handout 1 discurso historia[2sem2015]

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  • 1

    1. Francis Cairns, Generic Composition in Greek and Roman Poetry, p. 34:

    Os gneros so to antigos quanto as sociedades organizadas; so eles tambm

    universais. No mbito de todas as vidas humanas, h um nmero de situaes

    recorrentes importantes que, conforme se desenvolvem as sociedades,

    demandam respostas regulares, no s em palavras, mas tambm em aes. Haja

    vista que a literatura que na sociedade antiga significa poesia diz respeito ela

    mesma a essas situaes, natural que as representaes e descries daquelas

    respostas devam tornar-se o tpico-matria fixo da literatura. De grande

    importncia nas sociedades antigas, tanto em dimenso pblica quanto privada,

    a religio que desempenha diversas funes atribudas, em sociedades mais

    desenvolvidas, a disciplinas seculares. Consequentemente, entre as respostas

    convencionais a situaes convencionais encapsuladas na literatura, um largo e

    importante grupo ser de natureza religiosa. Nossos gneros clssicos so, pois,

    em essncia, mais antigos do que a literatura grega suprstite e j estabelecidos

    na herana cultural dos gregos muito antes da composio dos poemas

    homricos ou de seus ancestrais congneres.

    2. Alcir Pcora, Mquina de Gneros, 15-16:

    Compreender adequadamente os efeitos propiciados por determinado gnero

    letrado, aqui, significa determinar as marcas temporais desses efeitos, pois estes

    no so permanentes, no sentido de funcionar em qualquer perodo histrico, nem

    demonstram a mesma qualidade, do ponto de vista da variedade de recursos

    utilizados, da intensidade do impacto afetivo produzido ou da posio relativa

    no conjunto dos empregos de mesmo gnero. Para diz-lo de outro modo: os

    verossmeis textuais aparecem [...] sempre como produtos temporais, cuja rede de

    recursos significativos ou cuja amplitude virtual de adeso dos interlocutores,

    por maior que seja, no alcana jamais transcendncia. No se ganha muita coisa

    se, para combater o realismo substancialista, vai-se ficar repetindo pateticamente

    1 Todos os grifos so nossos.

  • 2

    a lio romntica de que a literatura misteriosa, opaca e, enfim, guarda uma

    essncia indecifrvel, que resiste efetiva destruio (como efetiva

    construo) na histria. Bem ao contrrio, o que ocorre de relevante no que

    a literatura se produza com uma essncia misteriosa, mas que nenhuma essncia

    misteriosa possa traduzi-la, uma vez que no jamais reflexo.

    3. D. A. Russell, Criticism in Antiquity, p. 150:

    A primeira distino terica de tipos de poesia parece ter sido aquela proposta

    por Plato. [...] Ele estabeleceu uma exaustiva diviso entre poesia mimtica,

    narrativa e mista. Trata-se de uma diviso baseada no em ocasio, ou em

    contedo, mas sim na presena ou na ausncia da imitao. No drama, tudo

    imitao de pessoas; no ditirambo, tudo narrativo; na pica, h algo dos dois. No

    que tange ao pensamento posterior, isso um pouco estranho. Para Aristteles

    e seus sucessores, a distino entre o narrativo e o dramtico idntica quela

    entre a epopeia e o drama: as palavras das personagens referidas pelo poeta pico

    no faziam dele um ator. Ainda assim, Plato evidentemente pensava que sim.

    claro que assim o julgava, por causa do fundamento geral de seu argumento,

    a saber: fazer notar que Homero no era menos culpado que os dramaturgos

    pelos males da mmesis, o que lhe d motivo suficiente. No entanto, o argumento

    em si tambm devia parecer plausvel. Talvez tenhamos aqui um lembrete salutar

    de at que ponto a teoria pode ser sugerida e formada tomando como base o

    que ocorria de fato. Para Plato, a epopeia era performance. A recitao era

    altamente dramtica. O poeta ou o rapsodo tornava-se realmente cada uma das

    personagens. Ao passo que, no tempo de Aristteles, a situao era diferente: a

    pica era apenas para leitura; a tragdia era primariamente destinada

    performance, mas tambm para a leitura privada.

    4. Os tipos de poesia de Plato:

    4.1. Repblica, 3, 392c

    , , , . , , ' , . , ' , . ' , , ' '

    Quanto s histrias, ponhamos-lhes termo. A seguir a isso, deve estudar-se a

    questo do estilo, em meu entender, e ento teremos examinado por completo

  • 3

    os temas e as formas. Mas interveio Adimanto no compreendo o que

    ests a dizer. Ora a verdade que preciso que compreendas repliquei .

    Talvez desta maneira entendas melhor. Acaso tudo quanto dizem os prosadores

    e poetas no uma narrativa de acontecimentos passados, presentes ou futuros?

    Pois que outra coisa poderia ser? Porventura eles no a executam por meio

    de simples narrativa, atravs de imitao, ou por meio de ambas?2

    4.2. Repblica, 3, 394b-d:

    , , , ' , , , , ' ' ' ' , , . , , . , , . . , , , , .

    Percebeste muito bem, e creio que j se tornou bem evidente para ti o que antes

    no pude demonstrar-te; que em poesia e em prosa h uma espcie que toda

    de imitao, como tu dizes que a tragdia e a comdia; outra, de narrao pelo

    prprio poeta nos ditirambos que pode encontrar-se de preferncia; e outra

    ainda constituda por ambas, que se usa na composio da epopeia e de muitos

    outros gneros, se ests a compreender-me. Compreendo o que h pouco

    querias dizer-me. Recorda-te ainda do que dissemos antes disso, quando

    afirmamos que j tnhamos tratado do tema, mas nos faltava ainda examinar a

    forma. Recordo-me, sim. Ora, o que eu dizia ser necessrios decidir se

    consentiramos que os poetas compusessem narrativas imitativas, ou que

    imitassem umas coisas e outras no, e quais de cada espcie, ou se no haviam

    de imitar nada.3

    2 Traduo de Maria Helena da Rocha Pereira. 3 Traduo de Maria Helena da Rocha Pereira. Em Aristteles, como observado por Russell, h a mesma diviso, claramente de base platnica, entre imitao e narrao, cf. Potica, 1448a. Repare-se, pois, a diferena to-somente, mas no ruptura de pensamento, pois Aristteles e sucessores acolhem categorias oriundas da Academia, o que contraria noes modernas, de ordem hegeliana principalmente, demonstrando, portanto, a insuficincia delas entendidas, aqui, na clave de universais.

  • 4

    5. O em Plato e Aristteles:

    5.1. Plato, Leis, 700a (o termo empregado para se referir msica perceber a

    proximidade dela com a poesia mlica, de carter propriamente ocasional, seus

    critrios diferem, nesse sentido, da distino anterior elaborada por Plato para a

    poesia, que leva em considerao, como j o fez entrever Russel, o paradigma

    mimtico, que acolhido por Aristteles na Potica):

    , , , , , . , . , .

    Pois, naquele tempo, a msica entre ns era dividida em alguns esquemas e

    gneros de canto, a saber: as preces dirigidas aos deuses, que se convencionou

    dar o nome de hinos; havia, por oposio, aquele outro gnero de cano a que

    se nomeou, com acerto, lamento; havia os pes [hino dirigido a Apolo] e ainda

    um outro gnero, chamado ditirambo porque originrio de Dioniso ; a outro

    chamaram nomos, cano que dizem ter conexo com os cantos citardicos.

    Quando, ento, foram determinados estes e outros gneros, no era permitido

    que se aplicasse, em relao cano, um gnero em outro4.

    5.2. Aristteles Potica, 1447a emprega o termo para se referir j aos gneros de

    poesia:

    , , , , , . .

    4 Traduo de Alexandre Agnolon.

  • 5

    Falemos de poesia dela mesma e das suas espcies, da efetividade de cada uma

    delas, da composio que se deve dar aos mitos, se quisermos que o poema

    resulte perfeito, e, ainda, de quantos e quais elementos de cada espcie e,

    semelhantemente, de tudo quanto pertence a esta indagao comeando, como

    natural, pelas coisas primeiras. A epopeia, a tragdia, assim como a poesia

    ditirmbica e a maior parte da aultica e da citarstica, todas so, em geral,

    imitaes.5

    5.3. Aristteles deixa entrever que possui carga tcnica, o que se evidencia na

    Retrica, uma vez que o filsofo o emprega para distinguir gneros de retrica

    (reparar que o estagirita emprega tambm o termo como sinnimo) e de

    provas.

    a) Retrica, 1, 1359a.

    . , , , . , . ' , [] , , ' , , , . As espcies de retrica so trs em nmero; pois outras tantas so as classes de

    ouvintes dos discursos. Com efeito, o discurso comporta trs elementos: o

    orador, o assunto de que fala, e o ouvinte; e o fim do discurso refere-se a este

    ltimo, isto , ao ouvinte. Ora, necessrio que o ouvinte ou seja espectador ou

    juiz, e que um juiz se pronuncie ou sobre o passado ou sobre o futuro. O que se

    pronuncia sobre o futuro , por exemplo, um membro de uma assembleia; o que

    se pronuncia sobre o passado o juiz; o espectador, por seu turno, pronuncia-

    se sobre o talento do orador. De sorte que necessrio que existam trs gneros

    de discursos retricos: o deliberativo, o judicial e o epidtico6.

    b) Retrica, 1, 1356a:

    5 Traduo de Eudoro de Souza. 6 Traduo de Manuel Alexandre Junior.

  • 6

    , , .

    As provas de persuaso fornecidas pelo discurso so de trs espcies: umas

    residem no carter moral do orador; outras, no modo como se dispe o ouvinte;

    e outras, no prprio discurso, pelo que este demonstra ou parece demonstrar7.

    6. Em Roma, na tradio letrada, parece que genus e opus eram equivalentes s expresses

    gregas:

    6.1. [Annimo], Retrica a Hernio, 1, 2:

    Oratoris officium est de iis rebus posse dicere, quae res ad usum civilem moribus et legibus constitutae sunt, cum adsensione auditorum, quoad eius fieri poterit. Tria genera sunt causarum, quae recipere debet orator: demonstrativum, deliberativum, iudiciale. Demonstrativum est, quod tribuitur in alicuius certae personae laudem vel vituperationem. Deliberativum est in consultatione, quod habet in se suasionem et dissuasionem. Iudiciale est, quod positum est in controvrsia et quod habet accusationem aut petitionem cum defensione. O ofcio do orador poder discorrer sobre as coisas que o costume e as leis

    instituram para o uso civil, mantendo o assentimento dos ouvintes at onde for

    possvel. Trs so os gneros de causas de que o orador deve incumbir-se: o

    demonstrativo, o deliberativo e o judicirio. O demonstrativo destina-se ao

    elogio ou vituprio de determinada pessoa. O deliberativo efetiva-se na

    discusso, que inclui aconselhar e desaconselhar. O judicirio contempla a

    controvrsia legal e comporta acusao pblica ou reclamao em juzo com

    defesa8.

    6.2. Ccero, Sobre o melhor gnero de oradores, 1-2:

    Oratorum genera esse dicuntur tamquam poetarum; id secus est, nam alterum est simplex, alterum multiplex. Poematis enim tragici, comici, epici, melici, etiam ac dithyrambici, quod magis est tractatum a Graecis quam a Latinis, suum cuiusque est, diversum a reliquis. Itaque et in tragoedia comicum vitiosum est et in comoedia turpe tragicum; et in ceteris suus est cuique certus sonus et quaedam intellegentibus nota vox. Oratorum autem si quis ita numerat plura genera, ut alios grandis aut gravis aut copiosos, alios tenuis aut subtilis aut brevis, alios eis interiectos et tamquam medios putet, de hominibus dicit aliquid, de re parum.

    7 Traduo de Manuel Alexandre Junior. 8 Traduo de Ana Paula Celestino Faria e Adriana Seabra.

  • 7

    Dizem que os gneros de oradores so tantos como os dos poetas. um erro,

    pois um nico; o outro, mltiplo. Com efeito, h um gnero prprio de cada

    [espcie de] poema que diverso dos outros: trgico, cmico, pico, mlico e,

    ainda, o ditirambo, que foi mais praticado pelos gregos do que pelos latinos.

    Nesse sentido, na tragdia, o cmico vicioso e, na comdia, o trgico qualquer

    coisa de torpe; nos outros gneros, h um certo tom que lhes prprio, bem

    como, em cada um, uma voz qualquer, notvel aos seus conhecedores. Por outro

    lado, se algum assim distingue muitos gneros de oradores, de sorte que julgue

    uns grandiloquentes, graves ou copiosos e outros tnues, sutis ou breves e outros

    ainda metidos de permeio entre aqueles, por exemplo, mdios, diz algo acerca

    dos homens, sobre a matria, porm, pouco9.

    6.3. Horcio, Epstola aos Pises [Arte Potica], vv. 73-92:

    res gestae regumque ducumque et tristia bella quo scribi possent numero, monstravit Homerus; versibus inpariter iunctis querimonia primum, post etiam inclusa est voti sententia compos; quis tamen exiguos elegos emiserit auctor, grammatici certant et adhuc sub iudice lis est; Archilochum proprio rabies armavit iambo; hunc socci cepere pedem grandesque cothurni, alternis aptum sermonibus et popularis vincentem strepitus et natum rebus agendis; Musa dedit fidibus divos puerosque deorum et pugilem victorem et equum certamine primum et iuvenum curas et libera vina referre: descriptas servare vices operumque colores cur ego si nequeo ignoroque poeta salutor? cur nescire pudens prave quam discere malo? versibus exponi tragicis res comica non volt; indignatur item privatis ac prope socco dignis carminibus narrari cena Thyestae: singula quaeque locum teneant sortita decentem. Em que metro se podem descrever os feitos dos reis, dos chefes, as tristes

    guerras, j o demonstrou Homero. O lamento, em tempo antigo, exprimia-se em

    versos desiguais que foram unidos: depois, neles se incluiu a satisfao de

    promessas atendidas. Sobre quem, no entanto, pela primeira vez criou as singelas

    elegias, discutem os gramticos e ainda o litgio est em tribunal. Foi a raiva quem

    armou Arquloco do jambo que a este prprio: depois, a tal p, adaptaram-no

    os socos e os grandes coturnos por mais apropriado para o dilogo, capaz de

    anular o rudo da assistncia, visto ser criado para a ao. A Musa concedeu

    lira o cantar deuses e filhos de deuses; o vencedor no pugilato e o cavalo que,

    9 Traduo de Alexandre Agnolon.

  • 8

    primeiro, cortou a meta nas corridas; os cuidados dos jovens e o vinho que

    liberta dos cuidados. Se no posso nem sei observar as funes prescritas e os

    tons caractersticos dos diversos gneros, por que hei de ser saudado como

    poeta? Qual a razo por que prefiro, com falso pudor, desconhec-los a aprend-

    los? Mesmo a comdia no quer os seus assuntos expostos em versos de tragdia

    e igualmente a ceia de Tiestes no se enquadra na narrao em metro vulgar,

    mais prprio dos socos da comdia. Que cada gnero, bem distribudo ocupe o

    lugar que lhe compete10.

    ARISTTELES. Potica. Traduo, comentrio e ndices analtico e onomstico de Eudoro de Souza. Os Pensadores. So Paulo: Abril Cultural, 1973. ________. Retrica. Introduo e traduo de Manuel Alexandre Jnior, Paulo Farmbouse Alberto e Abel de Nascimento Pena, Lisboa: Casa da Moeda/ Imprensa Nacional, 1998. CAIRNS, Francis. Generic Composition in Greek and Roman Poetry, Edinburgh: Edinburgh University Press, 1972. M. TULLI CICERONIS. M. Tulli Ciceronis Scripta quae manserunt omnia. Fasc. 5. Ed. P. Reis, 1932.

    [CCERO]. Retrica a Hernio. Traduo e introduo Ana Paula Celestino Faria e Adriana Seabra. So Paulo: Hedra, 2005. HORACE. Satires, Epistles and Ars Poetica, with an English translation by H. Rushton Fairclough, London: Harvard University Press, 1978. _______. Arte Potica. Introduo, Traduo e Comentrio de R. M. Rosado Fernandes. Lisboa: Editorial Inqurito, 1984. PCORA, A. Mquina de Gneros. So Paulo, Editora da Universidade de So Paulo, 2001.

    PLATO. Opera. Tomo I, II, III, IV, V. Recognouit brevique adnotatione critica instruxit John

    Burnet. Oxford, Clarendon Press, 1987.

    ______. A Repblica. Introduo, Traduo e Notas de Maria Helena da Rocha Pereira. 8.

    Edio. Lisboa, Fundao Calouste Gulbenkian, 1996.

    RUSSELL, D. A. Criticism in Antiquity. Berkeley and Los Angeles, University of California

    Press, 1981.

    10 Traduo de R. M. Rosado Fernandes.