guimarÃes, cesar - a cena e a inscrição do real.pdf
TRANSCRIPT
-
7/29/2019 GUIMARES, Cesar - A cena e a inscrio do real.pdf
1/12
GUIMARES, Csar Geraldo. A cena e a inscrio do real. Revista Galxia, So Paulo, n. 21, p. 68-79, jun. 2011.68
A cena e a inscrio do real
Csar Geraldo Guimares
Resumo: Diante da diculdade de se estabelecer uma diferena categorial e ontolgica entre docu-mentrio e co a partir de traos formais e intrnsecos, o artigo prope a combinao entreas perspectivas semiolgica e pragmtica para compreender as interrelaes entre esses doisdomnios no cinema contemporneo.
Palavras-chave: documentrio; co; cinema contemporneo.
Abstract:Scene and real inscription. Given the difculty of establishing a categorial and ontologicaldifference between documentary and ction from formal and intrinsic traits, the paper propo-ses a combination of pragmatic and semiologic perspectives to understand the interrelations
between these two domains in contemporary cinema.
Keywords: documentary; ction; contemporary cinema.
A fraternidade entre documentrio e co
Em diferentes contextos contemporneos, da Amrica Latina sia como teste-
munhamJogo de cena (2007) e Moscou (2009), ambos de Eduardo Coutinho e 24 city
(2008), de Jia Zhang-ke as relaes entre o documentrio e a co ganharam uma
congurao na qual se sobressaem a presena de expedientes teatrais na composioda cena lmada; a encenao de eventos e experincias vividas (feita por aqueles que os
viveram ou por atores que retomam seus relatos); a incluso de relatos ctcios decalcados
de situaes reais (e que funcionam maneira de novos e impuros dispositivos testemu-
nhais); a associao de relatos ccionais a imagens documentais. Se os exemplos so
muitos, as categorias crticas acionadas para dar conta do fenmeno encontram-se, no
raras vezes, diante de um grande embarao conceitual. Reconhecendo a insucincia da
metfora da fronteira (assombrada pela vontade de identicar as marcas que separam os
territrios), e abandonando igualmente a inteno de puricar a terminologia em jogo nessedebate, gostaramos de abordar a congurao atual da relao entre os procedimentos
ccionais e a mise en scne documentria a partir do ngulo sob o qual o problema nos
-
7/29/2019 GUIMARES, Cesar - A cena e a inscrio do real.pdf
2/12
GUIMARES, Csar Geraldo. A cena e a inscrio do real. Revista Galxia, So Paulo, n. 21, p. 68-79, jun. 2011. 69
apareceu inicialmente, no mbito da pesquisa Figuras da experincia no documentrio
contemporneo.1
As tentativas de se encontrar uma distino categorial, ontolgica, entre a co e o
documentrio (como aquelas inspiradas pela losoa analtica, por exemplo) so muito
bem vindas, mas parecem-nos insucientes para dar conta do fenmeno que visamos
(CARROL, 1997, p. 173-201). Embora compartilhemos, com algumas dessas abordagens,
a busca pela identicao dos traos estruturais entre documentrio e co, delas nos
distinguimos em trs aspectos: a) os postulados convencionalistas que presidem a esse
ponto de vista analtico-cognitivista (como a noo de assero pressuposta e a de
indexao social) so insucientes para compreender as diferentes maneiras com que
o real incide na forma dos lmes; b) a noo de real ser tomada aqui em sua acepo
lacaniana (o que nos poupa o embarao lgico de suas correlaes movedias com overdadeiro e o objetivo); c) embora no compartilhemos das teses que postulam a
impossibilidade radical de estabelecer diferenas ontolgicas entre documentrio e co,
julgamos que as inmeras interrelaes entre um e outro (ao longo da histria do cinema e
especialmente nos dias de hoje) produzem efeitos de sentido que ultrapassam o horizonte
circunscrito da taxonomia e atingem, particularmente, o estatuto do espectador. Dito
isso, indiquemos o sentido concedido ao termo co neste artigo, na esteira de Jean-
Marie Schaeffer. Em uma acepo ampla, denimos co como um ngimento ldico
compartilhado (condicionado e governado por um acordo intersubjetivo), distinto tantoda mentira quanto do erro e para alm da oposio entre o verdadeiro e o falso que
se serve de atos mimticos (produtores de graus diversos de semelhana) para convocar
o receptor a uma imerso mimtica (SCHAFFER, 1999, p. 243-259). Em termos espec-
cos, ela se manifesta em diferentes dispositivos ccionais (literrios, teatrais, pictricos,
fotogrcos, cinematogrcos) que se valem de vetores e posturas particulares de imerso
no universo ccional criado.
A diculdade em identicar diferenas formais (intrnsecas e imanentes) entre docu-
mentrio e co no precisa, necessariamente, nos levar postulao da indistino entre
um e outro. Podemos discernir com acuidade os traos estruturais que documentrio e
co partilham, sem advogar, com isso, a dissoluo das diferenas entre um e outro. Ao
mesmo tempo, no precisamos postular que tais traos distintivos s poderiam ser denidos
em termos extrnsecos e relacionais (como quer Carrol, por exemplo), privilegiando-se uma
abordagem pragmtica. Parece-nos que possvel adotar uma perspectiva que combine a
dimenso semiolgica com a pragmtica e que estabelea a distino entre documentrio
e co sem, no entanto, expurgar as mltiplas modalidades de interrelao entre um e
outro. Vejamos como isso pode se dar.
Segundo a abordagem semio-pragmtica de Roger Odin, os lmes documentriospodem compartilhar com os ccionais as operaes prprias do modo fccionalizante:
1 Financiada pelo CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa Cientca) e realizada no perodo entre 2008 e 2011.
-
7/29/2019 GUIMARES, Cesar - A cena e a inscrio do real.pdf
3/12
GUIMARES, Csar Geraldo. A cena e a inscrio do real. Revista Galxia, So Paulo, n. 21, p. 68-79, jun. 2011.70
a construo de um mundo diegtico (valendo-se, sobretudo da impresso de realidade
tpica do cinema); a rede conceitual da ao que ampara a narrativa; o recurso
narrao e gura do narrador; a organizao do lme como discurso; e a adoo de
uma estrutura enunciativa (ODIN, 2000). O autor nota, porm, que a distino entre os
modos documentarizante e ccionalizante deve ser buscada na estrutura enunciativa
particular de cada lme. Alm disso, apesar de armar que o modo documentarizante
um agregado de processos em torno de um processo obrigatrio: a construo de um
enunciador interrogvel em termos de verdade, o lme pode dizer a verdade ou no,
voluntariamente ou no (ODIN, 2000, p. 135). Ou seja, o modo documentarizante
pode escapar da obrigatoriedade do enunciador real e assumir um enunciador ctcio.
O que presenciamos nos dias de hoje uma intensicao por parte de lmes do-
cumentrios dessas propriedades ccionais, manejadas de maneira a suscitar operaesde contraste, parelelismo, hibridao ou fuso entre os dois modos, o documentarizante
e o ccionalizante. A diferena entre um e outro no se apaga, mas deslocada e ga-
nha em complexidade, justamente na medida em que um modo passa a solicitar o outro.
Nesse sentido, o chamado mockumentaryou fake documentarypouco tem a oferecer
para a renovao da relao entre os dois modos: um lme de co que se faz passar
por documentrio continua sendo uma co, e seu efeito s surge quando essa revela-
o cedo ou tarde emerge. J o documentrio no pode querer se passar por co e
ainda assim permanecer documentrio. De que meios poderia ele dispor para convencero espectador de que tudo o que este tomou como co pertence, na verdade, a outro
domnio, aqum ou alm do modo ccionalizante? Tanto a co quanto o documentrio
se alimentam do movimento de denegao que nos leva a oscilar com liberdade entre
a crena e a dvida (sem que seja preciso abandonar uma em funo da outra), mas isso
bem diferente de um logro proposital e controlado que imposto ao espectador, e s
revelado ao nal do lme (COMOLLI, 2008, p. 170-171).
A cena e a inscrio verdadeira
Filmes comoJogo de cena e Moscou (Eduardo Coutinho), levaram-nos a supor que
a incidncia do ccional sobre a inscrio do real poderia ser tomada como uma nova
modalidade das relaes entre o documentrio e a co, surgida em meio aos desaos
enfrentados pela escritura flmica frente experincia do sujeito lmado, em uma poca
fortemente marcada pela destemporalizao do espao social (BAUMAN, 1997, p. 110).
Com efeito, a distino entre documentrio e co tem sido algo varivel, histrica e epis-
temologicamente, submetida s interrelaes particulares mantidas entre os dois registros
e amparadas, de maneiras diversas ao longo da histria do cinema, por quadros tericose perspectivas crticas particulares. possvel que essa distino s possa ser apreendida
de acordo com a especicidade das inexes tericas e crticas que, a cada vez, tanto
-
7/29/2019 GUIMARES, Cesar - A cena e a inscrio do real.pdf
4/12
GUIMARES, Csar Geraldo. A cena e a inscrio do real. Revista Galxia, So Paulo, n. 21, p. 68-79, jun. 2011. 71
repem quanto deslocam, em graus diversos, as diferenas e as aproximaes entre os
dois domnios, maneira de cartgrafos que divergem quanto demarcao dos territ-
rios. (Recorremos a esta metfora diante do uso recorrente da expresso dissoluo das
fronteiras entre documentrio e co, que est a ponto de se tornar uma doxa terica).
Podemos supor que as transformaes que atingiram a estrutura da experincia
liberando-a do seu lastro no espao e no tempo, tornando-a liquefeita e fugidia, conduziram
alguns criadores a inventar outros dispositivos de escrita para o lme (documentrio e
de co). Quando a experincia, dispersa e fragmentada, raramente apreendida pelo
prprio sujeito que a vive, o simples relato, reduzido a um conjunto de enunciados ma-
nejados por um eu que se coloca como fonte nica do discurso, pouco apreende do
que est verdadeiramente em jogo. No caso do cinema documentrio trata-se no apenas
de produzir ou de capturar a experincia do sujeito lmado, mas tambm de acolh-la,coisa complicada e ainda mais resistente ao clculo, sem dvida, mas tambm mais suave
e sutil, pois que de sua natureza transbordar ou escapar representao que dela se
acerca. Nesse sentido, o recurso aos expedientes ccionais poderia ser considerado, quem
sabe, um meio de alcanar dimenses mais complexas da experincia dos sujeitos lmados,
vindo a reorganizar a relao entre a escritura do lme e o real que a constitui, perfurando-a.
O que acontece, ento, quando certos expedientes ccionais vm animar a mise en
scne documentria, ou ainda caso mais radical quando a cena documentria passa
toda para o espao da cena teatral? Ou ento, na direo contrria (e complementar), oque ocorre quando certas ces incorporam traos documentais? Duas hipteses iniciais
so as de que, se o documentrio busca a co, talvez seja para apreender com mais
nuances e com maior propriedade a experincia do sujeito lmado, e se a co busca o
documentrio, possvel que se trate de uma resistncia multiplicao das estratgias
de espetacularizao e de virtualizao tanto no cinema quanto na televiso que
tornam cada vez mais irreal o mundo lmado. Diante disso, a co no poderia seno
responder oferecendo um a mais de reale reatando, em nova chave, com outros exemplos
do passado: quela pesca do atum em Stromboli, de Rossellini, corresponderia hoje o
terremoto de E a vida continua, de Kiarostami (COMOLLI, 2009, p. 113).
O princpio que orienta a esttica documentria essa fora do real que atravessa
e congura a forma do lme de modo distinto da co ganha em obras recentes uma
modulao renovada, de tal forma que a conexo material entre a imagem, o som e o
objeto representado ganha relaes inesperadas com o regime verossmil, prprio da
co. Surge da um amlgama entre os elementos da inscrio verdadeira e o apelo do
verossmil. A inscrio verdadeira, segundo a formulao de Jean-Louis Comolli, rene
quatro componentes: a cmera (que assegura o registro), a presena do corpo do ator,
o lugar que ele ocupa na cena e o tempo aquele que dura enquanto o registro se faz compartilhado por quem lma e quem lmado. J por verossimilhana entendemos
o conjunto de procedimentos (internos co) que asseguram sua semelhana com o
-
7/29/2019 GUIMARES, Cesar - A cena e a inscrio do real.pdf
5/12
GUIMARES, Csar Geraldo. A cena e a inscrio do real. Revista Galxia, So Paulo, n. 21, p. 68-79, jun. 2011.72
mundo representado. (Trata-se, pois, de uma coerncia interna obra, e no uma seme-lhana que deveria ser buscada na sua relao com um referente externo).
Sem esquecer o quanto a fraternidade entre a co e o documentrio servindo-
nos da bela frmula de Godard encontrou manifestaes diversas na histria docinema, aceitemos uma distino provisria entre esses dois regimes no que concerne asuas respectivas foras de representao.2 O cinema de co dispe de uma soberaniapara criar e ordenar os signos que sustentam um mundo representado ( maneira de umduplo), ainda que a imaginao criadora se depare, no trato com as formas expressivas,com limitaes que so histrica e socialmente denidas. J o documentrio dispeapenas de uma autonomia parcial no uso de seus procedimentos narrativos e plsticos,
atravessado que por situaes, eventos e condies que nele inscrevem materialmente
os vestgios de um mundo social e histrico (concebido como um feixe de relaes in-tersubjetivamente construdas, e no simplesmente como um estado de coisas acabadoe desprovido de devir).
No da mesma maneira, portanto, que a co e o documentrio lidam (e sofrem)com essa impossibilidade topolgica de apanhar a pluridimensionalidade do real nasmalhas unidimensionais da linguagem, seja ela verbal ou imagtica (BARTHES, s.d., p.22). Para um e outro os riscos no so os mesmos, ainda que ambos tenham como materialde base a dimenso documentria de todo plano e toda cena, como escreve Comolli:
Ao mesmo tempo grau zero e cena primitiva, o encontro lmado entre o corpo e amquina foi lmado e ser mecanicamente reproduzido com o objetivo de ser visto,
distncia no espao e no tempo, por pelo menos um espectador. Essa reprodutibilidade
garante sua realidade. O registro sua incansvel testemunha: prova que no se desgas-
ta, ele ao mesmo tempo assegura e reassegura a realidade desse encontro, ele o atesta,
confere-lhe a dimenso de um real indivisvel, no modicvel, que no pode ser revisto
(COMOLLI, 2008, p. 144).
Se, como escreve Ismail Xavier, a fora do cinema vem do que ele inventa a partirda hiptese indicial e seus problemas, notadamente quando traz tona o processo de
produo da imagem (2004, p. 75), encontramo-nos hoje diante de novos modos de inter-locuo entre o documentrio e a co. Essa situao complica o manejo terico daqueleprincpio indicial a conexo material entre os signos e os objetos que eles representam comumente adotado para denir a ontologia da imagem fotogrca e cinematogrca(desde a conhecida formulao baziniana). Isso no deixar de trazer implicaes tantopara a denio do realismo que peculiar ao lme documentrio quanto para o quese entende comumente como atributo denidor da co. Neste ltimo caso, trata-se deenfrentar o desao de denir com preciso o traado ccional de alguns documentrios
sem atribuir a eles, de uma s vez, todos os atributos denidores da co.
2 J apresentamos uma vez a necessidade estratgica dessa distino provisria e aberta, livre de todo dog-J apresentamos uma vez a necessidade estratgica dessa distino provisria e aberta, livre de todo dog-matismo no prefcio que escrevemos edio brasileira do livro de Jean-Louis Comolli. Cf. GUIMARES,Csar; CAIXETA, Ruben. Pela distino entre co e documentrio, provisoriamente. In COMOLLI, Jean-Louis.Ver e poder: a inocncia perdida. Cinema, televiso, co, documentrio. Belo Horizonte: Editora da UFMG,2008. p. 32-49.
-
7/29/2019 GUIMARES, Cesar - A cena e a inscrio do real.pdf
6/12
GUIMARES, Csar Geraldo. A cena e a inscrio do real. Revista Galxia, So Paulo, n. 21, p. 68-79, jun. 2011. 73
Para fazer jus aos propsitos deste artigo, em torno do carter instvel da distino
entre documentrio e co tomada como um construto histrico e epistemolgico
buscaremos uma comparao entre dois momentos no cinema brasileiro: um, quando o
cinema-direto foi ao teatro pela primeira vez, como aconteceu em Iracema, uma transa
amaznica (1974), de Jorge Bodansky; e outro, quarenta anos depois, quando a cena
teatral passou a reger os efeitos de verdade do cinema, tal como nos dois ltimos lmes
de Eduardo Coutinho: Jogo de cena e Moscou. O caminho entre esses dos extremos,
contudo, no orientado por nenhum telos: no enxergamos a uma evoluo necessria
que viria a impedir a convivncia atual de variadas escritas do documentrio (incluindo
aquelas que no dialogam mais de perto com a co).
De fato, Iracema adota um modelo provocativo para por em cena esses personagens
que, pertencentes ao mundo real, so atrados no sem crueldade para o interior darepresentao ccional, e do a ver, de modo auto-reexivo, os processos de poder que
emergem da interao entre os atores prossionais (Paulo Csar Pereio e um grupo de
artistas de Belm) e os habitantes do lugar, a comear por Edna de Cssia, escolhida para o
papel da protagonista. Ela mesmo consciente apenas em parte da trama que, ao mesmo
tempo, a requer (convocando-a a fazer sua performance de atriz), e a expulsa, ao exibir
o que sobra dessa representao: o resduo presente nos gestos, na presena do corpo,
do falar, do modo de olhar, um resto de coisa que no se dobra cena preparada. Esta
cena guiada pelo improviso de Pereio, sob a pele do camioneiro Tio Brasil Grande,um defensor do modelo desenvolvimentista e exploratrio imposto pela ditadura militar.
H neste lme uma passagem em que Tio Brasil Grande e Iracema param em um bar
de beira de estrada, feito de um balco improvisado e de uma mesa de sinuca, em torno
do qual se rene um grupo de trabalhadores rurais. medida que os protagonistas entram
no campo, pela esquerda Tio mais frente e Iracema logo atrs os rostos annimos de
algumas crianas ocupam brevemente o campo: mudos, olhares atentos, especialmente
o de uma menina que, ao contrrio dos que se voltam para os recm-chegados, encara
a cmara por um pouco mais de tempo, como se ultrapassasse seu tempo de gurao,
insistindo em existir um pouco mais na imagem, antes que Pereio comece a sua interao
provocativa com os no-atores, que desconhecem que ele representa. A cmera apanha
o vendeiro de perto; ele fala do desmatamento e da possibilidade de ter que mudar sua
venda de lugar. Aps a bebida e algumas jogadas de sinuca, dois homens se destacam
em meio ao grupo inicialmente retrado e denunciam as aes dos tubares, que com
a ajuda do Incra e da polcia, tomam a terra dos pequenos lavradores. Eis ento como a
co convoca o real a se manifestar.
Para alm da atualidade dessa denncia, o que gostaramos de destacar nessa se-
quncia a brevssima apario dos atores no-prossionais: o casal que se vira paraacompanhar o jogo, os jovens em torno da mesa de sinuca, o homem que passa com
uma mala e um frango na mo, o homem e as duas crianas a cavalo, seguidos por um
-
7/29/2019 GUIMARES, Cesar - A cena e a inscrio do real.pdf
7/12
GUIMARES, Csar Geraldo. A cena e a inscrio do real. Revista Galxia, So Paulo, n. 21, p. 68-79, jun. 2011.74
casal, tambm a cavalo. Importa menos o fato deles no falarem do que o de estarem na
iminncia de entrarem em cena, como se uma nssima fronteira os separasse da intera-
o com Pereio e Iracema. Notemos a orla que esses personagens ocupam, situados na
imagem, mas descentrados, convocados a ocuparem-na, mas j na sua periferia, como se
a singularidade de suas vidas pudesse aparecer apenas se o real se precipitasse na arma-
dilha preparada pela co. A gura de Iracema se mistura a esses gurantes do real; ela
mesma passa a se situar como uma observadora a mais da cena na qual Tio rearma sua
crena no futuro. Ela se retira da sua prpriaperformance, atrada para o domnio dos
que lhes so prximos. Ainda em cena, ela escapa momentaneamente da gura que lhe
era reservada, enquanto os outros personagens cam beira de uma gurao na qual
as suas vidas poderiam ganhar, por pouco, uma visibilidade a mais.
Em contraste com essa engenhosa mise en scne de Iracema, o que instigante em
certos lmes contemporneos que muitas vezes no enxergamos mais essa orla entre a
co e o real com o qual, antes, interagia. Talvez estejamos no curso de uma mutao,
e para bem compreend-la, seria valioso contrast-la com outros exemplos da histria
do cinema. COMOLLI observou que, se o Neo-realismo e a Nouvelle Vague renovaram
a co por meio de formas documentrias, o que est em questo em vrios lmes con-
temporneos no apenas a produo de novas formas de inscrio da realidade, mas
sobretudo novos modos de atestao da realidade da inscrio:
A parte documentria do cinema implica que o registro de um gesto, de uma palavra
ou de um olhar, necessariamente se rera realidade de sua manifestao, quer esta
seja ou no provocada pelo lme, mesmo sendo ele um ltro que muda a forma das
coisas. A forma delas, sim, mas no sua realidade. Realidade referencial colocada antes
de tudo pelo cinema documentrio e que impe a ele como sua lei. A co pode se
esquivar dos referentes, mascar-los. Mas no existe documentrio de co cientca
(COMOLLI, 2008, p. 170).
Acreditamos que uma nova topologia das relaes entre co e documentrio
desenha-se diante de nossos olhos no cenrio contemporneo. primeira vista parece
que a dimenso indicial da imagem desapareceu e deu lugar soberania do discurso
e dos procedimentos narrativos: onvora, a cena ccional engoliu todo o real (que nela
se precipitou sem resto) e decretou como bizantina, de uma vez por todas, a insistente
querela entre co e documentrio (permeada de tantos equvocos). Contrariando esse
novo esprito do tempo, gostaramos de testar outro modelo explicativo para explorar
as recentes relaes entre o ccional e o indicial, servindo-nos da conjugao de dois
vetores: um que vai do signo ao referente, e outro que vai do signo ao sujeito espectador
(para retomar, com liberdade, alguns termos da semitica).
-
7/29/2019 GUIMARES, Cesar - A cena e a inscrio do real.pdf
8/12
GUIMARES, Csar Geraldo. A cena e a inscrio do real. Revista Galxia, So Paulo, n. 21, p. 68-79, jun. 2011. 75
O vestgio e o verossmil
Julgamos que o problema lgico da referncia e do sentido (que Comolli traduz
cinematogracamente por verdade da inscrio) no pode ser desvinculado do inves-
timento imaginrio que o espectador lana sobre a cena projetada na sala escura, regido
pela lgica da denegao. A presena material de algum vestgio do referente, inscrito
temporalmente sob o modo de uma durao na imagem e nos sons (graas ao auto-
matismo registrador da mquina), no oferece nenhuma cauo absoluta que permita ao
espectador reencontrar, fora de toda dvida, a inscrio da verdade, isto , a plenitude
da realidade na verdade da inscrio. O espectador do documentrio, desde sempre,
se situa em plena ambivalncia:
Quero estar ao mesmo tempo no cinema e no no cinema, quero acreditar na cena (ou
duvidar dela), mas tambm quero crer no referente real da cena (ou duvidar dele). Quero
simultaneamente crer e duvidar da realidade representada assim como na realidade da
representao (COMOLLI, 2008, p.170-171).
A verdade da inscrio no equivale, portanto, inscrio de toda a verdade. Tomado
tanto pela dvida quanto pela certeza, o espectador ocupa um lugar incerto, mvel,
crtico (COMOLLI, 2008, p. 171). Mais do que eliminar o problema da referncia e ins-
talar confortavelmente o espectador na indistino dos gneros documentrio e ccional,parece-nos que certos lmes revigoram a oscilao entre a crena e a dvida que anima
todo espectador a se projetar na cena lmada. Aos que lamentam ou festejam um pretenso
fechamento da cena tudo teatro, co, encenao (premeditada ou no), no h
mais nada de real, e o que nos sobra o logro no qual camos certos lmes respondem
com um desnorteante encadeamento de mises en abyme e de passagens oblquas entre
os regimes da co e do documentrio.
EmJogo de cena, o que quer que venha do real s pode manifestar-se na cena do
teatro. E se esse procedimento submetido inicialmente esttica do documentrio, pois
so registrados os relatos das mulheres no palco (esvaziado dos seus espectadores) onde
o dispositivo montado, logo se opera uma inverso. A encenao preparada alcana,
por dentro, o relato das mulheres, sob trs modos principais, dois deles abertamente
auto-reexivos. O primeiro deles surge quando as atrizes reconhecidas pelo grande
pblico expem as diculdades em reencenar os relatos das outras mulheres (annimas
e no-atrizes), que so presenciados por ns. Aqui convivem duas dimenses: uma, de
natureza metalingustica (a encenao tomada como objeto), e a outra, indicial. A segunda
traz o testemunho das atrizes em torno da produo da sua atuao, exibindo, inclusive,
na franja de sentido, elementos da sua prpria experincia aqum ou alm do textoencenado o que tambm as coloca, parcial e obliquamente, na condio das mulheres
das quais tomaram de emprstimo o relato inicial.
-
7/29/2019 GUIMARES, Cesar - A cena e a inscrio do real.pdf
9/12
GUIMARES, Csar Geraldo. A cena e a inscrio do real. Revista Galxia, So Paulo, n. 21, p. 68-79, jun. 2011.76
O segundo tipo de procedimento reexivo se manifesta quando o lme nos permite
confrontar as atuaes de outras atrizes, desconhecidas ou amadoras, que tambm inter-
pretam personagens reais, as quais tambm nos oferecem seus relatos. Diferentemente
dos dois primeiros, tais relatos, tomados neles mesmos, nada possuem de auto-reexivo
(o que no signica que sejam completamente espontneos, ou que estejam livres de
toda encenao ou que sejam mais verdadeiros). Esta diviso tem validade unicamente
analtica, porque do ponto vista da experincia esttica proporcionada pelo lme em seu
conjunto, tais camadas ou estratos de signicao surgem interpolados, associados ou
incrustados uns nos outros. De toda forma, o que permeia o lme inteiro uma conjugao
dos efeitos de verdade obtidos por meio da articulao entre semelhana, indicialidade
e composio dramtica.
Se no podemos, a princpio, distinguir as narrativas das personagens reais da suainterpretao feita pelas atrizes desconhecidas ou amadoras porque a atuam tanto uma
forma de semelhana de tipo icnica, mais evidente e ilusionista (os modos de atua -
o e os gurinos se aparentam s convenes que regem o reconhecimento social dos
personagens), quanto outra forma, mais potente, originria da forma interna do relato tal
como encenado. Existe a algo que se desenvolve no tempo, uma organizao narrativa
que enlaa a implicao da subjetividade do narrador (real ou interpretado) ao modo com
que ele se faz intrprete da sua experincia, escandida com fora cmica ou dramtica.
Trata-se, enm, da potncia da co em criar a verossimilhana.Para que essaperformance seja capaz de convencer o espectador e lev-lo a crer,
ela deve exibir como indexador do seu efeito de verdade a presena do corpo, manifesta
nos gestos, nas entonaes, no ritmo da fala, nas modulaes da voz, nas intensidades
e velocidades que percorrem o rosto daquele que narra. No s a verdade do que
representado ou o contedo de uma representao que est em jogo, mas tambm a
verdade de sua inscrio na performance daqueles que nos expem sua experincia. O
espectador se v tomado pela dimenso factual com que uma subjetividade produzida
no andamento de cada relato (em sua economia interna), no importa se submetido encenao preparada (ou de segundo grau, se podemos dizer assim), ou se apanhado
fora dela. De algum modo, algo do vivido, tornado matria de narrao (e por isso mesmo
transgurado) penetra maneira de uma farpa na cena duplicada da representao.
essa intrincada articulao que faz com queJogo de cena ultrapasse em muito um
dispositivo reexivo que se compraz em revelar o logro de um espectador levado a tomar
por verdade o que no seno simulacro ou artifcio. Pelo contrrio, o lme refora ainda
mais a dialtica entre a crena e a dvida que sustentam o desejo do espectador, de todo
espectador, frisemos. Como desconhecer que um lme to reexivo seja igualmente sus-tentado pelopathos da perda e da separao, do sofrimento e da recomposio da vida,
submetida a diferentes provaes, como nos mostram as diferentes histrias narradas?
-
7/29/2019 GUIMARES, Cesar - A cena e a inscrio do real.pdf
10/12
GUIMARES, Csar Geraldo. A cena e a inscrio do real. Revista Galxia, So Paulo, n. 21, p. 68-79, jun. 2011. 77
Ainda que o dispositivo de Coutinho tenha se radicalizado neste lme, ao adotar o
espao cnico e as estratgias retricas da interpretao como principal amparo para o
desenvolvimento da mise en scne documentria, h emJogo de Cena uma matria mais
espessa e resistente, e que no nos permite dizer, de maneira unvoca, que o mundo seja
garantido nica e inteiramente pelo lme. Para retomar as palavras de Comolli, ainda h
emJogo de cena algo do mundo que garante o lme. Chamemos a isso de experincia
do sujeito lmado, agora apanhada em uma intrincada implicao da subjetividade nas
formas do discurso, coisa que o cinema aprendeu com o teatro no momento em que a
entrevista, exaurida, seqestrada pela televiso, contribui cada vez mais para a destrui-
o da fala e para a desero do sujeito. O lme seguinte de Coutinho dar outro passo
frente, ainda mais decidido. De fato, muito sintomaticamente, Moscou comea com
o relato ctcio da destruio de um cinema, coisa que mais sentida pelo narrador doque a demolio da sua prpria casa. Desponta a um cinema sem lugar, sem sala escura,
forjado inteiramente na cena do teatro, agora j sem experincia vivida (aparentemente),e cujos relatos provm do texto teatral (As trs irms, de Tchekhov), submetido a umadesconstruo e a uma nova construo (nos moldes do teatro ps-dramtico) conduzidaspor Enrique Diaz. A escritura flmica de Moscou, porm, no se contenta em somenteobservar o trabalho dos atores; ela distribui os seus corpos pelo espao, seleciona o queouve e o que capta, busca zonas de sombra ou de luz, alterna os ritmos e as distncias.Estamos e no estamos na encenao: agora, cinema e teatro no se separam mais pornenhuma orla ou fronteira, imbricados em uma topologia enigmtica, feita de passagensquase imperceptveis entre os regimes do documentrio e da co. Paradoxalmente, oque no se destina cena (o texto de Tchekhov) ser lmado e projetado. O cinema,mesmo sem casa, ainda capaz de projetar.
O cinema projeta o trabalho dos atores: trabalho lmado e lme do trabalho surgemdialeticamente conjugados. Mas h tambm outra coisa, como em tantos outros lmes deCoutinho: opathos da vida ordinria, extrado da pea teatral, que se inscreve no corpodos atores, distanciados de toda gurao mimtica e transformados em suporte de uma
experimentao que se serve, inicialmente, dos afetos ligados memria (seja inventada,recriada, fabulada, tomada de emprstimo, roubada dos outros, apropriada, tal comorecomenda o exerccio proposto por Enrique Diaz). E o temos, por exemplo, quando oator que interpreta Andrei (mas neste momento no sabemos que este ser o seu papel)mostra uma foto com trs crianas e alude a uma imagem de infncia.
Nessa breve sequncia, o hiato entre a referncia e o sentido intensicado pelafora de verossimilhana da narrativa, que nos leva, de algum modo, a crer que h umaimplicao subjetiva na experincia que tornada matria de narrao. Sabemos quetudo teatro, mas ainda assim, por fora do relato e da interpretao, e ainda que a cena
seja repetida e exibida como artefato no plano seguinte, no podemos afastar de vez advida de que talvez algo do que foi dito pertena experincia daquele que o disse. No
sabemos bem o que concerne ao personagem e o que atinge o ator. Ora, se isso ocorre,
-
7/29/2019 GUIMARES, Cesar - A cena e a inscrio do real.pdf
11/12
GUIMARES, Csar Geraldo. A cena e a inscrio do real. Revista Galxia, So Paulo, n. 21, p. 68-79, jun. 2011.78
no seria porque o referente passou para o interior da cena, hospedando-se agora no corpo
do ator, e o que ns presenciamos justamente o registro dessa passagem?
Em Moscou a gura do diretor e entrevistador afastou-se e misturou-se ambiguamente
a uma cmera que abandonou o palco como dispositivo (como era o caso de Jogo de
cena) para adentrar, intrusa ou cmplice, um espao que no mais comporta a diviso
entre a cena e os bastidores, o verdadeiro e o falso, o que propriedade de algum ou
inventado (as experincias narradas, as memrias, os textos que vem dos atores ou
dos personagens de Tchekhov). Quanto ao que representado, no resta dvida alguma:
estamos em pleno imprio da co; no h mais nenhum real ou referente fora do dis-
curso teatral e, no entanto, o trabalho do cinema, sua operao de registro (no tempo e
no espao) das atitudes do corpo, no cessa nem se apaga.
EmAs crianas brincam de Rssia (1993), documentrio que tambm se vale dotexto de Tchekhov, Jean-Luc Godard arma que a origem da esperana e da utopia coin-
cide com a inveno do fenmeno tico da projeo, quando Victor Poncelet, ocial do
exrcito de Napoleo, projetou algumas guras no muro retangular de uma priso em
Moscou. No lme de Godard, de forte acento benjaminiano, a inveno da utopia surge
como a projeo de um outro mundo em meio ao mundo no qual vivemos. Entretanto,
diferentemente de Godard, em Coutinho esse gesto utpico, exilado das grandes narrativas
de emancipao poltica, busca abrigo nopathos da vida comum e cotidiana, em suas
pequenas esperanas, como pode se depreender das palavras que o diretor pronuncia nacena nal do lme. A situao espacial lembra um pouco o nal deJogo de cena: com a
diferena que o palco com as duas cadeiras vazias cedeu lugar presena de Irina, Olga
e Macha, no centro do quadro. Diante delas, e de costas para o espectador, em volta de
uma mesa de trabalho, renem-se alguns atores da pea. Quando Irina se dirige a Olga
pedindo para ir a Moscou, Coutinho quem responde, j no fora-de-campo de Moscou,
com as luzes se apagando suavemente e com o crescente murmrio das vozes dos atores:
O tempo passar e ns partiremos para sempre. Vo esquecer nosso rosto, nossa voz;
vo esquecer que ns ramos trs. Mas o nosso sofrimento se transformar em alegria
para aqueles que viro depois de ns (....)
Se a cena centrpeta (embora comporte pequenos passeios pelo seu interior), se as
bordas cerceiam a vizinhana (o que contguo ao fechamento geomtrico do quadro),
ento ser preciso inventar um fora-de-campo absoluto: Moscou, o que resta da utopia,
a memria e suas fraturas, a reparao das vidas destrudas, o que vem depois quando o
sofrimento passa, o jbilo prometido pelo amor, o abrigo da redeno no microcosmos
da vida minscula. Talvez no estejamos to longe das narrativas deJogo de cena, e v-
rias outras palavras pronunciadas por tantos outros cujos rostos ainda duram nos lmes
anteriores de Coutinho talvez estejam igualmente presentes aqui, projetados na nossamemria. Se assim, um fora-de-campo mais radical permanece para alm das bordas
do quadro que emoldura a representao teatral.
-
7/29/2019 GUIMARES, Cesar - A cena e a inscrio do real.pdf
12/12
GUIMARES, Csar Geraldo. A cena e a inscrio do real. Revista Galxia, So Paulo, n. 21, p. 68-79, jun. 2011. 79
Referncias
BARTHES, R. (s.d.).Aula. So Paulo: Cultrix.
BAUMAN, Z. (1997). O mal-estar da ps-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar.
CARROL, N. (1997). Fiction, non-ction, and the lm of presumptive assertion: a conceptual analysis.In: ALLEN, R.; SMITH, M. (Eds). Film theory and philosophy. Oxford: Clarendon Press.
COMOLLI, J. L. (2004). Voir et pouvoir: Linnocence perdue - cinma, tlevision, ction, documentaire.Paris: Verdier.
____. (2008). Ver e poder: a inocncia perdida - cinema, televiso, co, documentrio. BeloHorizonte: Ed. da UFMG.
____. (2009). Cinma contre spectacle. Lagrasse: Verdier.
GUIMARES, C.; CAIXETA, R. (2008). Pela distino entre co e documentrio, provisoriamente.In: COMOLLI, J. L. Ver e poder: a inocncia perdida - cinema, televiso, co, documentrio. BeloHorizonte: Editora da UFMG.
NINEY, F. (2009). Le documentaire et ses faux-semblants. Paris: Klincksieck.
ODIN, R. (2000). De la fction. Bruxelles: De Boeck Universit.
RAMOS, F. (2008). Mas afnal...o que mesmo documentrio? So Paulo: SENAC.
SCHAEFFER, J. M. (1999). Pourquoi la fction? Paris: Seuil.
XAVIER, I. (2004). Iracema: o cinema direto vai ao teatro. Devires, Cinema e Humanidades, v. 2, n. 1.
CSAR GERALDO GUIMARES professor associado
do Depto de Comunicao e do Programa de Ps-gradua-
o em Comunicao da UFMG e pesquisador do CNPq.
Artigo recebido em abril de 2011 e
aprovado em maio de 2011