habeas corpus n.o 1.162 - gb. - stj.jus.br · êste não viesse a ser autuado e multado. tal fato...

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- 96- os Srs. Mins. Djalma da Cunha Mello, Cândido Lôbo, Oscar Sa- raiva, Armando Rollemberg e Hugo Auler votaram com o Sr. Min. Relator; no mérito os Srs. Mins. Djalma da Cunha Mello, Cândido Lôbo, Oscar Sa- raiva, Amarílio Benjamin, Arman- do Rollemberg e Hugo Auler taram com o Sr. Min. Relator. O Sr. Min. Hugo Auler encon- tra-se como ocupante temporário da vaga ocorrida com a aposen- tadoria do Sr. Min. Aguiar Dias. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Cunha Vasconcellos. HABEAS CORPUS N.O 1.162 - GB. Relator - O Ex. mo Sr. Min. Henrique d'Ávila Paciente - Newton Luiz do Rego Impetrante - Oswaldo Trigueiro Acórdão Condenação. Prova. Sua imprestabilidade, por- que resultante de inquérito policial anteriormente arquivado por outra Vara. Habeas corpus. Sua con- cessão. Vistos, relatados e discutidos ês- tes autos de Petição de Habeas Corpus n. o 1.162, do Estado da Guanabara, paciente Newton Luiz do Rêgo e impetrante Oswaldo Trigueiro. Acorda, por unanimidade de vo- tos, o Tribunal Federal de Recur- sos, em sessão plena, conceder a ordem, conforme consta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o relatório, ficam fazendo parte integrante dêste julgado, apurado às fls. 17. Custas de lei. Brasília, 12 de dezembro de 1963. - Cunha Vasconcellos, Pre- sidente; Henrique d'Ávila, Rela- tor. Relatório O Sr. Min. Henrique d'Ávila: - O ilustre advogado Dr. Os- waldo Trigueiro impetra a pre- sente ordem de habeas corpus em favor de Newton Luiz do Rêgo, condenado pelo Dr. Juiz da 4. a Vara Criminal do Estado da Guanabara à pena de dois anos de reclusão como incurso no art. 316, do Código Penal. Sus- tenta o impetrante que a prova que serviu de base à condenação do paciente era imprestável por- que resultou exclusivamente de in- quérito policial anterior, manda- do arquivar pelo Juízo da 8. a Vara Criminal, por falta de elementos capazes de autorizar a denúncia. Por isso, e consoante o disposto no art. 18, do Código Penal, o proce- dimento criminal poderia ser exumado se novas provas viessem a ser descobertas, porque as ante- riores foram havidas como inca-

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os Srs. Mins. Djalma da Cunha Mello, Cândido Lôbo, Oscar Sa­raiva, Armando Rollemberg e Hugo Auler votaram com o Sr. Min. Relator; no mérito os Srs. Mins. Djalma da Cunha Mello, Cândido Lôbo, Oscar Sa­raiva, Amarílio Benjamin, Arman-

do Rollemberg e Hugo Auler vo~ taram com o Sr. Min. Relator. O Sr. Min. Hugo Auler encon­tra-se como ocupante temporário da vaga ocorrida com a aposen­tadoria do Sr. Min. Aguiar Dias. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Cunha Vasconcellos.

HABEAS CORPUS N.O 1.162 - GB.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Henrique d'Ávila Paciente - Newton Luiz do Rego Impetrante - Oswaldo Trigueiro

Acórdão

Condenação. Prova. Sua imprestabilidade, por­que resultante de inquérito policial anteriormente arquivado por outra Vara. Habeas corpus. Sua con­cessão.

Vistos, relatados e discutidos ês­tes autos de Petição de Habeas Corpus n.o 1.162, do Estado da Guanabara, paciente Newton Luiz do Rêgo e impetrante Oswaldo Trigueiro.

Acorda, por unanimidade de vo­tos, o Tribunal Federal de Recur­sos, em sessão plena, conceder a ordem, conforme consta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o relatório, ficam fazendo parte integrante dêste julgado, apurado às fls. 17. Custas de lei.

Brasília, 12 de dezembro de 1963. - Cunha Vasconcellos, Pre­sidente; Henrique d'Ávila, Rela­tor.

Relatório

O Sr. Min. Henrique d'Ávila: - O ilustre advogado Dr. Os-

waldo Trigueiro impetra a pre­sente ordem de habeas corpus em favor de Newton Luiz do Rêgo, condenado pelo Dr. Juiz da 4.a Vara Criminal do Estado da Guanabara à pena de dois anos de reclusão como incurso no art. 316, do Código Penal. Sus­tenta o impetrante que a prova que serviu de base à condenação do paciente era imprestável por­que resultou exclusivamente de in­quérito policial anterior, manda­do arquivar pelo Juízo da 8.a Vara Criminal, por falta de elementos capazes de autorizar a denúncia. Por isso, e consoante o disposto no art. 18, do Código Penal, o proce­dimento criminal só poderia ser exumado se novas provas viessem a ser descobertas, porque as ante­riores foram havidas como inca-

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pazes de autorizar o chamamento a Juízo do paciente. O caso foi 0bjeto de pedido de Habeas Cor­pus anterior, o de n.O 1.102, dene­gado pelo Tribunal sob fundamen­to de que se tratava, na espécie, de questão exclusivamente de prova e, por isso, insusceptível de ser deslindada por via de habeas cor­pu~.

É o relatório.

Voto

o Sr. Min. Henrique d'Ávila: - Sr. Presidente, os fatos fo­ram muito bem expostos e equa­cionados da tribuna pelo no­bre e ilustre advogado. Em ver­dade, a Polícia cindiu o ato ha­vido como delituoso: lavrou, em primeiro lugar, um auto de fla­grante contra Salim Simão, que intitulando-se Fiscal do Trabalho, tentou extorquir do responsável pelo Estaleiro, sito à Av. Brasil, determinada quantia, para que êste não viesse a ser autuado e multado. Tal fato resultou ine­quívoco, e o réu foi devidamente autuado, e o respectivo processo veio a ser distribuído à 4.a

Vara Criminal. Concomitantemen­te, apurou-se em nôvo inquérito policial, em que se viu envol­vido o paciente, porque êste com­parecera perante o responsável pelo Estaleiro e fêz uma verifica­cão de livros e documentos, que ~ extorsão fôra promovida em con­junto. ítsse inquérito, todavia, veio a ser arquivado pelo Juiz da s.a Vara Criminal, sob o fun­damento de que não havia nêle elementos capazes para autorizar a denúncia. Resta, portanto, ape­nas, o processo aforado perante a 4.a Vara Criminal.

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o Dr. Juiz a quo, depois de encerrado o sumário, talvez por­que houvesse referências ao pa­ciente e não houvesse provas su­ficientes para a condenação, re­quisitou o inquérito que havia sido arquivado perante a s.a Vara Cri­minal, e foi com base nêle que an­gariou elementos para a condena­ção.

O primeiro Habeas Corpus, o de n.O 1.002, veio a ser denegado por êste Triburial, sob o funda­mento de que tratava-se de ques­tão exclusivamente de provas; considerou a prova como legítima e deixou de examiná-la, porque o habeas corpus evidentemente não se presta à análise objetiva da mesma; por isso, entendeu que só por via de apelação poderia afe­rir da culpabilidade ou não do pa­ciente.

Insiste-se, agora, no fundamen­to de que teria sido desrespeitado o contraditório, o que aliás já ha­via sido argüido anteriormente com a invocação do art. 18, do Có­digo de Processo Penal, que pres­creve que os inquéritos policiais arquivados só podem ser trazidos a lume quando o advento de no­vas provas o justifiquem. Quando do julgamento do habeas corpus anterior, votei no sentido de in­deferir a ordem, porque não me detive atentamente no exame da hipótese controvertida. Convenci­-me, todavia, que a condenação do paciente não deve subsistir, por­que, em verdade, o de que trata é de ilegalidade de prova, e não da aferição de sua maior ou me­nor valia.

Inquinou-se a mesma de impres­tável, porque resultou, exclusiva­mente, de inquérito policial arqui-

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vado por outra Vara; e, na reali­dade, a afirmação é verdadeira.

Assim sendo, parece-me que é de se conceder a ordem para ali­viar o paciente da condenação que lhe foi imposta.

Voto

O Sr. Min. Cândido Lôbo: - O Juiz não pode fazer uma conde­nação, baseada esta num proces­so que não estava sob sua juris­dição, porque não o tinha man­dado pedir apenas para apreciar, mas, mesmo isso possível, êsse pro­cesso foi arquivado, o que com­provou que não havia nenhuma prova contra êste homem, ao con­trário, êste processo só poderia concorrer para a absolvição e não para a condenação.

Portanto, concedo a ordem com o Sr. Min. Relator.

Voto

O Sr. Min. Godoy Ilha: - No julgamento anterior, fui voto ven­cido. Concedi a ordem precisa­mente por êsse fundamento, de que não se pode basear a conde­nação em elementos apurados em inquérito policial arquivado a re­querimento do Ministério Públi­co. Procede, sem dúvida, o nôvo argumento trazido pelo impetran­te de que se suprimiu o contra­ditório. Invocou-se a prova cons­tante dêsse inquérito arquivado, sem que a defesa fôsse ouvida e, com isso, agravou-se uma garan­tia constitucional assegurada à de­fesa. Portanto, concedo a ordem.

Voto

O Sr. Min. Osca,r Saraiva: - O Regimento do Tribunal, no seu art. 107, em se tratando de rei-

teração de pedido de mandado de segurança, diz o seguinte: (lê). Faço essa ressalva porque na úl­tima assentada repeli uma reite­ração de pedido de mandado de segurança, mas entendo que o pre­sente caso é relevante e, portan­to, calcado no preceito regimen­tal, conheço do pedido. Também o defiro, porque, no caso, da vez anterior, minha manifestação fôra favorável. Acentuo que não se trata de apreciação do valor de prova, mas de uma trazida, aos autos, de elementos probatórios espúrios, que não poderiam ser­vir como tal. E isso por duas ra­zões: primeiro, porque se tratava de autos apensos que foram pedi­dos ao Dl'. Juiz da Vara para um esclarecimento pessoal; segundo, porque nestes autos apensos, o in­quérito fôra repelido e não houve denúncia, mas houve arquivamen­to do processo. De sorte que, o Dr. Juiz constituiu-se em instân­cia revisora de seu colega, profe­rindo julgado condenatório, quan­do o seu colega havia mandado ar­quivar' a denúncia.

Há, realmente, uma situação anômala justificativa do habeas corpus. É que não se trata de va­lorização de prova, mas de repe­lir uma anomalia processual que veio ao conhecimento do Tribunal. Acredito mesmo que é um caso ímpar; não creio que haja na ju­risprudência outro exemplo de caso semelhante.

Portanto, nesta hipótese, a con­cessão do habeas corpus tem ple­na justificativa, e assim acompa­nho o Sr. Min. Relator.

Voto

O Sr. Min. Aguiar Dias: - Tam­bém conheço, nos têrmos do voto

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do Sr. Min. Oscar Saraiva. Não participei do julgamento anterior, mas não me impressiona, de ma­neira nenhuma, a invocação ao princípio da avaliação da prova. É precisamente o princípio da li­berdade de apreciação de prova que impede o Dr. Juiz de reava­liar a prova, já avaliada por seu colega, a não ser erigindo-se em instância revisora, o que absolu­tamente não é possível.

Conforme salientou o Sr. Min. Oscar Saraiva, não se trata disso, mas, apenas, de prova impúria. Não fôsse o propósito, que se im­pôs, na atual conjuntura brasi­leira, de não botar mais óleo na fogueira, eu seria mais enérgico

em relação ao Dr. Juiz a quo. O que S. Ex.a fêz foi um abuso inqualificável, que não pode ficar sem um registro.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Por unanimidade, concederam a ordem. Não tomou parte no julgamento o Sr. Min. Djalma da Cunha Mello. Os Srs. Mins. Cândido Lôbo, Go­doy Ilha, Oscar Saraiva, Amarílio Benjamin, Aguiar Dias e Arman­do Rollemberg acompanharam o Sr. Min. Relator. Presidiu o jul­gamento o Sr. Min. Cunha Vas­concellos.

HABEAS CORPUS N.O 1.233 - DF.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Amarílio Benjamin Paciente - Joseph Philipe Impetrante - José Bonüácio Diniz de AndradA. e outros

Acórdão

Habeas corpus contra o processo criminal. Dene­gação do pedido por ocorrer "justa causa".

Metais preciosos em barras. Platina. Saida para o exterior. Verificação de contra bando.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Petição de Habeas Corpus n.o 1.233, do Distrito Fe­deral, em que são partes as acima indicadas:

Acorda o Tribunal Federal de Recursos, em sessão plena, por maioria de votos, em denegar a ordem, tudo conforme consta das notas taquigráficas precedentes, que ficam fazendo parte integrante

do presente julgado. Custas de lei.

Brasília, 14 de setembro de 1964. - Henrique d'Ávila, Pre­sidente; Amarílio Benjamin, Rela­tor.

Relatório

O Sr. Min. Amarílio Benjamin: - Requerem os advogados José Bonifácio Diniz de Andrada, Pau­lo Maia e Eduardo Nogueira de Sá, a presente ordem de H arbeas

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Corpus em favor de J oseph Phi­lipe, que está sendo processado no Juízo de Direito da 2.a Vara Cri­minal do Estado da Guanabara, como incurso no art. 334, § 2.", combinado com o art. 12, item lI, do Código Penal.

Alegam falta de justa causa, pois que, estando atribuída ao pa­ciente a tentativa de contraban­do, ao pretender levar para o ex­terior, 23 quilos e 605 gramas de platina, em barras, não existe proi­bição de exportar o referido me­tal, embora o ato dependa de li­cença de órgão específico da Ad­ministração.

Tomei as informações de lei. Trago hoje o caso a julgamento.

É o relatório.

Voto

O Sr. Min. Amarílio Benjamin: - A matéria não deixa de ser simples; pede, porém, levantamen­to das normas que podem ser in­vocadas, a partir de certa data, para esclarecer a controvérsia e permitir seguro julgamento.

A Consolidação das Leis Penais, de Piragibe, em vigor desde 1932, dezembro, possuía disposição ex­pressa:

Art. 265 - § 1.° - É também considerado contrabando: d) -exportar ouro, prata, níquel, co­bre, bronze e outros metais amoe­dados ou em barras e em artefa­tos.

De fato, lei anterior, por sinal orçamentária, registrou a proibi­ção (Lei n.o 4.440 de 31 de de­zembro de 1941, art. 56). Tal dispositivo, porém, so.freu modifi­cação em 1933, com a Lei n.o 23.258 de 19 de outubro. A nova disciplina revogou o art. 56 há pouco mencionado, proi-

biu a exportação dos metais pre­ciosos em bruto ou nativos, sub­meteu a exportação de metais dessa qualidade à prévia autoriza­biu a exportação dos metais pre­juízo das sanções do Código Pe­nal, art. 265, para os metais ex­portados clandestinamente, em 10 vêzes o respectivo valor da multa a ser aplicada ao infrator, junta­mente com a perda dos volumes.

Em 1941, o Dec.lei 3.0.32, de 7 de fevereiro submeteu à licen­ça prévia, salvo para a América, os produtos manufaturados e ma­térias-primas do grupo da plati­na, entre outros metais. Logo adi­ante, em março, o. Dec.1ei 3.097 disse que continuava proibida a exportação de metais preciosos, em bruto ou nativos, amoedados, em barra ou em artefatos; e man­teve, ao lado de outras restrições, o Dec. 23.258. O Dec.1ei 3.206 de 22 de abril de 1941 generali­zou o regime de licença, não obs­tante concedesse ao Ministro da Fazenda o poder de excluir qual­quer metal. Surgiu em 1946, a 12 de março, o Dec.1ei 9.052, que subordina à licença prévia da CEXIM a exportação de artefa­tos dos metais preciosos mencio­nados pelo Dec.1ei n.o 3.097. Che­ga-se, por fim, ao sistema da SUMOC e da CACEX, esquema­tizado na conformidade das Leis e Decretos: 1. 807 e 32.285; 2.145; 34.893; e 42.800, que abrangem 1953, 1954 e 1957. De modo geral, as >exportações são controladas pelo Govêrno, poden­do a CACEX denegá-las por um dos motivos de ordem superior, enumerados expressamente no re­gulamento. Há ainda, em relação ao tema focalizado, diversos atos da Administração, por intermédio

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dos órgãos próprios, como sejam: Instrução n.O 27, da SUMOC, de 4-12-48, proibindo a exportação de ouro moeda, em barras ou em artefatos, na forma do Dec. n.o 23.258, arts. 5.° e 7.°.

Comunicado n.o 143, de 24-8-62, da CACEX, tornando público que de acôrdo com a SUMOC conce­derá licença para exportação de artefatos de ouro, prata e outros metais preciosos.

Circular n.o 293, de 13-3-63, da FIBAN, reiterando a proibição de exportar-se ouro e outros metais precisosos, em moeda ou em bar­ras, segundo a Instrução n.O 27, da SUMOC (item 15; e Circular n.o 300, de 16-1-64, da FIBAN, no mesmo sentido da Cir­cular n.o 293, mas esclarecendo a permissão para a saída de artefa­tos, desde que a CACEX consigne na licença prévia a obrigatorieda­de da venda do câmbio ao Ban­co do Brasil.

Dispõe o Código Penal vigente: Art. 334 - Importar ou expor­

tar mercadorias proibidas ou ilu­dir, no todo ou em parte, o paga­mento de direito ou impâsto de­vido, pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria.

Pena - reclusão de um a qua­tro anos. Pergunta-se, em face dêsse preceito, se havia base para a denúncia do paciente, como au­tor de tentativa de contrabando, uma vez que o Código de Proces­so Penal, art. 43, não admite a ação se o fato imputado ao réu, evidentemente, não constituir cri­me. Na hipótese, cabe ressaltar que a legislação anterior não está incompatibilizada com o Código Penal, por se tratar de norma pe­nal em branco, no detalhe, que

o Poder Público pode preencher, mantendo a antiga orientação ou editando nôvo critério.

A par disso, Nelson Hungria, salientando que OI Código abando­nou o casuísmo da Consolidação, para preferir a remissão sumária à legislação específica estão vi­gente e que não ficava revogada, art. 334, § 1.0, b (incorre na mes­ma pena quem pratica fato assi­milado em lei especial a contra­bando ou descaminho) admite a validade de vários textos que an­tecederam ao Código, inclusive a lei de 1921, já mencionada, e proi­bitiva da exportação de metais preciosos.

Entretanto, dê-se às velhas nor­mas caráter tão-só de precedentes ou mera instrução. É verdade que posta a matéria diante, apenas, do Código, os impetrantes, por enten­derem que mercadoria proibida, seja em têrmos absolutos ou re­lativos, exige ato expresso de ca­racterização, negam que a plati­na apreendida no aeroporto, na bagagem do paciente, fôsse mer­cadoria daquela condição, como também impugnam o juízo de que a falta de licença prévia resulte na proibição. Não obstante, e data venia, os requerentes não situam bem o caso dos autos. Primeiro, em 26 de novembro de 1963, data da ocorrência, havia uma conduta administrativa definida quanto à proibição de saída, para o exte­rior, de metais preciosos, em moe­da ou em barra; e ao licenciamen­to prévio, em se tratando de ar­tefatos.

O Comunicado. n.o 143, da CACEX, com apoio em autoriza­ção da SUMOC, de 29 de dezem­bro de 1961, é de 24 de agôsto de

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1962; e a Circular n.O 293, da FIBAN, é de 13 de março de 1963. Tais atos estão em harmonia com a Lei 2.145, de dezembro de 1953, que submete a exportação à li­cença e autoriza a CACEX de­negá-la, quando, entre outras ra­zões, o exigirem os interêsses de segurança nacional e a necessida­de de suprimento do mercado in­terno, art. 2.°, n.O I e seu Regula­mento-Decreto 34 .893, bem assim o Regulamento-Geral - Decreto 42.820, arts. 17 e 39, respectiva­mente. Segundo, a lei não impede que a Administração fixe proibi­ções genéricas ou decida em caso concreto. Quando assim não fôsse, ainda a figura delituosa estaria de­lineada, sob duplo aspecto. Tanto faz dar saída à mercadoria proi­bida, como à mercadoria, que de­penda de licença, sem que a for­malidade esteja cumprida.

Aliás, em ligeiro exame nas co­letâneas de julgados encontrei uma decisão do Rio Grande do Sul -Rev. For. voI. 108-566; e outra do Supremo Tribunal Federal Rev. For. voI. 109-173, ambas pro­clamando que considera-se proi­bida a exportação de mercadoria sujeita a contrôle.

Cuidar-se-ia igualmente de con­trabando no sentido estrito. De contrabando, na acepção de frau­de fiscal ou descaminho, ao gôs­to dos diferenciadores, ter-se-ia na exportação, remessa ou saída da mercadoria sem ° pagamento das imposições ou direitos devidos, dada a omissão de licença, sôbre a qual pesa a taxa de emissão de 0,1 %, a que se refere o art. 97 do Dec. 42.820. Fora o prejuízo do marcado cambial. Eis porque indefiro o pedido.

Voto

o Sr. Min. Colombo Cerqueira: - Prefiro logo emitir o meu voto denegando a ordem, acompanhan­do eminente Relator, com quem estou inteiramente de côrdo.

Voto

o Sr. Min. Godoy llha: -Sr. Presidente, data venia do eminente Sr. Min. Armando Rol­lemberg, não poderei aguardar o voto de S. Ex.a, com a contribui­ção preciosa que certamente tra­rá ao deslinde da questão, porque tenho necessidade de me ausen­tar da Capital, e não quero pri­var o Tribunal de ouvir o meu desvalioso pronunciamento.

O voto que acabou de profe­rir o eminente Min. Relator, sem dúvida, contém elementos precio­sos e altamente valiosos para o exame da questão ora posta ao nosso julgamento.

Todavia, por mais brilhante que tenham sido as considerações de S. Ex.a, detive-me na consideração de que, mesmo não havendo proi­bição da exportação, a dependên­cia da saída da mercadoria do país dependia . de licença prévia ao órgão controlador do comércio exterior, a CACEX.

Entretanto, não se trata de mer­cadoria proibida, e exige-se ape­nas o respeito e a observância à fiscalização que exerce aquêle ór­gão sôbre o nosso comércio exte­rior, quer seja sôbre exportação, quer seja sôbre a importação. Mas, quando se trata de mercadoria proibida à exportação, cuida-se da produzida no país. Sôbre esta é que tem a administração o poder de controlar a sua saída do país,

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e, por issso, então, dtou S. Ex.a, o Relator, diversos dispositivos le­gais, alguns já superados pela le­gislação vigente, como o da ex­portação do ouro, de metais pre­ciosos etc., pôsto que mercadoria produzida no país, dado o inte­rêsse da Administração, atenden­do aos fatôres econômicos de de­terminada conjuntura, como se procede até com produtos menos valiosos, como o feijão, o arroz, a carne, que, em determinado mo­mento, têm proibida a sua saída do país.

No caso sub judice trata-se como verifiquei dos autos de mer­cadoria importada pelo paciente - e importada regularmente -que transitou pela aduana e pa­gou os impostos de importação que nela incidiam.

Portanto, não se tratando de mercadoria produzida no país, não podia estar compreendida na proi­bição. Mas. S. Ex. a invocou a Ins­trução n.O 27, da SUMO C, e esta alude, exclusivamente, ao ouro, e não se refere a outros metais pre­ciosos, como seja a platina. Não se tratam, ademais, de artefatos, pela industrialização da matéria­prima do país.

Em tais condições, não se tra­tando de mercadoria proibida, mas apenas sujeita ao contrôle admi­nistrativo e ao registro estatístico que é uma das finalidades da guia de exportação, finalidade eminen­temente estatística, não tenho como caracterizado o delito pre­visto no art. 334 do Código Pe­nal, ou seja, o contrabando ou o descaminho. Quando muito, pode­ríamos considerar infração de or­dem fiscal, mesmo porque contra­bando não chegou a se consumar. Há autores eminentes que susten-

tam a impossibilidade da tenta­tiva no crime de contrabando, que é crime formal, ou se realiza ou não se realiza. Há divergência na doutrina. Acolho, todavia, êsse en­tendimento.

Não há, em tema de contra­bando, a figura da tentativa.

Em suma, quando se tratasse de infração à legislação cambial e a que controla o comércio exterior, quando muito seria de ordem fis­cal, sujeita à sanção respectiva e nunca à sanção penal.

Sr. Presidente, a improvisação dês te voto impede-me de trazer outros argumentos a fim de for­talecer a tese sustentada com tan­to brilho pelo patrono do pacien­te. Os meus Colegas suprirão essas deficiências. Estou sinceramente convencido de que não está ca­racterizado o crime de contraban­do. Concedo a ordem.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Depois dos votos dos Srs. Mins. Relator e Colombo Cerqueira, indeferindo a ordem, e do Sr. Min. Godoy Ilha conceden­do a mesma, pediu vista ao Sr. Min. Armando Rollemberg, aguar­dando os Srs. Min. Hugo Auler e Oscar Saraiva. Os Srs. Mins. Djal­ma da Cunha Mello e Cândido Lôbo não compareceram, por mo­tivo justificado. O Sr. Min. Hugo Auler encontra-se como ocupante temporário da vaga ocorrida com a aposentadoria do Sr. Min. Aguiar Dias; e o Sr. Min. Colom­bo Cerqueira substitui o Sr. Min. Henrique d' Ávila que ocupa a Pre­sidência do Tribunal. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Henrique d'Ávila.

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Voto

o Sr. Min. Armando Rollem­berg: - 1 - O Código Penal, no art. 334, conceitua como contra­bando a importação ou exportação de mercadoria proibida.

Comentando tal disposição, es­clarece Nelson Hungria: "Merca­doria proibida se diz não só a que o é em si mesma (proibição abso­luta), como a que o é apenas em determinadas circunstâncias (proi­bição relativa).

2 ~ Em tôrno da conceituação do que seja proibição absoluta e proibição relativa travou-se neste Tribunal, na última assentada de julgamento, lúcido debate para o qual, embora sem a pretensão de acrescer esclarecimentos, vimos trazer a nossa opinião.

3 - No que tange ao concei­to de proibição absoluta, embora, ao que nos parece, hajam todos concordado que é aquela resultan­te de norma legal imperativa, dis­cordou-se quanto ao alcance da Lei 2.145, de 29-12-53. Enquanto o eminente Sr. Min. Amarílio Benjamin sustentou que da vigên­cia de tal diploma legal não re­sultou a revogação de proibições, porventura estabelecidas em leis anteriores, o brilhante advogado do paciente defendeu a tese de que, se por aquela lei fôra regu­lada inteiramente a matéria rela­tiva à importação e exportação de mercadorias, implicitamente dei­xara de ter vigor a legislação an­tecedente respectiva.

Tenho em que, neste aspecto, a razão está com o Sr. Min. Rela­tor. Quando o legislador, através da Lei 2.145, ditou normas regu­ladoras do intercâmbio comercial

com o exterior, admitiu, como não poderia deixar de acontecer, que tal intercâmbio se deveria restrin­gir às mercadorias cuja impor­tação ou exportação não fôsse proibida de forma absoluta, pois, neste caso, estariam elas fora do comércio. Não interferiu, assim, a lei citada nas proibições totais porventura existentes.

4 - Já em relação ao que se deva entender como mercadoria cuja exportação é relativamente proibida, a discordância, salvo en­gano, reside em que, enquanto para o Relator da ordem de ha­beas corpus basta para configurar a proibição o fato da necessidade de prévia licença do órgão com­petente, para o requerente da or­dem é necessária que haja norma expressa, estabelecendo que, em atenção a certas circunstâncias do momento, a exportação é proibida.

Inclino-me, neste passo, em fa­VOl' do entendimento defendido pelo advogado. Entendo que a simples ausência de licença pré­via não torna proibida a exporta­ção da mercadoria, e sim impos­sibilita-a, por desatender formali­dade essencial.

Afasto-me, entretanto, do ilus­tre causídico quando sustenta que, para caracterizar a proibição re­lativa da exportação de determi­nada mercadoria é necessário tex­to expresso de lei, no qual venha estabelecida a vedação face a cir­cinstâncias especiais.

O Dec. 42.820, de 16 de de­zembro de 1957, que regulamenta a execução das Leis 1.807, 2. 145 e 3.244, em seu art. 39 dispõe: "A exportação de mercadorias para o exterior, à exceção do café, é subordinada ao licenciamento

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prevlO da Carteira de Comércio Exterior, que não o concederá nos seguintes casos: a) quando o exi­girem os interêsses da segurança nacional; b) quando o pagamento deve ser feito em moeda não ar­bitrável, cuja aceitação seja con­siderada inconveniente pela Car­teira de Câmbio do Banco do Bra­sil S. A; c) quando a garantia de suprimento do mercado interno aconselhar a formação de esto­ques; d) quando necessário à exe­cução de obrigações decorren­tes de acôrdos internacionais; e) quando o pedido de licença contiver declaração falsa ou ine­xata".

Através de tal regra legal fle­xível, atribuiu-se à CACEX com­petência para, atendendo às cir­cunstâncias indicadas nas letras a a d, estabelecer a vedação da ex­portação de determinadas merca­dorias. Em relação a estas a licen­ça não poderá ser concedida, sen­do a respectiva exportação, por­tanto, proibida.

5 - Assim, no regime legal vi­gente, há de se considerar mer­cadoria de exportação proibida: a) aquela a que referia, de forma expressa, texto legal (proibição absoluta); b) a que, atendendo às circunstâncias mencionadas no ar­tigo 37 do Dec. 42.820, letras a e d, assim fôr considerada pela CACEX, através de ato próprio (proibição relativa).

6 - No caso de que nos ocupa­mos, o paciente está acusado de contrabando por ter sido surpre­endido quando procurava exportar platina em barras para o exterior, e se alega em seu favor que tal mercadoria não é daquelas cuja exportação é proibida.

Em seu minucioso e bem cui­dado voto, o ilustre Relator do processo fêz detido exame da le­gislação vigente, e concluiu que haveria vedação expressa de ex­portação de platina em barras, portanto, proibição absoluta.

Mesmo admitido, contudo, que tal legislação não fôsse vigente, ter-se-ia que concluir haver proi­bição relativa. A CACEX, através do Comunicado 143, esclareceu que, a partir de 29-12-61, conce­deria licenças para a exportação de artefatos de ouro, prata e ou­tros metais preciosos, do que se há de deduzir, levando em conta especialmente a legislação relati­va a ouro, cuja produção é tôda adquirida obrigatoriamente pelo Banco do Brasil (Dec. 24.195, de 4-5-34) que não seria dada licen­ça para a exportação dos mesmos metais em barras, tanto mais quanto, tratando-se de habeas COT­

pus, seria essencial a prova da ocorrência de ilegalidade ou abu­so do poder.

Para contestar tal dedução, ne­cessário seria que viesse indica­do pelo requerente ato da CACEX estabelecendo a possibilidade da aludida exportação, ou conceden­do licença, em caso concreto, para a mesma.

7 - Cabe-nos acentuar que não encontramos obstáculos à conclu­são. a que chegamos na objeção suscitada em seu voto pelo Sr. Min. Godoy Ilha, firmada na ale­gação de que o contrôle da ex­portação somente se dirige a mer­cadorias produzidas no Brasil.

Uma vez importada, com o dis­pêndio das divisas corresponden­tes, as mercadorias de procedên-

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cia estrangeira incorporam-se à ri­queza nacional, e sôbre elas apli­cam-se os mesmos critérios de con­veniência para a proibição de ex­portação adotados em relação ao produto nacional.

Para se aferir a justeza dessa conclusão nossa bastada imaginar a hipótese da importação de ma­téria de importância excepcional para a segurança do País, de alto custo, e em relação à qual, após importada, não pudéssemos vedar a exportação. Seria inadmissível.

8 - Concluindo êste voto, não nos podemos furtar a acentuar, como aliás fêz o representante do Ministério Público, que apresen­tou a denúncia, a estranheza que causa ter o paciente, presidente de duas firmas exportadoras, deixa­do de requerer licença para expor­tar mercadoria que não estava su­jeita ao pagamento de tributo, e não se incluía entre aquelas proi­bidas.

Curioso também, por pouco ex­plicável, é o fato de tentar o pa­ciente exportar para a Alemanha (Frankfurt), em 26 de novembro de 1963, mercadoria no mesmo es­tado em que fôra importada, da mesma Alemanha (Dusseldorf), 11 dias antes, isto é, 15 de novem­bro do mesmo ano.

Para o Brasil ficaria o prejuí­zo das divisas empregadas na com­pra.

9 - As razões expostas impõe­nos a denegação da ordem.

Voto

o Sr. Min. Hugo Auler: - Sr. Presidente, acompanho o Sr. Min. Relator, denegando a ordem, não

só pelos fundamentos expostos por S. Ex.a por ocasião do julga­mento, na sessão anterior, como também por êsses outros funda­mentos, neste momento apresen­tados pelo Sr . Min. Armando Rollemberg, os quais adoto no proferimento do meu voto, como razões de decidir no sentido da denegação do presente writ.

Voto (Vencido)

o Sr. Min. Oscar Saraiva: Sr. Presidente, a matéria, prà­ticamente, já teve desfêcho com o pronunciamento da maioria, de sorte que meu voto é apenas com­plementar, e isto me confere maior liberdade, para entrar em terreno mais teórico, mas que reputo ne­cessário, sobretudo para a consi­deração futura'do legislador e por­que, como vimos, a matéria é es­cassamente tratada pelos autores, limitando-se, quase, ao trabalho clássico do eminente Nelson Hun­gria.

Sr. Presidente, vimos nesta as­sentada e no brilhante voto do Min. Armando Rollemberg, as dis­tinções entre a proibição absoluta e a proibição relativa, e o Sr. Min. Amarílio Benjamin, na primeira assentada fêz estudos e levanta­mentos percuncientes e meritórios de tôda a legislação em causa. Tais pronunciamentos levam-me à conclusão de que não se trata, no caso, de proibição absoluta, mas proibição relativa, que advém de instruções expedidas no âmbito do Poder Executivo, em seu sentido estrito, derivando de atos da pró­pria Administração. Ora, devemos considerar um preceito básico de Direito Penal, que informa não

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só o nosso direito brasileiro, mas tôda a legislação penal: Nulla poena sine praevia lege penale. Aquilo que é proibido e, a meu ver, conduz à qualificação de um crime, deve ser proibido por lei.

Reconheço que as necessidades fiscais e aduaneiras levam o go­vêrno a esta decretação extrale­gislativa, isto é, a classificação de atos, que deveria caber ao pró. prio legislador. Defendi com em­penho neste Tribunal, e, na pri­meira vez, tese que depois aqui repercutiu e foi acolhida pelo Egrégio Supremo Tribunal Fe­deral, quando se discutiu sôbre a possibilidade das alterações das alíquotas do impôsto de importa­ção. Mas aí se tratava de matéria fiscal de alcance financeiro. Repu­to, Sr. Presidente, do maior peri­go para a liberdade individual, a possibilidade da administração es­tabelecer regras cujas infrações correspondam, no plano do direi­to, a uma infração criminal. Esta­ríamos aí ante o estabelecimento de fatos declarados criminosos, apenas pela declaração da admi­nistração, e não por meio da lei e nem sequer de decreto, mas me­diante portaria, com o grave in­conveniente de que a presunção do conhecimento da portaria não pode ser ampla quanto o é a pre­sunção do conhecimento da lei. Seria possível mesmo, e no que toca à política comercial exterior, que seja de graves conseqüências para qualquer estrangeiro pene­trar em território nacional, afron­tando portarias proibitivas ignora­das, com o risco de infringir le-

gislação criminal. De sorte que, situando-me nesse plano teórico, entendo que o processo penal deve ter por base, unicamente, a infra­ção de uma lei penal, e que lei pe­nal se deve entender por texto legislativo proibitivo. Tudo o mais poderá ser infração fiscal. De qual­quer maneira, meu voto é para de­ferir a ordem e trancar o proces­so criminal, sem prejuízo dos pro­cessos aduaneiros que possam ad­vir da infração aduaneira, e das suas conseqüências fiscais, inclusi­ve a própria perda da mercadoria; não, porém, o processo penal com pena privativa da liberdade indi­vidual.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Prosseguindo-se no julgamento, denegou-se a orden!, vencidos os Srs. Mins. Godoy Ilha e Oscar Saraiva. Os Srs. Mins. Ar­mando Rollemberg, Hugo Auler e Colombo Cerque ira votaram com o Sr. Min. Relator. O Sr. Min. Hugo Auler encontra-se como ocupante temporário da vaga ocorrida com a aposentadoria do Sr. Min. Aguiar Dias; e o Sr. Min. Colombo Cerqueira substi­tui o Sr. Min. Henrique d' A vila que ocupa a Presidência do Tri­bunal. Não compareceram, por motivo justificado, os Srs. Mins. Djalma da Cunha Mello e Cândi­do Lôbo; e, por se achar licencia­do, o Sr. Min. Cunha Vascon­cellos. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Henrique d'Avila.

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HABEAS CORPUS N.o 1.266 - DF.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Antônio N eder Paciente - Alvimar Martins de Brito e Silva Impetrante - Mário Rodrigues de Vasconcellos Filho

Acórdão

Habeas corpus. Condenado o paciente como au­tor do crime de peculato (C.P., art. 312), e pr&so por causa da condenação, não há como argüir de ilegal essa prisão, ainda que não configure tIpica­mente ° peculato, desde que, no caso, seja indicada e justa a desclassificação para outro crime que ne­cessàriamente importe na sua prisão. Denegação unílnime do pedido.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de habeas corpus n.o 1.266, do Distrito Federal, em que são partes as acima indicadas:

Acorda o Tribunal Federal de Recursos, em sessão plena, por unanimidade, em denegar a or­dem, tudo conforme consta das notas taquigráficas precedentes, que ficam fazendo parte integran­te do presente julgado. Custas de lei.

Brasília, 16 de novembro de 1964. - Cunha Vasconcellos Fi­lho, Presidente; Antônio Neder, Relator.

Relatório

o Sr. Min. Antônio Neder: -Sr. Presidente, o Dl'. Mário Ro­drigues de Vasconcellos Filho re­quer habeas corpus em favor de Alvimar Martins de Brito e Silva, o qual, segundo entendimento de S. Ex.a, está sofrendo constrangi­mento ilegal advindo de senten­ça do Dl'. Juiz de Direito da 24.a

Vara Criminal da Justiça do Es­tado da Guanabara.

O fato e o direito são invoca­dos na petição inicial, que tem o teor seguinte: "O advogado Mário Rodrigues de Vasconcellos Filho inscrito na respectiva Ordem, Sec­ção da Guanabara, sob o n.o

3.876, vem impetrar ordem de habeas corpus em favor de Alvi­mar Martins de Brito e Silva, bra­sileiro, desquitado, residente à Avenida Copacabana n.O 6, na CI­

dade do Rio de Janeiro, que se acha sofrendo constrangimento ilegal em virtude de decisão pro­ferida pelo MM. Juiz da 24.a Vara Criminal, pelos fatos e fundamen­tos seguintes:

I - O Fato. O ora paciente, Alvimar Mar­

tins de Brito e Silva, era escre­vente da 4.a Vara da Fazenda PÚ­blica, no Estado da Guanabara. A seu encargo, entre outros, estava um processo de executivo fiscal movido pela União à firma Torto­ra Importação e Exportação Ltda. no valor de Cr$ 1.258.301 se gundo o cálculo procedido em 30 de novembro de 1959, mas sujei­to à atualização (doc. anexo -fls. 8, v.).

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Embora distribuído àquela Vara da Fazenda Pública, o devedor ainda não fôra citado (doc. ane­xo - fls. 7, v.). Um dos interes­sados da firma devedora, saben­do da existência do aludido exe­cutivo fiscal, procurou o paciente no cartório daquele ofício e as­sentou com o mesmo a entrega da importância do executivo (doe. anexo - fls. 2), até a liquidação total da dívida proveniente daque­le executivo fiscal, quando, então, exigia o competente recibo de qui­tação e a baixa na distribuição. Em razão disso, o Paciente rece­beu pagamentos parcelados que totalizaram Cr$ 550.000 (doc. anexo - fls. 7, v.), menos de me­tade da dívida - e a cada pa­gamento fornecia o paciente, ao representante da firma devedora, um simples comprovante do rece­bimento.

Em outubro de 1963 o paciente exonerou-se de suas funções na­quele cartório, tendo mais tarde, e porque não pretendesse receber ditos pagamentos parcelados, mes­mo porque não se encontrava vin­culado àquela Vara, procurando o representante da mencionada fir­ma, e, então, devolveu todo o di­nheiro recebido, conforme se ve­rifica pela certidão anexa, a fô­lhas 7 verso, quando o próprio responsável declara que foi reem­bolsado da importância de ..... Cr$ 550.000; no entanto, en­tre a data de sua exoneração e o encontro com o representante da firma transcorreram alguns dias, e êste, indo ao cartório à procura do paciente, e não mais o encon­trando, procurou informar-se de como poderia prosseguir nos pa­gamentos parcelados que vinha efetuando, resultando daí tôda a

celeuma. Em razão disso, foi o paciente denunciado como incurso nas penas do art. 312 do Código Penal (doc. anexo - fls. 1 verso), processado, e finalmente condena­do à pena de dois anos de reclu­são e multa de Cr$ 5 .0.00, bem como ao pagamento das taxas ju­diciárias e penitenciária, nos valô­res respectivos de Cr$ 1.000 e Cr$ 100, além das custas proces­suais (doc. anexo fls. 10 verso).

Está o paciente, atualmente, re­colhido prêso ao Presídio do Esta­do da Guanabara;

II - O Direito. Foi o paciente denunciado, pro­

cessado e julgado como tendo in­corrido nas penas do art. 312 do Código Penal, que trata do crime de peculato. No entanto, no pro­cesso a que responde nada há que se possa dizer ter havido o delito de peculato: na verdade, diz o art. 312 do Código Penal: "Apro­priar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tenha a posse em razão de cargo, oU desviá-lo em proveito próprio". Como é sabido, êsse ar­tigo da legislação penal está en­quadrado no Título XI, que es­clarece ''Dos crimes contra a Ad­ministração Pública" e, particular­mente, no Capítulo I, que abran­ge: "Dos Crimes Praticados por Funcionário Público Contra a Administração em Geral".

Dessa maneira, para que haja a configuração do crime de pe­culato, há a necessidade imperio­sa de a administração pública ter figurado como lesada, o que, evi­dentemente, implica na existência de dois agentes - o ativo e o pas­sivo - que, na espécie, são o fun-

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cionano público, de um lado, e o Estado, do outro. Já no peculato­malversação, além do sujeito pas­sivo (Estado), há, também, o par­ticular a quem pertence a coisa ou o dinheiro, mas, seja como fôr, o Estado continua existindo como sujeito passivo, porque, se assim não fôsse, não seria isso um cri­me praticado contra a adminis­tração pública.

Assim, em qualquer das hipóte­ses, peculato ou peculato-malver­sação, há a obrigatoriedade de o Estado estar presente como sujei­to passivo, sem o que, como é óbvio, não haveria delito de pe­culato previsto do art. 312 do Có­digo Penal.

Ora, nenhum crime foi pratica­do contra a administração públi­ca, ou melhor, não houve qual­quer dano à Fazenda Nacional.

Outro tanto, a definição clássi­ca de peculato, na palavra autori­zada de Nelson Hungria, fortale­ce ainda mais a tese aqui defen­dida: "O fato do funcionário pú­blico que, tendo em razão do car­go, a posse da coisa móvel per­tencente à administração pública ou sob a guarda desta (a qual­quer título), dela se apropria, ou a distrai de seu destino, em pro­veito próprio ou de outrem" (Co­mentários ao Código Penal, volu­me IX, pág. 334).

Então, como mais um elemen­to caracterizador do crime de pe­culato, há a imperiosidade de que o funcionário público tenha a pos­se da coisa móvel (dinheiro, no caso) pertencente à administração pública! Mas o paciente não es­tava de posse de qualquer bem ou coisa pertencente ao Estado e, conseqüentemente, não há como

se possa qualificar de peculato a ação do mesmo paciente!

Por falta, portanto, de todos os elementos essenciais à existência do crime de peculato, não pode­ria o paciente ser denunciado, processado e julgado por um cri­me que não cometeu! Inexiste, pois, a justa, causa para o proces­samento e julgamento do pa­ciente! In veritas, diz o Dr. Pro­motor Público junto àquela Vara Criminal: " ... vem, perante V. Ex.a, dar denúncia contra Alvi­mar Martins de Brito e Silva - fls. 16 porque em 19-8-60 re­cebeu Cr$ 50.000; em 20-7-60 recebeu Cr$ 50.000; em 23-10.-60 recebeu Cr$ 50.000; em 5-5-63 re­cebeu Cr$ 50.000; em 18-5-63 recebeu Cr$ 50.000; em 10.-5-63 recebeu Cr$ 200.000; em 294-63 recebeu Cr$ 100.000, conforme se vê dos recibos existentes a fls. 6 a 12, como escrevente da 4.a Vara da Fazenda Pública - 1.0 Ofício - de cuja importância se apode­rou, não a recolhendo aos cofres públicos" (doc. anexo - fls. 11 verso) .

Ora, descrito o fato como o fêz o ilustrado representante do Mi­nistério Público, dá ao Julgador a idéia de que, na" verdade, houve o crime de peculato.

Mas a história é bem diversa, ou melhor, é diametralmente oposta à relatada pelo Dl'. Pro­motor Público, e isso por uma ra­zão muito simples: o paciente não recolheu as importâncias recebi­das aos cofres públicos porque não poderia fazê-lo.

O débito da devedora para com a Fazenda Nacional era e é na importância de Cr$ 1.258.301,

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segundo cálculo feito em 30 de no­vembro de 1959 e sujeito à atua­lização, como esclareceu a própria 4.a Vara da Fazenda Pública ao MM. Juiz da 24.a Vara Criminal, (doc. anexo - fls. 8 verso).

Por outro lado, por se tratar de um executivo fiscal, seu paga­mento só poderia ser realizado de uma só vez, não se admitindo, para a liquidação, qualquer mo­dalidade outra, mesmo o da amor­tização parcelada. E quem con­firma que tal modalidade de pa­gamento parcelado não era per­mitido é o MM. Juiz da 4.a Vara da Fazenda Pública. Assim, é que tendo a autoridade policial da De­legacia de Crimes contra a Fazen­da Nacional indagado no item 3 "se a referida dívida poderia ser amortizada parceladamente" (Doc. anexo - fls. 6 in fine e 7 verso), respondeu-lhe o MM. Juiz da 4.a Vara da Fazenda PÚ­blica, com base na informação do próprio escrivão:

"em resposta ao item 3: NÃO! (Doc. anexo - fls. 7, 6.a linha).

É a afirmação clara: o pacien­te não poderia recolher a impor­tância recebida - Cr$ 550.0.00 aos cofres públicos porque o que recebera fôra parcela da dívida e a dívida não poderia ser amorti­zada parceladamente!

O dinheiro então recebido -apenas Cr$ 550.000, era uma parte do todo, e dado que não po­deria haver amortizações parcela­das, a conclusão lógica é que a importância recebida não perten­cia ao Estado ou à Fazenda Na­cional. Não era o paciente, no caso, nem ao menos depositário da Fazenda Nacional. Onde, pois, a figura do crime de peculato? Eis

a demonstração evidente da ine­xistência de justa causa para o processamento e posterior julga­mento. Observa-se por aí, que dada a impossibilidade do recebi­mento parcelado da dívida, e não podendo o paciente, em conse­qüência, fazer seu recolhimento aos cofres públicos, não tinha êle, ainda, a posse do bem, ou melhor, aquilo que temporàriamente esti­vera sob a sua guarda, não per­tencia ao Estado ou à Fazenda Nacional. Outro tanto, nem ao menos se pode alegar estar o pa­ciente autorizado a fazer tais re­cebimentos parcelados, como es­crevente auxiliar que era da 4.a

Vara da Fazenda Pública. Na verdade, no mesmo pedido

de informações dirigido àquele Juízo pela autoridade policial De­legado de Crimes contra a Fazen­da Nacional, foi perguntado, no item 4: se o ex-escrevente Alvimar, em 19-8-60, 20-7-60, 10-5-62, 23-10-63, 5-5-63, 18-5-63 e 29-4-63, estava autorizado a fa­zer qualquer recebimento parcial daquele executivo fiscal, dando re­cibos em nome do cartório"? (Doc. anexo - fls. 6 verso, 1.a à 7.a linha) mereceu daquele Juízo a seguinte resposta: "Em respos­ta ao item 4: NÃO!" (doc. anexo - fls. 7, 6.a linha).

Portanto, se a dívida não pode­ria ser amortizada parceladamen­te, e se o paciente não estava au­torizado a fazer qualquer recebi­mento parcial daquele executivo fiscal, e se, por outro lado, o mes­mo paciente ainda não estava de posse de qualquer bem pertencen­te à administração pública, não poderia, evidentemente, ter come­tido qualquer crime contra a Fa-

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zenda Nacional. Inexiste, obvia­mente, o delito do pecCllato. As importâncias parceladas de que tinha a posse provisória não per­tenciam à União e, portanto, se das mesmas se se tivesse apropria­do, mesmo sendo funcionário pú­blico, ainda assim não estaria co­metendo o crime previsto no ar­tigo 312 do Código Penal. Bem se aplica ao caso a lição do mestre Nelson Hungria: "Assim, se con­fio particularmente dinheiro ao meu amigo e vizinho Tício, que é fiel de tesoureiro do Impôsto de Renda, para que pague aí o meu débito fiscal, e ê1e se apropria da quantia, há apropriação indébita e não peculato" (Oh. cito pági­na 340).

Tivesse, porém, o paciente re­cebido o total do débito e forne­cido o competente recibo de qui­tação ou certificado, nos autos do processo, do pagamento, deixando de recolher o total da dívida aos cofrer públicos dentro do prazo que a lei lhe assegura, aí sim, es­taria prefeitamente caracterizado o delito de peculato. Nem se pode dizer, por outro lado, que o pa~ ciente se encontrava na posse de bem pertencente à administração pública, eis que, recebendo par­ticularmente parte da dívida, e dada a total impossibilidade de fazer êste recolhimento aos cofres públicos, essa importância que mantinha em seu poder não per­tencia à administração pública e, sim, a um particular. E isso mais se consubstancia ao sabermos, através do documento anexo que êste instrui, que o paciente fêz a devolução do total recebido à mesma firma de quem recebera as parcelas. Sim. A firma Torto­ra Importação e Exportação Ltda.

declarou ter sido reembolsada da importância de Cr$ 550.000 pelo próprio paciente. O paciente de­volveu a importância a quem lhe entregou.

Ora, se o dinheiro tivesse de ser recolhido aos cofres públicos, ou se o dinheiro pertencesse à Fazen, da Nacional, como se justifica que o paciente fôsse fazer o reembô1so àquele que lhe entregou o mesmo dinheiro? Então, o dinheiro não era da Fazenda Nacional? Isto é a demonstração meridiana de que a importância não pertencia à Fa­zenda Nacional e, conseqüente­mente, o paciente não se apode­rou ou apropriou de qualquer bem pertencente ao Estado. Como se justificar êsse reembôlso por parte do particular?

Mais uma vez cabem as pala­vras do insigne Nelson Hungria: "Não tenho dúvida, portanto, em repetir o que já disse de outra feita: peculato consumado sem dano efetivo é tão absurdo quan­to dizer-se que pode haver fuma­ça sem fogo, ou sombra sem cor­po que a projete, ou telhado sem paredes ou esteios de sustenta­ção" (Ob. cit. página. 348-349).

Não houve qualquer dano à Fa­zenda Nacional, eis que a dívida proveniente do executivo fiscal permanece a mesma, e ela estan· do obrigado ao pagamento a firma Tortora Importação e Exporta­ção Ltda., mormente se conside­rarmos que a importância entre­gue ao paciente foi à mesma fir­ma devolvido, na íntegra. E mais: se a importância recebida pelo pa­ciente foi devolvida à própria fir­ma - como efetivamente foi, e se esta a recebeu de volta e a re­teve em seu poder -- como tam­bém efetivamente aconteceu - e

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se as autoridades policiais e judi­ciárias não a processaram por essa apropriação indébita, é a manifes­tação meridiana de que, na ver­dade, o dinheiro não pertencia ao Estado ou à Fazenda Nacional e, sim, ao próprio representante da firma, o que evidencia a inexistên­cia de crime de peculato!

E ainda mais uma vez somos forçados à citação do Min. N el­son Hungria: "Conceitualmente, a preexistente posse deve ter­-se, operado em razão do cargo; isto é, faz-se mister uma Íntima relação de causa e efeito entre o cargo e a posse. Não basta que a res tenha sido confiada con­templatione oficii: é preciso que sua entrega ao funcionário resulte de mandamento legal (ex vi le­gis) , ou, pelo menos, de invete­rada praxe, não proibida por lei" (oh. cito pág. 340).

Não havia, como não há, qual­quer mandamento legal que per­mitisse o pagamento parcelado da dívida resultante de executivo fis­cal: "3) - se a referida dívida poderia ser amortizada parcelada­mente? "Em resposta ao item 3: NÃO!" Nem tampouco era praxe inveterada o recebimento de par­celas da executivo fiscal, e isso fica bem claro com o depoimento prestado pelo próprio escrivão­substituto daquela Vara, Maurício Maranhão Aguiar: "que pode o depoente afirmar que nem oficio­samente nem extra-oficiosamente havia qualquer autorização do car­tório para que fôsse recebido par­celadamente qualquer débito"; e mais tarde, em Juízo, a mesma testemunha Maurício Maranhão Aguiar ratifica: "que após ouvir a leitura de suas declarações, cons­tantes de fôlhas 3.415, as confir-

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ma, plenamente, por serem a ex­pressão da verdade". Acresce, ain­da, que essa testemunha arrolada pela Promotoria Pública tamb?m confirmou o que dissemos linhas atrás, isto é, que a firma em ques­tão nem sequer havia sido cita­da para o pagamento do débito fiscal, como acentuou em seu de­poimento: "que a referida ação ainda se encontrava em sua fase inicial, julgando mesmo o decla­rante que ainda não havia sido ci­tado o devedor";

IH - A JuriSprudência. A jurisprudência mansa e pací~

fica de nossos Tribunais vem em socorro da tese aqui defendida, qual a da inexistência de crime do art. 312 do Código Penal. En­tre tantos arestos, basta citarmos os seguintes: " ... o peculato exige que se trate de bens pertencentes ao patrimônio do Estado e que o sujeito passivo seja repartição pú. blica" (Voto do Min. Ari Franco no H. C. 34.504 - "Rev. Trim. ]urisp. do S.T.F.". - Volume I -abril-junho 57, pág. 756); "o fato do funcionário não ressarcir o pre­juízo quando intimado, empres­tando assim o caráter de retenção indevida da coisa, é o que carac· teriza o dolo do mesmo funcio­nário, que passou a ser peculato" (S.T.F. ac. de 24-4-29 - Dic. ]u­risp. Penal Brasil - 1.0 Volume, pág. 665); "o peculato .nada mais é do que a apropriação indébita praticada por funcionário público em detrimento da Fazenda Na­cional" (Rev. Forense - voI. 150 - página 382).

IV - Conclusão. Vê-se, então, que não existiu o

sujeito passivo, isto é, o Estado não apareceu como sujeito passi-

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vo, elemento indispensável à ca­racterização do peculato.

Observam-se, por outro lado, que o paciente não estava auto­rizado a proceder a qualquer re­cebimento parcelado, mesmo por­que essa amortização não pode­ria ser posta em prática por ser contrária à lei e não ser praxe in­veterada. Nota-se que a firma de­vedora não fôra sequer citada para a propositura da ação. Cons­tata-se que, tendo recebido parti­cularmente, apenas, umá parte do débito, não poderia o paciente, por expressa determinação legal, reco­lhê-la aos cofres públicos.

Verifica-se, por fim, não tinha a posse de bem ou dinheiro perten­cente à Fazenda Nacional, tanto que devolveu ao particular, que o aceitou. E considerando tudo isso, chega-se à conclusão de que o paciente foi denunciado, proces­sado e julgado por um delito que não praticou - o peculato -consubstanciando-se o constrangi­mento ilegal que urge seja sana­do, uma vez que não houve justa causa para êsse processamento e julgamento, fator que nos leva à certeza da concessão de Habeas Corpus ora impetrado.

Destarte, espera o impetrante a concessão da ordem para que seja anulado todo o processado, por evidente inexistência de justa causa, determinando-se a imediata soltura do paciente, como medida consentânea com o Direito e a Justiça!"

Essa petição inicial está acom­panhada de certidões de algumas das peças que formam o processo em que foi condenado o paciente.

Expediu-se telegrama à autori­dade apontada como coatora para

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lhe pedir informações. Essas infor­mações, contudo, não me chega­ram às mãos até êste momento. Ante a demora, submeto o proces­so a julgamento.

É o relatório.

Voto

O Sr. Min. Antônio Neder: -A Constituição de 1946, no seu art. 141, § 23, expressa que se dará habeas corpus sempre que al­guém sofrer ou se achar ameaça­do de sofrer violência ou coação ilegal em sua liberdade de loco­moção, por ilegalidade ou abuso de poder. E o art. 648, I, do C.P.P., expressa que se considera ilegal a coação quando não houver jus­ta causa.

No caso agora apreciado, o Dl'. Advogado impetrante defende a tese segundo a qual o paciente não cometeu o crime de peculato a que se refere a sentença con­denatória, isso por não haver-se configurado no processo um dos elementos típicos do padrão de­finido no art. 312 do C.P., e que, assim sendo, falta à coação im­posta ao paciente a justa causa que a tornaria legal.

Para decidir, então, do habeas corpus, terá o Tribunal que apre­ciar o fato definido por criminoso e imputado ao paciente. Se êsse fato não se ajustar, em todos os seus elementos típicos, ao padrão referido, dar-se-á a falta ou au­sência de justa causa para a con­denacão e prisão. Entretanto, con· subst;'nciando-se do processo cada um dos elementos estruturais dêsse padrão, ou doutro, presente estará a causa justa.

No caso, o impetrante entende que se não configura o crime de

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peculato porque a Administração Pública não foi lesada pelo pa­ciente, embora o dinheiro lhe te­nha sido entregue para, na qua­lidade de funcionário, dar-lhe o destino previsto na lei. Insiste o impetrante em que, não havendo preJUlZO para a Administração Pública, deixa de configurar-se o crime de peculato.

Admito, para argumentar, que, no caso, não se tenha configura­do prejuízo para a Administração Pública.

Disso, contudo, não se pode in­ferir que o paciente nãotenha praticado crime.

Porque, ainda que se não con­figure o crime do art. 312 do C.P. (peculato), tudo nos autos indi­ca a configuração do crime de­finido 110 art. 313 dêsse Código (peculato mediante êrro de ou­trem), ou do art. 168 da mesma lei (apropriação indébita) .

Como quer que seja, a prisão imposta ao paciente não é arbi­trária. Não lhe falta justa causa. É possível que em exame detido do processo da ação penal a que êle responde conduza o julgador a uma outra classificação do cri­me. Isso, contudo, não importa em ausência de justa causa, visto como, no caso especial agora apre­ciado, qualquer que seja o crime que emane da desclassificação, ne­cessàriamente há de ser crime que à prisão conduzirá o paciente.

Se, no caso, não houvesse a qua­se certeza de se configurar outro crime de pena de reclusão, tal­vez fôsse de justiça conceder-se o habeas corpus. Mas o certo é que, se desfigurado o crime de pecula-

to, outro há de emanar configura­do no fato atribuído ao paciente.

Dir-se-á que a sentença conde­natória do paciente não deu ao fato a definição jurídica acerta­da, e que, por isso, a prisão cons­titui coação ilegal por ser injusta a causa. Em outras palavras: dir. -se-á que a sentença condenatória merece reformada para o efeito de desclassificar o crime, e que, demonstrada a justiça dessa des­classificação, daí emana a coação ilegal, importando isso na ausên­cia de justa causa para a prisão.

Uma doutrina mais liberal sô­bre o conteúdo da justa causa tal· vez assim o entenda.

Essa doutrina, contudo, não se concilia com a norma do art. 648 do C.P.P., que é exaustiva.

Indicada e justa que seja a des­classificação do crime imputado ao paciente, subsiste a justa cau­sa se a sentença desclassificadora necessàriamente houver de conde­ná-lo por crime outro que impor­te na sua prisão.

Assim sendo, pelas razões expe­didas, denego a ordem de habeas corpus.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Denegou-se a or­dem, unânimemente. Os Srs. Mins. Henrique d'Ávila, Cândido Lôbo, Godoy Ilha, Oscar Saraiva, Ama­rílio Benjamin e Armando Rol­lemberg votaram com o Sr. Min. Relator. Não compareceu, por mo­tivo justificado, o Sr. Min. Djalma da Cunha Mello. Presidiu o julga­mento o Sr. Min. Cunha Vascon­ce11os.