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HENRY, Michel. Ver o invisível: Sobre Kandinsky. São Paulo: Realizações, 2012. Rafaela Belo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Territorialidades UFES 2014/1

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HENRY, Michel. Ver o invisível: Sobre Kandinsky. São Paulo: Realizações,

2012.

Rafaela Belo

Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Territorialidades UFES 2014/1

Michel Henry

Vietnam, 1922 França, 2002

Michel Henry

Fenomenologia da vida

“A vida sente-se, experimenta-se a si mesma. Não que ela seja

qualquer coisa que, ademais, teria a propriedade de se sentir a si

mesma, mas que aí reside a sua essência: a pura experiência de

si, o fato de se sentir a si mesma. A essência da vida reside na

auto-afecção”

HENRY apud ROSA, 2006, p. 188

Wassily Kandinsky

Rússia, 16/12/1866

França, 14/12/1944

Wassily Kandinsky

• Nacionalidades: Russo, alemão e francês

• Bauhaus

• Abstracionismo

Wassily Kandinsky: Da Rússia para a Europa “Um homem capaz de derrubar as montanhas” – Franz Marc

Cap. 1 Interior/Exterior: O invisível e o visível

p. 13-20

“Todo fenômeno pode ser vivido de duas maneiras, não arbitrariamente ligadas aos fenômenos, mas decorrentes da natureza dos fenômenos, de duas de suas propriedades: Exterior- Interior.”

KANDINSKY, Wassily. Ponto e linha sobre plano, 1926.

Experimentamos constantemente com um fenômeno que justamente nunca nos abandona: nosso corpo. • Interiormente como nosso ser mais profundo; • Exteriormente enquanto se propõe a mim ao modo de objeto. - Kandinsky estende essa propriedade a todos os fenômenos.

O que aparece a nós, justamente chamado fenômeno, permite a distinção das duas “maneiras”. A maneira pela qual esse conteúdo se mostra a nós. As duas “maneiras” são dois modos de aparecer. • Kandinsky as chama de EXTERIOR e INTERIOR.

Exterior não designa imediatamente algo exterior, mas a maneira pela qual esse algo se manifesta a nós. Um fenômeno exterior nunca é visto por suas propriedades, mas só por ser exterior. • Kandinsky diz que a “maneira” não está ligada arbitrariamente ao fenômeno, pois é essa maneira- a exterioridade- que justamente o torna fenômeno.

O EXTERIOR se autocomprova, é ele próprio, o mundo como aparece em sua visibilidade. O INTERIOR se autocomprova de maneira própria, que não é mais a do mundo. Ele é invisível, o que não pode ser visto nunca num mundo, nem à maneira do mundo.

Então como se revela o INTERIOR, se nem se assemelha a um mundo? Como a vida. É sentido e experienciado imediatamente, imerso em si. Primeira formulação da equação Kandinskyana:

interior = interioridade= vida= invisível = páthos

VISÍVEL na luz do mundo as coisas se mostram a nós e são vividas por nós como fenômenos EXTERIORES. O INVISÍVEL, na ausência desse mundo e de sua luz, a vida se apossa de seu ser próprio, se apertando nessa prova INTERIOR imediata de si, que é seu páthos, que faz dela a vida.

Visível = Exterior

Invisível = Interior

A qual dos dois campos, o do visível ou do invisível, a pintura pertence? A resposta é indubitável. Pintar, desenhar, não é o artista pintar, desenhar o que vê, aquilo que desdobra seu ser diante de seu olhar, na luz do mundo?

Nossa tradicional concepção da pintura atesta sua origem grega. “Fenômeno”, para os gregos, designa o que brilha, o que se mostra sob a luz, de tal modo que se mostrar significa mostrar-se sob a luz. Ver é participar da luz, penetrá-la, ser iluminado por ela.

O conceito de fenômeno sofre mutação decisiva quando, deixando de se submeter docilmente às injunções do visível, ele é relacionado à vida, à existência. Desde essa transferência, como ocorre em Kandinsky, questões inteiramente novas surgem, acarretando redefinição completa dos objetivos e dos procedimentos da pintura.

Uma abordagem inteiramente nova da atividade pictórica quando são dispensados os pressupostos gregos. Deixa-se de pretender representar o mundo e seus objetos, quando, paradoxalmente, cessa a pintura do visível. O que ela pode então pintar? O invisível, o que Kandinsky chama de interior.

Todo quadro deve ser considerado sob dois ângulos: • Sua materialidade; • A representação pictórica, a obra em si.

Se a pintura empreendesse, ao contrário, pintar o invisível, um problema singular se lhe apresentaria: como representar de maneira visível, sob a forma de quadro, que acabamos de mostrar ser exterior sob todos os aspectos, essa realidade interior, invisível, chamada a constituir doravante o tema da atividade artística?

A revolução de Kandinsky, pensada e cumprida por ele, pode assim ser formulada: Não só o conteúdo da pintura, em última instância “representado”, expresso por ela, não pertence mais ao mundo enquanto um de seus elementos ou partes, mas os meios permitindo a expressão do conteúdo invisível que constitui o tema novo da arte devem ser compreendidos agora como interiores em seu significado e finalmente em sua realidade verdadeira: como invisíveis.

Consideremos os quadros de Kandinsky: encontramos neles outra coisa além de linhas e massas coloridas? Ao contrário, só se trata delas. • O autor escreve que a teoria da pintura abstrata é a teoria de toda pintura concebível.

Dois pensamentos loucos: • O conteúdo da pintura, de qualquer pintura, é o interior, a vida invisível em si e que não pode deixar de sê-lo. • Os meios expressando esse conteúdo invisível- as formas e as cores- são eles próprios invisíveis em sua realidade original.

Na pintura tradicional os meios eram homogêneos, pertencendo ambos ao mundo visível. Com o surgimento da abstração, isso se rompe, já que o conteúdo se torna o invisível, enquanto os meios permanecem o que são. Talvez até conviesse abolir a própria ideia de sua distinção, constituindo conteúdo e meios a mesma realidade, a única essência da pintura.

Kandinsky chama abstrato o conteúdo que a pintura deve expressar, ou seja, essa vida invisível que somos.

Equação Kandinskyana:

interior = interioridade = invisível = vida= páthos = abstrato

“Salta aos olhos que essas duas analogias da arte nova com certas formas de épocas passadas são diametralmente opostas. A primeira, toda exterior, será sem futuro. A segunda é interior e encena o germe do futuro. Após o período da tentação materialista a que aparentemente sucumbiu, mas que repele como uma tentação ruim, a alma emerge, purificada pela luta e pela dor. Os sentimentos elementares, como o medo, a tristeza, a alegria, que teriam podido, durante o período da tentação, servir de conteúdo para a arte, atrairão pouco o artista. Ele se esforçará por despertar sentimentos mais matizados, ainda sem nome. O próprio artista vive uma existência completa, relativamente requintada, e a obra, nascida de seu cérebro, provocará, no espectador capaz de experimentá-las, emoções mais delicadas, que nossa linguagem é incapaz de exprimir.”

KANDINSKY, Wassily. Do espiritual na arte e na pintura em particular. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 28.

Wassily Kandinsky: Da Rússia para a Europa

“Um homem capaz de derrubar as montanhas” – Franz Marc

Autumn in Bavaria, 1908 Paris, Musée National Art Moderne, Centre Georges Pompidou

Moscow I, 1916 Moscow, The State Tretyakov Gallery

Composition VIII, 1923 New York, The Solomon R. Guggenheim Museum

Colorful Ensemble , 1938 Paris, Musée National Art Moderne, Centre Georges Pompidou