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TERESOPOLIS DEVASTADA Henri François JULIEN 1 , Luiz Mauricio PLOTKOWSKI 2 , As chuvas de verão caíram durante 30 horas sobre a Serra dos Órgãos, 180 mm, em 12 de janeiro de 2011. Esta cadeia de montanhas corta o Estado do Rio de Janeiro de norte a sul, a oeste do oceano Atlântico. A Região Serrana do Estado, composta de montanhas que atingem 2.500 m de altitude, é muito apreciada por seu clima e suas belezas naturais, assim como, para a pratica de trekking e escaladas. Três de suas cidades turísticas Teresópolis, Petrópolis e Nova Friburgo são as mais procuradas por sua temperatura amena e aspecto alpino. Teresópolis tem 160.000 habitantes, Petrópolis, que já foi residência imperial, 290.000 habitantes, e a mais afastada, Nova Friburgo, cidade criada por suíços, conta com 180.000 habitantes. Cerca de meia-noite a catástrofe se instala. Os rios transbordam carregando casas. Uma torrente de água desce das alturas arrastando árvores e barro sobre bairros populares construídos no pé dessas montanhas. As cidades ficam sem energia elétrica, água e telefone e poucos telefones celulares funcionam. No momento em que escrevemos este texto (16 de Janeiro) o balanço das vítimas conta com 650 mortos e cerca de 700 feridos e mais de 5000 pessoas estão sem teto. Oitenta feridos foram evacuados para as cidades do Rio de Janeiro e São Gonçalo. Sem duvida, este é um balanço parcial e os números tendem, infelizmente, a aumentar significativamente. Quarenta e oito horas após, isto é, 15 de Janeiro, estivemos no local da catástrofe. Graças ao acolhimento de colegas brasileiros, pudemos avaliar em Teresópolis, no bairro de Caleme, uma das áreas mais atingidas, a amplitude da destruição, e ter uma idéia da organização do socorro implementada. MECANISMOS DA CATÁSTROFE O mês de Janeiro, início do verão brasileiro, chove abundantemente, especialmente na cadeia de montanhas que atravessa o Estado de norte a sul, cujos picos altos retém as nuvens provocando tempestades de verão. Nesta época do ano a temperatura média é de 25 graus, sendo mais fresco na região montanhosa. Todos os anos ocorrem dezenas de mortos em diversos pontos do Brasil por inundações, deslizamento de terra ou deslocamento de lama. Mas nos dois últimos anos o Estado do Rio de Janeiro foi particularmente atingido, destacando-se 310 mortes principalmente nos municípios de Niterói e Angra dos Reis. No dia 12 e janeiro de 20110, na Região Serrana, choveu 130 mm (choveu 180 mm em 30 horas), sendo a chuva acompanhada por rajadas de vento. Muitos brasileiros pobres constroem suas casas em áreas de risco de deslizamento, no pé ou sobre partes inclinadas das montanhas ou próximo a rios, sem projetos de urbanização. Essa tempestade levou a duas condições distintas: 1 Dr Henri F. JULIEN, Vice préside nt de la Société Franç ais e de Méd e ci n e de Catastrophe 2 Dr Luiz Mauricio PLOTKOWSKI, Corres p o n d a n t au Brésil de la Société Franç ais e de Méde cin e de Catastrophe

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TERESOPOLIS DEVASTADA

Henri François JULIEN 1, Luiz Mauricio PLOTKOWSKI 2,

As chuvas de verão caíram durante 30 horas sobre a Serra dos Órgãos, 180 mm, em 12 de janeiro de 2011. Esta cadeia de montanhas corta o Estado do Rio de Janeiro de norte a sul, a oeste do oceano Atlântico. A Região Serrana do Estado, composta de montanhas que atingem 2.500 m de altitude, é muito apreciada por seu clima e suas belezas naturais, assim como, para a pratica de trekking e escaladas.

Três de suas cidades turísticas Teresópolis, Petrópolis e Nova Friburgo são as mais procuradas por sua temperatura amena e aspecto alpino. Teresópolis tem 160.000 habitantes, Petrópolis, que já foi residência imperial, 290.000 habitantes, e a mais afastada, Nova Friburgo, cidade criada por suíços, conta com 180.000 habitantes.

Cerca de meia-noite a catástrofe se instala. Os rios transbordam carregando casas. Uma torrente de água desce das alturas arrastando árvores e barro sobre bairros populares construídos no pé dessas montanhas. As cidades ficam sem energia elétrica, água e telefone e poucos telefones celulares funcionam. No momento em que escrevemos este texto (16 de Janeiro) o balanço das vítimas conta com 650 mortos e cerca de 700 feridos e mais de 5000 pessoas estão sem teto. Oitenta feridos foram evacuados para as cidades do Rio de Janeiro e São Gonçalo. Sem duvida, este é um balanço parcial e os números tendem, infelizmente, a aumentar significativamente.

Quarenta e oito horas após, isto é, 15 de Janeiro, estivemos no local da catástrofe. Graças ao acolhimento de colegas brasileiros, pudemos avaliar em Teresópolis, no bairro de Caleme, uma das áreas mais atingidas, a amplitude da destruição, e ter uma idéia da organização do socorro implementada.

MECANISMOS DA CATÁSTROFE

O mês de Janeiro, início do verão brasileiro, chove abundantemente, especialmente na cadeia de montanhas que atravessa o Estado de norte a sul, cujos picos altos retém as nuvens provocando tempestades de verão. Nesta época do ano a temperatura média é de 25 graus, sendo mais fresco na região montanhosa.

Todos os anos ocorrem dezenas de mortos em diversos pontos do Brasil por inundações, deslizamento de terra ou deslocamento de lama. Mas nos dois últimos anos o Estado do Rio de Janeiro foi particularmente atingido, destacando-se 310 mortes principalmente nos municípios de Niterói e Angra dos Reis.

No dia 12 e janeiro de 20110, na Região Serrana, choveu 130 mm (choveu 180 mm em 30 horas), sendo a chuva acompanhada por rajadas de vento. Muitos brasileiros pobres constroem suas casas em áreas de risco de deslizamento, no pé ou sobre partes inclinadas das montanhas ou próximo a rios, sem projetos de urbanização.

Essa tempestade levou a duas condições distintas:

1 Dr He n r i F. JU L I E N ,

Vi c e pr é s i d e n t de la So c i é t é Fr a n ç a i s e de Mé d e c i n e de Ca t a s t r o p h e

2 Dr Lu i z Ma u r i c i o PL O T K O W S K I ,

Co r r e s p o n d a n t au Br é s i l de la So c i é t é Fr a n ç a i s e de Mé d e c i n e de Ca t a s t r o p h e

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1) Deslizamento de terra e lama.Esse deslocamento ocorreu de forma intensa logo nas primeiras horas,

e continuaram a acontecer de forma intermitente, como explicou o professor Emanoel Pavani Torres, em entrevista a um jornal O Estado de São Paulo. A foto de uma viatura do Corpo de Bombeiros parcialmente soterrada comprova a existência de diversas avalanches. Três bombeiros faleceram no local, surpreendidos por este segundo deslizamento lama e terra.

2) Inundação no fundo de vales.Com o grande volume de chamas os rios se tornaram caudalosos já a partir de meia-noite, levando de roldão casas, pontes, estradas, causando morte

por afogamento com ou sem traumatismo associado.

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Esses dois mecanismos explicam que a causa mortis da população sinistrada foi asfixia. No primeiro caso ela ocorreu por soterramento de areia e lama, no segundo por afogamento, como discutido mais abaixo. Ao contrário de Nova Friburgo onde, além da periferia montanhosa o centro da cidade também foi duramente atingido (comércio, prédios administrativos, hospital), Teresópolis teve seu centro preservado o que facilitou em muito a organização do socorro. Apenas nos bairros periféricos que a catástrofe foi brutal.

Logo depois da meia-noite, montanhas de terra e lama liquida arrastaram árvores destruindo tudo que encontraram pelo caminho, e no fundo dos vales os rios arrastaram casas e os carros pareciam brinquedos boiando.

A catástrofe surpreendeu os habitantes dormindo e foram raras as pessoas que conseguiram escapar para local seguro. Árvores e postes elétricos e telefônicos foram arrancados, canalizações rompidas, estradas e pontes inutilizadas deixando a população sem luz, telefone e em isolamento. Hospitais, quartéis de bombeiros e delegacias de polícia ficaram isolados da comunidade mais afastada. Em Petrópolis, a área atingida foi o Vale do Cuiabá, poupando o centro da cidade da mesma forma que Teresópolis.

Atendimento às Vítimas no Hospital de Teresópolis.

Dia 13, no meio da madrugada, o Dr. W. Morales, cirurgião da Faculdade de Medicina de Teresópolis sendo acordado pela tempestade, verificou que não havia energia no seu bairro. Em função da violência da enxurrada tentou contato com amigos e com o Hospital, sem sucesso. Decidiu ir imediatamente para o hospital dirigindo-se diretamente ao Setor de Emergência. Este médico, por sorte, foi capacitado em medicina de desastre e catástrofe pela escola francesa e faz parte do pequeno grupo que ensina a disciplina no Brasil, conforme as recomendações da Sociedade Francesa de Medicina de Catástrofe.

O prédio do hospital é antigo e se encontra numa das extremidades da cidade, precisamente no cruzamento de duas estradas que levam as áreas mais atingidas. Ele possui um sistema de geradores que funcionou perfeitamente.

Nesta noite o plantão de emergência era composto de 01 cirurgião, 01 anestesista, 01 pediatra, 02 obstetras e 03 internos. Devido a dificuldade de acesso e resgate, as sete primeiras vítimas chegara à emergência apenas às 6:00 horas da manhã.

Às oito horas, o hospital é alertado oficialmente pela ambulância bombeiros de que se tratava de uma grande catástrofe. Pelo testemunho das vítimas, por informações colhidas pelo seu celular que felizmente funcionava e em função das informações da mídia televisiva o hospital já tinha informações da gravidade do evento. Com a chegada da confirmação oficial, Dr. Morales decidiu:

- transformar o centro de acolhimento em centro de triagem

• Vítimas graves categorizadas: Urgência Absoluta (UA) vermelhas, admitidas no hospital que possui 137 leitos e 5 salas de cirurgia.

• Vítimas de gravidade menor: Urgência Relativa (UR) amarelas, admitidas no hospital ou transferidas para um hospital privado, com o qual ele fez contacto.

- encaminhar os implicados ou feridos sem gravidade, classificados verdes, a um posto médico que estava sendo montado pelo pediatra num grande ginásio da cidade.

Paralelamente, verificando que a reserva de sangue do hospital era reduzida, fez contato com o Centro Hematologia do Rio, HEMORIO, e enviou um veículo administrativo para apanhar mais sangue.

Funcionários profissionais de saúde do hospital começaram a chegar espontaneamente. O centro cirúrgico e terapia intensiva foram imediatamente reforçados. Essa movimentação espontânea ocorreu sem que o hospital possuísse um PLANDO BRANCO de emergência.

A Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da cidade, uma unidade de primeiro atendimento de urgência, que possui um repouso com 20 leitos e 05 leitos de reanimação, mas que não possui centro cirúrgico, ficou inoperante até às 12:00 horas, por falta de energia.

No primeiro dia, na sua atividade de médico responsável pela triagem, o Dr. Morales hospitalizou 136 vítimas classificadas como vermelhas ou amarelas, preocupando-se com a documentação da informação elaborando uma lista completa de dados. Entre os pacientes havia 2 queimados graves por explosão de botijão de gás. Chama a atenção o pequeno número de crianças hospitalizadas. As vítimas chegavam trazidas pela população na boleia de

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caminhões, imobilizadas em portas usadas com prancha longa, em colchões, macas improvisadas com roupas e madeira das árvores. A chegada de uma paciente com obesidade mórbida causou muitos problemas no atendimento.

A análise de 121 prontuários mostra a internação de apenas 9 menores de 15 anos, 71 mulheres e 50 homens. Dos 101 prontuários que apresentavam idade precisa, a média foi de 34,4 + 17,5 anos, máximo de 81 e mínimo de 2 meses.

Por ser o mais próximo das áreas atingidas, este hospital público (da Faculdade de Medicina de Teresópolis) foi o ponto principal de convergência dos feridos de Teresópolis.

Nos dias que se seguiram o número de feridos foi diminuindo progressivamente, na sua maioria UR – amarelos, com 250 pacientes internados ao final do terceiro dia.

Vítimas implicadas e pessoas desabrigadas.

O ginásio poliesportivo se mostrou uma estrutura perfeitamente adaptada, pois permitiu:

• O acolhimento de desabrigados e desalojamento por dispor de:o Superfície extensa e plana, possibilitando utilização imediata.

o Estrutura de higiene, toilete e duchao Espaço administrativo com várias salas para abrigar:

Serviço de urgência e consulta médica Equipe de apoio médico-psicológico

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Pontos de coordenação e organização Arquibancada, para separação e armazenamento de doações (roupas, sapatos,

produtos de higiene) que não paravam de chegar

Terreno ao lado, onde a municipalidade instalou container para cadastramento das vítimas visando benefícios sociais imediatos (aluguel social e diversos outros benéficos financeiros para vencer os primeiros meses de dificuldade, obtenção de novas moradia).

Acolhimento e informação a população que estava a procura de familiares e amigos, através de organização de listas de desabrigados presentes no ginásio, implicados, feridos e mortos já identificados em listas afixadas a parede, próximo a sala de apoio psicológico e atualizadas pela municipalidade.

A rua onde se localizava o ginásio possuía barreiras controlada pela guarda municipal e o acesso ao ginásio só era permitido às vítimas, aos funcionários públicos e socorristas voluntários.

Caminhões da Defesa Civil e do Exército garantiram a distribuição de água mineral e gêneros alimentícios.

No 3º. dia, 4000 pessoas desabrigados ou desalojadas já tinham sido cadastradas. O dispositivo que chama a atenção por seu dinamismo, facilitou uma transição rápida objetivando dar autonomia as famílias acometidas: roupas, alimentos e apoio financeiro para moradia (quarto em casas de família, casa ou apartamentos vazios para alugar), obtenção de documentos administrativos de urgência (inclusive para quem perdeu todos os documentos pessoais). Os animais foram objeto de recolhimento e abrigo veterinário.

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Gestão dos mortos em Teresópolis

Sob a responsabilidade da Polícia Civil e sob controle do judiciário, a gestão dos mortos em Teresópolis, foi feita respeitando as leis e os costumes:

• Acolhimento centralizado dos corpos num galpão vazio que fora de um supermercado, envolvidos em sacos guarda-corpo alinhados em fila sobre mesas, em área sem climatização.

• Os corpos foram separados por bairros de origem, para facilitar a identificação, e as roupas foram colocadas ao lado. O vestuário foi de utilidade relativa, pois se tratava de pijamas ou roupas de dormir, muitas rasgadas e arrancadas pela força das águas.

• A área foi gerenciada pelos médicos legistas da polícia civil que vieram em apoio do Rio de Janeiro (fotos, impressões digitais, retirada de material para eventual identificação por DNA, exame médico-legal)

Do outro lado da rua, um dispositivo de apoio complementar foi montado:

• Um lista mura servia como ponto de Informação ao público sobre cadáveres já identificados.

• Estabelecidas áreas de reconhecimento pelas famílias, com a confrontação de dados morfológicos, apresentação de fotos das vítimas trazidas pelas famílias, com as fotos dos corpos, confrontação esta realizados sob a orientação direta da polícia civil e do judiciário. Caso os dados fizesse supor que se tratava de alguém da família, o corpo era então mostrado para reconhecimento oficial. Após o reconhecimento, os corpos eram colocados em caixões funerários fornecidos pela municipalidade e entregues a família.

Paralelamente:

• Funcionários do judiciário forneciam os documentos administrativos necessários,

• Psicólogos ofereçam apoio terapêutico,

• Apoio jurídico as famílias foi disponibilizado por advogados e juízes e por uma associação de ajuda às vítimas.

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Anúncio da chegada de um Setor de reconhecimento Setor de apoio jurídicocorpo já periciado

A causa mortis de mais de 300 vítimas em Teresópolis foi avaliada pelos médicos legistas como:• A imensa maioria dos mortos ocorreu por asfixia

o 25% asfixiados por afogamento,,o 75% asfixiados por soterramento de terra e lama

No 1º. dia 30% dos mortos eram crianças ou adolescentes, esta proporção diminuiu nos dias seguintes

Medidas de ordem geral

Tratando-se em Teresópolis de uma catástrofe de efeito limitado, não evolutivo, o primeiro socorro foi garantido pelas estruturas locais:

• Atendimento de urgência realizado pelo hospital da cidade,

• Acolhimento dos desabrigados no ginásio da municipalidade,

• Gestão inicial dos mortos pelo Juiz e policiais civis locais.

Imediatamente foram enviados reforços do Governo do Estado do Rio de Janeiro, a saber:

• Efetivo da Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil (SEDEC), incluindo o Corpo de Bombeiros, profissionais de saúde e ambulâncias UTI para resgate e transporte de doentes graves, inclusive helicóptero aeromédico. Oitenta pacientes graves foram evacuados para hospitais do Rio de Janeiro.

• Hospital de Campanha para montagem de um Posto Médico Avançado (PMA) da SESDEC, sob a forma de uma tenda climatizada. coordenada por médicos e enfermeiros do Corpo de Bombeiros. Esse hospital de campanha foi instalada na zona central de Teresópolis e era composto de um leito de reanimação, leitos de apoio e 04 postos de atendimento. O PMA garantiu no 2º. e 3º. dias dezenas de atendimentos, evacuando os pacientes mais graves para o hospital.

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• A SESDEC montou também um segundo hospital de campanha, inclusive com centro cirúrgico na cidade de Nova Friburgo. Este hospital não foi por nós visitado.

• Efetivo da Policia Militar do Estado do Rio de Janeiro que garantiu segurança de bens e pessoas, assim como os batalhões que auxiliaram no resgate das vítimas.

• Efetivo da Polícia Civil, que garantiu juntamente com policiais locais toda a estrutura de reconhecimento dos corpos

O governo federal, em Brasília, enviou reforço da Guarda Nacional, o Ministério da Saúde, tonelada de vacinas, e os Ministros da Fazenda, Trabalho e da Defesa, viabilizaram rapidamente recursos financeiros de apoio às vítimas.

Em Teresópolis, a luz foi restabelecida ao meio-dia e a água suspensa por 24 horas para análise de poluição, sendo restabelecida após esse período. Muitas casas possuem cisternas de 1000 a 1500 litros que garantiu autonomia durante o período de interrupção. Nos bairros onde a canalização foi rompida, foi distribuída água mineral em garrafões.

Centros de vacinação foram instalados na cidade e em bairros afastados, essencialmente para prevenir o tétano. No Brasil não existe cólera e a malária não esta presente no Estado do Rio de Janeiro. Na região, o único risco importante é de leptospirose. Na população adulta a seropositividade, a hepatite A está presente em 80% dos adultos maiores de 20 anos.

Discussão

Nós tivemos a oportunidade de visitar no 3º. dia uma das cidades mais atingidas por esta catástrofe que se estende por centena de quilômetros, em área onde vivem 700.000 habitantes, e que teve uma grande repercussão internacional.Nós tivemos uma visão apenas parcial do evento, não falando português, necessitando de ajuda de um intérprete, ou falando em inglês, o que dificultou o contato. Apesar disso, a paciência e a ajuda de todas as pessoas entrevistadas foi digna de admiração.

A dignidade com que todos trabalhavam e a capacidade de auxilio mútuo, assim como, o dinamismo de todos, nos deixou fortemente impressionado.

A repetição desse tipo de catástrofe, inundação e deslizamento de terra e lama, no Brasil, tendo no Estado do Rio de Janeiro como principal área atingida no ano passado, 2010, alcança a cada ano proporções mais importantes. Uma organização anárquica em zonas de risco aumentou as conseqüências de fenômenos meterilógicos paroxísticos. Ë de se notar que nenhum tipo de alerta foi dado a população. Entretanto, os jornais contam que o prefeito da pequena cidade de Areal conseguiu prevenir a população utilizando-se de um pequeno carro de som, solicitando a população de maior risco que abandonasse suas casas. Areal, que foi tão afetada pela catástrofe como as outras cidades, não teve vítimas fatais.

O Município de Teresópolis e o Governo do Estado do Rio de Janeiro foram extremamente ativos na gestão da população afetada. Os serviços da municipalidade foram requisitados para cadastrar a população, acolher e fornecer ajuda imediata (alimentação, vestuário e abrigo) e fornecer suporte administrativo visando habilitá-los a receber auxilio financeiro, objetivando uma autonomia a mais rápida possível. Diversos auxílios específicos (auxílio moradia, auxílio desemprego, bolsa família) foram disponibilizados rapidamente pelo governo federal, imediatamente após a decretação do estado de calamidade pública.

A ajuda aos sinistrados foi realizado por voluntários, registrados no próprio local de atuação, e lhes eram atribuídos um jaleco ou em bandagem de identificação, ou apenas uma simples etiqueta autocolante identificadora.Esses voluntários, muito motivados e ativos, que não tinham evidentemente recebido nenhuma formação, recebiam missões simples, tais como: acolhimento dos implicados, recebimento e distribuição de donativos, gestão de água e alimentos recebidos, fabricação e distribuição de refeições (1300 por dia) em cozinhas improvisadas, acolhimento e apoio psicológico. Não existe no Brasil, como na França, equipes de voluntários rapidamente mobilizáveis da Cruz Vermelha ou da Defesa Civil, nem lideres comunitários.Os reforços vieram dos Governos Estaduais e Federais sob a forma de regatistas, apoio aéreo, equipes médicas e de médicos legistas, apoio pesado de máquinas de obras e montagem de estrutura de comando. No terceiro dia, um posto de comando da Guarda Nacional foi montado ao lado da Prefeitura.

A gestão dos mortos foi excepcionalmente bem feita: centralização dos corpos, certificação legal por equipes formadas por policiais civis, médicos legistas, juízes, possibilitando um reconhecimento rápido pelas famílias, após pré-reconhecinento em dossiês especialmente documentados (área de recolhimento dos corpos, dados

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antropométricos, impressões digitais, fotos...), finalizados pela entrega do corpo em caixão, disponibilizando cerimônia religiosa, conforme o costume local.

Vale destacar que o pequeno município de Areal beneficiou-se de um alerta realizado pela municipalidade, através de uma viatura com auto-falante. Não houve nenhuma vítima. Isso não aconteceu em outras áreas afetadas. A catástrofe ocorreu no meio da noite, durante o sono dos habitantes, sem nenhuma reação de proteção ou fuga.Um alerta, ou mesmo um pré-alerta teria certamente reduzido o número de vítimas.

A hora em que ocorreu e a brutalidade dos dois elementos destruidores: a avalanche de lama e terra que arrastaram casas e a inundação que invadiu e destruiu casas, provocaram a morte por asfixia por água ou lama e terra. Somente 50% dos asfixiados por lama e terra, isto é, 1/3 das vítimas, apresentavam lesões traumáticas associadas.Nós não temos detalhes dos feridos, entretanto, muitos apresentavam ferimentos e contusões superficiais. Nós pudemos ver alguns pacientes com fratura dos membros e síndrome de compressão.No terceiro dia, o número de infecções era elevado: três pacientes morreram de sepsis. Muitos ferimentos suturados rapidamente num primeiro momento precisaram ser reabertos. Como nas catástrofes naturais tipo terremoto, onde tivemos a experiência de atuar, o fechamento de feridas sem a colocação de um dreno conduz, em poucas horas, invariavelmente a infecção.

A triagem das vítimas, como no Haiti, era a primeira ação médica necessária. Trata-se de:- selecionar os mais graves e tratá-los sem perda de tempo, - de não superlotar os serviços hospitalares com pacientes que pudessem ser tratados em outros lugares, organizando um fluxo racional das vítimas.

Tivemos uma grande satisfação de constatar que os critérios de triagem propostos pela SFMC eram conhecidos e aplicados com eficácia.

Em conclusão

A catástrofe que se abateu sobre a Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, acometeu uma extensão de 100 Km onde vive uma população de 800.000 habitantes. Diversos municípios foram afetados destacando-se Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo. Até o dia 20 de Janeiro o balanço contava 719 mortos (619 identificados, 227 desaparecidos cerca de 700 feridos UA e UR 21.500 desabrigados.O resgate e o transporte imediato das vítimas até o hospital foi realizado, na sua imensa maioria, pela população. O hospital de atendimento público foi o ponto de referência espontâneo das vítimas. A triagem imediatamente realizada encaminhou os implicados e leves (verdes) para o centro de acolhimento do ginásio municipal, enquanto que as vítimas graves (UA e UR) eram hospitalizadas. O risco de infecção precisou ser considerado.As mortes ocorreram basicamente por asfixia por lama e terra ou por afogamento. A maioria dos mortos foi surpreendida durante o sono, praticamente impedindo qualquer tipo de reação.As autoridades geriram os problemas dos desabrigados e desalojados com bastante sucesso pela montagem de pontos improvisados, pela mobilização de agentes, apesar de não possuírem um grupo de voluntários treinados. A gestão dos mortos e de suas famílias foi excelente. Eficiência e humanidade foram os pontos essenciais da ação da polícia e do judiciário com o apoio de legistas.

Enfim, esta catástrofe confirma uma vez mais, a necessidade de uma política de prevenção, destacando-se as fiscalização de construção em áreas de risco e previsão de acontecimentos repetitivos com mortos todos os anos. Estas catástrofes naturais tem sido cada vez mais mortais como número crescente de vítimas fatais, chegando a 845 mortos, com dados de 27 de janeiro. Tais fatos devem levar a uma reflexão sincera por parte das autoridades responsáveis.

Agradecimento aos Drs.

- Wellington MORALES, cirurgião do Hospital da Faculdade de Medicina de - Teresópolis e Coordenador de Cirurgia da SESDEC,- Carlos Eduardo COELHO, responsável dos hospitais estaduais da SESDEC,

- Marisa SANTOS, infectologista do Instituto Nacional de Cardiologia do Ministério da Saúde.