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2021 TEORIA GERAL DO PROCESSO Gustavo Filipe Barbosa Garcia 2 a edição Revista, ampliada e atualizada

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Page 1: Gustavo Filipe Barbosa Garcia - Editora Juspodivm

2021

TEORIA GERAL

DO PROCESSO

Gustavo Filipe Barbosa Garcia

2a edição Revista, ampliada

e atualizada

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capítulo

1FORMAS DE SOLUÇÃO

DOS CONFLITOS

1.1. INTRODUÇÃO

Os conflitos são inerentes à vida em sociedade. Apesar disso, os conflitos precisam ser adequadamente solucionados para que se alcance a paz e a harmonia nas relações interpessoais, necessárias ao desenvolvimento social, com vistas ao bem comum1.

Conflito pode ser entendido como a divergência de interesses ou o embate de posições entre as pessoas, os grupos e os entes que se rela-

1 Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 32: “todo conflito é causa de infelicidade pessoal dos sujeitos envolvidos e, em uma perspectiva metaindividual, a proliferação de conflitos constitui fator de instabilidade e desorganização da própria sociedade”.

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cionam na sociedade. As formas de solução dos conflitos sociais podem ser classificadas em autotutela, autocomposição e heterocomposição2.

Há entendimento de que o conflito seria, de forma mais ampla, a di-vergência de interesses no plano social. A controvérsia ocorreria quando o conflito é encaminhado para ser solucionado. O dissídio, por sua vez, sig-nificaria o conflito submetido à decisão a ser proferida do Poder Judiciário3.

1.1.1. Autotutela

A autotutela (ou autodefesa) significa a imposição da vontade de uma das partes à outra, prevalecendo aquela que tem mais força. Em regra, essa imposição da decisão por uma das partes não é mais ad-mitida nos sistemas jurídicos civilizados da atualidade, por ser vedado o exercício arbitrário das próprias razões, ou seja, fazer justiça por si mesmo4. Admite-se, como exceção, o exercício da legítima defesa, o desforço imediato (em matéria possessória) e a greve5.

O exercício arbitrário das próprias razões é crime previsto no art. 345 do Código Penal6. Da mesma forma, o exercício arbitrário ou abuso de poder é tipificado no art. 350 do Código Penal7.

1.1.2. Autocomposição

A autocomposição significa a solução do conflito pelos próprios interessados, de forma consensual, sem que a decisão seja imposta por

2 Cf. CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. 5. ed. São Paulo: RT, 2015. p. 34, 43.

3 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Teoria geral do processo. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 67.4 Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,

Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 42-43, 51.

5 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Teoria geral do processo. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 68.6 “Art. 345. Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima,

salvo quando a lei o permite: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência”.

7 “Art. 350. Ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as forma-lidades legais ou com abuso de poder: Pena - detenção, de um mês a um ano”.

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Cap. 1 • FORMAS DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS 19

um terceiro. Integram a autocomposição a negociação, a conciliação e a mediação8.

1.1.2.1. Negociação

Na negociação as próprias partes dialogam diretamente entre si e chegam a um consenso, como ocorre na transação. Não há, assim, a atuação de um terceiro, mas o diálogo diretamente entre partes para a pacificação da controvérsia9.

Nesse sentido, é lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas (art. 840 do Código Civil). Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação (art. 841 do Código Civil).

No plano do Direito material, a transação tem natureza jurídica contratual, sendo forma de extinção de obrigações10. A transação pode ser judicial ou extrajudicial, conforme seja realizada em juízo ou fora dele, com o fim de prevenir ou terminar o conflito11.

A transação deve ser feita por escritura pública, nas obrigações em que a lei o exige, ou por instrumento particular, nas obrigações em que a lei o admite. Se a transação recair sobre direitos contesta-dos em juízo, deve ser feita por escritura pública, ou por termo nos autos, assinado pelos transigentes e homologado pelo juiz (art. 842 do Código Civil).

Na esfera processual, há resolução do mérito quando o juiz ho-mologar: a) o reconhecimento da procedência do pedido formulado

8 Cf. CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. 5. ed. São Paulo: RT, 2015. p. 45.9 Cf. GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Manual de arbitragem e mediação:

conciliação e negociação. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 49.10 Cf. GOMES, Orlando. Obrigações. 12. ed. rev. e atual. por Humberto Theodoro Júnior.

Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 88. Cf. ainda BITTAR, Carlos Alberto. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994. v. 1. p. 394.

11 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral das obrigações. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 2. p. 234-239. Cf. ainda MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações: 1ª parte. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. v. 4. p. 309-310.

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na ação ou na reconvenção; b) a transação; c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção (art. 487, inciso III, do CPC).

1.1.2.2. Conciliação e Mediação

Na conciliação e na mediação um terceiro aproxima as partes, favorecendo o diálogo entre elas, com o objetivo de se alcançar a paci-ficação consensual do conflito. O conciliador e o mediador, entretanto, não decidem e não impõem qualquer decisão. Por isso, fazem parte da autocomposição, como formas de solução consensual dos conflitos12.

Prevalece o entendimento de que o conciliador sugere soluções para a composição do conflito, enquanto o mediador apenas aproxima as partes ao diálogo, sem fazer propostas a serem por elas apreciadas13. Trata-se do critério adotado no art. 165, §§ 2º e 3º, do CPC.

Quanto ao tema, o Estado deve promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos (art. 3º, § 2º, do CPC). A concilia-ção, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos devem ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial (art. 3º, § 3º, do CPC)14.

A conciliação e a mediação, assim, podem ser extrajudiciais e judiciais.

O juiz deve dirigir o processo conforme as disposições do CPC, incumbindo-lhe promover, a qualquer tempo, a autocomposição, pre-ferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais (art. 139, inciso V).

Ainda na esfera judicial, os tribunais devem criar centros judiciá-rios de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização

12 Cf. SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Manual de arbitragem: mediação e conciliação. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 10.

13 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. v. 1. p. 216.

14 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. v. 1. p. 216.

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capítulo

2INTRODUÇÃO AO

DIREITO PROCESSUAL

2.1. DENOMINAÇÃO

A atual denominação da disciplina em estudo é Direito Processual.Anteriormente, fazia-se referência ao Direito Judiciário, expressão

que não é mais considerada adequada, por restringir o seu objeto apenas aos aspectos relativos ao juiz e ao Poder Judiciário1.

2.2. CONCEITO

O Direito Processual é o conjunto de normas jurídicas que disci-plinam o exercício da jurisdição, com o objetivo de pacificação social dos conflitos por meio do processo.

1 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Teoria geral do processo. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 27.

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Nesse sentido, integra o Direito objetivo, ou seja, o ordenamento jurídico, organizado na forma de sistema.

Compete privativamente à União legislar sobre Direito Processual (art. 22, inciso I, da Constituição da República).

No plano científico, a ciência do Direito Processual estuda e sistematiza a matéria relativa ao conjunto de regras e princípios que regem o exercício da jurisdição visando à pacificação social dos con-flitos por meio do processo2.

2.3. ABRANGÊNCIA

O Direito Processual abrange, em essência, o Direito Processual Civil, o Direito Processual Penal e o Direito Processual do Trabalho, os quais são cientificamente autônomos entre si. Mesmo assim, cada um desses ramos do Direito integra a parte processual do ordenamento jurídico, que se distingue do Direito material.

O Direito material rege a vida em sociedade, ou seja, disciplina as relações entre as pessoas e os entes, como ocorre, por exemplo, com o Direito Civil, o Direito Empresarial (Comercial), o Direito Penal, o Direito do Trabalho, o Direito Tributário, o Direito Administrativo, o Direito do Consumidor e o Direito Previdenciário (Seguridade Social).

O Direito Processual, por sua vez, disciplina o exercício da juris-dição por meio do processo judicial, com o objetivo de pacificar os conflitos sociais, ao estabelecer as normas que regem o procedimento em contraditório e a relação jurídica processual, a qual tem como sujeitos principais as partes e o juiz, tendo como objeto a prestação jurisdicional.

2 Cf. DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 19. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. v. 1. p. 41: “A Ciência do Direito Processual Civil (Ciência Dogmática do Proces-so ou, simplesmente, Ciência do Processo) é o ramo do pensamento jurídico dogmático dedicado a formular as diretrizes, apresentar os fundamentos e oferecer os subsídios para as adequadas compreensão e aplicação do Direito Processual Civil. O Direito Processual Civil é o objeto desta Ciência” (destaques do original).

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Cap. 2 • INTRODUÇÃO AO DIREITO PROCESSUAL 65

Essa pacificação social deve ocorrer de forma justa, ou seja, por meio da aplicação das normas de Direito material para a decisão do conflito apresentado em juízo.

Cabe esclarecer que o Direito Processual Civil disciplina o exer-cício da jurisdição para a pacificação de conflitos sociais relativos não apenas ao Direito Civil, mas também a outros ramos do Direito material (Privado e Público), com exceção, naturalmente, do Direito Penal e do Direito do Trabalho, considerando a presença do Direito Processual Penal (que rege a pretensão punitiva do Estado) e do Di-reito Processual do Trabalho (que disciplina o processo do trabalho).

Quando certa pessoa pratica um delito penal (assim previsto em lei, conforme art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição da República), instaura--se uma relação jurídica entre este sujeito e o Estado, o qual é titular do direito de punição (jus puniendi), em defesa da sociedade. O mencionado sujeito, por sua vez, tem o direito de não ser punido fora dos casos pre-vistos na lei (direito de liberdade)3. Esclareça-se que a sanção criminal é imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor do delito penal. A ação penal, assim, dá origem ao processo penal, que é o instrumento de aplicação do Direito Penal. O processo penal, como instrumento da atuação da jurisdição, é disciplinado pelo Direito Processual Penal4.

O Direito Processual do Trabalho, por seu turno, é o ramo do Direito que disciplina o processo do trabalho, o qual é o meio para a solução jurisdicional de conflitos trabalhistas5.

2.4. NATUREZA JURÍDICA

Analisar a natureza jurídica do Direito Processual significa verificar a sua posição no sistema jurídico como um todo, ou seja, examinar a sua taxionomia.

3 Cf. JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 1. p. 5.

4 Cf. TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 12. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 45-46, 51.

5 Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito processual do trabalho. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 19.

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É tradicional a divisão do Direito em Direito Público e Direito Privado, distinção essa que tem origem no Direito Romano. O Direito Público era aquele concernente às questões que envolviam o governo, e o Privado era considerado o que disciplinava os interesses particulares6.

Na atualidade, procura-se conjugar o aspecto objetivo (interesse preponderante) com o subjetivo (sujeitos) para alcançar a diferenciação em estudo. Nesse enfoque, o Direito Público regula as relações em que o Estado é considerado em si mesmo, em relação com outros Estados, bem como em suas relações com os particulares, quando atua com base em seu poder soberano ou de império. O Direito Privado, por sua vez, disciplina as relações entre particulares, aqui incluídos os entes privados e também relações com o Estado, quando este não participa da relação jurídica na posição de poder soberano ou de império7.

O Direito Processual regula o exercício da atividade jurisdicio-nal, na solução de conflitos sociais. A jurisdição estatal é expressão do poder do Estado, como manifestação de sua soberania. Logo, o Direito Processual faz parte do Direito Público, pois as suas normas referem-se à regulação de atividade essencialmente estatal, no exercício do poder jurisdicional8.

Frise-se ainda que o Direito, entendido como sistema jurídico, apresenta normas de Direito material, as quais disciplinam as relações em sociedade, e normas de Direito processual, voltadas a regular o exercício da jurisdição. Efetivamente, nem sempre as próprias partes em conflito alcançam a pacificação apenas com a incidência do Direi-to material, passando a controvérsia a ser objeto de ação e processo judiciais, visando à obtenção de decisão que aplique o referido Di-reito material. Portanto, o Direito Processual tem natureza de Direito Público, justamente porque regula a atividade estatal de pacificação jurisdicional dos conflitos. Com isso, tem-se a autonomia do Direito Processual em face do Direito material.

6 Cf. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 251.

7 Cf. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 255.

8 Cf. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 71.

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capítulo

4PRINCÍPIOS DO

DIREITO PROCESSUAL

4.1. CONCEITO

Os princípios são as “verdades fundantes” de um sistema de co-nhecimento1. Os princípios jurídicos, assim, são os alicerces, ou seja, a essência e os fundamentos do Direito.

Há princípios expressamente previstos, como o princípio constitu-cional da igualdade, enquanto outros estão implícitos no ordenamento jurídico.

Quanto à amplitude, há princípios gerais e outros específicos de certos ramos do Direito.

1 Cf. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 299.

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Conforme o art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, quando a lei for omissa, o juiz deve decidir de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Nesse contexto, o Código de Processo Civil dispõe que, ao apli-car o ordenamento jurídico, o juiz deve atender aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência (art. 8º). Têm-se, no caso, mandamentos com natureza nitidamente de princípios jurídicos.

Na esfera processual também há princípios próprios, pertinentes ao Direito Processual estabelecidos na Constituição Federal e nas leis.

4.2. FUNÇÕES

A função dos princípios não se restringe à integração de lacunas da lei, pois também servem de inspiração ao legislador e norteiam a interpretação das demais normas jurídicas2. Os princípios, assim, orientam a interpretação e a aplicação das regras jurídicas.

Uma das funções dos princípios é a de integração do ordenamento jurídico. Observada a ausência de disposição específica para regular o caso em questão, pode-se recorrer aos princípios gerais de direito, “tradicionalmente conhecidos por analogia iuris”3.

Ademais, a concepção atual é no sentido de que os princípios constitucionais, e mesmo os princípios gerais de direito, não têm como função apenas suprir as lacunas da lei, mas também possuem eficácia normativa direta, podendo ser aplicados pelo juiz, nas decisões dos casos concretos, juntamente com as regras legais.

A segunda função dos princípios é a de interpretação, orientando o juiz e o aplicador ou intérprete das normas jurídicas quanto ao seu real sentido e alcance.

2 Cf. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 300.3 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Tradução de Maria Celeste

Cordeiro Leite dos Santos, revisão técnica de Claudio De Cicco. Brasília: Universidade de Brasília, 1997. p. 156.

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Cap. 4 • PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL 99

Os princípios exercem, ainda, a função inspiradora do legislador, em sua atividade de elaboração de novas disposições normativas.

Prevalece o entendimento de que os princípios fazem parte do or-denamento jurídico, tendo, assim, natureza normativa. Nesse enfoque, as normas jurídicas, como gênero, podem ser de duas espécies, quais sejam: regras e princípios4.

Enquanto a regra jurídica rege certos atos ou fatos, os princípios comportam uma série indefinida de aplicações5. Os princípios são determinações jurídicas normalmente dotadas de maior generalidade.

Conforme Robert Alexy, tanto as regras como os princípios são normas, uma vez que dizem o que deve ser, ou seja, ambos podem ser formulados como mandamentos, permissões ou proibições. Nesse enfoque, os princípios são “mandamentos de otimização”, ou seja, normas que podem ser satisfeitas em distintos graus, conforme as possibilidades fáticas e jurídicas. As regras, por sua vez, são normas que podem, sempre, ser cumpridas ou não. Logo, se uma regra é válida, deve-se fazer exatamente o que ela determina. Ademais, o conflito entre regras é resolvido somente se uma cláusula de exceção for introduzida em uma delas, ou se uma das regras for declarada inválida. Na solução de colisão de princípios, diversamente, um dos princípios deve ceder, mas isso não significa que ele seja declarado nulo, nem que uma cláusula de exceção seja nele introduzida. Desse modo, os princípios apresentam “peso” distinto nos casos concretos, prevalecendo aquele de maior peso em cada situação concreta6.

Ainda no sentido de que os princípios são normas jurídicas, Ronald Dworkin esclarece que as regras são aplicáveis “à maneira de tudo ou nada”: se ocorrerem os fatos estipulados na regra válida ela deve ser aplicada; se isso não ocorrer, a regra não contribui em nada para a de-cisão. Diferentemente, os princípios possuem a “dimensão de peso, ou

4 Cf. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3. ed. São Paulo: Malhei-ros, 1997. p. 76: “um sistema ou ordenamento jurídico não será jamais integrado exclusivamente por regras. Nele se compõem, também, os princípios jurídicos ou princípios de direito”.

5 Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 267.

6 Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 87-94.

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importância ou valor”. Desse modo, se um princípio, aplicável a certo caso, não prevalecer, isso não obsta que, em outras circunstâncias, o mesmo princípio seja utilizado7.

Confirma-se, assim, que os princípios apresentam natureza norma-tiva, não se tratando de enunciados meramente morais. Isso é demons-trado ao se observar que dos princípios são extraídas outras normas. Os princípios, ademais, também exercem a função de reguladores das relações sociais, tal como as demais normas jurídicas8.

4.3. PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL

Diversos são os princípios constitucionais do processo, ou seja, previstos na Constituição e incidentes no Direito Processual.

O princípio do juiz natural significa que o processo deve ser julgado pela autoridade judicial competente (art. 5º, inciso LIII, da Constituição da República) e imparcial, conforme normas previstas na Constituição e nas leis, não sendo admitido “juízo ou tribunal de exceção” (art. 5º, inciso XXXVII, da Constituição Federal de 1988). Em razão disso, não é permitida a criação, posterior, de um tribunal especialmente para julgar, apenas, determinado caso já ocorrido. O órgão judicial, assim, deve ser preexistente ao fato a ser julgado.

Entretanto, há evidente possibilidade da presença de Justiças espe-cializadas, dotadas de competência para conhecer, processar e julgar certas matérias, como é o caso da Justiça do Trabalho, da Justiça Eleitoral e da Justiça Militar, o que está em harmonia com o princípio do juiz natural e constitucionalmente competente.

O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional é previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, ao estabelecer que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito.

7 Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 281-282. Cf. ainda DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 2. ed. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

8 Cf. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, revisão técnica de Claudio De Cicco. Brasília: Uni-versidade de Brasília, 1997. p. 158-159.

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Cap. 4 • PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL 101

O Código de Processo Civil reitera que não se excluirá da apre-ciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito (art. 3º).

Cabe destacar que o livre acesso ao Poder Judiciário é entendido como o direito constitucional de ação, o qual é previsto de forma ampla e incondicional. No entanto, para que o mérito seja efetivamente apreciado, há a necessidade da presença das condições da ação e dos pressupostos processuais, indicando o chamado direito processual de ação, o qual, portanto, revela-se condicionado.

Além disso, o verdadeiro acesso à justiça significa assegurar à parte que tem razão o direito postulado, garantindo de forma efetiva o direito material a quem tem razão9.

Esse enfoque do acesso à justiça10, entendido como acesso à ordem jurídica justa11, diz respeito ao direito à tutela jurisdicional,

9 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. v. 1. p. 380: “As promessas e limitações residentes nas diversas garantias constitucionais e interligadas pelo fio condutor que é o devido processo legal têm um só e único objetivo central, que é o acesso à justiça. O processo justo, celebrado com meios adequados e produtor de resultados justos, é o portador de tutela jurisdicional a quem tem razão, negando proteção a quem não a tenha. Nem haveria justificativa para tanta preocupação com o processo, não fora para configurá-lo, de aperfeiçoamento em aperfeiçoamento, como autêntico instrumento de condução à ordem jurídica justa. Tal é o que se propõe quando se fala em processo civil de resultados” (destaques do original).

10 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. v. 1. p. 205-206: “Mesmo quando se reduza ao mínimo supor-tável a chamada litigiosidade contida, restam ainda as dificuldades inerentes à qualidade dos serviços jurisdicionais, à tempestividade da tutela ministrada mediante o processo e à sua efetividade (Kazuo Watanabe). Isso significa que não basta alargar o âmbito de pessoas e causas capazes de ingressar em juízo, sendo também indispensável aprimorar internamente a ordem processual, habilitando-a a oferecer resultados úteis e satisfatórios aos que se valem do processo. Um eficiente trabalho de aprimoramento deve pautar-se por esse trinômio, não bastando que o processo produza decisões intrinsecamente justas e bem postas mas tardias ou não traduzidas em resultados práticos desejáveis; nem sendo desejável uma tutela jurisdicional efetiva e rápida, quando injusta. Para a plenitude do acesso à justiça importa remover os males resistentes à universalização da tutela jurisdi-cional e aperfeiçoar internamente o sistema, para que seja mais rápido e mais capaz de oferecer soluções justas e efetivas. [...] Acesso à justiça é acesso à ordem jurídica justa (ainda, Kazuo Watanabe). É a obtenção de justiça substancial” (destaques do original).

11 Cf. WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (Coord.). Participação e processo. São Paulo: RT, 1988. p. 128.

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compreendida como a efetiva proteção assegurada ao titular do direito substancial por meio da jurisdição12.

Conforme Cândido Rangel Dinamarco: “Tutela jurisdicional é o amparo proporcionado mediante o exercício da jurisdição a quem tem razão em um litígio posto como objeto de um processo”. Ainda de acordo com o referido autor: “Ela consiste na melhoria da situação de uma pessoa, pessoas ou grupo de pessoas, em relação ao bem preten-dido ou à situação imaterial desejada ou indesejada”13.

A tutela jurisdicional, assim, é o “efetivo amparo que o Estado ministra a quem tiver razão no conflito colocado diante do juiz”, obtendo algum “benefício em relação a determinado bem ou a uma situação jurídica”14.

Nesse contexto, o chamado processo civil de resultados é o postu-lado de que “o valor de todo sistema processual reside na capacidade, que tenha, de propiciar ao sujeito que tiver razão uma situação melhor do que aquela em que se encontrava antes do processo”. O processo, assim, deve se projetar de forma útil na vida de quem tem razão,

12 Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 26: “tutela jurisdicional tem o significado de proteção de um direito ou de uma situação jurídica, pela via jurisdicional. Implica prestação jurisdicional em favor do titular de uma situação substancial amparada pela norma, caracterizando a atuação do Direito em casos concretos trazidos à apreciação do Poder Judiciário”.

13 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. v. 1. p. 194. Cf. ainda DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. v. 1. p. 198: “Falar da tutela jurisdicional nos termos assim propostos tem ainda o valor de realçar a distinção entre ela própria, que é algo praticamente significativo na vida das pessoas, e a mera garantia da ação: esta é outorgada pela Constituição e pela lei aos titulares de pretensões insatisfeitas, independentemente de terem ou não terem razão – desde que presentes os requisitos para que o juiz possa dispor a respeito. Ter ação é somente ter direito ao provimento jurisdicional, ainda que esse provimento seja desfavorável ao autor, dando tutela jurisdicional ao adversário (demandas julgadas improcedentes)” (destaques do original).

14 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. v. 2. p. 723. Cf. ainda DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. v. 3. p. 232-234; DINAMAR-CO, Cândido Rangel. Fundamentos do direito processual civil moderno. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. t. 2. p. 797-837.

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capítulo

7MINISTÉRIO PÚBLICO

7.1. PRINCÍPIOS

O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição da República).

São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

O princípio da unidade é no sentido de que os membros de cada Ministério Público integram um só órgão, sob a mesma e una direção.

O princípio da indivisibilidade significa que os membros de cada Ministério Público podem ser substituídos, pois, no caso, atuam como órgão de cada ramo1.

1 “3. Os membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção única de um só Procurador-Geral, ressalvando-se, porém, que só existem unidade e indivisibilidade

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O princípio da independência funcional é no sentido de que os membros do Ministério Público possuem independência em sua atua-ção funcional, sendo que a hierarquia existente se refere ao aspecto administrativo.

Discute-se, ainda, a respeito do princípio do promotor natural, proibindo-se qualquer designação arbitrária do membro do Ministério Público para atuação nos diversos feitos, que devem ser objeto de regular distribuição2, bem como o afastamento infundado do membro do Ministério Público, dos casos sob a sua direção3. O mencionado princípio, além de garantir atuação do membro do Ministério Público, com atribuição legal e constitucional quanto a cada caso, também seria uma garantia para a própria sociedade.

Entende-se que o princípio do promotor natural é decorrência do mandamento previsto no art. 5º, inciso LIII, da Constituição da Repúbli-ca, ao prescrever que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente, bem como do princípio da independência funcional (art. 127, § 1º, da Constituição da República) e da garantia

dentro de cada Ministério Público, inexistindo qualquer relação de hierarquia entre o Mi-nistério Público Federal e os dos Estados, entre o de um Estado e o de outro, ou entre os diversos ramos do Ministério Público da União” (STF, Pleno, Pet 4.891/DF, Red. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, DJe 06.08.2020).

2 “1. “A consagração constitucional do princípio do Promotor Natural significou o banimento de ‘manipulações casuísticas ou designações seletivas efetuadas pela Chefia da Instituição’ (HC 71.429/SC, Rel. Min. Celso de Mello), em ordem a fazer suprimir, de vez, a figura esdrúxula do ‘acusador de exceção’ (HC 67.759/RJ, Rel. Min. Celso de Mello)” (HC nº 102.147/GO-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe de 30/10/14)” (STF, 2ª T., HC 136.503/PR, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 02.05.2017).

3 “Habeas Corpus. Denúncia oferecida por membro do Ministério Público atuante em vara criminal comum e recebida pelo juízo do Tribunal do Júri. Violação ao princípio do pro-motor natural. Inocorrência. Princípios unidade e indivisibilidade do Ministério Público. Precedentes. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 67.759/RJ, de relatoria do Ministro Celso de Mello, reconheceu, por maioria de votos, a existência do princípio do promotor natural, no sentido de proibirem-se designações casuísticas efetuadas pela chefia da Instituição, que criariam a figura do promotor de exceção, incompatível com a determinação constitucional de que somente o promotor natural deve atuar no processo. Hipótese não configurada no caso. 2. Habeas corpus denegado” (STF, 1ª T., HC 114.093/PR, Rel. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, DJe 21.02.2018).

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da inamovibilidade do membro do Ministério Público (art. 128, § 5º, inciso I, b, da Constituição da República)4.

Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e admi-nistrativa. Cabe à lei dispor sobre sua organização e funcionamento.

O Ministério Público deve elaborar sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.

7.2. ABRANGÊNCIA

O Ministério Público abrange: I - o Ministério Público da União, que compreende: o Ministério Público Federal; o Ministério Público do Trabalho; o Ministério Público Militar; o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; II - os Ministérios Públicos dos Estados (art. 128 da Constituição da República).

O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de 35 anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução.

4 “4. O princípio da independência funcional está diretamente atrelado à atividade finalística desenvolvida pelos membros do Ministério Público, gravitando em torno das garantias (a) de uma atuação livre no plano técnico-jurídico, isto é, sem qual-quer subordinação a eventuais recomendações exaradas pelos órgãos superiores da instituição; e (b) de não poder ser responsabilizado pelos atos praticados no estrito exercício de suas funções. 5. Consoante o postulado do promotor natural, a definição do membro do Ministério Público competente para oficiar em um caso deve observar as regras previamente estabelecidas pela instituição para distribuição de atribuições em um determinado foro de atuação, obstando-se a interferência hierárquica indevida da chefia do órgão por meio de eventuais designações especiais 6. A proteção efetiva e substancial ao princípio do promotor natural impede que o superior hierárquico de-signe o promotor competente bem como imponha a orientação técnica a ser observada. 7. Os subprincípios da imparcialidade e do livre convencimento são corolários do princípio da independência funcional assegurado aos membros do Ministério Público, sem qualquer prejuízo ao postulado da obrigatoriedade que, como regra, pauta a ação penal pública no sistema jurídico brasileiro” (STF, 1ª T., HC 137.637/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 25.04.2018).

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A destituição do Procurador-Geral da República, por iniciativa do Presidente da República, deve ser precedida de autorização da maioria absoluta do Senado Federal.

Os Ministérios Públicos dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios devem formar lista tríplice dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução.

Os Procuradores-Gerais nos Estados e no Distrito Federal e Ter-ritórios podem ser destituídos por deliberação da maioria absoluta do Poder Legislativo, na forma da lei complementar respectiva.

Cabe às leis complementares da União e dos Estados, cuja ini-ciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecer a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público.

A Lei Complementar 75/1993 dispõe sobre a organização, as atri-buições e o estatuto do Ministério Público da União.

A Lei 8.625/1993 institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências.

Esclareça-se que os Ministérios Públicos dos Estados não estão vinculados nem subordinados, em termos institucionais, administrativos e processuais, ao Ministério Público da União, havendo autonomia entre os mencionados ramos do Ministério Público5.

5 “3. Questão de ordem levantada pelo Procurador-Geral da República. Possibilidade de o Ministério Público de estado-membro promover sustentação oral no Supremo. O Procura-dor-Geral da República não dispõe de poder de ingerência na esfera orgânica do Parquet estadual, pois lhe incumbe, unicamente, por expressa definição constitucional (art. 128, § 1º), a Chefia do Ministério Público da União. O Ministério Público de estado-membro não está vinculado, nem subordinado, no plano processual, administrativo e/ou institucional, à Chefia do Ministério Público da União, o que lhe confere ampla possibilidade de postular, autonomamente, perante o Supremo Tribunal Federal, em recursos e processos nos quais o próprio Ministério Público estadual seja um dos sujeitos da relação processual. Questão de ordem resolvida no sentido de assegurar ao Ministério Público estadual a prerrogativa de sustentar suas razões da tribuna. Maioria” (STF, Pleno, RE 593.727/MG, Rel. p/ ac. Min. Gilmar Mendes, DJe 08.09.2015).

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Cap. 7 • MINISTÉRIO PÚBLICO 187

Como o Ministério Público do Trabalho integra o Ministério Pú-blico da União (art. 128, inciso I, da Constituição Federal de 1988) e as funções do Ministério Público a serem exercidas junto ao Supremo Tribunal Federal competem privativamente ao Procurador-Geral da República, entende-se que o Ministério Público do Trabalho não tem legitimidade para atuar, na esfera processual, perante o Supremo Tri-bunal Federal (STF, Pleno, AgR-Rcl 7.318/PB, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 26.10.2012).

No Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral, os Subprocuradores-Gerais da República (que integram o Ministério Público Federal) atuarão por delegação do Procurador-Geral da Repú-blica (art. 66, § 1º, da Lei Complementar 75/1993).

Na mesma linha, entende-se que o Ministério Público do Trabalho não tem legitimidade para interposição de recurso perante o Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido, embora os Ministérios Públicos dos Estados possam atuar, diretamente, na condição de partes, perante os Tribunais Superiores, em razão da inexistência de vinculação e subor-dinação entre o Ministério Público Estadual e o Ministério Público da União, essa orientação não pode ser aplicada ao Ministério Público do Trabalho, pois este atua perante a Justiça do Trabalho (art. 83 da Lei Complementar 75/1993) e integra o Ministério Público da União (art. 128, inciso I, b, da Constituição da República). A legitimidade para atuar no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, assim, é do Ministério Público Federal, sendo essa atribuição dos Subprocuradores-Gerais da República, conforme art. 66 da Lei Complementar 75/1993 (STJ, 1ª Seção, AgRg no CC 122.940/MS, 2012/0114302-1, Rel. Min. Regina Helena Costa, DJe 16.04.2020).

7.3. GARANTIAS E VEDAÇÕES

Aos membros do Ministério Público são asseguradas as seguintes garantias: vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado; ina-movibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da

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maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa; irreduti-bilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto nos arts. 37, incisos X e XI, 150, inciso II, 153, inciso III, 153, § 2º, inciso I, da Constituição da República.

Aos membros do Ministério Público são estabelecidas as seguintes vedações: receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais; exercer a advocacia; participar de sociedade comercial, na forma da lei; exercer, ainda que em disponibi-lidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério; exercer atividade político-partidária; receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, sendo ressalvadas as exceções previstas em lei. Aplica-se aos membros do Ministério Público o disposto no art. 95, parágrafo único, V, da Constituição da República, no sentido de ser vedado exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.

Digno de nota que as garantias mencionadas, na realidade, são em favor de toda a sociedade, como forma de assegurar que o membro do Ministério Público exerça as suas funções com independência e autonomia6, em conformidade com a ordem jurídica, a justiça e o bem comum.

7.4. FUNÇÕES

São funções institucionais do Ministério Público: promover, pri-vativamente, a ação penal pública, na forma da lei; zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da

6 Cf. ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 116.

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