hebe mattos o pós abolição como problema

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  • 7/29/2019 Hebe Mattos O ps abolio como problema

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    TOPOI, v. 5, n. 8, jan.-jun. 2004, pp. 170-198.

    O ps-abolio como problema

    histrico: balanos e perspectivas

    Ana Maria Rios

    Hebe Maria Mattos

    Introduo

    As vises da ltima gerao de escravos brasileiros sobre seus planos edestinos, aps o 13 de maio, finalmente comeam a emergir como um dosproblemas histricos cruciais na historiografia brasileira sobre o perodo.At a dcada de 1990, aproximadamente, apenas a marginalizao dos liber-tos no mercado de trabalho ps-emancipao era enfatizada nas anliseshistoriogrficas. Os ltimos cativos e seu destino aps a abolio atraam

    compaixo e simpatia, mas no pareciam apresentar maior potencial ex-plicativo para a histria do perodo. Com a abolio do cativeiro, os escra-vos pareciam ter sado das senzalas e da histria, substitudos pela chegadaem massa de imigrantes europeus.

    Apesar disto, inmeros trabalhos se dedicaram a estudar os projetosdas elites a respeito dos libertos e da utilizao dos chamados nacionaislivres como mo-de-obra. Detalhes sobre diagnsticos e projetos de cons-

    truo nacional, produzidos por elites invariavelmente conservadoras, pau-taram por muito tempo a discusso historiogrfica sobre o perodo ps-emancipao.1 Melhor dizendo, o ps-abolio como questo especfica sedilua na discusso sobre o que fazer com o povo brasileiro e a famosaquesto social.

    No nossa inteno desqualificar a importncia da anlise dos pro-jetos dominantes, que so vrios e multifacetados e nos ajudam na com-preenso dos projetos de Brasil em debate no cenrio poltico a partir da

    perspectiva do fim da escravido. Nossa inteno tentar demonstrar atque ponto estes projetos estiveram informados por um conhecimento prag-mtico das elites agrrias sobre as expectativas dos ltimos libertos e de que

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    maneira interagiram com as atitudes e opes adotadas por eles aps o fimda escravido.

    Alguns aspectos comparativos do ps-abolio

    Desde os anos 1970, quando preocupaes macro-econmicas cons-tituam o principal aspecto analisado em termos comparativos nas socie-dades ps-emancipao, muito se avanou nas discusses historiogrficassobre o tema. O acentuado declnio da produo aucareira da Jamaica apsa abolio da escravido, em contraste com continuidade sem quebrasexpressivas desta indstria em Trinidad, chamavam a ateno para as dife-rentes atitudes dos libertos quando da emancipao do trabalho no CaribeBritnico. As diferenas foram explicadas enfatizando a existncia de umafronteira agrria aberta na Jamaica, com espaos montanhosos e inteis paraos canaviais, contraposta a uma fronteira agrcola fechada, como em Bar-bados, por exemplo. A existncia ou no de uma fronteira agrcola abertaseria o elemento determinante para o entendimento da diferena do com-

    portamento dos libertos nas duas ilhas, o que seria muitas vezes generali-zado para outras regies. Assim, nas condies de fronteira aberta, os libertostenderiam a buscar a autonomia, a se retirarem do trabalho nasplantationse a criarem um estilo de vida campons, vivendo prximo aos limites m-nimos de subsistncia, com efeitos desastrosos para a economia destas re-gies. Ao contrario, onde a fronteira se encontrasse fechada, os libertosteriam que se submeter s condies de trabalho propostas pelos emprega-dores, e os efeitos das mudanas na situao jurdica dos trabalhadores se-

    riam minimizados.2Da mesma forma, alguns trabalhos brasileiros das dcadas de 1970 e

    1980 enfatizaram um relativo paralelismo com esta situao. As dificulda-des de reter na grande lavoura a chamada mo-de-obra livre nacional nasreas escravistas do Centro-Sul, enfatizada pela dependncia dessas reasdos fluxos internacionais de trabalho imigrante e pela desarticulao dalavoura escravista de alimentos da regio, substituda pela formao de um

    campesinato negro, foi considerada, por alguns autores, funo da fron-teira agrcola ainda aberta nestas reas, em oposio ao fechamento delanas antigas reas aucareiras do nordeste.3

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    Mas a vida no assim to simples. A fronteira agrria no pura-mente um dado geogrfico, e a experincia da mesma Jamaica, estudadamais de perto, mostrou que a utilizao desta fronteira, para a formaodas vilas camponesas, foi palco de encarniada luta poltica, na qual o esta-do jogou toda sua fora. Pesados impostos e taxas sobre os produtos cam-poneses e sobre a terra, leis coercitivas ao trabalho nasplantations, redefi-nies sobre direitos consuetudinrios, estabelecidos no perodo escravista,e at mesmo novos cdigos de conduta e moralidade a serem aplicados aoslibertos relativizaram bastante a proeminncia da fronteira agrria aberta

    na Jamaica como fator determinante nos destinos daquela sociedade apsa escravido, enfatizando a dimenso de luta poltica dos libertos, desen-volvida em vrias frentes, desde demandas no terreno jurdico at revoltasabertas e violentas.4

    Tambm neste aspecto, a historiografia brasileira seguiu percursosemelhante, passando a enfatizar os embates entre as expectativas doslibertos, que se definiam na forma de um projeto campons, e as condi-es polticas de acesso terra e de garantia da sobrevivncia em diferentes si-

    tuaes regionais. Especialmente, ficou empiricamente demonstrada que pa-ralelamente formao de um campesinato negro, manteve-se a centralidadedo liberto, enquanto fora de trabalho, nas fazendas das antigas reas escravistasdo sudeste, nas dcadas que se seguiram imediatamente escravido.5

    O campo aberto para os estudos do ps-abolio passou assim a incluirvariveis e preocupaes mltiplas. O papel do estado, dos ex-senhores, ascondies em que eram exercidas as atividades que empregavam os escra-vos s vsperas do fim da escravido, a existncia ou no de possibilidades

    alternativas de recrutamento de mo-de-obra (imigrao) etc. Incluiu tam-bm a recontextualizao de conceitos como cidadania e liberdade e seuspossveis significados para os diversos atores sociais.

    Robert Blackburn, historiador ingls, definiu o grande ciclo das revo-lues atlnticas nas Amricas, como uma era das abolies, identifican-do na superao da escravido africana e no acesso cidadania entendidanos termos do novo iderio liberal, a principal transformao revolucionriado continente.6 De fato, at meados do sculo XVIII, a legitimidade daescravido, mesmo que em contextos especficos, era compartilhada pelopensamento cristo ocidental catlico ou protestante e pelas muitas

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    sociedades africanas envolvidas no trfico. Foi a partir de meados do scu-lo XVIII que emergiram discursos abolicionistas no contexto da Ilustra-o europia, questionando progressivamente a legitimidade da escravido.Desde ento, por diferentes caminhos, desde a emancipao escrava noHaiti, em 1794, at a abolio definitiva da escravido no Brasil, em 1888,a instituio escravista foi legalmente extinta em praticamente toda a Afro-Amrica. Num contexto de emancipaes polticas sucessivas em nome daliberdade dos novos cidados, a questo dos direitos de cidadania doslibertos, o pensamento racial emergente nas novas naes em construo,

    bem como suas relaes com os cnones do iderio liberal e com as varia-das conjunturas histricas em que as diferentes sociedades escravistas vive-ram o processo da emancipao escrava ao longo de todo o sculo XIX, sovariveis que passaram a ser cada vez mais consideradas.

    Da mesma forma, caractersticas especficas da escravido e da popu-lao escrava passaram a ser analisadas para apreender aquilo que se tor-nou um diferencial marcante nos modernos estudos do ps-abolio: osprojetos dos libertos, sua viso do que seria a liberdade, os significadosdeste conceito para a populao que iria, finalmente, vivenci-la, e noapenas para os que o definiram nos diferentes momentos do processo deemancipao. Em termos concretos, a liberdade alcanada com o fim legalda escravido teve significados diferentes para ex-escravos urbanos e rurais,com habilitaes profissionais ou de roa, homens ou mulheres. Foi dife-rente para ex-escravos que, como na Jamaica, eram majoritariamente afri-canos ou filhos destes, em relao queles que, como nos EUA, eram a vrias

    geraes nascidos em terras americanas, ou ainda em situaes como Cubae Brasil, nas quais as vrias situaes se misturavam. Foi diferente parapopulaes que se acostumaram a misturar-se e a relacionar-se, por laosde vizinhana, compadrio, amizade ou casamento, a uma populao livrepr-existente. Foi diferente para os que se viram livres em sociedades comforte construo legal relacionando igualdade e acesso cidadania polti-ca, com presuno de plenos direitos a todos os cidados (desde que livrese homens) ou em sociedades onde esta presuno no existia na prtica,

    nas quais relaes pessoais se faziam definidoras de direitos num quadrode manuteno de relaes hierrquicas e clientelsticas, como a brasileira.

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    Necessariamente as expectativas concretas e projetos possveis de insero nomundo livre haveriam de sofrer diferenas conforme estas variveis.

    Apesar destas diferenas, muitos dos comportamentos e projetos dasltimas geraes de escravos se mostraram semelhantes nas Amricas. Dentreeles, destacam-se a busca generalizada por mais autonomia e controle sobretempo e ritmos de trabalho, a busca da proteo da famlia com a luta (nemsempre vitoriosa) pela retirada das mulheres e crianas do trabalho coleti-vo nasgangsou turmas, a recusa ao trabalho e as revoltas contra o trata-mento que lhes lembrasse a escravido, dentre eles restries mobilidade

    espacial e os castigos fsicos.7No Brasil, o fim da escravido e as reconfiguraes sociais no ps-

    abolio tiveram tambm contornos regionais especficos. A instituiopraticamente se dissolveu no nordeste, terminando ali mais cedo do queno centro-sul. Um deslocamento macio de escravos das regies nordesti-nas, com destino principalmente ao sudeste, com base no trfico interno,foi responsvel por mudanas profundas nas duas regies. No sudeste, svsperas da abolio, o vale do rio Paraba, de ocupao mais antiga (inciodo sculo XIX), apresentava escravarias assentadas, com algumas geraesde escravos j nascidas na regio. J nas reas de ponta da cafeicultura paulista que demandavam um crescente nmero de trabalhadores disciplinaros recm chegados que vinham continuamente s fazendas que se abriam,mostrou-se mais problemtico.

    Ainda hoje, o processo de abolio da escravido no Brasil foi bemmais estudado do ponto de vista econmico e poltico do que de uma pers-

    pectiva social ou cultural. Enquanto problema econmico, quase natural-mente tendeu-se a privilegiar a questo da substituio do trabalho nas reasmais prsperas da cafeicultura paulista e a substituio quase absoluta doescravo negro pelo imigrante europeu. Aparentemente substitudo peloimigrante no Oeste Paulista e, em parte, tambm na cidade de So Paulo,tendeu-se a generalizar a experincia paulista para o conjunto do pas. Sin-tomaticamente, os primeiros estudos de flego que trataram do liberto apsa emancipao, de uma perspectiva scio-cultural, diziam respeito a SoPaulo, desde o clssico de Florestan Fernandes aos trabalhos mais recentesde Reid Andrews e Maria Helena Machado.8

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    O caso paulista, entretanto, no pode ser considerado isoladamentepara se pensar a insero social do liberto aps a emancipao. O vertigi-noso crescimento, tanto da lavoura cafeeira paulista quanto da cidade deSo Paulo, aps a abolio do cativeiro, demograficamente embasado naimigrao subvencionada, subverteu muito rapidamente as relaes dedependncia entre ex-senhores e libertos, permitindo, conforme desenvolveAndrews, que aqueles pudessem muito mais facilmente ignorar as reivin-dicaes colocadas por estes. Alm disto, apesar de contar com a terceirapopulao escrava do pas, o impacto demogrfico da escravido, especial-

    mente no Oeste Paulista, no tem paralelo com o das antigas reas escra-vistas do nordeste ou com o das regies vizinhas, no Rio de Janeiro, emMinas Gerais e em outras reas da prpria provncia de So Paulo.

    Neste artigo procuraremos trabalhar com alguns aspectos centrais jdiscernveis das pesquisas sobre o perodo ps-abolio no Brasil, buscan-do enfatizar o papel jogado neste processo pelos ltimos libertos e por suasexpectativas e atitudes em relao liberdade. Nossa anlise se concentra-r, especialmente, no velho Vale do Paraba, onde a escravido enquanto

    instituio manteve at tardiamente sua vitalidade e a imigrao estrangei-ra foi muito limitada. Buscamos, assim, contribuir para uma espcie de qu-mica fina deste processo, procurando cercar e problematizar aspectos doque entendemos como as principais demandas por incluso, ou cidadania,perseguidas pela ltima gerao de escravos e por seus filhos e netos. Enten-demos que estas demandas se organizaram a partir de noes de direitopeculiares a esta populao que, obviamente, tambm mudaram ao longodo tempo. Indcios dos elementos que constituram estas expectativas dedireitos puderam ser percebidos atravs da documentao do registro ci-vil, de notcias de jornais e da anlise de processos criminais. Trabalhosrecentes, que resultaram em dissertaes e teses ainda no publicados re-foraram a validade de algumas idias que j vnhamos discutindo e contribu-ram decisivamente para os resultados deste ensaio.9

    Utilizamos tambm um outro tipo de fonte. So depoimentos de des-cendentes da ltima gerao de escravos, ou de seus filhos, j beneficiados pela

    lei do ventre livre. Em geral os netos desta gerao. Sobre a utilizao destesdepoimentos, e o problema das fontes para uma abordagem histrica do ps-abolio de modo geral, gostaramos ainda de fazer alguns comentrios.

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    O ps-abolio e o problema das fontes

    Apesar de uma anteriormente propalada falta de fontes, sabemos hojeque so inmeras e ainda insuficientemente exploradas as fontes relativas escravido no Brasil, tendo em vista o estatuto jurdico especfico querecaa sobre os escravos e que os transformava numa categoria classificatrianecessria em quase quaisquer tipos de fontes primrias do perodo. Quandose trata do perodo ps-emancipao, entretanto, tem-se apenas (e mesmoassim precariamente) as designaes de cor como via de acesso aos ex-cativos.

    Esta uma dificuldade geral nas pesquisas sobre a experincia histri-ca ps-emancipao nas Amricas. No Brasil, entretanto, especialmenteacentuada, no apenas pela inexistncia de prticas legais, baseadas emdistines de cor e raa ou pela presena demograficamente expressiva, emesmo majoritria, de negros e mestios livres, antes da abolio, mas pelodesaparecimento, que se faz notar desde meados do sculo XIX, de se dis-criminar a cor dos homens livres nos registros histricos disponveis.10Pro-cesso cveis e criminais, registros paroquiais de batismo, casamento e bi-

    to, na maioria dos casos, no fazem meno da cor e, mesmo nos registroscivis, institudos em 1888, onde citar a cor era legalmente obrigatrio, emmuitos casos, ela se faz ausente.

    Apesar da nfase da utilizao de classificaes de cor no censo de 1890,o que denota as preocupaes racialistas da quase totalidade do pensamen-to social brasileiro do perodo,11este recenseamento considerado estatis-ticamente precrio para qualquer anlise demogrfica minimamenteconfivel. Depois dele, o recenseamento de 1920 incorporaria o desapare-

    cimento da cor s estratgias estatsticas do governo brasileiro, que s vol-tariam a se alterar com o censo de 1940.12

    Neste contexto, a explorao de depoimentos orais de descendentesda ltima gerao de escravos brasileiros, que comearam a ser produzidosde forma mais ou menos sistemtica por diferentes pesquisadores desde ocentenrio da abolio, em 1988,13apresentou-se como uma fonte alter-nativa para a abordagem histrica do perodo ps-emancipao. Entre estas

    iniciativas, desde 1994, o projetoMemrias do Cativeiroreuniu no LABHOI-UFF diversos pesquisadores, num esforo de documentao e pesquisa, quebuscava conseguir produzir fontes de memria capazes de embasar uma

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    abordagem histrica da insero social do liberto aps a abolio da escra-vido. Este acervo se constituiu fundamentalmente a partir do arquivamen-to no acervo do Laboratrio das entrevistas produzidas pela pesquisa paraa tese de doutorado de Ana Maria Lugo Rios, sobre a histria da expe-rincia familiar dos descendentes de libertos nas antigas reas cafeeiras doRio de Janeiro e de Minas Gerais; para a tese de Robson Lus MachadoMartins, desenvolvida em uma comunidade rural do Estado do EspritoSanto (municpio de Alegre), formada por descendentes de antigos escra-vos da regio; alm da produo de entrevistas diretamente pela equipe do

    LABHOI, sob a coordenao de Hebe Maria Mattos.14

    De forma geral, escravido e liberdade aparecem com diferentes sig-nificados nestes depoimentos. Significados que por vezes estavam referi-dos abordagem do entrevistador, histria de vida do entrevistado ou aocontexto especfico de cada entrevista. Para responder s perguntas dosentrevistadores, os entrevistados freqentemente recorreram a contos popu-lares ou ao que uma vez aprenderam nos livros didticos, na igreja ou nossindicatos, bem como s informaes veiculadas sobre o tema pelo cinema

    e pela televiso. Neste processo, o seriado americano Razes(Roots), porexemplo, tornou-se referncia recorrente das respostas dos informantes emalgumas entrevistas realizadas em 1988.

    Apesar disto, alguns padres de referncia escravido e ao processode emancipao apresentaram-se incrivelmente similares nos diversos con-juntos de entrevistas analisadas permitindo identificar uma memria cole-tiva produzida no mbito da tradio familiar dos descendentes dos lti-mos libertos, especialmente no antigo sudeste cafeeiro, onde majoritariamenteaqueles se concentravam.

    A anlise das fontes orais assim produzidas possibilitou no apenascomplementar as lacunas das fontes escritas para o estudo das populaeslibertas. Elas abriram perspectivas de anlise das vrias formas possveis depassagem da escravido para a liberdade. Mostram como, ainda sob a vign-cia daquela instituio, alguns marcos desta passagem (como a lei do ven-tre livre, por exemplo) ficaram marcadas na memria familiar, apropriadas

    e ressignificadas por seus descendentes ao longo do conturbado sculo XX.A explorao sistemtica de reminiscncias do trabalho na infncia, aconstruo de genealogias e a explorao de coincidncias narrativas sobre

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    o tempo do cativeiro foi a base comum do tratamento metodolgico donosso trabalho com as fontes orais para repensar o perodo ps-abolio.Especialmente o uso de genealogias permitiu acompanhar verdadeiras sagasfamiliares que remontam ao incio do sculo XIX e desdobram-se at asltimas dcadas do sculo XX.15

    Os resultados assim alcanados, associados com o conhecimento acu-mulado atravs da anlise de fontes demogrficas, cartorrias e judiciais,permitiram abordar aspectos do processo de insero social dos ltimoslibertos aps o fim do cativeiro que as abordagens exclusivamente basea-

    das em fontes escritas, at ento, no haviam conseguido explorar. Dentreestes aspectos, comecemos pelas opes que se abriram para os recm libertossobre permanncia, mobilidade em uma mesma regio e migrao, umadas primeiras decises a serem tomadas.

    Mobilidade e migrao no ps-abolio

    As discusses sobre mobilidade espacial tm ocupado posies de

    destaque nas abordagens historiogrficas sobre o devir do mundo rural dosudeste escravista e ps-emancipao.16Ainda antes da abolio uma daspreocupaes centrais dos senhores era a possibilidade dos escravos deixa-rem as fazendas nos quais foram cativos. Dentre as estratgias senhoriaispara evitar este abandono estava a de procurar lig-los a si e s fazendas porlaos de gratido, antecipando-se abolio e concedendo alforrias emmassa. A possibilidade de despertar-lhes a gratido ligava-se ao entendi-mento senhorial de que os escravos deveriam receber a liberdade de suas

    mos, e no do Estado, e perceb-la como uma ddiva senhorial.17Esta estratgia, de eficcia bastante duvidosa, no era a nica fonte de

    esperana de reter os libertos aps o inevitvel fim da escravido. Muitossenhores percebiam que a mobilidade de parte significativa de seus escra-vos apresentava-se seriamente comprometida pelas prprias caractersticasdas comunidades de escravos que habitavam suas senzalas. No Vale doParaba, boa parte dos escravos estava ligada entre si por extensas redes de

    parentesco, de por vezes at trs geraes em uma mesma fazenda. Os pro-venientes do trfico interno, parte dos quais foram adquiridos juntamentecom suas famlias, encontraram nas novas fazendas oportunidades maio-

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    res de constituir famlia e relaes entre os escravos j residentes, do queencontrariam seus conterrneos vendidos para as novas fazendas que seabriam nas reas de expanso do caf, como o chamado oeste novo, naprovncia de So Paulo. Nas fazendas mais antigas, em geral, a relao ho-mem/mulher era bem mais equilibrada que nas fazendas novas, as comu-nidades apresentavam-se mais estveis, as rivalidades tnicas mostravam-se em boa parte superadas, tornando-as um ambiente bem mais acolhedordo que o mundo essencialmente masculino e desenraizado das fazendasnovas.18

    Este momento na histria das escravarias da regio, de consolidaode parentelas e de superao de rivalidades ancestrais no passou desperce-bido pelos senhores mais argutos, que consideravam, nas palavras do baroLuiz Peixoto de Lacerda Wernek, impoltico separarem-se escravos de hmuito acostumados a viverem juntos.19Seno pela gratido, pelos laos queos escravos haviam construdo entre si, que os amarravam a parentes ido-sos e crianas, o abandono das fazendas ou da regio em que cresceram mos-trou-se uma razo poderosa para fixar os libertos. Aps um primeiro mo-

    mento de intensa movimentao, inclusive com as passagens de tremsubsidiadas pelo governo imperial, boa parte dos libertos considerou van-tajosa a permanncia na regio em que j eram conhecidos e nas quais jcontavam com uma rede de parentes e amigos.

    Assim foi possvel, nos anos de 1994 e 1995, encontrar pessoas comoSeu Valdemiro, Seu Izaquiel, Seu Pedro Marin, Dona Zeferina, DonaBernarda e muitos outros que viviam na mesma regio, na mesma fazendaou at na mesma casa em que seus avs, da primeira gerao de libertos,viveram. Foi possvel tambm encontrar remanescentes de antigasescravarias que permaneceram conformando comunidades de libertos deuma mesma fazenda, como as do Paiol, em Bias Fortes (MG) e a de SoJos, em Valena (RJ).20

    Deixar ou no as fazendas onde conheceram o cativeiro foi uma deci-so estratgica a ser tomada pelos ltimos cativos aps a abolio. O exer-ccio da recm adquirida liberdade de movimentao teria que levar em

    conta as possibilidades de conseguir condies de sobrevivncia que per-mitissem realizar outros aspectos to ou mais importantes da viso de liber-dade dos ltimos cativos, como as possibilidades de vida em famlia, mo-

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    radia e produo domstica, de maior controle sobre o tempo e ritmos detrabalho e, de modo geral, sobre as condies dos contratos a serem obti-dos (de parceria, empreitada ou trabalho a jornada) tendo em vista as difi-culdades ento colocadas para o acesso direto ao uso da terra.

    Estas condies, no imediato ps-abolio, apareceram como favor-veis aos libertos, em um momento de demanda por mo-de-obra e de fixa-o incipiente de normas de contrato de trabalho no campo. A ilusohistoriogrfica da marginalizao e anomia dos libertos se fez, em gran-de parte, porque a maioria deles conseguiu, em poucos anos, recursos so-

    ciais suficientes para no mais ser atingida pelo estigma da escravido, sejanegociando condies de trabalho que privilegiavam a utilizao do traba-lho familiar nas antigas fazendas ou nas novas reas de expanso contraas pretenses de manter uma organizao coletivizada do trabalho no eitodos ltimos senhores , ou ainda procurando situar-se como produtoresindependentes em reas de subsistncia.21

    As condies favorveis a esta capacidade de negociao dos libertostinham, entretanto, como principal limite, exatamente a continuidade das

    identidades sociais, construdas ainda durante o cativeiro; as distines entreex-senhores, libertos e homens nascidos livres, que os prprios libertosbuscavam arduamente tornarem obsoletas.

    Nem s sua presso agiu neste sentido. A Repblica, ao queimar asmatrculas de escravos e ao promulgar uma Constituio de cunho liberal,de certo modo contribuiu para que este processo de assimilao entrelibertos e nascidos livres se efetivasse, mesmo que, num primeiro momen-to, ao reforar o controle privado dos ex-senhores, em relao s instnciaspblicas de represso, tenha incentivado, em sentido oposto, a estratgiasenhorial de se apoiar nos dependentes nascidos livres para forar os liber-tos a continuarem onde sempre haviam estado.22

    Sob a gide republicana, ainda, rapidamente se concluiu o processode positivao das normas jurdicas relativas propriedade da terra, revo-gando os ltimos vestgios de uma legislao que confundia freqentementeo legal com o costumeiro e que podia ser acionada a favor dos mais fracos,

    pelo menos se este tivesse um bom protetor. A lei Torrens, que atribua aosEstados a tarefa de demarcar as terras devolutas, revelou-se mais eficaz quea Lei de Terras, que a precedeu, para declarar, como tais, terras ocupadas

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    por situantes sem ttulo de propriedade, retirando os ltimos resqucios delegitimidade deste tipo de ocupao. Os negcios e os esplios com situa-es (lavouras e benfeitorias) nos cartrios fluminenses, que decresciamdesde a aprovao da Lei de Terras, simplesmente desaparecem, a partir dadcada de 1890. Mesmo que ainda se vendessem informalmente lavou-ras, at mesmo em terras de meao, esta prtica j no produzia nenhumttulo legal, a semelhana do que as pesquisas com inventriospost-mortemidentificaram para o sculo XIX. Tambm o estabelecimento de impostosterritoriais, em finais do sculo XIX, tanto no Rio de Janeiro quanto em

    Minas Gerais, mesmo permanecendo aparentemente letra morta, do pon-to de vista das rendas estaduais e do cerceamento do latifndio, compro-meteram a transmisso de herana das pequenas propriedades.23

    Com o correr dos anos, portanto, a mobilidade passou de opo ouexerccio de liberdade para uma espcie de maldio para os ltimos liber-tos. Famlias como as da liberta Tibrcia, sua filha Clotilde e sua neta DonaNininha, entre outras, tiveram nos constantes deslocamentos uma hist-ria de privaes extremas e de desestruturao da vida familiar.24

    M. Craton aponta como uma das caractersticas do ps-abolio noCaribe a tendncia das fazendas de acar de manter um corpo permanen-te restrito e de recorrer a trabalhadores sazonais. Este corpo permanente,ainda segundo Craton, seria composto pelos trabalhadores mais antigos econfiveis e suas famlias.25O mesmo parece ter acontecido em pelo menosparte do Vale do Paraba, com um agravante. Com a cafeicultura em crise,muitos fazendeiros optaram pela criao extensiva de gado, atividade que exi-giria ainda menos trabalhadores do que a manuteno das fazendas de caf.

    O tempo viria cristalizar na regio, para os libertos e seus filhos, duaspossibilidades bsicas, ou dois extremos polares em um continuumposs-vel de situaes. Por um lado, a estabilidade via contratos, no mais das vezesinformais, que seriam socialmente sedimentados com o passar do tempo eque aparecem, no discurso de filhos e netos destas famlias de camponesesnegros, como de grande flexibilidade e tolerncia. Por outro, uma extremamobilidade tanto para alguma famlias como para uma maioria de homens

    que, solteiros ou casados, iriam habitar os barraces das fazendas que abri-gavam os trabalhadores sazonais. Para as famlias, uma trajetria vivida emcasas precrias, emprestadas ou construdas por elas, na qual habitariam

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    por um perodo limitado de tempo. Algumas vezes este perodo foi to limi-tado, que no puderam nem mesmo colher os frutos do que haviam plan-tado em suas roas. J para os homens que migravam em busca de traba-lho, a habitao coletiva dos barraces e a comida fornecida pelas cozinhasdas fazendas tinham ainda a agravante de contratos de trabalho a molha-do, que reduziam substancialmente o salrio se comparado com o salrioa seco, no qual o trabalhador recebia a comida de sua famlia.26

    Dentre a gama de entrevistas de filhos e netos de libertos, a alternati-va de migrao para as cidades, em especial para Juiz de Fora e para o Rio

    de Janeiro, mas tambm para as pequenas cidades da regio, aparece comoforte alternativa para a gerao dos depoentes ainda em sua juventude.Nestes casos, pudemos detectar determinados padres que aparecemrecorrentemente a partir da dcada de 1930. Aurora, uma das netas maisvelhas da liberta Francisca Xavier seguiu ainda adolescente, nos anos 1940,uma prima que j trabalhava no servio domstico no Rio de Janeiro. Antesdisto, Ormindo, irmo mais velho de Izaquiel, tinha seguido para o cinturorural de Nova Iguau, a convite de um primo, para plantaes de laranja

    na encosta dos morros e com acesso mais fcil aos mercados da cidade. Nosanos 1930, tambm por motivos bastante fortes, seu Cornlio foge paraser aprendiz de padeiro, a primeira dentre uma srie de ocupaes urba-nas, em Juiz de Fora.27

    O fato de a maior parte dos casos nos quais se detectou a migraopara as cidades ter seguido a lgica do convite anterior por um parente,ou, especialmente nos casos das mulheres que saram para se empregar noservio domstico, de famlias conhecidas na regio de origem, no umanovidade em estudos sobre migrao. O dado especfico que coloca o estudodesta migrao, em particular, como um dos elementos da histria do ps-abolio que ela se origina de um contexto criado tanto no processo defixao das novas formas de trabalho no campo, quanto da ausncia depolticas especificamente destinadas a garantir algum tipo de acesso terrae ao crdito aos libertos e seus descendentes.

    Voltando aos anos imediatamente aps a abolio podemos detectar

    alguns outros elementos da experincia dos libertos que permaneceram nomeio rural, dentre os quais alguns aspectos culturais, como a busca de regu-larizar formalmente suas relaes familiares, de enfatizar o poder paterno e

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    de construir uma imagem positiva enquanto trabalhador, traduzida na idiade boa reputao, esto entre os mais importantes.

    Casamento e famlia

    Em 1889, quando da instalao do registro civil de bitos, nascimen-tos e casamentos em Paraba do Sul (RJ), o cartrio da antiga freguesia deCebolas (atualmente Cartrio de Inconfidncia, terceiro distrito da cida-de) admitiu procedimentos um tanto singulares nos registros, especialmenteos de bitos e de nascimentos. Ali, naquele ano, compareceu um pai paradeclarar o bito de sua filha, que foi registrado assim:

    Aos doze dias do mez de maro do anno de mil oitocentos e oitenta e nove,nesta parochia de SantAnna de Cebolas...compareceu em meu cartrio Josdos Santos Passos, natural da Bahia, residente nesta parochia, solteiro, jor-naleiro, e perante as testemunhas abaixo nomeadas e assignadas declarouque no dia dez do corrente, no lugar denominado Cordeiro destaparochia, as seis horas da tarde falleceu de dentio e coqueluche, uma crianado sexo feminino, de cor preta, de nome Cndida, de um anno e tres mezesde idade, natural tambm desta parochia, filha natural de sua caseira de nomeTheodora Maria de Jesus, natural de Pernambuco... disendo mais ele decla-rante que esta criana era tambm sua filha e como tal a reconhecia, e quetenciona casar-se com a dita sua caseira com a qual j tem mais dois filhosque so Paulo, de sete annos, e Mercedes, de trs annos (...).28

    A informao requerida pelo registro, sobre o local, identidade, filiaoe causa da morte de Cndida, foi cumprida. Mas Jos foi alm. No ape-

    nas reconheceu ali sua paternidade, como sua relao com a me da crian-a, os outros filhos que tinha com ela at o momento, suas idades e seudesejo de casar-se. Estas informaes no eram requeridas pelo cartrio,mas Jos e o escrivo acharam importante que constassem no documento.

    Da mesma forma, no registro do nascimento de crianas negras epardas, filhas de pais no casados, a inteno de casamento e o uso do car-trio para registrar os outros filhos do casal foi uma constante. Em 1889,temos 230 crianas negras ou pardas registradas. Dentre elas, 41% so

    legtimas, 21% no tiveram o nome do pai registrado e 9% foram registra-das por seus pais que reconheciam a relao que tinham com as mes dospequenos, mas alguns escolheram expressar a ligao com as mes de for-

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    ma diferente da de Jos quando se referiu a Theodora. Estes pais usaram,para designar as mes dos filhos que registravam como uma mulher quevive em sua companhia ou uma mulher que est em sua companhia.Ambas as expresses, qualitativamente diferente de sua caseira, que o Di-cionrio de Vocbulos Brasileiros da poca registrava como a mulher quevive na casa de seu amante laia de mulher legtima.

    Alm dos casos acima citados, o que mais chama a ateno para a nossadiscusso, so as restantes 67 crianas (21%) cujos pais tambm trouxe-ram para o escrivo informaes no requeridas ou necessrias para o registro

    (vide Tabela 1). Estes pais no apenas reconheciam a paternidade como, aexemplo de Jos, expressavam a inteno de casar-se com a me das crian-as, suas caseiras, e ainda, conforme o caso, declaravam os outros filhosdaquela unio. Um exemplo o de Manoel Ferreira Jr., natural do Cear,jornaleiro, solteiro, que compareceu ao cartrio em 23 de fevereiro de 1889para registrar o nascimento de sua filha Idalina Perptua, tida com sua ca-seira Rachel Perptua, reconhecer a paternidade da menina, declarar quetinha mais dois filhos daquela unio, dar seus nomes e idades e expressar

    sua inteno de casar-se com Rachel.29

    Tabela 1: Situao conjugal dos pais de crianas pretas epardas segundo o registro civil, em anos escolhidos, Cebolas,Paraba do Sul (RJ)

    Fonte: Registro civi l de nascimentos. Cartrio de Inconfidncia, segundo distri to deParaba do Sul (RJ). Livros nmero 1, 2, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11.

    Anos

    18891899

    1904

    1909

    1914

    1919

    total

    Casados

    9420

    16

    10

    23

    33

    196

    Pretendem casar

    670

    0

    0

    0

    0

    67

    Reconhecema paternidade

    210

    1

    0

    0

    1

    23

    Ausente

    484

    3

    4

    3

    5

    67

    Total

    23024

    20

    14

    26

    39

    353

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    O novo servio criado em Cebolas naquele ano estratgico, o seguin-te ao da abolio, cumpria o papel que lhe fora confiado. Criado aindadurante o Imprio, mas cujo alcance s se ampliaria no advento da Rep-blica, pretendia que o registro dos atos vitais concernentes vida da popu-lao fosse de responsabilidade do Estado. O ano de 1889 foi o mais pro-curado pelos pais de crianas negras para registrar nascimentos. Estascrianas responderam por 71% dos registros.

    Em 1890, segundo o recenseamento, a populao classificada comopreta ou parda somava 57% da populao do municpio. Este dado,

    porm, no responde pela procura excepcional de pais de crianas negraspelo registro civil. A queda da procura foi acentuada nos anos seguintes.Ao longo do tempo, em uma mostra de cada cinco anos, tanto o nmerode crianas registradas, quanto a proporo de crianas negras, caiu drasti-camente. Se em 1889 elas respondiam por 71% dos registros, em 1889foram apenas 8%, 13% em 1904, sobem para 33% em 1909 e 1914 e 43%em 1919 (em 1894 a cor de nenhuma das 74 crianas foi registrada, e poristo o ano foi excludo da mostra, vide Tabela 2:

    Tabela 2: Porcentagem de registros de crianas pretas epardas sobre o total de registros em anos escolhidos,Cebolas, Paraba do Sul (RJ)

    Obs: no ano de 1894 foram registradas 74 crianas. Em nenhum dos registros apareceu

    qualquer meno a cor das crianas. Por isto o ano foi excludo da mostra.

    Fonte: Registro civi l de nascimentos. Cartrio de Inconfidncia, segundo distri to deParaba do Sul (RJ). Livros nmero 1, 2, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11.

    Anos

    1889

    18991904

    1909

    1914

    1919

    total

    % de crianaspretas e pardas

    230

    24

    20

    14

    26

    39

    353

    Total de registros

    323

    310156

    45

    78

    90

    1020

    % de crianaspretas e pardas

    71

    8

    13

    33

    33

    43

    34

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    De um total de 679 nascimentos registrados, excludos os de 1889,apenas 102 foram de crianas registradas como pretas ou pardas. Oregistro tornou-se branco ou muitas vezes sem cor e muito menos pro-curado do que o fora em 1889. Outro dado importante que tambmpassou a atrair apenas uma parcela daqueles pais de crianas negras comsituao civil j regular. A figura das caseiras, as promessas de casamento eas declaraes incluindo os demais filhos desapareceram. Uma regulamen-tao mais clara do que deveria ser registrado pode responder por esta ausn-cia. Mas os pais solteiros reconhecendo as crianas tambm evitaram o regis-

    tro. Nos anos cobertos pela mostra, apenas dois reconheceram a paternidadee dezenove crianas negras foram registradas sem que o nome do pai cons-tasse no documento. A parcela mais significativa da populao de pais de crianasnegras que seguem procurando o registro civil a de casados.

    Estes dados tornam o ano de 1889 um ano muito especial para a an-lise das atitudes dos libertos que puderam ser percebidas no registro civildaquele cartrio. A incerteza quanto s normas que regiam a produo dodocumento criou um escrivo receptivo s informaes dos declarantes dos

    bitos e nascimentos. Mas o que fez os pais de crianas negras procuraremos cartrios naquele ano muito mais nos que nos seguintes foi uma moti-vao especfica da conjuntura do ps-abolio. Foi a preocupao, clara-mente expressa, especialmente dos recm libertos, de regularizar e docu-mentar suas situaes familiares.

    Sonia Maria de Souza nos mostra que nas vizinhanas do Vale doParaba (Juiz de Fora) e em Minas Gerais, esta preocupao foi registrada,por vezes com uma certa dose de ironia. Proclamas de casamentos de liber-tos foram publicados em muitos peridicos, assim como notcias de casamen-tos em massa, como esta doDirio de Minasde 25 de setembro de 1888:

    Desde 19 de maio a 17 do corrente, quatro mezes mais ou menos, casaram-se em So Joo Nepomuceno 250 libertos. Em Santa Brbara, termo damesma cidade, dizem que o nmero de casamentos de libertos subio a 300.30

    Os casamentos em massa so fortes indicadores da importncia em-

    prestada pelos ltimos cativos legalizao formal de seus laos familiares.De fato, segundo os depoimentos de seus descendentes aqui considerados,seus avs ressaltavam como elementos constitutivos do tempo da liberda-

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    de, a valorizao de alguns elementos bsicos ligados moderna noo dedireitos civis (o direito de de ir e vir, o direito a constituir legalmenteuma famlia e o direito integridade fsica). A busca coletiva de legalizar asrelaes familiares constitudas ainda sob o cativeiro um ndice expressi-vo das expectativas formadas a partir dessa nova condio de liberdade. Estaatitude se ligava a uma preocupao ainda maior. A de construir uma ima-gem positiva da pessoa e da famlia como parte de um conjunto de valoressocialmente reconhecidos e reforados, a que chamaremos de reputao.

    ReputaoTelemos Incio, pai de Atlio Incio e av de Izaquiel Incio, prota-

    gonista de uma histria muito interessante que seu neto relatou em entre-vista em 1994. Atlio teria participado da histria e foi quem a repetiu parao filho. Nela, Telemos, um escravo, venceu uma turma de outros escravoscolhendo mais caf do que todos eles em um dia de jornada de trabalho. Areputao de bom trabalhador teria sido o orgulho de seu senhor e a razo

    pela qual o fazendeiro se arriscou a apostar uma fazenda com outro senhorcomo seu precioso escravo Telemos, sozinho, era melhor trabalhador doque os outros em conjunto. No s a boa reputao de Telemos, mas tam-bm a de Atlio, um liberto, valorizada por seu Izaquiel. Para atestar averacidade da histria contada pelo pai ele diz:

    Pois , isso meu pai me falou e acredito que seja uma grande verdade, eleno era de mentir, um nada, no era de mentir, se ele falava alguma coisaaquilo era certo, sempre, graas a Deus, ele era um homem muito srio, para

    todo o lugar aqui em Paraba eles falam, voc filho do Atlio, ento aqueleera um homem srio... 31

    Ser filho de Atlio, no discurso de Izaquiel, aparece como um referen-do de veracidade. Algo reconhecido pelas pessoas da cidade, mesmo aque-las que no o conheciam diretamente.

    Em sua tese de doutorado, Sonia Maria de Souza cita um processocriminal de homicdio no qual uma das testemunhas da acusao, o liber-

    to Malaquias, denunciou o prprio irmo argumentando que o fez paraque o nome de sua famlia no ficasse manchado. No queria que toda afamlia fosse vista como criminosa.32

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    Os autos de processos de leses corporais e de homicdios nos quaisos libertos aparecem como rus e/ou testemunhas em Juiz de Fora realama importncia da reputao para a sentena final. Uma boa reputao, es-tabelecida dentro da prpria comunidade liberta, foi freqentemente ga-rantia de credibilidade ou de penas mais leves.33

    Nas diversas entrevistas com descendentes destes ltimos libertos,reunidas no acervo Memrias do Cativeiro, os pais ou avs dos narradoresapareciam, na maioria dos casos, como Izaquiel Incio, como escravos pri-vilegiados, inseridos na comunidade escrava mais enraizada, com relaes

    familiares complexas e relaes especficas com os senhores, definindo-secomo excees nos quadros de violncia prprios do tempo da escravido.Os vizinhos, amigos e padrinhos que se reuniam para rezar o tero na casados pais de Valdemiro e Aurora, segundo se depreende de seu depoimen-to, emprestavam prestgio e influncia a esta e outras famlias de libertosentrevistadas na regio. Tornava-as importantes peas no jogo cotidianoda poltica e do trabalho. Um pequeno poder? Sim, pequeno, mas poss-vel. Ao alcance dos libertos. Um elemento diferenciador para alguns na

    massa de ex-escravos que abriam seus caminhos no ps-abolio.

    Ptrio poder e integridade fsica

    As entrevistas consideradas, em muitos casos como os citados acima,nos falam de uma definio de cativeiro como ausncia absoluta de direi-tos e de alternativas personalizadas de rompimento com esta condio,atravs da aquisio de direitos pessoais ou privilgios. Neste contexto, a

    libertao teria significado a transformao definitiva daqueles privilgiosefetivamente em direitos. Para os homens, sobretudo, o direito de contro-lar o seu prprio corpo e de comandar o trabalho da famlia.

    Paulo Vicente Machado nasceu em 1910, filho caula de VicenteMachado, ex-cativo, que transformou seu nome em sobrenome de toda afamlia. Era trabalhador aposentado da Estrada de Ferro Leopoldina emorador em So Gonalo, no Estado do Rio, poca da entrevista. Vicente

    Machado surge na entrevista de Paulo Vicente, concedida a seu neto RobsonMartins, em 1992 como o Velho Vicente, que contava histrias sobre otempo do cativeiro e como o pai todo poderoso, que comandava a famlia

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    e eventuais auxiliares nos servios de roa. Decidia tambm as mudanasde domiclio e os casamentos dos filhos. Paulo Vicente se casou aos 15 anos,por ordem do pai, com D. Ana Cndida, filha de um sitiante vizinho, emVala de Souza, lugarejo onde a famlia tornou-se proprietria de um pe-queno stio familiar, ainda nos anos de 1920. Os filhos abandonariam apropriedade paterna, ao longo dos anos 30 e 40. O entrevistado no sabiaprecisar o destino do stio aps a morte dos pais.34

    Segundo seu filho, Vicente teria nascido cativo em Minas Gerais, ondecitava especialmente a me e onde Paulo ainda conheceu um tio valen-

    to. Foi vendido como escravo que Vicente chegara Fazenda da Presa,na divisa entre Minas Gerais, o Norte Fluminense e o Esprito Santo, ondeento se expandia a lavoura do caf. A ser correto o depoimento, depreende-se que Vicente no perdera o contato com a famlia em Minas, apesar davenda, ainda criana e nas ltimas dcadas do cativeiro, para o Esprito Santo.Segundo Paulo Vicente, tambm Dona Mucolina Umbelina de Jesus, esposade Vicente, que no alcanou o cativeiro, era natural de Minas Gerais.

    A parte mais rica do depoimento de Seu Paulo diz respeito a sua con-

    vivncia direta com o pai, durante a infncia, na Fazenda da Presa, e ado-lescncia, em Vala de Souza. J se haviam passado mais de vinte anos do 13de maio, quando nasceu o menino Paulo, stimo filho vivo do Velho Vicentee de Dona Mucolina, meeiros de caf na Fazenda da Presa. Nas lembran-as do menino, todos os velhos da fazenda, brancos, pretos ou italianos(alguns dos mais velhos meeiros da fazenda o eram), pertenciam ao tem-po do cativeiro. Foi depois deste tempo que, segundo a narrativa de seupai, os proprietrios decidiram dividir tudo com o pessoal, engendrandoa organizao da fazenda em que nascera e da qual se lembrava.

    Filho de um liberto, que trabalhava como meeiro na fazenda em queservira como cativo, a memria do trabalho, na infncia de Seu Paulo, marcada por um contexto sobretudo familiar. a figura do pai que emer-ge tambm como patro, dos filhos e eventuais jornaleiros. Era ele quebotava a gente (a famlia) e botava os empregados no servio. Nas pala-vras de Seu Paulo, a lavoura era dele.

    Esboa-se, assim, das memrias de Seu Paulo, que o funcionamentoda Fazenda da Presa, na segunda dcada do sculo passado, se fazia basea-do no trabalho familiar de meeiros, recrutados inicialmente entre libertos

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    e imigrantes, onde o chefe da famlia controlava pessoalmente a organiza-o da produo, inclusive a contratao de mo-de-obra remuneradaauxiliar, nas pocas de colheita.

    Tendo em vista a nfase que a historiografia e a literatura antropol-gica tem dado ao papel da mulher, seja na famlia escrava, seja nas famliasnegras das favelas e bairros populares das zonas urbanas do Brasil, de umamaneira geral o papel desta estrutura patriarcal no campesinato negro docentro-sul, quase diretamente formado pelos ltimos cativos libertos pelaLei urea, em 13 de maio de 1888, prope elementos para uma reavaliao

    tanto da literatura sobre famlia e relaes de gnero nas comunidades escra-vas, quanto da experincia das comunidades negras nas cidades do centro-sul, no processo de migrao rural-urbano que caracterizou a histria so-cial da regio durante este sculo.

    Apesar disto, as famlias chefiadas por mulheres no eram incomuns,mesmo nas zonas rurais. E tambm para elas, a defesa dos direitos civisbsicos recm adquiridos que vo definir os principais aspectos e disputasimediatamente aps a abolio do cativeiro. Dona Nininha, entrevistada

    em 1994, se disse neta da escrava Tibrcia, e filha caula de D. Clotilde.Vivia em Paraba do Sul quando gravou histrias sobre sua av e sua me.Dentre as recordaes da me, que faleceu em 1993, aos 94 anos, est umafrase que ela, ao que parece, gostava de repetir para justificar diversas atitu-des. Minha me foi escrava, eu no sou. E mame falava, vamos embora.Em alguns lugares, os irmos de D. Nininha eram colocados para impedirque os passarinhos comessem a plantao de arroz, sob ameaa de surras.Segundo D. Nininha o proprietrio prometia bater, mas no me lembrose batia no. Isso no me lembro. Minha me falava assim no dia em quebater no meu filho, a gente vai embora. Isto no impedia que a prpria D.Clotilde batesse. Ela podia, mas mais ningum. 35

    A ttulo de concluso: os vrios caminhos da cidadaniae as vises de liberdade.

    Em resumo, um rpido balano sobre a historiografia das sociedadesps-emancipao nas Amricas, permite perceber que esta redefiniu, nosltimos anos, alguns dos conceitos chave para a abordagem da histria do

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    perodo. comum percebermos nos textos sobre o assunto expresses quepassaram a ganhar significado prprio. Uma delas e provavelmente a maisimportante a de significados da liberdade ou vises da liberdade. Apartir dessas expresses, os historiadores vm tentando resgatar a agnciasocial dos libertos na construo das sociedades ps-abolio, buscandoperceber em que medida o evolver das sociedades que atravessaram esteprocesso foi tambm moldado pelas aes dos prprios libertos.

    A nosso ver, este foi um passo fundamental para que pudssemos colo-car no palco os atores que faltavam. Deste ponto de vista, o prximo e

    necessrio passo desta discusso ainda uma questo em aberto. No maissobre as possveis vises de liberdade geradas na escravido. No mais sobreo cabo de guerra para a sobrevivncia daplantation. O prximo passo lgi-co e necessrio saber em que medida este processo abriu uma rediscussosobre pertencimento ou incluso. Trata-se, fundamentalmente, de reconhe-cer que o processo de destruio da escravido moderna esteve visceralmenteimbricado com o processo de definio e extenso dos direitos de cidada-nia nos novos pases que surgiam das antigas colnias escravistas. E que,

    por sua vez, a definio e o alcance desses direitos esteve diretamente rela-cionado com uma contnua produo social de identidades, hierarquias ecategorias raciais. De fato, trata-se agora de recuperar a historicidade dosdiferentes processos de desestruturao da ordem escravista e seus desdo-bramentos, seja no que se refere s relaes de trabalho, s condies deacesso aos novos direitos civis e polticos para as populaes libertas, deforma a conseguir historicizar tambm as formas de racializao das novasrelaes econmicas, polticas ou sociais.

    Trata-se, portanto, de rever as clssicas relaes entre escravido,racializao e cidadania. Este ltimo, um dos conceitos mais importantesdo mundo contemporneo e, por isto mesmo, um conceito perigoso detrabalhar historicamente. No basta defini-lo nos moldes do sculo XIX,que assistiu a maior parte dos processos de fim da escravido nas Amricas.H que redefini-lo respeitando as vrias percepes que os atores histri-cos tiveram deste momento. A grande preocupao das elites contempo-

    rneas aos processos de emancipao era definir quem poderia ser cidado.Enquanto historiadores, fomos atormentados por muito tempo sobre fan-tasias a respeito de estoque racial, males ou benefcios da miscigenao

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    etc... exatamente porque passamos muito tempo discutindo as vises daselites a respeito de cidadania, e no a dos novos cidados, os ex-escravos. exatamente esta questo que a discusso sobre o ps-abolio nos permi-te estabelecer em uma nova perspectiva. Cidadania, na compreenso dosnovos estudos sobre o ps-abolio, um conceito essencialmente mutvel,e apenas comeamos a nos aproximar de uma histria que d conta de suasmltiplas facetas.

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    FONER, Eric. Nada alm da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

    FRAGINALS, Manuel M., ENGERMAN, Stanley & PONS, Frank. Betweenslavery and free labour: the Spanish Caribbean in the Nineteenth Century. Baltimore:John Hopkins University Press, 1985.

    FRAGOSO, Joo e Ana Maria Rios. Um empresrio brasileiro do oitocentos. In:

    MATTOS, Hebe Maria & SCHNOOR, Eduardo. Resgate uma janela para ooitocentos. Rio de Janeiro: Top Books, 1995.

    HIGMAN, B. W. ed.Trade, Government, and society in Caribbean history, 1700-1920. Kingston, Jamaica, WI: Heinemann Educational Books, 1983.

    HOLT, Thomas. The problem of freedom: race, labour and poli tics in Jamaica andBritain, 1832-1938. Baltimore: The Jihn Hopkins University Press, 1992.

    JANOTTI, Maria de Lourdes & ROSA, Zita de Paula. Memory of Slaves in BlackFamily in So Paulo, Brazil. In: BERTAUX, Daniel & THOMPSON, Paul (ed.).Between generation: family models, myths, and memories.Oxford University Press, 1993.

    KOWARICK, Lcio. Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil.So Paulo: Brasiliense, 1987.

    MACHADO, Maria Helena. O plano e o pni co:os movimentos sociais na dcadada abol io. Rio de Janeiro: UFRJ/EDUSP, 1994.

    MATTOS de Castro, Hebe Maria. Ao sul da histria: lavradores pobres na crise dotrabalho escravo. So Paulo: Brasiliense, 1987.

    _____.Das cores do si lncio. Significados da l iberdade no sudeste escravista. Rio deJaneiro: Arquivo Nacional, 1995 / Nova fronteira, 1998.

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    _____. & SCHNOOR, Eduardo (Orgs.). Resgate uma janela para o oitocentos.Rio de Janeiro: Top Books, 1995.

    _____. Os combates da memria. Escravido e liberdade nos arquivos orai s de des-cendentes de escravos brasileiros. Tempo, v. III, n. 6.

    McGLYN, Frank & DRESHER, Seymour (ed.)The Meaning of freedom: economics,politics, and culture after slavery. Pittsburg: University of Pittsburg Press, 1992.

    RIOS, Ana Maria Lugo. Famlia e transio: famlias negras em Paraba do Sul,1870-1920. Dissertao de mestrado. Histria. Niteri, Universidade FederalFluminense, 1990.

    _____. My mother was a slave, not me! Black peasantry and regional poli tics inSoutheast Brazil. Tese de doutorado. Histria, University of Minnesota, nov. 2001.

    SCHWARCZ, Lilia M. O espetculo das raas: cientistas, insti tuies e questo ra-cial no Brasil, 1870-1930. So Paulo: Companhia das Letras, 1993.

    SCOTT, Rebecca.Slave emancipation in Cuba: the transition to free labour, 1680-1899. Princeton: Princeton University Press, 1985.

    SILVA, Eduardo. Bares e escravido. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

    SOUZA, Snia Maria de. Terra, famlia, solidariedade... Estratgias de sobrevi vn-cia camponesa no perodo de transio Juiz de Fora (1870-1920). Tese de douto-rado.Histria. Niteri: Universidade Federal Fluminense, 2003.

    Notas

    1 Neste sentido, cf., entre outros, COSTA, Emlia Viotti da. Da senzala colnia. Rio deJaneiro: DIFEL, 1966; KOWARICK, op. cit.; AZEVEDO, Clia Marinho. Onda negra,medo branco: o negro no imaginrio das eli tes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987 eLAMOUNIER, Maria Lcia. Da escravido ao trabalho livre. Petrpolis: Vozes, 1988.2 Diversos textos foram consultados para traar esta viso geral dos rumos da discusso dops-emancipao, especialmente no Caribe, mas tambm nos EUA. Dentre eles, destaca-mos principalmente os que apresentam, em parte ou no todo, uma abordagem compara-tiva: FONER, Eric. Nada alm da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988;FRAGINALS, Manuel M, ENGERMAN, Stanley & PONS, Frank. Between slavery andfree labour: the Spanish Caribbean in the Nineteenth Century. Baltimore: John HopkinsUniversity Press, 1985; SCOTT, Rebecca. Slave emancipation in Cuba: the transition tofree labour, 1680-1899. Princeton: Princeton University Press, 1985; HIGMAN, B. W.

    ed. Trade, Government, and society in Caribbean history, 1700-1920. Kingston: WI/Heinemann Educational Books, 1983; CROSS, Malcom & HEUMAN, Gad (ed.).Labourin the Carebbean: from emancipation to independence.London: Macmillan, 1988. Em 1992,

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    Michael CRATON publicou um ensaio no qual discute a historiografia sobre a transiopara o trabalho livre no Caribe, com nfase nos resultados dos debates da tese de Eric

    Williams, intitulado The transition from slavery to free wage labour in the Caribbean,1780-1890: a survey with particular reference to recent scholarship,1992. Desde ento,outras obras de referncia foram publicadas, entre elas: BUTTLER, Karthleen Mary.TheEconomics of emancipation: Jamaica and Barbados, 1823-1843.Chapel Hill: University ofNorth Carolina Press, 1995; BECKLES, Hilary e Verene Shepherd (ed.). CaribbeanFreedom: society and economy from emancipation to the present.Kingston, Jamaica: Randle,London, 1993; McGLYN, Frank e DRESHER, Seymour (ed.).The Meaning of freedom:economics, poli tics, and culture after slavery. Pittsburg: University of Pittsburg Press, 1992;HOLT, Thomas. The problem of freedom: race, labour and poli tics in Jamaica and Britain,

    1832-1938. Baltimore: The Jihn Hopkins University Press, 1992 e, em especial, COOPER,F., HOLT, Thomas & SCOTT, Rebecca. Beyond Slavery: explorations of race, labor andcitizenship in postemancipati on societies. Chapel Hill e Londres: The University of NorthCarolina Press, 2000, cuja introduo levanta questes importantes para a concluso des-te artigo.3 Cf., especialmente, EISEMBERG, Peter. Modernizao sem mudana: a indstriaaucareira em Pernambuco, 1840-1910. Rio de Janeiro: Paz e Terra, Campinas, Unicamp,1977 e MATTOS de Castro, Hebe Maria. Ao sul da hi stria: lavradores pobres na crise dotrabalho escravo. So Paulo: Brasiliense, 1987.4

    Cf. neste sentido, principalmente, HOLT, Thomas, op. cit.5 Cf. ANDREWS, George Reid. Blacks and whites in So Paulo, Brazil 1888-1988.Madison: The University of Wisconsin Press, 1991; MACHADO, Maria Helena.O pla-no e o pnico. Os movimentos sociais na dcada da abol io. Rio de Janeiro: UFRJ/EDUSP,1994 e FRAGOSO, Joo & RIOS, Ana M. L.Um empresrio brasi leiro nos oitocentos. In:MATTOS, Hebe M. & SCHNOOR, Eduardo. Resgate, uma janela para os oitocentos. Riode Janeiro: Top Books, 1995.6 BLACKBURN, Robin. The Overthrow of Colonial Slavery, 1776-1848. Londres: Verso,1988 (trad. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2002).7

    Sobre estas semelhanas, cf: HOLT, Thomas, op. cit.; MACHADO, Maria Helena, op.cit. e FONER, Eric, op. cit. Ver tambm MATTOS, Hebe Maria. Das cores do si lncio.Significados da liberdade no sudeste escravista. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995/Nova fronteira, 1998 e RIOS, Ana Maria Lugo. My mother was a slave, not me! Blackpeasantry and regional politics in Southeast Brazil. Tese de doutorado. Histria, Universityof Minnesota, nov. 2001.8 FERNANDES, FLorestan.A integrao do negro na sociedade de classes. So Paulo: tica,1978; ANDREWS, George Reid, op. cit. e MACHADO, Maria Helena, op. cit.9 Por exemplo, SOUZA, Snia Maria de. Terra, famlia, solidar iedade... estratgias de so-

    brevi vncia camponesa no perodo de transio Juiz de Fora (1870-1920). Tese de douto-rado. Histria. Niteri, Universidade Federal Fluminense, 2003 e ALMEIDA, FernandaMouttinho. E depois do Treze de Maio? Confli tos e expectativas dos ltimos libertos de Jui z de

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    Fora (1888-1900).Dissertao de mestrado: Histria, Niteri, Universidade Federal Flu-minense, 2003.10 Cf. MATTOS, Hebe Maria, op. cit., captulo 5, 1998.11 Cf. SCHWARCZ, Lilia M.O espetculo das raas: cientistas, insti tuies e questo racialno Brasil, 1870-1930. So Paulo: Companhia das Letras, 1993.12 Cf. AZEVEDO, Aloysio Villela. Os recenseamentos no Brasil. Rio de Janeiro, 1990.13 Destacamos o projeto Memria da escravido em famlias negras de So Paulo, coorde-nado por Maria de Lourdes Janotti e Sueli Robles de Queirs, Centro de Apoio a PesquisaSrgio Buarque de Holanda, USP (caixas 1 a 16). Entre os trabalhos desenvolvidos pelospesquisadores do projeto ver CALLARI, Cludia Regina. Identidade e cultura popular: his-trias de vida de famlias negras. Dissertao de mestrado: Histria, Universidade de SoPaulo, 1993 e JANOTTI, Maria de Lourdes & ROSA, Zita de Paula.Memory of Slaves inBlack Family in So Paulo, Brazil. In:BERTAUX, Daniel & THOMPSON, Paul (ed.).Betweengeneration: family models, myths, and memories. Oxford University Press, 1993.14 Laboratrio de Histria Oral e Imagem do programa de ps-graduao em histria UFF (doravante LABHOI). Todas as entrevistas aqui mencionadas esto arquivadas nes-te laboratrio. Parte delas esto transcritas no site do LABHOI: www.historia.uff.br/labhoi,fazendo parte do acervo do projeto Memrias do Cativeiro (MC). Muitas das anlises desteensaio so retomadas de livro recm concludo a quatro mos pelos autores deste artigo,com base no trabalho conjunto no projeto Memrias do Cativeiro, com ttulo provisrio

    Memrias do Cativeiro: identidade, trabalho e cidadania no ps-abolio [Civilizao Bra-sileira, no prelo].15 Cf. RIOS, Ana Maria Lugo op. cit. 2001; MATTOS, Hebe Maria. Os combates damemria. Escravido e liberdade nos arquivos orais de descendentes de escravos brasilei-ros. Tempo, v. III, n. 6, pp. 119-138, 1998.16 FARIA, Sheila Castro.A colni a em movimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998;AZEVEDO, Clia Marinho.Onda negra, medo branco: o negro no imaginrio das elites. SculoXIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987 e MATTOS. Hebe Maria, op. cit., captulo 1, 1998.17 MATTOS, Hebe Maria, op. cit., captulos 1 e 12, 1998.18Sobre a superao de rivalidades tnicas e o parentesco ver FLORENTINO, Manolo &GES, Jos R. A paz nas senzalas. Famlias escravas e trfico atlntico, Rio de Janeiro, c.1790-c. 1850. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1997. Sobre as caractersticas demo-grficas de fazendas antigas ver Rios, Ana M. L. Famlia e transio: famlias negras emParaba do Sul, 1870-1920. Dissertao de mestrado. Histria. Niteri, UniversidadeFederal Fluminense, 1990.19 Carta do Baro de Paty do Alferes em 20 de Janeiro de 1858. ApudSILVA, Eduardo,Bares e escravido, p. 144, 1984.20 Entrevistas arquivadas no MC/LABHOI (Memria do Cativeiro/Laboratrio de His-tria Oral e Imagem, vide nota 12) sob os mesmos nomes referidos no texto.21MATTOS, Hebe Maria,op. cit., parte 4, 1998 e MATTOS de Castro, Hebe Maria,op.cit., 1987.

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    22FERREIRA, Marieta de Moraes.Em busca da I dade do Ouro: as elites polticas fluminensesna Primeira Repblica, 1889-1930. Rio de Janeiro: UFRJ, 1994.23 MATTOS, Hebe Maria, op. cit., cap. 19, 1998.24 Depoimento de Claudina (Nininha), MC/ LABHOI.25 CRATON, Michael, op. cit., 13:2.26 A discusso sobre estabilidade/mobilidade e contratos no ps-abolio est em RIOS,Ana Maria Lugo, op. cit;2001.27 Entrevistas dos irmos Aurora, Valdomiro e Helena, de Izaquiel Incio e de Cornlio,MC/LABHOI.28Cartrio de Inconfidncia, (segundo distrito de Paraba do Sul, Rio de Janeiro), registro

    de bitos, Livro 1, Termo 44.29 Cartrio de Inconfidncia, registro de nascimentos, Livro 1, Termo 23.30 SOUZA, Snia Maria de, op. cit., p. 259, 2003.31 Entrevista de Izaquiel Incio, MC/LABHOI.32 SOUZA, Snia Maria de, op. cit., p. 276 e seguintes, 2003.33Cf. os processos de leses corporais apresentados por ALMEIDA, Fernanda Mouttinho,op. cit., 2003 e os processos criminais em SOUZA, Snia Maria de, op. cit., 2003.34 Entrevista de Paulo Vicente Machado, MC/LABHOI. Esta anlise retoma com peque-

    nas modificaes a abordagem desta entrevista em MATTOS, Hebe Maria, op. cit., cap-tulo 19, 1998.35 Entrevista de Nininha (Claudina de Souza), MC/LABHOI.

    Resumo

    O artigo discute as variveis mais importantes nos processos de ps-abo-lio nas Amricas, dando destaque as expectativas alimentadas pela l-tima gerao de escravos e suas atitudes nas primeiras dcadas aps o fimda escravido. Procura inserir o caso brasileiro e sua especificidade e sedetm na anlise das atitudes dos libertos do sudeste no sentido de pro-teger a famlia, estabelecer uma boa reputao, exercer o ptrio podere valorizar aspectos importantes da cidadania. Utiliza diversas fontes, prin-cipalmente o registro civil, jornais e depoimentos de netos de escravos.Palavras-chave: ps-abolio; famlia; cidadania

    Abstract

    The article discuss important variables on post-abolition literature,stressing the expectations and attitudes of the slaves last generation in

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    the first decades after the end of slavery. It also focuses the Brazilian specificfeatures, analyzing freed people willingness to protect family, to establisha good reputation, to exercise rights of fatherhood and to enhanceimportant aspects of citizenship. It uses several primary sources, speciallybirth records, newspapers and testimonies of slaves grandchildren.Key-words: post emancipation; family; citzenship