hepatite e: diagnóstico serológico em hepatites de...

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A hepatite tendo como agente causal o vírus da hepatite E (VHE) é classicamente considerada como tendo pouca relevância clínica e epidemiológica nos países ocidentais. O VHE tem como principal forma de transmissão a via fecal-oral, sendo a contaminação da água com matéria fecal a forma mais comum de disseminação do vírus. Esta infeção é endémica nos países em desenvolvimento da Ásia, África e América Central e do Sul, onde as condições de saneamento básico são precárias, ou, mesmo inexistentes. Nos países desenvolvidos, a infeção por VHE surge de forma esporádica, estando normalmente associada a viagens a países endémicos. No entanto, nos últimos anos têm sido descritos casos isolados ou pequenos surtos de hepatite E em regiões de baixa endemicidade, como E.U.A., Europa (ex. Reino Unido, França) e países desenvolvidos da Ásia (ex. Japão) e Austrália, sem que estivesse presente o principal fator de risco, ou seja, viagens recentes a zonas endémicas. Nestes casos de VHE autóctone, a transmissão zoonótica parece desempenhar um papel preponderante na transmissão do vírus, quer por consumo de produtos derivados de animais infetados, quer por exposição a fluidos corporais de animais infetados. O vírus foi já identificado em diferentes animais de consumo humano como o porco ou veado. Esta situação alerta para um potencial problema de saúde pública em áreas não endémicas para este agente, nas quais Portugal se encontra incluído. Hepatite E: diagnóstico serológico em hepatites de etiologia desconhecida INTRODUÇÃO Alberto S. Folgado, Pires S., Félix J., Figueiredo A., Silva L., Franco M. et al . Prevalence of Hepatitis E virus antibody in a non endemic population - prospective study. J Port Gastrenterol. [Serial on the Internet]. 2009 Nov [citado 2012 Oct 30] ; 16(5): 192-198. Available from: http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0872-81782009000500004&lng=es. Purcell R. H., Emerson S. U. Hepatitis E: An emerging awareness of na old disease. J of Hepatology 48: 494-503. 2008 Marinho Rui Tato. A Hepatite E existe em Portugal? Claro que sim. J Port Gastrenterol. [Serial on the Internet]. 2009 Nov [cited 2012 Oct 30] ; 16(5): 185-186. Available from: http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0872-81782009000500002&lng=en. Bibliografia RESULTADOS Este trabalho teve como objectivo a análise retrospectiva, entre 2000 e 2011, da prevalência de infecção por VHE em casos de hepatite de etiologia desconhecida. OBJETIVO Entre Janeiro de 2000 e Dezembro de 2011, foram recebidas no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge em Lisboa, 241 amostras de soro de indivíduos com diagnóstico de hepatite de etiologia desconhecida, nas quais foi realizada a pesquisa de anticorpos VHE (IgG e IgM), através de ensaio imunoenzimático. MATERIAL E MÉTODOS CONCLUSÃO XI Congresso Nacional de Doenças Infeciosas e Microbiologia Clínica & IX Congresso Nacional sobre Sida , 12 a 15 Dezembro 2012, Porto Carla Manita Ferreira, João Almeida Santos, Ivone Água-Doce, Teresa Lourenço, Camalavati Benoliel, Rita Matos, Helena Cortes Martins Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, Departamento Doenças Infeciosas Laboratório de Imunologia [email protected] / [email protected] P64 Infecção aguda 12.9% (n=31) Infecção antiga ou convalescença 8.3% (n=20) Sem infecção 78.8% (n=190) Figura 2. Estadiamento dos casos segundo os resultados obtidos para VHE IgG e IgM: sem infecção (IgM/IgG negativo), infecção aguda/recente (IgM positivo/IgG positivo ou negativo), infecção antiga ou convalescente (IgM negativo /IgG positivo . 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Total 1 2 5 5 8 5 14 40 21 19 7 7 9 3 12 11 18 19 21 54 201 1 4 7 5 6 8 31 21 19 7 8 9 3 13 12 16 22 20 60 210 IgG Pos IgG Neg IgM Pos IgM Neg Figura 4. Distribuição dos resultados obtidos para VHE IgG e VHE IgM por ano. 0% 20% 40% 60% 80% 100% 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 43% 53% 43% 88% 56% 67% 21% 44% 43% 52% 46% 54% 57% 47% 57% 13% 44% 33% 79% 56% 57% 48% 54% 46% Masculino Feminino 21 19 7 8 9 3 14 16 23 27 26 68 1 2 6 9 9 9 15 0 2 4 6 8 10 12 14 16 0 10 20 30 40 50 60 70 80 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Número de amostras positivas Número total de mostras Total amostras (N) Amostras positivas (N) Figura 1. Distribuição do número total de amostras e de amostras positivas (IgG/IgM) por ano. Figura 3. Distribuição da população por sexo/ano. Entre 2000 e 2011, ocorreu um aumento do número de pedidos para deteção de anticorpos VHE (IgG/IgM), bem como do número de resultados positivos. Esta tendência poderá ser o reflexo não só do aumento real de número de infeções, mas também de uma maior sensibilização dos clínicos para a existência de casos de infeção por VHE em Portugal. No presente estudo, 51 (21.2%) indivíduos apresentaram anticorpos VHE, dos quais 31 (12.9%) eram VHE IgM, resultado compatível com infeção aguda ou recente. Estes resultados permitem evidenciar a presença da infeção na população portuguesa. No entanto, não foi possível determinar se os casos de infeção encontrados seriam importados ou autóctones, por ausência de informação. Este facto evidencia a necessidade de uma melhor colaboração entre os clínicos e o laboratório, de forma a melhor conhecer o padrão epidemiológico da hepatite E em Portugal. A realização de estudos mais abrangentes permitirá determinar o impacto real da infeção por VHE na população portuguesa.

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Page 1: Hepatite E: diagnóstico serológico em hepatites de ...repositorio.insa.pt/bitstream/10400.18/1341/1/Hepatite E... · O VHE tem como principal forma de transmissão a via fecal-oral,

A hepatite tendo como agente causal o vírus da hepatite E (VHE) é classicamente considerada como tendo pouca relevância

clínica e epidemiológica nos países ocidentais.

O VHE tem como principal forma de transmissão a via fecal-oral, sendo a contaminação da água com matéria fecal a forma mais

comum de disseminação do vírus. Esta infeção é endémica nos países em desenvolvimento da Ásia, África e América Central e do

Sul, onde as condições de saneamento básico são precárias, ou, mesmo inexistentes. Nos países desenvolvidos, a infeção por

VHE surge de forma esporádica, estando normalmente associada a viagens a países endémicos.

No entanto, nos últimos anos têm sido descritos casos isolados ou pequenos surtos de hepatite E em regiões de baixa

endemicidade, como E.U.A., Europa (ex. Reino Unido, França) e países desenvolvidos da Ásia (ex. Japão) e Austrália, sem que

estivesse presente o principal fator de risco, ou seja, viagens recentes a zonas endémicas. Nestes casos de VHE autóctone, a

transmissão zoonótica parece desempenhar um papel preponderante na transmissão do vírus, quer por consumo de produtos

derivados de animais infetados, quer por exposição a fluidos corporais de animais infetados. O vírus foi já identificado em

diferentes animais de consumo humano como o porco ou veado.

Esta situação alerta para um potencial problema de saúde pública em áreas não endémicas para este agente, nas quais Portugal

se encontra incluído.

Hepatite E: diagnóstico serológico em hepatites de etiologia desconhecida

INTRODUÇÃO

Alberto S. Folgado, Pires S., Félix J., Figueiredo A., Silva L., Franco M. et al . Prevalence of Hepatitis E virus antibody in a non endemic population - prospective study. J Port Gastrenterol. [Serial on the Internet]. 2009 Nov [citado 2012 Oct 30] ; 16(5): 192-198. Available from: http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0872-81782009000500004&lng=es.

Purcell R. H., Emerson S. U. Hepatitis E: An emerging awareness of na old disease. J of Hepatology 48: 494-503. 2008

Marinho Rui Tato. A Hepatite E existe em Portugal? Claro que sim. J Port Gastrenterol. [Serial on the Internet]. 2009 Nov [cited 2012 Oct 30] ; 16(5): 185-186. Available from: http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0872-81782009000500002&lng=en.

Bibliografia

RESULTADOS

Este trabalho teve como objectivo a análise retrospectiva, entre 2000 e 2011, da

prevalência de infecção por VHE em casos de hepatite de etiologia desconhecida.

OBJETIVO

Entre Janeiro de 2000 e Dezembro de 2011, foram recebidas no Instituto Nacional de

Saúde Dr. Ricardo Jorge em Lisboa, 241 amostras de soro de indivíduos com

diagnóstico de hepatite de etiologia desconhecida, nas quais foi realizada a pesquisa

de anticorpos VHE (IgG e IgM), através de ensaio imunoenzimático.

MATERIAL E MÉTODOS

CONCLUSÃO

XI Congresso Nacional de Doenças Infeciosas e Microbiologia Clínica & IX Congresso Nacional sobre Sida , 12 a 15 Dezembro 2012, Porto

Carla Manita Ferreira, João Almeida Santos, Ivone Água-Doce, Teresa Lourenço, Camalavati Benoliel, Rita Matos, Helena Cortes Martins

Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, Departamento Doenças Infeciosas – Laboratório de Imunologia

[email protected] / [email protected]

P64

Infecção aguda 12.9% (n=31)

Infecção antiga ou

convalescença 8.3% (n=20)

Sem infecção 78.8% (n=190)

Figura 2. Estadiamento dos casos segundo os

resultados obtidos para VHE IgG e IgM: sem

infecção (IgM/IgG negativo), infecção

aguda/recente (IgM positivo/IgG positivo ou

negativo), infecção antiga ou convalescente (IgM

negativo /IgG positivo .

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Figura 4. Distribuição dos

resultados obtidos para

VHE IgG e VHE IgM por

ano.

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Total amostras (N) Amostras positivas (N)

Figura 1. Distribuição do

número total de amostras e

de amostras positivas

(IgG/IgM) por ano.

Figura 3. Distribuição

da população por

sexo/ano.

Entre 2000 e 2011, ocorreu um aumento do número de pedidos para deteção de anticorpos VHE (IgG/IgM), bem como do número de resultados positivos. Esta tendência poderá ser o reflexo não só do aumento real de número

de infeções, mas também de uma maior sensibilização dos clínicos para a existência de casos de infeção por VHE em Portugal.

No presente estudo, 51 (21.2%) indivíduos apresentaram anticorpos VHE, dos quais 31 (12.9%) eram VHE IgM, resultado compatível com infeção aguda ou recente. Estes resultados permitem evidenciar a presença da infeção

na população portuguesa.

No entanto, não foi possível determinar se os casos de infeção encontrados seriam importados ou autóctones, por ausência de informação. Este facto evidencia a necessidade de uma melhor colaboração entre os clínicos e o

laboratório, de forma a melhor conhecer o padrão epidemiológico da hepatite E em Portugal.

A realização de estudos mais abrangentes permitirá determinar o impacto real da infeção por VHE na população portuguesa.