ham hill processo de elaboracao de politicas

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O processo de elaborao de polticas no estado capitalista modernoChristopher Ham e Michael Hill

Ttulo do Original: Ham, C. e Hill, M.: The policy process in the modern capitalist state, Harvester Wheatsheaf, Londres, 1993, segunda edio.

Traduo: Renato Amorim e Renato Dagnino Adaptao e Reviso: Renato Dagnino

Material para uso exclusivo nos Programas de Capacitao do GAPI-UNICAMP e nas disciplinas ministradas pelo DPCT-UNICAMP

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ndice:1. POLTICA E ANLISE DE POLTICA ...................................................................................... 14 Introduo ..................................................................................................................................... 14 O escopo da anlise de polticas .................................................................................................. 18 A orientao para a poltica .......................................................................................................... 25 Concluso ..................................................................................................................................... 34 2. O PAPEL DO ESTADO ............................................................................................................ 39 O que o Estado? ........................................................................................................................ 40 Teoria pluralista............................................................................................................................. 44 Teoria elitista................................................................................................................................. 49 Teoria marxista ............................................................................................................................. 54 Teoria corporativista...................................................................................................................... 59 O Estado como ator fundamental ................................................................................................. 66 Concluso ..................................................................................................................................... 68 3. A BUROCRACIA E O ESTADO ............................................................................................... 71 Introduo ..................................................................................................................................... 71 Depois de Weber: a reao pluralista evidncia do crescimento da burocracia ....................... 75 A Burocracia na teoria marxista do sculo vinte........................................................................... 80 A Burocracia nas teorias elitista e corporativista .......................................................................... 82 Concluso ..................................................................................................................................... 90 4. PODER E TOMADA DE DECISES ....................................................................................... 92 Introduo ..................................................................................................................................... 92 O enfoque sobre a deciso........................................................................................................... 92 A no-tomada de decises ........................................................................................................... 94 A terceira dimenso do poder ....................................................................................................... 98 Poder e interesses ...................................................................................................................... 101 Concluso ................................................................................................................................... 108 5. RACIONALIDADE E TOMADA DE DECISES..................................................................... 111

3Modelos racionais ....................................................................................................................... 111 Incrementalismo.......................................................................................................................... 115 Mtodos timos e explorao mista ........................................................................................... 123 O Incrementalismo revisitado ..................................................................................................... 128 Concluso: racionalidade e poder .............................................................................................. 130 6. RUMO TEORIA DA IMPLEMENTAO?........................................................................... 134 Introduo ................................................................................................................................... 134 O modelo top-down para o estudo da implementao ............................................................... 135 Problemas com o modelo top-down ........................................................................................... 140 Estudos de implementao - descritivos ou prescritivos ? ......................................................... 151 Concluso ................................................................................................................................... 153 7. A CONTRIBUIO DO ESTUDO DAS ORGANIZAES PARA A ANLISE DO PROCESSO

DE ELABORAO DE POLTICAS................................................................................................ 157 Introduo ................................................................................................................................... 157 A contribuio de Max Weber..................................................................................................... 157 Mayo e o desenvolvimento do estudo da vida organizacional ................................................... 160 A contribuio da sociologia das organizaes .......................................................................... 163 O interno e o externo .................................................................................................................. 168 Componentes das organizaes ................................................................................................ 172 Concluses ................................................................................................................................. 178 8. BUROCRATAS NO PROCESSO DE ELABORAO DE POLTICAS ................................. 180 Introduo ................................................................................................................................... 180 Comportamento burocrtico e personalidade burocrtica.......................................................... 181 Burocracia do nvel da rua .......................................................................................................... 186 Profissionais na burocracia......................................................................................................... 193 Concluso ................................................................................................................................... 199 9. DISCRICIONARIEDADE NO PROCESSO DE ELABORAO DE POLTICAS .................. 201 Introduo ................................................................................................................................... 201

4Definies de discricionariedade ................................................................................................ 202 Discricionariedade na sociologia das organizaes ................................................................... 203 O tratamento da discricionariedade no estudo da poltica social ............................................... 210 Discricionariedade na lei administrativa...................................................................................... 214 Discricionariedade no cumprimento da lei .................................................................................. 220 Consideraes normativas no estudo da discricionariedade ..................................................... 223 Concluso ................................................................................................................................... 227 10. CONCLUSO: ENCADEANDO NVEIS DE ANLISE ...................................................... 230

Benson: as regras de formao de estruturas............................................................................ 232 Clegg e Dunkerley: a estrutura de dominao ........................................................................... 235 Salaman: classe e corporao.................................................................................................... 239 Burrell e Morgan: a contribuio da teoria radical da organizao ............................................ 241 Bibliografia .................................................................................................................................. 248

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UM PREFCIO A ESTA TRADUO

Renato Dagnino SOBRE NOSSO OBJETIVO - ACADMICO, IMEDIATO E ESTRITO - AO TRADUZIR ESTE LIVRO

A deciso de traduzir este livro foi tomada depois de t-lo utilizado como uma espcie de livro-texto, a partir de 1994, no Programa de Ps-graduao do Departamento de Poltica Cientfica e Tecnolgica da Unicamp (DPCT-UNICAMP). Sua escolha ocorreu depois de um processo pouco frutfero, teve incio no comeo dos 80, de selecionar dentre uma grande quantidade de livros e artigos de cincia poltica, administrao pblica etc alguns que pudessem, numa disciplina introdutria de um semestre, possibilitar a alunos de diferente formao um adequado entendimento do processo de elaborao de polticas pblicas (em particular as direcionadas ao complexo pblico de ensino superior e de pesquisa). O bom resultado que temos tido com sua utilizao nas disciplinas ministradas pelo DPCT-UNICAMP e nos Programas de Capacitao do Grupo de Anlise de Poltica de Inovao (GAPI-UNICAMP) deve-se forma como o livro est organizado dez captulos encadeados, escritos com clareza, simplicidade e profundidade, versando sobre os principais conceitos e marcos analticos da Anlise de Poltica, relacionados a outros dez conjuntos de artigos seminais editados pelos mesmos autores numa Coletnea (Reader) , ao estilo que adota um recorrente enfrentamento entre posies ideolgicas, escolas de pensamento e opes metodolgicas, secundado por um permanente desafio crtica e formulao de uma sntese apropriada s situaes enfrentadas e ao compromisso assumido pelos seus autores - sistematizar todas essas contribuies no intuito de melhorar a maneira como o processo de elaborao de

6 polticas se desenvolve no mbito do Estado contemporneo proporcionando aos profissionais com ele envolvidos um conjunto de categorias e mtodos de anlise apropriados para a construo de alternativas aos cursos de ao tradicionais. Este livro possui uma caracterstica que o distingue de outras obras tambm dedicadas ao ainda em consolidao campo da Anlise de Poltica, como o bastante conhecido Policy Analysis for the Real World, escrito por Hogwood e Gunn e publicado em 1984 pela Oxford University Press. Elas obras buscam apresentar aos fazedores e implementadores de polticas, receitas para formular polticas que possam ser executadas de modo a alcanar os objetivos e os impactos visados. Diferentemente, este livro concentra-se na anlise dos condicionantes - de policy e de politcs - do processo de elaborao de polticas visando instrumentalizar o leitor enquanto analista dedicado ao acompanhamento, avaliao e crtica de polticas cuja responsabilidade de formulao e implementao corresponde a um outro ator. Assim, relativamente pouca nfase dada capacitao do leitor enquanto responsvel pela elaborao, propriamente, de polticas pblicas. No obstante, o contedo que o livro apresenta constitui-se num subsdio to importante para adquirir a capacidade de elaborar (formular, implementar e tambm avaliar) polticas pblicas, que se espera de um profissional situado no interior do aparelho de Estado, que omiti-lo seria algo assim como esperar que algum que nunca pisou numa cozinha possa fazer um bom bolo apenas com uma receita (por melhor que ela seja). Em outras palavras, seria aceitar a proposio tecnocrtica de que a elaborao de poltica pblica pode ser encarada como a simples operacionalizao de um conjunto de normas, procedimentos e passos de um manual.

SOBRE NOSSO OBJETIVO - TAMBM ACADMICO, MAS MENOS IMEDIATO E RESTRITO - AO TRADUZIR ESTE LIVRO

7 A leitura deste livro na conjuntura em que vivemos pode servir como uma ajuda para responder uma pergunta que a muitos preocupa no meio acadmico: como contribuir para gerar as bases cognitivas para alavancar o processo em curso em nossa sociedade de construo do estado necessrio. Isto , como incorporar nossa atividade acadmica de pesquisa e capacitao de recursos humanos o objetivo comum de conformar um estado que possa alavancar o atendimento das demandas da maioria da populao e projetar os pases da Amrica Latina numa rota que leve a estgios civilizatrios sempre superiores? Responder essa pergunta um dos objetivos que a traduo deste livro contempla, na medida em que a sua leitura pode vir a colaborar significativamente nesse sentido. A pergunta demanda, em primeiro lugar, que se identifique as caractersticas do estado que herdamos do perodo autoritrio que sucedeu ao nacionaldesenvolvimentismo e antecedeu o seu desmantelamento, em curso, pelo neoliberalismo. Para faz-lo, parece necessrio reconhecer que, mais alm das preferncias ideolgicas, a combinao que herdamos, de um estado que combinava autoritarismo com clientelismo, hipertrofia com opacidade, insulamento com intervencionismo, deficitarismo com megalomania no atendem nem ao projeto da direita nem ao projeto da esquerda latino-americana*. um princpio bsico da atuao das organizaes, o fato de qualquer deciso envolve um custo de operao e que, se equivocada, demanda a absoro de custos de oportunidade econmicos e polticos. O estado legado pelo autoritarismo no contemplava os recursos como escassos. Os econmicos podiam ser financiados com aumento da dvida imposta populao, os polticos eram virtualmente inesgotveis, uma vez que seu aparato repressivo podia sufocar qualquer oposio. A destruio deste estado, que pregava a doutrina neoliberal e que empreenderam os governos civis que sucederam dbcle do militarismo no cone sul da Amrica Latina, no encontrou muitos opositores. Para a direita, a questo

* ver a respeito Aguilar, L. El Estudio de las Polticas Pblicas. Mxico, Miguel Angel Porrua, 1996.

8 era inequvoca: no havia porque defender um estado superinterventor, proprietrio, deficitrio, paquidrmico, que ademais, tornava-se crescentemente anacrnico na cena internacional. Na verdade, j h muito, desde que, no cumprimento de sua funo de garantir a ordem capitalista, havia sufocado as foras progressistas e restaurado as condies para a acumulao de capital, ele se tornara disfuncional. Para a esquerda, a questo era bem mais complicada. Ela havia participado no processo de fortalecimento do estado do nacional-desenvolvimentismo por entend-lo como um baluarte contra a dominao imperialista ou como um sucedneo de uma burguesia incapaz, por estar j aliada com o capital internacional, de levar a cabo sua misso histrica de promover uma revoluo democrtico-burguesa. De fato, mesmo no auge do autoritarismo, o inchamento do estado promovido pelos militares era visto como um mal menor. A esquerda, ao mesmo tempo em que denunciava o carter de classe, repressivo e reprodutor da desigualdade social que possua o estado latino-americano, via este crescimento como necessrio para viabilizar seu projeto de reconstruo e emancipao nacional. A questo da privatizao dividiu a esquerda. De um lado ficaram os que, frente ameaa de um futuro incerto, instintivamente queriam preservar o passado, e os que, resguardando interesses corporativos, defendiam ardorosamente o estado que herdramos. De outro os que, por entender que a construo do estado necessrio iria demandar algumas das providncias que estavam sendo tomadas pelo neoliberalismo e que o fortalecimento de uma alternativa democrtica e popular no devia principalizar a questo, defendiam um legtimo, embora inexeqvel na conjuntura existente, controle da sociedade sobre o processo de privatizao. O final do autoritarismo deu incio a um processo de democratizao poltica que tende a possibilitar um aumento da capacidade dos segmentos marginalizados de veicular seus interesses levando expresso de uma demanda crescente por direitos de cidadania. Na medida em que este processo avanar, aumentar ainda

9 mais a capacidade desses segmentos de pressionar pela satisfao de suas necessidades no atendidas por bens e servios - alimentao, transporte, moradia, sade, educao, comunicao etc. e, com isto, a demanda por polticas pblicas capazes de promover seu atendimento. Esse processo, que tem sido chamado de cenrio tendencial da democratizao, coloca ao ambiente acadmico um desafio cognitivo enorme. E num primeiro momento, pelo menos, para as cincias sociais, e mais especificamente para a rea Anlise de Poltica, que ele se reveste de maior importncia. Isto porque cabe a essa rea, a partir da criao das bases cognitivas para a construo do estado necessrio, municiar todas as demais cincias e assim potencializar sua contribuio para o esforo comum em que est engajada a sociedade brasileira.

SOBRE NOSSO OBJETIVO - ESTRATGICO E MAIS AMPLO - AO TRADUZIR ESTE LIVRO

Satisfazer as necessidades sociais associadas ao cenrio da democratizao com eficincia, e no volume que temos em pases como o Brasil, ser necessrio duplicar o tamanho dessas polticas (ou, mais precisamente, do volume de recursos envolvidos e impactos esperados) para incorporar os 50% da populao hoje desatendida. Se no for possvel promover um processo de transformao do estado que herdamos em direo ao estado necessrio que permita satisfazer necessidades sociais represadas ao longo de tanto tempo, o processo de democratizao pode-se ver dificultado e at abortado, com uma fatal esterilizao de energia social e poltica. claro que para satisfazer aquelas demandas, o ingrediente fundamental, que no depende diretamente do estado, uma ampla conscientizao e mobilizao polticas que, espera-se, ocorra sem um custo social maior do que o que esta sociedade vem pagando.

10 O fato de que parece necessrio que o estado faa a "sua parte" um dos motivos que nos levaram a traduzir este livro. Acreditamos que ao faz-lo seja possvel trabalhar com antecipao, na "frente interna", gerando as condies cognitivas necessrias para a transformao do estado. verdade que a correlao de foras polticas, que sanciona uma brutal e at agora crescente concentrao de poder econmico, muito pouco espao deixa para que uma ao no sentido de disponibilizar conhecimento que possa levar melhoria das polticas pblicas e da eficincia da mquina do estado contribua para alavancar o processo de democratizao. Mas tambm verdade que, como esse espao se ir ampliando medida que a democratizao avance e a concentrao de renda, que hoje asfixia nosso desenvolvimento e penaliza a sociedade, for sendo alterada, este conhecimento poder fazer toda a diferena. Isto , talvez ele venha a ser o responsvel por se alcanar ou no a adequao scio-tcnica e a governabilidade necessrias para tornar materialmente sustentvel o processo de mudana social que se deseja. Ao longo desse processo, avaliar em que medida privatizao, desregulao, liberalizao podem permitir que o estado se concentre em saldar a dvida social e impedir que sejam apenas formas de mascarar a sua desresponsabilizao em relao proteo aos mais fracos, desnacionalizao da economia e subordinao aos interesses do capital globalizado, fundamental.

Democratizao e redimensionamento do estado, por sua vez, so tarefas interdependentes e complementares. A redefinio das fronteiras entre o pblico e o privado exige uma cuidadosa deciso: quais assuntos podem ser

desregulamentados e deixados para que as interaes entre atores privados com poder similar determinem incrementalmente um ajuste socialmente aceitvel e quais devem ser objeto da agenda pblica, de um processo de deciso racional, participativo e de uma implementao e avaliao sob a responsabilidade direta do estado. Questes como essas conformam a agenda sobre as quais o campo da Anlise de Poltica que trata este livro ter que abordar. Isto porque a democracia uma

11 condio apenas necessria para construir um estado que promova o bem-estar das maiorias. S o conjunto que ela forma com uma outra condio necessria a capacidade de gesto pblica suficiente. S a democracia aliada efetividade da gesto pode levar ao estado necessrio para a transformao da sociedade no sentido que ela deseja. Sem democracia no h participao e transparncia nas decises, no h avaliao de polticas, no h prestao de contas, no h responsveis, h impunidade. Mas a democracia, se restrita a um discurso poltico genrico e sem relao com ao de governo pode degenerar num assemblesmo inconseqente e irresponsvel e numa situao de descompromisso e ineficincia generalizada. Governar num ambiente de democracia e participao e, ao mesmo tempo, com enormes desigualdades sociais que clamam por soluo, requer capacidades e habilidades extremamente complexas e difceis de conformar, sobretudo no mbito de um estado como o que herdamos. E construir essas capacidades e habilidades um desafio acadmico da maior relevncia. A democratizao poltica est levando a um crescimento exponencial da agenda de governo; a erupo de uma infinidade de problemas que, em geral, demandam solues especficas e criativas, muito mais complexas do que aquelas que o estilo tradicional de elaborao de polticas pblicas homogeneizador, uniformizador, centralizador, tecnocrtico, tpico do estado que herdamos - pode absorver. A maneira como tradicionalmente se definia e caracterizava os problemas que o estado deveria tratar ficava restrita ao que a orientao ideolgica e o pensamento poltico conservador dominante eram capazes de visualizar. A explicao dos mesmos estava constrangida por um modelo explicativo que, de um lado tendia quase monocausalidade e, de outro a solues genricas, universais. Isto levou ao estabelecimento de um padro nico causa problema soluo no qual, embora fosse percebida uma certa especificidade nos problemas enfrentados, o fato de que segundo o modelo explicativo adotado, sua causa bsica era a mesma, terminava conduzindo proposio de uma mesma soluo.

12 O governo no apenas filtrava as demandas da sociedade com um vis conservador e elitista. Ele adotava uma maneira tecnoburocrtica para trat-las que levava sua uniformizao, ao seu enquadramento num formato genrico que facilitava o tratamento administrativo. Ao faz-lo, escondia sob um manto de aparente eqidade os procedimentos de controle poltico e assegurava a docilidade do povo, desprotegido e desprovido de cidadania, frente ao burocratismo onipotente do estado. Esta situao perpetuava e retroalimentava a elaborao de polticas que eram no apenas injustas e genricas. Eram tambm incuas, uma vez que as verdadeiras causas ou no eram visualizadas ou no podiam ser explicitadas. Este estilo de elaborao de polticas que se consolidou objetivos, instrumentos, procedimentos, agentes, tempos alm de incremental, assistemtico e pouco racional tendia a gerar polticas que eram facilmente capturadas por interesses das elites. A sociedade deve estar preparada para fazer com que as demandas que o processo de democratizao poltica ir cada vez mais colocar sejam filtradas com um vis progressista por uma estrutura que deve celeremente aproximar-se do estado necessrio. E isto ir originar um outro tipo de agenda poltica. Sero muito distintos os problemas que a integraro e tero que ser processados por este estado em transformao. Eles no sero mais abstratos e genricos, sero concretos e especficos, conforme sejam apontados pela populao que os sente, de acordo com sua prpria percepo da realidade, com seu repertrio cultural, com sua experincia de vida, freqentemente de muito sofrimento e justa revolta.

VOLTANDO AO OBJETIVO ACADMICO PARA CONCLUIR

Em flagrante contraste com as demandas acima caracterizadas, existem poucos trabalhos acerca da relao que as polticas pblicas guardam com os interesses polticos e as necessidades sociais. Esta carncia pode ser explicada tanto pelo relativo desinteresse dos policy makers que atualmente orientam a poltica pblica

13 e dos que efetivamente a implementam, como daqueles que, adotando posies explicitamente governamental. Mas, e talvez este seja o ponto mais crtico da questo, este dficit de produo de trabalhos sobre o tema um srio problema para aqueles que, na posio de analistas, policy makers ou de, simplesmente, pesquisadores desejariam ir ao encontro dos interesses da maioria e de alguma forma contribuir para a satisfao das necessidades sociais. um srio obstculo a este desejo o fato de que as ferramentas de diagnstico, explicao, anlise e planejamento estratgico encontrem-se limitadas a um magro arsenal, normalmente derivado de marcos conceituais concebidos a partir de simplrias racionalidades custo-benefcio, ou maximizadoras de eficincia administrativa. Da mesma forma que pertinente a colocao de que no pode ser deixada de lado a necessidade de tornar mais eficiente o modo como se gastam os recursos alocados, parece pouco discutvel a afirmao de que a mera adoo de estratgias de reengenharia institucional ser incapaz de alterar o status quo. Em outros termos: as propostas centradas na otimizao da qualidade de gesto, so pr-inerciais e, portanto, inteis para redirecionar os complexos sistemas sociais locais de interao entre estado e sociedade para objetivos polticos e sociais alternativos. O fato apontado, relativo escassa reflexo existente, contribui para explicar porque, apesar das numerosas experincias falidas de reforma institucional acumuladas na regio durante a dcada passada, ainda se continue buscando implementar estratgias baseadas na otimizao da gesto. Nossa expectativa, ao traduzir este livro, contribuir para enfrentar a esse desafio: como conceber polticas e estratgias orientadas satisfao de necessidades sociais e objetivos de desenvolvimento scio-econmico adequadas para reforar e consolidar processos de democratizao poltica e econmica? progressistas criticam os atuais balizamentos da gesto

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1.

POLTICA E ANLISE DE POLTICA

Introduo O interesse na anlise de poltica1 tem crescido continuamente nos ltimos anos. Iniciado nos Estados Unidos, nos anos 60, o movimento de polticas pblicas partiu de duas vertentes de interesse. Em primeiro lugar, a escala e a aparente intratabilidade dos problemas frente aos quais se colocam governos de sociedades industrializadas ocidentais levaram fazedores de poltica2 a buscar ajuda para a soluo daqueles problemas. Em segundo lugar, pesquisadores acadmicos, particularmente em cincias sociais, progressivamente voltaram suas atenes a questes relacionadas s polticas pblicas3 e procuraram aplicar seu conhecimento elucidao de tais questes. importante no exagerar nenhuma destas tendncias. No houve nenhuma corrida sbita dos fazedores de poltica para recorrerem pesquisa acadmica, nem houve uma reordenao imediata entre pesquisadores visando anlise de polticas pblicas. O que de fato ocorreu foi, ao longo de um perodo de alguns anos, o desenvolvimento de novos programas universitrios de ensino em polticas pblicas; diversos jornais

1

NT: policy analysis, no original, foi traduzido por anlise de poltica. necessrio estabelecer

desde o incio a distino entre dois termos ingleses, policy e politics, uma vez eles que fazem referncia a dois conceitos bastante distintos mas que possuem a mesma traduo em portugus: poltica. Ao utilizarmos a expresso poltica queremos referir, ao longo do livro, o conceito de policy (que possui como uma das tradues possveis para o portugus o termo planejamento) e qualquer utilizao diferente ser explicitada. Desta forma, traduzimos policy analysis como anlise de poltica ou anlise de polticas. Seguindo nesta linha, sempre que surgirem termos no original para os quais isto se faa necessrio, indicaremos a traduo adotada e sua forma em ingls: policy ou politics.2

NT: policy-maker, no original, foi traduzido como fazedor de poltica. NT: A expresso public policy, no original, foi traduzida como poltica pblica

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15 acadmicos devotados anlise de poltica, estudos polticos e cincias polticas foram lanados; professores e pesquisadores em disciplinas consolidadas, tais como cincia poltica, economia e sociologia comearam a produzir publicaes sobre temas relacionados a poltica. Simultaneamente, agncias governamentais comearam a empregar analistas de polticas4, assim adotando tcnicas e prticas que viriam a se colocar na ordem do dia para o analista de polticas como, por exemplo, anlise de custo e benefcio, oramento por programas e anlise de impacto. Ao escrever sobre estes desenvolvimentos em 1972, Heclo referiu-se modernidade renovada (p. 83) da anlise de poltica, um til lembrete de que, embora a rea estivesse expandindo-se, ela no era inteiramente nova. Fazendo eco a estes argumentos, Rhodes observou que muito do trabalho tido como novo era todo muito familiar (1979, p. 26). Esta familiaridade advinha em parte do velho interesse, entre acadmicos e pesquisadores, na atuao do governo e em questes polticas. Estudos que haviam sido originalmente desenvolvidos a partir do trabalho de estudiosos de anlise de polticas, economistas e outros foram ento adotados pela perspectiva emergente da anlise de poltica. Igualmente, a tentativa de aplicar o conhecimento da cincia social a problemas governamentais, e de influenciar as atividades e decises do governo, recorria a uma tradio envolvendo indivduos como Keynes, os Webbs e mesmo Marx. Enquanto muito era, portanto, familiar, a escala de interesse em questes polticas era nova. Uma comparao entre a resposta limitada ao apelo de Lasswell a acadmicos para perseguirem uma orientao para a poltica5, em um livro publicado em 1951 (Lasswell, 1951), e a taxa muito maior de atividade desenvolvida nos anos 60 e 70 ilustra isto. Uma outra diferena foi que o movimento de polticas pblicas alegava oferecer uma nova abordagem para problemas do governo, particularmente

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NT: do mesmo modo que no caso de policy analysis, traduzimos policy analyst, no original, como

analista de polticas.5

NT: policy orientation, no original, foi traduzido como orientao para a poltica.

16 quando comparado com a administrao pblica, cujas falhas evidentes forneceram s universidades americanas, no final dos anos 60, o estmulo para o desenvolvimento de cursos de anlise de poltica. Muitos dos programas de psgraduao em polticas pblicas tomaram como modelo programas de mestrado em administrao de empresas levados a cabo por escolas de administrao (business schools). A nfase era dada a mtodos quantitativos combinados anlise organizacional e ao desenvolvimento de tcnicas prticas de

administrao mediante uma abordagem de estudos de casos reais. tica e valores tambm encontraram seu lugar em alguns programas. Ainda que alguns destes programas afirmassem superar a estreiteza e falta de rigor dos cursos de administrao pblica, alguns observadores no ficaram convencidos de que eles fossem realmente to diferentes (Rhodes, 1979). Se os EUA estavam na liderana destes desenvolvimentos, o Reino Unido no ficava muito atrs. Programas de ensino universitrio e pesquisa evoluram a partir de meados dos anos 70; paralelamente foram estabelecidos vrios jornais e publicaes com um enfoque de polticas e, por certo tempo, discusses foram efetuadas sobre a formao de um Brookings britnico, modelado segundo o Instituto Brookings de Washington. A inteno era estabelecer um centro independente de pesquisa de polticas pblicas para produzir trabalhos de alta qualidade sobre problemas relacionados ao governo. Embora o plano nunca tenha se materializado, duas unidades de pesquisa existentes - o Centro para Estudos em Poltica Social e Planejamento Poltico e Econmico - combinaram-se para formar o Instituto de Estudos de Poltica e o Conselho de Pesquisa em Cincia Social colocou uma nova nfase em pesquisas relevantes para as polticas pblicas. Uma das diferenas significativas entre os respectivos desenvolvimentos dos movimentos de polticas pblicas no Reino Unido e nos Estados Unidos foi que nestes as atitudes do governo voltadas para as cincias sociais foram muito mais favorveis do que na Inglaterra. Como resultado, o financiamento do governo para a pesquisa em cincias sociais e a indicao de acadmicos para postos do prprio governo ocorreram nos Estados Unidos em uma escala muito maior (Sharpe, 1975). Uma outra diferena foi a de que no Reino Unido os analistas de

17 polticas foram raramente empregados por agncias do governo. Mais propriamente, servidores civis, administradores e especialistas no governo adquiriram, em maior ou menor grau, alguma prtica em anlise de polticas (Gunn, 1980). Nos anos 80, o interesse em anlise de polticas continuou a se desenvolver, apesar de ter havido uma tendncia de deslocamento dos termos do debate. O ataque ao setor pblico levou procura de dispositivos de mercado para se resolver problemas de alocao social e nfase na necessidade de solues para as ineficincias do setor pblico conduziram aplicao de tcnicas de gesto tpicas do setor privado. Assim, a administrao pblica veio a ser cada vez mais descrita como gesto pblica (Politt, 1990; Hood, 1991). Curiosamente, enquanto uma tal nfase estava voltada para a envolver uma afirmao da necessidade de aplicar mecanismos tradicionais formais de controle gerencial fundamentadas numa crena de que a implementao de polticas um processo direto e retilneo, o ceticismo acadmico sobre os limites do uso da anlise de polticas teve por finalidade, por outro lado, a ser compartilhado pelos polticos. Conseqentemente, na Inglaterra, nenhum membro da Comisso foi apontado durante o governo da Sra. Thatcher. Ao contrrio, apenas curtos exerccios de anlise de polticas conduzidos com uma orientao explcita poltica por um pequeno nmero de conselheiros ideologicamente confiveis foram realizados. Do que foi dito at agora fica claro que a anlise de polticas um termo que descreve toda um espectro de atividades. Na verdade, estas atividades so to variadas que um autor argumentou que no pode haver nenhuma definio de anlise de poltica (Wildavsky, 1979, p. 15). Na viso de Wildavsky, mais importante praticar anlise de polticas do que perder tempo definindo-a. Conforme ele comenta, a anlise deveria ser mostrada e no apenas definida. Nada mais ridculo que uma busca ftil de essncias aristotlicas (p. 410). Embora tenhamos considervel simpatia por este ponto de vista, somos compelidos, enquanto autores de mais uma contribuio crescente literatura relacionada anlise de poltica, a tentar algum esclarecimento de termos e conceitos bsicos. Isto necessrio, entre outros motivos, porque indicar o

18 escopo da anlise de polticas e aqueles aspectos da temtica compreendidos neste livro.

O escopo da anlise de polticas Um dos problemas com que os estudantes de anlise de polticas deparam-se a variedade desconcertante de termos usados na literatura. Cincias polticas, estudos de poltica e anlise de polticas so trs dos termos mais comumente usados para descrever o campo de estudos como um todo. s vezes estes termos so usados em sentidos especficos e bem definidos; s vezes so usados de forma intercambivel. Quando os termos so definidos, freqentemente h pouca consistncia nas definies empregadas por diferentes autores. No por acaso que Wildavsky e outros procuram evitar o embarao dos debates voltados a tais definies. Nossa preferncia por anlise de polticas como descrio geral da matria em que estamos interessados. Uma razo para isto que, depois de um perodo no qual as cincias polticas pareciam estar ganhando ascendncia (Dror, 1971; Lasswell, 1951), a anlise de polticas emergiu como o termo favorecido entre os autores de uma srie de contribuies significativas literatura (Wildavsky, 1979; Jenkins, 1978; Hogwood e Gunn, 1984). A no ser que haja razes convincentes para o contrrio, parece-nos apropriado aceitar a terminologia existente. Uma segunda razo para usar o termo anlise de polticas que ele permite que a rea possa ser dividida em anlise de polticas e anlise para poltica (Gordon, Lewis e Young, 1977). Esta distino importante porque chama a ateno para a anlise de polticas como uma atividade acadmica preocupada primariamente com o avano da compreenso e, tambm, para a anlise de polticas como uma atividade aplicada preocupada principalmente em contribuir soluo de problemas sociais. Vamos elaborar esta distino rapidamente. Antes de faz-lo, entretanto, consideremos em maior detalhe o objeto da anlise de poltica. Anlise de polticas, escreve Thomas Dye, descobrir o que os governos fazem, porque o fazem e que diferena isto faz (1976, p.1). Na viso de Dye,

19 todas as definies de anlise de poltica, de fato, significam a mesma coisa - a descrio e explicao das causas e conseqncias da ao do governo (ibid.). Numa primeira leitura esta definio parece descrever o objeto tanto da cincia poltica quanto o da anlise de poltica. Afinal, os cientistas polticos esto interessados nas causas e conseqncias da ao governamental e tm despendido muito esforo procurando descrever e explicar tal ao. No obstante, conforme mostra Dye, cientistas polticos tm-se concentrado no exame das instituies e das estruturas de governo. Apenas mais recentemente a cincia poltica deslocou-se de um enfoque institucional para um comportamental. E apenas atualmente a poltica pblica tornou-se um objeto de anlise importante para os cientistas polticos. O que distingue a anlise de polticas em relao a muito do que se produz em cincia poltica, na interpretao de Dye, a preocupao dos analistas de polticas com o que o governo faz. Podemos ainda adicionar que a anlise de polticas se distingue, tambm, pelo seu uso de conceitos de uma variedade de disciplinas diferentes, aspecto que retomaremos adiante neste captulo. Embora a definio de Dye enfatize o papel da anlise de polticas no aumento do conhecimento da ao do governo, ele nota que ela pode igualmente ajudar fazedores de poltica a melhorar a qualidade das polticas pblicas (p. 108). Dye est aqui corroborando as vises de uma srie de outros autores que argumentam que a anlise de polticas uma atividade tanto prescritiva quanto descritiva. Um dos fundadores da anlise de poltica, Harold Lasswell, observa o crescimento de uma orientao para a poltica (Lasswell, 1951) nas cincias sociais e em outras disciplinas. Isto compreende dois elementos: o desenvolvimento do conhecimento sobre o processo de elaborao de polticas6 em si e a melhoria da informao disponvel para os fazedores de poltica. Lasswell tambm descreve a orientao para a poltica como uma abordagem tpica da cincia poltica, um termo tomado por emprstimo de Yehezkel Dror para se referir contribuio do conhecimento

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NT: policy process, no original, foi traduzido como processo de elaborao de polticas .

20 sistemtico, da racionalidade estruturada e da criatividade organizada para melhor elaborar as polticas (1971, p. ix). Como Lasswell, Dror mantm grandes esperanas em relao contribuio que o estudioso de anlise de polticas7 pode fazer melhoria do processo de formulao de polticas8 e ao alvio de problemas sociais. Assim, enquanto Lasswell sustenta que o estudioso de anlise de polticas dever-se-ia concentrar nos problemas fundamentais do homem na sociedade (p. 8) e procurar ajudar na efetivao da dignidade humana na teoria e na prtica (p. 15), Dror afirma que a anlise de poltica9 essencial para a melhoria da condio humana e, de fato, conteno de catstrofes (sic) (1971, p. ix). A orientao prescritiva da anlise de polticas tambm enfatizada por Aaron Wildavsky, embora seja notvel a sua maior modstia nas asseres que faz. Conforme notamos, Wildavsky rejeita a idia de que seja possvel chegar a uma nica definio de anlise de poltica. Ao invs disso, ele destaca as principais caractersticas da anlise de poltica, prestando particular ateno a ela enquanto atividade centrada em problemas. Isto , a anlise toma como objeto de estudo problemas encarados por fazedores de polticas e visa melhorar estes problemas mediante um processo baseado na criatividade, imaginao e profissionalismo. Na viso de Wildavsky, freqentemente os problemas no so exatamente resolvidos, mas sim postergados ou engavetados. Dada a intratabilidade de muitos problemas sociais, o papel da anlise encontrar problemas em que solues podem ser tentadas. Se o analista for capaz de redefinir problemas de uma forma que torne alguma melhoria possvel, ento isto j tanto quanto pode ser esperado. Como parte deste processo, Wildavsky discute que o analista deveria

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NT: policy scientist, no original, foi traduzido como estudioso de anlise de polticas. O termo no

deve ser confundido com political scientist, ou seja, cientista poltico.8

NT: policy-making, no original, foi traduzido como formulao de polticas, embora em alguns

casos a expresso elaborao de polticas pudesse tambm ser vlida.9

NT: policy sciences, no original, foi traduzido como anlise poltica.

21 estar engajado em aes. Pensar sobre problemas e procurar solues interao intelectual, nos termos de Wildavsky - devem ser enriquecidos com interao social caso se deseja que a anlise tenha impacto (Wildavsky, 1979, p. 17). A anlise de polticas est, portanto, preocupada tanto com o planejamento quanto com a poltica (politics), e A mais alta forma de anlise usar o intelecto para auxiliar a interao entre pessoas (ibid.). Vista nestes termos, a anlise de polticas tem tanto a ver com a defesa de idias, ou com a sua venda (Wildavsky, 1979, p. 10), quanto com a compreenso. O quo longe analistas de polticas acadmicos dever-se-iam engajar na defesa de idias uma questo controversa. Lasswell assume uma posio inequvoca nesta questo, afirmando que cientistas sociais interessados numa orientao para a poltica no deveriam nem se engajar em tempo integral na prtica poltica nem empregar seu tempo aconselhando fazedores de polticas em questes de cunho imediato. O seu argumento que cientistas sociais dever-seiam concentrar em questes maiores e comunicar suas idias e descobertas a fazedores de poltica por intermdio de seminrios em instituies existentes e mediante o estabelecimento de novas instituies (Lasswell, 1951). Em uma linha semelhante, Dye afirma que a defesa de uma poltica10 e a anlise de polticas so empreendimentos separados (1976, p. 3). Ele prossegue, afirmando que cientistas sociais no deveriam se engajar ativamente em poltica (politics), mas sim se concentrar na aplicao sistemtica da teoria, da metodologia e das descobertas da cincia social a problemas sociais contemporneos da sociedade (ibid.). Este argumento encontra eco nos trabalhos de dois autores ingleses, Sharpe (1975) e Donnison (1972), que comentam a contribuio de Dye. Sharpe conclui uma reviso da relao entre cincias sociais e elaborao de polticas sugerindo que as cincias sociais poderiam dar uma maior contribuio elaborao de polticas caso os acadmicos se concentrassem na realizao de boas pesquisas ao invs de se infiltrarem no Whitehall. J Donnison qualifica seu

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NT: policy advocacy, no original, foi traduzido como defesa de uma poltica.

22 apelo por um aumento da pesquisa com orientao para a poltica alertando que os pesquisadores deveriam permanecer firmemente enraizados no mundo acadmico (1972, p. 532). Wildavsky nutre alguma simpatia por estas vises, mas vai um pouco alm afirmando que a anlise deve incluir consideraes de como as idias que emergirem da prpria anlise podero ser aplicadas. Bom profissionalismo - nos termos de Dye, a aplicao da teoria aos problemas sociais - requer que as dificuldades antecipadas na implementao dos resultados da anlise de polticas sejam levadas em conta. Ir alm disto, agindo para implementar a anlise (1979, p. 10) e contribuindo ativamente para que idias polticas (policy ideas) possam achar seu caminho no mundo (ibid.) so, para Wildavsky, uma opo extra. Ele expressa forte preferncia em relao a ela. O analista acadmico que se engaja na venda de suas idias est claramente operando de forma similar a muitos analistas de polticas que trabalham no governo. Como uma atividade governamental, a anlise de polticas tipicamente envolve informar e assessorar os fazedores de poltica no processo de escolha entre alternativas. O estilo de trabalho de analistas de polticas no governo varia consideravelmente. Meltsner (1976), em seu estudo sobre analistas na burocracia federal norte-americana, identifica trs tipos: o tcnico, interessado em produzir pesquisa - de orientao para a poltica - de boa qualidade que , essencialmente, um acadmico em residncia burocrtica; o poltico, preocupado com a obteno de influncia e promoo pessoais e interessado em anlises apenas na medida em que estas dizem respeito a estes mesmos fins; e o empreendedor, interessado no uso da anlise para influenciar a poltica (policy) - e melhorar o impacto desta. Um ponto a se observar o fato de analistas acadmicos estarem penetrando cada vez mais o mbito do governo, ignorando desse modo a advertncia de Lasswell de que eles no deveriam envolver-se diretamente no aconselhamento de polticos. Isto verdade no apenas nos Estados Unidos, mas tambm no Reino Unido onde, como mencionamos, analistas de polticas como tal tm sido raramente empregados por agncias do governo. No Reino Unido, acadmicos tm agido como assessores polticos a comits de ministros e parlamentares,

23 alm de atuarem no Grupo Central de Reviso Poltica (Central Policy Review Staff), estabelecido em 1970 como um think tank dentro do governo. Em conseqncia, a linha divisria entre analistas de polticas dentro e fora do governo tornou-se crescentemente difusa. Ao mesmo tempo, analistas de polticas acadmicos tm usado em alguns casos suas especializaes para assessorarem a grupos de presso a perseguir suas preferncias polticas (policy). esta espcie de atividade executada em diferentes cenrios que faz da anlise de polticas uma disciplina to difcil de ser delimitada e definida.Informao para a elaborao de polticas Defesa de processos Defesa de polticas

Estudo do contedo da poltica

Estudo do processo de elaborao de poltica

Estudo dos resultados da poltica

Avaliao

Analista como ator poltico

Ator poltico como analista

Estudos polticos (Conhecimento de poltica e do processo de elaborao de polticas)

Anlise de polticas (Conhecimento no processo de elaborao de polticas)

Figura 1.1

Tipos de estudo da elaborao de polticas pblicas (Fonte:

Hogwood e Gunn, 1981)

Contudo, a discusso pode avanar se retornarmos distino entre anlise de polticas e anlise para poltica mencionada anteriormente neste captulo. Se, conforme sugerimos, alguns analistas de polticas esto interessados em melhorar o entendimento da poltica (policy), alguns esto interessados em melhorar a qualidade da mesma, e outros em ambas as atividades, possvel fazer distines mais precisas entre diferentes tipos de trabalho de anlise de polticas? Acreditamos que sim. Em particular, a tipologia proposta por Hogwood e Gunn (1981, veja tambm seu livro de 1984) que recorre a uma anlise anterior de

24 Gordon, Lewis e Young (1977), indica sete variedades de anlise de poltica, ilustradas na Figura 1.1. Primeiramente, h estudos do contedo da poltica (studies of policy content) nos quais os analistas procuram descrever e explicar a gnese e o desenvolvimento de polticas particulares. No Reino Unido, muito da poltica social e do trabalho de administrao enquadra-se nesta categoria. O analista interessado em contedo de polticas geralmente investiga um ou mais casos a fim de determinar como uma poltica surgiu, como foi implementada e quais foram os resultados. Em segundo lugar, h estudos do processo de elaborao de polticas (studies of policy process) em que a ateno dirigida aos estgios pelos quais passam questes e procura-se avaliar a influncia de diferentes fatores no desenvolvimento da questo. Estudos do processo de elaborao de polticas invariavelmente mostram certo interesse pelo contedo de polticas, mas de uma forma geral esto interessados em desvendar as vrias influncias na formulao de polticas. Um exemplo clssico o livro de Graham Allison (1971) sobre a crise dos msseis em Cuba em que a crise usada para demonstrar as vantagens e desvantagens de uma srie de modelos do processo de elaborao de polticas. Estudos do processo de elaborao de polticas so freqentemente voltados a questes isoladas deste tipo ou a reas polticas especficas, mas eles podem igualmente estar dirigidos ao processo de elaborao de polticas dentro de uma organizao ou s influncias sobre a poltica dentro de uma sociedade ou comunidade particular. Em terceiro lugar, h estudos de resultados de polticas (studies of policy outputs) que procuram explicar porque os nveis de gasto ou de proviso de servios variam entre diferentes reas. Na terminologia de Dye, estes so estudos de determinao de polticas (1976, p. 5), estudos que tomam polticas como variveis dependentes e tentam compreend-las em termos de fatores sociais, econmicos, tecnolgicos e outros. Estudos de resultados tm recebido muita ateno nos Estados Unidos, entre outros, no prprio trabalho de Dye, e tm sido empreendidos de forma crescente no Reino Unido e em outros pases da Europa ocidental. Uma rea de aplicao particularmente complexa desta abordagem pode ser encontrada na vasta literatura que tenta explicar diferenas nacionais no desenvolvimento de

25 polticas de bem-estar social (para uma reviso sucinta, veja Baldwin, 1990). A quarta categoria, estudos de avaliao (evaluation studies), marca a fronteira entre anlise de polticas e anlise para a poltica. Estudos de avaliao so muitas vezes chamados de estudos de impacto por se voltarem ao impacto que as polticas tm sobre a populao. Estudos de avaliao podem ser ou descritivos ou prescritivos. Em quinto lugar, h a informao para a elaborao de polticas (information for policy-making) na qual dados so ordenados a fim de auxiliar fazedores de poltica a tomarem decises. Informaes para a poltica podem ser obtidas de estudos efetuados dentro do prprio governo, como parte de um processo regular de monitoramento, ou fornecidas por analistas de polticas acadmicos preocupados com a aplicao de seu conhecimento a problemas prticos. Em sexto, h a defesa de processos (process advocacy), uma variante da anlise para a poltica na qual os analistas procuram melhorar a natureza dos sistemas de elaborao de polticas. A defesa de processos manifestada em tentativas de melhorar a mquina do governo por intermdio da realocao de funes e tarefas, e de esforos para aumentar a base para a escolha entre polticas mediante o desenvolvimento de sistemas de planejamento e de novos enfoques para avaliao de opes. Finalmente, h a defesa de polticas (policy advocacy), a atividade que o analista desempenha ao pressionar pela adoo de opes e idias especficas no processo de elaborao de polticas, seja individualmente, seja em associao com outros, freqentemente por intermdio de um grupo de presso.

A orientao para a poltica11 Tendo esclarecido o significado da anlise de polticas e as vrias formas que ela pode tomar, estamos agora prontos para especificar as reas que so de particular interesse para ns neste livro. Nosso principal interesse na anlise de polticas. Isto implica que estamos preocupados especificamente com estudos do

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NT: policy orientation, no original, foi traduzido como orientao para a poltica.

26 processo de elaborao de polticas, o que no significa que negligenciemos contribuies relevantes de estudos relacionados s outras categorias

identificadas por Hogwood e Gunn, particularmente estudos de resultados de polticas que resultam em proporcionam interpretaes inovadoras dos processos de elaborao de polticas. Estamos, pois, interessados em uma importante parte especfica de todo o campo de anlise de polticas. Ao estudarmos o processo de elaborao de polticas, consideramos til recorrer a idias e contribuies de vrias disciplinas acadmicas, particularmente da cincia poltica e da sociologia. No concordamos com Dror que a anlise de polticas (na sua terminologia, policy sciences) seja uma nova supra-disciplina (1971, p. ix). Antes, endossamos a viso de Wildavsky de que a anlise de polticas uma sub-rea aplicada cujo contedo no pode ser determinado por fronteiras disciplinares, mas sim por qualquer coisa que parea apropriada s circunstncias do tempo e da natureza do problema (1979, p. 15). Mesmo aqueles com um conhecimento apenas superficial da literatura de anlise de polticas reconhecem prontamente os problemas que advm da tentativa de situar a anlise de polticas nas categorias disciplinares existentes. por este motivo que Lasswell se refere a uma orientao para a poltica - uma orientao que vai alm das especializaes existentes (1951, p. 3). Esta a formulao que nos propomos seguir. Conforme nossa viso, o propsito da anlise de polticas , utilizando idias provenientes de uma srie de disciplinas, interpretar as causas e conseqncias da ao do governo, em particular ao voltar sua ateno ao processo de formulao poltica. Mas o que poltica (policy)? Esta uma questo que novamente tem atrado muito interesse, porm pouca concordncia. Heclo observa que poltica no (...) um termo auto-evidente (1972, p. 84) e ele sugere que uma poltica pode ser utilmente considerada mais como um curso de ao ou inao do que como decises ou aes especficas (p. 85). Como uma variante disto, David Easton menciona que uma poltica (...) consiste de uma teia de decises e aes que alocam (...) valores (1953, p. 130). Uma definio adicional oferecida por Jenkins, que v poltica como um conjunto de decises interrelacionadas...concernindo a seleo de metas e os meios de alcan-las

27 dentro de uma situao especificada (...) (1978, p. 15). Outros autores chegam a sugerir definies ainda mais vagas: Friend e seus colegas dizem que poltica essencialmente uma posio que, uma vez articulada, contribui para o contexto dentro do qual uma sucesso de decises futuras ser feita (1974, p. 40); Cunningham, um antigo alto funcionrio pblico britnico, discute que poltica mais como o elefante - voc o reconhece quando o v, mas no pode defini-lo facilmente (1963, p. 229). Os problemas de definio colocados pelo conceito de poltica sugerem que difcil trat-lo como um fenmeno muito especfico e concreto. A poltica pode por vezes ser identificvel em termos de uma deciso, mas muito freqentemente ela envolve ou grupos de decises ou o que pode ser visto como pouco mais que uma orientao. As tentativas de definio tambm implicam que difcil identificar ocasies particulares em que poltica feita. A poltica muitas vezes continua a desenvolver-se mais propriamente dentro do que convencionalmente descrito como fase de implementao do que da fase de formulao do processo de elaborao de polticas. Vejamos um pouco mais as implicaes do fato de que a poltica envolve antes um curso de ao ou uma teia de decises do que uma deciso. Isto implica diversos aspectos. Em primeiro lugar, uma teia de decises, geralmente de considervel complexidade, pode estar envolvida no desencadear de aes. Uma teia de decises que permanece atuando durante um longo perodo de tempo, estendendo-se muito alm do processo inicial de formulao de poltica pode fazer parte de uma rede complexa. Um segundo aspecto que, at mesmo no nvel de elaborao poltica, esta no comumente expressa em uma nica deciso. Ela tende a ser definida em termos de uma srie de decises que, tomadas em seu conjunto, possibilita um entendimento mais ou menos comum do que poltica. Terceiro, polticas invariavelmente mudam com o passar do tempo. Declaraes de intenes de ontem podem no ser as mesmas que as de hoje, seja devido a ajustes incrementais a decises anteriores, seja devido a mudanas de direo mais significativas. Da mesma forma, a experincia de implementar uma deciso pode ser realimentada no processo de tomada de decises, desse modo criando ou levando a mudanas na alocao de valores. Isso no quer dizer que polticas

28 estejam sempre mudando, mas simplesmente que o processo de elaborao de polticas mais propriamente dinmico que esttico e que devemos estar atentos mobilidade das definies de questes. Em quarto lugar, um desenvolvimento deste ponto que muito da tomada de decises em poltica concerne, como Hogwood e Gunn (1984) notaram, tentativas em torno da difcil tarefa do trmino de uma poltica ou de determinar a sucesso da mesma (veja tambm Hogwood e Peters, 1983). Em quinto, o corolrio dos dois ltimos pontos a necessidade de reconhecer que o estudo de polticas tem como um de seus principais interesses o exame de nodecises. isto que Heclo mostra em sua referncia inao. O conceito notomada de decises tem se tornado crescentemente importante nos ltimos anos e tem-se discutido que muito da atividade poltica concerne a manuteno do status quo e a resistncia a contestaes alocao existente de valores. A anlise desta atividade uma parte necessria do exame da dinmica do processo de elaborao de polticas e ns investigaremos a no-tomada de decises no Captulo 4. Finalmente, as definies citadas acima levantam a questo de se poder encarar ou no a poltica como uma ao sem decises. Pode ser dito que um padro de aes ao longo de um perodo de tempo constitui uma poltica, mesmo que estas aes no tenham sido formalmente sancionadas por uma deciso? Autores em poltica tm voltado sua ateno de forma crescente ao de agentes de mais baixo nvel, algumas vezes chamados de burocratas do nvel da rua (Lipsky, 1980), a fim de conquistarem uma melhor compreenso a respeito da elaborao e implementao de polticas. Em algumas circunstncias sugere-se que neste nvel do sistema que a poltica realmente feita. Pareceria importante balancear uma perspectiva de decises de cima para baixo em polticas com uma perspectiva de baixo para cima orientada ao. Pode-se dizer, portanto, que tanto as aes quanto as decises constituem o enfoque apropriado da anlise de polticas e exploraremos a influncia dos burocratas do nvel da rua mais adiante neste livro.

29Ambiente Ambiente

Demandas Entradas Apoio

SISTEMA POLTICO

Decises e aes

Sadas

Ambiente

Ambiente

Figura 1.2 Easton, 1965a).

Um modelo simplificado do sistema poltico12 (Fonte:

Discutimos a poltica, at aqui, como o resultado do processo de elaborao de polticas. Wildavsky nos lembra de que poltica um processo e tambm um produto. O termo usado para se referir ao processo de tomada de decises e igualmente ao produto deste processo (1979, p. 387). Ao procurar compreender as complexidades do processo de tomada de decises, autores tm posto em evidncia uma variedade de modelos dentre os quais o enfoque sistmico esboado por David Easton (1953, 1965a e b) tem recebido considervel proeminncia. Easton discute que a atividade poltica pode ser analisada em termos de um sistema contendo uma srie de processos que devem permanecer em equilbrio a fim de que a atividade sobreviva. O paradigma que ele emprega o sistema biolgico cujos processos vitais interagem uns com os outros e com o meio ambiente para produzir um estado corporal mutvel e, no entanto, estvel. Easton afirma que sistemas polticos so como sistemas biolgicos e existem em

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NT: political system, no original, foi traduzido como sistema poltico.

30 um ambiente que contm uma variedade de outros sistemas, incluindo sistemas sociais e ecolgicos. Um dos processos fundamentais dos sistemas polticos so as entradas que tomam a forma de demandas e apoios. Demandas envolvem aes de indivduos e grupos buscando alocaes autorizadas de valores. Os apoios encerram aes tais como votaes, obedincia lei e pagamento de taxas. Isso entra na caixa preta da tomada de decises, tambm conhecida como processo de converso, para produzir sadas, as decises e polticas das autoridades. Sadas podem ser distinguidas de resultados, que so os efeitos que polticas tm sobre os cidados. A anlise de Easton no termina aqui, pois se admite realimentao dentro da estrutura dos sistemas mediante a qual as sadas do sistema poltico influenciam futuras entradas no sistema. O processo como um todo representado na Figura 1.2. O principal mrito da teoria dos sistemas que ela fornece uma forma de conceitualizar o que so, freqentemente, complexos fenmenos polticos. Ao enfatizar processos como sendo opostos a instituies ou estruturas, o enfoque de Eastman representa um avano em relao a anlises mais tradicionais dentro da cincia poltica e da administrao pblica. O enfoque tambm til ao desagregar o processo de elaborao de polticas em uma srie de estgios diferentes, de forma que cada um dos quais possa ser analisado mais detalhadamente. O modelo sistmico importante por todas estas razes e isso, sem dvida, ajuda a justificar sua proeminncia na literatura. O modelo, todavia, tem suas desvantagens e nossa compreenso de poltica e do processo de elaborao de polticas pode ser mais desenvolvido ao examinarmos vrios pontos criticveis. Primeiramente, seria errneo aceitar a conceitualizao de Easton do sistema poltico como uma descrio precisa da forma como sistemas funcionam na prtica. Embora a identificao de processos de Easton tenha seu valor, a ordenao pura e lgica destes processos em termos de iniciao de demanda, atravs do processo de converso para sadas, raramente ocorre de modo to

31 simples no mundo prtico da elaborao de polticas. Por exemplo, os prprios fazedores de poltica podem ser a fonte de demandas e, embora Easton reconhea a importncia do que ele denomina co-entradas (withinputs), deve ser considerada a maneira como os comportamentos individual e grupal podem ser moldados por lderes polticos. Um corpo crescente de trabalho sugere que, longe de surgirem autonomamente na comunidade, demandas polticas podem ser produzidas por lderes que, por meio disso, criam condies para sua prpria ao (Edelman, 1971). Mediante a manipulao da linguagem e da criao de crises, as autoridades podem impor suas prprias definies de problemas e ajudar a forjar a agenda poltica. O reconhecimento destes processos um importante corretivo para as hipteses ingnuas encontradas em algumas aplicaes da teoria de sistemas. O trabalho de Edelman tambm chama ateno para a forma na qual polticas servem a propsitos simblicos, isto , polticas podem ser

freqentemente mais efetivas para dar a impresso de que o governo est tomando atitudes, e portanto para manter o apoio poltico, do que para lidar com problemas sociais. Conforme Dye mostrou, uma fraqueza da anlise de polticas concentrar-se primariamente em atividades dos governos ao invs de em sua retrica (1976, p. 21). O que isto sugere que estudantes do processo de elaborao de polticas deveriam estar precavidos para no levar os fazedores de poltica muito a srio. Polticas podem ser direcionadas a melhorias de condies sociais, mas isto deveria ser mais parte do objeto de investigao do que uma hiptese de pesquisa. Uma segunda crtica estrutura sistmica decorre de ela salientar a importncia central do processo de converso, a caixa preta da tomada de decises e, no entanto, dar-lhe relativamente pouca ateno ao compar-lo considerao detalhada de demandas e apoios. Isto indica a necessidade de se basear no apenas na anlise de sistemas, mas tambm no trabalho que explora a dinmica da tomada de decises. Uma parte considervel deste livro concerne a penetrao na caixa preta. Incluso no sistema poltico, conforme usado aqui em termos gerais, parece haver uma grande quantidade de atividade poltica. Isto envolver a poltica inter-organizacional - entre nveis do governo (central e local) e entre diferentes

32 departamentos do mesmo nvel. Estas relaes polticas so canalizadas por estruturas e regras, as quais, por seu lado, so o objeto de ao poltica contnua. Uma terceira crtica, que parte deste ltimo ponto, o fato de o sistema, e em particular a forma em que processos ocorrem dentro da caixa preta, ser ele prprio objeto de ao poltica. Haver diversas partes deste livro em que vamos querer mostrar a importncia do que tem sido chamado de elaborao de metapolticas (Dror, 1986; veja tambm Hupe, 1990). Isto diz respeito ao estabelecimento e mudana de sistemas e estruturas dentro dos quais ocorrem os processos concernindo a sadas (outputs) polticas significativas. Naturalmente, a cincia poltica presta ateno considervel aos grandes exemplos de elaborao de meta-polticas: a determinao de constituies e as batalhas por poder poltico caractersticas da formao de naes ou da desintegrao de imprios. O que pode ser negligenciado, entretanto, o modo como as relaes entre unidades do governo esto sujeitas a ajustes contnuos na medida em que obrigaes e oramentos so alterados. Representaes sistemticas do processo de elaborao de polticas tendem a dar a conflitos a aparncia de jogos; o problema reside no fato de que a poltica pode tanto ser sobre o asseguramento de um resultado especfico quanto sobre mudanas nas regras do jogo. Alm disso, este ltimo aspecto pode ser tanto incitado por um interesse em influenciar um resultado atual quanto por uma preocupao em influenciar resultados futuros. O modelo sistmico tende a tratar o prprio sistema como algo esttico e incontestvel, ou pelo menos apenas sujeito a raras mudanas fundamentais dentro de naes-estado mais estveis. A prpria nfase na teoria sistmica sobre a idia da caixa preta instrutiva. A imagem nos lembra de que estes processos so freqentemente difceis de serem penetrados e, conseqentemente, de serem pesquisados. importante, portanto, tentar desenvolver modelos do modo como decises so tomadas e compar-los e contrast-los a fim de perceber as diferentes formas em que eles nos ajudam a compreender processos. Allison (1971) oferece uma abordagem til aqui. Ele sugere que trs modelos so relevantes. H, primeiramente, o modelo do ator racional que v aes como sendo formadas por agentes propositados com certas

33 metas e objetivos. Estes agentes tm que escolher entre cursos alternativos de ao a fim de alcanar seus objetivos. Associadas s alternativas tm-se, supostamente, conjuntos de conseqncias e a escolha racional consiste em selecionar a alternativa cujas conseqncias esto situadas num nvel mais elevado. Em segundo lugar, h o modelo do processo organizacional que v a ao no como escolha racional, mas como o resultado do comportamento organizacional. Este comportamento , largamente, a decretao de rotinas estabelecidas em que a ateno dada seqencialmente a objetivos e em que procedimentos operacionais padro so adotados. Em contraste, o modelo de poltica (politics) burocrtica no v a ao nem como escolha nem como resultado, mas antes como o resultado de acordos entre grupos e indivduos no sistema poltico. H outras maneiras de se formular as alternativas de Allison. O que realamos aqui o valor do mtodo, que pode usar vrias formas de teoria de deciso e organizao. Ns discutiremos e desenvolveremos este ponto em captulos posteriores. Um dos mritos do modelo sistmico que ele chama ateno para o relacionamento entre sistemas polticos e outros sistemas. Na Figura 1.2 estes outros sistemas so mencionados como sendo simplesmente o meio-ambiente do sistema poltico. Este ambiente e sua influncia na poltica (policy) constituem uma preocupao maior nos estudos de resultados de polticas. O trabalho de Thomas Dye (1976) - e outros - procura explicar as polticas que emergem de sistemas polticos em termos de uma srie de caractersticas no ambiente, incluindo nveis de urbanizao, renda per capita, nvel educacional etc. Embora eles no ignorem variveis polticas, estudos de resultados tentam situar estas variveis em um contexto e avaliar sua importncia relativa s caractersticas sociais e econmicas da populao particular sob investigao. Estudos de resultados servem como lembretes teis de que a poltica no pode ser considerada isoladamente da economia e da sociedade. Como Minogue comenta, o que governos fazem envolve o todo da vida social, econmica e poltica, seja prtica ou potencialmente. Polticas pblicas so, auto-evidentemente, no um campo estreito de

34 investigao, embora analistas de polticas possam bem se concentrar apenas em reas estreitas de todo o campo. Polticas pblicas fazem coisas a economias e sociedades, de forma que, em ltima anlise, qualquer teoria explicativa satisfatria de polticas pblicas deve tambm explicar as interrelaes entre Estado, poltica, economia e sociedade. (Minogue, n.d., p. 5) Ns endossamos esta viso, acrescentando apenas que economias e sociedades fazem coisas s polticas e vice versa. Por conseguinte, a anlise de polticas deveria atribuir a merecida ateno aos contextos sociais, polticos e econmicos dentro dos quais se lida com problemas. Da mesma forma, o estudante do processo de elaborao de polticas deveria manter-se afastado do mundo da poltica cotidiana a fim de levantar algumas das maiores questes sobre o papel do Estado na sociedade contempornea e a distribuio de poder entre diferentes grupos sociais. A no ser que isto seja feito, a anlise de polticas dever permanecer, na melhor das hipteses, como um empreendimento parcial. Embora haja reconhecimento crescente destas questes maiores na literatura de anlise de poltica, persiste o caso de muitos autores que ignoram este nvel de anlise. De forma breve, o que sugerimos a necessidade de se combinar a anlise de sistemas com a anlise sistmica a fim de se obter uma compreenso adequada da ao do governo. Isto conduz importncia de se dar ateno a questes sobre como decises so tomadas dentro de organizaes, incluindo o sistema de elaborao e de implementao poltica, questes sobre os arranjos institucionais contendo o sistema e questes sobre o papel do Estado e seu relacionamento com a sociedade. Alm disso, h claramente questes, particularmente significativas e problemticas, sobre as formas com que estas trs preocupaes se assentam juntos.

Concluso

35 Muito da discusso neste captulo foi baseada na distino entre anlise de polticas e anlise para poltica. Ns discutimos que a anlise de polticas interessa-se tanto pela promoo da compreenso da poltica e do processo de elaborao de polticas quanto por prescrever como polticas podem ser melhoradas. Concluindo, queremos chamar ateno para a dificuldade de se manter esta distino. Nossa experincia em ensinar e escrever sobre anlise de polticas ao longo de vrios anos sugere que estudantes e leitores quase invariavelmente procuram extrair lies da anlise, ainda que muito da anlise seja apresentado como simples explicao. Por esta razo, o analista acadmico como sua contraparte burocrtica - pode no ser capaz de evitar tornar-se um defensor de polticas. Estamos igualmente conscientes de que a anlise no pode ser isenta de valores. Como Rein (1976 e 1983) observou, a idia de que a anlise seja cientfica, imparcial e neutra um mito, pois a pesquisa inevitavelmente influenciada pelas crenas e suposies do pesquisador. A estrutura dentro da qual a pesquisa de polticas efetuada tambm tem um ponto de apoio nos pontos que so investigados e nas questes que so levantadas. O fato de a pesquisa de polticas ser muitas vezes financiada por agncias do governo significa que a agenda de pesquisa determinada mais por polticos e burocratas do que por acadmicos. Por todas estas razes Rein contesta a idia de que a anlise possa ser destituda de valores e ele defende uma posio de crtica a valores na qual o pesquisador adote um enfoque ctico e questione continuamente as suposies dos fazedores de poltica. A posio de crtica a valores implica que para analistas de polticas a tarefa mais exigente a identificao de seus prprios valores (1976, p. 169). Se este o caso, ento que valores o analista de polticas persegue e qual a ideologia implcita da anlise de poltica? Rein , comparativamente, apenas um dentre vrios analistas de polticas americanos que, recentemente, contriburam para deslocar esta atividade em seu pas de uma preocupao relativamente ingnua com tecnologias de resoluo de problemas para um reconhecimento da extenso na qual esto engajados em uma atividade restringida pela poltica (politics) e profundamente penetrada por

36 interesses de valores (veja Heineman et al., 1990). O trabalho de Aaron Wildawsky tambm fornece um ponto de referncia para se levantar estas questes. Refletindo sobre a falha de programas sociais nos Estados Unidos nos anos 60 em seu livro Speaking Truth to Power (Dizendo a Verdade ao Poder), Wildavsky comenta que muitas das bolsas de estudos dos anos setenta, a minha entre elas, foram um esforo para entender o que havia dado errado e aprender como as coisas poderiam ser feitas para funcionarem melhor (1979, p. 4). Wildavsky prossegue, afirmando que a anlise de polticas envolve o aprendizado a partir da experincia, particularmente da experincia do fracasso e da correo dos erros que da surgem. No se deve esperar muito da anlise e, em contraste s grandes alegaes feitas para a anlise de polticas por Lasswell e Dror, Wildavsky rejeita a idia de que a anlise deveria ser voltada para a apresentao de cenrios utpicos (p. 396). Ao invs disso ele afirma que a anlise deve permanecer ancorada ao padro atual de relaes sociais (ibid.). A anlise est, portanto, menos interessada em como realizar os objetivos e preferncias das pessoas que em modificar e reduzir preferncias de forma que elas possam ser realizadas. Da mesma forma, Wildavsky sustenta que a anlise de polticas diz respeito a melhorias, melhorar as preferncias do cidado em relao s polticas que ele - o povo - possa preferir (p. 19). Dentro desta estrutura, a viabilidade de polticas que fornece o teste para sua boa qualidade. Se polticas e problemas puderem ser acomodados a preferncias e objetivos, ento o analista ter alcanado sucesso. Os valores que Wildavsky articula tm claramente uma natureza conservadora um ponto que ele prprio admite. Se a anlise de polticas est localizada na estrutura existente de relaes sociais e se o escopo da anlise limitado a questes j na agenda para discusso, ento questes significativas podem ser ignoradas e as necessidades de grupos particulares podem ser negligenciadas. Embora Wildavsky discuta que a interao social e a cogitao intelectual deveriam ser unidas, sua preferncia pessoal pela interao desempenhando um papel maior na elaborao de polticas que no planejamento. Dado que os governos no tem alcanado um sucesso significativo no trato de problemas

37 sociais, Wildavsky sugere que se considere os governos como tendo um papel limitado e que a sua interao com os mercados e com o sistema poltico seja realada. Como um revisor comentou, a preferncia geral por solues de mercado ao planejamento pblico (Premfors, 1981, p. 222) um elemento-chave da ideologia da anlise de polticas desposada por Wildavsky. Como Minogue assinala ao parafrasear o ttulo do livro de Wildavsky, Power decides what Truth is (O Poder decide o que a Verdade ) (Minogue, 1983, p. 79). Nossa posio um tanto diferente. Embora reconheamos as virtudes do enfoque pragmtico preferido por Wildavsky, acreditamos que analistas de polticas no deveriam se restringir a examinar como polticas podem ser melhoradas dentro de relaes sociais e polticas j existentes. Mais que isso, estas relaes deveriam ser, em si, parte do campo de investigao. A anlise de polticas no tem necessidade de ser conservadora se ela se volta tanto a nodecises quanto a decises e se alguns dos cenrios utpicos que Wildavsky deliberadamente exclui de sua anlise so examinados. Nossa preferncia pela poltica acima do mercado como meio de se chegar a decises e no aceitamos que governos tenham sido completamente infrutferos em suas tentativas de melhorar problemas sociais. Como o prprio Wildavsky comenta, comparar o estado social da nao antes e depois destas polticas sociais [dos anos 60]... Eu me questiono se estaramos dispostos a trocar os problemas atuais por aqueles que ento tnhamos. Eu no estaria. No considero os anos sessenta como uma dcada desastrosa (1979, p. 5). Em qualquer caso, mesmo que o governo tenha fracassado em vrias reas polticas, ento o caminho para a ao mais efetiva pode estar menos no sentido do desprendimento e da retirada do governo e mais no sentido de se agir sobre restries econmicas e sociais que limitam a efetividade do governo. precisamente por esta razo que debatemos o caso de um enfoque em anlise de polticas que reconhece estas consideraes mais extensas. A efetividade de polticas e de processos de elaborao de polticas no pode ser avaliada independentemente da anlise da distribuio dos poderes econmico e social em sistemas polticos.

38 Como apoio a nosso argumento e comentrio conclusivo, citamos o trabalho de Charles Lindblom. Por muito tempo a maior contribuio de Lindblom para a anlise de polticas fora amplamente reconhecida como seu trabalho sobre o incrementalismo (Lindblom, 1959). A crtica de Lindblom racionalidade compreensiva como mtodo de tomada de decises e sua exposio de tentativa e erro como uma alternativa prefervel um comentrio clssico sobre o processo de tomada de decises. Mais tarde, Lindblom (1977) voltou sua ateno anlise do papel do Estado na sociedade contempornea e ele situou a tese incrementalista dentro de um contexto mais amplo. Especificamente, Lindblom indica o poder de grandes corporaes nas sociedades ocidentais industrializadas e sua habilidade de bloquear mudanas de grande alcance. Desta forma, Lindblom consegue sugerir como polticas (politics) incrementais esto

relacionadas a tipos particulares de arranjos sociais, econmicos e polticos. Esta a forma de anlise de polticas que favorecemos desde que a anlise detalhada de questes especficas seja combinada a uma anlise do papel do Estado. Era certamente um trabalho deste tipo que Lasswell tinha em mente ao debater que a orientao para a poltica deveria examinar questes maiores e fundamentais antes de problemas relacionados a tpicos do momento.

39

2.

O PAPEL DO ESTADO

O Estado tem um profundo impacto na vida das pessoas na sociedade contempornea. Do nascimento morte, o destino dos indivduos regulado e controlado por agncias governamentais em um grau nunca antes visto. Contudo, a interveno do Estado no um fenmeno completamente novo. Mesmo no sculo dezenove reclamaes fizeram-se ouvir na Inglaterra sobre o crescimento da regulao do Estado. O que distintivo sobre o Estado moderno so o carter e a extenso de sua interveno. Como Saunders indica, o carter do Estado de forma crescente ativo e diretor, ao passo que seu alcance se estende para abranger reas de atividade econmica que tm sido tradicionalmente consideradas privadas e, portanto, inviolveis (1980, p. 140). O crescimento da interveno estatal em sociedades industrializadas avanadas foi acompanhado at recentemente por uma curiosa negligncia por parte dos cientistas sociais em relao ao papel do Estado e seu relacionamento com grupos e indivduos. Em um grau considervel, as correntes de pensamento dominantes no mbito das cincias sociais tm-se concentrado no exame de fenmenos como comportamento eleitoral, sistemas eleitorais e grupos de presso, ignorando o contexto mais amplo dentro do qual estes fenmenos esto situados. significativo que, reagindo a esta negligncia, os editores americanos de uma coletnea de artigos a tenham intitulado Bringing de State Back In (Evans, Rueschemeyer e Skocpol, 1985). Em nossa viso, necessrio atribuir ao Estado uma posio central na anlise de polticas. Um exemplo neste sentido foi dado claramente por Wolfe, que afirmou que se o poder estatal puder um dia ser entendido, o prprio termo dever ser trazido novamente existncia; ressuscitar o Estado fazer uma declarao poltica sobre a centralidade do poder poltico organizado em sociedades modernas (1977, p. ix). Por isso, neste captulo, ns nos concentramos especificamente no papel do Estado e nas teorias da estrutura

40 do poder, comeando com uma definio de Estado e uma descrio de suas funes.

O que o Estado? O Estado pode ser definido tanto em termos das instituies que o formam quanto das funes que estas instituies desempenham. Instituies do estado compreendem rgos legislativos, incluindo assemblias parlamentares e instituies subordinadas voltadas elaborao de leis; rgos executivos, incluindo departamentos governamentais e ministrios; e rgos jurdicos principalmente tribunais - com a responsabilidade de obrigar ao cumprimento da lei e de aperfeio-la por intermdio de suas decises. H diferenas entre sistemas polticos no que diz respeito ao grau em que instituies legislativas, executivas e judicirias encontram-se claramente separadas umas das outras ou sobrepem-se. No Reino Unido, o Gabinete, o Parlamento e a Casa de Lordes sobrepem-se na funo de mais alta instncia do judicirio. Nos Estados Unidos, contudo, a Presidncia, o Congresso e a Suprema Corte so instituies distintas, mantidos parte pelo princpio de separao de poderes. Para manter as instituies legislativas, executivas e judicirias, e garantir a segurana interna e externa todos os sistemas de polticas empregam a polcia e as foras armadas. Instituies estatais esto situadas em vrios nveis - nacional, regional e local. rgos subsidirios variam consideravelmente em relao ao grau de liberdade que gozam em relao a agncias centrais. A autonomia dos rgos subsidirios importante, entre outras razes, porque permite a adequada implementao, em nvel local, de polticas formuladas centralmente. O crescimento da interveno estatal tende a aumentar os poderes das instituies centrais, embora haja importantes diferenas, neste particular, entre diferentes sistemas polticos. A existncia de agncias estatais em diferentes nveis implica na necessidade de considerar tanto o papel do estado como o do estado nacional. Comentaremos as teorias do governo local mais tarde neste captulo, notando, em particular, o

41 argumento de Cawson e Saunders de que diferentes agncias estatais podem estar sujeitas a diferentes influncias polticas. Embora este livro busque a generalizao mediante o estudo de diferentes sistemas de polticas dos Estados capitalistas modernos, seus autores vm de um dos mais unificados destes estados. Isto inevitavelmente interfere na forma como o assunto tratado aqui. importante que os leitores deste livro reconheam que as caractersticas do Estado, determinadas num estgio anterior na histria de cada estado-nao, fornecem uma estrutura de regras e procedimentos constitucionais, ainda que continuamente renegociveis, dentro da qual ocorre o confronto poltico. Dearlove e Saunders resumem este ponto da seguinte forma: a constituio define o contexto dentro do qual os polticos (politicians) operam; ela por si s um objeto de debate e conflito polticos; e prov uma teoria de como o processo poltico deveria funcionar e de como realmente funciona (Dearlove e Saunders, 1991, p. 538). Isto particularmente importante em pases onde o sistema federal transforma as diferentes instncias de governo em atores que se relacionam entre si. Ainda que exista uma forte tendncia federalista, organizaes supra-nacionais podem ser importantes para o sistema poltico de um estado-nao. Similarmente, sistemas eleitorais e relaes constitucionais no interior de arranjos legislativos antagnicos estruturam a forma na qual o jogo do poder se desenvolve em uma sociedade especfica. Assim, quando mais adiante nos referirmos questo da escolha entre teorias do Estado, nossos leitores devem perceber que estas consideraes estruturais podem afetar a plausibilidade de teorias especficas (isto particularmente verdadeiro para os argumentos sobre o corporativismo). Os rgos que compem o estado executam diversas funes. O principal papel da polcia e das foras armadas a manuteno da lei, da ordem e da paz. Estas funes so fundamentais para a persistncia de relaes estveis dentro de uma sociedade e estiveram entre as responsabilidades mais primrias assumidas pelo Estado. Na verdade, pode ser discutido, seguindo Weber (veja Gerth e Mills, 1948), que ter o monoplio do uso legtimo da fora o que distingue instituies

42 governamentais de no-governamentais. To importante quanto a manuteno de segurana interna e externa o papel do Estado na proteo do direito propriedade e a sua interveno, por intermdio da criao de uma mquina judicial, no estabelecimento de um sistema para prover a justia entre os cidados. At o sculo vinte, o Estado agia sobre indivduos principalmente por intermdio de suas atividades judiciais, regulatrias e de controle. Apenas recentemente o Estado tornou-se pesadamente envolvido na proviso de servios e na operao da economia. Uma das conseqncias da interveno do Estado na proviso de servios e na gesto econmica foi a necessidade de aumentar a cobrana de impostos para financiar suas atividades. Embora haja movimentos em vrios sistemas de polticas para reverter essa tendncia pela reduo de impostos e pela privatizao de funes previamente executadas pelo governo, permanece a situao em que os indivduos so afetados em quase todos os aspectos de suas vidas pelo que o Estado faz. Trs reas de interveno estatal so atualmente de particular importncia. Primeiramente, h uma srie de servios pblicos, aos quais se faz referncia atravs do termo Estado de bem-estar. Esta rea de interveno a encarregada da proviso de servios tais como educao, sade pblica, aposentadoria, seguro desemprego e habitao. Em segundo, e em funo da adoo generalizada de polticas de gesto econmica keynesianas, o Estado moderno tornou-se mais intimamente envolvido na regulao da economia. A interveno estatal nesta rea varia de incentivos ao desenvolvimento industrial, mediante subsdios e concesses tributrias, ao envolvimento direto no processo produtivo mediante a propriedade pblica de certas empresas. Em terceiro lugar, a complexidade da vida econmica e urbana obriga o governo ao engajamento em uma variedade de atividades regulatrias a fim de limitar o impacto coletivo potencialmente negativo do comportamento individual. Estas atividades vo muito alm das formas bsicas de controle social, exigidas em sociedades mais simples, para adotar a preveno das conseqncias de certas atividades econmicas: em particular, a proteo ambiental, a proteo do consumidor e o controle de monoplios e cartis. Visto que tem havido uma certa retirada do governo da

43 esfera da proviso direta de servios e benefcios, tem aumentado a importncia destas atividades regulatrias. Estes pontos chamam ateno para o fato de que as atividades polticas do Estado esto inextricavelmente associadas s transformaes econmicas ocorridas na sociedade. De uma perspectiva histrica, possvel afirmar que muito do crescimento da interveno do Estado pode ser explicado em termos de mudanas na economia. Por exemplo, na Inglaterra do sculo dezenove, os Atos das Fbricas (Factories Acts) que regulavam as condies de trabalho foram uma resposta ao modo como os proprietrios de fbricas organizavam os processos produtivos. Quando foi chamada a ateno para a existncia de ambientes de trabalho perigosos e nocivos, o governo interveio para refrear o mpeto dos empresrios e introduziu medidas para a proteo dos trabalhadores industriais. Novamente, no sculo vinte, o aparente fracasso da empresa privada e dos mecanismos de mercado para manter altos nveis de emprego resultou em interveno estatal na economia atravs de medidas como a gesto da demanda, programas de emprego e a estatizao de empresas privadas em uma tentativa de se criar postos de trabalho. No se pode concluir destes comentrios que deve haver uma relao direta e determinsta entre mudanas na economia e interveno estatal. Uma relao deste tipo no deve pautar a atividade do governo e as mudanas econmicas devem ser percebidas antes que seja necessria uma interveno estatal. O que o Estado faz, todavia, influenciado de forma importante pelos fatores econmicos. Uma das questes que isto levanta a relativa influncia do Estado e dos fatores sociais na explicao do desenvolvimento de polticas pblicas. Nordlinger (1981) sustenta que todos os quatro principais corpos tericos que lidaram com esta questo deram respostas centradas na sociedade. Desta forma, o pluralismo enfatiza as restries impostas ao Estado por um amplo espectro de grupos e sustenta que a poltica pblica basicamente um reflexo das preferncias destes grupos; o neopluralismo, ou elitismo, enfatiza o poder exercido por um reduzido nmero de interesses sociais bem organizados, e observa a habilidade dos grupos que defendem estes interesses para atingir seus objetivos; o marxismo indica a

44 influncia de interesses econmicos sobre a ao poltica e v o Estado como um importante meio de manuteno da dominao de classes sociais particulares; as teorias corporativas tambm mostram as mudanas econmicas nas sociedades industriais como tendo um significativo impacto no papel do Estado e na sua interao com outros grupos polticos situados fora dele. Nordlinger argumenta que nenhuma destas teorias d suficiente importncia para explicaes de polticas pblicas centradas no Estado. Para explorar estas idias em mais detalhe e testar a validade dos argumentos de Nordlinger, examinaremos as diferentes teorias a fim de comp