constitucional) no pode

    descurar.50

    Apesar de os princpios de interpretao constitucional ou postulados

    hermenuticos, como Celso Ribeiro Bastos denomina, serem extremamente

    importantes, essenciais para a interpretao e compreenso da nossa Carta Magna, nos

    deparamos com divergncias doutrinrias de quais devero ser esses princpios. Assim

    temos, que na viso de Celso Ribeiro Bastos existem quatro princpios de interpretao

    constitucional: a) Supremacia da Constituio51, b) Unidade da Constituio; c) Maior

    49 BARROSO, Lus Roberto. Interpretao e Aplicao da Constituio - Fundamentos de uma dogmtica constitucional transformadora. So Paulo: Editora Saraiva, p. 150. 50 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenutica e interpretao constitucional. 3. edio.So Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, p. 165-166. 51 Por esse postulado temos que o intrprete no pode deixar de considerar o carter supremo da Constituio. Assim, a constituio a lei das leis, de tal forma que as demais devem estar em conformidade com ela. As leis gravitam em torno da Constituio, da mesma forma como os astros gravitam em torno do sol, todas as demais foras que compem o universo da democracia. Ver George Salomo Leite in Interpretao Constitucional e tpica jurdica. So Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 48. e Celso Ribeiro Bastos in Hermenutica e interpretao constitucional. So Paulo: Editor Celso Bastos, 2002, p. 172.

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    efetividade possvel; d) Harmonizao das normas constitucionais52. Porm, outros

    doutrinadores acrescentam diversos outros princpios, sendo assim, iremos apresentar

    dois entendimentos diferenciados, a posio apresentada por J. J. Gomes Canotilho e a

    constitucionalista brasileira Mrcia Hayde Porto de Carvalho.

    13.2.2.1 Princpios de Interpretao Constitucional - Segundo J.J. Gomes

    Canotilho:

    No entendimento de Canotilho, os princpios de interpretao

    constitucional so apenas seis. So eles:

    a) Princpio da Unidade da Constituio

    Acreditamos que este seja, dentre todos os princpios de interpretao da

    constituio, aquele considerado de forma unnime entre os doutrinadores

    constitucionais.

    Por esse princpio, temos que a Constituio deve ser interpretada de

    forma que no venha a gerar nenhuma forma de contradio entre as suas normas, ou

    seja, o princpio da unidade obriga o intrprete a considerara a constituio em sua

    globalidade e a procurar harmonizar os espaos de tenso existentes entre as normas

    constitucionais no como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos

    integrados num sistema unitrio de normas e princpios.53

    Esse princpio importante porque busca evitar que as normas

    constitucionais sejam vistas como um emaranhado de preceitos sem nenhuma

    correlao, mas que elas pertencem a um sistema nico e que para at mesmo manter a

    integridade desse sistema ele precisa estar em harmonia, sem que haja com isso, normas

    conflitantes e contraditrias.

    52 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenutica e interpretao constitucional. 3. edio.So Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, p. 172-179 53 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. Portugal: Almedina, 1998, p. 1096/1097.

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    b) Princpio do Efeito Integrador

    Este princpio normalmente est associado ao princpio da unidade e,

    quando analisamos sua mais simples formulao, podemos interpret-lo como sendo a

    forma de resoluo dos problemas jurdico-constitucionais que deve dar prioridade

    aqueles critrios e pontos de vista que venham a favorecer a integrao poltica e social

    e ainda, o reforo da unidade poltica. Desta forma, como tpico argumentativo, o

    princpio do efeito integrador no assenta em uma concepo integracionista de Estado

    e da Sociedade, ao invs disso, busca dos conflitos constitucionais chegar a solues

    pluralisticamente integradoras.54

    De acordo com esse princpio, buscamos o entendimento de que a

    Constituio possui um carter sociolgico, conforme salientou Ferdinand Lassalle,

    onde a verdadeira constituio de um pas somente tem por base os fatores reais e

    efetivos do poder que naquele pas vigem55, e ainda, remete-nos, tambm, ao

    pensamento de Carl Schmitt, onde a constituio fruto de uma deciso poltica

    fundamental.

    Acreditamos que este segundo princpio estaria reunindo o entendimento

    de Lassalle e Schmitt, no sentido de que ao interpretarmos a constituio devemos nos

    guiar no sentido de buscar o que a sociedade e a poltica almejam.

    c) Princpio da Mxima Efetividade

    Alguns doutrinadores denominam este princpio de Princpio da

    Eficincia ou ainda, Princpio da Interpretao Efetiva.

    Conforme este princpio, a uma norma constitucional deve ser atribudo o

    sentido que maior eficcia lhe der. Dessa forma, passa a ser um princpio operativo em

    relao a todas as outras normas constitucionais. Esse princpio extremamente

    utilizado no campo dos direitos fundamentais, onde, em caso de dvidas, deve-se

    preferir utilizar a interpretao que der uma maior eficcia aos direitos humanos.56

    54 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Direito Constitucional e a Teoria da Constituio.Portugal: Almedina, 1998, p. 1097. 55 LASSALLE, Ferdinand. A Essncia da Constituio. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998, p. 53. 56 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Direito Constitucional e a Teoria da Constituio.Portugal: Almedina, 1998, p. 1097.

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    Consilium - Revista Eletrnica de Direito, Braslia n.4, v.1 maio/ago. de 2010.

    Partindo deste princpio, temos que as normas constitucionais devem ser

    consideradas sempre como normas de eficcia imediata e no como mero preceito de

    uma constituio futura.

    d) Princpio da Conformidade Funcional

    Conhecido tambm como o Princpio da Justeza, ele visa impedir, em

    sede de concretizao da constituio, a alterao da repartio de funes

    constitucionalmente estabelecidas. Em nosso ordenamento jurdico podemos encontr-

    lo sedimentado no artigo 2 da Constituio Federal vigente, que apregoa que os

    Poderes da Unio so independentes e harmnicos entre si.

    e) Princpio da Concordncia Prtica ou da Harmonizao

    Este princpio tem sido muito difundido em razo da influncia exercida

    por Konrad Hesse, porm podemos localizar a sua origem na jurisprudncia norte-

    americana constituindo assim um cnon of constitucional construction. It is a carinal

    rule of constitutional construction that the interpretation, it possible, shall be such that

    the provision should harmonize with all others.57

    Este princpio parte do pressuposto de que no existe uma harmonia ou

    uma valorao entre os bens constitucionais. Dessa forma, ao ser feita uma

    interpretao, no podemos sacrificar um bem constitucional em detrimento de outro,

    posto que todos possuem o mesmo valor hierrquico. Esse princpio est relacionado de

    forma direta, com os citados anteriormente.

    Verifica-se, ainda que, este princpio tem uma atuao direta no campo

    dos direitos fundamentais, haja vista que a coliso entre os direitos constitucionalmente

    protegidos precisa ser solucionada. Apesar disto, como no h uma valorao

    hierrquica entre eles, temos como soluo o estabelecimento de limites e

    condicionamentos recprocos de maneira que haja uma harmonia entre eles.

    57 ANTIEAU, C.J. Constitutional Construction, p. 27.

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    f) Princpio da Fora )ormativa da Constituio

    Este princpio foi formulado pelos seguidores do mtodo hermenutico

    concretizador, desenvolvido por Konrad Hesse, o mtodo normativo estruturante de F.

    Muller e o mtodo hermenutico da prxis jurdica ou teoria da deciso racionalizada

    Kriele, temos que na soluo dos problemas jurdico-constitucionais deve-se dar

    prevalncia aos pontos de vista que, considerando os pressupostos da constituio

    (normativa), contribuem para uma tima eficcia da lei fundamental. Desta forma, deve-

    se dar prioridade para aquelas solues hermenuticas que, visando compreender a

    historicidade das estruturas constitucionais, venham a possibilitar a renovao e

    atualizao normativa de forma a garantir, no mesmo patamar, a sua eficcia e a sua

    permanncia.58

    12.2.2.2 Princpios de Interpretao Constitucional - Segundo Mrcia Hayde

    Porto de Carvalho

    a) Princpio das Bases Principiolgicas

    Conforme este princpio, a interpretao constitucional deve considerar

    todo o sistema como foi codificado, porm, deve, ao mesmo tempo, dar uma nfase

    maior naqueles princpios que foram mais valorizados pelos constituintes59.

    b) Princpio da Proporcionalidade

    Este princpio tem sua origem nos doutrinadores administrativistas,

    porm, s recentemente atribuiu-lhe o devido valor e a sua importncia foi reconhecida

    pelos constitucionalistas, atribuindo-lhe ento status de princpio de interpretao

    constitucional.

    Esse princpio merece especial destaque principalmente no mbito dos

    direitos fundamentais, pois uma regra essencial de apoio e fundamentao, haja vista

    que fornece quais os critrios para as limitaes desses direitos.

    58 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Direito Constitucional e a Teoria da Constituio.Portugal: Almedina, 1998, p. 1099. 59 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. So Paulo: Malheiros, 1995, p. 24.

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