guimarÃes rosa e martin heidegger: duas visÕes sobre o...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO MESTRADO EM LETRAS ESTUDOS LITERÁRIOS LEONARDO CASTRO DA SILVA GUIMARÃES ROSA E MARTIN HEIDEGGER: DUAS VISÕES SOBRE O NAZISMO BELÉM 2014

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR

    INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAO

    MESTRADO EM LETRAS ESTUDOS LITERRIOS

    LEONARDO CASTRO DA SILVA

    GUIMARES ROSA E MARTIN HEIDEGGER: DUAS VISES

    SOBRE O NAZISMO

    BELM

    2014

  • II

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR

    INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAO

    MESTRADO EM LETRAS ESTUDOS LITERRIOS

    LEONARDO CASTRO DA SILVA

    GUIMARES ROSA E MARTIN HEIDEGGER: DUAS VISES

    SOBRE O NAZISMO

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Curso de

    Ps-Graduao em Letras do Instituto de Letras e

    Comunicao da Universidade Federal do Par,

    como parte dos requisitos para obteno do grau de

    Mestre em Letras.

    Orientador:

    Prof. Dr. Slvio Augusto de Oliveira Holanda

    Co-orientador:

    Prof. Dr. Nelson Jos de Souza Jnior.

    BELM

    2014

  • III

    FOLHA DE APROVAO

    LEONARDO CASTRO DA SILVA

    GUIMARES ROSA E MARTIN HEIDEGGER: DUAS VISES SOBRE O NAZISMO

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Curso

    de Ps-Graduao em Letras do Instituto de

    Letras e Comunicao da Universidade Federal

    do Par, como parte dos requisitos para

    obteno do grau de Mestre em Letras.

    Orientador:

    Prof. Dr. Slvio Augusto de Oliveira Holanda

    Aprovado em:/ /

    Conceito:

    Meno:

    Banca Examinadora

    Professor (a):

    Instituio:

    Professor (a):

    Instituio:

    Professor: Slvio Augusto de Oliveira Holanda (Orientador)

    Instituio: Universidade Federal do Par

    Professor: Nelson Jos de Souza Jnior (Co-orientador)

    Instituio: Universidade Federal do Par

  • IV

    A tamanha distncia procuro, indago, cheiro destroos

    sangrentos, / apalpo as formas desmanteladas de teu corpo, /

    caminho solitariamente em tuas ruas onde h mos soltas e

    relgios partidos, / sinto-te como uma criatura humana, e que s

    tu, Stalingrado, seno isto? / Uma criatura que no quer morrer

    e combate, / contra o cu, a gua, o metal, a criatura combate, /

    contra milhes de braos e engenhos mecnicos a criatura

    combate, / contra o frio, a fome, a noite, contra a morte a

    criatura combate, e vence.

    (Carlos Drummond de Andrade,

    Carta a Stalingrado)

  • V

    AGRADECIMENTOS

    No somente em agradecimento, mas em admirao por todo o rigor e erudio nos estudos

    literrios ao professor Slvio Holanda, que com a humildade de um sbio me ensinou a fazer

    crtica literria;

    A todos os membros do grupo EELLIP que contriburam para esta dissertao, principalmente

    ao Jorge, Sandro, Everton, Pablo e Brenno;

    A dona Ilza que me acolheu como filho em sua casa no Rio de Janeiro e a quem tenho tanta

    considerao;

    A minha famlia que sempre financiou meus estudos;

    Ao professor Nelson Jos Jnior, por ter me co-orientado e apresentado aos estudos de

    fenomenologia com nfase em Heidegger;

    professora Socorro Simes pelas suas sbias contribuies para a escrita deste trabalho;

    A todo o PPGL a que perteno como discente;

    Aos meus professores da UERJ, Jos Luiz Jobim, Vitor Hugo Pereira, Marco Casanova e

    Marcos Gleizer;

    Ao PROCAD, por ter me dado a oportunidade do mestrado sanduche;

    A CAPES, por ter financiado parte deste trabalho.

  • VI

    Dedico a Ana Carolina Souza, que sempre me acompanhou

    colaborando para que eu pudesse transpor todos os obstculos.

  • VII

    RESUMO

    No ano de 1970 houve a publicao da obra pstuma Ave, palavra de Guimares Rosa (1908-1967)

    que rene alguns textos do autor, desta coletnea de textos se faz a escolha das crnicas O mau

    humor de Wotan, A velha e A senhora dos segredos, que giram em torno do contexto do

    Nazismo alemo e expem uma posio contraria ao Nacional Socialismo. Num primeiro momento o

    trabalho busca mostrar como Benedito Nunes (1929-2011) se guiou por uma tendncia interpretativa

    concebida por comentadores heideggerianos antes das obras completas [Gesamtausgabe] (2001), tal

    tendncia postula que no h na Filosofia de Martin Heidegger (1889-1976) um vnculo entre o

    pensamento poltico e o filosfico. O passo seguinte expe a noo heideggeriana em Ser e Verdade

    (2001) em que o filsofo alemo prope uma fundamentao ideolgica para o Nazismo, sendo

    favorvel a este com certas ressalvas. Assim, mostra-se como as obras completas expem argumentos

    que apontam uma limitao em relao aos comentadores que produziram antes de sua publicao

    sobre a Poltica e a Filosofia em Heidegger. No subcaptulo sobre O local da diferena (2005), trata-se

    do trauma e do testemunho como conceitos centrais que o autor coloca para teorizar as Literaturas do

    sculo XX nos contextos de guerra e de regimes autoritrios. Aps, faz-se uma leitura crtica com base

    na premissa do pensamento poltico filosfico em Heidegger nas crnicas rosianas, pois estas expem

    imagens do perodo da Alemanha nazista que o escritor mineiro esteve como diplomata. A segunda

    crtica das crnicas de guerra ser feita com base nos conceitos de trauma e de testemunho formulados

    por Seligmann-Silva (1964), pois, as obras rosianas tratadas demonstram o teor de autoritarismo do

    partido nazista. Por fim, ser feita uma definio do conceito de recepo de Hans Robert Jauss (1921-

    1997) para em seguida discutir os autores que fizeram a recepo crticas das crnicas rosianas. PALAVRAS-CHAVE: Guimares Rosa. Heidegger. Nazismo.

  • VIII

    ABSTRACT

    In 1970 occurred the publication of the posthumous book Ave, palavra of Guimares Rosa (1908-

    1967) which gathers some texts of the author, from this collection of texts it has chosen the chronicles

    O mau humor de Wotan, A velha and A senhora dos segredos, which revolve around the

    context of German Nazism and expose a contrary position to National Socialism. At first moment, this

    work aims to show how Benedito Nunes (1929-2011) was guided by an interpretive tendency designed

    by heideggerianos commentators before the complete works [Gesamtausgabe] (2001), such a tendency

    postulates that there is not, in the philosophy of Martin Heidegger (1889-1976), a link between the

    political thought and the philosophical. The next step exposes the heideggerian notion in Ser e

    Verdade (2001) in which the german philosopher proposes an ideological basis for Nazism, being in

    favor of this with certain restrictions. This way, it shows how the complete works set out arguments

    that point to a limitation in relation to the commentators who produced before its publication about

    Politics and Philosophy in Heidegger. In subchapter about O local da diferena (2005), it deals with

    trauma and testimony as central concepts that the author puts to theorize the Literatures of the 20th

    century in the contexts of war and authoritarian regimes. After, it makes a critical reading based on the

    premise of philosophical political thought on Heidegger in the chronicles of Rosa, because they

    expose images from the period of Nazi Germany when the brazilian writer was working as a diplomat.

    The second review of the war chronicles will be made based on the concepts of trauma and testimony

    formulated by Seligmann-Silva (1964), because the works of Rosa treated demonstrate the level of

    authoritarianism of the Nazi party. Finally, it will be made a definition of the concept of reception of

    Hans Robert Jauss (1921-1997) to then discuss the authors who made the critical reception of the

    chronicles of Guimares Rosa.

    KEY-WORDS: Guimares Rosa. Heidegger.Nazism.

  • IX

    SUMRIO

    INTRODUO.............................................................................................................. 10

    1. PRESSUPOSTOS TERICOS PARA UMA LEITURA DAS CRNICAS

    ROSIANAS DE GUERRA.........................................................................................

    13

    1.1. Interpretao sobre o pensamento poltico-filosfico de Heidegger segundo

    Benedito Nunes............................................................................................................

    13

    1.2. O nexo poltico-filosfico Heidegger na obra Ser e Verdade: a questo

    fundamental da filosofia...............................................................................................

    28

    1.3. Trauma e testemunho segundo Seligmann-Silva.................................................... 40

    2. LEITURAS CRTICAS DAS CRNICAS ROSIANAS DE

    GUERRA...................................................................................................................

    52

    2.1. Embate entre as crnicas rosianas e Ser e Verdade.................................................. 52

    2.2. O trauma e o testemunho nas crnicas de guerra..................................................... 80

    3. RECEPO DAS CRNICAS ROSIANAS DE GUERRA NO SCULO XXI.... 93

    CONCLUSO................................................................................................................ 112

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS........................................................................ 117

  • 10

    INTRODUO

    Tm-se como corpus do trabalho as crnicas O mau humor de Wotan1, A velha

    2 e

    A senhora dos segredos3 contidas na obra de publicao pstuma Ave, palavra (1970) de

    Guimares Rosa (1908-1967) que citam acontecimentos sobre o Nazismo. O segundo objeto

    terico a obra Ser e Verdade: a questo fundamental da filosofia de Martin Heidegger

    (1889-1976), em que o filsofo prope uma concepo ideolgica sua para o Nacional

    Socialismo.

    O passo inicial do primeiro captulo mostrar no subcaptulo 1.1 como o comentador

    Benedito Nunes (1929-2011), em suas obras A passagem para o potico e No tempo do

    niilismo, seguiu uma tendncia interpretativa de poca devido a uma disponibilidade limitada

    dos textos de Heidegger, no perodo, sendo apenas vinte e duas obras publicadas. Assim como

    Otto Pggeler, em A via do pensamento de Martin Heidegger, e Ernildo Stein, em

    Compreenso e finitude, o comentador paraense em seus textos em questo, discute o

    conceito de ser-a como uma unidade interpretativa que se mantm em todo o pensamento do

    filsofo alemo. No entanto, este desconhecimento da totalidade dos escritos heideggerianos

    proporcionava outra restrio, que era no poder identificar como o pensamento poltico-

    filosfico de Heidegger estava intimamente ligado. exatamente esta limitao em que no

    se pode detectar a Poltica como parte do pensamento heideggeriano, que se clarificar como

    Nunes interpretou este aspecto como ausente no pensamento do filsofo alemo, pois, sem a

    publicao dos textos, em que Heidegger tratou de sua concepo poltico-filosfica, era

    impossvel constatar tais argumentos, podendo ser apenas explorado um sensacionalismo sem

    embasamento filosfico, cientifico, crtico etc. Para o comentador paraense, a Poltica foi

    apenas um dado biogrfico incontornvel em Heidegger, que no se vincula a sua Filosofia.

    No subcaptulo 1.2, respalda-se nas obras completas [Gesamtausgabe]4 (2001) de

    Heidegger que somam um total de cento e duas obras, mais especificamente, no volume 36

    intitulado Ser e Verdade: a questo fundamental da filosofia5 para expor como este texto faz

    1 Inicialmente publicada em 29.02.1948 Correio da Manh.

    2 Inicialmente publicada em 03.06.1961 O Globo.

    3 Inicialmente publicada em 06.12.1952 Correio da Manh.

    4 Organizada por Friedrich Wilhelm von Herrmann, as obras completas de Heidegger estavam guardadas no

    poro da casa do filsofo alemo. Os textos heideggerianos originais eram manuscritos produzidos pelo filsofo

    alemo e foi seu filho Herrmann Heidegger que autorizou a organizao e publicao integral da obra

    heideggeriana. 5 Com a publicao total da obra heideggeriana surgiram novas perspectivas a respeito da interpretao do

    pensamento do filsofo alemo, dessa forma, se pode detectar limitaes de comentadores que tentaram

    estabelecer um caminho interpretativo nico sobre Heidegger, pois, com a integralidade dos textos do filsofo

    alemo se sabe que existem trs etapas do pensamento heideggeriano, pois, se tem um primeiro Heidegger da

  • 11

    parte de algumas obras da dcada de 1930, que mostram o nexo entre a Poltica e a Filosofia

    heideggeriana. Escrita em 1936, Ser e verdade: a questo fundamental da filosofia foi lida

    para os alunos calouros do semestre de vero do ano em que foi produzida. Neste texto,

    possvel comprovar como o filsofo alemo favorvel ao Nacional Socialismo, porm,

    fazendo algumas ressalvas em relao ao partido alemo que contm uma carncia ideolgica

    que pode ser suprida com seu pensamento. Heidegger prope-se como idelogo para o

    Nazismo, pois, para ele o partido alemo necessrio, no entanto, a Filosofia deve

    alimentar o Nacional Socialismo. No uma Filosofia qualquer estabelecida durante a

    Histria da tradio, mas a Filosofia heideggeriana. com base na interpretao dos

    argumentos de Ser e Verdade, desconhecidos antes das obras completas, que se pode constatar

    o comentrio limitado sobre o pensamento poltico de Heidegger, explorado antes por

    Benedito Nunes e compreender usando o texto original e de comentadores como o prprio

    filsofo alemo prope noes filosficas para o Nazismo.

    No subcaptulo 1.3, O local da diferena (2005), de Seligmann-Silva (1964), se

    demonstra como o terico brasileiro conceitua o trauma e o testemunho. O sculo XX

    marcado por regimes ditatoriais, duas guerras mundiais, guerras civis etc. configura um

    perodo da Histria marcado pela violncia contra a humanidade. neste contexto que o

    Holocausto na Europa e as guerras mundiais foram eventos determinantes para se pensar o

    trauma e o testemunho. Pois, alm destes conceitos serem instrumentalizados pela psicanalise

    para comprovar patologias de carter individual e coletivo no homem, eles tambm aparecem

    e demonstram sua importncia na produo literria do sculo passado. Atravs dos conceitos

    propostos por Seligmann-Silva, se demonstra como o terror da realidade do sculo XX

    ficcionado na Literatura, como o trauma e o testemunho so de indispensvel importncia

    para caracterizar a escrita ficcional desta poca e como a Literatura sofre mudanas

    intimamente marcadas pelo contexto histrico de atrocidades.

    No captulo 2, o subcaptulo 2.1, faz-se a crtica das trs crnicas rosianas que

    demonstram imagens contrrias ao nazismo, seja o hitleriano prtico ou o ideolgico

    dcada de 1920, um segundo da dcada de 1930 e um terceiro ps-1940. Ser e Verdade: a questo fundamental

    da filosofia pertence segunda etapa da concepo heideggeriana e constitui uma relevante contribuio, pois

    um dos textos em que o filsofo alemo mostra sua Filosofia Poltica antes no detectvel e expressa como em

    alguns textos da dcada de 1930. H noes filosficas que o pensador alemo expe como uma ideologia capaz

    de espiritualizar o Nazismo. Logo, no possvel pensar em uma relao poltico-filosfica de Heidegger com o

    Nacional Socialismo fora deste universo da dcada de 1930. Porm, os comentrios que antes no concebiam o

    Nazismo na obra de Heidegger, estavam parcialmente corretos devido ao fato dos textos publicados antes das

    obras completas no terem este carter. No entanto, aps a publicao da obra integral de Heidegger, como, por

    exemplo, Ser e Verdade: a questo fundamental da filosofia mostra a tentativa do filsofo de implantar seu

    pensamento no Nazismo obviamente no se pode conceber este texto como sendo de importncia menor, mas, de

    carter fundamental para os estudos sobre Heidegger.

  • 12

    heideggeriano, ser feita tendo como premissa o posicionamento favorvel de Heidegger ao

    Nacional Socialismo e que no foi conhecido por Benedito Nunes devido por no haver na

    poca em que o comentador paraense escreveu, a publicao integral dos textos

    heideggerianos. Mesmo sem ter tido acesso a Ser e Verdade: a questo fundamental da

    filosofia, Guimares Rosa proporciona argumentaes em suas crnicas que se opem no

    somente a prtica nazista como o autoritarismo, a destruio de famlias, a morte de civis etc.,

    mas, tambm contra a proposta ideolgica poltico-filosfica de Heidegger, que tentava

    reconhecer elementos da arte, Filosofia, sociedade gregas etc. Como traos da cultura alem.

    Tendo como premissa os conceitos de trauma e testemunho de Seligmann-Silva, no

    subcaptulo 2.2, ser feita a prxima etapa crtica das trs crnicas rosianas6, pois, nestes

    textos contm o contexto histrico da Alemanha nazista. O que crucial para se explicitar

    imagens do sculo XX relacionveis com os conceitos do terico brasileiro. Em O mau

    humor de Wotan, por exemplo, a incapacidade de testemunhar do personagem Hans-Helmut

    devido o trauma sofrido em um ambiente em que aconteceu um combate durante a Segunda

    Guerra Mundial; as condies precrias de vida dos judeus, que invadiam o consulado

    brasileiro em A velha; e os jovens em idade de alistamento militar que no queriam saber

    sobre o seu provvel destino, em A senhora dos segredos. So imagens da Alemanha

    nacional socialista que possibilitam uma leitura destas crnicas mantendo uma relao com os

    conceitos de trauma e testemunho da obra O local da diferena.

    No terceiro captulo, a discusso gira em torno do conceito de recepo formulado

    segundo a concepo de Hans Robert Jauss (1921-1997) e da recepo crtica das crnicas de

    guerra rosianas. Com base nos textos, O narrvel da guerra e o inimigo objetivo, sob o cu

    de Hamburgo, em O mau humor de Wotan, de Joo Guimares Rosa de autoria de Joo

    Batista Santiago Sobrinho e Guimares Rosa e o terror total de Jaime Ginzburg. Tem-se a

    princpio esses dois textos crticos produzidos sobre as crnicas rosianas no Brasil, o que

    demonstra que somente aps trs dcadas do lanamento de Ave, palavra houve uma ateno

    para a recepo crtica dessas crnicas, no entanto, cabe discutir como estes crticos fizeram a

    recepo aps mais de trinta anos de seu lanamento.

    6 Far-se- a crtica das trs crnicas em um mesmo subcaptulo, no pelo fato de A velha e A senhora dos

    segredos terem uma extenso menor que O mau humor de Wotan. Mas, pelo motivo de as suas primeiras

    crnicas no terem a mesma quantidade de referncias que a ltima como cidades (Belgrado, Hamburgo, Paris,

    etc.), pases (Noruega, Polnia, Tchecoslovquia etc.), mitologias, (Nornas, Wotan, Logge, etc.) etc.

    Independentemente se a leitura crtica ser feita tendo como base o subcaptulo terico que expe a concepo de

    Heidegger, Seligmann-Silva ou Jauss. Sero tratadas juntas no mesmo subcaptulo critico as trs crnicas

    rosianas.

  • 13

    1. PRESSUPOSTOS TERICOS PARA UMA LEITURA DAS

    CRNICAS ROSIANAS DE GUERRA

    1.1. Interpretao da relao poltico-filosfico de Heidegger segundo Benedito Nunes

    J s um deus nos pode ainda salvar. Como nica possibilidade,

    resta-nos preparar pelo pensamento e pela poesia uma

    disposio para o aparecer do deus ou para a ausncia do deus

    em declnio; preparar a possibilidade de que [...] pereamos

    perante o deus ausente. (Martin Heidegger)

    7

    No ano de 2001, o comentador alemo Friedrich von Herrmann organizou as obras

    completas [Gesamtausgabe] de Martin Heidegger (1889-1976). Tal organizao resultou na

    publicao das obras integrais do filsofo alemo que, at ento, eram desconhecidas e juntas

    somam um total de cento e dois volumes. Aps o conhecimento da completude das obras do

    filsofo alemo, muitos comentrios a respeito de Heidegger foram superados e percebeu-se

    que nestes h uma limitao interpretativa. As obras completas fornecem argumentos capazes

    de demonstrar a limitao de alguns textos como A via do pensamento de Martin Heidegger

    [Der Denkweg Martin Heideggers] (1963) de Otto Pggeler, Compreenso e finitude (2001)

    de Ernildo Stein, A passagem para o potico (1986) e No tempo do niilismo (1993)ambos de

    Benedito Nunes8 etc.

    A obra A via do pensamento de Martin Heidegger inicia uma tendncia interpretativa,

    em que Pggeler tenta mostrar que h a conduo de que se pode estabelecer um caminho

    para compreenso do pensamento heideggeriano. Porm, sabido que no h apenas um

    momento interpretativo na Filosofia heideggeriana, pois, com a disponibilidade total das

    obras completas h trs fases no pensamento heideggeriano um da dcada de 1920, um de

    1930 e outro ps-1940. A interpretao de Pggeler, voltada principalmente para o objetivo

    de Ser e Tempo, ou seja, o sentido do ser [Sinn von Sein], inicia uma articulao que vrios

    comentadores se dispem a percorrer, obviamente cada um com seus argumentos, mas sempre

    tentando mostrar uma linearidade interpretativa.

    A linearidade interpretativa de Compreenso e finitude colocada por Stein, uma viso

    intensificadora, pois a obra conduz uma tese de que a Verdade [Wahrheit], existencial do ente

    [Seiende] que est em seu ncleo, e que mostrada quando o ser-a [Dasein] est aberto para

    7 HEIDEGGER, Martin. J s um deus nos pode ainda salvar. Trad. Irene Borges Duarte. Covilh, 2009.

    Retirado s 23:59 do site: www.lusosofia.net. Entrevista cedida revista Der Spiegel em 1966. 8 A crtica de Benedito Nunes o foco de discusso a ser desenvolvido.

  • 14

    a apropriao [Eigentlichkeit], simplesmente uma unidade presente em toda anlise ntica.

    A proposta de Stein mostrar como a Verdade estabelece um ponto comum para o

    comentrio da Filosofia de Heidegger, ou seja, a Verdade do ente o ponto principal e

    comum em todo trajeto dos textos heideggerianos.

    Seguindo esta tendncia interpretativa, de mostrar uma conduo para compreender

    Heidegger, Benedito Nunes segue o modelo estabelecido em que comentadores antes das

    obras completas no tinham conhecimento das trs etapas do pensamento do filsofo alemo.

    Discute-se em A passagem para o potico e desenvolve-se mais em No tempo do niilismo a

    separao entre o Heidegger homem e o filsofo, que para o crtico paraense no h nem um

    vnculo entre o pensamento poltico e filosfico de Heidegger. Porm se sabe que Nunes

    segue uma tendncia que tenta dar um trajeto interpretativo obviamente limitado pelo fato de,

    neste perodo de produo crtica, ainda no se dispor da totalidade das obras de Heidegger.

    Veja-se como Nunes expe seu comentrio acerca do tema.

    Este captulo objetiva discutir o comentrio de Benedito Nunes (1929-2011) em A

    passagem para o potico9, mais especificamente, tratar do modo como Nunes interpretou o

    posicionamento das obras do filsofo alemo Martin Heidegger mediante o Partido Nacional

    Socialista Operrio Alemo [National Sozialisten Deutsch Arbeit Partei] a que Heidegger foi

    filiado. O comentador paraense faz uma interpretao das obras do filsofo alemo, antes da

    publicao das obras completas e, obviamente, com uma disponibilidade bem menor de texto,

    tendo sido na poca somente vinte duas obras de Heidegger utilizadas por Nunes para a

    produo de seu livro em questo.

    A obra de Benedito Nunes A passagem para o potico discute a Filosofia

    heideggeriana, mostrando como durante o perodo da Alemanha nazista, foi reduzida a

    ateno para o pensamento do filsofo alemo dentro de seu pas e fora da terra germnica

    repulsada sua receptividade. Segundo Nunes, tudo isto foi condicionado devido ao fato de se

    ter concebido uma relao equivocada do filsofo alemo com o Nacional Socialismo em que

    Heidegger foi engajado; para o comentador paraense, o vnculo que o filsofo alemo

    manteve foi estreito, ou seja, pessoal, e no abrangeu suas obras. Ter-se esquivado do

    pensamento heideggeriano foi uma atitude radical da parte de quem estudou Heidegger. Tal

    Posicionamento equivocado, talvez at preconceituoso por entrelaar o partido poltico do

    filsofo ao seu pensamento.

    Mesmo diante do contexto histrico que limitava os estudos sobre Heidegger, os

    9 Utiliza-se a segunda edio de 1992.

  • 15

    comentadores de idioma francs10

    que divulgaram o Heidegger existencial11

    , detectaram um

    segundo momento do pensamento do filsofo que Nunes nos mostra ser:

    Dificilmente classificvel, entre poeta e mstico, a quem no mais colocaria

    o nome de filsofo e para quem a prpria Filosofia, identificada a

    Metafsica, tornara-se suspeita. (NUNES, 1992, p. 13)

    Se para Benedito Nunes h dois momentos de um mesmo pensador, um primeiro j

    conhecido pelo carter existencial de sua Filosofia e um segundo que no possvel rotular,

    sabe-se que o elo que mantm a relao entre as duas fases do filsofo o objeto de

    questionamento de Heidegger, a diferena ontolgica entre ser e ente, ou seja, mesmo o

    pensador se constituindo de dois momentos, sua anlise da estrutura [Struktur] de sentido

    [Sinn] do ser-a que enquanto Ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] realiza sua dinmica

    ontolgica. necessrio tratar deste ente que ele vai questionar pela diferena.

    Nunes considera que, em Heidegger, seja na primeira ou na segunda etapa de seu

    pensamento, no se pode ver nada que possa atribuir de Nazismo s concepes do filsofo

    alemo. E o vinculo que Heidegger manteve com o Nacional Socialismo Alemo foi apenas

    um fato incontornvel na Histria, pois o comentador expe datando o ano de 1933, em que

    Hitler mantinha plenos poderes na Alemanha, que o filsofo do sentido adquiriu, por votao

    unnime, o cargo de reitor na Universidade de Friburgo. E o mais impressionante que

    Heidegger foi indicado por seu antecessor Von Mllendorf, que teve o ato de proibir os

    estudantes nazistas de divulgar seu antissemitismo pela via de cartazes espalhados pela

    Universidade. Foi perante o risco de no propagar a ideologia nazista que Heidegger foi eleito

    reitor. Para Benedito Nunes, o texto do filsofo alemo A Auto-Afirmao da Universidade

    Alem, redigido no ano de 1933, no fundamenta nenhuma relao que se possa vincular ao

    Nacional Socialismo.

    Heidegger expressou o verdadeiro motivo de ter aceitado o mais alto cargo universitrio

    em A Auto-Afirmao da Universidade Alem, neste texto est colocado como o filsofo

    alemo inicia sua curta atividade poltica com o Nazismo, durando apenas dez meses,

    10

    O autor no cita quais eram estes comentadores franceses. 11

    Benedito Nunes coloca o termo existencial para diferenciar o filsofo alemo da corrente filosfica

    existencialista, que visava existncia humana, no entanto, Heidegger no pertenceu ao existencialismo, pois

    sua filosofia era existencial e no existencialista devido ao foco de Heidegger est voltado para o sentido do ser,

    mas, para tratar deste, o filsofo alemo precisa analisar o ente [Seiende] que questiona pelo sentido do ser, ser-

    a, [Dasein] que a noo de homem que Heidegger demonstra. O ser-a, este ente que mantm variveis

    relaes ontolgicas, marca, dessa maneira sua existncia no mundo, mas Heidegger no est direcionado

    existncia deste ente, e sim ao sentido do ser das relaes que o ser-a pode manter em sua dinmica no mundo

    como por exemplo, ocupao [Besorgen], preocupao [Frsorgen], prprio [Eigentlich], imprprio

    [Uneigentlich] etc.

  • 16

    iniciando em 1933 e terminando em 1934 aps renunciar ao cargo e distanciar-se do Partido

    Nacional Socialista Alemo. Durante sua vinculao ao Nazismo, Heidegger no afetou sua

    produo filosfica, comprometendo seu pensamento seja como adepto dos princpios do

    Nacional Socialismo ou como fundamentao, mostrando argumentos que ele teria e que

    seriam ausentes no partido, segundo Nunes:

    A adeso passageira do filsofo ao nacional-socialismo no atendeu a razes

    subalternas de convenincia pessoal ou de acomodao ideolgica.

    (NUNES, 1992, p. 30)

    O cargo de reitor permitia a Heidegger a tentativa de reconfigurar a Universidade

    Alem, fazendo com que professores e alunos se deparassem com seu questionamento acerca

    da essncia [Wesen] da universidade, questionando se professores e alunos pertencentes ao

    povo alemo estavam enraizados na misso [Auftrag] espiritual [geistig] que lhe cabia e

    autenticasse o verdadeiro empenho de uma escola superior. (NUNES, 1992, p. 30) Isto est

    ligado ao destino [Schicksal] do povo alemo de transpor o modelo universitrio vigente e

    assim conquistar sua essncia, a vontade de cincia (NUNES, 1992, p. 30), sendo

    reconhecida pelos professores e estudantes alemes. Para Nunes o texto de Heidegger

    expressa que o dever da Universidade Alem era a educao e a disciplina dos orientadores

    [Fhrer] e dos guardies [Hte]. O crtico paraense v nestes argumentos do filsofo alemo,

    sua vontade de cincia.

    O modelo universitrio alemo vigente que no esclarecido por Heidegger, impede

    que a universidade desempenhe seu verdadeiro papel de educar e disciplinar os membros do

    povo alemo. Para o filsofo, seu questionamento colocado diante da essncia da

    Universidade de fundamental importncia para o verdadeiro carter acadmico de vontade

    de cincia, porm como se pode detectar segundo Nunes, Heidegger pode expor seu

    questionamento para a universidade graas a seu respaldado como reitor.

    Um dos objetivos de Heidegger era encontrar, dentro da Universidade alem, um porto

    seguro para a atividade cientifica, no entanto, para a vontade de cincia ser consolidada no

    interior do ambiente universitrio era necessrio que o destino poltico do povo alemo fosse

    conquistado, pois, desta maneira, o povo se espiritualizaria, compreendendo-se como um

    povo que se estrutura no estado. Nunes comenta que a articulao de Heidegger, mostra como

    os orientadores e guardies que sero formados pela Universidade Alem, regidos por um

    novo direito dos estudantes submetidos s exigncias do Nacional Socialismo, pois:

    Os trs servios que o partido pregava: o do Trabalho (Arbeistdienst), o da

  • 17

    Defesa (Wehrdienst) e do Saber (Wissendienst). (NUNES, 1992, p. 30)

    Portanto, para o comentador paraense, a concepo do filsofo alemo

    suficientemente esclarecedora para demonstrar como ficam isentos na articulao de

    Heidegger, os argumentos de superioridade da raa alem, a superioridade da cincia alem, o

    antissemitismo etc. que configuram princpios da doutrina nazista. Para Nunes, o discurso de

    reitorado de Heidegger enuncia apenas uma noo de nacionalismo sustentado em sua prpria

    Filosofia e que totalmente segregado dos dogmas do Partido nazista que o filsofo foi

    filiado. Alm disso, o comentador paraense coloca que o filsofo alemo tinha conscincia de

    suas aes e escritos durante o perodo em que foi partidrio poltica alem, eram

    divergentes dos princpios constitudos pelo Nacional Socialismo, afirmando sobre Heidegger

    que:

    A nada do que, durante o interregno, traduziu por palavras ou atos sua

    confiana no Fhrer, seus artigos concitando os estudantes a participarem do

    Servio de trabalho, seu apelo de novembro de 1933 conclamando o povo

    alemo a referendar o rompimento de Hitler com a Liga das Naes , a

    nada disso faltou a sinceridade e a firmeza de um convicto. (NUNES, 1992,

    p. 31)

    Segundo Nunes, a atitude de Heidegger de se vincular ao Nacional Socialismo foi um

    ato comum ao homem, pois, no se pode ser politicamente neutro, ainda mais, se levado em

    considerao que o destino da Universidade alem estava em jogo. O filsofo alemo estava

    ciente dos assuntos polticos que rodeavam seu pas e sua adeso ao Nazismo, foi para o

    comentador paraense, uma tentativa poltica de salvao do social da nao alem. Pois

    Heidegger via no Nacional Socialismo a fora que poderia mudar a realidade pblica da

    Alemanha e esta mudana seria possvel atravs da Universidade. Mais tarde, convicto da

    descrena no Nacional Socialismo e contrario as manifestaes antissemitas no ambiente

    acadmico, Heidegger vem a renunciar seu cargo de reitor, para Nunes, esta atitude do

    filsofo alemo deixa claro como este foi distante dos ideais propostos pelo partido. Mas a

    ao poltica de Heidegger lhe rendeu consequncias por parte do Nazismo que o tornou:

    Alvo de ataques verbais por parte dos idelogos oficiais do Nazismo, como

    Ernst Krieck e Alfred Beumler, proibidas algumas de suas obras, inclusive o

    discurso de posse como reitor, boicotada a venda de outras, o filsofo viu-se

    impedido de sair para o estrangeiro. Talvez s ento tenha percebido o que

    estava por trs de foras vivas. (NUNES, 1992, p. 32)

    Portanto, para Nunes, mesmo o filsofo alemo sendo consciente de sua postura

  • 18

    poltica, foi necessrio Heidegger padecer o impacto autoritrio do Nacional Socialismo aps

    sair do partido para se convencer totalmente que o bem proposto pelo filsofo para a

    sociedade alem, no viria pelo Nazismo. Pois, o prprio Heidegger que no era

    simplesmente um cidado alemo e que queria o engrandecimento pblico alemo, padeceu a

    represso nazista. Mas a represlia no acabou por a, Heidegger considerado dispensvel

    como Professor, ficou durante seis anos, proibido de ensinar (1945-1951) e somente em

    1951, quando, j com 60 anos de idade, foi nomeado professor honorrio da Universidade de

    Friburgo. (NUNES, 1992, p. 32)

    A argumentao exposta pelo comentador paraense , segundo ele prprio, suficiente

    para comprovar que no houve um Heidegger comprometido com o ideal do regime nazista,

    que no houve este filsofo alemo nacional socialista adepto a prtica totalitarista do partido.

    E vincular a Filosofia de Heidegger ao partido poltico a que foi filiado, ou seja, procurar um

    elo entre o partido que o filsofo alemo aderiu e suas obras, tentando atribuir um Heidegger

    poltico filosoficamente em que seu pensamento sustentasse uma concepo nazista, nada

    mais do que um desvirtuamento da compreenso do pensamento heideggeriano. Logo, para

    Nunes, simplesmente uma ao ignorante vincular o valor de uma Filosofia aos eventos que

    configuraram a vida pessoal de um filsofo, mesmo este tendo sido relacionado com um

    regime autoritrio de impacto reverberado por todo o mundo. Mas, ento se se tratando de

    Heidegger no h um vinculo entre o pensamento poltico filosfico, o que se deve focar e

    reconhecer como intimamente original neste filsofo? A esta pergunta se tem a seguinte

    resposta:

    O problema que se pode legitimamente colocar sob o foco poltico, acerca da

    concepo heideggeriana, anlogo ao que se deve propor em torno da

    concepo de qualquer outro grande filsofo: o de suas razes ideolgicas

    mais profundas. Mas esse problema s formulvel mediante o

    conhecimento interno de sua Filosofia, dessa criao filosfica singular,

    concretizada numa obra historicamente datada, a partir da questo

    fundamental do ser, que a mobilizou. (NUNES, 1992, p 33)

    Como se pode constatar, para Nunes, em nada se pode atribuir, identificar, estabelecer

    elo etc. a respeito da Filosofia Fenomenolgica de Heidegger com dados histricos de sua

    vida pessoal, assim no se pode exigir uma conduta integra do homem e muito menos

    desvalorizar ou deturpar uma Filosofia singular por meio de aes pessoais de quem a

    construiu.

    A partir de agora ser tratada a concepo de Benedito Nunes em No tempo do niilismo

    (1993), obviamente o manejo que se continuar a fazer acerca de como Nunes fez sua

  • 19

    interpretao da relao de Heidegger com o Nazismo, pois a obra em questo do comentador

    paraense foi publicada aps a Passagem para o potico. E a discusso sobre a relao de

    Heidegger com o Nacional Socialismo continua. Em No tempo do niilismo, o autor considera

    explicito e inquestionvel o envolvimento de Heidegger com o partido de Hitler. Isto j

    comprovado e conhecido pela Histria, no entanto, a concepo de Vitor Farias em Heidegger

    e o nazismo tenta de uma forma deturpadora comprometer o filsofo alemo, alm da

    responsabilidade que ele teve com o Nacional Socialismo e associar o valor pejorativo desta

    poltica com a obra filosfica de Heidegger. Pois para Nunes, Farias coloca que o pensamento

    heideggeriano constitudo de um alto teor nazista que reflete na obra do pensador alemo.

    Em nada se confunde a Filosofia de Heidegger com sua atuao poltica que

    demonstrava sua crena de avivamento da nao alem, pois, para o filsofo, a salvao da

    Alemanha viria pelas foras que o Nacional Socialismo viria a trazer. Porm se abateu sobre

    Heidegger a decepo com o partido de Hitler, fazendo com que ele viesse a tomar atitudes

    opostas as de antes condicionadas por sua postura poltica:

    Renunciando ao posto de Reitor, afastando-se da atividade partidria,

    Heidegger criticou, no recolhimento de seus cursos, a ideologia oficial do

    regime nazista, e, hostilizado pelos intelectuais que o policiavam, foi alvo,

    at o fim da guerra, da vigilncia do partido, da censura e do boicote dos

    rgos governamentais. (NUNES, 1993, p. 23)

    Pode-se ver que a Histria de Heidegger com Nazismo se traa em um segundo

    momento sob a represso do partido que antes apoiou. E em um terceiro momento o filsofo

    passa pela represso do antinazismo do ps-guerra em que foi proibido de ensinar de 1945

    1951, naturalmente o antinazismo ps-guerra veio a consider-lo um ex-membro do Nacional

    Socialismo por isso a represlia, entretanto, isto configura, para Nunes, o trmino de uma

    causa esclarecida. Mas Vitor Farias expe novas provas que, vem a contestar a curta relao

    do filsofo com o partido hitleriano, pois, para Farias o que est em questo no a

    comprovada relao poltica que Heidegger manteve com o Nazismo, mas, sim um

    julgamento que deve ser submetido ao homem e filsofo Martin Heidegger.

    Coloca-se que para Nunes a escolha poltica de Heidegger, foi um ato consciente e que

    no houve nada de acidental. No entanto, a origem deste ato se sustenta na Histria de vida do

    filsofo, pois ele teve a Igreja Catlica como financiadora de seus estudos devido situao

    de Heidegger ser de famlia humilde e ligada a Igreja, mas em que isto se vincula com a

    deciso poltica do filsofo? importante frisar que o dado biogrfico que demonstra a

    preocupao do filsofo com e educao se pode relacionar com o de sua infncia, cujo

  • 20

    ensino foi custeado pela igreja catlica. Fica claro que para Nunes o fato de Heidegger ter

    sido estudante seminarista teolgico configura parte de sua gnese de escolha pelo Nazismo,

    pois a Companhia de Jesus divulgou proposta por meio de mdia que eram controversas a

    poltica vigente antes da ascenso do Nacional Socialismo. E como o filsofo alemo no

    poderia influenciar suas escolhas de vida sem se inclinar para os interesses da Igreja que

    pertencia? Pois:

    Quando se trata da Companhia de Jesus, quela poca publicando uma

    revista com artigos que defendiam a unio do missionarismo religioso com o

    imperialismo germnico criticava o marxismo dos dirigentes

    socialdemocratas, [...] (NUNES, 1993, p. 25)

    Portanto, Heidegger enquanto novio passou a aderir s ideias divulgadas pela mdia

    catlica e:

    Em seguida, como se da por diante uma bssola ideolgica o orientasse,

    dirigir a sua preferencia para os cursos de professores que foram mais tarde

    prceres eminentes no desabrochar do nacional-socialismo. (NUNES, 1993,

    p. 25)

    Toda a constituio intelectual de Heidegger se emaranha em uma complexa trama que

    envolve Teologia, Literatura, Filosofia etc. foram determinantes para a formao do filsofo

    alemo. Em seu primeiro escrito direcionado a Abraham a Sancta Clara, nota-se a influncia,

    que o filosofo absorve deste monge agostiniano (XVII) que foi inimigo de Turcos, Judeus e

    modelo para o posicionamento antissemita da Igreja Catlica. Esta marca ferrada na biografia

    de Heidegger mostra um ponto de fraqueza evidente na concepo de Vitor Farias, pois, para

    Nunes, Farias, ao elogiar Abraham a Sancta Clara por no ter, em sua conduta, a marca do

    antissemitismo, comete um grave e equivocado erro sobre a formao de Heidegger. um

    fato consumado que o filsofo alemo apartou seu vnculo com a Igreja. Mas, factual,

    tambm, que esta fez parte de sua formao e que pode justificar determinadas aes do

    filsofo que, sofrem influncia de sua formao.

    Outro erro na interpretao de Vitor Farias, segundo Nunes ver a gnese das decises

    polticas de Heidegger em sua obra central Ser e Tempo (1927). V-se que, para Nunes,

    obvio que no se deve vincular obra filosfica de Heidegger a posio poltica do filsofo.

    Pois assim, estar-se-ia cometendo o equivoco de Farias ao relacionar a obra de 1927, a

    escolha pelo Nacional Socialismo de 1933. A inteno de Farias nada mais para Nunes do

    que adjetivar pejorativamente a Filosofia de Heidegger com a ideologia nazista. Pois a obra

  • 21

    Ser e Tempo, anexada ideologicamente ao regime autoritrio que causou consequncias de

    terror no mbito poltico, social, cultural etc. perderia seu valor de questionamento por

    excelncia como toda obra filosfica consagrada. Logo, a conduta inquisidora de Farias,

    confunde Histria e biografia com Filosofia e mostra seu interesse na condenao pessoal de

    Heidegger, mas condenar o homem Heidegger no condenar o filsofo, no entanto, Farias

    no contra somente ao homem Heidegger, mas, tambm, filosofia heideggeriana. Porm:

    Segundo o nosso modo de ver, a questo de fundo de Heidegger e o

    nazismo, que preciso discutir independentemente do problema tico da

    responsabilidade humana do filsofo. Em suma preciso discutir a

    interpretao de Ser e Tempo por Vitor Farias.(NUNES, 1993, p. 27)

    O 74 de Ser e Tempo, interpretado por Vitor Farias a principal fraqueza de um

    entendimento desvirtuado da obra, pois Nunes coloca que Farias demonstra que, neste

    pargrafo o incio sustentador da escolha pelo Nazismo que Heidegger fez em 1933. Farias

    articula que o filsofo alemo, ao tratar da temporalidade do ente [Seiende] humano, ser-a

    [Dasein], demonstra que este pode negar sua a tradio conservadora e conquistar o

    tradicional revolucionrio como possibilidade [Mglichkeit] prpria [Eigentlich] sua. Esta

    conquista pelo seu destino individual e pelo coletivo afirmada por Vitor Farias, segundo

    Nunes, como uma fundamentao excludente, pois caberia comunidade do povo a que

    pertencesse determinado ser-a esta apropriao [Eigentlichkeit]. Porm, segundo Nunes, fica

    claro que, em Ser e tempo, a apropriao pelo ser [Sein] autntico um poder ser

    [Seinknnen] de qualquer ser-a, pois, um modo de ser [Seinsart] como o ente se articula

    consigo mesmo, a intramundanidade12

    ntica no lhe ocupa13

    mais e no passa a ser

    preocupado [Frsorge] com as outras existncias, apenas se articula com seu prprio ser

    singularizado, com que de autntico [Eigentlich] o constitui.

    O comentador paraense sustenta que Farias, ao interpretar equivocadamente o prprio

    do ente humano como constitutivamente da comunidade do povo14

    e associar isso ao princpio

    nacional socialista do Racismo, o historiador comete um erro grosseiro, pois, o ser prprio o

    autntico do ser-a se realizando a partir de si mesmo. No entanto, Farias denomina como j

    se disse, sobre o 74, o ente humano alemo em sua individualidade e comunidade com os

    outros, o nico que pode se apropriar. No apenas a concepo do historiador errnea, pois a

    conquista pelo destino individual no apenas exclusiva de um ser-a alemo e sim uma

    12

    Referente ao termo alemo Innerweltlich que designa o ente enquanto utensilio [Zeug]. 13

    Referente ao termo alemo Besorgen, ocupao em que o ser-a lida no cotidiano [alltglich] com o ntico. 14

    Podemos afirmar que para Nunes, Farias refere-se comunidade alem que pertenceu Heidegger, pois o

    historiador vincular o pensamento do filsofo alemo ao nazismo como argumentao nacionalista e racista.

  • 22

    apropriao de uma antecipao [Vorlaufen] para o fim, pois a conquista do futuro

    [Zukunft], da morte como extremidade da temporalidade, a histria sendo um modo de ser do

    ente humano que se projeta para o futuro. E a associao que Farias faz com Nazismo em

    relao ao princpio da excluso, no somente equivocada como foi mostrada, mas tambm,

    desvaloriza a Filosofia heideggeriana.

    Benedito Nunes reconhece o obstculo interpretativo do 74, pois, para o comentador,

    a relao entre destino individual [Schicksal], prprio [eigen] do ser-a em que o ente

    enquanto resoluo [Entschlossenheit] decide por si mesmo; o destino comum [Geschick]

    remetido historicidade em que o ente humano enquanto ser-com se comporta com

    referenciais nticos, relacionando-se com outros seres-a comumente no cotidiano. percebe-se

    a complexidade da trama entre destino individual e comum, pois, o ente est entre o singular e

    o comum, sendo sempre possibilidade se realizar em um ou em outro. Nunes acusa Vitor

    Farias, de no enxergar esta dificuldade de interpretao vigente em Ser e Tempo e aponta

    dois equvocos do historiador afirmando que:

    Tudo est muito claro para ele no texto heideggeriano, como carta definitiva

    do pr-nazismo, talvez custa de negligncias e precipitaes. Primeira

    negligncia: Heidegger no escreveu no trecho citado comunidade do

    povo; escreveu o acontecer da comunidade, do povo. Mas a primeira

    verso (communaut-du-peple) foi preferida pela sua conotao organicista

    comprometedora. Segunda negligncia: o isolamento de luta, como ato

    constitutivo do ser-com o outro autntico omitindo a co-participao

    (Mitteilung) que conta com a luta (Kampf) se emparelha no texto original.

    (NUNES, 1993, p. 31-32) [aspas do autor]

    Portanto, Farias erra sua interpretao, no somente por colocar como melhor lhe

    convm, comunidade do povo ao invs de acontecer da comunidade, do povo, pois este

    ltimo entre aspas no remete a nem uma forma de excluso sendo um acontecer comum

    entre entes que existem; e o primeiro entre aspas designa uma restrio de uma determinada

    comunidade. Mas equivocou-se, tambm, ao compreender o termo luta como autntico, no

    entanto, no autenticidade em luta, pois se tem neste momento o ser-a se comportando15

    com

    ou outros seres-a e no h nada de singular que configure seu carter prprio e sim

    preocupado com a existncia alheia. Porm, a tentativa deturpadora do historiador foi adiante,

    relacionando o existencial da escolha do ser-a a um heri que herda possibilidades de um

    arqutipo heroico sendo modelo para a comunidade do povo. certo que, para Nunes, no

    incomoda apenas saber que Farias relaciona esta articulao heroica e ancestral do ser-a ao

    15

    Referente ao termo alemo Verhalten traduzido para o portugus por comportamento.

  • 23

    Nazismo, como, tambm, desvirtua a Filosofia heideggeriana, pois os termos heri e

    herana remetem a algo de valor. O que no associvel ao pensamento heideggeriano,

    pois o prprio e o imprprio no so valorativos, tendo a existncia, a mesma importncia

    sendo em um ou em outro.

    Incomoda Benedito Nunes, que Vitor Farias faa interpretaes precipitadas sobre Ser e

    Tempo, pois se sabe que o ser-a livre para deixar ser. Mediante os modos de ser que lhe

    determinam, o ente pode estar conduzido por significaes nticas em seu fechamento

    [Verschlosssenheit] ou na abertura [Erschlossenheit] para seu ser se realizando com o prprio

    de sua estrutura de sentido. Porm, estas possibilidades de ser da existncia se constituem na

    historicidade do ente, seja conduzido pela ntica mundana ou pelo ser autntico seu, em nada

    o ser-a est comprometido para uma determinada manifestao [Offenbarkeit] de sentido, ou

    seja, no h em nem uma possibilidade do ente, um dever em relao ao seu modo de ser, no

    h nem uma obrigao. Ento, vem a pergunta, em que se vincula esta tese de Ser e Tempo

    com valores do Nazismo? A reposta simples, obviamente em nada, pois valores de

    nacionalismo, raa, cultura etc. pregados pelo Nacional Socialismo remetem obrigao e

    superioridade. Assim Vitor Farias relaciona forosamente Heidegger ao Nazismo.

    Notria e insustentvel , para o critico paraense, a concepo de Vitor Farias, ao

    anexar a historicidade apropriada do ser-a aos moldes nazistas, pois como se acaba de

    detectar acima que, nada de obrigao recai sobre o ente. Nunes, ao considerar que na

    historicidade o ser-a em sua totalidade constitui uma simultaneidade que se fecha enquanto se

    abre e vice-versa. Porm, Farias no compreende estes conceitos e, ainda com um teor

    sensacionalista e fracassado, tenta mostrar uma via de entendimento em que as produes de

    Heidegger, do perodo de participao do Nazismo, seguem o carter comum de desenvolver

    princpios Nacionais Socialistas iniciados em Ser e Tempo, pois:

    Para Vitor Farias no h aqui qualquer ambiguidade: a historicidade

    autntica uma introduo s atitudes e aos valores do nacional socialismo.

    E assim sendo, pde o historiador chileno estabelecer, no segundo momento

    de sua interpretao, que os escritos heideggerianos da fase militante, todos

    ou quase todos de fundo ideolgico, cumprem a tarefa filosfica de

    completar a elaborao da historicidade e de outras categorias de Ser e

    Tempo. (NUNES, 1993, p. 34)

    A postura negligente do historiador acaba por confundir a ideologia poltica de

    Heidegger com a Filosofia do pensador, porm certo que o filsofo alemo faz uso de

    categorias filosficas de Ser e Tempo em sua prtica poltica. Mas a semntica destas

    categorias, utilizadas no discurso prtico ideolgico do filsofo alemo assume outras

  • 24

    significaes, que se distanciam completamente dos conceitos de sua obra central. Segundo

    Benedito Nunes, seria possvel aceitar que Vitor Farias acusasse Heidegger de empregar

    categorias de sua prpria Filosofia em sua atividade poltica, desde que o historiador

    reconhecesse os fossos que separasse em definitivo, as noes de Ser e Tempo postura

    poltica de seu autor. Dessa forma haveria um ataque ao filsofo por ter que se responsabilizar

    de fazer uso de noes filosficas em suas aes enquanto homem, pois como se pode

    constatar em Ser e Tempo, nada se confunde com atitude poltica e pessoal, ou at mais que

    isso, consciente de Heidegger.

    Constata-se que a concepo interpretativa de Vitor Farias insustentvel, porm o

    sensacionalismo e a polmica por tratar de um tema to assduo, que a relao do principal

    filsofo do sculo XX com o Nazismo, pode, segundo Nunes, ludibriar o leitor pela seduo

    do tema e convenc-lo por meio de argumentos de dados histricos, mais especificamente o

    contexto em que a obra foi produzida, alm da vida pessoal de seu autor, ao leitor considerar

    como verdadeiras as articulaes de Farias. O que Nunes expe no , em nenhum momento,

    um bloqueio que impossibilite possveis interpretaes sobre Ser e Tempo, mas que no nos

    percamos entre o filosfico e o pessoal. Quais so as consequncias que Farias trouxe com

    este seu mtodo interpretativo? Alm frear a reverberao do texto central de Heidegger e

    tentar desvalorizar uma Filosofia propriamente dita, Farias foi o nico responsvel pelo

    naufrgio irreversvel de seu livro.

    O autor de No tempo no niilismo confronta o texto Heidegger e o nazismo com a obra

    de Zeljko Loparic, Heidegger ru. Porm a posio contrria de Loparic em relao a Farias

    colocada por Nunes neste tema que envolve o filsofo alemo com o Nazismo, como uma

    coerente interpretao ao considerar inquestionvel a responsabilidade dos atos ntimos de

    Heidegger, que o fizeram aderir ao Nacional Socialismo. No entanto, para Nunes, Heidegger

    ru no isenta o filsofo alemo de suas decises pessoais, todavia, a obra de Loparic atua

    como um divisor de guas, pois o autor reconhece a legitimidade de Ser e Tempo e o abismo

    que segrega esta obra filosfica do regime totalitrio que, por um perodo breve, pertenceu

    Heidegger.

    Como se pode imaginar um filsofo que no defende radicalmente seu pensamento? E

    vive a margem do que questiona sua obra? Segundo Nunes, impossvel detectar um

    Nietzsche no nietzschiano, um Sartre no sartreano ou um Heidegger no-heideggeriano,

    mas isto no suficiente para demonstrar que, dentro de uma obra filosfica, h um reflexo

    preciso das aes da vida prtica de quem a construiu. assim que Vitor Farias atua, segundo

    Nunes, pois a fracassada tentativa de excluir a excelncia filosfica de Heidegger feita pelo

  • 25

    historiador anexando tendncia antissemita do filsofo ao carter totalitarista da obra

    central de Heidegger, foi uma tentativa deturpadora e falha, alm de uma interpretao

    insustentvel de Farias, que o comentador paraense critica, porm:

    Nem conseguiu comprovar, como historiador, a acusao de anti-semitismo

    (os fatos por ele alegados so meras suposies, quando no ridculas

    ilaes, a exemplo da que lhe proporcionou o discurso juvenil do filsofo

    sobre Abraham a Santa Clara), nem legitimar, como exegeta, a curta,

    superficial e meditica interpretao, pour pater o leitor filosoficamente

    desinformado, da obra de 1927. (NUNES, 1993, p. 36)

    Fica claro como crtico paraense demonstra que Heidegger aderiu e abandonou poucos

    meses depois o Nacional Socialismo; que Ser e tempo no se vincula aos princpios

    autoritrio, mas somente a ontologia e isto desvalida o que foi proposto por Farias. Assim o

    historiador naufraga sem nenhuma pertinncia interpretativa, havendo apenas o teor

    acusatrio sensacionalista e especulativo. No entanto, isto no apaga a responsabilidade

    poltica criminosa do filosofo alemo, pois a adeso ao Nazismo foi comprovadamente no s

    uma posio poltica que deixa a conduta de um homem neutra mesmo sendo filsofo ou

    qualquer outra coisa. E sim uma atitude de apoio a um regime autoritrio responsvel por um

    totalitarismo impactante no mundo. desta culpa que precisa ser indagada que Benedito

    Nunes coloca que Loparic trata com rigor coerente devido ao fato de reconhecer o quanto foi

    profunda a relao de Heidegger com o Nacional Socialismo. Mesmo em 1935 j tendo

    abandonado o partido de Hitler, Nunes observa que o filsofo alemo era convicto de sua

    ao de reconhecer o valor do Nazismo.

    Porm, se a convico de Heidegger no se ausenta de suas decises prticas levando-o

    a aes de risco. Nunes questiona esta certeza de Heidegger, que pode ter ido at ao extremo

    de se calar perante as atrocidades cometidas pelo partido de Hitler, pois, pode ter sido o

    silncio do filsofo o consentimento e apoio das prticas nazistas? Nunes v em Heidegger

    ru uma questo comprometedora para o filsofo alemo, que Loparic pergunta o porqu de

    Heidegger no ter assumido sua culpa quando j tinha visto seu erro poltico do passado no

    presente em que criticava a ideologia do Nacional Socialismo. Mas, em seguida, o crtico

    paraense surge com a resposta que no justifica a conduta de Heidegger, mas responde a

    questo de Loparic. Pois o filsofo alemo, ao ter se identificado com os elementos do partido

    de Hitler e se filiado a este, acaba depois renegado o Nacional Socialismo e sua ideologia.

    Todavia, esta repulsa pelo Nazismo uma forma de arrependimento pblico que no faltou a

    certeza de um convicto.

    Benedito Nunes coloca que o silencio de Heidegger era um calar-se convicto, porm

  • 26

    no conivente com as atitudes barbaras do partido de Hitler, mas o que ento o levou a este

    silncio mediante a prtica do Nazismo? Para Nunes esta pergunta respondida quando se

    compreende que Heidegger foi heideggeriano e no viveu distante de suas ideias, pois o:

    O silncio de Heidegger foi antes de tudo um ato de fidelidade ao carter

    pr-cristo e, portanto pago, da Analtica Fenomenolgica do Dasein,

    desvinculada, no obstante similares categorias da vida religiosa crist na

    configurao do cotidiano, de toda concepo prvia acerca da natureza do

    homem e em divrcio com a Teologia. O exame da temporalidade, que

    complementa a Analtica, delineando uma Ontologia Fundamental, atesta a

    finitude do ser humano como ser histrico entregue s suas prprias

    possibilidades [...] e j de antemo fechado a uma tica do arrependimento, a

    qual presume, alm do pecado, o reconhecimento de uma instncia moral

    superior competente para julgar o mrito e o demrito dos atos pessoais,

    absolvendo o inocente e condenando o culpado. Eis por onde passa o

    silncio de Heidegger. (NUNES, 1993, p. 37-38)

    A ida de Heidegger at os pr-socrticos esclarece sua viso da realidade prtica da vida

    sendo trgica, no entanto, o contato com tal concepo dos filsofos gregos antiqussimos

    demonstra como o filsofo alemo, no s v a existncia humana trgica como se ope

    tradio estabelecida pela religio hebraico-crist. Esta concepo de Heidegger mostrada

    no perodo da viragem [Kehre] nos anos de 1930. Fica bvio, para Nunes, que este

    deslocamento do pensador alemo at os pr-socrticos por no aceitar a Filosofia

    tradicional, que uma Filosofia de carter cristo, com valores morais do cristianismo e com

    a Verdade que est na proposio onde o conhecimento precisa se ter como verdadeiro. O

    filsofo alemo, segundo a colocao de Nunes sobre Heidegger ru, reconhece a Verdade

    [Wahrheit] como um existencial em que o ente humano na abertura [Erschlossenheit], mostra

    seu ncleo, ou seja, o ser-a se abre, apropria-se e mostra a verdade. Esta viso de Heidegger

    contrria ao pensamento tradicional e o carter pago de sua Filosofia so, para Nunes, um

    ganho inquestionvel do comentrio de Loparic.

    A ruptura de Heidegger com a tradio filosfica que tratou apenas dos entes enquanto

    entes, a proposta de uma nova ontologia que viria pela destruio dos conceitos estabelecidos

    na tradio filosfica que o pensador alemo prope o questionamento do ser dos entes em

    geral, a sua ida at a Filosofia pr-socrtica etc. So caractersticas que expressam o

    pensamento de um filsofo que rompe com paradigmas estabelecidos durante a Histria da

    Filosofia, esta concepo de Heidegger configura uma noo claramente oposta tradio

    hebraico-crist vigente de seu tempo. No entanto, segundo Nunes, isto se explica se no se

    isolar o filsofo alemo da tendncia que se impregnava na Alemanha, o antissemitismo. O

    filsofo no era segundo o crtico paraense um antissemita, pois se pode anexar esta ideia a

  • 27

    uma noo autoritria e, para Benedito Nunes, Heidegger era um antijudaico contrrio apenas

    de forma ideolgica ao Judasmo e no perseguidora como foi visvel no Nazismo.

    Se o filsofo alemo encontrou um porto seguro no Nacional socialismo como uma

    maneira de se opor ao Judasmo e depois descrente das ideias do Nazismo, aparta seu vnculo

    com o partido. Benedito Nunes sustentado em Heidegger ru capaz de mostrar que no est

    mais em questo a relao de Heidegger com o Nazismo, pois, fica clara para o comentador

    paraense a distino entre a concepo poltica de Heidegger e sua Filosofia. O que fica em

    cheque unicamente a conduta neutra do filsofo alemo mediante a prtica violenta do

    Nacional Socialismo, isto sim digno de uma questo para Nunes, pois expe a capacidade

    inumana do homem mostrando sua periculosidade passiva quando imposto o terror a

    pessoas alheias.

    Segundo o comentador paraense, Heidegger se comporta enquadrado aos moldes de seu

    pensamento e deve-se aceitar que o filsofo estava fechado em sua possibilidade passiva, no

    se abriu para o modo de ser da ao contrria violncia autoritria do Nazismo. Tem-se no

    uma Filosofia Nacional Socialista, mas um vivenciado de sua concepo. Mas a

    Fenomenologia de Heidegger no prega nem prtica autoritria, totalitria, preconceituosa,

    etc., no entanto, a experincia ontolgica permite que o ente humano seja ameaado temendo

    algo em que, a ao como modo de ser prprio fique encoberta e ele manifeste o ser passivo

    imprprio. A reside a ao prtica de Heidegger que pode ser julgada, porm a Filosofia do

    pensador alemo no uma ideologia da imposio forosa, mas o filsofo alemo foi neutro

    s aes do Nazismo preferindo no agir mediante do totalitarismo.

    Constata-se que, segundo Nunes, o elo entre poltica e Filosofia em Heidegger no pode

    ser sustentado, muito embora a atitude do filsofo alemo de viver suas noes filosficas

    sejam vigentes, nada h de Nazismo em sua Fenomenologia. Benedito Nunes afirma que a

    adeso nazista de Heidegger foi somente um fato histrico incontornvel e merecedor de

    esclarecimento. No h, para o comentador paraense, nenhuma fundamentao, seja para o

    Nacional Socialismo ou propriamente nazista na obra do filsofo alemo. Seja de uma forma

    mais sinttica em A passagem para o potico ou mais desenvolvida em No tempo do niilismo,

    tratar deste tema to polmico da relao entre o principal filsofo do sculo 1920 e o regime

    aterrorizante de consequncias de dimenses internacionais. Toda a crtica que tentou afirmar

    um teor totalitrio na obra de Heidegger foi insustentvel e para Nunes o verdadeiro efeito

    causado por estes crticos foi somente bloquear a recepo do filsofo com argumentos

    sensacionalistas. Em nenhum momento Nunes tentou inocentar o homem Heidegger de sua

    culpa poltica, assim como, tambm, afirmou no ser favorvel ao reconhecimento de

  • 28

    elementos nazistas na obra do filsofo alemo pela ausncia de argumentos sustentveis e

    concretos, pois:

    A repercusso do livro de Vitor Farias, Heidegger e o nazismo no se deve

    ao fato de ter revelado a posio poltica do filsofo como adepto do

    nacional-socialismo, j conhecida muito antes da dcada de 60, mas

    circunstncia de que pretendeu intentar contra ele e a sua obra um processo

    prejudicial, agravando a responsabilidade tica do primeiro e

    comprometendo, como instrumento da ideologia nazista, o valor filosfico

    da segunda. (NUNES, 1993, p. 22)

    1.2. O nexo poltico-filosfico de Martin Heidegger na obra Ser e Verdade: a questo fundamental da filosofia

    Far-se- um esclarecimento da obra Ser e Verdade: a questo fundamental da filosofia

    (1933/2001). Este texto esclarece a relao que Heidegger manteve, ligando intimamente seu

    pensamento poltico ao filosfico. Isto clarifica tambm a limitao interpretativa que

    Benedito Nunes entre outros comentadores fizeram antes das obras completas sobre este elo

    entre o filsofo alemo e o Nazismo, pois ser comprovado que Nunes estava certssimo em

    refutar os argumentos sensacionalistas que tentavam mostrar um Heidegger de ideologia

    hitleriana, porm sabido que, aps as obras completas, h textos do filsofo alemo que

    demonstram seu vnculo poltico-filosfico como Ser e Verdade: a questo fundamental da

    Filosofia, Ser e Verdade: da essncia da verdade (1934/2001), A Auto-afirmao da

    Universidade alem (1933-34) etc. Esta ltima obra de Heidegger foi publicada antes com o

    filsofo ainda vivo, porm somente com o acesso a outras produes do filsofo alemo,

    pode-se constatar os fundamentos relacionveis ao que Heidegger props em relao ao

    Nazismo.

    A chamada viragem [Kehre] que se deu a partir de 1930 em Heidegger, segundo o

    comentador Marco Antonio Casanova, o momento em que o filsofo encontra uma

    insustentabilidade na hermenutica da facticidade do ser-a, este ente ntico e ontolgico que

    o Heidegger, atravs das crises do ente humano, faz uma reinterpretao histrica da vida.

    por meio de um novo horizonte de condies que Heidegger muda seu foco anterior da dcada

    de 20 que era o encobrimento [Verborgenheit] e passa a visar ao no-encobrimento

    [Unverborgenheit] do ser-a. neste perodo que Heidegger desenvolve sua argumentao

    sobre o histrico do ser [seinsgeschichtlichen] de que se tratar adiante. Com base em

    Casanova, pode-se afirmar que mesmo o filsofo alemo mostrando uma argumentao em

    Ser e Verdade: a questo fundamental da filosofia, que caracteriza uma Histria

  • 29

    transcendental e um um ser-a material, cultural, social, etc.:

    O que se altera em Heidegger a partir da dcada de 1930 no o

    procedimento metodolgico de abordagem dos problemas, mas antes a

    definio das condies de pensabilidade de tais problemas. Em certo

    sentido, Heidegger permanece posteriormente to fenomenlogo quanto ele

    era anteriormente filsofo do ser (CASANOVA, 2009, p. 149)

    Explicitado o contexto, entra-se agora na discusso de Ser e Verdade16

    que exprime

    como Heidegger quer fundamentar o Nacional Socialismo, porm em nenhum momento so

    colocados princpios do Nazismo como arianismo, autoritarismo, antissemitismo etc. o

    filsofo alemo quer criar uma ideologia que se faz ausente no Nazismo, que foi vigente; este

    o ponto irrefutvel em que se pode legitimar a Filosofia poltica de Heidegger, onde este

    revela seu esforo em se tornar idelogo do Nacional Socialismo. Ver-se- adiante a

    exposio de argumentos e a interpretao de Ser e Verdade como o filsofo alemo admite a

    necessidade do Nazismo, porm este carecendo das bases ideolgicas que ele pode oferecer.

    Esta exposio interpretativa comprovar as limitaes e equvocos deste tema to spero da

    relao do filsofo com um partido totalitarista, no entanto, mesmo nesta fase da discusso,

    sendo o objetivo o de mostrar esta poltica do ser17

    em Heidegger. A discusso do tema soar

    de forma crtica s limitaes interpretativas que se deram pela ausncia das obras completas

    do filsofo alemo, quando no era possvel constatar nenhuma relao filosfica de

    Heidegger com o Nazismo.

    Ser e Verdade uma obra que Heidegger leu para lecionar no semestre de vero de

    1933 para os calouros do curso de Filosofia da Universidade de Friburgo. O filsofo alemo

    inicia sua argumentao afirmando sobre a grandeza histrica que passa o povo alemo

    [deutsche Volk] e da juventude acadmica [akademische Jungend] que sabe deste momento

    [Augenblick]. O comentador americano Theodore Kisiel em Interveno politica nos cursos

    de leitura de 1933-36 [Political Intervention in the Lecture Courses of 1933-36], reconhece

    que o momento histrico do povo alemo carrega a importncia de povo se voltar para si

    mesmo, pois a graduandos alemes esto encontrando orientao [Fhrung] para isso. Assim

    Kisiel expe que os estudantes acadmicos como membros do povo esto se preparando para

    serem os lideres do amanh, do futuro [Zukunft], de uma nova nao alem. Heidegger

    afirma que:

    16

    A partir de agora chamarei apenas Ser e Verdade em vez invs de Ser e Verdade: a questo fundamental da

    filosofia. 17

    Faz-se uma apropriao do termo poltica do ser. (CASANOVA, 2009, p. 150)

  • 30

    Depois de elogiar seus alunos a juventude acadmica por terem

    compreendido a importncia da situao histrica na qual eles se fundam em

    si mesmos e por tomarem a ao para se prepararem para orientao

    poltico-espiritual, na qual eles como estudantes universitrios foram

    destinados a assumir na emergncia de uma nova nao. Heidegger, em

    seguida, se foca no que ele considera como crucial para a preparao deles

    como futuros orientadores de uma nova Alemanha. (KISIEL, 2009, p. 111)

    [traduo nossa]18

    Portanto, caracteriza-se o momento em que o povo est encontrando orientao para

    chegar a si mesmo, a seu prprio ser [Sein], que a necessidade [Notwendigkeit] de criar o

    Estado [Staat]. Este momento configura a misso [Auftrag] nica que o povo alemo tem

    entre os povos. na Universidade alem que a juventude acadmica comear a misso

    poltico-espiritual [geistig-politischen], que uma misso espiritual popular [geistig-volkliche

    Auftrag], onde este povo se tornar nao. Mas depende somente de cada membro do povo se

    colocar na questo fundamental e conquistar seu destino [Schiksal], portanto, no h

    imposio simplesmente uma deciso [Entscheidung] que pode ser tomada por cada um. A

    questo fundamental a questo fundamental da filosofia em que, neste questionamento o

    povo conquista sua abertura [Erschlossenheit] e liberdade [Freiheit], procurando-se e

    encontrando-se no Estado. A questo j foi tocada, mas depende do povo de se colocar nesta

    questo e questionar pela essncia [Wesen] da questo, tomando a deciso de colocao e

    permanncia, pois o povo alemo precisa estar altura desta deciso.

    Primeiramente a questo fundamental da filosofia se deu entre os gregos, que tocaram

    na questo com o intuito de criao de um ser-a humano e popular singular, com seus

    grandes poetas e pensadores, este princpio at hoje expressa sua fora e vigor. Mas em que

    ento isto se vincula ao povo alemo? Para Heidegger o povo alemo constitui sua origem,

    cultura, lngua etc. como herana dos gregos. Segundo Kisiel, o povo alemo tem no passado

    um lao entre os gregos antiqussimos que criaram um ser-a popular singular que uma

    espcie de resultado possvel devido grandeza dos Poetas e Pensadores. Como se pode

    perceber para Kisiel fica claro que, Heidegger reconhece vnculos culturais, scias, filosfico

    etc. O comentador americano coloca que o:

    O esprito e o destino da Alemanha, como eles esto encobertos neste

    18

    Em ingls: After commending his student the academic youth (sic) for having already grasped

    momentousness of the historical situation in which they found themselves and for taking action to prepare

    themselves for the spiritual-political leadership which they as university-graduates were destined to assume in

    the emerging new nation, Heidegger then focuses on what he takes to be crucial for their preparation as future

    leaders of the new Germany. KISIEL, Theodore. Political Interventions in the Lecture Courses of 1933-36. In:

    DENKER, Alfred; ZABOROWSKI. Holger (Orgs.). Heidegger-Jahrbuch 5: Heidegger und der National

    sozialismus. Mnchen: Karl Alber, 2009. p. 111. [aspas de acordo com o original]

  • 31

    momento histrico junto questo fundamental da filosofia, esto

    intimamente ligados ao princpio criado entre os gregos (KISIEL, 2009,

    p. 113) [traduo nossa]19

    O princpio da questo fundamental da filosofia ficou encoberto na Histria

    [Geschichte] por um acontecimento fundamental [Grundgeschehen]. A conquista da questo

    a conquista de um destino herdado pelo povo alemo e que antecipa o ser-a humano popular

    [menschlichen volklichen Daseins] para um futuro que ele no conhece, mas que o

    espiritualiza. A tarefa de conquista da questo fundamental exclusivamente do povo alemo,

    cabe a ele querer ou no pela misso espiritual, colocar-se ou no na questo e cabe ao povo

    assumir seu destino, que uma possibilidade unicamente do ser-a popular alemo que

    constitudo segundo Kisiel, por sua existncia poltica onde misso e destino esto voltados

    para o povo criador de seu Estado.

    Charles Bambach em Heidegger, o Nacional Socialismo e os gregos [Heidegger, der

    Nationalsozialismus und der Griechen] reconhece nesta perspectiva politico-existencial que, o

    nexo entre misso e destino est ligado revoluo poltica do povo alemo, uma segunda

    revoluo que Heidegger se remonta, segundo o comentador americano a matriz do ocidente,

    ou seja, aos gregos antiqussimos. O autor americano confirma que, em Heidegger h uma

    necessidade de referencia social, cultural, filosfica etc. voltada para o modelo ocidental

    que se deu entre os gregos. Bambach mostra que, em carta trocada com Elisabeth Blochmann,

    Heidegger expe uma argumentao para a revoluo poltica do povo cuja origem est no

    antigo mundo grego explicitando que:

    A segunda Revoluo em Heidegger exigir do povo alemo que, ele

    interrogue sua essncia at rumo s suas fontes na Histria do ocidente e

    isto particularmente no olhar para relao da Cincia alem e Filosofia

    grega. No seu, ponto de vista, a Revoluo Nacional Socialista d direito

    para esperana que, o povo se preparar para um novo princpio um

    princpio que, o primeiro poder genuno deve tirar do princpio do

    pensamento na Histria ocidental do vigor entre os gregos (BAMBACH,

    2009, p. 201) [traduo nossa]20

    19

    Em ingls: Germanys spirit and destiny, as these are uncovered in this historic moment by way of the basic

    question of philosophy, are intimately linked to the beginning made by the Greeks. KISIEL, Theodore. Political

    Interventions in the Lecture Courses of 1933-36. In: DENKER, Alfred. ZABOROWSKI. Holger (Orgs.).

    Heidegger-Jahrbuch 5: Heidegger und der National sozialismus. Mnchen: Karl Alber, 2009. p. 113. 20

    Em alemo: Die zweite Revolution, so Heidegger, werde dem deutschen Volk abverlangen, dass es sein

    Wesen bis hin zu seinen Quellen in der Geschichte des Abendlandes befrage und dies insbesondere im Blick

    auf das Verhltnis von deutscher Wissenschaft und griechischer philosophia. Seiner Ansicht nach berechtigt

    nationalsozialistische Revolution zu der Hoffnung, dass dem Volk ein neuer Anfang bereitet wird ein Anfang,

    der aus der Macht des ersten geguinen Anfangs des Denkens in der Abendlndischen Geschichte bei dem

    Griechen Kraft schpfen msse. BAMBACH, Charles. Heidegger, der Nationalsozialismus und die Griechen.

    In: DENKER, Alfred; ZABOROWSKI, Holger (Orgs.). Heidegger-Jahrbuch 5: Heidegger und der National

    sozialismus. Mnchen: Karl Alber, 2009. p. 201.

  • 32

    D-se continuidade ao texto consciente de que s adiante ser melhor esclarecido, o

    principio entre os gregos ligado ao povo alemo. Porm, agora se deve clarificar que, o

    objetivo de Heidegger de se colocar como idelogo do Nazismo, mostrando como o partido

    carece de bases ideolgicas a serem construdas mediante seu pensamento. Em outras

    palavras, o filsofo alemo afirma sua posio favorvel ao partido alemo, ressalvando a

    base ideolgica de que este precisa e que sua filosofia pode suprir. A tentativa de Heidegger

    de espiritualizar [vergeistigen] o Nacional Socialismo, clarifica seu objetivo que, a condio

    de idelogo do Nazismo que o filsofo almeja, alm do mais, explicita-se o nexo entre

    pensamento poltico filosfico do autor. Veja-se como Heidegger prope esta ideologizao

    para o Nazismo:

    uma opinio semeada agora de se ter que espiritualizar e enobrecer

    dando acabamento revoluo nacional socialista. Eu pergunto: com qual

    esprito espiritualizar? Quando no vive nem um esprito, nem se sabe o

    que o esprito (hlito, sopro, admirao, impulso, empenho) hoje o esprito

    move-se como sutileza vazia, como jogo sem compromisso de diverso,

    como margem avulsa da movimentao da dissecao da compreenso e

    eroso, como obrigao desenfreada de uma dita razo do mundo.

    (HEIDEGGER, 2007, 2, p. 24-25) [Traduo modificada]21

    Para espiritualizar a revoluo Nacional Socialista, o ser-a humano popular, que

    constitudo por cada membro do povo alemo, precisa ir at a sua origem entre os gregos, pois

    os alemes herdaram sua lngua e estirpe. Portanto h um vnculo de origem entre estes dois

    povos, no entanto, foram os gregos que tocaram pela primeira vez pela questo fundamental

    da filosofia, criaram este modo singular de ser-a constitudo de forma material, cultural,

    estatal etc. a deciso pela questo fundamental a possibilidade do povo alemo questionar

    por este conflito incessante a partir de si mesmo, ou seja, questionar pela Filosofia e mais

    ainda eliminar toda e qualquer possibilidade de a Filosofia ser algo positivo como esta em

    sua vigncia e foi durante sua Histria. Compreende-se que para Heidegger a Filosofia na sua

    Histria foi uma presena ausente, pois ela se fez presente como ela no de fato, vejam-se as

    tentativas que foram colocadas na Histria de determina-la, no entanto, todas as tentativas so

    falhas segundo o filsofo alemo.

    A Filosofia foi cincia, mas no pode ser cincia, pois esta est subordinada a Filosofia,

    21

    Em alemo: Es ist jetzt verbreitete Meinung, man htte die Aufgabe, die Beedingung der

    nationalsozialistischen Revolution zu vergeistigen, und zu veredeln. Ich frage: mit welchem Geist vergeistigen?

    Es ist ja kein Geist mehr lebendig, ja man wei nicht mehr von dem, was Geist ist (Hauch, Wehen, Staunen,

    Antrieb, Einsatz). Geist treibt sich Heute um als leerer Scharfsinn, als unverbindliches Spiel des Witzes, als

    uferloses Treiben des verstndigen Zergliederung und Zersetzung, als zgelloses Walten einer sogenannten

    Weltvernunft. (HEIDEGGER, Martin, 2001, 2, p. 7)

  • 33

    tem um setor especfico e questiona apenas os entes [Seiende] enquanto entes e a Filosofia

    no tem um campo especifico; e questiona o ser dos entes em geral, logo, deve-se evitar

    pensar a Filosofia epistemologicamente. Filosofia enquanto viso de mundo como se

    construsse um modo de v-lo, porm ela no Teoria do Conhecimento, ela no uma

    conceituao do que somos, ela no nos ensina nada, isto , uma tentativa de se ter a Filosofia

    como Sociologia, uma concepo de ver o mundo. Filosofia enquanto fundamentao do

    saber, uma relao entre ela e a cincia como se a Filosofia fosse fundamentada a partir de

    resultados cientficos, ou seja, subordinada a cincia em uma relao em que dependesse dos

    resultados cientficos para se fundamentar sendo que o foco destes resultados apenas

    entitativo. Filosofia enquanto saber absoluto como se fosse autodependente, como se ela

    brotasse do ser prprio de Deus e no do homem, pois impossvel conceber o absoluto sem

    se pensar em um Deus, aqui se tem a Filosofia teolgica e, por fim, a Filosofia como

    preocupao com a existncia individual humana, ou seja, o homem isolado, autnomo,

    podendo ser independente de relaes, culturais, sociais cientificas etc. (concepo

    kierkegaardiana) e o homem levado para si mesmo, um ser espiritual voltado para seus

    instintos (concepo nietzschiana).22

    Na concepo de Heidegger, como j se afirmou, os gregos antiqussimos esboaram a

    questo fundamental da Filosofia, que foi encoberta por um acontecimento fundamental, pois

    a questo fundamental foi esquecida no decorrer da Histria da Filosofia e cabe ao povo

    alemo, ser-a popular desenvolver essa questo fundamental. O acontecimento fundamental

    no somente encobriu a questo fundamental, fazendo com que ela fosse esquecida, mas ele

    foi presente em toda a Histria da Filosofia constituindo-a como decadncia. Este

    desvirtuamento da Filosofia em que sua essncia [Wesen] se deu entre os gregos pr-

    socrticos, o desvirtuamento do principio da diferena ontolgica entre Ser e Ente, que foi a

    busca incessante de Heidegger, porm o filsofo no conseguiu responder qual

    conclusivamente esta diferena. O princpio da diferena aconteceu entre os gregos como se

    viu na citao de Bambach, feita anteriormente e os prprios gregos foram responsveis pelo

    encobrimento deste princpio, ento, cabe agora ao ser-a alemo retomar o princpio,

    desenvolv-lo e questionar acerca da diferena ontolgica. Portanto, necessrio

    compreender como se deu esta empreitada em que a Filosofia, em sua Histria, foi o que ela

    22

    Heidegger afirmar em Ser e Verdade (sem explicitar em qual obra ou obras tanto do filsofo noruegus quanto

    do alemo) que, Kierkegaard e Nietzsche por algum motivo fizeram uma Filosofia oposta ao que foi vigente na

    Histria, porm para o filsofo alemo, estes dois pensadores no tocaram na questo fundamental da filosofia,

    ou seja, mesmo estes pensadores tendo uma concepo oposta tradio filosfica, no questionaram a questo

    fundamental.

  • 34

    no de fato, encobrindo a questo fundamental.

    Esta empreitada em que a Filosofia foi encoberta, iniciou-se com Aristteles, no sculo

    quarto antes de Cristo quando a questo fundamental foi deixada de lado. A produo deste

    filsofo grego desapareceu e foi encontrada no incio do sculo I, era pr-crist. Neste

    momento, segundo Heidegger, comeou um impasse, pois vem a pergunta: o que fazer com

    estes escritos desaparecidos por mais de 300 anos? Como se fosse um Deus ausente que

    depois se fizesse presente, eis uma perplexidade. Agora era necessrio organizar estes

    escritos, eles foram juntados, os escritos sobre ta fsica aos da Fsica. Aristteles no

    compreendeu a fora do conceito Metafsica questionando apenas os entes enquanto entes,

    pois para o prprio filsofo, de certa forma, os termos at se aparentam, mas no tm a

    mesma fora conceitual. A compreenso daqueles que organizaram os escritos do filsofo

    grego, tambm, no foi capazes de entender, de fato, a noo de Metafsica, colocando o

    termo meta antes de ta e depois de fsica. Constituindo meta t fsica.

    Para Heidegger em Ser e Verdade, Aristteles tem uma concepo desvirtuada do

    conceito de Metafsica, assim o filsofo grego abriu espao para a compreenso desta apenas

    como atividade pedaggica, a fora da noo deste conceito ficou encoberta com a questo

    fundamental. Os organizadores dos escritos do filsofo grego no entenderam nem o

    desvirtuamento de Aristteles nem o conceito propriamente dito de Metafsica. Estes

    organizadores ao fazerem a juno do termo t fsica com meta, cometeram um segundo

    impasse interpretativo, pois ao aproximar a Metafsica ao termo latino scientia a Filosofia

    passa a ter um carter cientifico. Agora fica em evidncia que a discusso acerca da questo

    fundamental vai se d no terreno da Metafsica, porm se continuar a esboar como se deu a

    Histria do encobrimento da Filosofia.

    A organizao dos textos de Aristteles refletiu na Idade Mdia com uma interpretao

    que, mais uma vez, no foi capaz de compreender o equvoco do filsofo grego nem a questo

    fundamental. Este equvoco se deu quando na Idade Mdia o prefixo grego meta foi

    concebido como algo alm da natureza, em plano superior, trans, uma no-natureza. Assim

    Deus. As coisas da natureza so criadas por Deus e este est em plano superior, trans, no-

    natureza. Antes meta designou ser post, apenas uma sequncia de organizao e agora na

    Idade Mdia com um entendimento cristo o termo corresponde ao que est alm da natureza,

    o divino, o absoluto etc.. A consequncia deste no entendimento da Metafsica, fez com que

    a Filosofia deixasse de ser grega e se tornasse crist. Assim se manteve a Filosofia at

  • 35

    Nietzsche23

    . Estes princpios teolgicos encontrados na Histria da Filosofia e surgidos na

    Idade Mdia se constituram assim:

    A f crist tem essencialmente em trs aspectos a questo dos entes na

    totalidade determinando: 1. O ente que ns conhecemos por mundo foi

    criado por Deus. 2. O ente que ns mesmos somos, o homem como singular

    se encontra no aspecto da salvao de sua alma, imortalidade. 3. O ente

    propriamente mximo sobre o mundo e o homem Deus como criador e

    redentor. (HEIDEGGER, 2007, 7 p. 40) [Traduo modificada]24

    A Filosofia, mais especificamente a Metafsica, constituiu-se de duas determinaes: o

    teolgico-crist e o mtodo matemtico. Cabe agora desenvolver como se deu este

    matemtico na Histria da Filosofia. O interesse agora sobre o mtodo matemtico e no a

    matemtica como cincia, pois foi este mtodo que se fez presente na metafsica. Para os

    gregos o matemtico excepcionalmente o que se pode aprender e ensinar, assim cada um

    pode por si mesmo chegar verdade evidente, axioma, este se desdobra em sequncias a

    partir de si mesmo. Portanto, para Heidegger, o mtodo matemtico autossuficiente, mostra

    seu contedo a partir de si mesmo.

    Foi exatamente Ren Descartes (1596-1650) que, segundo Heidegger, na Histria da

    Filosofia na modernidade, iniciou o uso do mtodo matemtico na Filosofia. Descartes

    adquiriu o falso status de retirar a Filosofia da escurido. Isto se deu, devido ao fato de se

    acreditar que seu pensamento seria oposto a esta proposta teolgica da Filosofia medieval,

    aparentemente parece ser um pensamento divergente da Idade Mdia, pois neste momento

    est em vigor o matemtico, mas nesta relao axiomtica em que o matemtico mostra a

    partir de si mesmo sua autossuficincia, aproximasse desta articulao um argumento

    teolgico de Deus, um absoluto por si mesmo. E se, por outro lado, o matemtico decidiu o

    que a Filosofia pode saber e como ela pode saber, este mtodo determinou o contedo da

    Filosofia. E esta verdade evidente mediante de axiomas fez com que a Filosofia adquirisse

    um carter de cincia, portanto a Filosofia ainda no questiona como o proposto em sua

    origem entre os gregos antiqussimos. Logo, por meio destes argumentos, pode-se afirmar que

    o encobrimento da Filosofia deixa de ser teolgico para ser matemtico. O mtodo

    matemtico cartesiano permite a dvida acima de tudo, tudo dubitvel, menos a prpria

    23

    vlido relembrar que Heidegger reconhece que Nietzsche fez por algum motivo uma Filosofia oposta ao que

    foi proposta pela tradio filosfica, porm Nietzsche no retornou a questo fundamental. 24

    Em alemo: Der christliche Glaube hat nach drei wesentlichen Hinsichten das Fragen nach dem Seienden im

    Ganzen bestimmit: 1. Das Seiende, das wir als Welt kennen, ist von Gott geschaffen. 2. Das Seiende, das wir

    selbst sind, der Mensch als einzeln