hamlet ou kilumba o preÇo suicidÁrio da vinganÇa · oferece busto de agostinho neto À casa das...

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PÁG. --3 ECO DE ANGOLA 21 de Dezembro de 2015 a 3 de Janeiro de 2016 | Nº 98 | Ano IV Director: José Luís Mendonça •Kz 50,00 HISTÓ RIA PÁG. - 12-13 HAMLET OU KILUMBA O PREÇO SUICIDÁRIO DA VINGANÇA EUGÉNIA NETO OFERECE BUSTO DE AGOSTINHO NETO À CASA DAS LEIS DIPANDA A TCHIWEKA CARMO NETO ANUNCIA PROJECTO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO DOS ESCRITORES ANGOLANOS ARTES Pág. 7-8 LETRAS Pág. 4-5

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PÁG. --3ECO DE ANGOLA

21 de Dezembro de 2015 a 3 de Janeiro de 2016 |Nº 98 | Ano IV Director: José Luís Mendonça •Kz 50,00

HISTÓRIA PÁG. - 12-13

HAMLET OU KILUMBA

O PREÇO SUICIDÁRIO

DA VINGANÇA

EUGÉNIA NETO OFERECE BUSTO DE AGOSTINHO NETO À CASA DAS LEIS

DIPANDA A TCHIWEKA

CARMO NETO ANUNCIAPROJECTO IMOBILIÁRIODA UNIÃO DOS ESCRITORESANGOLANOS

ARTES Pág. 7-8

LETRAS Pág. 4-5

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2 | ARTE POÉTICA 21 de Dezembro de 2015 a 3 de Janeiro de 2016 | Cultura

Conselho de AdministraçãoAntónio José Ribeiro (presidente)

Administradores ExecutivosCatarina Vieira Dias CunhaEduardo MinvuFilomeno ManaçasSara FialhoMateus Francisco João dos Santos JúniorJosé Alberto Domingos

Administradores Não ExecutivosVictor Silva

Mateus Morais de Brito Júnior

Propriedade

Sede: Rua Rainha Ginga, 12-26 | Caixa Postal1312 - Luanda Redacção 222 02 01 74 |Telefone geral (PBX):222 333 344Fax: 222 336 073 | Telegramas: ProangolaE-mail: [email protected]

CulturaJornal Angolano de Artes e Letras

Um jornal comprometido com a dimensão cultural do desenvolvimento

Nº 98 /Ano IV/ 21 de Dezembro de 2015 a 3 de Janeiro de 2016

E-mail: [email protected]: www.jornalcultura.sapo.aoTelefone e Fax: 222 01 82 84

CONSELHO EDITORIAL:

Director e Editor-chefe: José Luís MendonçaSecretária: Ilda RosaAssistente Editorial: Coimbra Adolfo (Matadi Makola)Fotografia: Paulino Damião (Cinquenta)Arte e Paginação: Sandu Caleia, Jorge de Sousa, AlbertoBumba e Sócrates SimónsEdição online: Adão de Sousa

Colaboram neste número:

Angola: Afonso Catchekele, Décio Bettencourt Mateus, LitoSilva, Siona Casimiro

S. Tomé e Príncipe: Olinda Beja

Normas editoriaisO jornal Cultura aceita para publicação artigos literário-científicose recensões bibliográficas. Os manuscritos apresentados devemser originais. Todos os autores que apresentarem os seus artigospara publicação ao jornal Cultura assumem o compromisso denão apresentar esses mesmos artigos a outros órgãos. Apósanálise do Conselho Editorial, as contribuições serão avaliadas e,em caso de não publicação, os pareceres serão comunicadosaos autores.

Os conteúdos publicados, bem como a referência a figuras ougráficos já publicados, são da exclusiva responsabilidade dosseus autores.

Os textos devem ser formatados em fonte Times New Roman,corpo 12, e margens não inferiores a 3 cm. Os quadros, gráficose figuras devem, ainda, ser enviados no formato em que foramelaborados e também num ficheiro separado.

POEMA DE OLINDA BEJA (S. TOMÉ E PRÍNCIPE)

Travessia

pus a mesa no meio do quintalMolembu se chamava a roça regada com sangue de meus antepassadosinvoquei os meus mortosos espíritos todos que me antecederamchegaram primeiro os oriundos do sul do Saharado Gabão, da Libéria, da Minaoutros vieram das ilhas áridasoutros das terras de D’Jingae outros ainda para lá do Ìndicounião de muitas raças e credos e dançasfado, marrabenta, puíta , manipuri festa orgíaca que Sum Tômachi, o curandeirose comprometeu a montarpor fim vieram alguns do ocidentelívidos e trémulos como a branca neve do seu longecomo o minuete das suas danças de salãoe o choro da guitarra e da violaa mesa estava postaiguarias atapetavam o robustotronco de mampiam que há muito alguém retanguloue os espíritos todos provaram e se deliciaramcozido de banana, molho no fogovuadô travessá, pescada com todosangu, d’jogó, cozido à portuguesacachupa, funge, muamba, arroz doce, canjica, paracucae os acepipes eram por todos sobejamente conhecidoscafukas arderam até à exaustão da luztremelicaram vozes em cânticos hossânicosem uníssonas línguas que se enovelaram felizese a torre de Babel ergueu-se una e majestosanum pedaço de chão esquecido dos deusesminha avó Dua espelhou seu rosto de águaem meu ombro anguloso e ressequidoe feliz adormeceu

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Um novo busto de 1 metro de altu-ra e 80 centímetros de largura, pe-sando 68 kg, retratando a insigne fi-gura do século XX daquele que se tor-nou num líder preponderante e Fun-dador da Nação Angolana – o DoutorANTÓNIO AGOSTIJNHO NETO – foidepositada no dia 11 de Dezembrode 2015 na magnífica sede da Assem-bleia Nacional de Angola. Maria Eugénia Neto, Presidente daFundação António Agostinho Neto,felicitou os representantes do Povopelas excelentes instalações de quedispõem doravante para o uso de seupoder bastante ao serviço da Nação erealçou que esta doação da Funda-ção “à nova sede deste órgão de sobe-rania e democracia” representa “umbusto em bronze mais fiel à figura deAgostinho Neto”. A Presidente da FAAN disse na oca-sião que “Apesar de todos conhece-rem esta figura emblemática e o queela representa para Angola, a África eo mundo, devo relembrar alguns fac-tos históricos do percurso deste ho-mem ímpar que deixou a sua marcano tempo. Agostinho Neto foi médico epoeta. Foi funcionário dos Servi-ços de Saúde, em Luanda, Malanjee Bié, de 1944 a 1947. Quandopartiu para estudar em Portugal,tornou-se num dirigente estudan-til do MUD Juvenil, da Casa dos Es-tudantes do Império e fundou o

Centro de Estudos Africanos.Por defender os seus ideais, foipreso político em Portugal e em An-gola, em 1952, 1955, 1960 e 1961.Esteve como deportado político emCabo Verde e foi considerado o pri-sioneiro político do ano, em 1961,pela Amnistia Internacional.Foi Líder da Luta de Libertação emAngola, de 1959 a 1975, sendo eleitocomo Presidente do MPLA em 1962,cargo que ocupou até 1979. Agostinho Neto foi o Comandanteem Chefe das FAPLA de 1974 a 1979e Presidente Fundador da RepúblicaPopular de Angola, de 1975 a 1979.Durante os 4 anos que serviu opaís independente, foi um dos fun-dadores e primeiro presidente daassembleia geral da União dos Es-critores de Angola, transformou osEstudos Gerais Universitários deLuanda em Universidade de Angolae tornou-se o seu primeiro Reitorde 1976 a 1979.”Segundo a Presidente da FAAN, onovo busto o Dr. António AgostinhoNeto constará do património artís-tico e cultural do Parlamento Ango-lano, tendo finalizado a entregacom um conceito lapidar de Agosti-nho Neto que poderia resumir osseus ideais de justiça social, deequidade, de defesa dos mais po-bres e desfavorecidos que todos co-nhecem: “O mais importante é re-solver os problemas do povo”.

ECO DE ANGOLA |3Cultura| 21 de Dezembro de 2015 a 3 de Janeiro de 2016

MARIA EUGÉNIA NETO OFERECE À CASA DAS LEISBUSTO MAIS FIEL À FIGURA DE AGOSTINHO NETO

ASSEMBLEIA NACIONAL

Eugénia Neto e o Presidente da Assembleia Nacional

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4 | LETRAS 21 de Dezembro de 2015 a 3 de Janeiro de 2016 | Cultura

Carmo Neto anunciaPROJECTO IMOBILIÁRIO

DA UNIÃO DOS ESCRITORES ANGOLANOSO secretário-geral da União dos

Escritores Angolanos, Carmo Neto,cedeu-nos esta entrevista ondeadianta projectos já amadureci-dos e outros por erguer, e que sãode interesse nacional, como é o ca-so do projecto de uma UEA maisdigna e cabal, certamente a gran-de obra da mais antiga casa de Cul-tura do pós-independência, pro-clamada pelo saudoso presidenteAgostinho Neto no dia 10 de De-zembro de 1975.

Jornal CULTURA - Que projec-tos e desafios a sua direcçãoherda das direcções que lhe an-tecederam?

Carmo Neto - Quando a 10 de De-zembro de 1975, os escritores ango-lanos decidiram cimentar, em Luan-da, os pilares da literatura nacional,criando a União dos Escritores Ango-lanos, os seus mentores olhavam jápara o futuro. E isso está reflectidonos fins dessa primeira instituiçãode carácter sociocultural criada naAngola pós independente. Talvez es-se facto tenha permitido que o pri-meiro governo de Angola fosse for-mado com uma forte base de escrito-res, começando pelo presidente daMesa da Assembleia Geral da UEA, otambém primeiro presidente de An-gola, o poeta Agostinho Neto.A UEA defendia já uma baliza paraa tão polemizada ideia de escritor.Nos seus estatutos, referia-se que sãoconsiderados escritores apenas osautores de textos e obras de puracriação literária e os autores de quais-quer outros textos ou obras que, pelasua originalidade de concepção ouvirtudes de estilo, possuam apreciá-veis características literárias.É este um assunto actual na nossasociedade, que se encontra no centrodas discussões desde o ponto de vis-ta puramente estético ao linguístico,passando pelo semântico e atingin-do mesmo os teóricos da literatura.Resumidamente, herdamos dasdirecções anteriores os seguintesdesafios:-Promover a defesa da cultura an-golana como património da nação.-Estimular os trabalhos tendentesa aprofundar o estudo das tradiçõesculturais do povo angolano.-Incentivar a criação literária dosseus membros, nomeadamente pro-porcionar-lhes condições ao seu tra-balho intelectual e à difusão dassuas obras.-Propiciar a revelação de novosescritores, orientando os seus esfor-

ços e dando-lhes o necessário apoio.-E fortalecer os laços com a litera-tura e as artes dos outros povos afri-canos e do mundo.JC - Que União dos Escritores

se pode esperar daqui há maisdez anos? Ou seja, qual é o sonhode União dos Escritores da actualdirecção?

CN - Neste capítulo, vale lembrarque Agostinho Neto, no papel de pri-meiro presidente de uma Repúblicarecém criada e de Presidente da Me-sa da Assembleia Geral da União dosEscritores Angolanos, entre as vá-rias preocupações que carregava ha-via a da criação de condições objecti-vas para que o escritor pudesse pro-duzir, como deixou patente no seupronunciamento no dia 8 de Janeirode 1976. E passo a citar: - " Sugiroaos caros camaradas e colegas quesejam aproveitadas no máximo ascondições para que os escritores tra-balhem e produzam e observem ca-da canto do espaço geográfico nacio-nal, vivendo a vida do povo. As con-dições materiais serão sempre cria-das na medida do possível, até quepossamos fazer do escritor, do artis-ta, um profissional puro da cultura,ligado à realidade sociopolítica".Actualmente, com mais de cemmembros assumimos o legado daprimeira associação criada na An-gola independente e a primeira arealizar um acto democrático nonosso jovem país, nascido a 11 deNovembro de 1975, consignado naeleição do seu corpo directivo. AUEA tem tido um papel fundamen-tal no desenvolvimento cultural eintelectual de Angola, sobretudo nocampo literário.Neste contexto, estou a ver daquihá dez anos uma UEA a proporcionarmelhores condições, favoráveis a ac-tividade intelectual dos seus mem-bros, difundindo cada vez mais assuas obras, promovendo eventos co-mo congressos, reuniões de escrito-res e outras manifestações de carác-ter cultural, a fim de elevar o nível li-terário e artístico dos escritores,bem como incrementando laços cominstituições semelhantes de todos ospovos do mundo.JC - Há metas ou projectos

por conquistar que mereçamdestaque?

CN - Temos a livraria da União dosEscritores Angolanos, onde constamtodos os livros por nós editados e ou-tros publicados pela Texto Editores(Leya) e outras. Foi construída com oapoio da Somague e da Texto Edito-

res. É nossa propriedade exclusiva.Funciona muito bem há sensivel-mente seis(6) meses.Termos conseguido transformaro prémio literário "Quem Me DeraSer Onda" num evento nacional, comregulamento presente nas mais re-cônditas escolas do país. É na verda-de algo significativo. De realçar aquia prestimosa parceria do Ministérioda Educação, que promove o concur-so através dos professores de LínguaPortuguesa e o patrocínio da Funda-ção Sol, que garante o apoio financei-ro. Durante o ano lectivo transactofoi segundo classificado um estudan-te da Lunda Norte. E o conto do pri-meiro classificado será inserido notexto escolar nos próximos anos lec-tivos, assim como da vencedora daprimeira edição do concurso.Próximo mês apresentaremos pu-blicamente o projecto imobiliário daUnião dos Escritores Angolanos na

nossa sede. A apresentação será fei-ta pelo nosso parceiro, Banco Inter-nacional de Crédito. Consta do pro-jecto, entre outros espaços, uma bi-blioteca e uma sala multiuso (seme-lhante ao Cine Nacional) que servirátanto para conferências, actividadesartísticas, culturais e outros eventos.De realçar que o espaço físico habi-tual manter-se-á intocável.Estamos a trabalhar na exequibili-dade de contratos de venda de livrosda UEA nalgumas universidadesbrasileiras (já temos algumas pro-postas concretas). Porque a maiorparte dos títulos são editados noBrasil, bem como a realização deeventos diversos, facto que levare-mos também para universidadesafricanas do Senegal, Congos, Nigé-ria e outros continentes que preten-demos alcançá-los através de umeditor americano.Antes do final do trimestre do pró-

ENTREVISTA CONDUZIDA POR MATADI MAKOLA

O escritor angolano Carmo Neto

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LETrAs| 5Cultura | 21 de Dezembro de 2015 a 3 de Janeiro de 2016ximo ano, lançaremos antologias deprosa e poesia de escritores angola-nos em alusão aos quarenta anos danossa independência.

JC - Internacionalizar um livro,no fundo, acaba sendo internacio-nalizar uma cultura, uma visão deuma época, um país. Como estamosneste domínio? E dos passos da-dos, a um feedback de como a tra-dução de autores angolanos temajudado a melhorar a visão estran-geira deste país que é Angola?

CN - Esta questão faz-me recordaruma pergunta ao escritor AntónioQuino feita pelo jornalista de um ca-nal televisivo português, a propósitodo lançamento da sua obra"Repúbli-ca do Vírus", na Faculdade de Letrasda Universidade de Lisboa, no dia 11de Novembro, quando impressiona-do com conteúdo reconhecia e inda-gava que a matéria deixava depreen-der que só podia ser escrito num paísque respeita a liberdade!... Uma outrasituação aconteceu quando um estu-dante da mesma instituição inquiriu-me, surpreendido pelo facto de estara ver uma revista editada pela Facul-dade de Letras da Universidade deLisboa com entrevistas a quarentaescritores angolanos, em alusão aosquarenta anos da nossa independên-cia. Com cara de espanto e admira-ção, indagou-me a saber onde anda-vam os escritores angolanos!...Res-pondi que a maioria vive em Angola eque paulatinamente irá conhecê-los,através desta parceria entre a UEA ea Faculdade de Letras da Universida-de de Lisboa.De acrescentar a este facto a ex-pressão de aplauso ao projecto, porparte dos estudantes e dos professo-res onde se destacam as professorasAna Mafalda, Paula Tavares e a incan-sável professora Margarida Reis, He-lena Buescu, bem como o incansáveldirector da faculdade, Dr. Paulo Al-berti. Surpreendentemente, tambémficamos com a receptividade da di-recção da Universidade de Braga, queclama por mais livros de escritoresangolanos, quando oferecemos al-guns títulos durante o mês de No-vembro transacto.Na Alemanha, no habitual Festivalde Frankfurt, a escritora Sonia Go-mes surpreendeu agradavelmente opúblico com a leitura em alemão doprimeiro capítulo do seu livro,"A fi-lha do general".A antologia angolana em alemãoelaborada pela senhora BárbaraMesquita, apresentada já na Alema-nha, será brevemente colocada à dis-posição do público português, emLisboa, no Instituto Goethe, no dia 2de Março de 2016. Será também edi-tada em português.Aguardo pela confirmação dosefeitos das nossas antologias traduzi-das em inglês, árabe, francês, italiano,alemão e espanhol, integradas no de-curso do ano em que finda no evento"Literatura-Mundo", que circulou pe-las principais capitais europeias, ten-

do encerrado em Nova York.JC - Itália e Alemanha têm dado

por via da UEA sinais sólidos doseu interesse pela literatura ango-lana. Que pontes de livros, eventosliterários e escritores podem es-tar em agenda no domínio da di-plomacia cultural?

CN - A Itália, com a institucionali-zação da Cátedra Agostinho Neto naUniversidade Tre, uma iniciativa daUnião dos Escritores Angolanos emparceria com a Fundação AgostinhoNeto, sistematizou o estudo da litera-tura angolana, sendo nossa obriga-ção indicar todos os anos um profes-sor de literatura angolana para lec-cionar. O candidato é aceite em con-cordância com a Fundação AgostinhoNeto, se possuir currículo académicocomprovado. O transporte é pago pe-la UEA e a estadia e acomodação decerca de dois meses são da responsa-bilidade da referida instituição. Já láesteve durante o presente ano lectivoo professor António Quino. Seguirápara o próximo ano lectivo o profes-sor Manuel Muanza.Com Alemanha caminhamos parao mesmo sentido. Estiveram cá, emAngola, algumas estudantes ale-mães(uma delas filha de um angola-no e uma alemã e aproveitou a oca-sião para matar saudades do pai quehá muito não via!...).Conversaramcom alguns escritores. Levaram assuas obras. Já há alguns sinais positi-vos. Aguardemos pelos resultados.Agora, sobre os escritores que de-vem estar na agenda da diplomaciacultural, certamente aqueles cujasobras venham a ser ou são melhor re-conhecidas em determinados países.Por exemplo, há quem diga que nãogostou do livro "A Filha do General",de Sónia Gomes, mas só com a leiturado seu primeiro capítulo em alemãoo público presente em Berlim vibrou.Houve quem dissesse que o livro"Re-pública do Vírus" do António Quinonão prometia, mas a apresentadora

da obra, também poeta, Ana PaulaTavares, adorou, assim como os estu-dantes de Letras da Universidade deLisboa. Quanto a apresentação cá emLuanda, no Instituto Camões, feitapor uma angolana – respeitável pro-fessora de literatura – que conside-rou uma revelação ímpar de referên-cia. Está logo a ver que fica difícil aosecretário geral às vezes predetermi-nar nomes e obras, com excepção dosnomes já consagradíssimos...JC - Fala-se na diversificação da

economia, incluindo nesta área odesafio de fazer da cultura ummeio de fomento, e nas letras pre-cisamente com o mercado livreiroe editorial, apesar do paradoxo dobaixíssimo índice de leitura. Comoa UEA pensa reagir a este repto?Que possíveis empecilhos? Queopinião a respeito?

CN - Ensinar a ler e a escrever éfunção primária dos governos. Por-que sozinhos não satisfazem as ne-cessidades da população, nem cum-prem integralmente com as suas atri-buições. São por esta razão chama-das as associações para complemen-tarem as acções estaduais. A nossavocação é essencialmente comple-mentar a actividade do Estado no do-mínio cultural, particularmente o li-terário, no que diz respeito, sobretu-do, a lavra da estética e domínio dapalavra. Embora saibamos todos queo domínio da riqueza inicie com ogosto a leitura.Creio que o concurso literário " QuemMe Dera Ser Onda", porque é essencial-mente destinado a uma faixa etária dos13 aos 17 anos de idade, já ajuda, assimcomo outros concursos literários.A solução do Estado deve tam-bém passar pela institucionalizaçãodo Plano Nacional de Leitura, cujaexecução deverá preestabelecer,antes, um acordo entre parceirostais como a UEA e outras institui-ções semelhantes.Será bom não esquecer edificar li-

vrarias nos espaços residenciais co-mo Kilamba e outros condomínios,assim como bairros que deveriam to-dos possuírem uma ou duas livrarias.Por cada ano lectivo os estudantesdeveriam ser obrigados a ler várioslivros a contar para as notas finais.Enfim, há uma série de iniciativasque se poderiam já implementar, talsubvencionar o preço do livro.JC - Já a UEA sendo uma editora,

qual a importância da fusão com aTexto Editores?

CN - A Texto Editores é uma daseditoras do grupo Leya. Quer dizer, aparceria e não fusão com a TextoEditores permite que o livro do es-critor nestas condições circule pelaEuropa (Portugal) e outros paísesde língua oficial portuguesa onde aLeya está presente. Assim chegamosnalgumas livrarias portuguesas semcustos financeiros para a UEA e comindispensáveis vantagens para o au-tor, porque aliamos a este desempe-nho a promoção e divulgação daobra, contando para o efeito com osmeios necessários como as institui-ções académicas e órgãos de comu-nicação social. Estamos, por conse-guinte, a realizar um dos nossos ob-jectivos: promoção e divulgação daliteratura angolana.Estamos também a trabalhar coma editora Letras no que diz respeito areedição de obras cujos textos estãoinseridos no sistema escolar. Esteprocedimento permitiu que vinte ecinco títulos de autores, muito procu-rados pelos estudantes, fossem coe-ditados. Uma outra vantagem na par-ceria com as duas editoras é que anossa responsabilidade financeiratem a ver apenas com os custos da re-visão e selecção das obras.JC - Como estão as representa-

ções provinciais da UEA?CN - É dos mais antigos projectosque encontrei na UEA e que terá agorasolução com as novas construções queestão a ser erguidas nas províncias.

Livraria da União dos Escritores Angolanos

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NGENDELEIPOEMA DE CATCHEKELE EKUMBI

NGENDELEI

Uatchiñgembele uandaPokavindi kuteke pali otchikisikisiUmbanda ua kulu vautelakala pelongaVo mbedje iukuesanda a muasuka olosekeNdjali uatchimopale ati a molangue oluvale uatila kalie tcheia:Ati ondjila kupiti ukaipase O ndimba culi ukaipondeEpia kusupila ukailime!Nda kuela tchaluaO kamokangue ka tumba, nda sima ati okulelaPuãi vandilisaKalie vandongaO mala nda vanhanha ndo mbutoOkuvatecula sitchitenlaUtima u sanhanha ,utue uatokota fiNdivandja kilu, ku ndindima kutunda o mbelaAti tambuletemo kalime,Ame okulima sukutenla valiO mbapolo yoyo vokalungaA mbi uonenela ukanda uatate utunda vocalundo, paliongoluilaolongangaVa paginha efengi lianguePuai umbanda uia ndoto ulinhanha vimboIki a pito, iki olondjanelaMii ondaluTilisi ovilelembia, tusuñginhiOnambi yeya, soma uanda Uakasiñga vasekulo va EKUIKUI, va KATIAVALAAkokoto vovo volomunda, vavo uafila vusengue,Kalie tukapula elie? Nasoma kakuete ombedjeOmoko kaiteti, vaKuatchisoko vaienguenga osukinliAkãi valinga olosisu, oloñgoma vioã ,o mbela ayloki,O vinganji a vipiluka vali, umbanda ualitila vimbo, o mbala aikuete Soma, akulu va sakalala, kalunga ualiasamo.Tuanhelela, tukapula elie?Tualinga olo ngendelei, tua chala upolokosoImboliasandoka!

Quem me ludibriou se foiQue na esquina da noite repousa um tchikisikisiQue o feitiço é confeccionado no prato dos deusesNa cabaça de um mentiroso não falta tchisangua

Minha mãe já me tinha notificado:Que as hastes da poligamia eram ferrenhasNão abra a estrada estranha ao teu destinoNão vá a caça de um animal, cuja carne não te vai ao paladarNão te abarques a uma lavra sem depois cuidar da árvore de seus frutos!

Não engrenei na voz ventania de minha mãe Que me soprava os ouvidos, agora recinto as saliênciasGanhei o corpo esférico na barrigaPensado engordar, quando a droga me fora enfiada

Filhos espalhados como sementes germinadas nos camposCada barriga uma boca, um pequeno depósitoNão há celeiro capaz de alimenta-losDói-me a cabeça, arde-me o coração Na esperança do pão descer do céu, apenas um relâmpago e uma chuvaConvidando-me ao cultivo quando as forças não me restam Lá no fundo do mar, um navioAuguro trazer uma carta de meu pai, vinda do cemitério, onde se reú-

nem feiticeiros, planejando minha dorTalvez, os antigos conselhos, afinal, lá vem o barco espalhando feitiço

pela aldeiaFechem as portas e janelas,Acendam a fogueira, seroemos, afugentemos o espírito, que vem a peste para aldeia!É óbito, A morte visitou-nos, luto na aldeia, morreu o soba, ao encon-

tro dos ancestrais, EKUIKUI E KATIAVALALá estão seus restos (acocotos), a guarnição dos montes. Vovó soba morreu na mata, a quem iremos perguntar?A espada da viúva não corta, dar o sangue à resposta do gadoO que havemos de comer? A comissão da aldeia foi diluída.Mulheres estéreis, batuques ao silêncio, chuvas caladas,O palhaço já não dança ao ritmo da tradição, O feitiço enfeitiçou a aldeia em tudo quanto é canto, o trono está sem

rei, pânico e morte em cada esquinaEstamos sem destino, a quem iremos perguntar?Estamos sem destino.A aldeia caiu à dispersão!

SEM DESTINO

Quadro de António OLE

6 | LETRAS 21 de Dezembro de 2015 a 3 de Janeiro de 2016 | Cultura

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Fim do combate entre Kahito e Kilumba

HAMLET OU KILUMBAO PREÇO SUICIDÁRIO DA VINGANÇA

JOSÉ LUÍS MENDONÇA |

Abriu a cena com uma dança desalão (kizomba), na noite do dia 4de Dezembro, em Luanda, a peçaadaptada de Hamlet, a obra imortalde Shakespeare. Esta adaptação foifeita com tanta paixão pelo grupoRESGARTE, que podia ou devia re-ceber um título concordante com aversão africana: Kilumba.Emanuel Nkruma Paim é o genialrecriador desta peça do mago britâni-co do teatro. E é também o seu direc-tor. Sob a sua batuta, tem um elenco deactores abalizados na Arte de Encenara Vida, alguns facilmente reconhecí-veis de actuações na TPA (Quim Faus-

to, o Xico Kaxico) ou Wime Martins(das Conversas no Quintal).O guarda-roupa é original, indo datradição quinhentista bantu ao mo-derno macacão que a bela e curvilíneaRainha incestuosa (Isabel Manuel) es-tampa, aos bubus africanos e outrovestuário ocidental.Os actores são polivalentes e ora ve-mos - naquele cenário imutável (ca-deira real e seu entorno monárquicode escudos, lanças, sobre um fundo es-trelado) - Mayomona Vicente fazer deRei usurpador e do próprio fantasmado finado legítimo detentor do trono,ou Quim Fausto, o Mujimbo, aparecercomo coveiro, segurando a caveira de“um que apodreceu antes de morrer”.E que dizer da excelente escolha

dos temas musicais? A revisitação dohungo de Kamosso. A bateria de ngo-mas emaranhando-se no combate en-tre Kahito e Kilumba.TEMPO E LUGARA adaptação ou angolanização deHamlet introduz, nos diálogos, críticasveladas aos tempos de hoje: “criseeconómica”; “país de bêbados”; e umchinês que vende um engenho video-gráfico capaz de ilustrar o assassinatodo pai de Kilumba (Hamlet), dois anosapós a morte do mesmo. A cena carica-ta mostra o engenheiro chinês a pro-jectar as imagens do envenenamentodo rei. E quando Kilumba lhe agrade-ce, o chinês retruca: “Chefe, no obliga-

do, dinelo!” No seu ensaio “História eTeatro: Discussões para o Tempo Pre-sente (disponível em: www.revistafe-nix.pro.br), Rosangela Patriota postu-la “o reconhecimento da historicidadedo código estético [que] permite dis-cutir a produção artística à luz das re-lações sociais e, sob esse ponto de vis-ta, como instâncias de luta política”.A autora reconhece “a historicidadedo conteúdo artístico através do diá-logo que o mesmo estabelece com omomento da sua constituição. Issoporque “[...] as obras possuem umtempo e um lugar. Participam de lutase de questionamentos inerentes aomomento de sua produção e ao seucampo de recepção e fruição”. Tam-bém é dada ao erotismo e à comédia

Cultura | 21 de Dezembro de 2015 a 3 de Janeiro de 2016 ARTES |7

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8 | ARTES 21 de Dezembro de 2015 a 3 de Janeiro de 2016 | Culturaesta bela peça, quando Kilumba sepropõe “introduzir a minha Torre Eif-fel no teu Triângulo das Bermudas”(da Ossala.

O PRIMEIRO CRIME À FACE DA TERRAÉ depois da exibição do filme que otio usurpador (Muhongo) clama: “Omeu crime sujou os céus! O primeirocrime à face da Terra (Abel e Caim).Para Kilumba “já não restam dúvidas(é) a hora da vingança.”Começa então o rol de execuções. Oprimeiro a morrer é o conselheiro Mu-jimbo, pai da namorada de Kilumba(Ossala). Está Kilumba prestes a ma-tar a própria mãe, quando reaparece ofantasma do pai e o impede. Ossalachora o pai morto. Depois enlouquece.Oh!, como é dolorosa e macabra estapeça! É essa primeira morte que leva-rá Kahito, filho de Mujimbo, a desafiarKilumba em combate singular.O conteúdo discursivo desta peçaangolanizada não esquece a grande ti-rada filosófica do original shakespea-riano: “Ser ou não ser, eis a questão”,proferida pelo príncipe Kilumba,quando já augura “encontrar a paz naponta de um punhal.”Porque é na ponta envenenada doaço que Kilumba vai morrer, na tenta-tiva de vingar o pai, pai este que, acor-rentado à morte, lamenta, numa dasaparições do além-túmulo: “Arranca-ram-me da vida, da coroa e da Rainha”,e pede ao filho: “Toma o teu trono.Lembra-te de mim.”Na ponta do punhal envenenadomorrem Kahito (filho de Mujimbo) e opróprio tio usurpador, Muhongo, “ovilão sorridente, ladrão do trono”. ARainha viúva e incestuosa morre deingestão de veneno que Muhongo des-tinara a Kilumba (com o apoio e a coni-vência de Mujimbo, seu conselheiro). “Este é o preço da minha vingança!”,

brada Kilumba. É o drama total. Todosmorrem. Quem ficará com o trono?Quem, senão o medroso Sango? Co-mo dissera o príncipe Kilumba “hámuitas coisas desconhecidas, Sango,conta a minha história ao mundo ereina tu sobre esta terra.” Ecoa, nessemomento, o canto de Agostinho Neto,“Caminho do Mato”.A peça encerra com uma batucadafinal e o elenco todo em palco. É o somnos bastidores do grupo Tusanguluka,a exímia companhia de dança queaqueceu o palco com o ritmo quente eeufórico da África.Talvez o mérito do Hamlet shakes-peariano resida no facto de ter ideali-zado uma tragédia magestática, géne-ro literário que sempre provoca a ca-tarse do público e é um dos condimen-tos primordiais da arte de escrever,desde os tempos de Homero. Para nos lembrar que a vingança,seja qual for a razão fundamental, éum acto suicidário?ELENCOEmanuel Nkruma Paim – KilumbaQuim Fasano – Mujimbo e CoveiroOnésimo Piedade – Kahito e ChinêsIsabel Manuel – RainhaMayomona Vicente – Rei e FantasmaLizeth Joaquim – OssalaWime Bráulio Martins – SangoBráulio Edson Miranda – Padre eMediadorFICHA TÉCNICA

Dramaturgia, encenação e direc-ção: Emanuel Nkruma Paim

Produção: RESGARTEProdução executiva: Bárbara Co-hen Sá; Jumena Ferraz, Yara Dias MiguelSonoplastia e iluminação: Antó-nio CaliCenografia: Massoxi ArtzCoreografia: Laritsa SaloméGuarda-roupa: Carla Cruz

Tragédia finalO rei, a rainha e o mediador

O chinês e Kilumba

Ossala chora a morte do pai

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Adeus a Paulo Miala

ENCENADOR DA PEÇA ´CASSINDA NÃO VOLTA ATRÁS´

MATADI MAKOLA |Paulo Miala ficará eternizado nosanais da história recente do teatro an-golano por ter sido responsável, naqualidade de encenador e actor, de“Cassinda não volta atrás”, uma daspeças mais populares que os angola-nos chegaram a ver nas últimas duasdécadas, quando a TPA, por via do pro-grama Em Cena, inclui na sua grelha deprogramas a transmissão de peças deteatro, tornando-as assim populareseaclamadas do grande público, sendocaso de maior relevo a peça “O Feiticei-ro e o Inteligente”, do Etu Lene, que le-gou ao imaginário angolano os perso-nagens Velho Saraiva e Ngazuze..Em “Cassinda não Volta Atrás”,apre-sentada pelo grupo Nguizane Tuxica-ne,o público debateu-se com o enredoda história, de cunho moral e valor tra-dicional. Miala interpreta na peça opersonagem Katchuko, fazendo duplacom Chipalavela. Foi membro funda-dor do grupo e conta-se nos seus fei-tos ao serviço das artes cénicas a auto-

ria das peças “Desastre de um Jo-vem” e “Turbulência Familiar”, am-bas consideras de grande valor mo-ral. Foi membro fundador do grupoNguizane Tuxicane, criado por jo-vens da Precol em 1995. Amigos, familiares, figuras do teatroe da Cultura marcaram presença na-quele que foi o adeus a um homem defé e do teatro que em vida se chamouPaulo Manuel Gaspar Miala. Filho deGarcia Miala e de Luísa Gaspar, nasceuem Luanda, em 1974, curiosamente nodia em que foi a enterrar, dia 15 de De-zembro, quando uma manha cinzentacobria o cemitério da Santana.Faleceu em Luanda no dia 11 de De-zembro. Os amigos do teatro, destroça-dos com o passamento físico deste ator,choravam consternados: “Paulo, quemnos vai levar à LAASP e ao Horizonte?Quem nos vai levar ao Huambo, Paulo?”. ComunidadeOs amigos da Precol, Rangel, trata-vam-no por Ti Paulo, mas também eraconhecido por Sambapito, Don Ninas,

Kota Paulo, Maninho, Bade Barriga…“um cidadão aprazível e de trato fácil”,ouviu-se no elogio fúnebre. A comuni-dade da Precol e os fiéis da Paróquiada Nossa Senhora das Graças perdemdeste modo um membro que em vidase mostrou decisivo na sua relaçãocom Deus, procurando cumprir os sa-cramentos religiosos e contribuindodirectamente como catequista e for-mador de casados.

No Centro de Animação Artística do Cazenga

PALCO ABERTO POTENCIA ACTORESMATADI MAKOLAPalco Aberto é o nome do projectode formação e produção em teatro, doCentro de Animação Artística do Ca-zenga. Tem Nelson Gonçalves (Nylon)como responsável e surge como com-pleto de uma formação que conclui emPortugal na área de teatro, cumprindoa tarefa iniciada com um espectáculoem Setúbal, sendo em Luanda o ANI-MART o espaço que encontrou paradar continuidade a este projecto. Temcomo objectivo dar realce ao trabalhoindividual do autor, dando assim pri-mazia a peças que reúnam menos dequatro actores. É um projecto itineran-te, pronto a administrar oficinas deteatro e criação de espectáculos nasmais diversas áreas do país que preci-sem ser suportadas com saber das ar-tes cénicas, como foi o caso do KwanzaNorte e as oficinas no último FESTECA. Para fechar o ano, duas oficinas deteatro estão na agenda neste fim deDezembro. A primeira arrancou no dia14 e o foco recaiu nas “técnicas de ex-pressão” e “actuação”, para actoresmaiores de 16 anos. Terminou no dia

19 e foi administrada por Nelson Ka-banga e Teresa Manuel, atriz da com-panhia Tic Tac que conta inúmeras for-mações com especialistas Franceses ePortugueses. A outra etapa começa nodia 21 e termina no dia 24, cujo foco se-rá trabalhar na temática “consciênciado actor em cena - teatralidade” e dire-cionada a pessoas que já têm experiên-cia em teatro. A formação abordarátécnicas desenvolvidas por João Bri-tes, director do teatro O Bando, de Por-tugal, e será administrada por NelsonGonçalves, o nosso interlocutor, e Eli-zabeth, ambos actores do Tic Tac. Ny-lon, actor e director artístico do ANI-

MART, referencia que as formaçõestêm sido muito importantes mas quenão fazem nada do outro mundo:“Muitos actores já devem ter noçõesdos conhecimentos que vamos pro-por. Mas as abordagens e o repto decriar um resultado de cariz angolanovai ser sempre a nossa orientação, decalcar os conhecimentos numa atitu-de angolana de fazer teatro”, informa.Por outro lado, realça Nylon, a própriatroca de experiência entre gruposcausa uma ajuda que é difícil de ga-nhar em condições laborais, por aindaalgumas pessoas incutirem o ladocompetitivo, como também se precisaque o conhecimento circule, restandoapenas que os actores desenvolvamem pontos diferentes mas se caracte-rizem em certos pontos, para que secompreendam na expressão teatral.Teatro e CazengaO ANIMART é a sala e espaço oficialdo teatro no Cazenga, dado como o mu-nicípio fértil no que toca ao nascimentode novos grupos (fenómeno da gera-ção 90 e 2000), contando também como espaço da Paróquia de Santo António,

adaptado para sessões de espectácu-los. O grande problema, aponta, tem si-do também encontrar espaços paramostrarem trabalhos e saberem queno Cazenga se faz teatro de verdade.Os amantes do teatro já se habitua-ram com estes locais e os actores sãopessoas bem conhecidos do públicolocal. Num passado recente, recua Ny-lon, íamos sempre apresentar os es-pectáculos na LASP e Njinga Mabande,o que já não acontece, porque têm umpúblico que os conhece e que respeitao trabalho que têm vindo a fazer. Con-tudo, não podemos falar necessaria-mente que os grupos do Cazengacriem peças com temáticas que espe-lhem a vida das pessoas do município,embora reconheça, fazendo uso de umconceito basilar das artes cénicas, “ oteatro nasce do povo e volta para o po-vo, mas numa expressão artística”.Em geral, trata-se de um teatro gene-ralista, salvo em seminários direciona-dos para tal. Quanto a espectáculos, o ob-jectivo – que Nylon assegura vir a acon-tecer já no próximo ano – é o de continuaa manter a regularidade de apresentarespectáculos todos os finais de semana.

Cortejo fúnebre

PAULINO DAMIÃO

Nylon (à esquerda) numa performance em Portugal

Cultura | 21 de Dezembro de 2015 a 3 de Janeiro de 2016 ARTES |9

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MATADI MAKOLA |É notável nos gestos e na acção o es-forço em procurar ser associada com aÁfrica. Quando está em palco toca ba-tuque ou djembê, que advoga ser maisfácil de levar e de afinar. As suas rou-pas e penteado, adornada com utensí-lios do mar e pequenas joalharias dabeleza africana, precedem a sua es-tampada confissão de sentir-se comofilha de África. Usa frases curtas, evi-tando cair em pretensas construções

excessivas e que dificultariam a quedada tonalidade no laborioso momentodos arranjos musicais. É económicanas palavras. Um canto simples e fácilque faz o requinte das suas letras re-cheadas de lirismo subjectivista. Fluicom uma leveza natural, aprazível eelegante, bem como os seus versoscultivados com acentuada aliteração. Há na sua atitude vocal um toqueimperioso da beninense AngéliqueKidjo e uma queda bem intencionadapela morna e pelos tons de guitarra de

griots. As suas paragens são batidasdo coração, aberto e atento à África,num canto tanto de alma como deconsciência. As suas estórias curtascom que preenche o seu canto pare-cem retalhos de vida cozidos em cadadas 11 faixas musicais, cantadas emkimbundu, português e inglês. Mastambém são ao mesmo tempo apelos àirmandade, são sabores doces dasbrincadeiras de crianças ou a síntesesonora de demoradas e graves noitesde luar africano num tempo moderno. É o género que cultiva, o afro fundi-do ao jazz e ao soul, que põe Vivaldaem paralelo da dita novidade da van-guarda musical africana pós-moder-nista, entendida muito propriamentetanto para suprir vontades conheci-das como da alma e da vida, no seuponto de intervenção à maneira lavra-da por poetas como Neto, que encon-traram no jazz e no blues outra inter-cessão na defesa do ideário negro. Ecom estes poetas, as letras de VivaldaDula mantêm uma certa intertextuali-dade, com casos flagrantes, por exem-plo, para invocação à mãe negra queAgostinho Neto canta no excelso“Adeus à hora da largada” e tambémno poema “Namoro”, de Viriato daCruz, que deste enfatiza numa das fai-xas musicais a conhecida metáforados seios de maboque para dar imagi-nação ao latente erotismo. O show no ElingaQuando Vivalda postou no face-book que haveria de vir a Luanda paraa divulgação e apresentação do cd“África”, o ator Raúl do Rosário, seuamigo, reagiu sugerindo que fizesse a

apresentação no Elinga, por solidarie-dade ao espaço que mais ou menos diacairia abaixo (o sofrível momento mo-ribundo do Elinga). Desta sua apari-ção no Elinga, feita no dia 28 de Junho,sai daí com uma imagem muito positi-va e calorosos conselhos para conti-nuar com segurança a sua carreiramusical. A sua rotina por Luanda dei-xou marcas, alguns músico com quempartilhou o palco reconheceram-nacomo ́ única´ e elogiaram a decisão deregressar mais vezes a Luanda e ou-tros pontos do país, para beber maisda sua cultura e trocar experiênciascom músicos locais. Ainda na sua pas-sagem por Luanda chegou também adividir o palco com Mário Garnacho eNdaka Yo Wini. Sabe colher das amizades que cul-tiva. No momento do processo criati-vo muitas coisas vão surgindo, comoé o caso da participação no tema Má-zui de uma sua colega chinesa com ogudjam, um instrumento de cordatradicional chinês. Conheceu a chi-nesa na escola de música e ambasnão sabiam que já eram músicos pro-fissionais. Convidou-a a fazer partedos acabamentos deste tema engaja-do na luta contra a exploração infan-til, depois de ver uma reportagem so-bre o tráfico de menores e explora-ção infantil e decidir também dar vozcontra esse mal que assola um semnúmero de crianças, e muitas delasafricanas. Em “Flauta do Cantor” aamizade com o guitarrista clássicochileno é gratificada com o seu dedi-lhar delirante, com um tom chorosode guitarra que reivindica estilosafricanos.

Vivalda Dula e Cheick Diabaté lançam “Je t`aime”

FUSÃO DA DIKANZA E DO NGONI

Vivalda actuando no Elinga Teatro Vivalda durante a sessão de venda e autógrafos do disco ÁFRICA no Elinga Teatro

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Vivalda Dula

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RaizSe engana quem a julgar como “tor-nada africana” em solo americano. Vi-valda Dula é uma cantora, composito-ra e percussionista nascida em Luan-da, com passagens pelos grupos Kiele-la, Manésima e Carapinha Dura, suasescolas de percussão e canto. A Mãe éde Malange e o pai do Kwanza-Sul. Terminou em Maio de 2015 o seucurso de Arranjo, Composição e Pro-dução Musical nos Estado Unidos daAmérica, razão maior que a levou aeste país onde se fez residente. Masantes formou-se em Relações Inter-nacionais, e foi na labuta de estudan-te que ganhou espaço entre os ameri-canos, resultando no lançamento deum EP (Insanidade Mental) e umatournée por aquele país. Foi nesta ri-ca fase inicial do seu trabalho queconseguiu partilhar o palco com figu-ras de destaque mundial como SalifKeita, Allen Toussaint, Ruthie Fostere Cassandra Wilson. Neste Dezembro Vivalda Dula voltoua ser notícia na imprensa e motivo deconversas nas redes socias. Fala-se doseu trabalho que intitulou “Je t`aime”,um single que tem data de lançamentointernacional maracada para Janeiro de2016. Conta com a prestigiosa partici-pação do conceituado músico e conta-dor de estórias do Mali, Cheick HamalaDiabaté. Ambos só prometem acertar apossibilidade de um cd em meados de2016, devido a agenda apertada e com-primissos profissionais. Jornal CULTURA - Vivalda, qual a

razão do título “Je t`aime”?Vivalda Dula - Je t` aime deve-sepor ser uma canção de amor que contaa história de um homem que deixa oseu país em busca de melhores condi-ções e que as varias adversidades o fa-zem continuamente pensar no seuamor. Então, escreve uma carta deamor à sua amada, que o responde co-moventemente.JC - Quais musicalidades se pode

ouvir neste single promocional? VD - No single ourvir-se-à certa-mente o sabor de duas culturas numasimbiose harmónica e sentir-se-àtambém a presença lusófona (Vival-da) e francófona (Cheicke Hamala). Acanção foi escrita e composta por Vi-valda Dula, produção do Dr.Robert eco-produção de de Vivalda Dula. Nelaouviremos diversas lí¬nguas, dentreelas o mandingue, kimbundu e fran-cês, e foi gravado e misturado emWashington DC e Houston. Espera-mos que tenha uma excelente recepti-vidade nos variados mercados, desdeo lusófono ao francófono.JC – Qual a perspectiva musical?VD -É uma proposta fresca, inovado-ra, madura, e uma excelente experiên-cia musical para mim, que viajo numapoesia musical-intectual, trabalhandocom um dos africanos mais reconhece-cidos nos EUA e dos poucos africanosque já foi nomeado para Grammy.

JC - Quem é Cheick Hamala Dia-baté artisticamente?

VD - Cheick Hamala Diabaté é reco-nhecido no mundo como um dos mes-tres do Ngoni, um instrumento tradi-cional do Mali. Aos 12 anos, ele foi con-vidado pelo Instituto Nacional de Ar-tes em Bamako, capital do Mali, ondeestudou Música, Artes Gráficas, Cine-ma, Literatura e Teatro. Ele começou asua carreira artística internacionalapós a formação. É músico, professor,contador de estórias. Cheick Hamalacomeçou a sua turné pelo mundo em1995, viajando por toda a África, Eu-ropa, Asia, Canadá e EUA. A sua músi-ca sempre reflete a integridade histó-rica de uma forma de arte importante,com uma rica tradição que remontacentenas de anos para a formação doGrande Império do Mali. Trabalhoucom vários músicos de renome mun-dial tais como Salif Keita, Bela Fleck,Corey Harris, Bob Carlin, ToumaniDiabaté, Kandia Kouyate, entre ou-tros. A sua colaboração com o ameri-cano Bob Carlin valeu-lhe a nomeaçãopara o Grammy na categoria de BestTraditional World Music Álbum com odisco for "From Mali to América". JC – Como surgiu esta parceria?VD - Esta parceria musical surgiude uma conversa amigável dias depoisde sermos introduzidos por um amigocomum e productor musical, apresen-tador de televisão e vencedor de va-rios prémios e que já trabalhou comestrelas do nosso mercado como PaulG e Anselmo Ralph.JC – E sobre a fundir o djembe, ngo-

ni e a kora à dikanza e ao batuque?VD -Os instrumentos usados forampara além das vozes, guitarra, bass,bateria, Ngoni (instrumento tradicio-nal do Mali), o talking drum, calabash,a nossa dikanza, chocalho e o djembé. JC - Como tem sido a vida artística

de uma angolana EUA?VD -Não tem sido uma vida artísticafácil mas possivel. Existem muitas difi-culdades, começando pela língua,manter-se fiél aos valores culturais ede raiz e lutar por eles. Nos EUA podemabrir-se portas, mas aprende-se naprática que ninguém fará por tí¬ e quetens que trabalhar arduamente e abdi-car de inúmeras coisas na vida, na lutados nossos sonhos que podem ou nãoacontecer como o desenhamos na nos-sa mente ou como a televisão mostra.JC - Qual a repercussão da música

angolana nos EUA?VD - Directa e sinceramente falan-do, não se fala nem se houve muitamúsica angolana por aqui. Ainda nãoatingimos este espasso neste país. Te-mos o Waldemar Bastos e RicardoLemvo mas levaram decadas parachegar onde estão. Mas ainda assim émuito mais fácil ouvir sobre músicosde países do Oeste de África. Eles jáconquistaram e mantenhem patente onome de seus países e muitos deles

com ajuda de projectos culturais deseus governos/Embaixadas.JC – Mas já é um passo para a in-

ternacionalização da música e can-tores angolanos?

VD –O EUA pode ser um passo pa-ra a internacionalização da música ecantores angolanos. Mas, pelo queaprendi do music business nos últi-mos 5 anos, não importa a cultura,tens que ter algo especial, ser espe-cial, originalidade acima de tudo, sertu mesmo. Se és angolano e vais fa-zer música americana tens que estarao mesmo pé de igualidade, profis-sionalismo e talento que eles. Res-peito pelos profissionais, chegar ahoras e esquecer a questão padrinhona cozinha. Se fazeres música do teupaís, tens que te identificar como tale ser puro. Não basta colocar umacamisa de pano africano, colocar umlenços na cabeça e um vestido/trajesnacional, se não tens originalidade etalento. Ter uma voz bonita não sig-nifica ter talento num mercado co-mo o americano, porque vais te de-parar com cantores e músicos quesão compositores e que tocam muitobem dois ou mais instrumentos. Pes-soas que tenhem uma versatilidadeincrí¬vel dentro e fora dos palcos.São possuidores de uma musicalida-de estupenda e estão acostumadas a

ouvir seleções ecléticas de música epor isso estão auditivamente maisbem preparadas para a diversidademusical e internacional.JC - Sobre a internacionalização,

que outras ideias e qual a sua opi-nião sobre o processo e artistas an-golanos?

VD - O nosso governo, a partir donosso ministério da Cultura, tem ca-pacidade para ajudar na internaciona-lização da excelente música angolana.A Lei de Mecenato tem que ser aplica-da também para a diversidade e salva-guarda da nossa música e arte de ecom raiz. Angola possui mais de 4 gru-pos etnolinguísticos e uma diversida-de cultural sem igual. Cada proví¬nciaé uma relí¬quia musical e cultural es-tupenda e ainda assim não vemos ououvimos musica angolana nos consi-derados melhores festivais de músicado mundo. Não se pode dependersempre do Bonga e do Waldemar Bas-tos para representar a diversidade e onosso world music.JC - Quando é que os angolanos

poderão ter em mãos o single “Je t`aime”?

VD - O single estará disponí¬vel in-tenacionalmente a partir da primeiraquinzena de Janeiro de 2016.

Imagem da capa do single

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Um papo pós-cinemaDIPANDA A TCHIWEKA

Casa cheia, sábado 7/11/2015 noCine Atlântico. Mais ou menos um mi-lhar de convidados à pré-projecçãodo documentário ‘INDEPENDÊNCIA’responderam. Uma plateia a quase100%, estimou a gerência, que cede-ra o espaço a título da sua contribui-ção. Público selecto, sociologicamen-te falando: uma mescla da elite dosprimeiros anos do país soberano emais novos, o conjunto habitando oinovado asfalto de Luanda.

A obra leva as assinaturas da As-sociação Tchiweka de Documenta-ção (ATD) e da produtora cinemato-gráfica ‘Geração 80’. Tchiweka é aalcunha de Lúcio Lara, carismáticocompanheiro-mor de Agostinho Ne-to, o líder, também carismático, daluta anticolonial. O lançamento dofilme acenou o 40º aniversário dadescolonização de Angola, privile-giando a épica gestação até ao par-to tumultuoso.

EnredoComo? Dando voz aos protagonis-tas, entre sobreviventes e passadosque os arquivos perenizaram. Seusdepoimentos configuram o enredo,desdobrado em episódios tais como:- O movimento cultural na elite pe-riurbana, pressagiando nova cons-ciência.- A prisão dos pioneiros nacionalis-tas em Luanda na década de 50 do sé-culo passado.- O febril movimento estudantil nametrópole dos autóctones idos dascolónias.- O manifesto de 1956, miticamen-te adoptado como fundador do MPLA.- A agitação similar na imensadiáspora Congo-Angolana no vizi-nho Congo Belga.- A onda das independências emÁfrica1960.- O impacto por cá e, em 1961, a ca-deia das revoltas de Cassange (4/1), o4 de Fevereiro em Luanda e o brasei-ro de 15 de Março.- A guerra declarada por Salazarpara manter o sistema odiado pelosindígenas.

- As palpitantes peripécias se-guintes do confronto, foco da lutade libertação.- As repercussões internacionais. - O desgaste da tropa colonial entregolpes de guerrilheiros (mesmo en-fraquecidos por falanges divididas) eo crescente isolamento mundial.- A queda estrondosa do regimefascista em Portugal com o golpe deEstado de 25/4/1974.- Episódios do período intermé-dio antes do repto final e as aliançasexternas ditadas pela guerra fria,que elege Angola como campo depredileção.- A apoteose de 11/11/1974, assi-nalada pelos independentistas na suaseparação (por não variar) em Luan-da, Huambo e Uige.AberturaLuanda está obviamente privile-giada, no filme. A sensibilidade orto-doxa pró-MPLA predomina, ensaian-do abertura sensível aos concorren-tes da UPA/FNLA e UNITA.Mesmo os distintos militantes doMPLA mostrados se despiram da tra-dicional ‘langue de bois’. O generalCiel da Conceição ‘Gato’, por exemplo,não se importou em evocar o trânsitopela rival UPA, ido dos maquis dosDembos para Kinshasa. Outro guerri-lheiro e ministro da saúde da pós-in-dependência, o médico Kassessa, con-firmou, a concluir suas declarações, arutura com a cartilha de autocensura.Após regozijar-se do envolvimentona saga, rematou com este picantematreiro: "A independência que nóstemos é outra história”.Noé Saúde e Augusto Loth, vetera-nos presos políticos, testemunhamcom sobriedade. O mesmo, ressentinas intervenções austeras dos anti-gos combatentes Francisco Tuta “Ou-ro de Angola” e José C. Augusto “Ki-luanji”. O primeiro é deputado, hojeem dia, e o segundo embaixador, mer-cê de um mando preclaro na primeiraregião dos maquis do MPLA. A autori-dade intelectual ressoa na boca domédico João Viera Lopes, peregrinodos solavancos da resistência em to-da meada. Encanto de verdade so-mente, captei dos subsídios das duassobreviventes figuras femininas, Ro-deth Gil “Njinga Mbandi” e Ruth Men-des. A sua organização, a OMA, tem a

honra de uma longa evocação da he-roína Deolinda, vítima da FNLA.Os quatro mais velhos represen-tantes deste movimento rival (Em-manuel Kunzika, Faustino, AdolfoFrancisco, Pedro Moyo) olharam paraoutras facetas. Sem originalidademarcante. Vestidos a rigor hodierno,ficaram longe da fibra dos lendáriosirmãos cambutas da sobranceria deHolden antes da derrota sofrida noKifangondo, em 1975! Contudo, o es-paço dado às explicações do comba-tente Moyo minimiza o desequilíbrio. Os históricos da UNITA (generalChiwale, senhor João Viemba e a se-nhora Salomé Chinhama), desven-daram a resistência levada a cabo doseu lado. De elegante porte, narra-ram a sua epopeia, até aqui mal pu-blicitada ao tudo nacional. Revela-ção sensacional, de mesma ordem:

Loth Sachikwenda, antigo preso po-lítico de Tarrafal, nascido no Bié em1940. Dera entrada naquelas mas-morras, após descoberta da suaclandestinidade em prol da UNITAem Benguela, em 1969. ArteTecnicamente, a pelicula soma 110minutos de projeção, as imagensfluindo a preto e branco ou coloridos,sob uma narração impecável.A sensação de autenticidade, queacarreta sempre o preto e branco,prevaleceu no arquivo das distantescenas do princípio de ´60. Com o fa-moso discurso de Salazar contra o 15de Março, anunciando «todos em for-ça para Angola», a destacar-se.A irónica inversão da sorte acon-tece a zero horas de 11/11/1975.

Civilização Ocidental

ILUSTRAÇÕES DE VAN

12 | HISTÓRIA 21 de Dezembro de 2015 a 3 de Janeiro de 2016 | Cultura

SIONA CASIMIRO

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O observador visiona então o içarda bandeira rubra-preta, barrada deroda dentada de Angola indepen-dente. E Neto, acto contínuo, a pro-clamar o advento do novo Estadoperante um público estupefacto eefusivo. A foto do instante superouaquela de Salazar em nitidez e cha-ma, não sei se por engenharia oníri-ca ou subjectiva impressão minha. No conjunto do filme, o curso, en-cadeado numa incontestável arte derealização, prendeu a respiração dosespectadores do princípio ao fim.As condições acústicas do própriolocal ajudaram neste efeito. Jogo deluzes e planos esplêndido, na vitali-dade e mobilidade das ocorrências,completa o deslumbramento.A música, as danças, a paisagemdos locais, a gente na vasta gama dospapéis sincronizam no ritmo endia-brado da época relatada. Os ouvidosdeleitam-se com melodias de um ricomosaico ambiental: clássico, tradi-cional, intervenção política, sem-ba…). Idem, na vista, do bailado, adança kazukuta dos míudos do Emetendo espalhado o encanto nos qua-tro cantos e recantos do recinto.O documentário rememora sítiosdo Gana e Cuba onde a solidariedadeinternacional levou quadros da resis-tência em formação. Explorou entrevistas de 600 de-poentes, abordados entre 2010 e2015, conta um folhetim distribuídona ocasião. Retomou somente osachados paradigmáticos.O papel do combatente JoséEduardo Dos Santos foi menciona-do. Discretamente, em harmoniacom a simplicidade e humildade dopersonagem na altura. Andava já desensível influência na 2ª região polí-tico-militar, a mais incólume até aos25/4/1974. Virtude adicional da fi-ta, acho, é não ter cedido ao barococulto de seja quem for. AgostinhoNeto, Holden Roberto e Jonas Sa-vimbi ocupam a ribalta em horas ecircunstâncias certas.ResmungosAplausos espontâneos retiniramna imensa sala oblíqua, em suspiro dedesenlace. À revelia dos resmungos(idos até da capela privilegiada) des-gostados desta ou daquela falha.Comentários registados nesta te-cla, no fim: Como se ignorou o desviodo avião tuga por três bravos jovens,que tanto revigorou o nacionalismonesta camada na capital aterroriza-da? E o acordo de unidade assinadaentre Holden e Neto a 13/12/1972,que tanto embrulhou os jovens ofi-ciais do exército colonial a termo? E adiligência de Jonas Savimbi junto dosdois líderes, em desesperado esforçopara evitar a guerra civil? E a audiên-cia conseguida junto do Papa Paulo VIem 1970, que acelerou a derrocadadiplomática da falsidade colonial?Como que a conjurar estas reações

e outras, os produtores avisaram:«A memória de uma nação faz-se demuitas memórias, que é urgente re-colher e guardar. Usando a lingua-gem do cinema para articular me-mórias pessoais e arquivos, INDE-PENDÊNCIA coloca-se na linha dafrente contra o processo de esque-cimento da história».ContasFinanceiramente, os gastos conta-bilizados ultrapassavam já os 500 mildólares. Supervisor da produção,Paulo Lara, general e primogénitoherdeiro biológico do patrono, ante-vê um pulo. «A contar com todos osequipamentos, tecnologias e peritosenvolvidos», disse ao autor. Por en-quanto, completou, a plenitude dasdespesas está a ser apurada e o balan-ço será publicado, incluindo a audito-ria por uma entidade idônea. Pauloenalteceu os apoios recebidos. Vie-ram de individualidades, instituiçõespúblicas e privadas, numa generosi-dade à medida da notoriedade do pa-trono da ATD, diga-se de justeza. Ele(o patrono) cujo fascínio político ad-vém em larga parte da fama de auste-ridade perfilada até no físico.OpiniãoFinalizando com opinião taxati-vamente solicitada pelos produto-res, subscrevo:1. Ter gostado do refresco damemória. Boa retrospectiva regene-ra sempre energias prospectivas, aomodo de um retiro de fé fecundo.2. Não gostei dos limites daortodoxia de uma conflitualidadeideológica de outrora. O defeito le-gitima a troça de uma «história dosvencedores».3. Não reparei em imprecisãohistórica, senão um inquinado comoo relevo unilateral do hediondo as-sassinato da Deolinda. A explicaçãoda FNLA abonaria mais a objectivi-dade histórica, longe de justificar ouamenizar aquela ignomínia. A ver-são plural irradiaria mais vigor pe-dagógico contra o fratricídio. 4. Que a associação elucide ocognome autóctone de Tchiweka,chegando à motivação que levou omestiço Lúcio Lara à opção. E, por-quê não um colóquio sobre o seu le-gado de nacionalista singular e pro-penso a faustoso endeusamento erancores? A sã ereção da Nação (al-mejada de paz) advoga exercíciosdeste quilate. Em catarse, até, dosascos gerados pela posterior terra-moto de 27/5/1977 no círculo so-cial, que se aglutinou no Cine Atlân-tico, e não só!Críticas de lado, vale, deveras, ofilme, e faço votos, junto da juventu-de montante, para observá-lo. Ama-durece quem o matute.

Luanda, 08.11.2015

Crueldade

Partida Para o Contrato

HISTÓRIA| 13Cultura | 21 de Dezembro de 2015 a 3 de Janeiro de 2016

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14 | BARARA DO KWANZA 21 de Dezembro de 2015 a 3 de Janeiro de 2016 | Cultura

Quando Xavier Domingos António aterrou no aeroporto 4 de Fevereiro deLoanda e recebeu aquela lufada d´ar quente, barulhento e empoeirado, à saí-da do avião, não se sentiu como um estranho a pisar pela primeira vez «... asterras viciosas// De África» – como cantou Luís Vaz de Camões, seu compa-triota. Não, não se sentiu assim; estranhamente. Sentiu-se como um regressa-do duma viagem distante. E foi assim que mais tarde, quando já tinha quem o ouvisse, e com quem con-versar, se foi definindo:− Sabes, sou um regressado. Nunca cá estive, mas sou regressado. – Gabava-se com um sorriso orgulhoso. Até que lhe explicaram que ele, Xavier DomingosAntónio, não podia ser regressado porque era branco. António levou a pontada beata aos lábios e escutou envolto na fumaça:− Os regressados são os zairenses – actualmente congoleses democra-tas. – Aqueles mbumbos que arranham o português. Tu, um branco, nuncapodes ser regressado.

− Eles vivem no Palanca e almoçam ginguba com bombó – continuou a expli-car o Mingaxe, o adolescente que lhe engraxava os sapatos nas manhãs quentesda Loanda. Xavier António não se deu por convencido. Redarguiu:− Então aqueles angolanos finos que foram estudar nos Estados Unidos, In-glaterra e França, no tempo do socialismo, e da guerra, são o quê?, não são re-gressados também?O Zé Manuel, um colega português que fingia olhar o trânsito saturado e es-tático da rua Rainha Ginga, mas que não perdia um detalhe da conversa, apro-ximou-se e disse-lhe com sotaque de bom portista:− Ouve lá, já te disseram quem são os regressados. Não te metas com estamalta que andou a estudar nestes países. Presta atenção, aqui não é para falarmuito. Nem à toa. Pensa na tua família e no teu pão. Não arranjes problemas, pá.– Xavier percebeu. Calou-se. A Loanda que encontrou era isto também: medo. Ebico calado. Engoliu os argumentos e algum rancor que acumulou do colega.E assim terminou aquela sexta-feira de trabalho na cidade de Loanda. A no-tícia de que Xavier andava a chafurdar na política alheia dos mwangolês espa-lhou-se rapidamente como um boato. Os colegas portugueses mais angolani-zados olhavam-no agora com alguma suspeita. − Já viste o palerma, a querer enviar-nos de volta ao desemprego de Portu-gal? – ouviu por detrás dos computadores.Xavier António começou a dormir mal. A padecer de pesadelos. Despertavasuado, aos gritos. Até que um dia, depois de varrer umas birras – e já embriaga-do – conseguiu decifrar o enigma consigo. Eram visões. Delírios... Que sim, eraverdade, ele era um regressado. Tinha atracado na bela costa ocidental do reinodo Kongo – que mais tarde faria parte da actual Angola – no final século XV, em1490, seguindo as pegadas de Diogo Cão, o primeiro português a pisar aquelasterras virgens d´homem branco, em 1482. Que afinal ele, Xavier, tinha prospe-rado muito, muito com o negócio da escravatura. Porque enquanto El Rei dePortugal, João II se pasmava com o desenvolvimento do reino ora encontrado –que em alguns aspectos nada devia ao de Portugal e em outros, provavelmenteestivesse mais avançado –, e trocava com seu homólogo Nzinga Nkwvo, beiji-nhos, mensageiros, embaixadores e outras mais cortesias diplomáticas; eles –militares, padres e comerciantes – não se fizeram rogados: trataram de subju-gar os negros pela força das armas e das Escrituras Sagradas. Caçavam-nos e ar-rastavam-nos para o Porto do Mpinda onde eram empacotados e enviados emnavios negreiros para a Metrópole. Era bom negócio caçar negros. As visões eram tambores enfurecidos, martelados por mãos negras a reben-tarem-lhe os tímpanos. Reclamavam também da terra dos axiluanda – baptiza-da por Paulo Dias de Novais em 1576, junto com outras terras, com o nome deSão Paulo de Assunção de Loanda. Reclamavam do palácio Dona Ana Joaquina,negros mais negros acorrentados. Porém, aí, Xavier rebelou-se contra as vo-zes. Que não, não era ele. Nesta altura tinha já deixado a vida regalada de di-nheiros, vinhos e pretas escravas, e partido contrariado para o outro mundo,rodeado das mais belas escravas, nuas em danças eróticas, a perfumarem-lhe oquarto de sexo. Não podia ser ele. Então os batuques enloqueceram a duplicar,e gritaram tão alto que o ouvido esquerdo de Xavier quase rachava e deixavade ouvir. Gritaram, Exodus 20-5 “... porque eu, o Senhor, teu Deus, sou Deus ze-loso, que visito a maldade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geraçãodaqueles que me aborrecem”. E mais ainda sublinharam as vozes, a Bíblia,aprendêmo-la com os vossos missionários escravocratas. Então, Xavier lem-brou-se da sua descendência com as escravas, que continuou o seu negócio.Tempos depois, quando os apetites comerciais e sexuais por negras não maiscabiam em Mbanza Kongo – capital do Kongo –, alguns descendentes rumaramaventureiros para sul, em direcção ao reino do Ndongo, a terra dos Ngola, ten-do estacionado em Loanda.Leu também nas visões sobre a morte. Que após a sua morte, sua esposa Mar-garida, sabedora dos seus passos, ordenou de imediato a transladação dos res-tos mortais e da sua riqueza para Lisboa, cuidando que não restasse migalha al-guma às negras com quem ele, marido infiel e desavergonhado, se deitava e en-gravidava; e, menos ainda, à multidão de bastardos mulatos que coleccionou. Ora, todos sabiam, Xavier António tinha muitos defeitos mundanos, todaviaera consequente. Por isso, quando o corpo seguiu entristecido de volta ao frio echuva de Lisboa, a sua alma recusou-se a acompanhá-lo. Preferiu ficar por ali,onde o seu dono tinha sido felicíssimo a fornicar as escravas negras. A sua almaquedou-se pelas terras viciosas d´África!, a deambular. Um kazumbi errante.

O REGRESSADOCONTO DE DÉCIO BETTENCOURT MATEUS

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Depois que reencarnou e aterrou em Loanda – num acto involuntário de re-gresso –, Xavier foi imediatamente colhido à saída da aeronave, por esse ka-zumbi errante, que era a sua alma antiga, que trazia agora as inquietações doskazumbis escravos. Por isso sonhava mal. E continuava com os delírios-visõesou visões-delírios, dava no mesmo porque sofria em demasia. Era angustianteouvir os cânticos dos negros nos porões, as suas lamentações, mortes asfixia-das, afogadas no Atlântico, doenças. Pretas lindas com os seios de fora a cho-rarem os filhos, maridos, irmãos. Um reino a ser desvirtuado e devastado. Eleque agora era um grande crítico contra as injustiças sociais, como foi possívelnoutra vivência ter praticado tais desumanidades? Em vão tentava advogar asua inocência, de que fora um bom português-reprodutor. Um lusotropicalis-ta puro. Que o provassem os mulatos espalhados pelo reino. Debalde: trucida-vam-lhe a alma as reivindicações do sangue dos antepassados.Outra noite sonhou com as lágrimas amarguradas de Henrique Kinu-a-Mvemba que, enviado por seu pai Nzinga Mpemba – sucessor de NzingaNkwvo –, estudou teologia em Lisboa e Roma tendo regressado Bispo. Foi oprimeiro Bispo negro africano da igreja Católica Romana. Porém, de volta aoCongo, decidido a juntar-se aos colegas europeus na evangelização do seu po-vo, viu-se desrespeitado e ridicularizado por aqueles que lhe haviam dado aconhecer um Jesus Cristo branco que veio também para salvar o homem ne-gro. Sonhou com o Bispo deprimido e adoentado. Não que ele, Xavier, fosse di-rectamente culpado, mas sabia, estava lá, e fez parte dos que boicotaram oBispo, levando-o à ruína psicológica. E morte prematura. Xavier Domingos foi emagrecendo à velocidade de cruzeiro, até que um diaa namorada Joaquina, uma preta descendente dos axiluandas, disse-lhe:− Vem, vou te levar ao kimbanda. Senão vais começar a morrer ou então axinguilar. Porque esse espírito que te entrou na cabeça traz muita razão e re-volta. – E lá foi o mwndele cabisbaixo, a tratar-se no meio dos pretos.Depois do tratamento tradicional, passou a beneficiar d´alguma trégua. Al-gum sossego d´espírito. Os espíritos dos escravos acalmaram. E, não se esque-cendo das barbaridades do passado, aliviaram a intensidade das batucadelasnos tímpanos de Xavier.Xavier Domingos andava pelos cantos da Loanda. Passeava pela Baixa em-pilhada de gente de todos os estratos. Funcionários públicos, vendedores am-bulantes, engraxadores, candongueiros, desempregados, ladrões, polícias,militares. Estradas entupidas de carros, buzinas estridentes, e decoraçõesabundantes de lixo. A Loanda de agora era uma capital porca, concluíu agasta-do. Mas o que mais pasmou Xavier foi o enorme crescimento imobiliário da ci-dade. Os edifícios floriam desordenados, desenhando paisagens pouco har-mónicas. Loanda era uma cidade de ninguém. Era dos estrangeiros europeus,asiáticos – chineses –, africanos... No que lhe parecia um novo movimento mi-gratório, onde os emigrantes tinham prioridade. Estimou que talvez houves-se na cidade sete milhões de habitantes, kazumbis incluídos – porque de da-dos oficiais pouco se sabia.De quando em quando, em dias de grande inspiração, auscultava a cidade.Conversava com ela. Era uma cidade que tentava curar-se, e cicatrizar-se dumontem ainda recente, nada pacífico. Loanda regenerava-se dos muitos san-gues esparramados. António animava-se de saber. Todavia, ouvia rugidosdistantes, abafados. Uma caldeira enchia-se lentamente... Xavier sabia do su-per-vulcão Loanda. Sabia dos perigos e violência das erupções vulcânicas. Continuou com a Joaquina, a sua namorada preta, que na cama ajudava-o asecar o frio acumulado nos ossos, de tantos invernos europeus. Era quente amiúda. Cozinhava-lhe as comidas da terra, com a qual se lambuzava. À noitedava-lhe a provar os mistérios das suas entranhas. Era boa moça. Modesta esorridente. Contentava-se com as migalhas que ele, magnânimo, lhe oferecia.Bastava-lhe dormir com um homem branco. Domingos António condoía-secom a miséria dos negros donos da terra riquíssima.Xavier Domingos António deu um longo mergulho nas águas cálidas da ilhade Loanda. Longas e saborosas braçadas envolveram-no em espumas bran-cas, deslizando-o como um tubarão.− Poças!, a terra é uma maravilha. As águas uma delícia. Nada a ver com ofrio das nossas praias – comentou para si. Gostava da vida boa que tinha: salá-rio, mulheres, sol, bebida... Gostava da espontaneidade das pessoas. Loandaera boa terra para um regressado branco viver. Sim, o paraíso devia ser isso:negras lindas ao desbarato a oferecerem a formosura das pernas. A terra con-tinuava a ter nas mulheres o seu melhor.No carro, já de regresso a casa, passou a mão pelas pernas fartas da Joaqui-na. A preta riu-se-lhe adocicada e entregue, fazendo um muxoxo provocantecom os lábios apetecíveis. «É, talvez lhe espete um filho. Não deve fazer mal.»– Pensou consigo. – «Afinal, os mulatos são uma casta privilegiada em Ango-la.» Continuou a cogitar...Mudou o rumo dos seus pensamentos reprodutores. Era altura de outrasmatemáticas importantes da vida. − Sabes, da próxima vez não cometo a mesma asneira – disse, enquanto di-minuía abruptamente a velocidade, por um candongueiro apressado que lhecaçumbulou a prioridade.− Quando morrer, enterrem-me aqui. Meu último desejo – disse com solenidade.

− Xé, tão novo a falar em morrer. – Joaquina apressou-se a bater com os nósdos dedos em punho cerrado, no tablier do carro, para afugentar os maus es-píritos de ouvirem e materializarem alguma coisa ruim contra Xavier. Aka!,Deus que a livrasse de perder o branco.− Mas porquê? – perguntou assustada.− Quero descansar o meu corpo e alma nesta Loanda dos ngolas e dos axi-luandas. Amo esta terra, mulher. Na próxima encarnação, nascerei aqui nestasterras viciosas d´África. – Joaquina riu-se. O branco tinha a mania d´Angola.

BARARA DO KWANZA| 15Cultura | 21 de Dezembro de 2015 a 3 de Janeiro de 2016

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16| BANDA DESENHADA 21 de Dezembro de 2015 a 3 de Janeiro de 2016 | Cultura