guiÃo de apresentaÇÃo - diogo azeredodiogoazeredoportfolio.weebly.com/uploads/2/0/4/2/...do...

7
GUIÃO DE APRESENTAÇÃO O Tratamento Jornalístico da Guerra do Golfo Análise é tica e deontológica dos primeiros dias do conflito retratados pelo Jornal Público. Ética e Deontologia Profissional Prof.ª Suzana Cavaco Curso de Ciências da Comunicação da Universidade do Porto Maio 2013 Trabalho realizador por: Diogo Azeredo João Bragança Cláudia Sequeira Francisca Matos, Turma 2 O nosso trabalho passou pela análise ética e deontológica dos primeiros 15 dias do conflito da Guerra do Golfo retratados pelo Jornal Público. De 17 de Janeiro de 1991 a 31 de Janeiro, o jornal diário que, no início dos anos noventa, procurava afirmar-se em Portugal, adquirir estatuto e ganhar audiência, foi analisado pelo nosso grupo de modo a concluirmos até que ponto ofereceu uma cobertura dos conflitos correcta do ponto de vista ético-deontológico. Para complementar a nossa análise, recorremos ao Código Deontológico do Jornalista, aprovado a 4 de maio de 1993, apenas sensivelmente dois anos após o início da guerra no Golfo Pérsico. A título de breve contextualização, no início, prometia-se a guerra em directo nos ecrãs de televisão, uma cobertura tão exaustiva como nunca tinha sucedido. "Correu precisamente como tinhamos combinado", dizia o porta-voz da Casa Branca, Marlin Fitzwater. "Esperávamos o primeiro ataque a Bagdad às 19horas de Washington (meia noite de Lisboa e 2 horas no Iraque) e foi a essa hora que ouvimos o primeiro bombardeamento quando os jornalistas colocaram o telefone à janela (do Hotel Al-Rasidh). Contudo, a cobertura jornalística do conflito veio a

Upload: others

Post on 10-Jul-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: GUIÃO DE APRESENTAÇÃO - Diogo Azeredodiogoazeredoportfolio.weebly.com/uploads/2/0/4/2/...do Código Deontológico dos Jornalistas, que “o jornalista deve respeitar a privacidade

GUIÃO DE APRESENTAÇÃO

O Tratamento Jornalístico da Guerra do Golfo Análise é tica e deontológica dos primeiros dias do conflito retratados pelo Jornal Público.

Ética e Deontologia Profissional

Prof.ª Suzana Cavaco

Curso de Ciências da Comunicação da Universidade do Porto

Maio 2013

Trabalho realizador por:

Diogo Azeredo

João Bragança

Cláudia Sequeira

Francisca Matos,

Turma 2

O nosso trabalho passou pela análise ética e

deontológica dos primeiros 15 dias do conflito da

Guerra do Golfo retratados pelo Jornal Público.

De 17 de Janeiro de 1991 a 31 de Janeiro, o jornal

diário que, no início dos anos noventa, procurava

afirmar-se em Portugal, adquirir estatuto e ganhar

audiência, foi analisado pelo nosso grupo de modo

a concluirmos até que ponto ofereceu uma

cobertura dos conflitos correcta do ponto de vista

ético-deontológico.

Para complementar a nossa análise, recorremos ao

Código Deontológico do Jornalista, aprovado a 4 de

maio de 1993, apenas sensivelmente dois anos

após o início da guerra no Golfo Pérsico.

A título de breve contextualização, no início,

prometia-se a guerra em directo nos ecrãs de

televisão, uma cobertura tão exaustiva como nunca

tinha sucedido. "Correu precisamente como

tinhamos combinado", dizia o porta-voz da Casa

Branca, Marlin Fitzwater. "Esperávamos o

primeiro ataque a Bagdad às 19horas de

Washington (meia noite de Lisboa e 2 horas no

Iraque) e foi a essa hora que ouvimos o primeiro

bombardeamento quando os jornalistas colocaram

o telefone à janela (do Hotel Al-Rasidh).

Contudo, a cobertura jornalística do conflito veio a

Page 2: GUIÃO DE APRESENTAÇÃO - Diogo Azeredodiogoazeredoportfolio.weebly.com/uploads/2/0/4/2/...do Código Deontológico dos Jornalistas, que “o jornalista deve respeitar a privacidade

ser significativamente criticada, especialmente

depois da euforia ter passado. Várias vozes se

ergueram contra a ausência de contexto e

principalmente contra os perigos de manipulação

dos jornalistas e do público, provocados,

sobretudo, pelo directo televisivo multilocalizado e

em contínuo. O jornalista por muito honesto e

rigoroso que seja, por muito que investigue os

factos ou contraste fontes, por muito que

aprofunde e contextualize, também ele pode ser

manipulado e intoxicado, amplificando conteúdos

propagandísticos, contra-informativos ou

desinformativos.

A imagem que alguns reterão da Guerra do Golfo é

a de que se tratou de uma guerra limpa, cirúrgica e

até espectacular, devido, inclusivamente, aos

vídeos das "armas inteligentes" passados na TV e

às imagens esverdeadas dos céus iraquianos

cobertos de explosões. Soube-se, porém, e por

acção dos jornalistas, que a maior parte das

bombas que caíram sobre o Iraque eram

gravitacionais, muito semelhantes às da Segunda

Guerra Mundial. A guerra "inteligente" era, na

verdade, uma meia-verdade, ou seja, uma semi-

mentira. Era a “imagem” mais desejada pelos

militares e políticos norte-americanos e aliados.

Terá o jornal Público fugido a esta “meia-verdade”?

Com vista à análise do tratamento jornalístico

realizado, era fundamental conhecermos

previamente a opinião e posição do Público a

respeito do conflito. Para tal, consultamos o

editorial do jornal do dia seguinte ao arranque

oficial da Guerra do Golfo, 17 de Janeiro de 1991.

Neste espaço de opinião, não existe dúvidas

relativas à posição do lado da coligação

internacional adoptada pelo Público, como seria já

de esperar uma vez que Portugal é um país

ocidental, que enceta relações internacionais com

os Estados Unidos da América e entrou na guerra

do lado da coligação.

Exigia-se agora que esta opinião não se misturasse,

por algum momento, com a informação noticiosa

que exige ser isenta, independente e imparcial.

Contudo, desde da primeira página que

verificamos que isso não foi bem assim.

Page 3: GUIÃO DE APRESENTAÇÃO - Diogo Azeredodiogoazeredoportfolio.weebly.com/uploads/2/0/4/2/...do Código Deontológico dos Jornalistas, que “o jornalista deve respeitar a privacidade

Segundo a primeira alínea do Código Deontológico

do Jornalista, apenas dois anos após o conflito, “o

jornalista deve relatar os factos com rigor e

exactidão e interpretá-los com honestidade. Os

factos devem ser comprovados, ouvindo as partes

com interesses atendíveis no caso”.

Na primeira página da cobertura do conflito por

parte do Público, encontramos quase seis colunas

de texto dedicadas à operação militar bem-

sucedida, ao armamento norte-americano utilizado

e às reacções da coligação internacional,

nomeadamente dos EUA.

Desta página inteira, apenas o último parágrafo

oferece o outro lado da moeda, dá voz àqueles que

se opõe ao conflito. Não existe nenhum subtítulo a

dar destaque ao mesmo e não são ouvidos porta-

vozes iraquianos, ao contrário dos vários norte-

americanos citados ao longo da página. Esta

disparidade vai contra a obrigação já enunciada de

dar voz a ambas partes de forma equivalente.

Estávamos “Em Bagdad no Dia do Juízo Final”. É

este o título da capa deste dia que já por si só

contém um tom negativo e de julgamento que não

cabe ao jornalista realizar.

Por fim, é possível também ler-se que “Bush

prometeu uma guerra curta e com poucas baixas.

No primeiro dia, não se registaram baixas entre as

forças de coligação internacionais”. E as baixas do

outro lado da Guerra? As vítimas civis e do exército

iraquiano?

O tratamento das vítimas da guerra foi uma

questão que mereceu particular destaque na nossa

análise. Desde o primeiro momento que

constatamos um desfasamento entre o modo como

eram tratadas as vítimas iraquianas e da coligação

internacional.

Apesar de todas as limitações sentidas pelos

jornalistas que procuravam aceder a informações

credíveis e de toda a censura, segundo o Código

Deontológico do Jornalista já citado, “o jornalista

deve lutar contra as restrições no acesso às fontes

de informação e as tentativas de limitar a

liberdade de expressão e o direito de informar. É

obrigação do jornalista divulgar as ofensas a estes

direitos”.

Page 4: GUIÃO DE APRESENTAÇÃO - Diogo Azeredodiogoazeredoportfolio.weebly.com/uploads/2/0/4/2/...do Código Deontológico dos Jornalistas, que “o jornalista deve respeitar a privacidade

Observamos que, apesar do Jornal Público

denunciar diariamente em artigos estas restrições

e censuras, ele próprio contribuiu para a criação

duma realidade manipulada. Na capa de 26 de

janeiro, o Público faz referência a uma retaliação

do Iraque personificada em Saddam, com imagens

da destruição provocada pelos mísseis iraquianos

e um título a letras encarnadas garrafais, cuja cor

associamos facilmente a sangue. Pelas restantes

notícias e títulos das mesmas, o leitor cria

mentalmente uma imagem de chacina na sua

cabeça.

Contudo, quando se começa a ler a notícia,

apercebemo-nos que deste ataque resultou

“apenas” um morto, um cenário bem diferente do

que fomos induzidos. Aliás, quando cruzamos este

dado com o número total de baixas afixado numa

tabela do próprio Público, localizada noutra

página, apercebemos que a esmagadora maioria

das vítimas têm sido civis iraquianos, ainda que

não sejam feitas menções às mesmas.

A construção da notícia por parte do jornal Público

é assim favorável à causa norte-americana,

principalmente quando comparada com a

abordagem e à capa do dia anterior, a propósito

duma ofensiva dos aliados.

Sem qualquer menção de vítimas ou imagens de

danos – na capa apenas se vê armamento norte-

americano -, o Público opõe a guerra “limpa” dos

“heróis” à guerra “suja” de Saddam Hussein.

Na própria notícia dos ataques iraquianos, do dia

26, o jornal acaba por colocar uma declaração de

um porta-voz norte-americano que critica a

estratégia militar do Iraque e exalta o cuidado na

proteção dos civis por parte dos EUA. Uma citação

que vai contra as informações oficiais que o

Público tinha acesso em relação à contagem das

vítimas até à presente data.

No dia seguinte, 27 janeiro 1991, o Público divulga

um relato de Peter Arnett, o único jornalista da

CNN ainda a trabalhar em solo iraquiano, que

Page 5: GUIÃO DE APRESENTAÇÃO - Diogo Azeredodiogoazeredoportfolio.weebly.com/uploads/2/0/4/2/...do Código Deontológico dos Jornalistas, que “o jornalista deve respeitar a privacidade

denuncia os danos causados pelos

bombardeamentos norte-americanos em zonas

residenciais no Iraque. Contudo, aquilo que parecia

uma distribuição equitativa das duas perspetivas

da guerra, acaba numa observação do jornalista, a

título de comentário disfarçado de informação e,

segundo o Código Deontológico do Jornalista, “a

distinção entre notícia e opinião deve ficar bem

clara aos olhos do público”.

O jornalista do Público rotula de “veículo de

propaganda” iraquiana Peter Arnett, como se de

modo algum os seus relatos pudessem representar

a verdade.

Não é a única vez, aliás, que o Público faz questão

de apelidar qualquer informação contrária aos

interesses da coligação de propaganda iraquiana.

Apesar das restrições impostas relativamente ao

uso de imagens de mortos e feridos e da alínea 9

do Código Deontológico dos Jornalistas, que “o

jornalista deve respeitar a privacidade dos

cidadãos excepto quando estiver em causa o

interesse público”, a capa do dia 24 de janeiro

mostra feridos israelitas após o lançamento de um

scud iraquiano. É de destacar o posicionamento

desta foto sensacionalista como capa com o efeito

de chocar a opinião pública e mobilizá-la contra o

regime de Saddam.

Por outro lado, no dia 26 de janeiro, quando é

revelada uma foto duma criança iraquiana ferida

nos bombardeamentos norte-americanos, não só

esta surge num lugar de menor destaque no

interior do jornal, como acompanhada de uma

notícia que denuncia a finalidade propagandística

do Iraque na divulgação destas imagens.

O trabalho fotojornalístico do Público é analisado

por Jorge Pedro Sousa, da Universidade Fernando

Pessoa, na obra “A Guerra do Golfo na Imprensa

Portuguesa de Grande Expansão” e permite-nos ir

ainda mais longe nas nossas conclusões a

propósito do tratamento noticioso do conflito.

Segundo a análise de Jorge Pedro Sousa, no mesmo

período de análise em que focamos o nosso

trabalho, estendendo-se inclusive ao longo de todo

o primeiro mês de conflito, surge quinze vezes

mais fotos do arsenal norte-americano que do

armamento iraquiano.

Page 6: GUIÃO DE APRESENTAÇÃO - Diogo Azeredodiogoazeredoportfolio.weebly.com/uploads/2/0/4/2/...do Código Deontológico dos Jornalistas, que “o jornalista deve respeitar a privacidade

Esta diferença tão significativa pode ser justificada

pelo facto de, em mais de uma ocasião, as fotos

escolhidas para notícias referentes a ataques

norte-americanos prenderem-se com fotos do

arsenal, como já pudemos inclusive constatar,

enquanto nas ofensivas iraquianas, encontramos

mais vezes fotos dos danos provocados pelos

ataques.

Esta selecção de imagens por parte do Público

acaba por contribuir, não só para a acentuação da

oposição de guerra “higiénica” americana à de

guerra “suja” iraquiana, como também exalta o

armamento da coligação e o poderio militar dos

Estados Unidos da América.

Ao longo do nosso período de análise,

encontramos este discurso propagandístico norte-

americano mais do que uma vez misturado com a

informação noticiosa a que se exige rigor e

independência.

Ainda que após a primeira semana de euforia, em

que a guerra parecia estar a correr de feição aos

Aliados, a desproporcionalidade entre notícias com

a perspetiva da guerra por parte dos EUA e do

Iraque tenha diminuído e existido uma menor

discrepância, o tom de diferenciação entre o “bem”

e o “mal” foi um erro frequente. No exemplo aqui

recolhido, do dia 24 de janeiro, a vitória da

coligação é dada como um dado adquirido e o

próprio jornalista especula sobre o melhor plano

de batalha para derrotar os iraquianos,

adjectivando e destacando a qualidade do arsenal

norte-americano.

Qualquer avanço dos Estados Unidos da América é

retratado como uma vitória, qualquer retaliação do

Iraque é vista um contratempo, como vimos

previamente, na análise das capas e notícias dos

dias 25 e 26 de janeiro.

Por fim, a construção de Saddam Hussien como o

vilão desta história, a personificação do “mal” –

“Saddam atinge Riad” – opõe-se ao carácter

heróico como são retratados os militares

americanos a quando das suas missões.

Page 7: GUIÃO DE APRESENTAÇÃO - Diogo Azeredodiogoazeredoportfolio.weebly.com/uploads/2/0/4/2/...do Código Deontológico dos Jornalistas, que “o jornalista deve respeitar a privacidade

Esta absoluta parcialidade por parte do Público é

ainda mais evidente quando, a partir de 28 de

janeiro, o jornal passa a publicar uma notícia por

dia que destaca uma figura do conflito, militares

norte-americanos que são assim elevados a um

pedestal. Estes oficiais são retratados como

verdadeiros “heróis”, num discurso

propagandístico e sensacionalista, completamente

fora daquilo que se seria de esperar encontrar no

Público que, nos anos 90, começava a procurar

conquistar o seu estatuto de referência com que é

reconhecido hoje, devendo, portanto, os seus

jornalistas “combater a censura e o

sensacionalismo”, premissa que nem sempre

constatamos.

Contudo, nem todo o tratamento jornalístico da

Guerra do Golfo foi tendencioso, irreal e

manipulado. Os jornalistas do Público, tal como os

restantes jornalistas portugueses, foram

autênticos “soldados da informação” nesta

maratona.

Também o Público soube dar voz ao porta-voz da

Irmandade Muçulmana, a favor da causa iraquiana,

como, a 20 de janeiro de 1991, deu um exemplo de

como, o tratamento do n.º de vítimas do conflito,

deveria ter sido sempre feito. O problema esteve

nas poucas ocasiões em que estes dois exemplos

aqui representados se repetiram.

Os erros que neste trabalho destacamos foram,

contudo, em grande parte, inevitáveis. A conclusão

que parece resultar da análise que acabámos de

fazer não pode ser outra que a constatação de um

impasse: o consenso em torno das normas e dos

princípios deontológicos não é passível de, por si

só, evitar as cíclicas derrapagens da cobertura

jornalística, sobretudo em acontecimentos mais

mediáticos e susceptíveis de mobilizarem as

audiências.