guias para elaboração de planos de mobilidade urbana sustentável

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GUIAS PARA ELABORAÇÃO DE PLANOS DE MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL: ANÁLISE COMPARATIVA DAS DIRETRIZES EUROPEIAS E BRASILEIRAS Ígor Godeiro de O. Maranhão Rômulo Dante Orrico Filho Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Engenharia de Transportes PET/COPPE/UFRJ Enilson Medeiros dos Santos Universidade Federal do Rio Grande do Norte Departamento de Engenharia Civil RESUMO Este artigo pode ser dividido em quatro partes. A primeira apresenta o cenário no qual as cidades brasileiras, sejam elas pequenas médias ou grandes, se encontram em relação à elaboração de planos de mobilidade urbana sustentável (PMUS). A segunda parte é destinada a uma breve revisão do conceito de PMUS, apresentando suas diferenças do planejamento tradicional de transportes. A terceira parte dedica-se à exposição das barreiras à elaboração desses planos em cidades europeias. A quarta, e última, apresenta e analisa os guias. As conclusões foram que o documento brasileiro é similar ao europeu e ambos são efetivos na realização da atividade em que propõem. Foi também identificado a necessidade de mais estudos relacionados à determinação das barreiras à elaboração e implementação de políticas sustentáveis de mobilidade urbana nas cidades brasileiras. Palavras-chave: Política Nacional de Mobilidade Urbana, planejamento da mobilidade urbana, barreiras. ABSTRACT This paper has four main parts. The first presents the context in which Brazilian cities, whether small or big, are in relation to the development of sustainable urban mobility plans (SUMP). The second part aims a brief review of SUMP concepts, presenting their differences from the traditional transport plans. The third dedicates to describe the barriers to the implementation of these plans in European cities. The fourth, and last, presents and analyzes the compared guides. The results were that the Brazilian guide is similar to the European and both are effective in carrying out the activity they propose to. We also identified the need for more studies on the definition of the barriers to the elaboration and implementation of sustainable urban mobility policies in Brazilian cities. Keywords: Urban mobility policy, urban mobility planning, barriers. 1. INTRODUÇÃO Em 2012 foi sancionada pela Presidência da República a Lei nº 12.587 (BRASIL, 2012), que institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU). Este marco legal representa para o país a necessidade de mudanças de paradigmas aplicados às cidades brasileiras e, dentre outras características, a obrigatoriedade de um planejamento periódico que leve em consideração a maior importância dos usuários de modos não motorizados e de transportes públicos. Com a nova lei, o número de municípios obrigados a elaborar planos de mobilidade urbana passam de 38 para aproximadamente 1.663 (IPEA, 2012). Essa obrigação já existia devido lei nº 10.257, mais conhecido como Estatuto das Cidades, exigir a elaboração desses planos para cidades com mais de 500.000 habitantes (BRASIL, 2001). Tendo em vista a existência dessa obrigação, no ano de 2007 o ministério das cidades elaborou um documento que seria o embrião do atual guia, o PlanMob Caderno de referência para elaboração de Plano de Mobilidade Urbana (Ministério das Cidades, 2007). Segundo Vieira (2012), este documento apresentou preciso detalhamento técnico, prático e conceitual, ressaltando a importância dos estudos de viabilidade, das projeções, da participação popular, entre outros. A autora ressaltou que o guia não determinou um padrão obrigatório a ser seguido e apresentou como falha a ausência de técnicas para revisão, que possuía obrigatoriedade decenal.

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GUIAS PARA ELABORAÇÃO DE PLANOS DE MOBILIDADE URBANA

SUSTENTÁVEL: ANÁLISE COMPARATIVA DAS DIRETRIZES EUROPEIAS E

BRASILEIRAS

Ígor Godeiro de O. Maranhão

Rômulo Dante Orrico Filho Universidade Federal do Rio de Janeiro

Programa de Engenharia de Transportes – PET/COPPE/UFRJ

Enilson Medeiros dos Santos Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Departamento de Engenharia Civil

RESUMO

Este artigo pode ser dividido em quatro partes. A primeira apresenta o cenário no qual as cidades brasileiras, sejam elas

pequenas médias ou grandes, se encontram em relação à elaboração de planos de mobilidade urbana sustentável

(PMUS). A segunda parte é destinada a uma breve revisão do conceito de PMUS, apresentando suas diferenças do

planejamento tradicional de transportes. A terceira parte dedica-se à exposição das barreiras à elaboração desses planos

em cidades europeias. A quarta, e última, apresenta e analisa os guias.

As conclusões foram que o documento brasileiro é similar ao europeu e ambos são efetivos na realização da atividade

em que propõem. Foi também identificado a necessidade de mais estudos relacionados à determinação das barreiras à

elaboração e implementação de políticas sustentáveis de mobilidade urbana nas cidades brasileiras.

Palavras-chave: Política Nacional de Mobilidade Urbana, planejamento da mobilidade urbana, barreiras.

ABSTRACT

This paper has four main parts. The first presents the context in which Brazilian cities, whether small or big, are in

relation to the development of sustainable urban mobility plans (SUMP). The second part aims a brief review of SUMP

concepts, presenting their differences from the traditional transport plans. The third dedicates to describe the barriers to

the implementation of these plans in European cities. The fourth, and last, presents and analyzes the compared guides.

The results were that the Brazilian guide is similar to the European and both are effective in carrying out the activity

they propose to. We also identified the need for more studies on the definition of the barriers to the elaboration and

implementation of sustainable urban mobility policies in Brazilian cities.

Keywords: Urban mobility policy, urban mobility planning, barriers.

1. INTRODUÇÃO

Em 2012 foi sancionada pela Presidência da República a Lei nº 12.587 (BRASIL, 2012), que

institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU). Este marco legal representa para o país

a necessidade de mudanças de paradigmas aplicados às cidades brasileiras e, dentre outras

características, a obrigatoriedade de um planejamento periódico que leve em consideração a maior

importância dos usuários de modos não motorizados e de transportes públicos.

Com a nova lei, o número de municípios obrigados a elaborar planos de mobilidade urbana passam

de 38 para aproximadamente 1.663 (IPEA, 2012). Essa obrigação já existia devido lei nº 10.257,

mais conhecido como Estatuto das Cidades, exigir a elaboração desses planos para cidades com

mais de 500.000 habitantes (BRASIL, 2001). Tendo em vista a existência dessa obrigação, no ano

de 2007 o ministério das cidades elaborou um documento que seria o embrião do atual guia, o

PlanMob – Caderno de referência para elaboração de Plano de Mobilidade Urbana (Ministério das

Cidades, 2007). Segundo Vieira (2012), este documento apresentou preciso detalhamento técnico,

prático e conceitual, ressaltando a importância dos estudos de viabilidade, das projeções, da

participação popular, entre outros. A autora ressaltou que o guia não determinou um padrão

obrigatório a ser seguido e apresentou como falha a ausência de técnicas para revisão, que possuía

obrigatoriedade decenal.

De acordo com dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (IBGE, 2012), dentre os

municípios com mais de 20.000 habitantes, parâmetro que abrange a maior parte deles, 16,12% não

possuíam estrutura específica de um órgão gestor de transporte, 74,52% não tinham e não estavam

tratando da elaboração de um plano municipal de transporte e 90,95% não possuíam fundo

municipal de transporte. Diante de tais dados, pode-se inferir que grande parte das cidades

brasileiras não está preparada para a implementar a Lei nº 12.587/12.

É relevante ressaltar que apesar dos dados anteriormente apresentados indicarem, no âmbito local,

a falta de infraestrutura governamental para elaboração dos planos, há também problemas

relacionados aos planos de mobilidade já elaborados. Oliveira (2014) constatou ao analisar o plano

de mobilidade de Belo Horizonte de 2012, o não cumprimento de algumas diretrizes da PNMU,

entre elas os relacionados aos mecanismos de monitoramento e avaliação do cumprimento das

metas e também a pouca participação popular no processo. Este fato é preocupante, pois indica que

mesmo governos locais com aparente capacidade técnica e financeira não conseguem seguir as

diretrizes da Política.

Tendo em vista estes problemas, a importância de estudar o planejamento de transportes urbanos

para alicerçar o desenvolvimento sustentável das cidades é essencial para que não haja má aplicação

dos cerca de R$ 140 bilhões que serão destinados à mobilidade urbana (Planalto, 2015). Ante tal

consideração, será realizado neste artigo um confronto entre o Caderno de referência para

elaboração de Plano de Mobilidade Urbana (Ministério das Cidades, 2015a) e o documento europeu

Desenvolvendo e Implementando um plano de mobilidade urbana sustentável (ELTISplus, 2014).

Esta comparação tem por objetivo identificar e analisar as diferenças nas diretrizes de elaboração

dos planos a fim de verificar se o documento brasileiro está guiando em direção ao planejamento

sustentável. A utilização deste guia europeu se dá pois, diferentemente dos guias estritamente

nacionais como os da França e Inglaterra, o documento europeu deve tratar de cenários e

circunstâncias diversos, aproximando-se da situação brasileira em alguns aspectos. Além disto, este

guia europeu foi elaborado considerando diversas pesquisas relevantes realizadas para o cenário

europeu, pesquisas essas explicitadas nas seções adjacentes.

Este artigo é dividido em quatro partes, além da introdução. A segunda e a terceira seção

apresentam uma breve revisão do conceito de plano de mobilidade urbana sustentável e dos estudos

sobre as barreiras ao seu planejamento e implementação. Uma descrição da bibliografia, bem como

a análise dos documentos é realizada na quarta seção, apresentando a respectiva importância da

existência de tais documentos e de que forma eles guiam para a melhoria da mobilidade e da

qualidade de vida. A última seção é dedicada as considerações finais, apresentando as contribuições

do artigo, as limitações e as recomendações para pesquisas futuras.

2. O CONCEITO DE PLANO DE MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL (PMUS) Foi realizada uma breve pesquisa do conceito de planos de mobilidade sustentável a fim de melhor

analisar os guias no que tange as suas diretrizes. Pôde-se constatar que este é um conceito

parcamente trabalhado na literatura. O projeto PILOT, conceitua o planejamento de mobilidade

urbana sustentável afirmando que para entender o que é um PMUS deve-se entender no que ele

difere do planejamento de transporte convencional, em seus objetivos (e.g. reduzir os impactos

negativos do transporte sobre a saúde e a segurança dos cidadãos, em particular os mais

vulneráveis), seu escopo (e.g. passageiros e bens) e suas qualidades distintas como forma de

planejar (e.g. a abordagem participativa) (PILOT, 2007).

Outra publicação, o estudo de revisão do projeto ELTISplus (ELTISplus, 2012), é uma importante

fonte para se entender os PMUS. Entre outras contribuições, reiterou as conclusões do projeto

PILOT mas constatou também, por parte dos stakeholders, a necessidade de uma definição curta e

simples. Baseando-se nos apontamentos da etapa de consolidação dos conhecimentos, chegou-se a

um consenso que o conjunto de termos apresentados na figura 1 deveriam estar presentes,

implicitamente ou explicitamente, no conceito de PMUS. Assim, a seguinte definição foi sugerida:

Um plano de mobilidade urbana sustentável é um plano estratégico elaborado para

satisfazer as necessidades de mobilidade de pessoas e empresas nas cidades e

imediações a fim de prover uma melhor qualidade de vida. Ele se baseia em

práticas de planejamento existentes e leva em total consideração a integração,

participação e os princípios de avaliação.

(ELTISplus, 2012)

Figura 1. Elementos essenciais no conceito de planos de mobilidade urbana sustentável

Fonte: Tradução própria, retirado de ELTISplus (2012).

Outras importantes contribuições do estudo de revisão foram as definições dos benefícios, o que

pode ser alcançado, os requisitos mínimos, a diferença entre um plano de transporte tradicional e

um plano de mobilidade urbana sustentável (Tabela 1) e as barreiras da elaboração de um PMUS,

tratadas na próxima seção. Além disso, outro aspecto abordado foi a revisão dos guias nacionais já

existentes e a conjuntura legal desses países em relação à mobilidade sustentável.

Tabela 1. Comparação entre o modelo tradicional e o sustentável dos planos

Plano de Transporte Tradicional

Plano de Mobilidade Urbana

Sustentável

Muitas vezes com perspectivas de

curto prazo, sem visão estratégica Visão/Nível Estratégico

Inclui a visão de longo prazo/estratégica

com horizonte de planejamento de 20-30

anos

Geralmente se concentram em uma

única cidade Escopo Geográfico

"Cidade Funcional"; cooperação das

autoridades das cidades relacionadas

Participação de alguns operadores

e outros entes locais, não é uma

característica obrigatória

Nível de Envolvimento

Público

Alto; Envolvimento dos cidadãos e

stakeholders é essencial

Não é uma característica

obrigatória Sustentabilidade

Balancear equidade social, qualidade

ambiental e desenvolvimento econômico

Baixa, foco em transporte e

infraestrutura Integração de Setores

Integração de práticas e políticas entre os

setores (Ambiental, uso do solo, inclusão

social, etc.)

Geralmente não há cooperação

entre as autoridades Cooperação

Institucional

Integração entre as autoridades (Distritos,

municipalidades, aglomerações, regiões)

Muitas vezes inexistente ou focada

em objetivos muito amplos Monitoramento e

Avaliação

Foco em atingir objetivos mensuráveis e

resultados esperados

Ênfase histórica em planejamento

de vias e construção de

infraestruturas Foco Temático

Mudança decisiva em favor de medidas

destinadas a promover o transporte

público , a pé e de bicicleta e além (

qualidade do espaço público , uso do solo

, etc.)

Não é considerado Internalização de

Custos

Avaliação dos custos e benefícios também

em todos os sectores da política de

transportes

Fonte: Tradução livre, adaptado de ELTISplus (2012)

Em 2013, a Comissão Europeia legitimou o conceito de plano de mobilidade urbana sustentável em

todos os estado-membro da EU. Apoiando-se principalmente nos estudos do projeto ELTISplus, ela

estabeleceu uma definição similar a apresentada anteriormente. Entretanto a Comissão afirma que

este conceito não deve ser tomado como uma abordagem uniforme, e sim o contrário, deve ser

adaptado às diversas circunstâncias e cenários existentes entre os Estados (Comissão Europeia,

2013).

No Brasil, Cidades (2015), ao definir o que são planos de mobilidade urbana dispensa uma

conceituação completa, afirmando que os mesmos são instrumentos para firmar a PNMU. Em

relação a finalidade, o documento acaba conceituando algo similar ao que é um plano, como segue:

Os planos de mobilidade urbana são instrumentos de internalização das diretrizes,

dos objetivos e dos princípios gerais da Política Nacional de Mobilidade Urbana.

Sua finalidade é a de, por meio do planejamento de curto, médio e longo prazos,

traduzir os objetivos de melhoria da mobilidade urbana local em metas, ações

estratégicas e recursos materiais e humanos, viabilizando os meios para a efetiva

transformação desejada e, com isso, contribuindo com uma real promoção do

desenvolvimento da cidade.

Assim, fica constatado a dificuldade em se definir o conceito de planos de mobilidade urbana

sustentável. Esse fato era esperado, no sentido de que se trata de termos amplos e complexos, nos

quais uma efetiva definição deve ser igualmente ampla a fim de englobar o maior número de

cenários que o seu planejamento requer. Ainda assim, conforme apresentado, somente estes

conceitos não devem ser o embasamento para a elaboração de um PMUS, sendo necessário, entre

outros elementos, um guia para sua elaboração.

3. AS BARREIRAS AO PLANEJAMENTO DA MOBILIDADE SUSTENTÁVEL NA

EUROPA

May (2015) realizou extensa revisão bibliográfica sobre as barreiras à elaboração e implementação

de um eficiente plano de mobilidade urbana sustentável. Entre os estudos por ele analisado e aqui

utilizados estão Atkins (2007), ECMT (2002, 2006) e Gudmundsson (2007). Apesar de outros

(ELTISplus, 2012; Hull, 2009; PROSPECTS, 2001) terem sido por ele analisado, optou-se por

utilizar outras fontes.

Atkins e DISTILLATE foram estudos realizados durante as três fases de aplicação dos chamados

Local Transport Plan (LTP) nas cidades do Reino-Unido, durante os anos 2000. Essas três fases

foram divididas na medida em que as diretrizes nacionais eram alteradas, de uma situação com

prescrições e guias a serem seguidos (LTP1 e LTP2) para uma situação em que havia orientação

nacional porém as cidades possuíam considerável flexibilidade (LTP3) e por último uma na qual as

cidades têm total capacidade, e portanto não necessitam de orientação (Pós LTP3). IMPACT, um

estudo similar ao DISTILLATE e Atkins, foi realizado na Suécia para obter as principais barreiras à

abordagem escandinava do planejamento da mobilidade urbana sustentável.

Em relação ao continente europeu, os estudos da European Conference of Ministers of Transports

(ECMT) foram parte de um programa de 15 (quinze) anos de duração que realizou estudos de casos,

bem como questionários em diversas cidades sobre a habilidade delas em implementar o

planejamento da mobilidade sustentável. O projeto ELTISplus dividiu as barreiras por ele

encontradas em três níveis, a saber: as barreiras encontradas em países com o planejamento

sustentável já bem estabelecido, as barreiras em países que estão se mobilizando para o

planejamento sustentável e as encontradas em países que ainda não adotaram o planejamento da

mobilidade sustentável. Devido o intuito do artigo, foram analisadas apenas as barreiras

relacionadas aos países que estão se mobilizando para o desenvolvimento de um planejamento

sustentável, por assemelharem-se ao atual cenário brasileiro. O projeto PROSPECTS foi um estudo

com a finalidade de prover amparo ao desenvolvimento de PMUS. Para embasá-lo, realizou

questionários em 60 (sessenta) cidades europeias para identificar as barreiras enfrentadas pelos

planejadores. As respostas dos questionários estão agrupadas em termos muito específicos, e para

melhor organiza-los, foram agrupados em barreiras de cunho semelhante, conforme segue:

Tabela 2. Barreiras ao planejamento da mobilidade urbana sustentável na Europa

PROSPECTS

Estudos

da

ECMT

DISTILLATE Atkins ELTISplus IMPACT

Falta de integração e cooperação

entre cidades e entre níveis de

governo

x

x x x

Falta de amparo legal e/ou de

marcos regulatórios x x

x

Falta de vontade política x x x

x x Falta de integração entre

instrumentos de planejamento x x x

Falta de poder sobre operadores

locais de transporte x

Limitação no número de pessoas

e/ou de conhecimento do grupo

planejador

x x x

Relutância em compartilhar boas

práticas x

Problemas relacionados a

modelagem, monitoramento e

avaliação

x

Falta de espaço urbano x

Falta de iniciativas de âmbito

privado x

Barreiras relacionadas a

financiamentos e/ou taxações1

x x x

x

Baixa qualidade e quantidade de

dados x x

Pouco apoio da população x x x

x

Resistência dos planejadores por

abordagens mais modernas x

Fonte: Elaboração própria, a partir de ELTISplus (2012); apud May (2015); Hull (2009) e

PROSPECTS (2001).

4. DESCRIÇÃO DA BIBLIOGRAFIA E ANÁLISE DOS DOCUMENTOS

Um ponto a ser discutido é se há a real necessidade da atuação nacional na elaboração de planos

cujo escopo geográfico são municípios. Esse debate é reforçado pela forma como o ente federal

deve atuar, com prescrições ou diretrizes a serem seguidas. May (2013), baseado principalmente

nos estudos realizados durante as três fases de aplicação dos planos locais de transporte (LTPs) no

Reino Unido, afirma que é necessário haver um equilíbrio entre a atuação do poder nacional e local,

mas que é essencial a participação do primeiro para que este instrua em relação às boas práticas a

serem aplicadas pelo segundo.

A necessidade da participação nacional é também reforçada pela importância que as cidades vêm

tomado em relação aos países. Segundo relatório da Commission of the European Communities

1 Algumas barreiras foram agrupadas com o intuito de melhor organizá-las. Apesar de estarem marcadas igualmente,

Hull (2009), ao tratar do projeto DISTILLATE, e ELTISplus (2012) tratam de duas barreiras diferentes de

financiamento. Enquanto a primeira trata da falta de recursos, por parte dos entes locais, para a elaboração dos planos, o

segundo trata das dificuldades relacionadas, também, ao financiamento do que chama de pacotes de medidas.

(2007), cerca de 60% da população europeia vive em cidades com mais de 10.000 habitantes, sendo

elas responsáveis por pouco menos de 85% do PIB produzido. Em relação aos transportes, o

congestionamento nas cidades é responsável pela perda de 100 bilhões de euros e 40% das emissões

totais de CO2. Em relação ao Brasil a importância das cidades é similar. Apesar dos municípios com

mais de 20.000 habitantes representarem pouco menos de 30% do total de municípios brasileiros,

cerca de 83% da população vive neles, representando 90% do PIB produzido (IBGE, 2010a,

2010b). Dessa forma, é essencial para os países que os governos nacionais empenhem-se em

solucionar os problemas das cidades com a finalidade de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.

Tendo em vista o que foi explicitado, a análise partirá da comparação direta de dois documentos, o

Caderno de Referência para Elaboração de Plano de Mobilidade Urbana e o Developing and

Implementing a Sustainable Urban Mobility Plan. O primeiro se trata de um documento oficial do

governo brasileiro com o objetivo de orientar estados e municípios na construção de planos de

mobilidade urbana, o segundo, resultado de uma pesquisa financiada pela European Comission, é

um documento guia que define os principais passos para estabelecer políticas de mobilidade urbana.

O documento brasileiro trata como elementos essenciais (mínimos) o caderno de referência indica

dois grupos: um formado por 6 (seis) itens relacionados ao estabelecimento de objetivos e metas e

outro com 24 (vinte e quatro) relacionados as ações estratégicas para a solução de problemas e

alcance de metas (e.g. Meta de redução de acidentes, através da Circulação viária em condições

seguras e humanizadas).

Em relação a metodologia recomendada, o documento brasileiro utiliza-se de um passo a passo

obtido de EMBARQ (2014), abaixo descrito:

Figura 2. Etapas de elaboração de planos de mobilidade urbana brasileiros.

Fonte: (EMBARQ Brasil, 2014)

Em relação a metodologia recomendada, o guia também utiliza-se de um passo a passo, porém este

mais segmentado, conforme abaixo.

Figura 3 Etapas da elaboração de um plano de mobilidade urbana sustentável.

Fonte: Tradução livre, adaptado ELTISplus (2014).

Os dois documentos oficiais têm escopo bastante similar. A principal semelhança está no

esclarecimento de certos pontos dos passos recomendados a serem seguidos, como por exemplo na

definição de metas, no qual ambos tratam da necessidade de se definir metas alcançáveis, dentro da

realidade de cada cidade. O ponto negativo dessa semelhança é que, em alguns casos, ambos falham

em certos pontos. Um exemplo disto está relacionado ao transporte de carga em áreas urbana, que

de forma geral tem tratamento marginal nas análises necessárias, sendo raramente citado.

Apesar de, em sua maior parte, os documentos serem similares, algumas diferenças podem ser

notadas. Um exemplo disto é a forma como os documentos tratam da exclusão social. O documento

brasileiro aborda este problema com uma visão mais relacionada à pobreza, enquanto o europeu

aborda a exclusão social do ponto de vista do acesso dos idosos e portadores de necessidades

especiais à cidade.

Um ponto a ser observado no documento brasileiro é que este reconhece com maior “capacidade”

os diferentes cenários e situações que cada cidade pode ter, inclusive identificando-os (e.g. cidade

dormitório, cidade industrial, tamanho da população) e rapidamente elaborando o escopo do plano.

Outra diferença observada foi que o documento europeu se mostra mais preparado para superação

de barreiras identificadas neste artigo, inclusive mostrando em alguns pontos a existência dessas

barreiras e como suplantá-las. Isso se verifica devido ao fato da revisão elaborada ser de estudos

sobre dificuldades encontradas durante os processos de elaboração dos planos em cidades

europeias. Tendo em vista que há, relativamente, poucos estudos sobre as barreiras encontradas

durante a elaboração de planos de mobilidade nas cidades brasileiras, ou mesmo em cidades de

países em desenvolvimento, o documento brasileiro se ausenta de informar atividades-chave para

cercear tais dificuldades.

É importante definir que o papel de um guia é guiar. Atentando-se a isso, é perceptível que o

documento europeu apesar de mais sucinto, é mais completo em relação ao passo a passo

recomendado. Há uma aparente preocupação em relação ao correto entendimento dos conceitos e

dos passos a seguir, sistematizando-os, mostrando exemplos, atividades essenciais, atividades

complementares e check-lists a serem realizados ao fim de cada etapa. Esses cuidados acabam por

coibir erros gerados pelo não entendimento de certos itens. Tendo em vista a heterogeneidade de

cenários e com as barreiras apresentadas neste artigo, a simplificação do guia se torna ainda mais

essencial.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pode-se dizer que o objetivo do artigo foi alcançado. Após breve análise dos documentos, concluiu-

se que ambos possuem diversos pontos positivos. Os guias europeu e brasileiro são similares em

vários pontos, porém apresentam singularidades devido as claras diferenças entre os cenários atuais

e perspectivas futuras.

O artigo apresenta claras limitações quanto às análises do guia brasileiro em relação às barreiras,

isso ocorreu devido ao fato de não existir muitos estudos sobre elas no cenário nacional. Dessa

forma, uma recomendação é exatamente o estudo destas, a fim de determina-las e possivelmente

recomendar alterações no guia nacional.

Por fim, o Brasil está passando por uma fase de transição em termos de mobilidade, assim, muitos

recursos serão alocados com esse intuito. Tendo isso em vista, a necessidade de se estudar o

processo de planejamento se amplifica para que haja um processo racional e transparente de gastos.

O caderno de referência publicado pelo ministério das cidades é um documento recente (publicado

em 2015). Devido a isso, é seguro dizer que nenhum plano foi elaborando seguindo suas diretrizes.

Tendo isso em vista, é importante a presença da academia nas discussões a fim de se tornar um elo

permanente no processo de planejamento. Sua presença é primordial para identificar as barreiras no

processo brasileiro, similar aos estudos revisados para o continente europeu.

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