heidegger- sobre a essência da verdade
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UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Curso de Filosofia
Filosófica Geral I - Ontologia
SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE
HEIDEGGER
Geraldo Natanael de Lima
Orientador:
Profº Alexandre Lopez
"A liberdade assim compreendida, como deixar-ser do
ente, realiza e efetua a essência da verdade sob a forma
do desvelamento do ente. (...) a verdade é o desvelamento
do ente graças ao qual se realiza uma abertura".
(Heidegger, 1999:162)
Salvador-Ba
Junho de 2004
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SUMÁRIO
1- Introdução................................................................................................................... 03
2- Biografia de Heidegger (1889- 1976)........................................................................ 03
3- Cronologia Martin Heidegger (1889-1976)............................................................... 05
4- Uma visão histórica da época e do nazismo.............................................................. 06
5- Fragmentos do pensamento de Heidegger................................................................ 08
6- Resenha do texto “Sobre a Essência da Verdade”.................................................... 10
7- Bibliografia.................................................................................................................16
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1- Introdução. Este trabalho tem como objetivo elaborar uma resenha sobre o texto “Sobre a
Essência da Verdade” de Martin Heidegger traduzido por Ernildo Stein da coleção “Os
Pensadores” e está contemplado no item 6. Este texto foi elaborado inicialmente em
1930 para uma conferência pública e foi revisto várias vezes por Heidegger até a sua
primeira publicação em 1943 e é o “marco inicial da passagem do primeiro ao segundo
Heidegger” (Heidegger, 1999:151). Nós utilizaremos a Metodologia da Pesquisa
Científica para elaborarmos esta resenha.
Realizamos também uma pesquisa na internet e elaboramos uma síntese dos
artigos publicados para estabelecer a biografia, cronologia, visão histórica da época do
nazismo e fragmentos do pensamento de Heidegger que servirão como pré-requisito
para um melhor entendimento desta resenha.
2- Biografia de Heidegger (1889- 1976). Martin Heidegger nasceu em 26 de setembro de 1889 em Messkirch, na região
da Floresta Negra na Suábia, Alemanha. Seu pai, Friedrich Heidegger (1851-1924), era
fazedor de barris e um sacristão católico, muito modesto, incumbido das vestes, dos
objetos sagrados, de tocar os sinos e também de cavar as sepulturas no interior do
templo. Sua mãe Johanna Kempf Heidegger (1858-1927) era decoradora da igreja de
São Martinho. Heidegger era o filho mais velho e tinha dois irmãos: Mariele e Fritz.
Heidegger passou para os estudos secundários, o que era pouco comum naquela
época aos jovens da zona rural e demonstrou uma preocupação religiosa precoce. Teve
seu interesse despertado para a filosofia ainda no tempo de seus estudos básicos, através
da leitura do filósofo e psicólogo católico Franz Brentano (1838-1917). Impressionou-o
a psicologia “descritiva”, como é apresentada no “Dos vários significados do Ser de
acordo com Aristóteles” de Brentano publicada em 1862. De seu estudo inicial de
Brentano procede também seu entusiasmo pelos gregos, especialmente os pré-
socráticos.
Após terminar os estudos básicos, Heidegger entrou para a ordem dos Jesuítas.
Como noviço, estudou a filosofia cristã medieval e a teologia de Santo Tomaz de
Aquino (1225-1274), na universidade de Friburgo. Foi através de Conrad Grober, futuro
arcebispo de Friburgo, que Heidegger teve a oportunidade de fazer os estudos
secundários em Constança de 1903 a 1906. Entrou para o seminário em Friburgo em
1906 a 1909, onde se tornou excelente aluno de grego, latim e francês.
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Em 1910 ensaiou o seu primeiro escrito em favor do monge Abraham a Sancta
Clara (1644-1709), que era um importante sermonista barroco do sul da Alemanha,
porém era xenófobo e anti-semita. Em 1914, alista-se para o serviço militar, mas é
dispensado após dois meses por razões de saúde. Com 20 anos, Heidegger estudou em
Friburgo com o filósofo Heinrich Rickert (1863-1936), culturalista neokantiano que se
preocupava com a fundamentação metodológica da história.
Em 1916 habilitou-se para o magistério com um estudo sobre o franciscano e
escocês falecido na Alemanha, João Duns Escotus (1266-1308) na Universidade de
Friburgo. A sua dissertação aborda a questão sobre “a interrogação”, tratando da
questão do ser na metafísica ocidental. Heidegger realiza a aula inaugural com um tema
sobre o “Conceito de Tempo nas Ciências Históricas”. Em todos os trabalhos,
transparece a influência da fenomenologia de Edmund Husserl (1859 -1938). Heidegger
foi assistente de Husserl, o fundador da fenomenologia, praticamente desde que o
mestre chegara à Universidade de Friburgo em 1916.
Em 1917 Heidegger casou-se com uma de suas alunas, Elfriede Petri, que era
filha de um oficial do exército alemão. Heidegger e Elfriede tiveram dois filhos e seu
casamento se tornou um escândalo, pois Elfriede era luterana de batismo e a cidade de
Friburgo, onde moravam era muito católica. Ele também se envolveu nesta época com
outra de suas alunas, Hannah Arendt (1906-1975) que tinha ascendência judaica e se
transformou em uma das mais famosas filósofas políticas. Heidegger e Hannah depois
se separaram, porém continuaram se correspondendo.
Em 1923, Heidegger assumiu uma das cátedras de filosofia da Universidade de
Marburgo e começou a projetar-se entre os especialistas, através de interpretações muito
pessoais dos pensadores pré-socráticos, como Heráclito de Éfeso (séc. VI a.C.) e
Parmênides de Eléia (séc. VI a.C.).
Em 1927 surpreendeu o mundo filosófico alemão com “Ser e Tempo”. Essa obra
projetou-o de imediato como o mais famoso representante da filosofia existencialista,
qualificação que ele mais tarde repudiou. O mestre e amigo Husserl se decepciona com
o livro de Heidegger “Ser e Tempo”, se entristecendo com seu melhor aluno. Heidegger
em 1928 renuncia como professor da Universidade de Marburgo e retorna a Friburgo,
desta vez como o sucessor da cátedra de Husserl. Seu discurso de posse na cátedra em
1929 foi “Que é Metafísica?” no qual aborda um de seus temas favoritos, o nada.
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3- Cronologia Martin Heidegger (1889-1976). 1889 – Nasce Martin Heidegger.
1903 – É bolsista no Ginásio em Constança. Prepara-se para a vida sacerdotal e se
envolve em atividades intelectuais antimodernistas.
1910 - Heidegger escreveu “Abraham a Sancta Clara”.
1912 - Publica “O Problema da Realidade na Filosofia Moderna”.
1914 - Início da Primeira Guerra Mundial. Heidegger publica “A Teoria do Juízo no
Psicologismo - Contribuição Crítico- Positiva à Lógica”.
1915 – Escreve e defende a tese “A Doutrina das Categorias e da Significação” sobre
João Duns Escotus se tornando livre-docente na Universidade de Friburgo.
1916 - Torna-se discípulo e assistente de Husserl e rompe com o catolicismo, surgindo
assim à idéia de ateísmo que por muito tempo o acompanhou.
1918 - Terminou a Primeira Guerra Mundial com a derrota do Reich alemão.
1923 - Início das conferencias sobre a Ontologia o que o faz tornar-se famoso.
1927 - Publica a primeira parte da sua grande obra “Ser e Tempo”.
1928 - Torna-se professor na Universidade de Friburgo.
1929 - Heidegger publica “Kant e o Problema da Metafísica” e “O que é a Metafísica?”.
1933 - O nazismo toma o poder na Alemanha e Adolf Hitler é eleito chanceler.
Heidegger torna-se o primeiro reitor nacional-socialista da Universidade de Friburgo.
1934 - Afastou-se de seu antigo mestre Husserl, que era judeu, porém após dez meses
de reitoria, demite-se por discordância com o regime. Fracassa sua abadia de sábios em
Berlim, retira-se de volta para a filosofia.
1936 - Conferências sobre Hölderlin e Nietzsche. Publicou “Hölderlin e a Essência da
Poesia”.
1939 – Inicio da Segunda Guerra Mundial.
1942 - Publica “A Doutrina de Platão da Verdade”.
1943 - Publica “Sobre a Essência da Verdade”.
1945 - Fim da Segunda Guerra Mundial com a derrota da Alemanha nazista. Heidegger
é proibido de lecionar.
1949 - É editado “Sobre o Humanismo”.
1950 - Publica “Caminhos Silvestres”.
1951 - Publica “Dilucidações à poesia de Hoelderlin”.
1953 - Reintegrado no clima da Guerra Fria, reinicia sua carreira filosófica e publica a
“Introdução à Metafísica” e “Caminho do Campo”.
1954 - Publica “O que provoca pensar?” e “Conferências e Artigos”.
1956 - É editado “Que é Isto - A Filosofia?” e “Sobre a questão do Ser”.
1957 - Publica “O Princípio do Fundamento” e “Identidade e Diferença”.
1959 - Publica “Caminho da Linguagem”.
1961 - É editado “Nietzsche”.
1962 - Publica a “Questão da Coisa” e “A Tese de Kant sobre o Ser”.
1967 - Publica “A arte e o espaço”.
1968 - Publica “A Physis em Aristóteles”.
1969 - É editado “A Questão do Pensar”.
1970 - Heidegger junto com Eugen Fink publicam “Heráclito”.
1972 - Publica “A Razão da Identidade”.
1974 - É editado “A Concepção Onto-teo-lógica da Metafísica”.
1976 - Dia 26 de maio morre, em Friburgo, parte da Alemanha Ocidental, cidade
totalmente católica, sendo enterrado em Messkirch em exéquias católicas.
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4- Uma visão histórica da época e do nazismo.
Em novembro de 1918 o Kaiser Guilherme II foi deposto e foi sucedido pela
República de Weimar que era uma coalizão de sociais-democratas e liberais, que
serviram para abalar as certezas que os grandes sistemas filosóficos de Immanuel Kant
(1724-1804) e de Friedrich Hegel (1770-1831) haviam incutido na cultura da Alemanha
imperial, abrindo caminho para que fosse desafiada por todos os lados.
A Cultura de Weimar é o período de 15 anos que transcorreu entre a revolução
de novembro de 1918 até a ascensão de Adolf Hitler (1889-1945) ao poder, em janeiro
de 1933 como chanceler (primeiro ministro). Foi um momento muito especial no qual
um clima derrotista e depressivo, resultante do desastre militar de 1918, misturou-se à
extrema criatividade artística e intelectual daqueles anos bizarros. Berlim tornou-se a
capital das vanguardas nos anos 20.
O pensamento de Heidegger foi se modificando a partir da queda do rei (1918),
de Deus (1920) e da metafísica clássica. Abandonando a teologia, mergulhou nos gregos
para tentar encontrar neles a substância que de alguma forma amparasse o homem
contemporâneo num mundo desesperançado de Deus. Erguendo-se contra a tradição
metafísica e da religião, voltou-se para o ser, para a ontologia. Heidegger, para tanto,
uniu o existencialismo de Kierkegaard (1813-1855) e a fenomenologia do seu mestre
Husserl, abolindo com os dualismos que caracterizavam a metafísica clássica
(corpo/alma, interior/exterior, subjetividade/objetividade, ser/parecer), mantendo, porém
a separação do “eu” com o seu “próximo”. Superar a metafísica para ele é recuperar o
sentido esquecido do ser.
Heidegger não gostava dos novos processos industriais, a valorização da técnica
dominante no mundo moderno, mas então veio Hitler para fazer o céu de novo
resplandecer. Hitler cria uma nova mística, a “do povo e da raça”, que afugentava o
cinza da racionalidade tecnológica, abrindo uma brecha para a vida, para o instinto, para
a coragem, para heroicidade.
Num primeiro momento os direitistas, como Heidegger, sentiram-se fortemente
atraídos pelo discurso do “o sangue e solo”, difundido pela facção agrária dos nazistas,
liderada por Richard Walter Darré (1895-1953). Era um apelo ao completo repúdio ao
espaço urbano-fabril moderno e uma apologia ao universo rural-camponês alemão,
movimento que vai encontrar sua expressão estética na arte nacional-socialista, onde as
telas mostravam o camponês, só ou com a sua família, num cenário sem máquinas ou
quaisquer outros vestígios de modernidade.
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Num segundo momento, porém as coisas se alteraram. Ao chegarem ao poder os
nazistas mudam o discurso. As necessidades estratégicas do III Reich foram sobrepostas
ao romantismo nostálgico. A reativação acelerada dos complexos siderúrgicos e dos
armamentos, determinada depois do rompimento com o Tratado de Versalhes em 1935,
provocou, por si só, um incrível renascer da técnica alemã. O regime mostrou-se aberto
às invenções e às inovações e as celebrou ruidosamente.
A maioria dos intelectuais direitistas acomodou-se a situação com pretextos
conciliadores, aceitando condicionalmente a técnica. Hitler, aliás, não fazia segredo do
seu desejo de, no após guerra, restaurar a vida rural na Alemanha, mandando o povo
todo de volta, convertido ao vegetarianismo e ao antitabagismo, para o cultivo da terra.
Esta reviravolta na questão da técnica causou profunda decepção em Heidegger, que
defendia o “caminho do campo”, fazendo com que ele lamentasse o fato de que também
o nacional-socialismo capitulara frente ao demônio moderno. Heidegger constatou que a
técnica, não só não desaparecera na Nova Ordem como fizera do nazismo o seu
instrumento.
Heidegger já era um filósofo reconhecido internacionalmente e alto membro do
estabelecimento acadêmico alemão, por isso foi recebido de braços abertos pelo
ministro da Cultura do III Reich, Alfred Rosemberg, devido ao seu nome trazer
respeitabilidade à Nova Ordem proposta por Hitler de uma revolução dento da ordem.
Heidegger é convidado para ser reitor da Universidade de Friburgo e o seu
discurso de posse é denominado de “A auto-afirmação da Universidade Alemã” que era
uma ampla afirmação ao Nazismo. Para seus admiradores, Heidegger estava apenas
copiando a política educacional autoritária de Platão, pois terminou seu discurso com
uma citação da República de Platão: “todas as grandes coisas se expõem ao perigo”.
Depois de ter renunciado à reitoria de Friburgo em abril de 1934, um tanto
frustrado, Heidegger tratou de levar uma nova idéia ao Ministério da Cultura em
Berlim: a “Dozentakademie”. Tratava-se do projeto de criar na capital alemã uma
academia de docentes pela qual todos os que desejassem ser catedráticos nas
universidades do Estado nacional-socialista deveriam obrigatoriamente passar. Seria
algo parecido como um mosteiro de filósofos, aonde gente vinda de todas as partes teria
uma vida regrada de acordo com as determinações monacais junto com exercícios
militares. Nesta época Heidegger aprofunda seus estudos sobre dois paradigmas do
novo regime, o escritor e poeta Friedrich Hölderlin (1770-1843) e o filósofo Friedrich
Nietzsche (1844-1900).
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O envolvimento de Heidegger com o nazismo fez com que os seus discípulos,
admiradores e seguidores, sentissem autorizados a seguir por outros caminhos. Apesar
dos protestos de fé do próprio Heidegger, ele foi considerado, por força do livro “Ser e
Tempo”, como um líder do existencialista ateu. Ele influenciou fortemente Jean-Paul
Sartre, na França que foi o mais engajado nas causas da esquerda dos pensadores do
após-guerra e irá publicar em 1943 com um título marcadamente heideggeriano “O Ser
e o Nada”. Hannah Arendt foi uma pensadora crítica do totalitarismo, e conforme já
escrevemos foi sua aluna e amante, irá publicar em 1951 “Origens do Totalitarismo”.
Heidegger, depois de 1945, com a derrota do Estado nazista foi proibido por
decreto de ensinar na universidade alemã até 1949, após ter sido submetido a um
inquérito. Neste espaço de tempo, devido a Sartre e a outros intelectuais franceses que o
admiravam, o existencialismo ganhou o mundo. Tornou-se, no após-guerra, a principal
corrente intelectual entre os europeus e norte-americanos até os anos 60. Heidegger,
nunca se retratou do seu apoio ao nazismo.
5- Fragmentos do pensamento de Heidegger.
Na sua vida madura, Heidegger afirmava que a humanidade esqueceu de sua
vocação original, que é recuperar um profundo entendimento do “ser”, que foi
conseguido pelos gregos e perdido pelos filósofos posteriores. A superação da
metafísica é, no fundo, uma recuperação originária do esquecimento do ser, o
pensamento originário que nos trás as figuras de Heráclito e Parmênides. Toda questão
metafísica somente pode ser formulada de tal modo que aquele que interroga, esteja
implicado na questão, isto é, seja problematizado.
Heidegger denomina “Dasein” (ser aí), no sentido de que o homem é o eis-aí-ser,
ou seja, o lugar em que se dá a revelação do ser. O ser é a “casa” que o homem pode
habitar, é a “clareira” no meio de um bosque, cujos caminhos não levam a parte alguma.
O ser pode aparecer e pode ocultar-se, porém em caso algum é mera aparência, o ser é
presença permanente.
Para Heidegger o ser humano está sempre procurando algo além de si mesmo
buscando objetivar aquilo que ainda não é. O homem seria, assim, um ser que se projeta
para fora de si mesmo, mas jamais pode sair das fronteiras do mundo em que se
encontra submerso. Trata-se de uma projeção no mundo, do mundo e com o mundo, de
tal forma que o eu e o mundo são totalmente inseparáveis.
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A vida cotidiana faz do homem um ser preguiçoso e cansado de si próprio, que,
acovardado diante das pressões sociais, acaba optando por vegetar na banalidade e no
anonimato, pensando e vivendo por meio de idéias e sentimentos acabados, como ente
exilado de si mesmo e do ser. Na sociedade moderna a tecnologia retira o significado da
vida e a atividade científica gera um sinal do esquecimento do ser.
Mas uma coisa pode acontecer que desperta o homem dessa alienação, a
angústia. Ela resulta da falta de base da existência humana. A “existência” é uma
suspensão temporária entre o nascimento e a morte. O projeto de vida do homem tem
origem no seu passado em suas experiências e continuam para o futuro, o qual o homem
não pode controlar e onde esse projeto será sempre incompleto, limitado pela morte que
não pode evitar. A angústia funciona para revelar o ser autêntico, e a liberdade como
uma potencialidade. Ela enseja o homem a escolher a si mesmo e governar a si mesmo.
Na angústia, todas as coisas, todas as entidades em que o homem estava
mergulhado se afastam, afundando em um “nada e em nenhum lugar”. Enfrenta o vazio,
e toda a cotidianidade desaparece, e isto é bom, uma vez que então encontra a
potencialidade de ser de modo autêntico. A angústia abre o homem para o ser.
O nada é a busca originária de uma realidade de libertação. O termo “nada” é
comumente entendido como um vazio, uma falta. Entretanto Heidegger afirma que o
vazio não é um nada, não é também uma falta. O nada é uma ausência, que nos permite
dizer que já esteve lá. O nada é a negação da totalidade do ente, o absolutamente não-
ente. Todavia, o nada é mais originário do que o não e a negação. É na ausência do ser
que o descobrimos e é através deste que nos é revelado o sentido da nossa vida e da
nossa existência.
Na angústia, a relevância do tempo, da finitude da existência humana, é
experimentada então como uma liberdade para encontrar-se com sua própria morte. A
angústia trás o indivíduo a uma confrontação com a morte e com a inutilidade da vida.
Apenas com essa confrontação é que se pode alcançar a autêntica sensação de liberdade
e existência.
Heidegger parte da compreensão da vida concreta no mundo e utiliza a
fenomenologia como método hermenêutico, isto é, interpretativo dos fenômenos que
põe a descoberta na análise existencial. Para ele, a fenomenologia é a procura do sentido
do ser, isto é, ontologia; uma ontologia fundamental que pretende responder à questão
fundamental sobre o ser e revelar sua estrutura. A fenomenologia é o ideal proposto por
Husserl para viabilizar a volta para o mundo pré-científico, o “mundo-da-vida”. É a
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volta as coisas mesmas contra a estagnação das coisas nas teorias. A fenomenologia
representa as operações originárias esquecidas, os seus sentidos, o seu telos.
Heidegger experimentou, nos anos seguintes, que qualquer ontologia, está
comprometida com o ponto de partida da subjetividade. O sentido de ser não é
condicionado pela compreensão do ser. Pelo contrário, é o ser que determina o destino
do pensar humano. O homem pode introduzir o conhecimento existencial no projeto de
sua vida, e assim se apropriar da existência fazendo-a efetivamente sua, tornando-se
autêntico, não mais um ente sem raízes.
Essa visão existencial do homem, em que ele se conscientiza das estruturas
existenciais a que está condicionado e que o tira da superficialidade em que desenvolve
seus conflitos tornou-se sedutora para a psiquiatria, surgindo aí proeminentes terapeutas
existencialistas como Ludwig Binswanger (1881-1966), Medard Boss (1903-1990) e
Ronald Laing (1927-1989).
6- Resenha do texto “Sobre a Essência da Verdade”.
Heidegger inicia o processo de investigação sobre a essência da verdade
afirmando que esta não se encontra nas verdades e realidades do nosso mundo
cotidiano, como na ciência, na arte, na religião ou na filosofia, pois estas desprezam o
saber fundamental que é a essência do ente.
No 1º tópico “O Conceito Corrente de Verdade” Heidegger investiga o que
ordinariamente as pessoas consideram como verdadeiro, como real. Ele faz, entretanto
uma distinção entre o que é real e o que é autêntico. Na realidade se encontram todas as
coisas, mesmo as que são consideradas falsas. No autêntico a realidade concorda com o
que foi propriamente definido no conceito da coisa, ou seja, “a coisa está de acordo”
com o que foi previamente definido. Logo, a coisa verdadeira, ser verdadeiro, significa
está de acordo, está em conformidade entre o que se presumem sobre a coisa, o seu
enunciado e a coisa. Esta é a definição tradicional mostrando a verdade como a
adequação da coisa com o conhecimento ou do conhecimento com a coisa, associando a
verdade com a conformidade.
No pensamento transcendental kantiano, a verdade só “se tornará possível a
partir da essência humana enquanto subjetividade, segundo a qual ‘os objetos se
conformam com nosso conhecimento’” (Heidegger, 1999:156). Na verdade, as coisas
em sua essência e existência correspondem às idéias previamente concebidas pelo
espírito de Deus. As coisas são verdadeiras por concordarem com as idéias se
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conformando com elas. O intelecto humano que é uma faculdade concedida por Deus,
deve adequar o pensamento às coisas e esta tem que estar conforme a idéia. A harmonia
determinada pela ordem da criação gera uma concordância entre os entes devido à
concordância das criaturas e seu criador.
A verdade das coisas também pode ser concebida pela razão universal, pela
lógica da ordem do mundo. Heidegger afirma que segundo esta visão, “a verdade da
coisa significa sempre o acordo da coisa dada com seu conceito essencial, tal como o
‘espírito’ (a razão), o concebe’” (Ibidem). A parte contrária da verdade, a não-verdade é
a não-conformidade, a não-concordância da enunciação com a coisa, é o desacordo do
ente com a sua essência. A não-verdade não está de acordo e está excluída da essência
da verdade. Existe um outro tipo de verdade levantado por Heidegger, a verdade da
proposição, que “consiste na concordância (omóiosis) de uma enunciação (logos) com o
seu objeto (pragma)” (Ibidem, 157).
No 2º tópico “A Possibilidade Intrínseca da Concordância” Heidegger explora
os diversos sentidos de concordância pela identidade de seu aspecto, pela concordância
da enunciação com as coisas e pela adequação da natureza da relação entre a enunciação
e a coisa. “A enunciação apresentativa exprime, naquilo que diz da coisa apresentada,
aquilo que ela é” (Ibidem, 158) e apresentar significa “deixar surgir a coisa diante de
nós enquanto objeto” (Ibidem), manifestada enquanto tal. O ente é isso, ou melhor, é
“aquilo que está presente” (Ibidem, 159).
O comportamento é toda relação de abertura para algo, que o homem mantém
com o ente. A enunciação se conforma ao ente quando o enuncia como ele é. Logo, o
que é dito é verdadeiro e está conforme. A essência da verdade é “aquilo que torna
possível a conformidade” (Ibidem), com a “possibilidade intrínseca da abertura do
conhecimento” (Ibidem).
No 3º tópico “O Fundamento da Possibilitação de uma Conformidade”
Heidegger mostra que o ser livre é a essência da liberdade e é necessário para que a
enunciação se oriente para o objeto, para que algo se manifeste e se vincule a
apresentação. Logo, “a conformidade, se funda na liberdade. A essência da verdade é a
liberdade” (Ibidem, 160). A essência é o fundamento da possibilidade intrínseca
daquilo que é admitido como conhecido e a ação se realiza através da liberdade de quem
age.
A verdade instaurada como liberdade pode ser admitida no nível do sujeito
humano, no âmbito da subjetividade, do seu bom senso, da razão. Seguindo este
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raciocínio, a não-verdade estaria ligada a falsidade, a mentira, logo não deve
comprometer a busca da verdade, pois ela não é essencial.
“Esta origem humana da não-verdade apenas confirma, por oposição,
que a essência da verdade ‘em si’ reina ‘acima’ do homem. Ela é tida
pela metafísica como eterna e imperecível, e jamais poderá ser
edificada sobre a instabilidade do frágil ser humano”.(Ibidem).
No 4º tópico “A Essência da Liberdade” Heidegger afirma que “a reflexão sobre
o laço essencial entre a verdade e a liberdade nos leva a perseguir o problema da
essência do homem” (Ibidem). A liberdade deixa que cada ente seja o ente que é, como
deixa-ser o ente. A palavra “deixar” significa se entregar ao ente, entregar-se ao
“aberto”, não tendo o sentido negativo de indiferença ou de omissão. No pensamento
ocidental este “aberto” era chamado de “tá aléthea” ou desvelado e “alétheia” pode ser
traduzida por “desvelamento” ou “verdade” como conformidade da enunciação, de ser
desvelado e do desvelamento do ente. Heidegger vai mais longe e afirma que:
“(...) deixar-ser significa que nós expomos ao ente enquanto tal e que
transferimos para o aberto todo o nosso comportamento. O deixar-se,
isto é, a liberdade, é, em si mesmo, exposição ao ente, isto é, ek-sistente.
A essência da liberdade, entrevista à luz da essência da verdade,
aparece como ex-posição ao ente enquanto ele tem o caráter
desvelado”.(Ibidem, 161).
A veleidade faz com que as nossas escolhas variem de um extremo ao outro. A
liberdade não é a ausência de constrangimento, de uma ação ou inação, “é o abandono
ao desvelamento do ente como tal. O caráter de ser desvelado do ente se encontra
preservado pelo abandono ek-sistente” (Ibidem, 162).
“A ek-sistência enraizada na verdade como liberdade é a ex-posição ao
caráter desvelado do ente como tal. (...) a ek-sistência do homem
historial começa naquele momento em que o primeiro pensador é
tocado pelo desvelamento do ente e se pergunta o que é o ente. Nesta
pergunta o ente é pela primeira vez experimentado em seu
desvelamento” (Ibidem).
O homem experimentou essa experiência do desvelamento do ente em sua
totalidade inicialmente como “physis” ou natureza, começando a história ocidental. É
este homem historial, ek-sistente que faz começar a história, pois a “natureza” não tem
história. É a liberdade, o ser-ai (dasein), ek-sistente e desvelador que possui o homem
que permitiu uma humanidade, inaugurar a relação com o ente em sua totalidade.
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O ente é encoberto e velado quando o homem historial, mesmo deixando que o
ente seja, não o deixa-ser naquilo que ele é e assim como é. É o jogo da aparência que
passa a dominá-lo o que faz surgir a não-essência da verdade que deriva da essência da
verdade.
No 5º tópico “A Essência da Verdade” Heidegger afirma que “a essência da
verdade se desvelou como liberdade. Esta é o deixar-ser ek-sistente que desvela o ente”
(Ibidem, 163). A disposição de humor é uma ex-posição ek-sistente e afetiva que
desvela o ente em sua totalidade, sendo que a totalidade não é a soma dos entes
realmente conhecidos.
“O comportamento do homem é perpassado pela disposição de humor
que se origina da revelação do ente em sua totalidade. (...) O deixar-se
é, em si mesmo, simultaneamente, uma dissimulação. Na liberdade ek-
sistente do ser-aí acontece a dissimulação do ente em sua totalidade, é
o velamento” (Ibidem, 164).
No 6º tópico “A Não-verdade Enquanto Dissimulação”, Heidegger afirma que
“o velamento recusa o desvelamento à alétheia” (Ibidem). Isto é o mistério, que é a
dissimulação (encobrimento) do que está velado, é a ocultação do ente que fica velado
em sua totalidade, dominando o ser-aí (dasein) do homem. O mistério é a não-essência
original da verdade. “A ‘não-essência’ designa a deformação da essência já
degradada” (Ibidem) é a não-verdade que aponta para o não-experimentado e
inexplorado da verdade do ser e do ente.
O homem geralmente se limita ao possível de ser dominado na realidade da vida
corrente e a dissimulação como acontecimento fundamental está no esquecimento.
Entretanto o mistério esquecido do ser-aí toma uma presença própria não sendo
eliminado. Logo, o ek-sistente, o ser-aí (dasein) é in-sistente, “o homem não somente
ek-siste, mas ao mesmo tempo in-siste” (Ibidem, 166) e na existência insistente reina
o mistério.
No 7º tópico “Não-verdade Enquanto Errância” Heidegger afirma que o homem
é insistente devido a ele ser ek-sistente, porém está focado no ente e por isso está
desviado do mistério. O “errar” ocorre quando o homem se desvia do mistério, se
dirigindo para a realidade corrente. O homem in-siste ek-sistindo se movendo dentro
da errância que faz parte da constituição íntima do ser-aí à qual o homem historial está
abandonado.
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“A dissimulação do ente em sua totalidade, ela mesma velada, se
afirma no desenvolvimento do ente particular que, como esquecimento
da dissimulação, constitui a errância. A errância é a antiessência
fundamental que se opõe à essência da verdade. (...) A errância é o
cenário e o fundamento do erro”. (Ibidem, 167).
O homem pode encontrar uma saída a ameaça de desgarramento (desvio do
rumo) pela errância, quando “for capaz de provar a errância enquanto tal e não
desconhecer o mistério do ser-aí” (Ibidem). A liberdade irrompe da originária
essência da verdade, onde se encontra o mistério e a errância. Existe uma
sobreposição, um entrelaçamento ou imbricação entre a essência da verdade e a
verdade da essência o que levanta a questão do ser do ente, sendo este pensamento
denominado por Platão como “filosofia” e posteriormente como “metafísica”.
Heidegger no item 9 completa afirmando que “a questão da essência da verdade se
origina da questão da verdade da essência” (Ibidem, 170).
No 8º tópico “A Questão da Verdade e a Filosofia” Heidegger inicia afirmando
que é no pensamento do ser que ocorre a libertação do homem para a sua ek-sistência.
É esta libertação que funda a história da humanidade através da palavra. A palavra não
é a “dóxa” - a opinião sofística -, más a “alétheia” - do bom senso - e que é distinguida
por pensadores que decidem a posição do homem na história, porém não consegue
atingir a verdade originária do ente em sua totalidade, a essência do ente.
A filosofia é ambivalente, pois possui a essência e a não-essência, e seu rigor
não rompe o velamento do ente. Heidegger afirma que a filosofia não deve somente ser
“guardiã de suas próprias leis” como defendeu Kant, mas deve ser a:
“(...) guardiã pela verdade daquilo de onde suas leis recebem o caráter
de leis, isto se decide a partir da originalidade com a qual a essência
primeira da filosofia [a metafísica] se tornará fundamental para a
interrogação filosófica” (Ibidem, 169).
A filosofia deve pensar o ser, que é o ente em sua totalidade, através da
investigação da sua “essência”. Logo, a “verdade da essência” é uma questão metafísica
que está relacionada diretamente à questão da “essência da verdade”. Heidegger
finaliza sua investigação afirmando que:
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“A redução da possibilidade interna da conformidade de uma
enunciação à liberdade ek-sistente do deixa-ser, reconhecido como seu
‘fundamento’ e, ao mesmo tempo, o aceno para situarmos o começo
essencial deste fundamento na dissimulação e errância, apontam para o
fato de que a essência da verdade não é absolutamente a ‘generalidade’
vazia de uma universalidade ‘abstrata’, mas, pelo contrário, o único
dissimulado da única história do desvelamento do ‘sentido’ daquilo que
designamos ser” (Ibidem).
Heidegger realiza no 9º tópico “Observações” alguns esclarecimentos afirmando
que a resposta para a questão da verdade se encontra na proposição “a essência é a
verdade da essência” (Ibidem, 170). A verdade significa o velar iluminador enquanto
traço essencial do ser. “Ao ser pertence o velar iluminador”, uma luz que o dissimula, o
encobre. A verdade é tomada como conformidade para a liberdade ek-sistente do
ser que passa para a verdade como dissimulação, velamento e errância. O homem
deve buscar penetrar no ser-aí (dasein) e a partir deste aproximar o homem historial da
verdade do ser.
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7- Bibliografia. BLACKBURN, Simon, Dicionário Oxford de Filosofia, RJ, Jorge Zahar Editor, 1997.
FERRATER MORA, José, Dicionário de Filosofia, SP, Edições Loyola, 2000.
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HEIDEGGER, Martin, Coleção Os Pensadores, SP, Nova Cultural, 1999.
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http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/heidegger4.htm, consulta realizada em
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http://64.233.161.104/search?q=cache:PKThBFjU5eAJ:intervox.nce.ufrj.br/~ballin/heid
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MARCONDES, Danilo e JAPIASSÚ, Hilton, Dicionário Básico de Filosofia, RJ,
Jorge Zahar Editor, 2001.