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5 “O verdadeiro patriotismo não é o amor do solo; é o amor do passado, o respeito às gerações que nos prepararam.” Fustel de Coulanges Anos atrás, em cumprimento a tarefa recebida do circulo de estudos que integrava, redigimos este trabalho, para uso interno. Este, portanto, após cumprir sua finalidade, foi arquivado. Verificando, entretanto, que persistem os males causados pela obra do Sr. Júlio José Chiavenatto: “Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai” e, não tendo sido apanhado a luva por ele atirada, em afronta aos heróicos soldados e dirigentes brasileiros do passado, decidimos rever seu texto e entregá-lo à Biblioteca do Exército Editora - BIBLEX, para apreciação. O descuido com nosso depósito de glórias do passado está levando nossa Nação ao plano inclinado da decadência moral, que se torna evidente quando um desertor, assaltante, terrorista, ladrão e assassino como Carlos Lamarca é elevado ao pódio dos heróis da gente brasileira, com pretensões a substituir aqueles que conquistaram lá seus lugares pelo sacrifício e constância pela Pátria. Pois bem: o Sr. Chiavenatto é autor de uma obra de “reinterpretação histórica”. Utiliza o método marxista de interpretação da História, que consiste em reduzir todos os fatos sociais a um único: o econômico. O método marxista, perverso pelo fim que persegue - a subversão histórica, para colocá-la a serviço da revolução comunista - bem como, pelos meios que emprega - a fraude, a mentira, a calúnia, a difamação, a injúria - é utilizado pelo autor sobre dados históricos já corrompidos pela mentira, de textos preferentemente argentinos e paraguaios, de autores que não gozam de boa reputação científica. Não se poderia esperar o culto à verdade em uma obra de reinterpretação marxista, mas, pelo menos, poderiam as mentiras ser camufladas pela “autoridade” de algum historiador comprometido com a subversão cultural. Mas não, dela incumbiu-se, ou foi incumbido, um jornalista obscuro, cuja tese é a seguinte: foi o imperialismo inglês quem desejou destruir o Paraguai, que se arvorava como perigoso modelo socialista de desenvolvimento na América do Sul, através dos subimpérios do Brasil e da Argentina. Como subproduto do imperialismo, ocorreu o “genocídio”. Sobre os dados inverídicos que coletou, lança Chiavenatto, para agravar as mentiras, dentro de um quadro de luta de classes, a usual “confusão semântica”, alimentada pelos próprios comunistas, através do uso sistematicamente pervertido da linguagem. “Ao chamarem de ‘autônomo’ aquele que é impotente, de ‘federado’ o que é

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“O verdadeiro patriotismo não é o amor do solo; é o amor do passado, o respeito às gerações que nos prepararam.” Fustel de Coulanges

Anos atrás, em cumprimento a tarefa recebida do circulo de estudos que integrava, redigimos este trabalho, para uso interno. Este, portanto, após cumprir sua finalidade, foi arquivado.

Verificando, entretanto, que persistem os males causados pela obra do Sr. Júlio José Chiavenatto: “Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai” e, não tendo sido apanhado a luva por ele atirada, em afronta aos heróicos soldados e dirigentes brasileiros do passado, decidimos rever seu texto e entregá-lo à Biblioteca do Exército Editora - BIBLEX, para apreciação.

O descuido com nosso depósito de glórias do passado está levando nossa Nação ao plano inclinado da decadência moral, que se torna evidente quando um desertor, assaltante, terrorista, ladrão e assassino como Carlos Lamarca é elevado ao pódio dos heróis da gente brasileira, com pretensões a substituir aqueles que conquistaram lá seus lugares pelo sacrifício e constância pela Pátria.

Pois bem: o Sr. Chiavenatto é autor de uma obra de “reinterpretação histórica”. Utiliza o método marxista de interpretação da História, que consiste em reduzir todos os fatos sociais a um único: o econômico.

O método marxista, perverso pelo fim que persegue - a subversão histórica, para colocá-la a serviço da revolução comunista - bem como, pelos meios que emprega - a fraude, a mentira, a calúnia, a difamação, a injúria - é utilizado pelo autor sobre dados históricos já corrompidos pela mentira, de textos preferentemente argentinos e paraguaios, de autores que não gozam de boa reputação científica.

Não se poderia esperar o culto à verdade em uma obra de reinterpretação marxista, mas, pelo menos, poderiam as mentiras ser camufladas pela “autoridade” de algum historiador comprometido com a subversão cultural. Mas não, dela incumbiu-se, ou foi incumbido, um jornalista obscuro, cuja tese é a seguinte: foi o imperialismo inglês quem desejou destruir o Paraguai, que se arvorava como perigoso modelo socialista de desenvolvimento na América do Sul, através dos subimpérios do Brasil e da Argentina. Como subproduto do imperialismo, ocorreu o “genocídio”.

Sobre os dados inverídicos que coletou, lança Chiavenatto, para agravar as mentiras, dentro de um quadro de luta de classes, a usual “confusão semântica”, alimentada pelos próprios comunistas, através do uso sistematicamente pervertido da linguagem. “Ao chamarem de ‘autônomo’ aquele que é impotente, de ‘federado’ o que é

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unitário, de ‘unido’ o que é cismático, de ‘popular’ o que é imposto pelo terror, de ‘pacífico’ aquilo que incita à guerra - em suma, ao corromper sistematicamente a linguagem para obscurecer a realidade, os comunistas têm feito incursões em nosso senso de realidade política.” (1)

“Uma outra forma de “subversão semântica praticada pelos partidos comunistas, em toda parte, é o esforço de capturar símbolos, “slogans” e tradições prestigiosas.” (2) Chiavenatto usa claramente este diabólico artifício ao rotular de “genocídio” a desgraça que se abateu sobre o infeliz povo paraguaio, com as conotações talismânicas que a propaganda deu a esta palavra.

Ainda como instrumento de subversão semântica, os comunistas, praticam a “torção de vocábulos a serviço da propaganda comunista: “pacisfismo”, “coexistência”, “ecumenismo”, “democracia-cristã”, “terceira-força”, etc.(3) Como nos ensina o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira: “Tais vocábulos, submetidos a análoga torção, passavam a constituir como que uma constelação, em que uns apoiavam e completavam os outros. Cada palavra constituía um talismã a exercer sobre as pessoas um efeito psicológico próprio. E o conjunto dos efeitos dessa constelação de talismãs nos pareciam de molde a operar nas almas uma transformação mais profunda.” (4)

O Sr. Chiavenatto é, entretanto, coerente com a sua tese quando “justifica” Francisco Solano López. Este é peça integrante do seu jogo. Mas o fato não é surpreendente: “Os comunistas não têm razões de princípios para se oporem aos ditadores e colaborarão com eles se houver algo a ganhar, ou se o ditador é anti-americano.” (5) No caso da regressão que faz o autor, leia-se anti-inglês, que era o “imperialista” da época.

Informa-nos, candidamente, o Sr. Chiavenatto, que: “Este não é um livro de história. O autor não é um historiador.” (6) Em sua biografia, a editora acrescenta: “(...) é um jornalista (...) começou a estudar a história destes povos (...) percorreu praticamente todos os países da América do Sul (...) acreditando que é impossível escrever corretamente a história destes povos (...) sem contato direto com as suas realidades (...) Hoje dedica todo o seu tempo à pesquisa da história latino-americana.”(7) (Os negritos são nossos).

São evidentes as contradições. Mas convém que se esclareçam certos aspectos desta confusão, típica dos marxistas.

Assim, vem-nos à mente uma pergunta fundamental: o que é História?

Responde-nos Henri-Irinée Marrou (8): -”A História é o conhecimento do passado humano”. E é ainda o Prof. Marrou quem comenta a sua própria definição: - “Diremos conhecimento e não, como outros, ‘narração do passado humano’ (O. Philippe L’homme et l’Histoire), ou ainda ‘obra literária que visa traçá-lo’ (R. Jolivet, Actes du Congrès de Strasbourg, 1952); sem dúvida, o trabalho histórico deve normalmente levar a uma obra escrita, mas trata-se de uma exigência de caráter prático: de fato, a História existe já, perfeitamente elaborada no pensamento do historiador, antes mesmo de ele a ter escrito; sejam quais forem as interferências dos dois tipos de atividades, são logicamente distintas.” E prossegue o eminente professor: - “Diremos conhecimento e não, como outros, ‘pesquisa’ ou ‘estudo’ (...) porque é confundir o fim e os meios. O que importa é o resultado alcançado pela pesquisa. Não a prosseguiremos se não devesse resultar; a História define-se pela verdade que se mostra capaz de elaborar. Porque, ao dizer conhecimento, entendemos conhecimento válido, verdadeiro:

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a História opõe-se dessa maneira ao que seria, ao que é representação falsa ou falsificada, irreal do passado, opõe-se à utopia, à história imaginária, ao romance histórico, ao mito, às tradições populares ou às lendas pedagógicas.

“Sem dúvida, esta verdade do conhecimento histórico é um ideal. A História, pelo menos, deve ser o resultado do esforço mais rigoroso, mais sistemático para se aproximar dele. Por isso, talvez se pudessse precisar utilmente ‘o conhecimento cientificamente elaborado do passado’, se a pròpria noção de ciência não fosse ambígua (...) Precisemos, portanto, se se fala de ciência a propósito da História (...) por oposição ao conhecimento vulgar da experiência cotidiana, trata-se de um conhecimento elaborado em função de um método sistemático e rigoroso, aquele que se mostrou capaz de representar o fato ‘optimum’ da verdade.

“Conhecimento do passado, mesmo se se trata de história realmente contemporânea. Conhecimento do passado humano: (...) aceitamos na sua complexidade tudo o que pertenceu ao passado do homem, tudo o que conseguimos aprender dele (...)” (9)

Até aqui, o Prof. Marrou.

Agora, já podemos voltar à confusão autor-editora. O Prof. Marrou nos ensinou o suficiente a respeito da História para podermos constatar, com precisão, que o autor não possui (ou não possuía na época em que escreveu o livro) o conhecimento histórico para levantar a tese que levantou. Suas pesquisas foram insuficientes para obra de tamanha envergadura, sua formação não o habilita a aventurar-se em campo científico especializado, como é a História, por não dominar-lhe o método, sistemático e rigoroso, que exige a abordagem séria da disciplina.

Dizer, apenas, que seu livro não é uma obra histórica, e atirar-se à elaboração capenga de uma tese de História significa, no mínimo, querer passar de contrabando um produto deteriorado. É má fé.

E o contrabando do mau produto é feito pela editora, sob a embalagem enganosa da tarja que o envolve: “O livro que mudou a história oficial do Brasil”.

Conclusão parcial: não é obra séria, seu autor é leviano e, a editora, sensacionalista.

Poderia o autor tentar justificar-se, alegando não ser um historiador, apenas um pesquisador. Mas, a História, como nos ensinou o Prof. Marrou, utiliza a pesquisa, porém, pesquisa histórica, instrumento científico cujo manejo exige um esforço rigoroso, de tal maneira preciso e ordenado segundo uma metodologia peculiar que, seu produto - a História - enquanto conhecimento, só pode alterar o conhecimento já existente, também resultante de pesquisas plenamente conseqüentes, isto é, elaboradas, divulgadas e aceitas pela comunidade científica especializada, quando acompanhado das provas que o ritual científico exige. E as provas são, sobretudo, documentos.

Peçamos novamente o auxílio do Prof. Marrou, que a respeito de documento nos informa: “O historiador não é esse nigromante que nós imaginamos, capaz de evocar a sombra do passado por meio de processos encantatórios. Não podemos alcançar o passado diretamente, mas só através dos traços inteligíveis para nós, que deixou atrás dele, na medida em que estes traços subsistem, em que nós os encontramos e em que somos capazes de os interpretar (...) Encontramos aqui a primeira e a mais pesada das

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servidões técnicas que pesam sobre a elaboração da história.” (10)

E o Sr. Chiavenatto confessa que fez sua “pesquisa” sem ter consultado os arquivos brasileiros que contêm os documentos mais importantes da guerra: seja porque o Brasil foi o principal integrante da tríplice aliança, seja porque ao suportar o peso da guerra fomos nós que tomamos ao inimigo seus arquivos, seja porque enquanto nossos aliados se debatiam em cruéis lutas intestinas, o nosso grande Brasil gozava da estabilidade política conferida pelo regime imperial que se refletia, necessariamente, na sua administração pública, com a conseqüente organização de bons arquivos e o estímulo ao estudo sério de sua História, etc.

É evidente que o título apresentado pelo Sr. Chiavenatto: “pesquisador imparcial”, é insuficiente para abrir-lhe as estantes dos arquivos públicos e privados, depositários de preciosidades que não podem ser manuseadas por qualquer jornalista iniciante no conhecimento histórico. Para estudantes do seu nível, e estou aqui me referindo a estudantes sérios, estão disponíveis as obras de referência nas boas bibliotecas especializadas, ou na Biblioteca Nacional.

Mas que tipo de documento haveria de querer o autor leviano? Os que comprovassem a sua tese esdrúxula? Estes não existem, simplesmente porque os fatos não se passaram como imagina o Sr. Chiavenatto.

O que ele encontrou no Prata e no Paraguai, como possível apoio à sua tese, não são documentos para o fim desejado. Jornais de propaganda nada provam.

No livro que estamos refutando encontramos uma bibliografia citando obras de referência, de autores brasileiros e estrangeiros. O que fica patente, para quem conhece estas obras, é que o Sr. Chiavenatto não as leu, apenas as relacionou após tê-las, provavelmente, compulsado, e verificado que não serviam aos seus propósitos.

Por outro lado, ressaltam as mesmas mentiras, as mesmas calúnias que abundam nas obras desclassificadas de certos autores argentinos, ressentidos com a grandeza do Brasil e o seu modo cavalheiresco de conduzir, com competência, a guerra; e, de alguns paraguaios, meros folhetins dedicados à mais mentirosa e ridícula propaganda lopista. Os autores argentinos e paraguaios, honestos e competentes, e felizmente eles existem, foram desprezados pelo Sr. Chiavenatto.

Ainda sobre documentos, é bastante curiosa a afirmação do Sr. Chiavenatto: “mesmo que essa carga de verdade seja irrespondível, indesmentível e fartamente documentada, como é o que se propõe a fazer neste livro”. (11) Ora, ele labora sobre mentiras; nós responderemos, adiante, a todas as suas descabidas agressões ao Brasil; desmentiremos a todas as suas mentiras, uma das quais acaba de ser registrada: sua obra não é, nem farta nem precariamente documentada. Simplesmente não é documentada. Ao estampar os “fac-símiles” de jornalecos de propaganda lopista não prova - e esta é a finalidade dos documentos - a sua tese; ao transcrever a tradução de um folheto em espanhol que existe no museu Mitre, reproduzindo uma suposta carta do invicto general, o Duque de Caxias, ao bondoso, mas severo, Imperador dos brasileiros, D. Pedro II, não apresenta um documento, mas uma grosseira fraude que não resiste à análise mais superficial, como veremos. Não fosse Chiavenatto um comunista...

Conclusão parcial: fundamentada em mentiras, a obra do Sr. Chiavenatto é enganadora e ele, falta à verdade.

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Mas existiria uma “história oficial”?

Vamos recorrer novamente ao mestre francês, que nos ensina sobre a “verdadeira inflação dos valores históricos que o século XIX” conheceu (12): “Em algumas gerações (...) as disciplinas em que se elaborara o conhecimento do passado tinham tomado um prodigioso desenvolvimento. Seria de admirar que este conhecimento tivesse invadido há pouco todos os domínios do pensamento? O ‘sentido histórico’ converteu-se num dos caracteres específicos da mentalidade ocidental. O historiador era, então, rei. Toda a cultura se encontrava suspensa das suas decisões. Cabia-lhe dizer como se devia ler a Ilíada, o que era uma nação (fronteiras históricas, inimigos hereditários, missão tradicional). Ele é que saberia se Jesus era Deus (...) sob a dupla influência do idealismo e do positivismo, a ideológia do Progresso impunha-se como categoria fundamental (o Cristianismo ‘ultrapassado’, os cristãos reduzidos a uma minoria tímida, que não se imaginava que havia de ser irredutível, o pensamento ‘moderno’ era senhor do terreno). Do mesmo passo, o historiador sucederia ao filósofo como guia e conselheiro (13). Detinha os segredos do passado e era ele que, como um genealogista, fornecia à humanidade as provas da sua nobreza, era ele que voltava a traçar o caminho triunfal do devir. ‘Fora de Deus o futuro estendia-se no meio da desordem’ (A Chamson, L‘homme contre l’Histoire): só o historiador estava em condições de conferir à utopia um fundamento razoável, mostrando-a enraizada e de alguma maneira já desenvolvida no passado. Era possível a Augusto Comte escrever com ênfase ingênua: ‘A doutrina que tiver explicado suficientemente o conjunto do passado obterá inevitavelmente, na seqüência só deste transe, a presidência mental do futuro’ (Discours sur l‘esprit positif).

“Pretensões excessivas, confiança mal situada (...) chegou o dia em que o homem se pôs a duvidar do oráculo que invocara com tamanha complacência e se sentiu como que incomodado por este montículo que se se revelava inútil, incerto (...) a diminuição da confiança na História aparece como uma das manifestações da crise da verdade, como um dos sintomas mais graves do nosso mal (...) porque é um ferimento que vai direto ao mais profundo do ser.

“Devemo-nos lembrar das palavras atrozes de Hitler, no “Mein Kampf”: “Uma mentira colossal traz em si uma força que afasta a dúvida (...) uma propaganda hábil e perseverante acaba por levar os povos a julgar que o céu é, no fundo, um inferno, e que a mais miserável das existências é, pelo contrário, um paraíso (...) Porque a mentira mais descarada deixa sempre rastro, mesmo se foi reduzida a nada’. Estas fanfarronadas de um prisioneiro e um louco viram-se realizadas pela prática corrente da vida política, no decurso de uma geração. O desprezo da verdade histórica patenteou-se em toda a parte (...) os exemplos que me vêm ao espírito são os dos Estados totalitários (...)

“Nesse mundo transformado, que lugar resta para a História? Não passa de um jogo de máscaras no armazém dos acessórios dos comediantes da Propaganda.” (14)

Está respondido, portanto: existe, sim, uma “história oficial”, adaptada à ideologia do progresso, cujas linhas básicas são: o abandono de Deus e a substituição do Seu Plano para a humanidade por outro, elaborado pelos próprios homens com fundamento na razão exaltada como todo poderosa. As novas utopias careciam de um apoio histórico, como explanou o Prof. Marrou, e é na “reinterpretação” histórica que vão buscar os supostos alicerces das suas idéias insensatas. O processo revolucionário mundial se incumbe de “oficializar” a nova história nos países submetidos às ditaduras totalitárias, pela propaganda e pelo terror, enquanto tenta, naqueles que ainda não

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caíram nas suas garras, manobras “desmistificadoras”, do tipo desta empregada pelo Sr. Chiavenatto. Já examinamos como os comunistas jogam a semântica. Nada mais simples, portanto, que constatar a inversão da editora e do Sr. Chiavenatto na atribuição de uma “história oficial” ao Brasil, que na realidade não a possui, nos termos aqui analisados. Temos, sim uma História, fruto do conhecimento acumulado pelas gerações que nos precederam, quando não com o total rigor do método científico peculiar, pelo menos com o relato ou a busca da verdade. Nunca tivemos necessidade de apoiar uma utopia, de adaptar nossa História a uma ideologia. Somos felizes porque todas os regimes que tivemos, e todos os partidos políticos e grupamentos ideológicos, mesmo quando interpretavam os dados históricos sob suas óticas particulares, respeitavam a integridade deste depósito. Isto, até que surgiram os comunistas com a sua pretensão reinterpretativa, segundo um método condenável, e sem nenhum respeito à verdade contida no acervo histórico, patrimônio da Nação Brasileira.

Lembremos o esforço do Chico Buarque ao tentar transformar Calabar, de traidor infame em herói. A mentira não deu certo? Não importa, alguma coisa ficou, pensam os comunistas, em total acordo com Hitler.

O objetivo do livro do Sr. Chiavenatto foi abalar, na juventude brasileira, a certeza de que fomos à guerra contra o governo do Paraguai por uma causa justa. Bem que eles gostariam de impor-nos uma “história oficial” que tivesse ao lado de Calabar, elevado à categoria de herói, um Luiz Carlos Prestes, que declarou “patrioticamente”: “em caso de guerra entre o Brasil e a Rússia, fico com esta!”

Conclusão parcial: o livro em questão é obra de propaganda comunista.

E sobre a propaganda comunista são bastante ilustrativas as citações que apresentamos, de Charles Burton Marshall (15):

“Para um comunista, uma laminação americana (pode ser brasileira...) pode ser considerada como um instrumento de exploração e agressão, um monumento ao materialismo americano; ao contrário, uma usina soviética pode ser vista como uma lírica personificação tri-dimensional de progresso e justiça.

“Na linguagem da teoria do jogo, os comunistas são como oponentes jogando jogos diferentes, segundo regras diferentes, sobre o mesmo tabuleiro.”

E sobre a história oficial da ex-URSS, ainda é a antiga embaixadora americana na ONU quem nos adverte: “O estudo das línguas, a filosofia, a psicologia, a biologia, bem como a ciência social e a historia são áreas em que estão engajadas a autoridade e o poder oficial do Estado.” (16)

Retornemos ao professor Marrou: “Mas, há mais, se a história ‘científica’ se tornou assim suspeita ou desprezível para muitos, nunca se gostou tanto da História, de interpretação, de ‘sentido’ da História (...) Vemo-los especularem sobre uma História concebida como objeto puro, de maneira realmente independente do problema do conhecimento; praticamente, não cessam de utilizar os resultados, ou pretensos resultados, da nossa ciência histórica, sem se preocuparem como deviam com as condições de elaboração que determinam a validade deles e o limite desta (...) comportamento tão estranho que requer um esforço de elucidação. Diviso aqui um movimento pendular que parece presidir ao desenvolvimento do pensamento. Assim como se tinha assistido, em finais do século XIX, e notadamente na Alemanha, a um regresso a Kant, como reação contra os excessos da tirania hegeliana (...) assim

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assistimos hoje a uma renovação de Hegel, e designadamente da sua “Philosophie der Geschichte” (17). Neste ponto temos que incriminar o marxismo que, sob a forma difusa e amiúde abastardada que penetrou tão profundamente na mentalidade comum da nossa geração, largamente contribuiu para se voltar a pôr o problema da História em termos de época de 1848, ou mesmo 1830: temos de denunciar o caráter anacrônico, filosoficamente retrógrado, desta influência, e tanto mais que o ponto visado - o dogmatismo hegeliano - era particularmente vulnerável.

“Hegel assistiu ao florescimento de uma História verdadeiramente científica: é contemporâneo de Niebuhr e de Ranke, que nós veneramos como iniciadores e os primeiros mestres da forma atual da nossa ciência. Hegel conhece bem a obra de Niebuhr e de bom grado se refere a ela, mas - coisa curiosa - é sempre para a recusar, para a criticar, para cobrir de sarcasmos fáceis... não soube ver tudo o que trazia de novo esta aplicação sistemática dos métodos críticos (...)” (18)

E qual é o sentido da História? Só Deus sabe toda a sua extensão. Nós só o conhecemos em parte, naquilo que Ele se dignou nos revelar. O que sabemos é que existe uma metahistória, um desfecho previsto no Plano de Deus, para o qual nos encaminhamos inexoravelmente. Não é a História com as suas “leis” quem nos governa, é Deus quem o faz de forma admirável, combinando a graça com a liberdade, de tal maneira que determinados homens, como o Sr. Chiavenatto, podem Dele descrer e tentar encaminhar o mundo de forma diferente daquela prevista pelo Criador e Supremo Legislador. Por isso, o Sr. Chiavenatto usa a mentira como arma nessa rebelião contra Deus, aqui manifestada por sua revolta contra sua própria Pátria. A “paixão”, com que escreveu o seu livro, ele próprio esclarece que se trata de um certo “pathos” hegeliano. (19)

E Hegel, que serviu tão bem aos marxistas, empenhados em apresentar a História como ente autônomo, condutora da vida humana na única faceta que admitem como tal: a do coletivo, e, ainda assim, amputada de toda expressão que não se relacione com a economia - mesmo quando o mundo moderno insiste em não aceitar o verdadeiro sentido da História - já se nos apresenta como um pensador superado pelas evidências factuais. Aquilo que era visível somente para os estudiosos honestos até há algum tempo atrás, é constatado, hoje em dia, pelo homem do povo, não obstante a sua alienação cultural: a utopia síntese que pretendia levar todo o mundo à demência comunista, fundamentada na presunção de que a História operava a seu favor, bastando, para acelerá-la a garra revolucionária, desmanchou-se sem bater, como essas farinhas instantâneas postas em contato com a água, isto é, com a realidade.

Conclusão parcial: o livro do Sr. Chiavenatto é anacrônico. A implosão expontânea da ex-URSS derrubou os mitos sobre os quais foi arquitetada essa pretensa modificação hegeliana na História do Brasil. Como produto do espírito humano é história, sem dúvida, o tal livrinho. Mas só tem valor como referência a esses períodos negativos na senóide do verdadeiro progresso humano. É um retrocesso, portanto. Um lixo ideológico, que precisa ser varrido nesta era pós-URSS.

Até aqui, apresentamos aos leitores os suportes relativos à ciência histórica, desprezados ou desconhecidos pelo Sr. Chiavenatto. Julgamos conveniente, também, nesta introdução, focalizar os critérios contemporâneos de pesquisa histórica relativos aos conflitos internacionais, de modo que, ao refutarmos, no prosseguimento, todas e cada uma das afirmações do autor, apague-se aquele rastro pegajoso deixado pela mentira enfática.

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Atualmente, os estudiosos dos conflitos internacionais, para explicar as guerras, utilizam três modelos competentes de pesquisa: a teoria do balanço do poder, o modelo da transição do poder e a teoria imperialista. Outros modelos tendem a ser menos considerados quando se buscam as causas reais dos conflitos. Assim, os estudos sobre a guerra da Tríplice Aliança ou do Paraguai, que adotam uma interpretação apologética (Garcia Mellid, 1963; Pomer, 1968; Trias, 1975). Outros aprofundam cuidadosa e detalhadamente considerações cronológicas (Cardozo, 1967), enquanto muitos preferem apresentar análises refinadas sobre as dimensões diplomáticas e políticas do conflito (Box, 1948; Cardozo, 1951, 1961). Roberto Burr (1955) aparece como o único pesquisador moderno a aplicar critérios contemporâneos para explicar tão importantes fatos.

A teoria do balanço do poder, como construção analítica e modelo consagrados, é o mais ambíguo dos três modelos (20). Pode ser usada como um modelo analítico de equilíbrio ou de mera distribuição do poder. Sua referência empírica imediata encontra-se na situação européia entre 1816 e 1914, instituída pelo Congresso de Viena. Trata-se de um compromisso comum segundo o qual nenhum dos Estados poderia tornar-se tão poderoso que pudesse oprimir todos os demais, em conjunto. Tal balanço do poder foi capaz de manter a paz na Europa por quase um século, contando com a aprovação decidida da Inglaterra, que se posicionou como potência “equilibradora”, intervindo em favor do mais fraco para restaurar o equilíbrio quebrado pelo forte. Vamos ver adiante que Francisco Solano López visitou a Europa quando esta teoria atingia altos índices de prestígio, o que não lhe passou despercebido, motivando-o para sonhar com uma posição equilibradora do Paraguai no contexto platino.

Ainda sobre balanço do poder, é de todo conveniente que se lembre as antagônicas posições de influentes autores quanto às reais possibilidades dessa teoria, referentes ao evitar-se as guerras: uns admitem que a paz seja produto do equilíbrio gerado pela distribuição do poder, de forma que, não havendo preponderâncias flagrantes, nenhum dos Estados se aventurará à guerra, enquanto outros, de não inferior renome, preconizam a existência de um Estado que detenha a supremacia do poder em relação ao conjunto, impossibilitando qualquer ruptura por parte dos mais fracos.

O modelo de transição do poder foi elaborado em 1968 por Organski, sob a hipótese de que mudanças, particularmente as econômicas e de modernização, e não a estabilidade, é que constituem a chave das políticas internacionais e seus conflitos. Contrastando com a ênfase à estabilidade da teoria do balanço do poder, a interpretação da transição do poder salienta a mudança como a mais importante variável explicativa para se entender as causas da guerra. A guerra resultaria, então, das mudanças que afetam a distribuição do poder.

Finalmente, a teoria imperialista. Esta interpretação está associada ao movimento revisionista da década de 60 do nosso século, e foi fortalecida, nos anos 70, pelo acréscimo da teoria da dependência, que, por sua vez, encara a guerra como uma colisão - no caso paraguaio - de sua intenção de possuir um caminho independente e nacionalista de desenvolvimento, com o imperialismo britânico, que estaria determinado a transformar o Paraguai em uma colônia econômica.

A versão da dependência, do revisionismo, segue, amplamente, a tese leninista de que o expansionismo e o imperialismo são conseqüências da “luta por territórios econômicos”, dos países capitalistas. Aplicado à guerra da Tríplice Aliança, o argumento marxista assevera que a guerra foi provocada pela Inglaterra, para abrir o

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Paraguai como um campo de investimentos proveitosos e um mercado para as exportações britâncias, assim como para obter a matéria-prima (algodão), de suprimento escasso, devido à guerra civil americana.

Mas, estaria a Inglaterra procurando oportunidades de investimentos, mercado para os seus produtos e algodão para as suas indústrias, no Paraguai?

Por outro lado, o Paraguai constituía um mercado atrativo para o capital e produtos britânicos? Seria um grande supridor de algodão?

E mais: López evitou tornar-se o mercado que a Grã-Bretanha estava procurando e o grande supridor de algodão de que ela necessitava, tudo de modo a levar a opção pela guerra como a mais conveniente ou, a única saída?

E ainda mais: estariam o Brasil, a Argentina e o Uruguai de tal forma dependentes da Inglaterra a ponto de fazerem a guerra ao Paraguai por procuração, como os subimpérios supostamente caracterizados pelo Sr. Chiavenatto?

A validade relativa das três interpretações teóricas do conflito implicam numerosos problemas de mensuração. Os modelos balanço do poder e transição do poder requerem, ambos, a utilização e quantificação do enganoso conceito de poder.

A quantificação do poder, no contexto da Guerra do Paraguai, fundamentada nos indicadores usuais, mostra-se impraticável pela carência de dados e, por outro lado, irrelevante, porque alguns “inputs” eram inexistentes ou de pouca importância em relação ao que são agora. Assim, é necessário, para a avaliação das dimensões econômicas da capacidade do poder, por exemplo, o emprego de outros indicadores mais apropriados, tais como extrativismo e comércio. E certos ajustes da capacidade geopolítica também terão que ser feitos, para refletir o fato de que, na época, nenhum país da região tinha domínio completo, mais precisamente, completo controle administrativo sobre seu território, o que significa, no conjunto, que a quantificação do poder relativo entre os Estados, missão hoje atribuída aos institutos de estratégia, que utilizam os sistemas de informações e os seus recursos mais sofisticados: satélites espiões, computadores, profissionais de alta capacitação, etc.. Vai depender, em última análise, de fatores de ordem subjetiva e conjunturais.

Retroceder a moderna sistemática de avaliação do poder nacional aos tempos da guerra do Paraguai é, no entanto, um exercício válido na medida em que contribua para a determinação das suas causas verdadeiras, despida a História do entulho ideológico com que a querem sepultar.

Os quadros que passamos a examinar, com a superficialidade imposta pela restrição de espaço atribuído a uma introdução, servirão, no entanto, para se responder àquelas indagações que fizemos pouco atrás.

O Quadro 1 contém a capacidade global da região platina em valores absoluto e porcentual. O Quadro 2 transforma os valores do Quadro 1 em um índice de capacidade do poder. (21)

Quadro 1 - Capacidade de poder regional do Paraguai, Argentina, Brasil e Uruguai, por volta de 1860. Valos das

Exportações e Impportações

Renda do Governo

Renda do Governo percapíta

Forças Armadas Efetifo

Superície em Km2

População

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PAÍSES Libras esterlinas

(%) Libras esterlinas

(%) Libras esterlinas

(%) (%) (%) (%)

Paraguai Argentina Brasil Uruguai Total

560.392

(1,5) 8.951.621

(124,3) 23.739.898

(64,4) 3.607.711

(9,8) 36.859.682

(100,0)

314.260

(4,3) 1.710.324

(23,5) 4.392.266

(60,3) 870.714

(12,0) 7.287.524

(100,0)

·79

(14,2) ·83

(14,9) ·48

(8,6) 3.48

(12,4) 5.58

(100,0)

57.000 (27,0)

30.000 (14,2)

119.218 (56,4) 5.000 (2,4)

211.218 (100,0)

275.000

(4,6) 1.388.328

(23,1) 4.255.983

(70,9) 93.463

(1,5) 6.012.774

(100,0)

400.000

(3,5) 1.737.076

(15,1) 9.100.000

(79,2) 250.000

(2,2) 11.487.076

(100,0)

Quadro 2 - Indices de Capacidade do Poder

Valor Fator

Paraguai

Argentina

Brasil

Uruguai

Comério Renda do Governo Renda do Governo percapíta Forças Armadas Superfície População Total

·1571

·1908

·0763

·4127

·0614

·0998

1.000(*)

·0024

·0082

·0108

·1114

·0028

·0035

·1391

·0368

·0448

·0114

·0586

·0142

·0151

·1827

·1023

·1149

·0066

·2328

·0435

·0790

·5791

·0156

·0229

·0475

·0099

·0009

·0022

·0990

(*) Aproximadamente

“Essas medidas de capacidade do poder permitem avaliar, diretamente, a validade dos modelos balanço do poder e transição do poder. Mas, para analisar a interpretação imperialista, são necessárias algumas medidas relativas à importância potencial do mercado paraguaio, em termos de absorção das importações britânicas e provisão de matérias primas vitais. Na falta de preciso indicador de mercado, este estudo confia nas medidas disponíveis de capacidade econômica, acopladas com dados concernentes às importações de algodão da Europa e América do Norte, relacionadas à indústria e às exportações brasileiras de algodão. Embora longe de perfeitos, esses indicadores refletem, acuradamente, os fatores básicos da economia que a teoria imperialista tenta abarcar. O algodão foi selecionado porque alguns analistas têm argumentado que a excassez criada pela Guerra Civil Americana provocou ações britânicas na região do Rio da Prata. As flutuações na importação de algodão devem ser tomadas como um indicador grosseiro da situação do mercado mundial, ao passo que as exportações de algodão do Brasil devem ser comparadas às exportações totais do Paraguai, para aferir o potencial de produção de algodão paraguaio.” (22)

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Quadro 3 - Fontes de Suprimento de Algodão para as indústrias Européias e Norte-Americanas. Média anual em milhões de librass

Anos Estados Unidos

Brasil Indias Ocidentais

Indias Orientais

Egito e Esmirna

Total

1856-1860 1861-1865 1866-1870

1.633.7

531.7

1.108.6

27.7

36.2

99.9

7.2

1 4.6

33.2

207.9

491.3

576.5

57.0

191.4

190.9

1.833.5

1.265.2

2.009.1

Quadro 4 - Produção Brasileira de Algodão

Anos Volume (em arrobas) *

Valor (em libras esterlinas)

1860-1861 1861-1862 1862-1863 1863-1864

670.860

872.210

1.085.028

1.282.974

608.843

1.012.484

2.190.767

3.651.662

Nota: uma arroba igual a vinte e cinco libras.

Vamos deixar ao Prof. Abente, insuspeito, quer seja pela sua origem hispano-americana, quer seja por ensinar nos Estados Unidos, mas principalmente por força do renome que adquiriu nos meios acadêmicos do Novo Mundo, que interprete os quadros na profundidade compatível com esta introdução:

“Muito do charme, assim como do suporte da interpretação imperialista, deriva, à primeira vista, do fato de que, no Paraguai, a influência dos centros de poder era desprezível, o investimento externo insignificante e amplamente restrito ao setor comercial, e os setores estratégicos da economia estavam sob controle do Estado (embora muitos eruditos possam argumentar que, naquela época, eles estavam sob o controle patrimonial do domínio familiar) (23). Ainda que essa caracterização deva ser verdade, uma ligação de causa entre o imperialismo e a guerra não pode ser deduzida dela logicamente.

“A leitura atenta da evidência acima apresentada prontamente revela a fraqueza da interpretação imperialista. Os dados constantes dos Quadros 1 a 4 emprestam pequeno suporte à tese de que o Paraguai constituía um atrativo mercado para o capital e as exportações britânicas, dentro das hipóteses relativas aos interesses econômicos britânicos e ao potencial econômico paraguaio, como muitos autores têm sugerido. De fato, tendo apenas uma pequena parte da capacidade total do sistema, o Paraguai dificilmente podia ter-se constituído em uma saída para a Grã-Bretanha. Nem há evidência (senão a circunstancial apresentada por Pomer, 1968) de que a Grã-Bretanha estivesse esperando avidamente o Paraguai abrir seus mercados ao capital britânico. Se tal fosse o caso, uma vez que o obstáculo para a expansão britânica (Solano Lopez) tivesse sido removido, a Grã-Bretanha teria investido largamente e aumentado esse comércio significativamente. Por volta de 1880, contudo, os investimentos britânicos não excediam a 1,5 milhão de libras esterlinas, menos que 1% dos seus investimentos

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totais na América Latina. Na verdade, o Paraguai ocupava o 14o. lugar nos investimentos britânicos na América Latina, seguido apenas de Cuba, Guatemala e Nicarágua, que estavam na esfera de influência econômica dos Estados Unidos. A título de comparação, os britânicos investiram 38,4 milhões de libras no Brasil; 20,3 milhões na Argentina; 36,1 milhões no Peru, e 32,7 milhões no México (Platt, 1972). Deve ser também observado que 1,5 milhão de libras representavam obrigações governamentais pagas pelo governo paraguaio no mercado de Londres, e não investimentos diretos britânicos. Tanto quanto o comércio é referido, não antes de 1903 as importações paraguaias procedentes do Reino Unido alcançaram cem mil libras, e não antes de 1913 as exportações paraguaias para a Grã-Bretanha excederam cinqüenta mil libras esterlinas (Platt, 1972).

“Uma outra versão da interpretação imperialista é baseada na crise do algodão, da metade do século XIX. O argumento sustenta que a Guerra Civil dos Estados Unidos criou uma ruptura de mercado tão severa, que os britânicos estavam considerando o Paraguai como saída, para compensar o declínio da produção nos Estados Confederados. A crise, na verdade, existiu e foi severa mas, como pode ser visto nos Quadro 3 e 4, quando a Guerra do Paraguai começou, os britânicos já tinham colocado fontes alternativas em toda parte, particularmente nas Indias Ocidentais, Egito e Brasil. Esse fato é desconhecido, também, por Pomer (1968) (24), um dos mais entusiastas defensores da tese imperialista. Além do mais, a limitada capacidade econômica do Paraguai, a essa época, torna sem razão acreditar que o país estivesse perto de se tornar o maior supridor mundial que a Grã-Bretanha pudesse estar procurando. As exportações paraguaias representavam menos de 3% do total das exportações do Brasil. Alcançar ao menos a metade do nível brasileiro em uma década teria sido miraculoso.

“A mais sadia refutação à interpretação imperialista vem das próprias ações de López. Ele tinha, de fato, se interessado em encontrar mercado para os produtos paraguaios, especialmente algodão, e tinha enviado numerosas amostras da variedade paraguaia à Europa, para atrair o interesse de possíveis compradores (Sachez Quell, 1973) Conseqüentemente, nenhuma base factual existe para acreditar que López teria, em qualquer sentido, obstado o Paraguai de exportar tanto algodão quanto possível, nem que existisse qualquer obstáculo governamental para a importação de bens da Grã-Bretanha, uma atividade exercida pelos mercadores de Assunção (a maioria estrangeiros) através do porto de Buenos Aires. De fato, a família López parece ter sido a principal beneficiária das importações européias.

“Outro argumento usado em apoio à interpretação imperialista é baseado na incompatibilidade política entre o estilo capitalista liberal britânico e o estilo capitalista estatal paraguaio. Esses dois modelos obviamente diferiam em muitos aspectos, embora a economia paraguaia fosse muito mais capitalista do que se pensa. Mas o argumento de que essa incompatibilidade conduziu a Grã-Bretanha a empreender uma guerra dissimulada tem sido apoiado somente pela referência aos empréstimos feitos ao Brasil e à Argentina em 1865, e pelos documentos do representante diplomático britânico em Buenos Aires, Edward Thornton, ‘cujo desagrado por ambos, Paraguai em geral e Solano López em particular, foi um segredo aberto’ (Mc Lynn, 1979). Mas, como Nicholas Tate (1979) e F. J. Mc Lynn mostram, as referências de Thornton não motivaram o Ministério das Relações Exteriores Britânico a aumentar ‘seu muito pequeno interesse na guerra’ (Mc Linn, 1979). Pesquisas mais recentes sobre a extensão do alegado interesse britânico, baseado na cobertura da guerra pelo The London Times, retêm similar conclusão (Herken e Giménez de Herken, 1983). Obviamente, o ponto de

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vista de Thornton, embora anti-López, não indica, por si só, uma conspiração imperialista.

“Os empréstimos foram bônus de governo vendidos a pessoas físicas ou a associações no mercado de Londres. Operações muito similares ocorreram bem antes da guerra e muito depois dela. O empréstimo brasileiro de 1865 para financiar a guerra (no montante nominal de 6,7 milhões de libras esterlinas) tinha sido precedido por quase 16 milhões de libras esterlinas em empréstimos assinados entre 1824 e 1860 (Randall, 1977). Similarmente, o empréstimo argentino de 2,5 milhões de libras esterlinas (valor nominal de 1865) tinha sido precedido pelos de 1822, 1823 e 1857, num montante de 2,6 milhões de libras esterlinas (Randall, 1977). López, ele mesmo tinha sido autorizado pelo Congresso a contratar uma dívida de 5 milhões de libras esterlinas para pagar a guerra, embora não tenha sido efetivada devido ao bloqueio militar do Paraguai (Centurión, 1894). Em suma, seja qual for o enfoque pelo qual a interpretação imperialista seja considerada, a evidência disponível provê surpreendentemente pequeno suporte empírico.”

Os leitores constatarão no livro do Sr. Chiavenatto, ao qual Diego Abente não se refere, embora o trabalho deste professor seja posterior (1987) à primeira edição do Sr. Chiavenatto (1979), que o brasileiro apóia sua tese inteiramente nos defensores da interpretação imperialista, à qual se associou o já referido movimento revisionista, fortalecida pelo crescimento da teoria, também já referida, da dependência, cuja argumentação é cabalmente refutada por Abente nesta extensa citação que acabamos de transcrever. Na verdade, a teoria imperialista tem atraído o apoio de eruditos de esquerda porque “a Guerra do Paraguai parece uma ilustração excelente da vitalidade da teoria da dependência” (Abente). Confiram a bibliografia apresentada pelo Sr. Chiavenatto e lá encontrarão: “Proceso a los falsificadores de la historia del Paraguay”, de Atílio Garcia Mellid, numa das extremidades do espectro, e “La Guerra del Paraguay: “Gran Negocio”, de Leon Pomer, no outro extremo, que representam dois dos mais influentes estudos, entre os muitos produzidos pelo movimento.

Francisco Solano López tinha visitado a Europa, entre junho de 1853 e dezembro de 1854. De lá trouxe a teoria do equilíbrio do poder, tão largamente discutida nos círculos que freqüentou. Voltou europeizado, e baseou seu ultimato, relativo à intervenção brasileira no Uruguai, nessa teoria, voltando a repetir o argumento na sua declaração de guerra à Argentina. No próprio parecer do Congresso paraguaio, elaborado por sua ordem, em apoio à declaração de guerra, a situação no Prata foi comparada à das guerras russo-otomanas.

Porém, ao examinarmos os Quadros 1 e 2 verificamos que nenhum balanço de poder existiu no Prata. O Brasil possuía quase 60% da capacidade regional global, superior à soma dos demais países da região. Não poderia haver na atitude brasileira em relação ao Uruguai nenhuma ameaça a um equilíbrio que não existia. O Brasil era, de longe, por qualquer padrão de avaliação, o mais poderoso dos vizinhos.

Será, então, que estes fatos não apóiam a hipótese de que uma ausência de balanço provocou a guerra? Pois bem, este argumento parece persuasivo quando se considera isoladamente a intervenção brasileira no Uruguai, que não passou, afinal, de uma operação limitada no contexto regional, uma verdadeira operação cirúrgica, cuidadosamente conduzida pela diplomacia, com uso quase policial das forças armadas. Isto é, se este conflito localizado pode ser encarado como resultante da supremacia brasileira (e veremos em outra parte que não havia outra saída para o Brasil), já o

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seguinte conflito - a Guerra do Paraguai - não foi procurado pelo Brasil, e quando se propõe identificar as causas da guerra de acordo com a teoria do balanço do poder, essa interpretação cai por terra.

Deve-se considerar, também, que existe, sempre, uma disparidade entre a percepção de equilíbrio ou ameaça e o real estado de equilíbrio ou ameaça. É lícito supor-se que López tenha sido levado a atacar pela combinação de um estudo de relações de poder altamente impressionista e distorcido, posto que ele não dispunha de um competente Estado-Maior, e pela falta de percepção do perigo, conforme indicam seus traços de personalidade, levantados pelos biógrafos e testemunhas mais acreditados.

Em resumo, a evidência disponível demonstra que a teoria do balanço do poder não reflete a realidade do poder no Prata na época do conflito.

O modelo transição do poder exige o acompanhamento da evolução econômica regional e visualiza as mudanças através dos tempos, não mais de cada participante em relação ao conjunto, como nos dois modelos precedentes, mas através da estimativa dessas mudanças por duplas de Estados. O quadro seguinte fundamentará a ligeira análise que faremos deste modelo. Utilizaremos, tembém, o Quadro 2.

Quadro 5-Evolução Econômica do Paraguai,Brasil e Uruguai nos anos 1850 e 1860

Exportações (libras esterlinas)

Rendas do Governo (libras esterlinas)

PAÍSES

Anos 1850

Anos 1860

Anos 1850

Anos 1860

Paraguai Argentina Brasil Uruguai

211.801

2.126.704

9.257.828

1.160.714

307.798

6.774.435

13.706.407

1.347.809

138.659

872.763

3.661.448

281.043

1.845.862

4.666.897

870.714

Examinaremos, em primeiro lugar, as duas principaís partes do conflito: Brasil e Paraguai.

Verifica-se, pelo Quadro 2, que a distância do poder entre os dois é enorme: .1391 que é a cota de capacidade do Paraguai é menos que 1/4 da do Brasil, que é .5791. Em consequüência é muito difícil utilizar o modelo neste caso, face às evidências à mão.

Mas, o modelo transição do poder não é descartado, porque duas outras duplas: Paraguai-Uruguai e Paraguai-Argentina, devem ser examinadas, a fim de se verificar possíveis casos de transição de poder.

Na dupla Paraguai-Uruguai, temos cotas relativas de poder similares: l.391 para o

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Paraguai e 0.0990 para o Uruguai. O Quadro 5 monstra que ambos experimentaram um período de rápida expansão econômica, no fim dos anos 50 e começo dos anos 60. O índice paraguaio parece acentuado por força da severa contração imposta pelo isolacionismo ali vigorante entre 1810 e 1840, mas os dados não fornecem qualquer amostra de alteração significativa nas diferenças básicas da capacidade econômica: o valor do comércio do Uruguai foi 5,5 vezes maior que o do Paraguai, na década de 50, e 4,4 vezes maior, na década de 60. E sobre não ter havido uma alteração significativa das parcelas relativas do poder na década anterior à guerra, não foi percebida, também, para nenhum dos dois, a possibilidade de ameaça ao balanço estabelecido. Considere-se, finalmente, que no pré-guerra uma aliança entre o Paraguai e o Uruguai chegou a ser encaminhada.

Fica claro, portanto, que uma situação de transição de poder não existiu no caso da dupla Paraguai-Uruguai.

Por fim, a dupla Paraguai-Argentina, que apresenta, à primeira vista, a melhor possibilidade de encaixe no modelo. O Paraguai com .1391 e a Argentina com .1827 nas suas cotas relativas e respectivas de poder regional. A análise acurada dos indícadores revelerá, entretanto que do total paraguaio de unidades de poder, .1391, cerca de .1114 compreendem a variável Forças Armadas, enquanto que na Argentina menos de 1/3 do índice de poder é considerado como variável militar.

Para não alongarmos as considerações em torno de poder relativo, devemos nos reportar à recente situação mundial, na qual se constatavam a existência de dois blocos opostos, liderados, cada um, por uma super-potência. Depois da implosão soviética verificou-se que o “gap” entre o seu índice de poder e o dos EUA era, realmente, enorme. Quer dizer: Forças Armadas sem o necessário suporte econômico e social da nação pouco representam, a não ser no ínício de um conflito de curta duração.

Igualmente, nenhuma mudança dramática foi constatada nos indicadores econômicos. Embora as exportações paraguaias tenham crescido significativamente a partir da abertura da sua economia, tem-se que considerar que, em 1863, às vésperas da guerra, o valor do comércio argentino em relação ao paraguaio era de 3 para 1.

A dupla Paraguai-Argentina não apresenta, tampouco, uma situação de transição do poder.

Em resumo: nenhum dos três modelos focalizados explica as causas da Guerra do Paraguai. Mas, o Prof. Abente afirma, contudo, que: “Existe uma dimensão política no modelo de transição do poder que os dados apresentados não tocam adequadamente e cuja análise parece oferecer as bases para uma interpretação sobretudo convincente.” Ele se refere à deflagração do conflito por López, à duração da guerra e à aliança da Argentina com o Brasil e o Uruguai, aspectos que abordaremos no correr da refutação particularizada às afirmações que o Sr. Chiavenatto faz no corpo do seu livro.

Conclusão final: o livro do Sr. Chiavenatto não é obra séria, sua editora é sensacionalista; fundamenta-se em mentiras; destina-se a fazer propaganda comunista; seus apelos filosóficos estão ultrapassados pelos fatos; e, sua tese, calcada na teoria imperialista, carece de fundamentação histórica, é equivocada.

Sendo, contudo, a obra de um comunista, convém que, antes de praticarem a ingênua e imperdoável atitude das massas conduzidas pela mídia, que supõem a morte do comunismo junto com a implosão soviética, os leitores meditem sobre o alcance, a

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permanência e a capacidade de adaptação desse camaleão ex-vermelho (25), através dos conceitos a seguir transcritos, magistral sintese do Prof.. Plínio Corrêa de Oliveira:

“O Comunismo, seita imperialista:

(...) o movimento comunista constitui fundamentalmente:

- uma seita filosófica atéia, materialista e hegeliana, a qual deduz dos seus errôneos princípios toda uma concepção peculiar do homem, da economia, da sociedade, da política, da cultura e da civilização;

- uma organização subversiva mundial: o comunismo não é apenas um movimento de caráter especulativo. Pelos imperativos da sua própria doutrina quer ele tornar comunistas todos os homens, e amoldar inteiramente segundo os seus princípios a vida de todos os povos. Considerada neste aspecto, a seita marxista professa o imperialismo integral, não só porque visa à imposição do pensamento e da vontade de uma minoria a todos os homens, mas ainda porque essa imposição atinge o homem todo, em todas as manifestações de sua atividade.” (26)

Notas:

(1) A Estratégia da Traição, Jeanne J. Kirkpatrick, Ed. GRD, 1964, Introdução, p. 23.

(2) Idem, p. 23.

(3) Acrescente-se à lista do Prof. Plinio alguns vocábulos de fato constantes do livro em exame: “fantasia nacionalista”, “episódios heróicos”, “militaristas”, “mitos”, “análise crítica”, etc., etc., etc.

(4) Baldeação Ideológica Inadvertida e Diálogo, Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Ed. Vera Cruz, 5a. Ed., S. Paulo, 1974, p. 14.

(5) Robert J. Alexander, in Kirkpatrick, Op. Cit, p. 389.

(6) Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai, Ed. Brasiliense, 24a. Ed., S. Paulo, 1990, p. 13.

(7) Idem, última página, não numerada.

(8) Antigo professor das Universidades do Cairo, Nancy, Montpellier e de Lyon, que ocupou desde 1945, e por várias décadas, a cátedra de história do cristianismo na Sorbonne. Historiador e filósofo, a sua obra de excepcional envergadura é produto de mais de 40 anos consagrados ao ensino e à investigação.

(9) Do Conhecimento Histórico, Henri-Irinée Marrou, Liv. Martins Fontes Ed. Ltda., Ed. atualizada pela 6a. ed. francesa, de 1975, Lisboa, 1975, p. 28-30.

(10) Idem, p. 61.

(11) Chiavenatto, Op. Cit., p. 10.

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(12) Marrou, Op. Cit., p. 10.

(13) Note-se que L. Schneider, autor de “A Guerra da Tríplice Aliança contra o Governo da República do Paraguai”, cujo 1o. volume (de 3, da 1a. Ed. alemã) foi editado em 1872, foi leitor e conselheiro do Rei da Prússia e Imperador da Alemanha.

(14) Marrou, Op. Cit., p. 10-12.

(15) Kirkpatrick, Op. Cit., p. 417.

(16) Idem, Introdução.

(17) Filosofia da História.

(18) Marrou, Op. Cit., p. 13-14.

(19) Chiavenatto, Op. Cit., p. 14. A propósito da sua “paixão” convém lembrar o que diz o Ten. Cel. Mario Barretto: “não se pode empanar a verdade com a paixão”, A Campanha Lopezguaya, Oficinas Gráficas do Arquivo Nacional, Rio, 1928, p. 12.

(20) Apud “The War of the Triple Aliance: Three Exploratory Models, Diego Abente, publicado originalmente no Latin American Research Review, 22.02.1987. Toda a exposição aqui apresentada sobre os três modelos de pesquisa de conflitos internacionais é fundamentada no importante trabalho de Abente, professor assistente do Departamento de Ciência Política da Universidade de Miami, EUA.

(21) Os Quadros transcritos nesta introdução encontram-se, todos, no trabalho citado de Diego Abente, onde, também, estão citadas as fontes.

(22) Abente, Op. Cit., tradução brasileira in “A Defesa Nacional”, No.740, Nov-Dez 88.

(23) Dos López.

(24) Chamo a atenção do leitor para a nota que o Sr. Chiavenatto colocou na apresentação da sua “bibliografia básica”, à p. 206: “ (...) são indispensáveis para quem se interessar pelos aspectos econômicos da guerra os livros de Leon Pomer.”

(25) Hoje em dia pardacento, meio indefinido.

(26) Plinio Corrêa de Olivera, Op. Cit., p. 23.

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CAPITULO I

EL SUPREMO, A PRETENSA DITADURA EM FAVOR DO POVO

1-Uma Nação Sem Caudilhos? Sobre a propalada vantagem de ter o Paraguai, logo após a sua independência, em

14 de maio de 1811, uma ditadura forte a ponto de evitar golpes contra ela e cair, assim, no caudilhismo que conturbou o restante da América Espanhola, seria mais lógico (e honesto) ter o Sr. Chiavenatto admitido:

- que a monarquia brasileira também evitou o caudilhismo, sem os vícios da ditadura;

- que o fato somente foi possível dado às caracteristicas do povo paraguaio: aliás, uma massa de índios que os jesuitas tinham tratado de civilizar através das suas Missões (1). Tal tipo de aldeiamento preparou os guaranis, embora não fosse este o objetivo jesuítico, através de uma obediência rígida, caracteristica da Ordem, para a submissão aos ditadores.

Ao costume da obediência pronta, acrescente-se o isolamento no interior do continente, os baixos padrões de vida e, também, de forma preponderante, a eliminação da classe culta, composta de descendentes dos espanhóis, que o Sr. Chiavenatto classifica como “privilegiados pela Espanha”. Ela viria a fazer falta mais tarde, como veremos.

2-El Supremo, a Ditadura prefere a Pobreza sem Riscos

Francia, El Supremo, subiu ao poder como um dos conselheiros que formaram uma junta de governo, logo após uma tranqüila revolução sem sangue. Ele e seus companheiros foram chamados a ajudar o governador espanhol a escolher um novo governo, tendo nele permanecido como conselheiros até 1813, quando Francia e Yegros foram escolhidos cônsules. Yegros morreu pouco depois (afastado por Francia, como se diz) e este, então, convocou um congresso, fazendo-se ditador, primeiro por dois anos e, pouco depois, vitaliciamente.

Aquilo que o Sr. Chiavenatto descreveu como “uma ditadura peculiar: usa o absolutismo como método de governo em benefício do povo. Agride os direitos dos espanhóis e espanholistas, persegue os ricos, confisca propriedades e torna insuportável a vida dos oligarcas que eram privilegiados pela Espanha”, segundo sua visão marxista, não era nem suspeitado por “El Supremo”. O beneficiário era ele próprio.

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3-O Povo e o Olho de Francia ou, o Cordeiro e o Lobo Sobre esse governo que o Sr. Chiavenatto tenta exaltar, nos informa Thompson

(2):

“Deu início, então, a seu terrível sistema de tirania. Primeiro criou uma organização tão perfeita de espionagem que ninguém, mesmo o mais próximo dos seus parentes, poderia sentir-se seguro de que suas palavras não seriam levadas ao conhecimento de Francia. Todo o suposto inimigo do governo, ainda que fosse apenas em pensamento, era jogado na prisão e muitos fuzilados, especialmente os homens mais influentes do país, e suas propriedades confiscadas. Francia vivia em permanente medo de ser assassinado, e quando passava pelas ruas, a cavalo, todos eram obrigados a esconder-se, mesmo as mulheres, pois a escolta do ditador espancava quem fosse encontrado nas ruas, quando sua excelência passava.” (2)

4-O Isolamento não foi escolhido? Prossegue Thompson:

“Francia fechou o Paraguai, inteiramente, por terra e por água, a qualquer comunicação com o exterior, colocando guardas e destacamentos em todas as fronteiras. Proibiu a entrada e a saída do país, tanto de pessoas como de bens, e quem quer que fosse encontrado tentando abandonar o país ou procurando enviar dinheiro para fora, era fuzilado. Permitia-se, de vez em quando, que algum navio entrasse no Paraguai, trazendo mercadorias, que Francia pagava com erva-mate (o chá paraguaio), mas quaisquer outros estrangeiros caídos em seu poder, não mais podiam sair do país.” (2)

Quem impôs o isolamento ao Paraguai? Diz o Sr. Chiavenatto que foi a Argentina (Buenos Aires), segundo os interesses ingleses. Ora, o raciocínio “imperialista” é justamente o oposto: abrir o comércio e beneficiar-se com as trocas comerciais.

Ao fugir o Paraguai de Francia da taxação de suas mercadoria pelas provincias argentinas, especialmente por Buenos Aires, e ao mercado com a Inglaterra e demais nações, de antemão julgado desvantajoso, estava fechando sua economia em um território relativamente pequeno, de populaçáo rarefeita e atrasada, contando com limitadíssimos recursos naturais pouco variados, desprovido de capitais para os necessários investimentos e, carente, sobretudo, de uma elite empreendedora que pudesse organizar e desenvolver o país.

Não, o isolamento, permitido pelos fatores fisiográficos, foi uma opção do ditador. Uma opção pela pobreza., já que a riqueza, importando na existência de pessoas ricas, e conseqüentemente detentoras de poder, que lhe poderiam fazer concorrência, não interessava ao ditador. Fosse o Dr. Francia um verdadeiro patriota, interessado em formar uma nação, e não uma fazenda particular, ele teria buscado, ao contrário, romper o isolamento geográfico e elevar o padrão de vida do seu povo, e sua cultura, a níveis compatíveis com a civilização que o cercava. Nivelou por baixo, e isto enche de contantamento o autor em refutação, que saúda sua política igualitária.

O Sr. Chiavenatto exulta, também, com a perseguição aos ricos. Com eles estaria

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o dinheiro que Francia necessitava “para organizar e fazer progredir seu país”.

É preciso, mesmo, muita paixão pelo comunismo para supor tal coisa. Francia queria era eliminar concorrentes e, ao mesmo tempo, fortalecer-se com as riquezas confiscadas. Considere-se, entretanto, que o volume dessas riquezas era insuficiente para, nas mãos do tirano - e nem mesmo uma estrutura estatal existia! - promover qualquer coisa que não fosse sua segurança pessoal, face a sua própria gente.

Mas, o Sr. Chiavenatto conclui este item com uma informação que só pode impressionar aos ingênuos - aqueles mesmos que vão a Cuba homenagear o ditador, também perpétuo (hasta cuando?, Fidel): “mas não se governa um país sozinho. Francia alia-se, então, aos que estão desvinculados dos interesses de Buenos Aires, para sua sorte, exatamente aqueles que passam a deter os meios de produção: o povo. E faz-se o isolamento do Paraguai. As fronteiras estão fechadas, nada entra ou sai”. Viva!

Ora, aí está a confissão da opção pelo isolamento, leia-se com calma...

Por outro lado, afirmar que naquela ditadura furiosa alguém mais, além do tirano, pudesse deter alguma coisa, é abusar da paupérrima gente guarani. Nem suas vidas lhes pertenciam, quem dera os meios de produção.

Vejamos o que diz Schneider: “Quanto às questões exteriores criou um verdadeiro isolamento e, quanto à administração interna, considerava o país como uma enorme fazenda. Não admitia ministros, mas só secretários; não tolerava centralização ou diferentes administrações; esmerava-se pela agricultura, segundo o mesmo sistema que transformava o país em pequenas fazendas dependentes do Estado; de modo que o Dr. Francia prescrevia aos proprietários o lugar, o tempo e a quantidade de frutos que deviam cultivar (...) O comércio e o tráfico com os países estrangeiros eram da sua exclusiva competência.” (3)

5-Está nascendo uma Nação. Livre? Falar de liberdade no Paraguai de “El Supremo” provocaria risos, não fora a

lembrança dos inauditos sofrimentos da gente guarani. O Sr. Chiavenatto, porém, explica os seus conceitos de liberdade, liberalismo, etc.: “El supremo” entendia que “esses arremedos libertários eram apenas um escapismo verbal que não levava a nada de positivo”, no que estão de acordo os comunistas, que vêem a liberdade na renúncia à individualidade, no abandono das idéias próprias, no cerceamento do ir e vir, na possibilidade de constituir e transmitir um patrimônio pessoal, bem como dele dispor à sua vontade, de praticar sua religião segundo a tradição, respeitados os costumes, etc. Tudo para deixar-se guiar, qual formigas sem dignidade, por um ditador perpétuo que não tinha contas a prestar a ninguém.

As “estâncias da pátria”? Nada mais do que as antigas missões jesuíticas rebatizadas e rebaixadas pela permissividade e o ócio. Thompson descreve a vida do paraguaio comum: “(...) para a maioria dos paraguaios a idéia que fazem do máximo de felicidade humana é passar alguém o dia inteiro à sombra, sobre um poncho estendido, a fumar e tocar violão (...)”

Terras e matas eram abundantes, de forma que ter cada família seu rancho em

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terra a ela distribuida sob a forma hoje conhecida como assentamento (istó é: ocupação permitida sem propriedade) além da posse pura e simples, que era outra forma de ocupar a terra, era costume que vinha da época colonial. Francia não criou nada, tocou para a frente (ou para trás?) o que já existia. Não foi, também, nenhum Robin Hood: roubou aos ricos, não para dar aos pobres, o que já seria moralmente condenável, posto que o fim não justifica os meios, como sugere o Sr. Chiavenatto, mas para assegurar a perpetuidade do seu poder, como já vimos.

Ao perseguir a Igreja Católica, nada mais fez do que praticar o seu positivismo. Aliás, “Augusto Comte o transformou em santo do seu credo” segundo Fulgêncio R. Moreno. “(...) o procedimento criminoso daquele ditador, mas, incontestavelmente adequado ao seu sistema de governo: extinguiu as bibliotecas que existiam, sendo os livros queimados, uns, e outros desfeitos para com o papel das páginas serem fabricados baralhos.” (2)

Ao suprimir as ordens religiosas e transformar os mosteiros em quartéis, como relata, cheio de vibração ateísta o Sr. Chiavenatto, Francia retirava dos olhos da população os exemplos magníficos de fé e virtudes dos monges, além de impedir suas orações impetratórias de graças para o Paraguai. Isto iria gerar uma derrocada de valores naquela gente, de tal forma que “a economia material seria sobreposta ao zelo natural, humano e cristão da saúde física e moral dos cordatos paraguaios, destruindo, assim, por tão singular processo todo e qualquer resquício de pudor nativo, porventura ainda existente naqueles infelizes seres rebaixados a brutas alimárias.” (4)

O comentário acima, do Gen Mario Barretto, refere-se ao trecho do livro de Ildefonso Bermejo: “Episódios de la vida privada, política y social de la República del Paraguay”, editado em Assunção, em 1913, a seguir transcrito: “Vi caminhar em formação num campo 400 soldados de infantaria que, surpreendidos por tormentosa nuvem que se ia desfazer num forte aguaceiro, fizeram alto ao sinal do tambor, deitaram os seus fuzis sobre o solo à frente e se despojaram da roupa, que consistia unicamente numa túnica de flanela vermelha, calça branca e a camisa, e como estavam todos descalços, ficaram os 400 soldados completamente nus. Enrolaram a sua roupa às pressas, colocaram-na debaixo do braço e com o gorro de grande viseira e a arma à vontade continuaram a marcha; antes de chegar ao lugar a que se destinavam fizeram alto, sacudiram a equipagem e tornaram-se a vestir.”

Mente deslavadamente o Sr. Chiavenatto ao afirmar que: “ao final do seu governo já não há analfabetos no país”. Basta verificarmos o que ele fez com as bibliotecas. Para que saber ler se os livros são proibidos? Depois, é o próprio Thompson quem nos informa que a mãe de Francisco Solano Lópes, mulher, portanto, de Carlos López, sucessor de Francia, 1a. dama, bem como muitas outras senhoras distintas da sociedade paraguaia, era analfabeta. Bem, e o que dizer da gente comum? Um desses populares chegou a tenente-coronel e comandou as forças paraguaias que haveriam de se render em Uruguaiana. Em carta dirigida a D. Pedro II, como prisioneiro de guerra, assim termina: “Espero de la suma prudência de VMI desculpe los yerros, que sean notables en este pues seran involuntarios”. É a confissão das suas poucas letras. Aliás, quase todos os comandantes de divisão paraguaios levavam consigo um padre como secretário, sendo da lavra de um deles a bela resposta desse mesmo Estigarríbia à intimação de rendição, documento completamente em desnível com a carta do seu próprio punho ao Imperador brasileiro.

De onde vem essa história de 100% de alfabetização? Justamente do tempo dos

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jesuítas, que alfabetizavam os guaranis nas suas missões. Francia apenas herdou uma considerável parcela da população rudimentarmente alfabetizada no idioma guarani, mas nada fez para aumentar o seu nível cultural, nem mesmo mantê-lo. Destruiu as bibliotecas, impediu as publicações e fomentou a imoralidade. Seu estilo não comportava alfabetização nem nenhuma outra faceta da educação que não fosse a obediência. Sem quadros dirigentes, não desejou nunca formar um povo, mas uma massa embrutecida pelo terror político e pelo afastamento de Deus, para facilitar-lhe o mando.

Após sua morte foi convocado um congresso para eleger seus sucessores, com mil representantes. Pois bem, tiveram que baixar para 500, conta-se, por não ter sido possível encontrar mil homens alfabetizados, no país, que falassem corretamente o espanhol. (5)

6-O Povo Paraguaio? Não, a Massa Paraguaia O Sr. Chiavenatto louva o “absolutismo total “de Francia que com” ele cria um

povo com uma nascente consciência histórica”. O que seria isto?

Para os comunistas, a consciência não é “uma realidade de experiência”, conforme nos ensina Rafael Gomez Perez, que prossegue: “Todos os homens julgam, quando agem, se estão fazendo bem ou mal. A consciência é, pois, uma forma de conhecimento tipicamente humano: conhecimento intelectual. A inteligência humana tem um conhecimento prático de algo que pode chamar-se, com toda propriedade, primeiros princípios de agir: tem-se que fazer o bem e evitar o mal, não podemos fazer aos outros o que não queremos que nos façam. À luz desses princípios a consciência julga os atos concretos. Sei que tenho que fazer o bem; se me apresenta a possibilidade de ficar com o que pertence a outra pessoa, a consciência impõe, julga, fala interiormente: isso é mau.” (6)

Não, para os comunistas, consciência é o resultado da “conscientização”, trabalho de doutrinação revolucionária que visa a superar essa fala interior, juíza natural segundo os primeiros princípios morais, colocando sobre estes a idéia de que bem é tudo o que favorece a causa revolucionária e, mal, tudo aquilo que a ela se opõe. “Será moral, portanto, todo alvo proposto, todo fim imediato que conduz ao acréscimo do poder do homem sobre a natureza, que leva à abolição total ou parcial do poder do homem sobre o homem.” (7)

E a História? Responde Marx: “A história é o verdadeiro ato de nascimento do homem. O homem é o seu próprio criador e ser supremo para o homem. A história humana é apenas a concretização desta dupla afirmação.” (8)

A “consciência histórica” seria, então, um conhecimento teórico, introduzido pela “conscientização”, que impele o homem a concretizar, a cada momento, o ideal comuno-revolucionário, sem atender a princípios outros senão ao fim visado naquele momento para a realização da utopia nunca alcançada.

Será que Francia seria possuidor de uma “consciência histórica” que o levasse a deflagrar duas lutas de classes, interna e externa, aquela visando a suprimir a burguesia

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e esta a contrapor o “socialista” Paraguai à “imperialista” Inglaterra e seus subimpérios? Será que tal “consciência histórica” foi transmitida aos paraguaios, mesmo de forma “nascente”?

Não. Nem Francia nem a gente paraguaia tinham tal “consciência”. O ditador, impregnado pelas idéias do Positivismo, agrada aos comunistas pelo seu materialismo e pela tirania perseguidora da religião, dos ricos e dos cultos.

Fazia, assim, porém, em proveito próprio: visava à sua segurança e à estabilidade do regime. A nação, por sua vez, se abstinha de julgar os atos de “El Supremo”, aceitava tudo amedrontada, fazia o que lhe fosse ordenado, não tinha “consciência histórica” e pouco lhe restava da consciência natural, posto que esta é uma realidade de experiência.

Um exemplo dessa enorme distorção moral, citado pelo Sr. Chiavenatto, como se fosse um fato relevante, é a inibição da criminalidade pela aplicação de penas absolutamente desproporcionais: o furto era punido com a execução sumária, e com todos os erros que a execução sumária pode acarretar.

Poderíamos analisar todo o texto do Sr. Chiavenatto sob o prisma moral. Seria, porém, muito longo. Ele incorre na defesa de todos os males e ataca todo o bem que possa favorecer, no primeiro caso, ou prejudicar, no segundo, a sua tese. Assim, em defesa de Francia, afirma que “todo o seu governo passou a ser analisado pelos seus vizinhos do ponto de vista de um liberalismo idealista, que por sinal só existia idealmente (...)”. Não atinge a consciência do Sr. Chiavenatto o fato, por exemplo, por ele mesmo citado, de que “Francia dispunha simplesmente da vida e dos bens de qualquer paraguaio”. O princípio natural, colocado por Deus no fundo da nossa mente, que deveria julgar automaticamente e dizer-lhe: isto é mau, não pode ser louvado, não importa quais “resultados práticos” tenham, foi suplantado pela “conscientização” comunista: os fins justificam os meios. No caso, o exemplo de um governo tirânico para servir de modelo aos seus vizinhos. Acrescente-se que o fim pretendido - o comunismo - é intrinsecamente mau, e os meios utilizados, péssimos.

Neste momento, minha consciência condena com repugnância o autor em refutação, pois nele vejo um grau de culpa maior do que o do próprio Francia. Este agiu tiranicamente, cometendo crimes contra a nação paraguaia, as pessoas e os seus patrimônios. Já temos avaliado a ferocidade das suas ações. Mas, quanto ao Sr. Chiavenatto? Este engana, distorce, estimula baixos sentimentos, como a inveja, tudo em proveito do estabelecimento de uma tirania ainda mais feroz que a de Francia, capaz de reproduzir em nosso país crimes como sofreram os povos soviético, chinês, cubano, cambojano, vietnamita, moçambicano, etc., etc.

E se a ação criminosa de Francia produziu mártires para a nação paraguaia, o crime do Sr. Chiavenatto, já na sua 24a. edição, ao modificar valores e corromper mentes juvenis de forma satânica, grosseira e imoral, não tem produzido nada além do que revoltados, desesperados e aniquiladores. Numa palavra: “conscientizados”.

7-Do Absolutismo a Rousseau e Voltaire ou, do Mau ao Péssimo

Novamente o Sr. Chiavenatto ressalta o fim: “socialismo de estado”, para justificar o meio: “absolutismo não reacionário”.

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Já foi mostrado que Francia não pretendeu estabelecer qualquer tipo de socialismo no Paraguai, embora tivesse herdado do governo jesuítico nas Missões algumas medidas administrativas que se prestam, aqui e ali, a confusões. Seus pontos de contato com o positivismo comtiano situavam-se no anticlericalismo e no materialismo. Por não ter deixado escrito o seu pensamento, e nem se preocupado em transmiti-lo verbalmente a alguém, temos que deduzi-lo de suas ações.

Agiu Francia, sempre, tiranicamente. Administrava o Paraguai como se fosse sua propriedade. Eliminou não só aqueles que a ele esboçaram oposição, como também os que tinham potencial para tal. Não permitiu o curso de idéias políticas. Destruiu os livros, prendeu e matou quem pudesse vir a influenciar a sua gente: os ricos, instruídos, sacerdotes e religiosos.

Se conhecia bem as idéias que geraram a Revolução Francesa, dela aproximou-se apenas quanto ao jacobinismo. E é lastimável a contorção mental que faz o Sr. Chiavenatto para caracterizar o período de Francia como uma revolução. Na verdade, segundo os moldes revolucionários, ele seria um reacionário, porquanto reagiu contra o progresso, representado, na época, pelo liberalismo.

8-Onde está a Saída? Quem busca uma saída está preso, impedido por alguma coisa. O que impedia

quem?

Os comunistas quase nunca são claros nas suas arengas. Quem manipula idéias e palavras, sem compromisso com a verdade, buscando encobrir a monstruosidade dos seus propósitos, só pode ser obscuro. Mas, neste particular, o Sr. Chiavenatto se mostra um comunista dos mais explícitos.

O Paraguai de Francia se encontrava isolado e em processo de estagnação, senão regressão. A saída carecia de um instrumento, a criação de “uma classe dirigente interessada na riqueza nacional”, que simplesmente auxiliasse, submissa ao ditador, não lhe oferecendo confronto ou resistência, e que fosse capaz de ajudá-lo a resolver o dilema: desenvolvimento com isolamento. É ocioso ajuntar qualquer comentário.

Se a guerra começou a ser pensada naquele momento, não o foi por seus vizinhos, especialmente pelo Brasil. Estes tinham mais o que fazer do que preocupar-se com o dilema de Francia, imaginado pelo Sr. Chiavenatto.

Mas, quem disse que Francia queria a guerra? Quem disse que ele se opôs à dominação comercial da Inglaterra? O Autor faz suas as idéias de alguns autores contemporâneos esquerdistas, defensores da teoria do imperialismo, focalizada na introdução deste trabalho. Não temos registro algum dessa pretensa intenção de Francia, muito embora a geografia do seu país pudesse motivá-lo a buscar a foz do sistema hidrográfico cujo curso médio dominava.

A saída para o Paraguai teria sido, já naquele tempo, a aproximação aos seus vizinhos, através do estabelecimento de laços comerciais, culturais, políticos e militares; a integração no concerto das nações civilizadas; o aproveitamento da influência benfazeja da Igreja Católica na vida paraguaia; o estabelecimento de um conceito

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estratégico generoso que visasse ao verdadeiro progresso nacional, não só material, mas, sobretudo, espiritual.

Ora, tudo isto importava no rompimento do isolamento e no estabelecimento de um clima de liberdade, incompatíveis com o projeto mesquinho, retrógado, cruel e ateu que foi a opção de Francia.

E tal opção foi tão vil que hoje se presta à propaganda revolucionária comunista, através das contorções dialéticas de um jornalista que não nos apresenta maiores títulos que a sua “paixão”, o seu fanatismo.

Ainda sobre esse personagem sombrio, que foi Francia, vejamos o que mais fez de mal na sua opção criminosa, segundo nos relata Thompson: “Promulgou uma lei proibindo o casamento entre brancos, negros, índios e mulatos; e declarou mulatos a muitos homens e mulheres das principaís famílias de que não gostava, a fim de que não pudessem casar-se, porque nenhum paraguaio branco, homem ou mulher, se degradaria ao ponto de casar-se com alguém de casta inferior. Propunha-se, assim, exterminar tais famílias, mas a lei espanhola de legitimação permitia-lhes o casamento depois da morte, legitimando desse modo os filhos. O casamento, de modo geral, era mal visto por Francia, e daí surgir a imoralidade a que se entregaram as classes inferiores, embora raramente atingisse a classe mais elevada. Não obstante, a imoralidade do povo não era tão má como se podia supor, pois embora os casamentos não fossem celebrados na igreja, as mulheres eram quase tão fiéis como se fossem regularmente casadas, com a diferença de que, não sendo indissolúvel o vínculo, quando duas pessoas reconheciam não combinarem bem, separavam-se simplesmente.” (9)

Francia morreu em 1840, aos 85 anos. O médico que assistiu seu último suspiro retirou-se sem dizer nada, com medo de ser acusado de incompetente ou conspirador. Dias depois, atraido pelo mau cheiro, o comandante da guarda o encontrou. Custou-lhe dizer que “El Supremo” havia morrido. Seu cadáver foi sepultado sob o altar de uma igreja, em Assunção, mas, tempos depois, foi exumado e jogado ao rio.

Este, o primeiro ditador, louvado pelo autor comunista. Passemos ao segundo.

Convém que se leia antes, entretato, o anexo a este capítulo, a seguir transcrito.

Notas: (1) Ver o anexo a este capítulo, sob o título “O Governo dos Jesuítas no

Paraguai”, extraído de “O Socialismo, Fenômeno Mundial”, Igor Chafarevitch, Ed. Afrodite, Lisboa, 1977, p. 170-179. Vários aspectos da vida paraguaia: costumes, por exemplo, como o de andar descalço; a obediência irrestrita aos chefes; o gosto pelo castigo com o chicote; a submissão ao recrutamento militar; a existência de camponeses que sabem ler e escrever; o uso intenso do guarani como língua nacional ao lado do espanhol, este sendo apenas a língua das classes mais elevadas; a desconfiança para com os estrangeiros, etc., podem ter suas orígens identificadas no texto de Chafarevitch.

Dentre os muitos autores disponíveis, buscamos o russo Chafarevitch porque este matemático de renome mundial viveu a dura experiência do socialismo, e divulgou corajosamente a sua sabedoria quando a ex-URSS ainda era tida como superpotência

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mundial. Publicou suas obras: “Tem a Rússia um futuro?” Passado e futuro do socialismo” e “O Socialismo: Fenômeno Mundial” quando os comunistas de fora da União Soviética procuravam empurrar seus países para o regime marxista-leninista, como faz ainda hoje, no Brasil, o Sr. Chiavenatto.

Impossível seria avaliarmos corretamente a obra do trio de ditadores paraguaios, iniciado pelo sombrio Francia, se não dispuséssemos de um resumo histórico das missões jesuíticas. Por outro lado, nosso argumento de que os ditadores não tiveram nenhuma intenção de estabelecer um Estado socialista no Paraguai ficará reforçado: os Jesuítas, também, procuraram dar um enquadramento social aos guaranis que permitisse a estes indígenas emergir da barbárie o mais rápido possível, com os recursos de que dispunham. Poder-se-ia falar em enquadramento militar, também. O mais correto, entretanto, será considerarmos a ação missionária jesuítica, no Paraguai, como um simples aproveitamento pragmático das condições locais.

(2) George Thompson, Guerra do Paraguai, Ed. Conquista, Rio, 1968, p. 23 e seg. A 1a. edição, com o título “The War in Paraguay”, foi publicada em Londres, em 1869 (durante a guerra). Thompson foi engenheiro civil comissionado tenente-coronel do Exército Paraguaio; participou de alguns trabalhos de engenharia de campanha e comandou o Forte de Angostura, onde se rendeu aos brasileiros em 30 de dezembro de 1868. Manifestamente parcial, revelando indisfarçável hostilidade aos brasileiros, foi, no entanto, um participante do conflito; privou da pouca intimidade que López concedia a quem quer que fosse, provavelmente por ter sido um protegido de sua amante, Madame Lynch; e, não obstante não ser idôneo seu depoimento sobre Tamandaré e Caxias, aos quais não conheceu e tratou, na sua obra, com superficialidades e imprecisões, quando não apelou para a pura injúria, tem, entretanto, no que tange a Francisco Solano López, como veremos no prosseguimento, o valor do convívio, tendo se revoltado contra o ditador quando soube dos crimes deste, embora só viesse a manifestar essa revolta no livro que escreveria, bem longe do napoleão guarani. As inverdades que escreveu contra o Brasil e os brasileiros foram refutadas pelo cap. Antonio de Sena Madureira na sua obra: “Guerra do Paraguai, Resposta ao Sr. George Thompson”, Rio, 1870.

(3) L. Schneider, A Guerra da Tríplice Aliança Contra o Governo da República do Paraguai, Casa Garnier, 1a. E. brasileira, publicado o 1o. vol. em 1875 e o 2o. em 1876. A citação é do vol. I, p. 80.

(4) A Campanha Lopezguaya, Gen. Mario Barretto, Oficinas Gráficas do Arquivo Nacional, Rio, 1928, 1929, 1930, 5 vol. (o 3o. vol. foi editado pela Papelaria Brasil e o 4o. pelas Oficinas do Centro da Boa Imprensa, ambas do Rio).

A citação é do Vol. II, p. 21.

(5) De uma aula na AMAN. Não possuimos a referência precisa.

(6) Problemas Morales de la Existencia Humana, Rafael Gomez Perez, Ed. Magisterio, Madrí, 1980, p. 27 e 28.

(7) V. I. Lênin, discurso no 3o. Congresso Nacional da Federação das Juventudes Comunistas da Rússia, em 2 de outubro de 1920.

(8) Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, Karl Marx.

Tanto esta, como a citação anterior, encontram-se no livro de Henri Chambre “De

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Marx a Mao Tse Tung, Ed. Duas Cidades, S. Paulo, 1963.

(9) Thompson, Op. Cit.

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ANEXO

O GOVERNO DOS JESUITAS NO PARAGUAI

“A história da penetração espanhola no Paraguai começou em 1516 quando Don Juan de Solis descobre a embocadura do rio Paraná e conquista as regiões ribeirinhas, que recebem o nome de Paraguai. Em 1536, Juan de Ayala funda Assunção, capital desta nova província. Um dominicano com o nome de Las Casas começa a evangelizar a população do país, composta de índios guaranis. Os jesuitas só intervieram mais tarde.

“O plano primitivo dos jesuitas era, segundo parece, criar um grande Estado voltado para o Atlântico; mas as incursões dos paulistas impediram a realização desse projeto. A partir de 1640, os jesuítas armaram os índios e instalaram-nos numa região de acesso difícil, cercada dum lado pelos Andes, do outro pelos rápidos do Paraná, do Rio da Prata e pelo Uruguai. Toda a região foi ocupada por uma rede de aldeias-reservas. Em 1645, os jesuitas Machete e Cataladino receberam do governo espanhol um privilégio que libertava todo seu território de qualquer tutela colonial e os isentava do pagamento do dízimo ao bispo local. Em breve obtiveram o direito de fornecer aos índios armas de fogo (em seguida ao levantamento duma proibição introduzida pelas autoridades espanholas para toda a América do Sul), e assim fizeram dos guaranis um exército poderoso.

“Nas suas relações com o governo espanhol, os jesuítas negaram sempre com veemência, nos tempos que se seguiram, o fato de terem desejado a criação dum Estado independente no Paraguai. Na verdade, algumas acusações que lhes fizeram eram exageradas: por exemplo, a publicação duma obra consagrada ao imperador do Paraguai, com o retrato deste, ou ainda a emissão de nova moeda. Trata-se de maquinações urdidas pelos inimigos dos jesuítas. Não resta, todavia, qualquer dúvida de que a região que eles controlavam se encontrava tão isolada do mundo exterior que podia muito bem ser considerada como um Estado independente, ou então como simples protetorado da Espanha. Obtiveram do governo espanhol a aplicação duma lei que proibia a qualquer europeu penetrar no domínio deles ou aí permanecer. Os índios não podiam, por outro lado, abandonar a aldeia senão em companhia dum padre. Apesar das insistentes exigências da autoridade central, os jesuítas recusaram ensinar o espanhol aos seus protegidos, tendo sido eles quem, pelo contrário, aprenderam língua dos índios e lhes ensinaram uma escrita em guarani. A maior parte dos jesuítas instalados não eram, aliás, espanhóis, mas alemães, italianos e escoceses. Dispunham dum exército próprio e faziam comércio livre com o exterior. Tudo isto justifica a expressão “governo jesuíta”, utilizada por quase todas os estudiosos da questão.

“A população deste Estado atingiu no período mais florescente, uma cifra entre 150.000 e 200.000 habitantes, sendo a maioria composta por índios. Além destes, havia cerca de 12.000 escravos negros; o número de jesuítas andaria entre 130 e 300. A história deste Estado chegou ao fim em 1767 - 1768, quando o governo espanhol, empenhado numa política hostil à Companhia de Jesus, expulsou os jesuítas do Paraguai. A ordem foi, aliás, abolida por Clemente XIV em 1773.

“Os princípios fundamentais que orientavam a vida nas reservas tinham sido elaborados pelo padre Diego de Torres, o qual - fato significativo! - havia começado a

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sua carreira como missionário no Peru, onde a lembrança dos incas se mantinha viva. Os espanhóis, explorando ricas minas de prata nessa região, tinham tido o interesse na sedentarização da população índia. Para tal, tinham proposto que se mantivesse, no essencial, o regime existente no tempo dos incas. Torres, ao empreender a organização das reservas do Paraguai, escrevera: ‘Este território deve ser governado consoante o sistema existente no Peru’. Numerosos observadores daí deduziram que os jesuítas tinham copiado propositadamente as práticas em vigor no Império Inca.

“Já afirmamos que toda a população se concentrava nas reservas. Cada uma albergava, em média, de 2.000 a 3.000 índios, as menores, uns 500, a maior, a nação de São Xavier, 30.000. Cada reserva tinha à frente dois padres jesuítas, sendo sempre um deles já idoso. Não havia outros europeus. O mais idoso dos padres, o ‘confessor’, dedicava-se essencialmente ao culto; o mais novo ajudava-o e administrava os negócios da coletividade. Ambos dispunham de poder ilimitado. Um jesuíta chamado Juan de Escadón escreve em 1760: ‘O poder secular pertence inteiramente aos padres, por motivo idêntico, ou com mais razão ainda, ao que se passa com o poder espiritual.’

“Os padres não se mostravam, regra geral, aos índios, senão durante os atos do culto. Normalmente se comunicavam com estes por intermédio de responsáveis escolhidos entre a população e chamados ‘corregidores’ e ‘alcades’. Estes últimos eram eleitos por um ano, com base numa lista elaborada pelos padres. ‘Corregidores’ e ‘alcades’ dependiam intimamente dos padres, que a todo instante podiam intervir nas decisões e modificá-las. Juan de Escadón conta que todas as manhãs ‘corregidores’ e ‘alcades’ se apresentavam a um dos padres. Este confirmava as sentenças e dava instruções quanto à maneira como o trabalho se deveria processar durante o dia. ‘Tudo isso se passava como no seio duma boa família, onde o pai, todo os dias, indica a cada qual o que lhe compete fazer.’

“Os missionários cuidavam de todos os negócios dos índios e resolviam-lhes os problemas materiais e espirituais. Não havia leis, pois as decisões dos padres constituíam o poder legislativo. Os padres ouviam as confissões, que eram obrigatórias para os índios, e distribuíam os castigos correspondentes. Havia castigos de várias espécies: repreensão individual, repreensão pública, chicote, prisão, expulsão. A pena de morte não existia. Apenas um jesuíta, autor duma ‘História do Paraguai’, refere o caso dum “corregidor” rebelde que foi ‘queimado pelo fogo do céu’.

“Os índios não tinham nada, por assim dizer: nem terra, nem casa, nem matérias-primas, nem instrumento de trabalho, nem mesmo a sua própria pessoa. Escadón escreve: “Todas as terras da missão pertencem à comunidade, nenhum habitante tem o direito de dispor delas mais do que lhes cabe, nem de vender o que quer que seja a quem quer que seja. Isto é igualmente válido para as casas que habitam (...) É a comunidade que toma conta dos alojamentos e que repara as casas se disso houver necessidade, e as reconstrói em duas partes: a ‘tupamba’ (terra de Deus) e a ‘abamba’ (terra individual). A primeira era reservada à coletividade, a segunda repartida em lotes atribuídos às famílias.’

“Na sua obra intitulada ‘Situação na Missão do Paraguai’, Muratori explica que a ‘abamba’ era emprestada aos índios encarregados de a cultivar. Eles recebiam o respectivo lote na altura em que casavam. O lote não era hereditário, em caso de morte a viúva e os filhos eram sustentados pela missão, e a terra voltava para os fundos da comunidade. O trabalho, quer nas terras coletivas, quer nos pedaços individuais, era regulamentado pela administração. Um mensário, ‘Missões Católicas’, conta que as

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sementes e os utensílios necessários à exploração das courelas eram fornecidos pela comunidade. Na maior parte das missões, a família devia alimentar-se com a colheita obtida dessa forma; no entanto, em algumas reservas, uma parte dessa colheita tinha que ser cedida às autoridades que, em troca dela forneciam a ração prevista para cada um. Em todos os casos, a exploração do lote individual e a colheita obtida eram controladas. ‘Sabia-se o que dava um determinado bocado de terra e a colheita era vigiada por aqueles que tinham mais interesse em vigiá-la. Se não fossem mantidos com pulso forte, os índios ter-se-iam encontrado, rapidamente, sem meios de subsistência.’

“O trabalho nas terras coletivas era obrigatório para todos, incluindo a administração e os artesãos. Antes do começo do trabalho, um dos padres exortava os índios. Depois, dirigiam-se aos campos em formatura, ao som de tambores e flautas. O regresso era acompanhado por estribilhos entusiásticos. Inspetores e vigilantes seguiam o bom andamento dos trabalhos e apanhavam os negligentes ou os preguiçosos. ‘Os culpados eram severamente punidos.’

“Todas as culturas essenciais à economia da missão eram praticadas nas terras coletivas. Há testemunhas anônimas acerca da diferença existente entre terras coletivas e lotes individuais. Enquanto as primeiras eram cuidadosamente mantidas, os segundos faziam-se notar pelo estado de abandono. Os jesuítas queixavam-se freqüentemente do desinteresse que os índios mostravam pelo trabalho nas suas courelas e do fato de eles preferirem ser castigados por negligência e viverem nas reservas da coletividade. Uma vez comidas as sementes que lhes tinham sido dadas, apresentavam-se ao ‘corregidor’ para receberem mais, ao mesmo tempo que recebiam um belo corretivo. Este comportamento era devido, segundo os jesuítas, não ao sistema, mas à psicologia ‘infantil’ dos índios. O padre Cardiels podia escrever em 1758: ‘Há 140 anos que lutamos contra isso mas as coisas não melhoraram nada. Enquanto os índios tiverem uma mentalidade de criança nada poderá melhorar.’

“As comunidades possuíam enormes rebanhos de cavalos e de bois que pastavam nos pampas. Os bois eram utilizados na exploração dos lotes individuais. ‘Por vezes eles matam um dos bois para se fartarem de carne. Dizem então que os bois se perderam e redimem-se dessa culpa apanhando pancada’, escreve Escadón.

“A carne dos bovinos que tivesse ficado no rebanho coletivo era distribuida aos habitantes, duas ou três vezes por semana. No dia indicado, os índios dirigiam-se a um armazém, cujo chefe lhes fazia a chamada, dando em seguida um pedaço de carne a cada um. As rações de mate eram distribuídas pelo mesmo processo.

“A produção artesanal atingia altos níveis. As mulheres recebiam lã e tinham que entregá-la fiada no dia seguinte. Instrumentos e matérias primas pertenciam à reserva e não ao artesão, que, quase sempre, trabalhava numa oficina coletiva. ‘Trabalhavam não em casa deles - nota Cardiels - o que não daria qualquer resultado, mas sim no pátio do colégio.’

“Cada missão tinha os seus pedreiros, tijoleiros, armeiros, moleiros, relojoeiros, pintores, joalheiros e oleiros. Existiam olarias, fornos de cal, moinhos movidos por cavalos e homens. Construiam-se órgãos, colocavam-se sinos, imprimiam-se livros em línguas estrangeiras (destinados à exportação, evidentemente). No começo do século XVIII, cada reserva tinha um relógio solar ou mecânico, fabricado no local, e que regulava o dia de trabalho de toda a comunidade.

Os produtos acabados eram colocados em armazém, onde trabalhavam índios que

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soubessem ler e contar. Uma parte desses produtos era distribuída à população. Os tecidos eram divididos em partes iguais e entregues, ora aos rapazes, ora às moças, ora aos homens e às mulheres, consoante o dia. Cada homem recebia 5,5 metros de fazenda por ano, para se vestir, e cada mulher, 4,5 metros. A cada qual se dava, anualmente, uma faca e um machado.

“A produção mais importante era exportada. Os rebanhos forneciam peles em abundância. As reservas possuiam tanoarias e oficinas destinadas ao fabrico de calçado. Tudo se vendia para o estrangeiro. Os índios, por sua vez, tinham de andar descalços.

“A habilidade dos artesãos tinha fama. Os guaranis eram hábeis em quase todos os ofícios.

“O comércio realizava-se de preferência entre as diferentes reservas, e não propriamente no interior de cada uma. O dinheiro também não existia. Em contrapartida o comércio externo praticava-se em larga escala. Sozinhas, as reservas exportavam mais mate que o Paraguai inteiro. Os jesuítas eram obrigados a importar certos produtos, como sal e metais, principalmente ferro.

“Os índios viviam em cabanas de cana cobertas de barro. Dormiam, quer no chão, quer em redes. Um jesuíta austríaco, o padre Sepp, que veio para o Paraguai em 1691, descreve essas habitações da seguinte maneira: ‘As casa dos indígenas eram simples cabanas feitas de terra e tijolo, com um só quarto, onde se amontoavam o pai, a mãe, os irmãos, as irmãs, as criancinhas, tudo isso no meio de cães, gatos, ratos e ratazanas. Fervilhavam as baratas. Quem não estivesse habituado ficava enjoado com o cheiro infecto que se desprendia de tudo isso. Estas casas não tinham frestas, nem qualquer outro dispositivo que permitisse a renovação do ar; não havia nelas qualquer móvel; os habitantes sentavam-se no chão e era no chão que comiam’. Só algum tempo depois da expulsão, os jesuítas resolveram construir alojamentos confortáveis para os índios.

“As igrejas eram de pedra e decoradas. A de São Francisco Xavier tinha espaço para 5.000 pessoas, as paredes eram revestidas de magníficas placas de mica, e os altares recamados de ouro.

“Os casamentos realizavam-se duas vezes por ano, durante uma cerimônia solene. A escolha dos casais era controlada pelos padres. Se certo rapaz e certa moça tinham inclinação um pelo outro, o missionário era imediatamente informado, e as partes interessadas eram contactadas em nome dele.

“As crianças começavam a trabalhar desde tenra idade. ‘Logo que uma criança atingia a idade de trabalhar, era conduzida a uma oficina onde aprendia um ofício. Os jesuítas inquietavam-se com a fraca taxa de crescimento da população, fato que ocorria apesar de as condições de vida dos indios serem excepcionalmente boas, pois não conheciam a fome e recebiam assistência médica.’

“Os jesuítas justificavam este controle permanente sobre os índios argumentado com o subdesenvolvimento. ‘Deviam - anota um comentador - viver ainda durante alguns séculos nesse estado de infantilismo social, antes de atingir a maturidade que é condição prévia para qualquer exercício da liberdade’. Numa carta já citada, Escadón escreve: ‘Pode-se dizer, sem o mínimo de exagero, que os índios não têm mais capacidade, inteligência e raciocício que as crianças da Europa. Alguns são capazes de ler, de escrever e de aprender, mas, apesar disso, não estão em condições de governar.’

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“Os jesuítas, provavelmente levados por considerações de ordem econômica, tentaram favorecer a iniciativa privada, por exemplo, dando gado aos índios. Mas esta medida não deu o resultado esperado. Cardiels chama a atenção para o caso isolado dum proprietário que, dessa maneira, conseguiu reunir um pequeno rebanho a meias, mas que era mulato.

“Os inimigos dos jesuítas e, muito particularmente, o escritor anticlerical Azara, reprovam-lhes o fato de terem deixado os índios morrer de fome e de os terem, ao mesmo tempo, sobrecarregado com trabalho. O quadro inverso parece, no entanto, mais convincente e corrente: ausência de fome, descanso dominical, habitações e vestuário assegurados - esta tentativa quase conseguida, de nivelamento de centenas de milhares de indivíduos, reduzidos ao estado de formigas, constitui em si mesmo qualquer coisa mais terrível que qualquer espécie de campo de trabalhos forçados.

“No Paraguai, como aliás nas restantes partes do mundo, os jesuítas foram vítimas dos seus sucessos. Tinham-se tornado demasiado perigosos. Saliente-se que eles possuíam, nas reservas, um exército de cerca de 12.000 homens perfeitamente equipados, que era de longe o melhor de toda esta região. Intervieram nos conflitos locais: por várias vezes cercaram Assunção, e chegaram, mesmo, a libertar Buenos Aires dos ingleses. Depois de perturbações, destituíram o governador do Paraguai, Don José Antequerra. Essa ostentação de força acabou por inquietar o governo espanhol.

“Após a expulsão dos jesuítas, funcionários governamentais partiram à procura dos tesouros (minas de ouro e de prata e fabulosos lucros obtidos no comércio exterior) de que lhes tinham falado, para descobrirem em breve que estes não existiam. O inventário das reservas foi uma amarga decepção: não havia nada além do extremamente banal. Quanto aos índios, fugiram quase todos das reservas e voltaram à vida antiga e às antigas crenças.

“O juízo que os filósofos fazem, no século XVIII, acerca das atividades dos jesuítas no Paraguai, é particularmente interessante. Quando estes últimos representavam o inimigo número um, muitos dos seus adversários não encontraram termos suficientemente lisonjeiros para gabar essa experiência. No ‘Espírito das leis’, Montesquieu escreve: ‘É glorioso para a ‘Sociedade’ (a Companhia de Jesus) que ela tenha sido a primeira a mostrar nessas regiões a idéia de religião ao mesmo tempo que a da humanidade (...) Retirou dos bosques povos dispersos, assegurou-lhes a subsistência, vestiu-os e, mesmo que não tivesse feito mais do que aumentar a indústria entre os homens, já teriam feito muito.’

“E Voltaire, no seu ‘Ensaio sobre os Direitos’, fala ainda com mais respeito da ‘infame’: “A difusão do cristianismo no Paraguai, só graças aos esforços dos jesuítas surgiu, em certo sentido, como vitória da humanidade (...)” (1)

* * *

Chafarevitch informa que utilizou, no texto do qual extraímos o anexo acima, as seguintes obras:

- Der Jesuitenstaat im Paraguay, G. Otruba, Viena, 1962;

- Iezuitskie Republiki, P. Lafargue, São Petersburgo, 1904;

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- O Governo Comunista dos Jesuítas no Paraguai nos séculos XVII e XVIII, V. V. Sviatlovski, Petrogrado, 1924;

- A República Comunista Cristã dos Guaranis, Lugon, Paris, 1949;

- A Eterna Utopia, A. Kirkheim, São Petersburgo, 1902.

Nota: (1) O Socialismo: Fenômeno Mundial, Igor Chafarevitch, E. Afrodite, Lisboa,

1977.

Capítulo II

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O PAÍS MAIS ATRASADO DA AMÉRICA DO SUL

9- Carlos Antonio López assume o Governo Novamente um congresso elege dois cônsules: Carlos Antonio López e Roque

Alonso. Novamente a história se repete: o mais forte engole o mais fraco e passa a tiranizar, sozinho, a infeliz nação paraguaia.

A tirania de Carlos López pode ser avaliada pela legislação que impôs ao país, da qual as “Instruções à Polícia”, de 15 de junho de 1843, dão uma amostra:

“Art. 37 - É absolutamente proibido falar a respeito dos partidos e da guerra civil

que dolorosamente está despedaçando as províncias vizinhas, e não se permitirá insultos ou ameaças aos refugiados, advertindo-se aos que queiram viver nesta República que terão de guardar profundo silêncio sobre os acontecimentos e os partidos do outro lado de Corrientes, e o Comissário de Polícia advertirá a todos os estrangeiros e refugiados de que aqui nada queremos saber de seus funestos ódios e rancores, e os que não se confomarem com isso que se retirem imediatamente do país.” (1)

Vejamos um pedacinho da “Lei que estabelece a Administração Política da

República do Paraguai”, de 16 de março de 1844: “Art. 9o. - A autoridade do Presidente da República é extraordinária nos casos de

invasão, de comoção interna, e quantas vezes forem necessárias para manter a ordem e a tranqüilidade da República.” (Os negritos são nossos). (2)

“Art. 17 - Pode celebrar concordatas com a Santa Sé Apostólica, conceder ou negar seu beneplácito aos decretos dos concílios e a quaisquer outras constituições eclesiásticas; conceder ou negar “exequatur” às bulas e breves pontifícios, sem o que ninguém será obrigado a cumpri-los.” (3)

“Art. 18 - É o juiz privativo das causas reservadas no estatuto da administração da justiça.” (4)

“Cap. VIII, Art. 3o. - Os ministros de Estado não terão outro tratamento que o de “Usted”, e não poderão dar qualquer ordem sem o acordo e a aprovação do Presidente da República.” (5)

Mas a intromissão na Igreja e a vontade de se situar como única autoridade de

direito, além de já a ser de fato, aqui fica patente, na “Reforma de alguns privilégios dos Reverendos Bispos”, de 03 de novembro de 1845:

“O Presidente da República do Paraguai considerando que, ao mesmo tempo em

que reafirma seu zelo pelo culto religioso, deve também cuidar que nenhum funcionário da Igreja apareça, seja nos templos ou nas ruas, em posição que se sobreponha ao Supremo Governo Nacional, decreta:

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Art. 1o. - Fica proibido todo e qualquer toque de sinos por motivo de entrar o bispo na igreja ou dela sair.

Art. 2o. - É igualmente proibido ajoelhar-se alguém na rua, ou em qualquer outro lugar, à passagem do bispo.

Art. 3o. - O bispo não poderá usar trono, nem manto, seja na igreja ou fora dela.”

E se essa legislação, destinada a destacar Carlos López e a dar-lhe os poderes

totais sobre a massa guaranítica, era cumprida a ferro e fogo, já alguns artigos, aqui e alí, serviam apenas para adoçar-lhe a dureza, e não eram cumpridos, porque ninguém tinha para quem apelar, simplesmente. Assim, os “Estatutos para a administração da justiça”, de 24 de novembro de 1842:

“Art. 71 - Ficam abolidos o confisco de bens e a pena de tortura.” Muito interessante é, também, o decreto que “aboliu” a escravidão, em 24 de

novembro de 1842: “Art. 1o. - A partir de 1o. de janeiro de 1843 serão livres os ventres de todas as

mulheres escravas, e todos os filhos que vierem a ter depois dessa data serão chamados “libertos da República do Paraguai”.

Art. 2o. - Os libertos serão obrigados a servir seus senhores até a idade de vinte e cinco anos os homens, e até vinte e quatro as mulheres.” (6)

Traíndo seu pensamento mais secreto, o tirano decretava na “Ata de

Independência do Paraguai”, de 25 de novembro de 1842: “Art. 2o. - A República do Paraguai não será jamais patrimônio de uma pessoa ou

de sua família.” (7) Carlos López era pobre ao chegar ao governo. Advogado num país pobre, e com

leis do tipo que acabamos de ver, refugiado no campo para escapar à perseguição de Francia, encontrou no governo um meio de enriquecimento rápido, para si e sua família. Assim, começou logo nomeando seu filho mais velho, Francisco Solano, de 18 anos, General-em-Chefe do Exército e Ministro da Guerra. O segundo, Venancio, foi feito Coronel, Comandante da Guarnição de Assunção. O terceiro, Benigno, foi nomeado Major do Exército, mas, não gostando de tão baixo posto (qual seria a idade dele?), foi promovido a Almirante-da-Esquadra, mas renunciou e passou a levar uma vida ociosa e incerta. Era o favorito do pai.

Cada um dos filhos dispunha de casa e escritório próprios, e eram todos muito falados por causa da vida libertina que levavam, especialmente Francisco Solano e Benigno.

Comenta Thompson: “Esta ilimitada autoridade dos López, exercida também pelos filhos, sob os auspícios do pai, fazia com que o povo tivesse muito medo de dizer ou fazer qualquer coisa que pudesse incorrer no desagrado deles. Todos enriqueceram muito depressa, por qualquer meio ao seu alcance. Costumavam pagar pelo gado um

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preço muito inferior ao do mercado, mas os vendedores tinham medo de recusar-lhes as ofertas. Mandavam, depois, o gado ao mercado, onde vendiam pelo preço que bem entendessem, uma vez que a ninguém era permitido vender seus animais enquanto estivesse à venda qualquer rês de propriedade da família do presidente. Também, dos cidadãos particulares, ou do governo, compravam terras a baixos preços. As senhoras da família López estabeleceram uma espécie de câmbio, em que o dinheiro-papel dilacerado, que não tinha mais curso, era comprado com o desconto de oito por cento, e, que, em conseqüência das suas ligações no governo, elas trocavam no Tesouro por dinheiro novo, de valor integral. Também emprestavam dinheiro contra hipotecas de jóias, com larga margem de lucro e, sempre que lhes aprouvesse, ficavam com os penhores para si, sem se importarem absolutamente com os desejos dos proprietários.

“López I continou sempre, embora em escala não tão grande, com o sistema de espionagem estabelecido por Francia, bem como do costume de meter na cadeia qualquer pessoa suspeita de não ser partidário seu.”

Depois desta narrativa, nem é preciso comentar o que diz o Sr. Chiavenatto sobre a existência de trabalho somente genuinamente produtivo no Paraguai. Sobre o analfabetismo já comentamos e, agora, aparece a afirmação orgulhosa: “não há dívida externa”.

Vejamos: em si, uma dívida nunca é desejável. Pode ser necessária e, o mal, estará, particularmente, nas condições imorais em que venha a ser contraída: Para quê? Por quê? Quanto? Juros? Forma de pagamento? Garantias?

Consideremos o caso do Paraguai de Carlos López, após Francia: para que tomar emprestado? Como pagar? O que oferecer em garantia?

Ausência de projetos (mais tarde veremos que, por ocasião da guerra do Paraguai, seu filho vai sair em busca de empréstimos), insuficiência de geração de rendas nacionais, praticamente nada a oferecer em garantia, a não ser suas desvalorizadas terras. Enfim, pensemos nos habitantes de uma favela; lá encontraremos menos endividados que nos bairros elegantes...

10 - A Infiltração Inglesa Toda a argumentação do Sr. Chiavenatto contra o capitalismo imperialista inglês

seria válida, se ele fosse capaz de estabelecer os laços que unem a condenável prática inglesa à mesma fonte donde emana a utopia comunista que defende: a Revolução.

Automaticamente nos lembramos do inspirador da Revolução, o Príncipe deste mundo, e do seu discurso no inferno, imaginado pelo poeta: “ (...) esteja certo disso: fazer qualquer bem nunca será nossa tarefa, porém, sempre fazer o mal, nosso único prazer; sendo o contrário da alta vontade d’Aquele a quem resistimos. Se, porém, a Sua Providência procura tirar o bem do nosso mal, nosso trabalho será perverter esse fim, e, no bem, ainda encontrar meios para o mal, no que muitas vezes poderemos ser bem sucedidos e, assim, afligí-lo e, se não me engano, perturbando os secretos desígnios do Seu determinado fim.” (8)

Ora, o Paraguai de então, pela miséria, indignidade e auto-aniquilamento, já se

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encontrava mais perto desses objetivos do que poderia a Revolução empurrá-lo através do imperialismo inglês.

Mas, por que se importar com o Paraguai, tentando abrir o seu comércio? O Paraguai já se encontrava mais adiantado para a Revolução que os seus vizinhos (perceba-se a intuição do revolucionário autor). A Revolução apoiaria, sim, o Paraguai, quando este fosse buscar na Inglaterra parte do equipamento e, sobretudo, os técnicos que lhe permitiriam fazer a guerra, afinal, através do filho de Carlos López.

11 - Resistindo ao Verdadeiro Progresso Aberto o recrutamento de técnicos estrangeiros, especialmente ingleses, inicia

Carlos López a preparação das suas forças armadas: o exército e a marinha. Seus filhos pediam-lhe que equipasse seus brinquedos. Francisco Solano acompanhava o pai na administração do país.

Thompson nos relata: “Em 1845, López declarou o país aberto ao comércio e à imigração estrangeira. Não podiam, porém, os estrangeiros possuir propriedade territorial no Paraguai, nem casar-se com mulheres nativas sem licença especial do governo, o que não obtinham facilmente. O processamento a ser seguido em tais casos consistia numa petição, citando duas testemunhas que juravam conhecer o peticionário, e sabê-lo solteiro. López costumava deixar o requerente à espera durante alguns meses, ao fim dos quais a resposta era geralmente negativa, aproveitando o presidente a oportunidade para insultar o peticionário. Uma vez, um espanhol (de estatura muito pequena) apresentou sua petição para casar-se, e depois de esperar três meses, recebeu a seguinte resposta ao pé do requerimento: “Não obstante ter vindo o insolente galeguinho N.N. a este país, como os demais estrangeiros, em busca de fortuna, ainda assim lhe permitiremos, como especial favor, que se case com a distinta senhorita M.M.”

Não era à toa que o Paraguai tinha fama de terra de bárbaros. Mas, Carlos López não foi tão sanguinário como seu antecessor, embora não fosse, também, nenhum modelo de mansidão.

Outra vez, Thompson: “Em 1858, López I mandou prender cerca de 20 pessoas a quem acusou de conspirarem para assassiná-lo no teatro. Uma destas era um súdito britânico, o judeu Canstatt, que escapou graças à intervenção do Sr. Henderson, cônsul inglês, e pelas enérgicas medidas tomadas pelo almirante da frota britânica no Rio da Prata, que apresou em Buenos Aires o vapor paraguaio Tacuary, no momento em que deixava o porto levando a bordo o general López, que estivera na Argentina servindo, com êxito, de mediador entre os dois partidos de uma revolução naquele país (...) Assim que López I teve conhecimento da detenção do Tacuary, pôs em liberdade Canstatt, vingando-se em dois cavalheiros chamados Decoud, pertencentes a uma das primeiras famílias paraguaias, e que foram fuzilados por ordem sua. Esta foi, talvez, a única atrocidade de vulto cometida durante o reinado de López I, além de uma, contra os índios do Chaco, convidados a atravessar o rio para concertarem um tratado com o comandante de Vila Oliva. Este, após reunir grande número de índios numa sala, assassinou-os a sangue frio. Isto, provavelmente, se fez sob a responsabilidade pessoal do comandante.”

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Entre os estrangeiros contratados se encontrava o belga Alfred Du Graty, citado pelo Sr. Chiavenatto como “famoso naturalista”. Era, na realidade, um coronel do exército que, após tornar-se amigo do ministro das Relações Exteriores do ditador seguinte, Don José Berges, viria a ocupar o cargo de representante diplomático do Paraguai em Berlim. O Gen Mario Barretto publicou (9) fotografias de algumas das suas cartas para Berges, prestando conta de despesas efetuadas com a publicação de matérias, nos principaís jornais europeus, de propaganda lopista. Du Graty recebia parte dos artigos e editoriais do Paraguai (Berges era considerado o homem mais culto do país), ou os encomendava a redatores europeus. Também providenciava as traduções necessárias às várias línguas.

Foi por essa correspondência que se descobriu que o famoso autor de “A Guerra da Tríplice Aliança Contra o Governo da República do Paraguai”, o Conselheiro e Leitor do Rei da Prússia e Imperador da Alemanha, L. Schneider, foi colaborador do Du Graty. Aliás, o próprio Schneider, no prefácio à 1a. edição da sua obra, publicada na Alemanha em 1871, nos declara: “Pode-se provar que, por intermédio de hábeis e dedicados agentes, conseguiu o ditador López conciliar à sua causa os principaís órgãos de imprensa europeus.”

Mas a idéia central do item em refutação refere-se à criação, por Carlos López, das “condições básicas para o progresso e modernização do país, sem atrelá-lo ao imperialismo inglês”. Refere-se a uma “ebulição de progresso”: aumento da produção agrícola, instalação de fábricas, estradas de ferro, telégrafo, aumento das exportações.

Vejamos o insuspeito Thompson: “De um modo geral, López I administrava bem o país. Abriu o Paraguai ao comércio, construiu arsenais, navios a vapor e estradas de ferro. O povo paraguaio nunca pagou impostos e todos esses melhoramentos foram feitos com as riquezas existentes no tesouro.”

Analisemos: Carlos López revelou-se melhor administrador do que Francia. Não cobrou impostos. Ora, também não seria o caso: Francia já havia roubado tudo aos ricos e os pobres, coitados, nada poderiam pagar. Mas, e as riquezas do tesouro? Respiguemos Thompson mais uma vez: “A única fonte de renda do Paraguai era a erva-mate, monopólio do governo, que a comprava dos produtores à razão de 1 xelim por 35 libras-peso, vendendo depois a mesma quantidade por um preço que variava entre 24 e 32 xelins”. Assim...

Por sua vez, informa-nos Schneider: “Só num ponto deixou Carlos López de imitar o seu antecessor, pois desde o princípio procurou transformar as terras da nação em bens de família, sem contudo lesar os interesses do Estado. Não estando a administração financeira sujeita a fiscalização alguma, nem tendo prestado contas o Dr. Francia, nem seus sucessores, não se pode averiguar de que modo estes dois conseguiram formar um tão amplo patrimônio em terras, mas é fato sabido que quando os aliados invadiram o país, as terras mais férteis e rendosas eram propriedade da família dominante. É verdade que dos rendimentos dessa propriedade se pagavam as tropas, as obras públicas e outros melhoramentos.”

É preciso, entretanto, dimensionar corretamente esse surto de progresso. Em relação ao tempo de Francia foi um avanço, mas, em relação ao Brasil, por exemplo, pouco representou.

A instalação de uma siderúrgica rudimentar, denominada “Fábrica de Ferro”, tem sido festejada como a grande obra de Carlos López: “indústria de base”. Um extrato do

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relatório dessa fundição, instalada em Ibicuí, no interior do país, datado de 30 de janeiro de 1868, em plena guerra, portanto, quando a produção deveria ter atingido os níveis mais altos, assinado pelo Cap Julio Insfran, comandante da guarnição do estabelecimento, e dirigido ao Ministério da Guerra e Marinha, informa: “Relação das obras executadas neste estabelecimento da fábrica de ferro durante o mês que hoje finda, a saber:

“Fundição

Peças de ferromodeladas e fundidas

Calibre

19 balas redondas de .................................................................. 32 balas redondas de .................................................................. 46 balas redondas de .................................................................. 19 balas redondas de encamisdos de aço ............................... 116 Total 453 Isoladores para telégrafo

6 4 3 32

No dia 31 do corrente mês concluiu-se com o melhor êxito a fundição de minério

no alto forno, iniciado no dia 10 do próximo mês passado de agosto, havendo fabricado 2.200 arrobas de ferro de boa qualidade.

“Ferraria Confeccionaram-se 3 bastidores de pranchas de ferro doce de 5’3” de largura com

24 lingotes de ferro de 15 a 30”de largura, todos reforçados com 48 parafusos, para o molde da hélice do Iberá, em que se está trabalhando; 50 grampos de 2” e 60 lanças para o serviço deste estabelecimento e para o acampamento de Caapucu; também preparamos 12 martelos, 12 estrelas e 12 varetas, todas de aço, e diversos pequenos utensílios para armas pertencentes ao outro acampamento. Foram fabricados 24 raspadores de aço para o mesmo destino e foram limpos, cinzelados e consertados 300 isoladores do telégrafo e 28 para a carvoaria; consertaram-se as rodas de uma carreta e fizeram-se 8 grampos para os mesmos, e compuseram-se diversos instrumentos dos trabalhadores das fundições.

“Carpintaria

Obras que fizeram: 2 peças de 4’ de largura, para molde da hélice do Iberá, 2 peças torneadas de 2 e 1/2’ de largura, para o mesmo molde, peça para canhão de calibre 24, com 2’ de largura e 2’ de grossura, 51 cabos para lanças para o pessoal desta guarnição e do acampamento de Caapucu.

Foram serrados toros de madeira de 3 a 7 varas de largura com 11 kilos para cabos de lanças.

1 peça de 1/2 vara de comprimento para carreta e também se fizeram 6 rodas de

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carretas, com 8 raios.

“Carvoaria

..........................................................”

Esta foi a “fábrica” mais importante. Em Assunção existia um arsenal, que reparava armamento e fundia canhões, e que foi transferido para Caacupê, e um estaleiro que fazia embarcações fluviais e transformava navios mercantes em navios de guerra, pela simples instalação de alguns canhões em seus convéses.

Feitas as contas, verifica-se que, em pleno esforço de guerra, e sem sofrer bombardeios estratégicos, que não existiam, a “fábrica” produziu, em quase 6 meses, apenas 2.200 arrobas de ferro, isto é, 33 toneladas, o que dá uma média diária de 195 kg, muito longe dos 1000 kg cada 24 horas que nos informa o Sr. Chiavenatto. A pequena produção de ferro constata-se, também, pela de produtos acabados: muito pouca munição de artilharia, praticamente a dotação para 1 dia de fogo de uma única bateria, e outras miudezas.

Durante o período coberto pelo relatório de Insfran, parece que o esforço da “fábrica” se concentrava na moldagem da hélice para o vapor Iberá. Tudo muito pequeno, muito incipiente.

Tasso Fragoso, com base na informação de Taunay, engenheiro, relata: “Pelo vale do Pirayú desenvolve-se uma linha férrea, a única que o Paraguai contava naquele tempo, cujo ponto inicial é Assunção, e no qual havia tráfego até Paraguari (numa extensão, segundo Taunay, de uns 72 km). Daí por diante, até Sapucaí, distante três léguas, o leito estava em preparação.” (10)

Uma linha telegráfica acompanhava a estrada de ferro e outra ligava Assunção a Humaitá.

Verifica-se que o Sr. Chiavenatto amplia de forma desmensurada toda essa incipiente base econômica. Vamos analisar alguns trechos específicos da sua arenga socialista: “Toda esta riqueza, em mãos do Estado, obtida em regime de produção comunitária, numa espécie de cooperativismo socializado (...) é apenas um aspecto da infra-estrutura econômica do Paraguai. López, pai, soube como aprimorar o rudimentar esforço sócio-econômico herdado de Francia e, mais que isto, soube como implantar na pequena República um nacionalismo autêntico que o livrou de indústrias de base com predomínio do capital inglês; aliás, ele construiu uma indústria de base, modeladora do progresso, com domínio total e absoluto do Estado - o que no Paraguai da época equivale a dizer: a serviço do povo”. (Os negritos são nossos).

Mente, por certo, ao referir-se a “toda esta riqueza”, dando a impresssão de volume e diversidade completamente inexistentes. Em Economia classifica-se como riqueza todo o produto do trabalho humano, independentemente do seu valor. Porém, o conceito corriqueiro de riqueza é: aquele conjunto de bens que não só satisfaz às necessidades do consumo humano como as excede, permitindo as trocas. Ninguém é rico se nada lhe sobra. Ora, o Paraguai produzia para um consumo interno muito pouco exigente e, aquele pouco que sobrava, de um produto desvalorizado no mercado externo, a erva-mate, após as trocas, não resultava em bem estar para o povo paraguaio. O Estado, que se confundia com a pessoa do ditador, e o Tesouro Nacional, também

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gerido como patrimônio familiar do ditador, eram os beneficiários das trocas externas, que ele convertia em armas, navios, propaganda e pagamento de diplomatas e técnicos estrangeiros a seu serviço, além das instalações já examinadas.

Mente ao falar de uma “indústria de base”: uma simples forja com uma produção insignificante, que gastou todo um mês para produzir uma hélice de navio. A “Fábrica de Ferro” estava livre do predomínio do capital inglês, por certo, mas não dispensou o concurso de muitos artífices ingleses que lá trabalharam, como de resto ocorreu no Arsenal, na Fábrica de Pólvora e no Estaleiro. Aliás, o Tacuary, que era o único navio de guerra fluvial paraguaio, foi adquirido por Francisco Solano na Inglaterra, seus maquinistas (bem como os dos demais navios) eram ingleses também, além do comandante de fato desse barco. Foi este quem ponderou ao general, filho de Carlos López, à saída de Buenos Aires, ao ser cercado por duas belonaves inglesas (caso Canstatt, já referido), que não poderia combater contra a bandeira do seu país, pois seria processado por traição. E o general voltou para o porto.

Distorce o Sr. Chiavenatto ao falar de cooperativismo socializado. Nem cooperativismo, nem socializado era o regime da produção agrícola e de extrativismo vegetal. No Paraguai, já vimos, o ditador e a sua fortuna pessoal se confundiam com o Estado e o Tesouro, de sorte que, ao comprar por 1 xelim a libra-peso de erva-mate (veja bem: comprar, não pagar por serviço) e revendê-la por 28 a 32 vezes mais, como também já vimos, estava o ditador explorando o seu próprio povo, com uma ganância da qual não se aproximariam os ingleses em lugar nenhum do mundo. Não se tratava de um Estado socialista, que detivesse os meios de produção e o capital: era o tirano quem explorava o miserável povo e, quando produzia diretamente, como no caso da “Fábrica de Ferro”, visava apenas ao atendimento dos seus interesses bélicos. Se uma ou outra enxada foi produzida em Ibicuí, o foi como produto marginal, e não principal, da forja.

Não conseguimos conferir o dado do Sr. Chiavenatto sobre a exportação de fumo paraguaio, cuja produção teria atingido 7.000 toneladas (este cita o dado em quilos para causar espanto pela cifra dos milhões). Trata-se de um dado que, como os demais, não cita a fonte, que se deve buscar averiguar, porque não havia nenhum motivo para os europeus preferirem a produção paraguaia à das suas colônias.

Quanto às importações brasileiras e argentinas, especialmente as brasileiras, elas ocorriam em escala crescente, principalmente por causa do aumento em volume e valor de nossas exportações. Não havia a dependência total que afirma o Sr. Chiavenatto. É importante lembra-se que na época isso trazia vantagens econômicas e bem estar à população, e que foram, afinal, os capitais gerados com a exportação de café, por particulares, diga-se de passagem, que viriam, mais tarde, a deflagrar o processo de substituição de importações, a partir da Primeira Guerra Mundial, colocando o Brasil no rol dos países industrializados, sem que fosse necessário recorrer-se ao nefasto socialismo ou a uma tirania “a la paraguaya”.

Aliás, nenhum registro existe de que Carlos López tivesse cogitado da tal idéia socialista, como já vimos, também, com o seu antecessor.

Vamos reafirmar: o Estado paraguaio, que era o ditador, desejava apenas fortalecer-se face aos seus vizinhos e impor-se à Nação. Para tanto, tratou de: 1o.) gerar recursos, pelo confisco de bens de particulares e pela exploração do trabalho popular; 2o.) adquirir o material bélico de que necessitava, fabricando alguma coisa no país, porque sabia que sua posição geográfica assim lhe impunha, pois um simples bloqueio

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do Rio da Prata impediria qualquer importação. Tinha, portanto, de fabricar pelo menos parte da munição, armas brancas e canhões antiquados, além de pequenas embarcações, ficando em condições de reparar esse material.

Por outro lado, sugerir que esse esforço em fortalecer-se pudesse desequilibrar, no primeiro instante, suas relações com o Brasil e a Argentina, é valorizá-lo em demasia. Quando Carlos López teve que enfrentar a ameaça à independência do seu país, por parte do ditador argentino Rosas, foi ao Brasil que recorreu, e nós lhe mandamos engenheiros para planejar suas fortificações e instrutores para adestrar o seu exército, além de armamento portátil, artilharia e munições. E não fosse nossa ação decisiva em Monte Caseros, provavelmente Rosas teria incorparado o Paraguai à Argentina. (11)

A afirmação: “é evidente que o Paraguai era um perigo para a civilização inglesa”, carece de seriedade. Como poderiam os guaranis atingir os ingleses? Pela produção agrícola? Pecuária? Industrial? Ridículo. Pelo isolamento que pudesse constituir um modelo para os vizinhos, com perda de mercados para Albion? Tolice. Ninguém anda de marcha a ré, podendo ir em frente. Então, o que? Nada, fantasias marxistas do Autor que insiste em ver uma exemplar concepção socialista onde só houve tirania, abuso, fraude, crime, estagnação. Aliás, foi por aí, sem querer, que os ditadores paraguaios se fizeram admirar pelos comunistas.

Tem mais um resto de bobagens: “o progresso paraguaio (...) exporta madeiras, produz louça fina, exporta salitre, ergue fábricas de pólvora, papel e enxofre”. O que encontramos nos registros reduz muitíssimo esse “progresso”: um volume praticamente desprezível de toras de madeira em bruto desce, às vezes, rio abaixo, para a Argentina; nada se diz sobre louça, grossa ou fina (gostaria muito de ver um exemplar!); sabemos de uma fábrica de pólvora, na época uma simples mistura de salitre, enxofre e carvão, como ainda a fabricam os nossos fogueteiros do interior. Papel? Havia carência no Paraguai. Como exportá-lo? Além do mais, o que chamamos papel nunca lá foi produzido, apenas obtido pelo desmanche de livros para fazer baralhos, como ocorreu no tempo de Francia.

A fim de dar mais ênfase ao “progresso” da era Carlos López, a fabricação de enxofre, salitre (esqueceu o carvão) foi separada, como se fossem, por si sós, produtos finais e, depois, citou-se a fabricação de pólvora, que é na verdade o produto final obtido pela combinação desses três insumos. Para quem não conhece o processo rudimentar do fabrico da pólvora, tal maneira de apresentar as coisas pode causar impressão de uma grandeza inexistente. Presumo que o carvão foi esquecido porque o processo da sua obtenção é muito simples e bem conhecido, e a notícia de “fábricas de carvão” poderia por a nu a falsidade da ampliação.

Cita Bermejo, que relata não haver ladrões no Paraguai da época. Ora, havia um, tão criminoso que impedia qualquer concorrência: o ditador, que “seguiu o sistema de punir com extrema severidade, sem demora e em ato contínuo ao delito: reputava um crime qualquer, oposição ao governo ou administração”. (12) O tirano podia mandar fuzilar por um simples roubo, muitas vezes mal apurado, ou fazendo pagar toda a população do local quando não se chegava logo a alguma conclusão. Isto não era justiça. A gente paraguaia, moralmente desassistida, não tinha noção do que ela fosse, mas, autores comunistas , buscam exaltar situações moralmente condenáveis como esta a fim de incutir a idéia de que não havia roubos porque havia abundância de bens para todos, proporcionada pelo Estado que, pretendem, fosse socialista.

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Por fim, a última citação deste item carregado de idealismo comunista retrógrado, que pode merecer alguma análise: “as origens da Guerra do Paraguai, que germinavam desde o início do século, começam a tomar contornos nítidos na medida em que o povo guarani consegue consolidar seu progresso”.

Podemos resumir as origens da guerra, suas causas remotas, da História do Paraguai: O Vice-Reinado do Prata compreendia o espaço hoje ocupado pela Argentina, Paraguai, Uruguai e parte da Bolívia e do Rio Grande do Sul. Após marchas e contramarchas, o Rio Grande do Sul ficou inteira e definitivamente integrado ao Brasil, ainda durante a existência daquela dependência espanhola. Em 1810 estourou a revolução de independência no Prata: Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia se organizaram em Estados independentes. A Argentina sofreu um doloroso processo de rebeldia de suas provincias mais ao norte. Em 1817, Portugal determinou a ocupação da cidade de Montevidéu e, em 1823, após sua independência em 1822, o Brasil anexou o Uruguai sob a denominação de Província Cisplatina. Foi um período extremamente tumultuado, e o Uruguai permaneceu brasileiro até 1829.

O Uruguai, logo após a independência do Prata, constituiu, com as províncias de Entre Rios e Corrientes (Argentina) uma confederação independente, exigindo do Brasil uma guerra contra Artigas, o caudilho uruguaio.

O que “germinava desde o início do século” era a política paraguaia, que podemos dividir em três etapas, segundo cada um dos governos despóticos lá estabelecidos.

Sob Francia, caracterizou-se pelo isolamento ativo. Em seguida, Carlos López abre em parte o isolamento e inicia o equipamento do exército, a constituição de uma flotilha fluvial e a construção de fortificações à margem esquerda do Rio Paraguai, destinadas a barrar o caminho natural para Assunção; manda seu filho numa ridícula missão diplomática à Europa, e troca ministros com as potências da época. Seu filho, Francisco Solano, ao assumir a herança, tenta atrair uma aliança com Entre Rios e Corrientes, namora o Uruguai, sob os blancos, e pretende adaptar a teoria do equilíbrio, que aprendera na Europa, à realidade platina, formulando uma teoria própria do “equilíbrio do Prata”, na qual o Paraguai seria o elemento equilibrador.

O rompimento de tal “equilíbrio”, em 1864, com a intervenção do Brasil no Uruguai, segundo entendeu Francisco Solano López, foi o motivo por ele alegado para invadir as províncias brasileiras de Mato Grosso e do Rio Grande do Sul, e mais a Argentina, além de ameaçar o governo colorado que apoiava a ambos no Uruguai, desafiando, assim, os três países sucessivamente. Parece que o terceiro ditador intentava constituir um império sobre parte do território do antigo Vice-Reinado do Prata. Dizemos parece, porque López II não redigia planos de campanha ou de operações. Há, contudo, indícios de que pretendia alargar seus domínios e estabelecer, de vez, a sua autocrática estirpe guarani na região.

As forças brasileiras, e a nossa diplomacia, haveriam de enfrentar a invasão paraguaia com o mais absoluto sucesso. Isto é um suplício para os internacionalistas-comunistas-ateus que, como o Sr. Chiavenatto, não podem suportar as glórias de um povo católico e do seu regime monárquico, civilizado, autêntico, patriótico e benfazejo.

à medida em que o Autor for tecendo sua teia de mentiras e marxismo (será que não se pode reduzir tudo a pura e simples mentira?) iremos, com as limitações impostas pelas circunstâncias, apresentando os detalhes dessa magnífica epopéia do povo brasileiro, sob a autoridade bondosa de D. Pedro II.

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Vamos concluir este item, sobre o “progresso” paraguaio, com Tasso Fragoso: “Dos três povos platenses de origem espanhola, o paraguaio é, sem dúvida, o mais atrasado. A reclusão em que foi mantido por longos anos pelos seus dominadores, libertou-o das lutas internas que dilaceraram os vizinhos do sul, mas em compensação estorvou-lhe o progresso e freou-lhe as energias. Sem comércio, sem indústria, sem imigração e quase sem cultura, o heróico povo está fatalmente destinado a ser instrumento dócil e quase inconsciente nas mãos do tirano, até que recobre a sua merecida liberdade e se emparelhe com os seus irmãos do mesmo continente.” (13)

12 - Onde está a Classe Dirigente? - Resposta: morta ou desterrada por Francia, está claro que ela não existia na

época de Carlos López, e que não seria formada por sua maneira de governar. Por que não mandou buscar os paraguaios cultos que se encontravam no exterior, particularmente em Buenos Aires? Por que não abriu escolas superiores? Mas, não. “López não era amigo da ilustração. Ele próprio era um homem atrasado e com ninguém se aconselhava. Não havia parlamento no Paraguai, nem opinião pública, nem imprensa que a ilustrasse; tampouco existiam instituições superiores em que a juventude adquirisse os conhecimentos necessários à vida pública.” (14)

Carlos López foi sentir, verdadeiramente, a falta de quadros nacionais quando, com a ajuda decisiva do Brasil, estabeleceu relações diplomáticas com as potências da época. Teve que apelar para a contratação de estrangeiros que fizessem o papel dos diplomatas que não possuía. E nem é preciso comentar as inconveniências deste procedimento. O que fica claro é que não foi a “própria dificuldade do reconhecimento político do Estado paraguaio” que “contribuiu para que não surja uma diplomacia de grande nível”. Ao contrário, foi por falta de quadros que não pôde formar uma diplomacia própria. Veja-se no que deu a política de perseguição aos cultos e aos ricos, desde Francia, tão louvado pelo Autor. A verdade é que, não fosse o Brasil, o Paraguai teria ficado sem ser reconhecido internacionalmente e caminharia fatalmente para a anexação pela Argentina.

Neste ponto, o leitor que acompanha esta refutação com a leitura do item correspondente na obra do Sr. Chiavenatto, vai concordar conosco sobre a dificuldade e inutilidade de se rebater linha por linha a enxurrada de sua propaganda comunista. Difícil pelo baralhar constante das idéias, repetição, desordem da exposição e pela falta de lógica, sem falar no impreciso jargão comunista. A dificuldade não consiste na refutação, mas no espaço disponível, sobretudo. Assim, daqui para a frente, iremos passando por cima das repetições e não nos deteremos a encontrar a lógica ou a apontar as contradições, quando não forem relevantes, buscando, sim, as idéias centrais de cada item, ou mesmo de um capítulo inteiro, a fim de abreviar o que já está se tornando perda de tempo com um texto tão ruím. Por outro lado, não sou, e aqui falo na primeira pessoa do singular para realçar minha responsabilidade, o advogado conveniente à defesa do nome do Brasil. Sou movido, como soldado, apenas pelo acendrado amor a esta terra, herança de sangue que meus instrutores na Academia Militar souberam transformar em ações conseqüentes. Tendo jurado defender nossa Pátria mesmo com o sacrifício da própria vida, e dedicar-me inteiramente ao seu serviço, vejo que esta defesa nem sempre se faz face ao declarado inimigo externo, mas, por vezes, contra o solerte inimigo

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interno. E na falta de defensores mais capacitados, que corram a combater a traição, troco de bom grado as armas pela caneta e me entrego à luta. O Brasil e os nossos antepassados é que não podem ficar sem, pelo menos, um esboço de defesa. Muito me agradaria se o golpe decisivo viesse a ser dado por um compatriota competente.

Mas, vamos em frente. Portugal, pelo célebre Tratado de Tordezilhas, recebeu as terras brasileiras situadas a leste da linha imaginária que hoje liga Belém, no Pará, a Laguna, em Santa Catarina. E, tendo decidido formar aqui um país perfeitamente delimitado por fronteiras naturais, com as vizinhas terras espanholas, tudo isto após os reconhecimentos necessários, formulou a sua política territorial para o Brasil, que consistia em: no sul, levar suas fronteiras à embocadura do Prata e, ao norte, à embocadura do Amazonas. Pelas informações recebidas dos índios, mais tarde, e confirmadas por uma bandeira que durou cinco anos, verificaram os portugueses a existência de uma verdadeira costa interior, com a ligação das bacias platina e amazônica, no platô denominado Serra dos Parecis.

No sul, tivemos que combater para nos debruçarmos sobre o Prata. Lá plantamos a Colônia do Sacramento, na margem esquerda, defronte a Buenos Aires, que passou para mãos dos espanhóis e seus descendentes e a nós, portugueses e brasileiros, retornou várias vezes. Foi durante o domínio espanhol, quando as coroas da Espanha e de Portugal se juntaram, de 1580 a 1640, que o território comum foi mais trabalhado pelos portugueses e brasileiros.

No norte avançou-se, como a oeste, até a costa interior, ou mesmo além. Abriu-se uma rota que demandava o Peru, pelo interior do continente. Era percorrida pelos “peruleiros”, brasileiros que iam comprar ouro e prata naquelas paragens. (15) Pedro Teixeira subiu o Amazonas em 1638, regressando no ano seguinte, quando “tomou posse em nome da coroa de Portugal, das terras que para o oriente se estendiam até beira-mar”. (16)

Se, ao sul, os portugueses e seus descendentes não conseguiram, afinal, manter a fronteira no Rio da Prata e, subindo por ele levá-la pelo Paraná-Paraguai, ao norte fomos muito além da embocadura do Amazonas até o afluente que se liga com a bacia platina: quase chegamos aos Andes, e acabamos levando a fronteira até a linha de elevações que bordeja, desde o noroeste até o Amapá, a imensa amazônia brasileira. Em território ganhamos muito mais do que pretendíamos.

Porém, o Uruguai, povoado em maioria por descendentes de espanhóis, haveria de constituir-se em um “punctum dolens” para as nossas diplomacia e armas. Contudo, lá tínhamos interesses legítimos.

Durante certo período, o Uruguai foi uma província do Brasil Reino Unido e, depois, do Império. Brasileiros lá tinham se estabelecido, casado, criado descendência. Como se desinteressar da sua sorte? A Inglaterra, por muito menos, mantinha ativa vigilância na foz do Prata. Se o Uruguai não ficasse conosco, interessava-nos que não ficasse, também, com a Argentina, constituindo-se em um Estado neutro, a fim de que tivéssemos assegurada a navegação Prata acima e a ligação fluvial com Mato Grosso, além de isolar o Rio Grande do Sul da turbulência argentina.

Cremos não ser necessário se insistir mais em rebater a afirmação de que “as causas fundamentais para a destruição do Paraguai (...) são nitidamente econômicas”. No momento oportuno trataremos, porém, da “destruição”.

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13 - Carlos Lópes empurra o Paraguai para a Guerra “ (...) o Brasil imperial sempre pretendeu os territórios que com a guerra acabou

conseguindo (...)”, lastima o Autor mal informado, ou de má fé.

Ora, o Brasil não pretendeu nada além das terras que lhe pertenciam de direito, por herança portuguesa em limites tratados com os seus vizinhos espanhóis. Ouçamos Rio Branco (17): “Houve desinteligências durante o domínio do general Rosas na Confederação Argentina. Ameaçada a independência do Paraguai por esse ditador, estreitaram-se as relações de amizade entre os governos do Rio de Janeiro e Assunção, e já dissemos, em uma das notas anteriores que o único governo com que o Paraguai admitia relações desde 1816 era o do Brasil. Durante o governo de Rosas estreitaram-se essas relações, reconhecendo solenemente o Império a independência do Paraguai, promovendo o mesmo reconhecimento por várias potências da Europa e da América, e enviando a Carlos López armamento, artilharia, munições, engenheiros e oficiais instrutores para seu exército. Foram oficiais brasileiros os que delinearam e começaram a construir as primeiras fortificações da tão célebre Humaitá. Tudo isso fazíamos porque Rosas preparava-se para a conquista do Estado Oriental e do Paraguai e trazer-nos depois a guerra. Dirigidos por essa política celebramos com o Paraguai, o tratado de aliança defensiva de 25 de dezembro de 1850. O objeto principal desse tratado era a defesa do Paraguai dado o caso de um agressão por parte de Rosas, mas o governo imperial não se descuidou dos interesses da navegação, e estipulou que a aliança tinha por fim não só a defesa recíproca dos dois Estados contra o ditador, como obter a livre navegação do Paraná até ao Rio da Prata. Celebrada em 1857 a aliança entre o Brasil, o Estado Oriental e as províncias argentinas de Entre Rios e Corrientes, contra o ditador de Buenos Aires e seu lugar tenente Oribe, convidamos o Paraguai para tomar parte nessa amizade, não só pela necessidade de sua cooperação, mas como garantia do futuro reconhecimento de sua independência pelo governo argentino. O governo paraguaio não concorreu com um soldado para essa guerra, alegando que sua aliança com o Império era defensiva e não ofensiva, e contentou-se em participar dos resultados obtidos pelos aliados com a vitória de Caseros. O direito por nossa parte ao livre trânsito para Mato Grosso ficara reconhecido pelo tratado de 25 de dezembro de 1850, mas o Paraguai desconheceu-o logo, tornando-o dependente de novas estipulações e sobretudo do ajuste de limites, ao passo que se utilizava da abertura do Rio da Prata pelo Brasil, Estado Oriental e República Argentina. Foi nestas circunstâncias que o governo imperial enviou a Assunção um encarregado de negócios para reclamar o exercício da navegação a que tínhamos direito, regulá-lo do modo mais conveniente aos dois países, e resolver a questão de limites, que o governo paraguaio ligava forçosamente à outra, se fosse possível obter a esse respeito um acordo satisfatório. Carlos López não quiz separar as duas questões, e sobre os limites pretendeu o que nunca pretendera: não aceitou mais as linhas que ele próprio propusera em 1844 e 1846, e nem a do Iguatemi, Serra do Maracaju e Apa, que desde então reclamávamos, e era muito mais favorável para o Paraguai que as primitivamente indicadas por aquele ditador. Compreendendo que para o Brasil a questão mais grave era a do livre trânsito para Mato Grosso, recusou-se obstinadamente a resolvê-la. Contava que deste modo seríamos forçados a fixar a linha divisória de acordo com as suas últimas pretensões. O nosso representante foi forçado a retirar-se de Assunção,

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pelo modo violento por que foi tratado. Seguiu-se a missão especial confiada ao mestre-de-esquadra Pedro Ferreira, que se apresentou nas Três Bocas com uma imponente força naval e tropas de desembarque. Esta missão tinha por fim obter satisfação da ofensa feita ao Império na pessoa do seu representante, e o reconhecimento do nosso direito ao livre trânsito pelo Rio Paraguai, quando não fosse possível chegar a um ajuste satisfatório sobre todas as questões. Chegando às Três Bocas a nossa esquadra, Carlos López fez anunciar que estava pronto para uma negociação pacífica, mas que se lhe evitasse a presença de uma força estrangeira, que tornaria impossível qualquer acordo amigável (18). Pedro Ferreira confiou demasiado nessas declarações, e subiu só até Assunção, contentando-se com um tratado de navegação e comércio que seria aceito se pudesse ter logo execução, mas por uma cláusula ficava dependente do ajuste de limites. O governo imperial não ratificou essas convenções (era ministro de negócios estrangeiros o Sr. Visconde do Rio Branco, e presidente do Conselho o Marquês do Paraná). A missão do Sr. conselheiro J. M. do Amaral não foi mais feliz: Carlos López obstinava-se a não chegar a acordo algum. Finalmente em 1856 apresentou-se no Rio de Janeiro o ministro Berges. Parece que a nota brasileira em que se comunicava a não ratificação dos ajustes por Pedro Ferreira, e os preparativos de guerra que começamos a fazer produziram alguma impressão no ânimo de Carlos López. Depois de longas conferências o Visconde do Rio Branco e Berges assinaram o tratado de 6 de abril de 1856, concordando afinal o Paraguai em adiar a questão de limites. Este tratado, porém, foi de fato anulado depois pelo Paraguai e tivemos que concentrar forças na fronteira, indo a Assunção o Sr. Visconde do Rio Branco. Felizmente pôde este, pela convenção de 12 de fevereiro de 1858, fixar a verdadeira inteligência do tratado de 6 de abril, sendo revogados os regulamentos que vexavam a navegação, e consentindo Carlos López em abrir o Rio Paraguai a todas as bandeiras. Daí em diante as nossas relações tornaram a ser amigáveis, até que surgiram em 1863 e 1864 os acontecimentos do Estado Oriental, Solano López começou a guerra em 1864.”

Tenta o Sr. Chiavenatto vender a idéia de que o Brasil se empenhava em abrir à livre navegação a via fluvial Prata-Paraná-Paraguai para atender a interesses econômicos ingleses, sobretudo, e, secundariamente, os seus próprios. Os limites, também, seriam uma questão menor.

Ridículo é essa tentativa marxista de reduzir-se todas as questões ao fato econômico, ainda mais por procuração: Inglaterra através dos seus satélites ou subimpérios.

A verdade é esta: as questões não tanto econômicas, mas sobretudo administrativas da sua ligação fluvial com Mato Grosso e da fixação dos limites, com urgência para a primeira, foram se transformando, para o Brasil, em questões de honra e de direito, pois víamos a nossa generosidade e cavalheirismo serem retribuídos com picuinhas inaceitáveis. Considere-se, também, que ideologicamente haveria muito maior afinidade entre Carlos López, deista, anticlerical e um tanto nacionalista, e a Inglaterra protestante. Já entre a Inglaterra e o Brasil, país oficialmente católico, evidentemente satisfeito com o tamanho e a configuração do seu território, e moderado no trato com os vizinhos, os laços situavam-se em outros campos. Por certo, o Brasil era um mercado interessante para a velha Albion, inclusive para os seus capitais. Mas, daí querer enxergar uma luta Inglaterra versus Paraguai, com o Brasil como procurador da “City”, é forçar demais, mormente se nenhuma prova da assertiva é apresentada, somente a indigesta manipulação semântica.

E não foi Carlos López quem não percebeu que “a Guerra do Paraguai já se

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delineava”. A guerra quase foi deflagrada pelo atraso do próprio López, mais de uma vez. Queria o ditador tratar o Brasil como tratava o seu próprio povo. Tivesse o governo imperial mandado Tamandaré, ao invés de Pedro Ferreira e o mal, provavelmente, teria sido cortado pelo raiz.

14 - Diplomacia: reflete o Grau de Civilização de um Povo A diplomacia não é uma atividade irrelevante, como parece sugerir o Autor no

emaranhado da sua dialética. E a diplomacia brasileira sempre brilhou no continente e no resto do mundo, por força da herança portuguesa, do esmerado preparo dos seus diplomatas, de uma vigorosa tradição de negociação dos interesses externos do país e, como fator de relevante preponderância, da unidade do pensamento brasileiro com respeito às relações exteriores, marcado pela monarquia.

Como poderia o Paraguai pensar em contrapor-se à diplomacia brasileira se carecia de quadros, se praticamente todos os seus homens instruidos se encontravam fora do país? Vamos ver que, mesmo após a guerra, com o regresso dos paraguaios ilustrados, sua diplomacia capengou. Diplomatas não se improvisam.

Evidentemente, o Paraguai abusou, nas suas relações com o Brasil, da sua condição de aprendiz de diplomacia. O governo imperial tolerou impertinências e malcriações dos seus semi-bárbaros governos, por conta do seu poder relativo. Preferiu, sempre, o caminho da negociação, mesmo tendo de enfrentar um tratamento que constantemente raiava ao agravo.

A missão Pedro Ferreira, incumbida de um desagravo, foi cercada pelo governo da época de “um aparato inútil e dispendioso porque o chefe dessa imponente força naval não tinha ordens terminantes para apoiar a canhonaços as suas reclamações. O presidente da República do Paraguai parece que não ignorava as instruções daquele militar e diplomata e, por isso, não se mostrou apreensivo com as notícias que se espalhavam no Rio da Prata de que afinal o Brasil cansara de suportar a inqualificável conduta do seu vizinho.” (19)

“O chefe-de-esquadra Pedro Ferreira de Oliveira chegou a Montevidéu a 15 de dezembro de 1854, a 22 de janeiro 1855 deixou esta cidade e seguiu para Buenos Aires. No dia 25 zarpou de Buenos Aires, a 12 de fevereiro aportou na capital de Corrientes e a 18 continuou para as Três Bocas, que alcançou às 11 e meia da manhã de 20.

“Ao aproximar-se de Cerrito recebeu um ofício do comandante da polícia do Rio Paraguai, em que este lhe declarava “que não haveria inconveniente algum em sua subida até Assunção, uma vez que se dirigisse em missão pacífica e diplomática, e neste caso convidava-o a que fizesse conhecer, por uma nota ao Ministro das Relações Exteriores da República, o seu caráter político, como era de estilo em tais casos.” (20)

“O chefe da força brasileira dirigiu-se por escrito ao Ministro das Relações Exteriores, comunicando-lhe a natureza da sua missão e mais que ‘se findo o prazo de seis dias, não obtivesse resposta, seguiria para Assunção’.

“O ministro Jose Falcón respondeu estranhando o aparato belicoso com que se apresentava o representante do Império: ‘Semelhante forma de missão diplomática’ -

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disse ele - ‘quando não procede reclamação alguma a que o Paraguai tivesse desatendido, é insólita, injuriosa, ofensiva e humilhante sem necessidade.’ Mas ajuntava depois: ‘Suposto que com o simples apresto e armamento se fazem já ao governo paraguaio e à República uma injúria e ofensa gravíssima, Sua Exa. o Sr. Presidente da República, cedendo ao desejo que o animam de conservar relações amigáveis e benévolas com o Brasil, se esquece dessa injúria e está pronto a receber V. Exa. e a entrar em uma discussão em negociação pacífica, se V. Exa. quiser mandar sair fora das águas da República a esquadra do seu comando e subir a Assunção no navio que o conduz, na inteligência de que esta concessão se faz em favor de V. Exa. por considerações particulares para com o Império.” (21)

“Pedro Ferreira submeteu-se ‘para dar provas dos sentimentos pacíficos e conciliatórios que o animavam.’ No dia 14 de março chegava a Assunção e dava início à missão de que estava encarregado. Tratou, primeiro, de liquidar o incidente ocorrido com o encarregado de negócios do Brasil, Filipe José Pereira Leal. Trocou idéias com o ministro dos estrangeiros da República. Não se satisfez, porém, com as explicações dadas por ele ‘de que estava longe do pensamento do Presidente querer ofender no menor ponto a alta dignidade e decoro de Sua Majestade o Imperador, nem romper ou alterar as relações amigáveis entre os dois governos.’

“Afinal, concordou que estas mesmas explicações seriam aceitas (constavam da Nota de 14 de abril de 1855), mas completadas com uma salva de 21 tiros dados à bandeira brasileira arvorada em terra e com a publicação, em um dos jornais do país, ‘da maneira honrosa e amigável para ambos os governos pela qual se punha termo à desinteligência procedente da despedida do encarregado de negócios do Brasil.’ E assim se fez. O governo paraguaio deu a salva de 21 tiros ao pavilhão brasileiro; mas, afirma Benites, “arvorada em terra ao lado do pavilhão paraguaio.’ (22)

“Terminada essa fase preliminar, Pedro Ferreira começou as negociações para a formulação de um tratado.” (23)

O resto da história já sabemos, pelo Barão do Rio Branco. Aliás, convém lembrar que o Sr. Chiavenatto erra ao referir-se a este como prosseguidor das negociações e limites com o Paraguai. Foi seu pai, o Visconde, que lá esteve, levando do seu civilizado governo instruções que diziam: “Não é duvidoso para o governo imperial o triunfo de nossas armas em uma luta com o Paraguai, atentas as forças de que podemos dispor; a guerra, sem embargo, deve ser o último recurso entre povos civilizados. É esta a política que o governo imperial seguirá sempre em todas as questões internacionais. Proceder de outro modo para com o Paraguai seria não só uma aberração inexplicável dessa política, senão também uma prova de vacilação já nos princípios que determinaram o governo imperial a promover a independência deste Estado, já na apreciação dos interesses comuns que existem entre ele e o Brasil.” (24)

Na obra da traição lemos, entretanto, que: “esse serviço de comunicação fluvial, porém, tem outra subtil conotação: serve principalmente aos interesses ingleses.”

Argumentamos assim: se o livre trânsito por todos os rios navegáveis não fosse do interesse de todos os povos civilizados, desejosos de expandir seu comércio e fazer intercâmbio cultural com o resto do mundo, particularmente por parte das nações com vocação marítima e comercial, como a Inglaterra, não seria, por certo, das nações isolacionistas, atrasadas e com vocação para o auto-aniquilamento como foi o Paraguai durante seu tri-ditatorial governo. Afirmar que a livre navegação do sistema fluvial

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Prata-Paraná beneficiava principalmente a Inglaterra já era uma flagrante inverdade, mesmo na época do seu estabelecimento. Os principaís beneficiários, na ordem decrescente, no que tange ao comércio, mostrou-nos a experiência, acabaram sendo a Argentina, o Paraguai e, depois Mato Grosso. No que tange às necessidades político-administrativas, sem dúvida, o Paraguai ainda deteve a primazia, seguido do Brasil e Argentina. Basta olhar o mapa da América do Sul para fazer-se a constatação. A Argentina detinha a foz do sistema e parte do Paraná, e poderia completar por terra as ligações necessárias; o Brasil, em que pese constituir a via fluvial ligação natural e mais cômoda com Mato Grosso, seu bloqueio poderia ser contornado por terra. Hoje em dia, as ligações ferroviária, rodoviária e aérea, praticamente fizeram-nos abandonar a via fluvial. Mas o Paraguai, não. É um Estado mediterrâneo, sem vias de acesso próprias até o mar. É dependente de acordos de passagem pelos territórios ou rios dos seus vizinhos. Agora, assentadas as cabeças dos seus dirigentes, além da via fluvial assegurada pela Argentina e Brasil, dispõe de um corredor rodoviário que transpõe o Rio Paraná em Foz do Iguaçu e vai terminar em Paranaguá, onde goza de facilidades portuárias. E essa rodovia, no interior do Paraguai, foi construída por brasileiros, uma missão de engenheiros militares semelhante àquela que lá esteve nos tempos de Carlos López.

Ainda com relação à missão Pedro Ferreira, é importante registrar-se que nunca houve o deslocamento de dois exércitos para a fronteira. Se ocorreu uma concentração em Bagé, das forças do sul, isso era um fato mais do que corriqueiro. Era uma espécie de apronto operacional que todo exército realiza nos momentos de tensão internacional. Já em Mato Grosso, a reduzida guarnição, dispersa por seu imenso território, não permitia nem mesmo uma concentração. O Autor fala como se dispuséssemos de meios militares vultosos e facilmente deslocáveis, para depois reduzir a missão Pedro Ferreira a uma situação entre a covardia e a incompetência total.

Verdade seja dita: teria sido melhor não se ter levado uma flotilha às Três Bocas (região da confluência dos Rios Paraná e Paraguai) já que era para não se usar a força. Vimos como Carlos López trapaceou, mas, pelo menos a parte mais importante da missão foi cumprida: houve o desagravo ao Brasil com a salva à sua bandeira, em terra, e a publicação de uma nota em jornal, o que provavelmente não teria ocorrido se nossos navios de guerra não estivessem lá.

Vamos prosseguir, catando mais uma inverdade: “ceder às reivindicações expansionistas do Império do Brasil significaria praticamente perder metade do território paraguaio. As reivindicações do Império por seu lado, não se basearam nunca em fatos concretos.”

Pois, vejamos: o Brasil nunca fez ao Paraguai reivindicações expansionistas, apenas tratou de ajustar suas fronteiras com o Estado vizinho, nas linhas tradicionalmente aceitas pelos antigos impérios português e espanhol, dos quais herdamos, respectivamente, nossos territórios.

A fase de expansão territorial, isto é, o rompimento do meridiano de Tordezilhas, já era fato histórico consagrado por tratados celebrados entre nossos avós, bem antes da emancipação sul-americana. Os tratados, concertados sobre os mapas disponíveis na época, precisavam ter suas linhas perfeitamente identificadas no terreno, isto se chama ajustar.

Por outro lado, o Paraguai, pretendendo ajustar um tanto acima ou abaixo tais linhas, não poderia vir a ganhar, nem perder “praticamente metade do seu território”,

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posto que tal extensão não estava em jogo.

Finalmente, somente para refutar essa onda de asneiras responderemos à afirmação de que “as reivindicações territoriais do Brasil, digo, do Império (o Autor busca, sempre, identificar o império, regime vigente no Brasil, com o imperialismo, expressão de cunho marxista referente a uma economia forte e dominante sobre outra fraca e dominada) não se basearam nunca em fatos concretos”: ora, os mais estudiosos sabem que as pretensões brasileiras sobre limites, em prosseguimento à tradição diplomática portuguesa, baseou-se, sempre, no princípio do “Uti possidetis”. Um princípio sempre invocado, ao longo dos séculos, não é um fato concreto? Ajude-nos um eminente historiador argentino: “las naciones de América invocan siempre como base fundamental de sus limites, aquelles que se hallaban en possesión al tiempo de su independencia. “Uti possidetis, ita possidetis”, como poseias, así poseerás”. (25) Quer dizer, nem só nós invocávamos, sempre, o “Uti possidetis”.

Na prática, o “Uti possidetis” foi empregado pela diplomacia brasileira a fim de considerar como parte integrante do território nacional todas as regiões onde se falasse o português, ou a terra desabitada pelos nacionais mas onde estivesse plantado o marco divisório de posse dos nossos ancestrais. Que fatos mais concretos poder-se-ia invocar? Conclusão: não existem, nas reivindicações territoriais sul-americanas, fatos mais concretos que os relacionados diretamente com o “Uti possidetis”.

Mas, sobre o “Uti possidetis” ainda existiam os tratados ancestrais. E creio que o Sr. Chiavenatto, como gostavam de dizer os escritores do passado, bebeu em fonte poluída, resultando disto ter metido os pés pelas mãos ao referir-se a fatos concretos.

Mas será que “fatos concretos” seriam somente documentos históricos, títulos de posse da terra? Neste caso, bastaria que ele estudasse, bebendo em fonte limpa, a evolução das nossas fronteiras, desde a bula “Inter Coetera” até o último tratado, celebrado entre aqueles que detinham o domínio desta banda do mundo, antes de passá-la aos seus sucessores, para encontrar, de sobra, tais títulos. (26)

Da nossa parte, julgamos que o direito de livre expressão usado pelo autor de “Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai”, ultrapassa qualquer limite que se tome por referência. É traição manifestada por um enorme ódio ao Brasil e que tem por objetivo a corrupção de mentes jovens e desprevenidas. Se fuzilamento e forca estão tão fora de moda quanto o patriotismo, seria o caso de banimento ou de exílio voluntário, por um mínimo de coerência.

O item em refutação, recheado de mentiras, ainda tem mais: a afirmativa referente à estratégia política definida como “delenda Paraguai”, executada por brasileiros e argentinos nos bastidores econômicos - “e dentro das lojas maçônicas inclusive” - merece um breve tratamento:

“Delenda Paraguai” não poderia ser um objetivo brasileiro. Destruí-lo, como? Suprimindo sua existência como Estado soberano, pela anexação? Não bastava a experiência da Cisplatina, quanto a uma nação de índole, lingua e costumes diferentes dos nossos? Permitindo à Argentina fazê-lo? Toda a política brasileira para a região sempre foi contrária à reconstrução do antigo Vice-Reinado do Prata, além de reconhecermos, formal e primacialmente o direito dessa gente guarani, de caracteristicas diferenciadas dos demais povos hispânicos, de manter-se independente. Exterminando os guaranis? Ninguém está autorizado a pensar tal coisa do Brasil, seja à vista dos documentos do seu governo da época, seja pela apreciação da opinião pública brasileira

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em todos os tempos. Então, o quê? Nada, apenas acertar com o Paraguai nossas questões de limites e navegação.

Na própria Argentina, onde a idéia da anexação custou a deixar a mente dos seus dirigentes, não se encarou, nunca, o Paraguai, como objeto de destruição, mas de adição ao seu patrimônio. Aliás, foi com essa idéia que, logo após a revolução de independência das nações hispânicas no Prata, Buenos Aires, em 1810, tentou submeter ao seu domínio o Paraguai: Belgrano invadiu essas terras sem encontrar resistência, até Paraguari, onde foi batido em 10 de janeiro de 1811, retrocedeu até o Rio Taquari, donde foi novamente derrotado, em 9 de março do mesmo ano.

E já vimos que o Brasil haveria de garantir a independência paraguaia contra Rosas, em 1850. E voltaria a protegê-lo, após a Guerra do Paraguai (1864-1870), contra as pretensões argentinas de incorparar ao seu território todo o Chaco, como veremos adiante, com maiores detalhes.

E as lojas maçônicas? É difícil saber-se, com precisão, qual a orientação que seguiram, em cada momento e em cada nação. Podemos, isto sim, levantar a estratégia maçônica para a América do Sul, naquela fase, nas suas linhas gerais. As táticas locais, as coberturas, os negaceios, pouco interessam a esta apreciação.

A estratégia maçônica consistiu em fomentar a independência das nações sul-americanas, de forma a quebrar o poderio dos dois impérios católicos: o português e o espanhol, evitando, contudo, a formação de grandes países católicos nestas bandas do mundo. No que toca à América espanhola, a estratégia foi bem sucedida, fazendo fragmentar até mesmo os Vice-Reinados, enquanto que a América portuguesa se conservou intacta, e o Brasil, por pouco, não leva ainda a Cisplatina de quebra, e chegamos, mesmo, a tomar a Guiana Francesa, devolvida por força dos interesses de Portugal. E, no entanto, aqui e ali existiam maçons. Onde falhou a maçonaria no Brasil? Não é objeto desta refutação. E quanto ao Paraguai? Por que destruí-lo, logo aquele povo que se mostrava tão independente, favorecendo à pretendida fragmentação maçônica? Não. A referência à maçonaria, aqui, é gratuita.

Ainda mais: “A necessidade do opressor destruir totalmente um povo livre para estabelecer o seu domínio foi cabalmentee expressa pelo Duque de Caxias, em carta ao Imperador Pedro II datada de 18 de novembro de 1867”, etc. Pois bem: pode o Brasil ser taxado de opressor depois de tudo o que já se viu? Evidentemente, não. O Brasil foi quase um pai para o Paraguai, que se portou como um filho adolescente rebelde e mal-agradecido. E teria o Brasil necessidade de destruir totalmente o povo paraguaio? Por quê? E por que somente os paraguaios e não, também, os argentinos e uruguaios, cujos caudilhos nos causavam seguidas contrariedades? E não fica evidente a contradição entre “necessidade de destruir totalmente um povo” e a finalidade declarada de “estabelecer o seu domínio?” Quem quer dominar um povo não o destrói totalmente, isto é, não o extingüe, pois não se pode dominar o que já não existe. Seria então para roubar-lhe o território? Os fatos comprovam o contrário. E quanto ao “povo livre”? Ora, depois da síntese da história do Paraguai, só podemos concluir (e é isto mesmo) que o conceito de liberdade do Autor não é aquele que definem os nossos dicionários, e é guardado no fundo da alma popular e na consciência de cada um de nós. Inútil qualquer aprofundamento.

Destaquemos a “carta” imputada ao nobre e valoroso brasileiro, modelo de soldado, súdito e homem público, que foi Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de

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Caxias. Nem seria o caso de perdermos tempo em refutar esse texto apócrifo, que logo à primeira vista nos grita ser uma completa falsidade, não fosse nos encontrarmos revestidos da paciência necessária ao esclarecimento, mesmo daqueles mais desavisados e despreocupados, dentre os nossos leitores.

É simples. Vejam: trata-se de “um folheto”, não de um documento, “traduzido do português”. Onde se encontra o original? Quem o leu? Quem a ele se refere? Nem uma só palavra. Em frente: o “folheto” encontra-se no “Museu Mitre”, em Buenos Aires. Ora, isto não lhe dá nenhuma autenticidade, e seria o caso de interpelarmos, no nível diplomático, a direção do museu por essa desnecessária descortesia para com um general que combateu numa aliança com a Argentina e, durante algum tempo, sob o comando-chefe do militar argentino que dá seu nome ao museu.

Quando examinarmos os “apêndices” da obra do Sr. Chiavenatto teremos oportunidade de voltar a essa “carta”. Por enquanto basta, nos parece, quanto ao seu conteúdo, informar aos leitores somente o seguinte: a redação da “carta” foi feita em estilo totalmente diferente daquela que conhecemos através da leitura da correspondência do Marechal; a linguagem utilizada é totalmente imprópria a um militar da dignidade de um Caxias; a proposta de paz desonrosa, em desacordo com a sua índole, a firme orientação de D. Pedro II e o estabelecido no Tratado da Tríplice Aliança. Se tivesse sido feita, importaria na imediata destituição de Caxias. E só para arrematar, por enquanto: todas as ações de Caxias, anteriores ou posteriores à data da “carta” diferem, radical e totalmente do estado de espírito nela demonstrado.

Já é tempo de fecharmos este item, e o faremos refutando as afirmações do Sr. Chiavenatto sobre Carlos López e o progresso paraguaio, sintetizadas na frase: “Carlos López deixa um país próspero e o mais progressista da América do Sul”, o que constitui o miolo de todo este 2o. capítulo. Assim, chamamos para depor o conhecido historiador paraguaio Cecílio Báez, que nos garante: “Das referências precedentes deduz-se que o Paraguai, quando morreu Carlos López, era um país atrasado, sem ilustração, sem indústrias e sem comércio internacional ativo. Esta última se confirma nos manifestos de carga dos vapores, publicados no “El Semanario” e com os quadros de Registros Estatisticos de Buenos Aires.” (27)

NOTAS: (01) Acrescente-se: se puderem.

(02) Isto é: sempre.

(03) Fosse o Paraguai uma monarquia, caberia a acusação de regalismo, mas, mesmo sem dispor do instrumento do padroado, e nem mesmo de uma concordata com a Santa Sé, que títulos tinha o governante do Paraguai para intrometer-se e cercear a Igreja e a consciência religiosa da nação paraguaia?

(04) Quer dizer: também exerce o poder judiciário!

(05) O que são os seus “ministros”, senão meninos de recados?

(06) Que espécie de “libertos” são esses? Considere-se que no Paraguai daquele

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tempo a espectativa de vida era baixa. Aos vinte e cinco anos os homens já teriam dado o melhor do seu vigor e, as mulheres, aos vinte e quatro, já teriam envelhecido pelo trabalho escravo; pelos filhos numerosos, desde a puberdade, e sem nenhum cuidado de saúde; pela promiscuidade; etc.

(07) Qual a necessidade desse dispositivo legal, se não houvesse o manifesto desejo de assim proceder, como veremos que realmente aconteceu: o Paraguai tornou-se, com Carlos López, e depois, com seu filho Francisco Solano López, um feudo da família López.

Toda a legislação aqui citada foi transcrita da obra de Thompson, já comentada no Cap. I, nota no.2.

(08) O Paraíso Perdido, John Milton, Ed. Tecnoprint, Rio, sem data.

(09) Mario Barretto, Op. Cit., Vol. II, documentos anexos.

(10) História da Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai, Gen. Augusto Tasso Fragoso, Biblioteca do Exército Editora, 2a. Ed., 1959, Vol. IV, p. 193.

(11) Apud nota do Barão do Rio Branco in Schneider, op. cit., Vol.I, p. 80.

(12) Schneider, op. cit., Vol. I, p. 100.

(13) Tasso Fragoso, op. cit., Vol. I, p. 113. Mais adiante, nas p. 194-196, sob o título: “Aspectos de Assunção em 1869”, complementa o assunto transcrevendo o que disse um correspondente de guerra daquele tempo: “Não há em Assunção academia alguma, ou instituto de ciência superior; e não pude ter notícia de um só paraguaio que tenha qualquer grau literário recebido no país. Verifiquei mais não haver alí livrarias, nem públicas nem comerciais, bem como nenhum jardim, nem fontes, nem passeios, nem museus, etc. (Tomo 36o. da Revista do Instituto Histórico).

(14) Resumen de la História del Paraguay, Cecílio Báez, p. 118.

(15) Apud Capistrano de Abreu, “Os caminhos antigos e o povoamento do Brasil”.

(16) Capítulos da História Colonial, 1500-1800, Capistrano de Abreu, Ed. Universidade de Brasília, Brasília, 1963, 5a. Ed., p. 135.

(17) Nota do Barão do Rio Branco, in Schneider, Op. Cit., Vol I, p. 96.

(18) Enquanto isso se dirigia aos paraguaios com as maiores bravatas, conforme o Sr. Chiavenatto.

(19) Historia da Guerra do Paraguai, Cel José Bernardino Bormann, Editora Jesuíno Lopes e Cia., Curitiba, 1897, Vol. I, p. 8-9.

(20) Tasso Fragoso, Op. Cit., Vol. I, p. 101.

(21) Idem, ibidem.

(22) Tentativa inútil de reduzir a humilhação.

(23) Tasso Fragoso, Op. Cit., Vol. I, p. 101 em diante.

(24) Idem, p. 107.

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(25) Guerra del Paraguay, Ramón J. Cárcano, Editores Domingo Vian e Cia., Buenos Aires, 2 vol., 1941, Vol. I, p. 396.

(26) Para quem deseje se aprofundar no assunto, recomendamos a excelente obra do Prof. Hélio Viana: História das Fronteiras do Brasil.

(27) Cecílio Báez, Op. Cit., p. 119-120.

Capítulo III

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O TERCEIRO DITADOR

(15 - 16 - 17 - 18 - 19 - 20 )

O Autor enaltece, no capítulo correspondente, a figura desqualificada de Francisco Solano López, filho de Carlos López e seu sucessor na ditadura paraguaia. As idéias ali expostas, e, também, frases inteiras sem as devidas aspas e a citação da fonte, são de O’Leary, escritor paraguaio de origem inglesa (1). Causa repugnância esta tentativa de, através de um nem sempre habilidoso jogo de palavras, justificarem-se fatos lastimáveis, como a elevação de Solano López ao generalato aos dezoitos anos de idade, com nomeação para o cargo de Ministro do Exército; a sua designação para o cargo de Presidente da República por força de testamento paterno; e, o concubinato com a irlandesa Elisa Alice Lynch. Trata, também, da educação do terceiro ditador, de suas missões no exterior, de incidentes com forças navais inglesas e norte-americanas e sua participação nas ações contra Rosas.

Quem foi, na realidade, Francisco Solano López? Dentro da linha que traçamos de buscar sempre os depoimentos mais insuspeitos, vamos chamar o argentino Cárcano, que responde: “O marechal Francisco Solano López nasceu no Paraguai, em Assunção (...) (24-VII-1826). Tinha 14 anos quando morreu o ditador Francia. A este sucedeu seu pai António López como governante supremo, ainda que durante os primeiros anos apareça sob o eufemismo do consulado e de vultosas assembléias representativas.

“A educação e instrução do jovem primogênito se realiza na própria capital de Irala. São muito escassos os elementos de cultura. Na realidade, seu pai, o ditador, é o seu verdadeiro e único mestre. As práticas do governo paternal, a crônica verbal da ditadura, das batalhas contra o invasor Belgrano, das tentativas usurpadoras do Brasil, a visão do Vice-Reinado são seus livros de ensino. Em Assunção não existem bibliotecas nem escolas de estudos superiores. São raros os homens de alguma cultura elevada, seguramente adquirida no estrangeiro.

“As tradições, costumes e observações, recebidas em casa, constituem a grande escola do futuro marechal. Desde os primeiros anos, seu pai lhe confere cargos, comissões, estudos, representações, tudo o que possa instruí-lo, formar seu discernimento, armazenar experiências. Indubitavelmente o prepara para sucedê-lo como herdeiro do poder.

“O jovem López é dotado de uma inteligência clara e ágil, capaz de compreender as coisas que estuda e organizar as idéias. Mas não existe nenhuma orientação em sua mentalidade, nem método científico em seus trabalhos. Mostra preferência pelos conhecimentos e práticas militares e pelas questões internacionais, especialmente com as nações vizinhas. Aumenta sua instrução pelo esforço próprio. Neste sentido é um autodidata que se ilustra pelo contato com pessoas ilustradas e pelos livros que lhe caem às mãos, sem ter um plano em desenvolvimento.

“Nos assuntos públicos ao seu cargo exercita um labor incansável. Nada o distrai de sua tarefa. Carece de passatempos e de vícios absorventes. Guarda distância para com as pessoas e observa uma conduta circunspecta. Além do conhecido episódio de Panchita Garmendia não se registram outros assaltos sensuais tão baixos e cruéis (2),

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talvez porque para ele tudo é fácil e cômodo. A paixão sexual derrama sempre sangue e brutalidade na infidelidade e na resistência.

“O presidente, em cumprimento a compromissos contraídos, envia um exército de 5.000 homens a Corrientes para incorporar-se às forças do general Paz, em campanha contra Rosas. Mandou o general López. Tem, então, 18 anos. Dissolvida sem combater, a divisão paraguaia volta ao seu país. Não dispara um fuzil nem perde um soldado. Marcha com ordem e disciplina, com inteira confiança em seu chefe. O ‘generalito’ se jacta de sua perícia militar. Seguramente o general Paz é um grande mestre. A ciência já não tem nada que ensiná-lo e ninguém pode opor-lhe resistência com razão. Esta crença pode ser sincera e aumenta sua vontade despótica. Quando um episódio ou artifício eleva um homem sem méritos próprios, se produz facilmente a confusão de pensar em aptidões pessoais, sem advertência às causas circunstanciais realmente impulsoras. (3)

“O presidente designa ministro da guerra o seu filho general. Participa amplamente do governo, intervém em todas as funções, secundando eficazmente a vontade e desígnios do seu pai. É o único filho. Prescinde-se dos demais irmãos. É um cidadão de capacidade superior ao resto dos paraguaios. No país só existem dois homens: o pai e o filho. O povo, atrelado ao carro, é a massa mole e dócil que se amolda com mão forte.

“A independência e soberania do Paraguai, desde os dias de Francia, constitui a preocupação profunda e permanente da família.

“A lembrança da expedição de Belgrano, as resistências vencedoras, as guerras de Artigas, as Missões arrasadas pelo Império, suas pressões sobre limites e navegação dos rios, a ocupação dos fortes paraguaios, a invasão de Lecor, a conquista da Cisplatina, a cruzada heróica de Lavalleja, a intervenção de Pimenta Bueno nos assuntos internos, a expedição surpreendente do almirante Ferreira, a batalha de Ituzaingô, a criação da república intermediária, a idéia do antigo Vice-Reinado, as tentativas argentinas de anexação, as ameaças de Rosas, a invasão de Oribe, as intervenções da Inglaterra e da França, a expedição naval dos Estados Unidos, a mediação salvadora do general Urquiza, o repúdio do convite para participar de Caseros, as revoluções constantes do Estado Oriental, a intervenção indevida e contínua do Brasil e da Argentina, tratados firmados e anulados, agressões, contradições, missões, tudo são fatos, conceitos, atitudes, idéias, paixões, que constituem a história viva dos povos do Prata.

“O Paraguai se mantém na defensiva, está aguardando a sua hora, como aconteceu com o Uruguai. Somente sente desconfianças, infidelidades, prejuízos, temores e está, sempre, prevenido com as armas carregadas.

“O general López se educa neste ambiente. Sofre as depressões causadas pelos vizinhos, e nascem os rancores da pressão persistente. Na Argentina e no Uruguai, o Paraguai conta com partidários e amigos no governo e no povo. No Império somente encontra adversários e o desdém natural do grande pelo pequeno, que exalta as coisas próprias. Assim se concentram as prevenções e se divisam os perigos imediatos.

“O Império, a cada dia, aumenta seu poder e prestígio.

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“A Argentina vive, entretanto, uma luta pela sua organização, dividida e assistindo a batalhas campaís, sem construir a unidade e encontrar soluções definitivas.

“Em Assunção, estão convencidos de que enquanto permanecerem pendentes as questões de limites, não estará assegurada a existência nacional. A guerra vem do Brasil. O Brasil não pensa, contudo, nela. Não suspeita da pujança do Paraguai. Não tira ensinamentos da expedição frustrada do almirante Ferreira. Cuida especialmente das complicações que podem surgir do Paraná, Buenos Aires e Montevidéu. Julga suficiente enviar material bélico para Mato Grosso e algum chefe de confiança política. A segurança dos seu poder superior o impede de penetrar na alma do vizinho perigoso.

“O general López procede, sempre, de acordo com seu pai, velho e doente, sobre quem adquiriu uma influência decisiva.

“Possui um caráter mais firme e duro, menos impressionável e mutável. Preocupam-lhe intensamente as questões do país e do governo, mas carece de cultura suficiente para encontrar dentro de si mesmo elementos de acerto. Não costuma consultar os demais. Nem por isso deixa de meditar e analisar as opiniões alheias.

“Nas relações com as nações vizinhas sugere sempre, com freqüência, uma ameaça. Levanta o tom e se emociona. Se não resolve, como deseja, as dificuldades, pensa na violência. Não esgota as iniciativas e procedimentos diplomáticos, a fim de alcançar soluções. Não está acostumado a negociar, senão a imperar. Quando discute, o faz com talento e graça. A submissão dos outros suprime a tolerância. Não tolera porque nunca é contrariado. Diante de sua opinião, todos estão persuadidos. A obediência a ele o perturba, e aos outros envilece. Manda. Nunca justifica. Não precisa convencer.

“É frio e dominador, e também apaixonado e ardente. Decidem seu estado o valor e as circunstâncias do caso.

“Desconfia dos homens. Sabe que abusa da obediência a sua pessoa. Esta desconfiança, durante a guerra, adquire uma forma patológica. É uma exaltação mental. Parece que se atrofia toda sensibilidade e corre a crueldade sem diques nem comportas. Qualquer delito tem o mesmo castigo...: a morte com martírio. O martírio varia quando se inventa outro de maior sofrimento.

“É muito forte a tensão aplicada. Não pode resistir muito tempo. O fogo ao consumir os corpos se consome a si mesmo.

“O temor da guerra com o Brasil está na consciência da casa real do Paraguai. Recapitulam e analisam os fatos ocorridos: a diplomacia coercitiva revestida de punhos de seda, o assalto a fortins paraguaios, o choque na fronteira com patrulhas brasileiras, a expedição armada de Ferreira, o arsenal de Mato Grosso, o repúdio dos convênios firmados, as maquinações na confederação, a intervenção permanente no Uruguai, com armas e subsídios. O reconhecimento da independência pela missão Pimenta Bueno, a iniciativa da fortaleza de Humaitá, os convênios sobre navegação, as mediações frustradas, a fundação do “Paraguai Independente”, são cordões da mesma rede.

“Neste estado de espírito, o presidente envia seu filho, o general, como ministro plenipotenciário e enviado extraordinário às cortes da Europa. Inicia relações diplomáticas, entrando o Paraguai amplamente na vida internacional das nações (1853-54). É um ato que encerra novidade e transcedência.

“O general faz 27 anos.

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“O objeto oculto da viagem consiste na aquisição de material de guerra. Não se pensa, por enquanto, em levar a guerra a ninguém, senão em acumular forças para conjurar a guerra. O presidente se mantém firme no propósito. É uma convicção meditada.

“O momento é favorável para a viagem. A Argentina está absorvida pela luta interna de sucessão. O Império encontra-se ocupado com negociações e auxílios em Montevidéu e Paraná. O Paraguai fica para depois. ‘Os últimos serão os primeiros’.

“O general López chega a Paris (1853). Visita as principaís capitais da Europa. Em toda parte é um personagem oficial. Desperta simpatias e atrai por sua juventude e liberalidade, sem chocar com a sua opulência.

“Contrata professores, engenheiros, escritores, médicos, para irem prestar serviços em Assunção. Adquire navios de guerra fluviais a vapor e abundante material bélico. Constrói-se uma nova situação com relação ao estatismo caseiro do Paraguai.

“A missão militar e política a preenche dentro de um plano incipiente.

“Permanece dois anos na Europa. Fala dois idiomas, inglês e francês. Participa com seriedade dos círculos cosmopolitas, mantendo a postura da sua posição. Aprende a gostar da boa mesa e a beber vinhos excelentes. É um refinamento.

“Comparece a uma festa nas Tulherias, na época em que a corte de Napoleão III encontra-se no apogeu do seu brilho. Alí, naquele lugar magnífico, conhece Elisa Alice Lynch, de origem irlandesa, jovem mundana de 19 anos, elegante e belíssima, discreta e culta, separada do marido, com quem contraiu casamento nulo. Mantém amizade e relações íntimas. Resolve com ela o seu problema sentimental e, desde então, é a companheira da sua vida (1855).

“Logo que o general regressa da Europa, reassume suas funções de ministro da guerra, e continua a preparação militar do Paraguai, com certo critério moderno. Assessorado por técnicos europeus, organiza um plano de recrutamento, campos de concentração de tropas e instrução, quartéis, fortificações em diversos pontos, fábrica de pólvora, munição e armas, arsenais e depósitos de provisões. Cria uma flotilha fluvial encabeçada pelo Tacuary, seu melhor navio de guerra, recentemente construído. (4)

“A nação é fortemente armada.

“Para assegurar a paz desta forma, garantindo-se do ataque de surpresa, assegurar a própria independência e soberania, manter o chamado equilíbrio do Rio da Prata.

“É difícil o funcionamento regular desta balança. Armar-se já é um desequilíbrio.

“O general Urquiza, (então), sitia Buenos Aires. O mediador é o ministro-general López. Surge o pacto de 11 de novembro de 1859, que restabelece a paz, concórdia e unidade argentinas.

“Não se pode imaginar que aquele homem que acumula créditos de tão alta capacidade e tato, poucos anos depois provará tanto extravio na política e na guerra.

“Um ano depois morre, em Assunção Carlos Antonio López, senhor feudal do Paraguai. É substituído por seu filho, o general Francisco Solano López, por direito de primogenitura (...) (e este, então) persegue com crueldade os que foram vacilantes na

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sua eleição. Persegue-os até a morte.

“Entra em seu feudo como em seu próprio imóvel.

“Exerce livremente seu poder. Não tem assembléias nem câmaras, nem partidos, nem juízes, nem cabalas, nem controle de gênero algum. Não tolera nenhuma das farsas inventadas pelas falsas democracias para ocultar sua mentira. É uma ditadura franca, resoluta, nua. É um totalitário que ultrapassa o conceito atual de totalitarismo.

“Funda uma autocracia militar pela fé do povo no poder onipotente, que tudo cria ou derruba. Isso se aprende nos fatos, que ensinam com a própria experiência a todos e a cada um. São lições que não se esquecem.

“O absolutismo, no auge , implica o monopólio de todos os meios de vida e expressão, de trabalho e prazer, de recompensas e castigos. O poder sem responsabilidades bane a tolerância e impõe a obediência cega. O povo fica completamente subordinado. Perde o controle e as liberdades, suscita impunidades e conduz à crueldade, à guerra, escravidão e morte. Produz um autômato coletivo que sustenta as guerras e as ditaduras.

“López no Paraguai, e Hitler na Alemanha atual. (Cárcano escrevia em 1941), guardadas as distâncias de homens, povos, magnitude e tempos, produzem, com técnicas distintas, o mesmo caso surpreendente de hipnotismo popular.

“Há, na alma humana, um fundo de simplicidade original, comum a todos os homens, idades, climas e estágios de cultura, que surge com um impulso incontrastável pela aplicação temporária de certos fatores avassaladores.

“As ditaduras não mudam sua natureza, mas modificam-se, sob homens diversos, seus ideais e procedimentos. Morre Francia que conserva em obscura prisão o seu país. Sucede-o o primeiro López, o qual, com suma cautela, abre algumas janelas nas relações internacionais. Vem logo o marechal que se incorpora altivamente à vida exterior, com maior ambição e menor equilíbrio mental que os seus antecessores.

“A visita do marechal à Inglaterra, França, Espanha e Itália, ilustra seu espírito e desperta altas ambições para o seu país e para si mesmo. Imagina construir a maior potência da bacia do Prata. Caído Rosas, não teme a Argentina, absorvida por suas lutas internas. Carece de vinculação com Mitre, mas conta com amigos de alta valença: Urquiza, Virasoro, Lorenzo Torres, Nicanor Molinas, e tantos outros com os quais mantém correspondência.

“O Brasil é a sua preocupação e alarme permanentes. A guerra foi evitada por seu pai com decisão e prudência. O marechal está seguro de vencer e considera a guerra inevitável. O velho temor se afirma.

“Trabalha sem cessar nessa tarefa. A correspondência é ativa com Entre Rios, Corrientes, Buenos Aires, Montevidéu e Paris.

“Ocupa-se pessoalmente de todos os assuntos militares, e guarda sigilo absoluto. Não tem responsabilidade nem controle. Tuda começa e termina em si próprio. É uma desgraça essa solidão, por eminente que seja o solitário. A força está na associação.

“Entre seus soldados é popular. Conversa com eles em guarani, familiarmente, com graça e alegria. O respeito e prestígio que concentra, alcançam a fascinação. Corre

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no exército a notícia de que o soldado paraguaio que morrer em batalha ressuscitará, são e rico, em Assunção. Ninguém escusa a morte. Muitos vão buscá-la.

“O marechal se preocupa com a opinião estrangeira a seu respeito, especialmente a dos países limítrofes. Irrita-se e se previne contra as irreverências da imprensa de Buenos Aires e do Rio de Janeiro. Não concebe que algo se publique sem a vontade do governo.

“São maus os seus informantes nas nações vizinhas.

“Quando está convencido, não admite contradições. Quando censura, o faz duramente. Não tem eufemismos.

“Impressionável e emotivo, ordena os castigos e não olha e nem escuta as vítimas. Teme suas próprias emoções.

“Vontade e tenacidade sustentadas. Expede uma ordem e não pensa nos meios para cumprí-la. Não admite desculpas e o agente deve executá-la. Sobra a vontade e falta o saber e a firmeza que são engendradas pelo estudo e pela prudência.

“O marechal carece de espírito superior realmente culto. Não considera nem resolve os grandes problemas orgânicos do seu país, sem que lhe perturbem os pequenos interesses e as paixões próprias e longínquas.

“Desde Pimenta Bueno, que cumpriu uma missão do Imperador no Paraguai, teme-se a guerra com a Argentina e o Brasil, pelas questões territoriais e pela navegação dos rios (1845). A cordialidade, com que às vezes se acolheram os agentes do Império, não apaga a desconfiança profunda.

“O tempo acentua os perigos, especialmente com o Império. O jovem marechal toma a seu cargo o preparo do exército de mar e terra. Durante vinte anos se ocupa da tarefa com poder e recursos arbitrários. Forma combatentes, mas sua cabeça está vazia. Escolhe livremente o momento de lançar a guerra. Esta vantagem da iniciativa é já uma garantia para alcançar a vitória final.

“Qual é o seu plano militar?

“Qual é o seu plano político?

“Estuda a fundo todas as hipóteses possíveis?

“Transbordam os erros. É a fonte deles.” (5) (Os negritos são nossos).

A resposta a estas perguntas daremos, a medida em que o Sr. Chiavenatto for aprofundando o seu indigesto besteirol marxista e tocar diretamente na guerra. Surgirá, então, a ocasião para examinarmos Solano López quanto aos seus aspectos militares propriamente ditos.

Por enquanto, e no entanto, temos que avançar um pouco, até a época da guerra, para podermos avaliar uma faceta da sua personalidade não focalizada por Cárcano: a covardia, que teria aflorado mais cedo, quando comandou uma divisão paraguaia contra Rosas, e retrocedeu sem disparar um só tiro, caso disto seu pai tivesse exigido explicações públicas.

Para relatar a falta de coragem pessoal do feroz ditador vamos chamar uma

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testemunha ocular, Thompson:

“Na manhã de 27 de novembro (1869), depois de outro bombardeio, os aliados marcharam para o interior das linhas paraguaias (...)

“López fugiu com grande pressa, deixando entregue à própria sorte Madame Lynch, que saiu por entre as balas à procura dele (...)

“Toda a bagagem de López foi apreendida: suas carruagens, roupas, papéis, poncho bordado a ouro, etc, e algumas das suas escravas (...)

“Antes desses últimos dias da guerra, López jamais estivera sob o fogo, e, mesmo nessa ocasião, dificilmente se pode dizer que tal tivesse acontecido, pois, ou estava ele fora do alcance das balas, ou protegido pelas espessas paredes de terra de sua casa. Durante os últimos dias de dezembro (a ‘dezembrada’) López repetidamente jurou às suas tropas que ficaria e venceria, ou então morreria com elas. Mas sua fuga, no entanto, quase sem sentir o cheiro da pólvora, fez com que seus homens, tão acostumados a julgar perfeitamente certo tudo o que ele fazia, se sentissem enojados com ele. Entre os prisioneiros paraguaios ouvi muitos comentar a covardia de López”. (6)

Notas: (1) El Mariscal Solano López, Juan E. O’Leary, Imprenta de Félix Molines,

Madri, 2a. Ed.

(2) O caso Panchita Garmendia será tratado quando abordarmos a crueldade de Solano López.

(3) Esclarece o Barão do Rio Branco: “(...) o projeto favorito de Rosas era o que ainda hoje afagam todos os políticos argentinos (Rio Branco escrevia em 1875): - absorver o Estado Oriental do Uruguai e a República do Paraguai, reconstruindo o antigo Vice-Reinado do Prata. A política internacional do Brasil, criada pelo (...) visconde do Uruguai, consistia, então, como ainda hoje, em manter a independência dos dois Estados ameaçados pela ambição argentina. Para destruir a independência do Estado Oriental enviou, o ditador argentino, um exército encarregado de apoiar as pretensões de Oribe. Uma outra expedição se preparava contra o Paraguai, e, depois de submetidos os dois países seria declarada guerra ao Brasil (...) As desinteligências com o general Rosas, e o tom insolente que este tomou com relação ao Império, começaram desde que promovemos o reconhecimento do Paraguai como nação independente por vários governos europeus. O representante argentino no Rio de Janeiro reclamou energicamente contra este reconhecimento, sustentando que o Paraguai era uma província rebelada da Confederação, mas o governo imperial, firme na política que adotou, continuou a prestar todos os bons ofícios e socorros a Carlos López, então presidente daquela república.”

Nota No. 4 à obra já citada de Schneider, Vol. I, p. 18.

(4) Adquirido na Inglaterra, de onde veio com uma guarnição completa de oficiais contratados.

(5) Cárcano, Op. Cit., Vol. I, p. 79-89. O original é em espanhol (tradução deste

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autor).

(6) Thompson, Op. Cit., p. 246-247.

Capítulo IV

O BRASIL E A ARGENTINA SUPERAM SEUS PROBLEMAS

(21 - 22 - 23 ) Com a declaração de independência, em 7 de setembro de 1822, o Brasil deixa o

Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e vai constituir-se em um império. Herda do Reino Unido a Província da Cisplatina e, com ela, a instabilidade do Prata e os conseqüentes gastos que vão se somar àqueles da independência, não só os relativos à mobilização e manutenção das tropas, de contratação de mercenários, de aquisição e fabricação de embarcações de guerra mas, que ninguém se esqueça, os relativos à dívida do Reino Unido, e não somente aquela parcela que por justiça caberia ao Brasil mas, também, dívidas de Portugal para com a Inglaterra.

O Autor, com toda a certeza, não leu a Fala do Trono de 1864, e copiou de algum mal intencionado, como ele próprio, este trecho: “o Imperador Pedro II aborda a crise econômica em que estava a nação, acentuando a dificuldade para os seus súditos com a quebra de diversas casas bancárias.”

Em 1864, D. Pedro II dirigiu-se aos representantes da nação brasileira, através da Fala do Trono, por duas vezes: a primeira na abertura da Assembléia Geral, em 1o. de janeiro e, a segunda, em idêntica cerimônia, relativa à 2a. sessão, em 3 de maio.

Em 1o. de janeiro, sobre economia e finanças, disse o Imperador: “As rendas públicas, posto que se avantajassem mais no segundo semestre que no primeiro do exercício findo, contudo não chegaram a igualar a soma total arrecadada no anterior. Confio do vosso patriotismo e zelo que procurareis equilibrar a receita com a despesa pública. O governo seguirá os preceitos de verdadeira economia.”

Em 3 de maio, sobre o mesmo assunto, enfatizou: “As rendas públicas têm crescido, mas não chegam para equilibrar a receita com a despesa do Estado, sem a adoção de medidas adequadas que confio do vosso zelo a bem da nossa pátria. O governo observa no dispêndio dos dinheiros públicos a mais severa economia.”

É, no entanto, na Fala de 1865 (6 de maio) que D. Pedro II se refere a falências, do seguinte modo: “a falência de algumas casas bancárias (o negrito é nosso) nas quais se achavam depositadas as fortunas de milhares de indivíduos, produziu no mês de setembro do ano passado uma crise assustadora, que abalou profundamente os

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interesses comerciais (idem). As medidas do governo, auxiliadas pela boa saúde dos habitantes, restabeleceram a confiança, e as relações comerciais vão reassumindo sua marcha regular.”

Esta é a verdade: a crise foi parcial e já estava, oito meses depois, superada. Isto é vitalidade econômica, que só a livre iniciativa permite gozar. Anemia se viu na União Soviética, que após beber o sangue do seu próprio povo, durante setenta e tantos anos, implora, agora, a salvação do Ocidente.

Na mesma Fala, acrescentou D. Pedro II: “a renda pública não diminuiu no corrente exercício, devendo atingir a uma soma a que nunca chegou nos anos anteriores”. Quer dizer: o Brasil ia muito bem.

Não se entende como um jornalista pode ter a pretensão de mudar a História do Brasil, como traz em tarja o seu panfleto, na 24a. edição. Isto é, não entenderia se sua ação fosse isolada. Mas ele não está só nessa empreitada de derrubada da pátria brasileira: é peça de uma vasta engrenagem de destruição. (1)

Evidentemente, a supressão do tráfico de escravos, combinada com a mortalidade dessa pobre gente, causada pelas epidemias que assolaram algumas províncias produtoras de itens de exportação, tudo isto agravado pela seca no nordeste, além dos gastos com a intervenção no Uruguai, teria produzido uma situação catastrófica, bem do agrado do Autor, não fosse o judicioso emprego dos dinheiros públicos por parte do governo imperial. Quem tiver o cuidado de analisar as Falas do Trono, desde 1823 até a última, verificará que nossos dois imperadores, bem como os regentes, sempre foram absolutamente honestos ao traçar, para os representantes da nação, a situação do Estado e da Nação, abordando as guerras, as revoluções, as epidemias, as secas, as ofensas, os agravos e desagravos, as carências legislativas, as finanças, os empréstimos, as obras, os procedimentos administrativos, etc, etc, etc, tudo de forma muito clara e precisa, complementada, sempre que fosse o caso, por uma exposição minuciosa do respectivo ministro.

Não, o Brasil não se encontrava na situação pintada pelo Sr. Chiavenatto.

Quanto à Argentina, sua situação política era um tanto instável, ainda, mas Buenos Aires já se impunha, Mitre à testa, às demais províncias, restando aqui e ali algumas “montoneras” para serem batidas. Após as batalhas de Monte Caseros e Pavón; a primeira, contra Rosas e vencida com o concurso das armas brasileiras, a Confederação Argentina caminhou para o equilíbrio.

O Autor gostaria que fosse ao contrário, que Corrientes e Entre Rios não estivessem submetidas a Buenos Aires, e que viessem a se aliar ao Paraguai de Solano López. Gostaria, também, que o Brasil não tivesse obtido um bom resultado com a sua intervenção no Uruguai e, que, ao invés do general Flores, nosso amigo e aliado, lá continuasse o governo blanco, que atropelava os estancieiros brasileiros. Mas, assim não foi.

E Solano López, por sua vez, avaliando muito mal a conjuntura regional, invade o norte da Argentina, certo da adesão de Urquiza, que arrastaria correntinos e entrerrianos; manda uma coluna por cada uma das margens do Rio Uruguai, a da direita para fazer junção com os blancos do Uruguai e, a outra, ao que tudo indica, para sublevar o Rio Grande do Sul, que ele julgava estar libertando da tirania escravocrata do Império.

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Brasil e Argentina, dois gigantes anêmicos? São adolescentes sujeitos a perturbações passageiras e despreocupados com os guaranis do “generalito”. A anemia estava com este, mas era, sobretudo, uma anemia por falta da irrigação cerebral que se obtém com a civilização e lhe produziria uma aguda crise de bom senso. Partiu para cutucar um leão e uma onça, com vara inconsistente que se quebrou ao primeiro tapa e, ainda de contrapeso, ao fugir, viu surgir a jaguatirica uruguaia que ele pensava ter amestrado, solidária às duas feras gigantescas.

O Brasil não havia, ainda, resolvido o seu problema da escravidão negra. Na sua Primeira Fala do Trono, logo após a declaração da sua maioridade, ocorrida em 1840, D. Pedro II, ao abrir a Assembléia Geral, no dia 3 de maio do ano seguinte, já mencionava a “introdução de braços úteis” (colonos estrangeiros); em 1846, tendo protestado contra o “Bill Aberdeen”, ressalva, no entanto, que prossegue “fiel ao empenho contraído de pôr termo ao tráfico de africanos”. Em 1850, recomenda “muito especialmente que providencieis sobre o modo de se suprir à lavoura os braços que diariamente lhe vão faltando”. Em 1852, relata que “o meu governo continuará a reprimir o tráfico, o qual depois da última sessão legislativa ainda tem diminuido. Espero que mediante o vigor e atenção que ele emprega nesta tarefa, desaparecerão de todo as poucas e indignas especulações com que a avidez do lucro procura embaraçá-la”. Em 1853, fala: “A fé dos tratados e nosso próprio interesse exige imperiosamente não só a completa cessação do tráfico de africanos, mas também que se torne impossível sua reaparição (...) cada vez é mais urgente proteger a imigração estrangeira para neutralizar os efeitos da falta de braços”. Em 1854, volta ao assunto: “O meu governo continua a exercer na repressão do tráfico a mais ativa e enérgica vigilância, empregando os meios de que pode dispor para extinguir este abominável comércio; e os meus esforços têm sido até agora coroados de feliz resultado”. Em 1855, relata, feliz: “Comprazo-me em anunciar-vos que nenhuma tentativa tem havido de tráfico de africanos”. Em 1856, alerta: “A nossa lavoura tem sofrido considerável perda de braços, e torna-se portanto cada vez mais urgente a aquisição de colonos industriosos e morigerados (...) esta empresa porém não depende só dos poderes do Estado: exige principalmente o concurso de todos o nossos proprietários agrícolas”. Em 1857, fala: “O meu governo tem aplicado os meios que lhe foram concedidos na última sessão legislativa para desenvolver a imigração de colonos úteis e morigerados, e é um dos seus incessantes desvelos acorrer a esta necessidade vital da nossa lavoura”. Em 1858, lamenta: “A colonização tem sofrido tropeços em sua marcha progressiva, apesar dos esforços do meu governo para a promover”. Em 1859, prossegue: “O meu governo, usando os meios e recursos que lhe facultastes, tem-se desvelado em promover a imigração de colonos úteis e industriosos, que superem a falta de braços que tanto sente a lavoura”. Em 1860, insiste: O meu governo continuará a empregar todos os esforços para a introdução de braços livres como o exigem as necessidades de promover a imigração, e o desenvolvimento das colônias existentes, procurando ao mesmo tempo realizar outros benefícios, de que depende a prosperidade da agricultura, fonte principal da nossa riqueza. A deficiência de braços de que se ressente a lavoura, só pode ser suprida por trabalhadores livres e morigerados (...) é, porém, essencial uma lei que regule com precisão e eficácia os direitos e obrigações recíprocas dos colonos e fazendeiros”. Em 1863, não se esquece: “(...) a introdução de braços livres (...) devem merecer-nos a maior solicitude”. (2) Os negritos são nossos).

E, assim, vai chegando a guerra com o Paraguai. O Brasil, através do monarca constitucional, fazendo todos os esforços para sustar o tráfico e, uma vez interrompido para sempre o nefasto comércio, redobra os seus cuidados com a colonização. Eram os

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prenúncios da abolição que D. Pedro II tanto queria, mas não podia impor autocraticamente a uma representação nacional controlada pelos fazendeiros. Era necessário cautela, no próprio interesse dos escravos, que deveriam ir sendo emancipados com integração à vida nacional.

É bem conhecido o episódio da libertação, por D. Pedro II, de todos os escravos que recebeu por herança, ao ter sido declarada sua maioridade. Aqueles que não pôde conceder carta de alforria por não serem de sua propriedade, mas do Estado brasileiro, concedeu salários. Aliás, muitos dos libertos ficaram na Quinta da Boa Vista como empregados, por livre vontade, percebendo salários, do bolso do Imperador.

E o Paraguai, nunca teve escravos? Não os tinha durante a guerra?

O então Ten Cel Mario Barretto (3), ao refutar o escritor paraguaio Juan O’Leary, autor da obra de propaganda “El Mariscal Solano López”, que serviu de guia ao Autor nos seus ataques inconsistentes no panfleto que, por nossa vez, estamos refutando, assim se expressa a respeito do repetido qualificativo de “regime escravocrata”, com que se refere ao Brasil: “se olvida que a situação do biografado não lhe permite, a ‘bona ratio’, o qualificativo com que se manifesta respeito ao Império do Brasil (...) É preciso convir que se a escravidão é incompatível com a forma de governo constitucional como o do então Império do Brasil, ao tempo em que ocorreu a Guerra do Paraguai, muito mais absurda, por exótica, ela é num governo democrático republicano”, (“pro forma”, ajuntamos nós). E prossegue: “Assim, pois é de estranhar que Juan O’Leary consigne expressões como a que citamos, visto não ignorar aquele senhor que o Paraguai, ‘república florescente, sob o governo benévolo e humanitário de Francisco Solano Lópéz’ (4) no seu dizer, era tão escravocrata quanto o Império do Brasil, (com as ressalvas esclarecidas pelas Falas do Trono) sob o governo dinástico de D. Pedro II.

O Ten Cel Mario Barretto é insuspeito para assim defender o governo de D. Pedro II: foi ele um republicano inflamado. Ele nos adianta: “Como o Brasil, o Paraguai tinha escravos, o próprio Estado era proprietário de grande número deles, dos quais dispunha a seu talante, empregando-os em obras públicas, nas propriedades rurais (as estâncias do Estado) e vendendo-os a particulares (...) Parece ao leitor desprevenido que no Paraguai não se albergava a escravidão. No entanto, assim não acontecia (...) E como prova do que afirmamos estampamos no Apêndice o ‘fac símile’ fotográfico do documento firmado pelo ditador Francisco Solano López respeito à venda de escravos do Estado paraguaio em que ordena à Coletoria Geral o recebimento de duzentos pesos pela venda de uma escrava e de uma filha menor desta, e de oitenta pesos pela de uma liberta, compradas pelo ditador”. E prossegue Mario Barretto, transcrevendo no corpo do seu livro a tradução do documento que está disponível no Apêndice da sua obra: “Receba-se na Coletoria Geral a quantia de duzentos pesos com que compro ao Estado a escrava Salvadora Samaniego, de trinta e cinco anos de idade, com sua filha Gregória, liberta de doze anos, e de oitenta pesos pela liberta Manuela Samaniego de dezessete anos, todos da escravatura de São Domingos, com o encargo do competente recibo pela ressalva. (Os negritos são nossos).

Assunção, dezembro, 24/1863. - Assinado López”. (5)

Fica claro que Juan O’Leary é um esquecido. Esqueceu-se do martírio de sua mãe e irmãs, ordenado pelo ditador López, e haveria de esquecer, também, ao tornar-se o lider de um movimento de reabilitação da memória daquele nefasto personagem da história da sua pátria, o movimento que veio a ser conhecido como “lopezguayo” (6),

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que no Paraguai existiram escravos até que o Conde d’Eu solicitasse, ao Governo Provisório, a abolição, de fato, da escravidão.

Quanto ao Autor, este copia O’Leary prazerosamente. Tudo quanto de mal se fale do Brasil, não importa a veracidade nem a justiça, ele alardeia.

Podemos até compreender O’Leary. Na falta de melhores personagens na história guarani, tratou de limpar a memória do ditador e fabricar um herói. Não está certo, mas pode-se argumentar com a intenção. Mas, quanto ao brasileiro, não. Este busca destruir a memória de heróis que a Providência nos deu, a fim de gerar na nossa juventude o ódio ao Brasil, sobre o qual o comunismo edificaria mais uma nação cativa. Exatamente dentro das técnicas comunistas revolucionárias da “destruição-construção”. (7)

Mas, à vista da data do recibo passado por Solano López, poderá parecer aos leitores que, ao estalar a guerra do Paraguai, naquele país já não existisse escravidão, posto que a ação do Conde d’Eu também é rejeitada pelo Autor. “Entretanto, quem conhece a história da Guerra do Paraguai não ignora as narrativas (...) (e) sabe que assim não se deu. Tanto portugueses como espanhóis lançaram mão desse recurso desumano. O índio, embora afeito ao clima da sua pátria, não tinha o organismo tão forte quanto o negro (...) inúmeros sucumbiram, nostálgicos de suas florestas, quando a ela não podiam retornar. Simultaneamente com o advento da escravidão negra, continuou no Paraguai a florescer a do gentio nativo”. (8)

Já transcrevemos, anteriormente, parte da legislação paraguaia sobre o assunto. Os leitores poderão encontrá-la desenvolvida na obra de Mario Barretto. O que importa, entretanto, é que ela não era cumprida, conforme se pode verificar do testemunho de um oficial paraguaio, o Cel Crisóstomo Centurión, nas suas “Reminiscencias Historicas sobre la Guerra del Paraguay”, volume II, página 141: “López, depois da batalha de 24, preocupou-se assiduamente com a reorganização do exército. Dos restos dos corpos que entraram em ação naquele dia, dos feridos que se restabeleceram e do pessoal que veio da Capital, de Serro León, de Encarnação e do Passo do Tebicuari, formou 8 batalhões de infantaria e 4 regimentos de cavalaria. Além disso retirou dos estabelecimentos particulares e das estâncias do Estado seis mil escravos que distribuiu nos diferentes corpos para substituirem as baixas. Os que vieram das estâncias de sua propriedade e das de sua família, estiveram algum tempo acampados próximo ao Quartel-General, mas bem depressa adoeceram, devido à mudança de alimentação e de água”. A informação de Centurión é comprovada pelos documentos existentes no arquivo do ditador.

Sobre o assunto, vamos prosseguir com Mario Barretto, que o estudou exaustivamente, documentos do arquivo de Solano López nas mãos: “O pavilhão paraguaio era, também, insígnia de escravidão neste continente. A única diferença que existia era que o Império simbolizava uma nação onde havia liberdade na mais ampla acepção do termo para os que não eram escravos, e que atingiam a elevado número: os partidos governavam, as idéias eram emitidas sem a mínima restrição, a pessoa do imperante e a das pessoas em destaque pelas suas elevadas posições políticas ou que a fortuna lhes proporcionara, eram sujeitas à critica pública muita vez apaixonada e até ofensiva, ao passo que o do Paraguai sintetizava um país tiranizado por um déspota que abolira toda e qualquer liberdade individual ou coletiva, fazendo de sua vontade a única lei para milhares de seres livres, que assim eram equiparados à condição inferior de escravos, pois o Paraguai se transformara numa colossal senzala, de que era senhor o ditador Francisco Solano López.

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“Desde o início da guerra se sabia que existiam negros e descendentes de gente de cor nas fileiras das tropas paraguaias, mas não se presumia até então que o Paraguai contava com tão elevado número deles.

“É de se supor que o ditador buscasse por todos os meios ocultar das vistas dos seus adversários brasileiros o maior número de combatentes paraguaios dessa cor.

“Compreende-se que, perante seus próprios soldados, tal procedimento se impunha como lógico e moralizador, dada a expressão predileta de ‘cambás’, que em guarani significa negros, com que nos designava nas arengas que fazia frequentemente às suas fiéis tropas.

“De forma que no começo poucos homens de cor atuaram nos embates bélicos, quase que em sua totalidade eram utilizados em serviços auxiliares na zona de retaguarda.

“Mas, com a usura do pessoal houve necessidade de terçarem armas com o invasor, pois os claros no exército paraguaio não podiam ser preenchidos com a mesma facilidade que tinha o Brasil, dada a pequena população daquela república.

“Quando a luta entrou na fase final e o nosso comandante-chefe, o príncipe Gastão de Orleans dirigia a campanha (...) das cordilheiras, começou a afluir aos nossos acampamentos (...) elevado número de homens de cor: pretos, mulatos, cafusos, todos genuínos crioulos paraguaios.

“O Conde d’Eu então, movido por justo sentimento de humanidade, dirigiu ao governo paraguaio, naquela época constituído pelos triúnviros (...) a comunicação que damos nas linhas a seguir: O Diário do Exército publica à pagina 218:

“1864 - novembro - dia 12 - Sua Alteza, considerando o não pequeno número de indivíduos que, na marcha pelos diversos pontos do Paraguai têm vindo se apresentar, declarando-se escravos de outrem e pedindo a liberdade para que possam sentir também a alegria de que se possuem os paraguaios resgatados da tirania de López, oficiou ao Governo Provisório, fazendo ver que aquela concessão estava fora de sua alçada, mas era própria para inaugurar dignamente um novo período de governo e firmá-lo nas idéias verdadeiramente civilizadoras e humanitárias.

“O Governo Provisório, aceitando a sugestão do Conde d’Eu, decretou a abolição da escravidão, conforme consta do decreto (...) publicado no substancioso livro do historiador paraguaio Dr. Hector F. Decoud, intitulado “Uma Década de Vida Nacional”, decreto que foi confirmado pela Constituição da República do Paraguai em seu artigo 25, proclamada em 1870.

“Destarte, a história registra que a abolição do elemento servil na nação paraguaia foi devida à iniciativa do Conde d’Eu.

“Em pleno século XIX a escravidão da raça negra é um fato histórico: as nações mais adiantadas da velha Europa revivem a era do paganismo: a Inglaterra, a Suécia, a França, a Holanda, a Dinamarca, A Espanha, Portugal e os Estados Unidos da América do Norte são escravocratas.

“Respectivamente esses países declaram a abolição do elemento servil em 1833, 46, 48, 72, 56 e 65. Foi a Espanha a última deles a possuir escravos. Cuba, que teve a liberdade para os escravos proclamada em 1872, depois voltou ao regime de escravidão,

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para dele ser definitivamente libertada em 1898, após a guerra hispano-americana.

“Assim, foi a Inglaterra o primeiro desses países que aboliu tal regime, para depois tornar-se a paladina da liberdade dos escravos, inimiga tenaz da escravatura, a quem deu combate sem tréguas para extingüi-la de vez, estancando o aumento do número de escravos nos países que tinham essa instituição.

“É interessante perscrutar o motivo porque a liberal Inglaterra, império colonial, o de maior extensão, potência de primeira ordem, dominadora dos mares durante o século XIX, se tornou a excelsa defensora dos africanos.

“Um estudo ponderado da evolução da escravidão nas várias nações mostra que a exploração do braço escravo nos demais países, após a Inglaterra ter estatuido a abolição nos seus domínios, prejudicava grandemente o comércio inglês e, por isso, essa nação essencialmente mercantil, mais em defesa dos seus próprios interesses do que por amor à liberdade dos negros, tornou-se a tenaz perseguidora da escravatura.

“Se, em nome do direito, devia-se restituir a liberdade aos escravos, em nome e em respeito a esse mesmo direito não pode o Estado libertá-los sem indenização do seu valor a quem, como propriedade venal os adquirira (...) pagando a este (Estado) o imposto de transmissão da propriedade por ele reconhecida.

“E por isso, além do mais, no Brasil a questão da abolição da escravidão africana demorou a ser resolvida, pois o Estado não se achava habilitado a fazer face a tão oneroso reembolso, dadas as aperturas financeiras.

“Já assim não ocorreu no Paraguai, onde grande parte de sua população escrava, bem menor que a do Brasil, pereceu na campanha, de forma que o restante pouco gravame traria ao tesouro daquele país se fossem reclamados os valores dos escravos libertados.” (Até aqui, Mario Barretto) (9).

O Autor alude, também, à questão Christie, dele dizendo: “é o mesmo que tentou raptar Solano López”, e declarando que sua irascibilidade e incompetência “acentua os contrastes das relações entre o Brasil e a Inglaterra (...) provocaram o rompimento das relações até 1865 - quando se normalizaram de forma deprimente - agravando a situação política do Império”.

Devemos examinar, à luz da verdade, duas afirmações: 1a.) “tentou raptar Solano López”, e, 2a.) “as relações diplomáticas se normalizaram de forma deprimente”.

Pois bem, quanto ao incidente Christie no Paraguai, a coisa se passou da seguinte forma: o pai de Solano López, Carlos López, ainda vivo em 1858, descobriu uma suposta conspiração contra a sua vida, do que resultou a condenação à morte de um certo Canstatt; já vimos que se declarou súdito inglês. No final, Carlos López indultou alguns setenciados, entre eles Canstatt. Christie, representante inglês exige satisfação, enquanto Solano López acabava de cumprir missão diplomática em Buenos Aires. Não satisfeito, Christie ordenou ao almirante inglês, que comandava a esquadra do Rio da Prata, que apreendesse o Tacuary, que conduzia o jovem López, para castigar o Paraguai.

Solano López tentou reagir, tocando “postos de combate” à aproximação dos navios ingleses, próximo ao porto de Buenos Aires. A guarnição, inclusive o comandante de fato do Tacuary, um capitão inglês contratado, ponderou não poderem enfrentar os navios de sua majestade britânica, pois seriam réus de traição. Assim, nada

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mais pode fazer o “generalito”, que havia comprado um brinquedo que se recusava a obedecê-lo, a não ser fugir de volta ao porto. Note-se o emprego pelo Autor da expressão rapto (também usam seqüestro, com freqüência) ao invés de apreensão. A primeira é capitulada como crime comum e a última, sem dúvida, “causa bellis”. Para a Revolução, empenhada em demolir toda e qualquer autoridade, são reduzidas sistematicamente a crimes comuns quer seja a intervenção policial, quer seja, como no caso, a ação de uma potência.

Quanto ao restabelecimento das relações diplomáticas com a Inglaterra, rompidas pelo Brasil face às impertinências do mesmo Christie no Rio de Janeiro, deixemos que o Conde d’Eu nos relate como ocorreram, posto que a tudo testemunhou (10): “Chegou do Sul, por terra, a Uruguaiana, o Sr. Thornton, ministro britânico em Buenos Aires. Vem encarregado pelo governo da rainha de exprimir ao imperador o seu pesar pelas violências que haviam praticado os navios da estação inglesa no Rio de Janeiro, em janeiro de 1863, e pela ruptura de relações diplomáticas que se lhes seguiu e que até hoje tem durado. O Imperador marca o dia de amanhã e a hora do meio-dia para recebê-lo na barraca com toda a solenidade que as circunstâncias comportam. Foram convidados para assistirem à cerimônia os comandantes de todos os corpos. Torna-se a armar a barraca com as velas e as bandeiras; até se descobre um tapete. Ao lado forma um batalhão de linha completo; além dos oficiais convocados, muitos outros vieram, desejosos de assistir a esta satisfação que se vai dar à honra nacional. Tendo-se o Imperador colocado ao fundo da barraca e a seu lado o ministro e as outras pessoas principaís (11), o general Cabral introduziu o Sr. Thornton, que veio da cidade em carruagem escoltada por um destacamento de cavalaria; veste o uniforme diplomático com a comanda da Ordem do Banho. Depois das três reverências do estilo pronuncia um longo discurso em francês e, em seguida, entrega ao Imperador a carta da rainha Vitória. Responde-lhe o Imperador igualmente em francês (12); e logo em seguida a música da Niterói, que está postada ao lado de fora, toca “God save the Queen!”

Muito diferente, portanto, o tratamento dado pela Inglaterra a dois países diversos, alvos da diplomacia atabalhoada de um seu mesmo funcionário. Com a agravante de que as respostas dos dois países à ação do mesmo funcionário foram diferentes: enquanto o Brasil rompeu relações com a Inglaterra e aguardou o pedido de desculpas formal com toda a dignidade, o “generalito” tratou de desembarcar correndo em Buenos Aires e, correndo foi, por terra, de volta a Assunção.

Vejam como trata os dois casos o Sr. Chiavenatto: num o Paraguai é vítima, noutro o Brasil é fraco. Mas, perguntamos nós: por que o Paraguai, com a sua economia “florescente e autônoma”, (e já vimos que tipo de florescimento e autonomia foram esses) não respondeu ao agravo à altura, ao passo que o Brasil, “monarquia decadente, que não consegue coordenar formas de desenvolvimento”, o fez com toda a dignidade?

Resposta: é porque no Brasil havia uma nação, um povo, com uma opinião pública que cobraria do seu governo as medidas de satisfação à honra nacional, enquanto que, no Paraguai, o “generalito” pôde fugir e deixar por isso mesmo, porque ninguém naquele país iria cobrar as ofensas à honra da família López. Este é o troco que dá o escravizado (totalmente) povo paraguaio aos seus tiranos. Afinal, que honra têm a preservar aqueles que nada possuem, nem propriedades, nem direitos de expressão, nem a vida intocável?

Quanto à Argentina, veremos que superados os seus problemas políticos, vai entrar numa fase de desenvolvimento acelerado, colocando-se entre as nações realmente

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progressistas do Novo Mundo.

Notas: (1) Ao falar da quebra das casas bancárias, o Autor entra em flagrante

contradição com outra afirmação sua: a nação brasileira era “um povo que apenas trabalhava, jamais participava - nem política, nem economicamente”. Ora, as casas bancárias eram particulares, e a economia nacional reagiu com presteza ao tombo, pois era livre para buscar os seus caminhos. Onde, portanto, a falta de participação econômica? E quanto à política, havia uma legislação eleitoral em contínuo aperfeiçoamento, visando a coibir as fraudes, tão corriqueiras naquele tempo, por parte de todos os partidos. O Imperador, através do seu poder moderador, intervinha com oportunidade e critério, a fim de contrabalançar as fraudes, fazendo alternar no governo gabinetes conservadores e liberais e, note-se, até mesmo um partido republicano foi livremente fundado. Nem se pensava em estatizações.

(2) Falas do Trono, coligidas na Secretaria da Câmara dos Deputados pelo Barão de Javari, São Paulo, 1977.

(3) Mario Barretto, Op. Cit., Vol. I, Cap. 2.

(4) Pois, saibam que López mandou jogar a mãe de Juan O’Leary, Dona Dolores Urdapilleta de Jovellanos, no fundo de um obscuro calabouço, com banimento perpétuo, acusada de Sr. Chiavenattoa da pátria, onde morreu. Ela havia se casado, em segunda núpcias, após a morte de seu companheiro Jovellanos, com Juan O’Leary (senior). Melhor sorte que a mãe não tiveram inocentes irmãs do biógrafo paraguaio. O crime dessas mulheres foi o de incorrer no desagrado do tirano, tão somente. E o filho e irmão assim incensa o monstro: “el super-hombre paraguayo, heroe eponimo, el colosso de America”.

(5) Note-se: o pagamento foi feito pela Coletoria Geral, quer dizer: a caixa particular de López que se identificava com o Tesouro e, também, que a lei em vigor que declarava livres os filhos de escravos e extinta a escravidão era só “pro forma”. Havia, de fato, uma “escravatura”, isto é, um lugar onde se podia comprar escravos.

(6) Diz-se dos lopistas que, no seu afã de louvar o ditador Solano López até as raias do ridículo, se declaram lopistas antes mesmo de serem paraguaios, conforme os apelidou Arturo Rebaudi, “Guerra del Paraguay”, p. 13.

(7) Os comunistas se empenham, de início, em destruir os alicerces da nacionalidade, dentre os quais o culto aos heróis da pátria; quando a nação já se encontra desfigurada apelo desamor às suas tradições, e desesperançada, portanto, quanto ao seu futuro, estarão, aí, prontos os corações e mentes para a 2a. fase, a da construção de uma sociedade socialista (comunista).

(8) Mario Barretto, Op. Cit., Vol. I, Cap. 2.

(9) Idem, ibidem.

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(10) Viagem Militar ao Rio Grande do Sul, Conde d’Eu, Cia. Editora Nacional, 1936, p. 163-164.

(11) Dentre elas, os seus dois genros, o Conde d’Eu e o Duque de Saxe, e o então Marquês de Caxias.

(12) O francês é a lingua diplomática.

Capítulo V

ROUPA SUJA, DIPLOMACIA E MAÇONARIA 24-Não se pode tapar o Sol com a Peneira O Autor, aqui, se refere ao “irresponsável afinador de pianos George Thompson”,

buscando destruir, como inverídica, toda a informação contida no livro em que o inglês, “não tendo a perspicácia para identificar as causas profundas da guerra”, iniciada por López, dá testemunho, entretanto, do caráter do “generalito”, com inteiro conhecimento de causa, posto que foi, conforme vêm impressas, logo após o seu nome, na capa, as seguintes qualificações: “Engenheiro civil, Tenente-Coronel de Engenharia do Exército Paraguaio, Ajudante-de-Ordens do Presidente López, Cavaleiro da Ordem do Mérito Militar do Paraguai, etc.”

Como se vê, Thompson, que não morria de amores pelo Brasil, recebeu do próprio López o peso do seu “curriculum vitae”, com orgulho apresentado quando de volta à Inglaterra.

“Irresponsável”? Mas, teve a confiança do tirano para construir fortificações durante a guerra e, mesmo sendo estrangeiro, comandar o Forte de Angostura em fase crítica da campanha. “Afinador de pianos”? Já vimos que esta não era sua profissão, talvez uma habilidade, um “hobby” do inglês.

Sobre Thompson, assim escreveu Resquin, um dos generais de López: “Este Thompson antes de ser encarregado desse trabalho (a fortificação de Angostura) não passava de um protegido de Mme. Lynch, com quem vivia e cujo piano afinava. Por sua timidez não era encarregado de outro serviço mais que o desenho de plantas. Não tendo nunca entrado em combate, obteve suas promoções a pedido de Mme. Lynch.” (1)

Esqueceu-se, no entanto, Resquin, de que o Marechal Francisco Solano López, também, nunca entrou em combate até o dia da sua morte, quando não teve escapatória. Thompson, pelo menos fez reconhecimentos de engenharia, que o levavam à frente de combate e, no Forte de Angostura, ainda teve ocasião de comandar o fogo da

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sua artilharia sobre os nossos navios.

Se Thompson não lutou até a morte, rendendo-se em Angostura, Resquin também caiu prisioneiro. São e salvo teve disposição até para escrever um livro.

Cárcano, o insuspeito escritor argentino, achou por bem transcrever em sua obra o testemunho de um brasileiro, o distinto voluntário da pátria, Gen Dr. Pinheiro Guimarães, que esteve presente em todo o desenrolar do conflito, sobre López: “É um general excepcionalíssimo. Foge pessoalmente do perigo, cauteloso com a sua pessoa até o ridículo. Só lhe agradam, todavia, operações arriscadas. O plano mais audaz não o intimida, desde que o exército seja outro e não ele. Cheio de estulta vaidade, não aprecia os princípios mais positivos da arte militar. Se uma operação tem dez probalilidade contra, e nenhuma a favor, por isso mesmo a prefere, com um profundo desprezo pelos homens que derramam o próprio sangue para satisfazer sua ambição, empenhada em empresas arriscadíssimas, enviando-os à morte com serenidade implacável.” E arremata: “E assim vai, dizimando soldados e aniquilando povos que não poderá repor.” (2)

Na introdução a esta refutação, tivemos oportunidade de discorrer sobre a moderna metodologia utilizada na pesquisa das causas das guerras. Verificamos que a tese do Autor, a da teoria do imperialismo, carece de fundamentos tanto quanto a pretensa justificativa apresentada pelo próprio López, que pode ser encaixada na teoria do equilíbrio regional do poder, o que também se dá com a teoria da transferência do poder. Onde encontrar, então, as causas da guerra do Paraguai?

Temos visto os mais insuspeitos depoimentos e pesquisas sobre a formação de Solano López, e o ambiente em que viveu, com especial destaque para o conceituado historiador argentino, Ramón J. Cárcano.

Ora, se a moderna metodologia nada pode nos indicar com suas teorias, resta o recurso à pesquisa psicológica, ambiental ou comportamental do ditador. E é o que temos feito, buscando, seja nos autores mais conceituados, seja nas testemunhas dos dois lados.

Se Solano López não disse que queria ser o Napoleão sul-americano, temos referências às suas longas visitas ao túmulo do plebeu corso que se fez imperador dos franceses; da ordem do mérito que estabeleceu no Paraguai, cujo colar estava reservado a reis e imperadores, sendo ele um presidente da república; da “fofoca” da época, de que teria pedido a mão de uma das princesas brasileiras, quando tocou no Rio de regresso da Europa, e teve uma entrevista com D. Pedro II; dos indícios de que pretendeu reconstituir parte do antigo Vice-Reinado do Prata, sob sua direção; do poncho bordado a ouro de que tanto gostava, que trazia uma coroa imperial bordada (a brasileira), recebido de presente; do cerimonial que usava nas suas aparições, mais próprio de um monarca do que de um presidente da república; do fato de ter herdado o governo, como se tudo se passasse numa sucessão monárquica; da irritação que lhe causavam as irreverências da imprensa de Buenos Aires e do Rio; etc. Ora, a sensibilidade do jornalista pode exagerar, mas, no conjunto da imprensa, durante certo período, quando ela é livre como foi no Brasil e na Argentina da época, teremos, se não o retrato fiel, pelo menos o esboço, o “retrato falado” de um governante.

E os preparativos para a guerra? Compras no exterior, treinamento de tropas, contratação de instrutores...

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Por certo a guerra já estava decidida na sua cabeça misteriosa desde há muito tempo (3). Aguardava o momento oportuno. E tanto isto é verdade, que o motivo alegado não convenceu ninguém na época, e continua sem convencer: a intervenção brasileira no Uruguai!

Não resta dúvida: esta guerra poderia ter sido evitada. Bastaria que fosse outro o governante paraguaio. Qualquer político, por mais atrasado que fosse, veria que não era possível ao Paraguai, mesmo armado até os dentes, enfrentar com sucesso o Brasil, mais a Argentina, aos quais ainda veio se somar o Uruguai. E dizemos político para não nos referirmos ao profissional que tem o dever de saber avaliar forças em confronto, formular planos e conduzí-los: o general. Bem se vê que López não foi, nem um, nem outro.

Mas, pelo menos, fosse um soldado. Estivesse à frente das suas tropas. Se era incompetente para planejar seu emprego, fosse corajoso para lutar, não, digamos, na primeira linha, mas pelo menos no centro do seu exército.

Mas, não. “El Supremo” ficava à retaguarda, fora do alcance dos tiros, e tão longe que quase ficava fora do alcance da sua própria luneta de grande poder.

Não dá para tapar o sol com a peneira: López foi um covarde, sobretudo.

E bem que gostaríamos de encerrar este item por aqui, enojados muito mais com o Autor que com o napoleão guarani, mas resta a carta de Sarmiento, que é assim transcrita por Rottjer: “Al terminar la guerra en 1870 con la muerte de Francisco Solano López, Sarmiento - presidente de la republica - escribia a la educadora protestante norteamericana Mary Mann: ‘Es providencial que un tirano (López) haya hecho morir (en esta guerra) ese pueblo guarani. Era preciso purgar la tierra de toda esa excrecencia humana’. Sarmiento decia que habia que acabar com ‘la barbarie’ y ‘salvagismo’ de todo lo hispano y autóctono y abrir las puertas al ‘progresso’ y a la ‘civilización’ que - segun él - sólo nos podia llegar del extranjero, por via de Francia, Inglaterra y Norteamérica.” (Os negritos são nossos). (4)

O Autor é cego para a evidência. Até mesmo o Sarmiento, inimigo do Brasil, reconhece que Solano López destruiu o seu exército e o seu povo. De resto, não concordamos com ele quanto ao progresso e civilização, que só poderiam chegar do estrangeiro.

E quanto à afirmação relativa aos “mais variados e preciosos produtos dos trópicos”, que existiriam no Paraguai, devemos nos reportar aos dias correntes para verificarmos que eles se resumem a dois: madeiras e erva-mate, isto é, nem um pouco variados e nem tão preciosos assim, face à distância dos possíveis centros consumidores em que se encontravam. Por outro lado, seria o cúmulo que alguém acreditasse que o Brasil, principalmente naquela época, pudesse ter cobiça pelas madeiras e erva-mate paraguaias. A Argentina, como vimos, tinha um certo olho grande no Paraguai, mas era mais uma questão de aumento territorial.

25 - Diplomacia: um Suplício para o Inculto Paraguai É natural que os estrangeiros tivessem uma visão distorcida do Paraguai dos

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ditadores. Além do acesso difícil e do isolamento por tantos anos mantido, ainda faltou à gente guarani bons diplomatas que a representasse no exterior, ficando entregues os seus negócios a indivíduos que dificilmente seriam representantes dos seus próprios governos. E a propaganda nem sempre fez o efeito pretendido, pois é normal que se desconfie da linguagem hiperbólica utilizada pelos articulistas comprados. Enfim, foram dolorosas as relações de ditadores que supervalorizaram seu minúsculo poder, e a realidade do mundo.

A visão da época, a realidade, era a de que não merecia viver soberanamente a nação que se fechasse em si mesma, que fugisse à participação no processo civilizatório, e não trocasse produtos e idéias. Era candidata à colonização.

Olhando o mapa da América do Sul, e focalizando o Cone Sul, os civilizados viam dois países: Brasil e Argentina. O nosso, membro do primeiro mundo de então e, os portenhos, lutando decididamente pela unidade nacional e pela transformação da Argentina em rival eficaz do Brasil.

A lógica política, econômica e geográfica indicava que os limites brasileiro-argentinos deveriam situar-se no Rio da Prata e, subindo pelo Paraná - Paraguai, fossem dividir a terra dos guaranis em dois pedaços: o Chaco para a Argentina, o leste para o Brasil. Assim enxergavam os de fora e, se assim não foi, afinal, foi porque o Brasil não quis. Preferiu o caminho do convívio ao da conquista, a boa diplomacia à guerra, sempre e até quando fosse possível.

Pois foi em torno dessa realidade que agiram os diplomatas estranhos ao continente. Daí as incompreensões, as ações mal conduzidas, a indefinição dos órgãos de relações exteriores europeus e norte-americanos para o Cone Sul, particularmente para com o Paraguai, onde não encontravam interlocutores válidos. Ora, grosserias e fanfarronadas não casam com a atividade diplomática, e quem as comete recebe logo a qualificação de bárbaro.

O primarismo jornalístico do Autor, entretanto, levou-o a informar-se, temos de dizer mais uma vez, nas obras dos ressentidos, e que elegeram a mentira, o silêncio e a hipérbole a fim de tentar reescrever aquele período histórico sem brilho para a nação valente, mas carente de cultura, que foi o Paraguai do século XIX.

Mais uma vez, desculpem-se os paraguaios patriotas, os lopistas e até mesmo os lopezguaios, quando, demonstrando ainda permanecerem no estágio infantil dos seus governantes da trinca ditatorial, empenham-se em fazer picuinhas ao Brasil.

Mas, o Sr. Chiavenatto, não. Este dispunha de todas as informações necessárias ao bom entendimento da história do Cone Sul, no século XIX.

Será que não é evidente que o Paraguai deve sua existência soberana ao Brasil? Que mais é preciso demonstrar? Será que os brasileiros deste fim de século estão de mal com o Brasil? Será que a injustiça há de prevalecer? Será que o Brasil e os brasileiros do século passado não merecem de nós nenhum crédito, enquanto que os ditadores do Paraguai merecem todas as distorções, no afã de, pela sua elevação artificial, se tentar rebaixar os vultos históricos da nossa Pátria? E as perguntas, geradas pela perplexidade, se sucedem.

Mas a resposta pode ser sintética: não merece a boa herança quem faz mal uso dela. Esta enorme e gloriosa Pátria que é o Brasil, que tanto sacrifício, dedicação, amor

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e sangue custou aos nossos avós, não sensibiliza o apaixonado Sr. Chiavenatto.

E constatem que não herdamos fraudes, conquistas vis, mentiras, “histórias oficiais”, paixões e outras baixezas que tais. Somos uma nação privilegiada, herdeira de virtudes, de vitórias, de uma altiva participação no mundo. Se temos com que nos preocupar, não será com a História, mas com os dias de hoje. Já não se fazem mais brasileiros como antigamente!..

Agora, passemos a Washburn.

Já vimos, no capítulo III, porque o Autor odeia tanto o inglês Thompson. Veremos, agora, porque George Washburn é por ele chamado de “corrupto representante dos Estados Unidos.”

O americano foi o representante do seu país no Paraguai, durante a guerra. De volta aos Estados Unidos escreveu: “The History of Paraguay”, que publicou em Boston, por Lee and Shepard Editores, em 2 volumes, com data de 1871. O nosso Barão do Rio Branco traduziu e sintetizou alguns trechos, que juntou às suas notas à obra de Schneider, já referida (5).

Por ser muito extensa a nota de Rio Branco, suprimiremos, na transcrição que logo abaixo começa, suas passagens menos interessantes, mantendo as aspas apenas nos trechos por ele retirados de Washburn, para melhor identificação:

O ministro americano partiu de Passo Pucu para Tuiuti na tarde de 11 de março, em uma carruagem de López, escoltada por trinta e tantos homens, entre os quais o filho mais velho do ditador. “Seguimos”, diz ele, “por um caminho sinuoso e difícil, e só ao cabo de duas horas chegamos ao ponto que nos esperavam a guarda que o Marquês de Caxias enviara para acompanhar-nos ao seu quartel-general (...) no dia seguinte, logo ao amanhecer, Caxias saiu a inspecionar suas tropas e fortificações. Voltou às 10 horas, e fui almoçar com ele. Finda a refeição, entregou-me a sua resposta à minha nota de véspera. Nesse documento declarou-me que os Aliados não aceitariam mediação alguma, e nunca tratariam com López”. (6) A demora de Caxias foi o tempo suficiente para ele consultar os dois outros comandantes - chefes aliados.

Regressando a Passo Pucu na manhá de 13, Washburn encontrou López muito ansioso por conhecer o resultado da missão (“intensely anxious to know the result of my mission”). O ditador estava à mesa conduzindo o almoço, em companhia do Bispo, dos generais Barrios, Bruguez e outros chefes. “Desejou logo, com interesse, informações sobre o Marquês de Caxias; perguntando-lhe que espécie de homem era. “Respondi que era um homem adiantado em anos, e me parecera muito ativo, e excelente disciplinador, que em minhas anteriores visitas nunca encontrei o acampamento dos Aliados em tão boas condições como desta vez: havia grande melhoramento.”

“Depois de outras perguntas sobre a situação dos Aliados, se havia entre eles grande clamor pela paz, se era certo que estava iminente uma revolução em Buenos Aires, e se o governo do Brasil via-se em apuros para levantar dinheiro, López, mui pouco satisfeito com as informações do ministro americano, despediu as pessoas presentes. Então anunciou-lhe Washburn que a mediação fora rejeitada e mostrou-lhe a resposta do Marechal Caxias; informou-lhe, também, que Osório ia invadir o Paraguai por Itapua com 10.000 homens. Respondeu López que já tinha notícia disso, mas que, segundo as suas informações, o corpo de exército do General Osório não era tão numeroso; que se esses reforços viessem incorporar-se às tropas de Caxias criariam

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dificuldades, mas se Osório, transpondo o Paraná em Itapua, tentasse penetrar o interior do país até a capital, encontraria diante de si o deserto, caminhos intransponíveis naquela estação, e desfiladeiros em que seria completamente desbaratado por forças muito inferiores.” (7)

As declarações de López ao ministro Washburn nas seguintes entrevistas, de 14 e 15 de março, são muito interessantes. Afirma Washburn que lançara imediatamente, em seu diário de lembranças, a suma das conversações que tivera com o ditador, e reproduz na citada ordem as páginas desse diário. A terrível promessa de que só cairia depois de destruir todo o povo paraguaio, foi feita então pelo vaidoso tirano. (O negrito é nosso). (8)

“No dia seguinte, 14 de março”, diz Washburn: “fui de novo visitar López. A entrevista foi longa. Começou falando da sua situação. Reconhecia que era bastante grave, mas afirmava arrogantemente que repeliria os Aliados, qualquer que fosse o ponto escolhido para o ataque, embora, quanto ao resultado final da guerra, mostrasse reconhecer que as possibilidades a seu favor eram muito pequenas (...) O que se queria (dizia ele) era que saísse do país com todo o dinheiro de que pudesse precisar. (9) Isto (exclamou), nunca faria: combateria até a derradeira extremidade, e sucumbiria com a última guarda que lhe restasse (...) se chegasse a hora dos desastres não haveria rendição, todos teriam de pelejar até morrer. (8) Estava preparado para lançar mão de medidas mais extremas do que se pensava: era preferível sucumbir quando todo o seu povo estivesse destruído (8) a aceitar a condição que se lhe queria impor de abandonar o país. Não haveria futuro para ele nem precisava da vida se não tivesse de ficar vitorioso. Sua fama na história estava, com toda a certeza, segura: a glória resultante de uma guerra que ele havia prolongado tanto contra inimigos que dispunham de recursos tão infinitamente superiores, já era sua; nunca mais lha poderiam roubar. Suas ambições não eram ombrear com San Martin, Bolivar, Belgrano, ou outros heróis sul-americanos; não desejava que o seu nome fosse classificado entre os de homens que haviam feito tão mesquinha figura (...) Ele estava disposto, sendo necessário, a coroar seus triunfos com um ato de heroísmo, perecendo à frente de suas legiões (10). Tinha trabalhado tanto por sua pátria e com tanta abnegação, tinha sido sustentado por seu povo com tanta bravura e com tal expontaneidade, que tudo isso o justificaria perante a história, e o colocaria muito acima de todos os heróis sul-americanos. Era uma glória ele estar resistindo a três nações, e o mundo devia maravilhar-se da defesa que ele, López, estava fazendo; surpreendia-o sobremodo o ver que as outras nações, especialmente os Estados Unidos, não viessem em seu favor, e se persistissem nesse propósito, sobre elas recairia a responsabilidade dos desastres resultantes da prolongação da guerra.

Washburn respondeu que tais declarações o penalizavam muito; que se o desfecho da guerra tinha que ser a vitória da Aliança, era melhor desistir em tempo da luta, salvando a sua vida e a de milhares de seus compatriotas, do que sacrificar sem proveito algum, tantas existências. (11)

O ditador replicou que “depois da declaração de Caxias de estarem os Aliados resolvidos a declinar qualquer proposta de mediação, não lhe restava alternativa: era preciso pelejar até a última.” (12) Os meninos que eu via ali perto (mostrava-me os filhos de Mme. Lynch) eram as únicas pessoas que lhe inspiravam cuidados neste mundo. A vida era cousa sem valor, questão de mais ou menos anos; sua vida não era longa, mas tinha vivido muito, e era preferível cair com honra, a viver como um foragido, deixando sua pátria como despojo ao inimigo.

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No dia 15, antes de embarcar para Assunção, o ministro americano foi despedir-se de López, e por essa ocasião conversam de novo a sós. Eis aqui alguns extratos do diário de Washburn:

“Declarei-lhe que havia meditado em tudo quanto me dissera, e pareceu-me que a sua resolução teria efeito contrário ao que ele supunha: que os historiadores, e, em geral, os homens de letras, de cujo juízo depende muito a reputação futura dos homens que ligam os seus nomes aos grandes acontecimentos, nunca aprovariam o inútil sacrificío de vidas quando tudo estivesse perdido, antes o condenariam, e ele acabaria destarte por perder a fama e a glória que conquistara. - López não concordou. Sua resolução (disse) estava tomada, e a responsabilidade dos excessos a que teria que recorrer, caberia às outras nações, que o deixavam assim desamparado. Ao principiar a guerra nunca pensara chegar a esta situação; não contava que a luta fosse tão longa e desesperada; mas levou-a por diante, conquistando um grande nome perante a história, de sorte que era verdadeiramente assombroso que os outros governos não manifestassem interesse algum por ele. E de novo teve a ‘amabilidade’ de dizer-me em face, que minha influência era pequena, pois se não fosse assim eu teria podido induzir o meu governo a entrar na liça a seu favor.

Voltou à carga o ministro americano, e, entre outras coisas, disse-lhe que Napoleão, o Grande, fora vencido, e, conquanto tivesse deixado sua pátria para ir morrer prisioneiro em uma ilha, conquistara maior glória e simpatias do que se tivesse morrido tranqüilamente, e vencedor, no seu palácio das Tulherias; que Kossuth e Garibaldi, grandes soldados da causa da liberdade, receberam as mais estrondosas ovações nas primeiras capitais do mundo; e que, assim, ele López, mesmo vencido e obrigado ao exílio, devia esperar igual acolhimento, e as maiores atenções e honras no estrangeiro.

“A minha lisonja (continua Washburn), segundo pude perceber, foi-lhe muito agradável, mas não o abalou. Replicou que bem sabia que o seu nome lhe bastava para assegurar-lhe as maiores honras em qualquer parte do mundo, mas de longa data havia mostrado não ser homem de andar mudando de idéias e propósitos. Sobretudo queria que o Imperador do Brasil soubesse que havia errado o seu homem quando provocou a hostilidade de Francisco Solano López. (13)

“Ele (López) não tinha ambição pessoal, nunca tivera; trabalhava para a sua pátria, e estava determinado a viver ou a sucumbir com ela. Falou muito na sua abnegação, e repetia que não compreendia como os seus sacrifícios e os exemplos que dava ao mundo não lhe haviam ganho o apoio das demais nações; mas seus feitos ficariam, e seriam o seu monumento nas idades futuras. - Mis hechos! Mis hechos! Exclamava ele...

“Eu não podia acreditar”, observa Washburn, “que esse homem estivesse de boa fé quando assim me falava. Ele não era tão estúpido ou tolo para deixar de compreender que o povo que combatia às suas ordens compunha-se de abjetos escravos, dominados pelo terror, e que naquele país não era tolerada a mais insignificante partícula de independência ou de liberdade de pensamento. Se algum paraguaio se aventurasse a falar-lhe em paz, ele o faria imediatamente fuzilar. Convencí-me, porém, de que o seu egoísmo, tolice e vaidade o levariam a sacrificar todo o povo paraguaio antes de deixar o país(...) Não acreditei na história de estar ele resolvido a morrer à frente das suas legiões. A minha opinião, a do Dr. Stewart, a opinião unânime de quantos o conheciam, era a de que continuaria a expor a sua gente nos combates enquanto

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conservasse a esperança de tratar com os inimigos, ficando ele à frente do governo; perdida completamente essa esperança, procuraria então retirar-se com tudo o que fosse seu ou houvesse extorquido ao povo paraguaio. E não nos esqueçamos, pois apesar de não ter escapado vivo, nunca se expôs pessoalmente ao perigo. Só caiu depois que fez destruir todo o seu exército, mas foi morto quando fugia, e não à frente das suas legiões”.

A vaidade com que López falava da sua gloriosa defesa, em luta contra três nações, é verdadeiramente ridícula (...) (veremos adiante as forças dos Aliados no primeiro período da guerra. O “Semanario” repetia sempre que estes haviam passado o Paraná, em 1866, com 100.000 homens. Os exércitos aliados, quando deram início à invasão não contavam mais de 40.000).

A opinião pública, nos três países aliados, mostrava-se impaciente, e exigia dos generais aliados verdadeiros milagres. Se, efetuada a invasão, tivessse a contenda de ser resolvida em uma batalha campal, sem dúvida a sorte das armas nos teria sido propícia; mas, hoje que o terreno e os recursos dos beligerantes deixaram de ser um mistério, ninguém desconhecerá que os generais aliados não podiam ser bem sucedidos atacando, com força de pouco mais de 30.000 homens, inclusive cavalaria, trincheiras defendidas por força igual à dos assaltantes. Com os elementos de que dispunha ao provocar arrogantemente a guerra, e com a ignorância completa dos aliados quanto aos recursos e às condições topográficas do país inimigo, López teria sido invencível se fosse um grande capitão. Seus apologistas e os detratores do nome brasileiro, limitam-se a dizer que de um lado pelejavam as duas maiores potências sul-americanas, e do outro um pequeno Estado, de povoação escassa, menos rico e poderoso; mas não se lembram que não há país fraco quando um povo inteiro toma armas para resistir em seu território à invasão estrangeira, e que para o Brasil, sobre quem recaiu todo o peso da guerra, era esta uma experiência longínqua, mais difícil que a do México ou a da Criméia para as potências que as empreenderam. López começou a guerra em 1864, tendo todas as vantagens da surpresa, e dispondo de 80.000 homens, quando o Brasil não podia opor-lhe mais de 14.000. Suas operações militares foram dirigidas por modo tal, que em Mato Grosso não passou de Corumbá, e no Sul, foi batido e repelido de Corrientes e no Rio Grande do Sul ao cabo de cinco meses. Tinha de 30.000 a 40.000 homens para opor-se à passagem do Paraná, e os Aliados, com força igual à sua, e tropas não profissionais na sua maior parte, efetuaram essa difícil operação, surpreendendo-o e estabelecendo-se solidamente nas posições por ele abandonadas. Os que admiram da longa duração da guerra não atendem às circunstâncias que apontamos, e por isso deprimem os generais aliados só porque não marcharam tão rapidamente como costumavam fazê-lo os exércitos europeus, através de estradas e campos conhecidos, onde encontram todos os recursos. Mas que exército já combateu na Europa lutando com as dificuldades que os Aliados tiveram de vencer, nos pântanos e bosques do Paraguai? O erro capital cometido, não pelos generais, mas pelos governos aliados, foi não terem invadido o Paraguai com 80.000 ou 100.000 homens. Só então poderiam os impacientes exigir que os nossos generais fizessem mais do que fizeram (...) O ataque é sempre mais difícil do que a defesa, desde que esta se apoia em fortificações, que tira o necessário partido do terreno.

Em dezembro de 1866 (três meses depois do desastre de Curupaiti, e antes do oferecimento da mediação de que se acabou de tratar) o ministro Washburn esteve com López em Passo Pucu. Por esta ocasião o ditador manifestou-lhe o seguinte juízo a respeito dos oficiais e soldados brasileiros e descobriu o seu projeto de derrotar o

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tesouro do Brasil:

“Declarou-me (López) que era um engano em que muita gente estava a supor que os soldados brasileiros não se bateriam bem. Os soldados tinham bastante bravura, mas os oficiais eram incompetentes e ignorantes. Ele vira atos de valor praticados por soldados brasileiros iguais a tudo quanto de melhor se havia praticado no seu exército; mas havia nos brasileiros tanta falta de energia, tanta indisposição para aproveitarem-se de qualquer vantagem temporária que alcançavam, que lhe seria fácil contê-los por muito tempo. Sua principal esperança era que a Aliança se rompesse. Acreditava que o tesouro brasileiro não poderia suportar as despesas que a guerra estava acarretando, e que o Império ficaria exausto de recursos antes que o Paraguai pudesse ser vencido e conquistado.” (Até aqui Rio Branco e Washburn). (14) Todos os negritos são nossos).

No início deste item fizemos considerações sobre a visão européia e norte-americana do Paraguai. Mas, seja por boa intenção, ou como parte de um negócio, não nos interessa; o fato é que o tão combatido, pelo Autor, Washburn, foi capaz de influenciar o seu governo de modo a obter deste que instruisse seu representante no Rio de Janeiro, o ministro Webb, a insistir com o governo brasileiro pela terminação da guerra.

O gabinete brasileiro respondeu, então, (estamos no início de 1868), que a paz, sem a deposição de López, era impossível. “Não estava longe o dia em que o ministro Washburn teria de profundamente arrepender-se de se ter colocado ao lado da barbárie, dando-lhe todo o apoio moral, contra a civilização e a humanidade.” (15)

E seu arrependimento não passou despercebido de López. Washburn acabou sendo substituído.

“Caxias, ao passar por Vila Franca, em suas operações ofensivas, junto à última linha de defesa paraguaia que se esboçava antes de Assunção, recebeu, do almirante comandante da esquadra, um informe que este, por sua vez, recebera do secretário da legação inglesa, Mr. Gould, que se achava a bordo da canhoneira Linnet. Este diplomata colhera a notícia em conversa com o ministro americano Washburn, que descia o rio com sua família na canhoneira Wasp. A parte mais importante dessa conversa era ter López declarado que, ‘se fosse vencido em Villeta, se retiraria para as Cordilheiras, onde se poderia ainda sustentar por um ano, obrigando os aliados aos maiores sacrifícios.’

“Nesse mesmo dia (13 de setembro de 1868) Caxias publicou um boletim em que relatava os últimos acontecimentos, os informes sobre López fornecidos por Washburn, etc.” (16)

Não foi só Washburn que se decidiu a ajudar a derrubar, logo, o ditador que ia aniquilando a nação paraguaia, e prometera acabar com todos antes de morrer: as pessoas sensatas fariam o mesmo, como o fizeram diplomatas de outras nações.

26 - Maçonaria: aqui, lá e acolá Este item traz duas mentiras destinadas a apoiar a tese do Sr. Chiavenatto: a

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colocação do Paraguai no centro das atenções do Brasil e da Argentina, e a atribuição à maçonaria da articulação de uma conspiração contra o mesmo.

“Rede de intrigas”, “estrutura de propaganda”... Temos que esclarecer que o Paraguai daquela época, como ainda hoje, não ocupava, por sua reduzida importância, nenhum lugar próximo ao centro das preocupações das diplomacias, não só do continente, como de resto de todo o mundo. Como já vimos, foi preciso López, em sua viagem à Europa, contratar redatores e propagandistas para fazer publicar matérias relativas ao seu longínquo, obscuro, pobre e atrasadíssimo país. López montou e manteve, com seu ministro Berges, uma estrutura de propaganda que tinha como público-alvo o público externo, enquanto que, para o público interno, manteve o “El Semanário” e criou outros pasquins, como veremos oportunamente.

O Gen Mario Barretto retirou dos arquivos, apreendidos durante a guerra, uma série de documentos comprobatórios da estrutura de propaganda lopista no exterior, contendo pormenores muito interessantes a respeito das encomendas de artigos , editoriais, traduções, etc., fazendo menção expressa aos jornais que publicaram as matérias, os custos de publicação, os pagamentos dos colaboradores, etc. As peças mais importantes dessa estrutura foram: no Paraguai, fornecendo os assuntos e, muitas vezes, artigos prontos, o ministro das relações exteriores, José Berges; e, na Europa, coordenando a propaganda, o Cel belga Alfred Du Graty.

Havia, sim, uma “rede de intrigas”, mas vamos localizá-la com precisão entre os diplomatas uruguaios dos governos blancos e Solano López. Queriam os orientais que o Paraguai se alinhasse com eles contra o Brasil e a Argentina. Muito embora o ditador se esquivasse, sempre, a assinar tratados, o fato é que mordeu a isca, e saiu-se com o já conhecido pretexto de equilíbrio do Prata. O Brasil e a Argentina, principalmente o nosso país, não se davam conta da entrigalhada que grassava entre Montevidéu e Assunção. Sucederam-se as missões Herrera, Lapido, Sagastume e Carreras junto aos López, notadamente junto a Solano López. “Lendo-se hoje, com a devida calma, essa preciosa documentação diplomática, cuja divulgação se deve ao caráter elevado e nobre do ilustre uruguaio, o Sr. Luis Alberto Herrera, não se pode deixar de reconhecer a influência fatal que o governo do Uruguai exerceu sobre o espírito de Solano López para decidí-lo a romper em guerra contra o Brasil e contra a Argentina.” (17)

Evidentemente, teria sido bem melhor para nós que tivéssemos acompanhado os preparativos bélicos que López fazia para, assim, evitar a surpresa geral das invasões de Mato Grosso e do Rio Grande do Sul, valendo a mesma conclusão para a Argentina.

Agora, vejam bem: se o Brasil e a Argentina quisessem fazer guerra ao Paraguai, não teriam faltado bons motivos. Não seria necessário ao Brasil mascarar seus intentos com uma custosa intervenção no Uruguai. E como explicar tal manobra, se fomos surpreendidos com o ataque de López numa proporção de 100.000 contra 14.000?

Deste tipo de burrice dispense o Autor os dirigentes do Brasil. Aliás, melhor mesmo seria que não tivesse publicado o seu panfleto “apaixonado”, e se limitasse a difundir suas balelas no reservado círculo daquelas pessoas que renunciaram à inteligência: os membros dos partidos comunistas.

O Sr. Chiavenatto atribui à maçonaria a articulação de uma conspiração contra o Paraguai. Está conforme a sua tese, mas é melhor averiguarmos como agia essa sociedade secreta, na América do Sul daquele tempo, para melhor, também, concluirmos a respeito.

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“O conselheiro Manuel Rodrigues Gameiro Pessoa, mais tarde Visconde de Itabaiana, escrevia de Londres ao Imperador, afirmando não haver dúvidas sobre a existência duma sociedade secreta, criada para exterminar a monarquia no Novo Mundo, cujo foco se achava na Colômbia.” (18)

Passemos a palavra a um especialista, Gustavo Barroso:

“Itabaiana estava na capital inglesa em companhia do seu amigo do coração, Felisberto Caldeira Brant, futuro Marquês de Barbacena, tratando do nosso primeiro empréstimo externo. Londres era, então, o dínamo propulsor de todas as agitações maçônicas que se processavam na América do Sul, desde o começo do século XVIII, pelo menos. A proteção do Duque de Sussex, grão-mestre da maçonaria inglesa, estendia-se sobre todos os intrigantes, agitadores e corifeus da seita. As lojas londrinas iam ter as pontas de todos os fios das meadas urdidas em nosso continente. É que o poder financeiro de Rothschild substituíra o poder militar de Napoleão, e o Kahal de Londres principiava a governar o mundo, prenunciando a formidável ação atual do Intelligence Service.

“A grande figura maçônica que, de acordo com os poderes ocultos da Inglaterra, dera os necessários passos para a preparação dos movimentos revolucionários sul-americanos, fora o general Miranda, o qual pusera um dos seus centros polarizadores na Colômbia. Itabaiana, freqüentando os banqueiros, estava, pelo que ouvia, a par da verdade, e dava uma informação absolutamente exata.

“Ainda não tinha o novo império dois anos de vida e via-se obrigado a estender a sacola... Desde 1812 era lastimável a situação do erário. Os novos encargos do governo imperial aumentavam de muito as despesas públicas. Além disso, inaugurava-se no mundo a era dos empréstimos. Os povos pediam cartas constitucionais; os governos dos povos pediam dinheiro. A maçonaria dava as cartas; o judaismo dava o ouro. Assim, os poderes políticos minguavam diante dos poderes secretos e dos poderes financeiros, os primeiros a reboque destes. Desta sorte, as soberanias nacionais começavam a curvar-se diante da internacional maçônica e da internacional bancária.

“O decreto de 24 de janeiro de 1824, referendado pelo Marquês de Maricá, autorizou a realização duma operação de crédito no estrangeiro. Encarregaram-se dela, na praça de Londres, o conselheiro Gameiro Pessoa e o marechal Felisberto Caldeira Brant. Lançou-se o empréstimo em duas partes, cabendo o contrato da primeira a um consórcio das casas Farguhar Crawford, Fletcher Alexander e Thomas Wilson, e o da segunda a Nathan Mayer Rothschild, cujo nome aparece pela primeira vez na história para nunca mais sair dela. O primeiro foi datado de 1824; o segundo, de 12 de janeiro de 1825. O total do empréstimo era de três milhões de esterlinos.” (19)

“O milhão de libras da primeira operação nos foi dado pelo prazo de 30 anos, com 1% de amortização, 5% de juros anuais, e tipo de 75, o que quer dizer que recebemos £750.000, mas ficamos devendo £1.000.000. A margem de £250.000, linda soma naquelas priscas eras, ficou “soi dissant” para as despesas do empréstimo e, sobretudo, para ser repartida entre os intermediários, os de lá e os de cá. Nessa margem, está o segredo dessas operações e do açodamento de certos homens de Estado em fazê-las. O contrato com Thomas Wilson e seu séquito contém cláusulas que valem a pena ser conhecidas: opção para a segunda parte do empréstimo - £2.000.000; comissão de 4% sobre os gastos (condição 7a.); monopólio das compras de qualquer material de que carecesse o governo imperial entregue à firma dos emprestadores (condição 9a) e que os

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contratadores do empréstimo se esforçariam para obter; 2 e 1/2% sobre a compra ou venda de quaisquer mercadorias para o Brasil ou do Brasil; 1% sobre todas as letras de câmbio vindas para o nosso país ou dele remetidas para o estrangeiro; 1 e 1/2% sobre todos os seguros de embarque de ouro e prata, e demais transações. Com tal contrato, o governo imperial , decerto inconscientemente, alienava a sua soberania econômica em mãos do Kahal. O soberano econômico-financeiro do país passava a ser o banco...” (20)

Que o Brasil foi obrigado a tomar empréstimos aos banco instalados na Inglaterra, sob condições leoninas, não há dúvida. Mas, daí sacar que o Brasil e a Argentina forçaram o Paraguai à guerra, a mando da maçonaria, é muito forte. Inaceitável, pelos seguintes motivos:

1o) O grande interesse dos bancos instalados na Inglaterra era comercial-financeiro. No que tange ao Paraguai, pouco, muito pouco mesmo poderiam obter através de uma ação indireta brasileiro-argentina que eles não pudessem fazer diretamente. Quer dizer: se o comércio com o Paraguai à época de Carlos López não era maior, o motivo se encontra na pequena e não interessante pauta de exportações do país. Algodão? Já vimos que a Inglaterra obtinha essa matéria-prima em diversos outros lugares (inclusive no Brasil, que precisava lhe pagar os empréstimos) e em melhores condições. O próprio Brasil sentia a concorrência dos Estados Unidos, que foi agravada com a introdução da máquina de descaroçar, inventada por Dilthney, que multiplicou por 50 a força de trabalho, enquanto os novos centros produtores de açúcar das Antilhas tiravam o sono dos nossos produtores. Em resumo: não era o caso para a Inglaterra ir abrir ou expandir o mercado paraguaio, muito menos através de uma custosa e incerta ação brasileiro-argentina.

2o) A Inglaterra havia pactuado com as finanças internacionais. Ela entrava com tropas, dava o aval de uma nação resoluta e belicosa, e os financistas entravam com o dinheiro, financiando a expansão e manutenção do império de Sua Majestade. Os laços eram atados na maçonaria. Nesta, os grão-mestres passaram a ser escolhidos dentre os membros da família real. Um casamento de conveniência, mas que dura até hoje. Logo, não custaria à Inglaterra bloquear, invadir, submeter o Paraguai diretamente, se assim fosse do seu alto interesse. Albion não prestava contas ao mundo de suas ações. Não disfarçava quando queria submeter uma nação: agia..

3o) A iniciativa da guerra coube ao Paraguai. Ou melhor, a Francisco Solano López. Além de não haver nenhuma forma de pressão por parte do Brasil, superado o episódio da missão Pedro Ferreira, reatamos nossas negociações sobre limites e navegação dentro da melhor forma do direito internacional e, através do instrumento de uma exemplar diplomacia. Não foi o Brasil, e nem a Argentina, que se preparou para a guerra, transformando o país em um acampamento militar. Foi o Paraguai dos López.

É preciso ficar bem claro, se ainda não o está de todo, que López invadiu o Brasil e a Argentina de surpresa, sem prévia declaração de guerra. Aprisionou um navio mercante brasileiro que transitava rumo a Mato Grosso, levando o presidente daquela província, prendeu os passageiros e tripulantes, roubou o dinheiro que levavam, além de outros materiais, e, por fim, apoderou-se do navio, transformando-o em vaso de guerra e utilizando-o contra seus próprios proprietários, tudo com o mais profundo descaso aos costumes e normas civilizadas. Praticou atos de pirataria, banditismo e selvageria; semelhantes ações iria praticar contra a Argentina e três dos seus navios.

Pretender, portando, levar à conta da maçonaria, a guerra, é brincar com a

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verdade.

Reduzir o Brasil e a Argentina a meras filiais da coroa inglesa (“subimpérios”) , significa dizer que fizemos, também, um acordo com as finanças internacionais. Como se diria naquela época: que vendemos a alma ao diabo. Mas, como foi essa transação, se nenhuma vantagem levamos? Examinemos os fatos: de um lado o Império Britânico, produto da união Inglaterra bancos endinheirados, um império, como gostavam de dizer, onde o sol nunca se punha; do outro, o Império do Brasil, um império herdado dos seus ancestrais, que se debatia em carência de capital. Pois bem, o Brasil bate às dos ingleses e pede um empréstimo (para garantir a independência recém-proclamada) e, a estes nos comem pela perna e tratam logo de estabelecer as regras mais indecentes para a futura convivência financeira, mas, nenhuma que nos obrigasse a fazer guerra ao Paraguai.

Resumo: nós não vendemos a alma ao diabo, tanto que fomos sacrificados diabolicamente e nada ganhamos. Pretender-se que ainda deveríamos sangrar numa guerra por procuração, só mesmo na cabeça satanizada de um comunista.

Império Britânico e Império do Brasil. A denominação do regime político vigente em ambos permite ao Sr. Chiavenatto fazer jogo de palavras, sob a ótica econômica do “imperialismo”, carro-chefe do jargão marxista. O primeiro tem sede numa pequena ilha, e se espalha por todo o globo por força da sua marinha e do seu exército, movidos pelas finanças internacionais, sem respeito aos povos, tudo justificando pela liberdade: livre câmbio, livre comércio, livre apresamento. É o direito da força!

O Brasil, no entanto, é um imperio em si mesmo, não sai em busca de terras, do que o Autor maldosamente nos acusa. Basta verificar-se que, terminada a Guerra do Paraguai, este teve suas fronteiras definitivamente fixadas, com o Brasil, através de tratado, do qual nada mais consta do que os limites onde, sempre, desde a colônia, foi a nossa reivindicação. E diga-se de passagem que, na negociação do tratado, o Brasil aceitou uma proposta paraguaia e cedeu um pedaço de terra ao sul, de forma que o limite subisse até o Salto das Sete Quedas. Não fosse este detalhe e hoje não estaríamos dividindo com o Paraguai a metade da energia gerada em Itaipu. Foi uma simples demonstração de boa vontade de nossa parte, para encerrar as negociações amigavelmente. E o Brasil não permitiu, também, que a Argentina ajustasse seus limites com o Paraguai avançando pelo Chaco a dentro. A Inglaterra teria um comportamento tão elegante e honesto para com um vencido? Que o digam os simples empréstimos. E onde está o imperialismo (ou “subimperialismo”) brasileiro? Nós ainda ajudamos, com recursos tirados da caixa estourada, ao pobre vencido, e até a dívida de guerra acabamos perdoando. Estivemos além da força do direito, fomos magnânimos. Só mesmo a maldade de um apaixonado pelo comunismo pode querer inverter os fatos.

E não é preciso defender a Inglaterra, as finanças internacionais e a maçonaria para defender o Brasil. Nada temos com esse país que vendeu a alma ao diabo, nem com os filhos desse mesmo personagem, e nem com os seus enteados. Sofremos a ação nefasta de todos eles, não fomos e não somos seus procuradores.

López, sim, considerando a sua personalidade, teria sido capaz de vender a alma ao diabo para conseguir o seu intento. Errou muito e sonhou demais.. Um novo “império”, fundado sobre a casa guarani dos López, seria inconsistente: o pretenso monarca havia tomado como “princesa” uma mulher ex-casada, de vida irregular, e com quem nunca teve a coragem de se casar. Hitler, afinal, casou-se com Eva Braun nos derradeiros momentos. O argentino Cárcano fala dos rumores de que o “generalito”, ao

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regressar da Europa, teria pedido a mão da princesa Isabel, o que foi negado prontamente. Verdade ou não, o fato é que Solano López bem que gostaria de satisfazer a sua vaidade desposando uma verdadeira princesa, à la Napoleão. E não fosse a imensa tragédia que o acabou envolvendo e a sua nação, este momento de comicidade seria suficiente para colocar o guarani sedento de glórias e honrarias no livro de ouro dos maiores palhaços do mundo.

Engana-se, contudo, quem pensa que López fazia graça. Ele usou o desventurado povo paraguaio, até o fim, para engrandecer-se com riquezas e poder. Não chegou a fundar a pretendida dinastia lopezina, nem a restaurar o Vice-Reinado do Prata, mas acumulou uma enorme fortuna, a custa da sua escravizada gente, como podemos verificar nesta narrativa de Schneider: “Durante os meses de outubro e novembro houve um movimento constante de navios neutros. Os comandantes iam ordinariamente à terra e eram recebidos no Q.G. de López. O navio italiano recebeu 32 mulheres e crianças (italianas), e o francês um número menor, entrando o chanceler do consulado francês, que até então tinha estado preso por conspirar contra López. Estes embarques tiveram lugar em Angostura, assim como o transporte dos caixões que continham o patriotico donativo das jóias, tão pesados esses caixões que seis ou oito homens podiam dificilmente levantá-los.” (21) “A remessa que López fez para o estrangeiro de grande parte da fortuna nacional paraguaia, dilapidada por ele e pela sua bela Madame Lynch, é um dos indícios de que López projetava, ciente de que estava perdida para ele a campanha, ausentar-se do Paraguai, para mais tarde voltar a dirigir a sua nação.” (22) Esse fato da remessa dos fundos do tesouro paraguaio e dos valores particulares extorquidos pela oferta obrigatória, pelo confisco e por outros meios acha-se plenamente provado.” (21) (Foi) o que disse o tenente-coronel Manuel Antonio Maciel, ex-secretário do ditador, quando teve de depor no processo havido na Inglaterra a respeito do seqüestro intentado sobre os depósitos que alí se encontravam, feitos em nome de Madame Lynch. As declarações desse oficial paraguaio foram prestadas por juramento ante o notário extraordinário na Escócia, do Alto Tribunal de Chancery, na Inglaterra: ‘Lembro-me que quando me achava em Ascurra, em fins de junho ou princípios de julho de 1869, o dito Francisco Solano López remeteu, por intermédio de Martin Thomas Mac-Mahon, que voltava aos Estados Unidos via Buenos Aires, vários caixões que foram levados às linhas inimigas em quatro ou cinco carros escoltados por soldados, e nesse mesmo tempo a Sra. Lynch enviou caixões contendo roupas e os valiosos presentes paraguaios, conforme ela nos disse, a mim e a outros oficiais, que se achavam no QG naquela ocasião, então fui informado de que Mac-Mahon havia levado consigo grande quantidade de dinheiro nesses caixões. Se os referidos caixões continham dinheiro, como creio, deve ter sido esse dinheiro de propriedade do governo. No Paraguai era público e notório, como sei, que a demandada Elisa Alice Lynch não negociava, nem trabalhava, de forma a poder ganhar qualquer importância de dinheiro. (23) E tanto assim é que sei, por ter sido secretário de López, então general, estar ela acostumada a enviar as contas das suas despesas, como as do seu irmão, que vivia no Paraguai, ao dito Francisco Solano López, então general, para serem pagas por ele e, também sei que ele as pagava.”(21) Aliás, o tesouro paraguaio e a fortuna pessoal de López se confundiam, como já vimos.

Voltando à maçonaria sul-americana: naquela época, também já vimos, Miranda foi o agente liberal que disseminou a revolução da independência pelos povos hispânicos, agindo no interior das “lojas patrióticas” que se iam fundando. Assim, todos os próceres da independência, naquelas bandas do continente, foram maçons.

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Mas, a maçonaria é uma sociedade secreta, também, para a quase totalidade dos seus próprios membros, que são escalonados em graus, segundo seus conhecimentos, dedicação e confiabilidade, como as lojas, também o são, de forma que numa determinada loja mesmo o seu “venerável mestre” somente tem conhecimento daquilo que interessa às lojas de retaguarda, estas, sim, integradas pelos verdadeiros dirigentes.

Naqueles dias, vamos repetir, a diretriz londrina para as lojas sul-americanas era: fazer a independência da Espanha e de Portugal com o esfacelamento dos territórios dos Vice-Reinados e do Estado do Brasil (não éramos mais colônia desde 1808, com a instalação do Reino Unido, por D. João VI) em republiquetas fracas, conturbadas e descoordenadas entre si. Não queriam o surgimento de grandes nações católicas deste lado do Atlântico. Os Estados Unidos não lhes ofereciam riscos, pelo seu tamanho, pois já estavam comprometidos com eles, e seria preparado para torna-se a nova sede do poder mundial, ultrapassando a Inglaterra. Esta, com seus relativamente limitados recursos, já havia impulsionado a Revolução até onde fora possível. Ia passar o bastão a quem tivessse maior potencial para levar avante a obra revolucionária.

Na América espanhola conseguiram o seu desiderato, no Brasil, não. E isto é mais uma prova de que não fazíamos o jogo inglês contra o Paraguai. Alguma coisa não funcionou bem no Brasil, e a série de revoluções de cunho flagrantemente separatista que iriam nos assolar, não conseguiu romper a unidade brasileira. Obra da monarquia e do seu condestável, o Duque de Caxias, o Pacificador.

López foi ajudado por seus “irmãos” de forma escandalosa. Além de Mac-Mahon, o maçom que substituiu Washburn como representante dos Estados Unidos, e que se encarregou de conduzir para fora do Paraguai, com segurança, a fortuna do ditador e as coisas da sua amante, como vimos, também apelou, sem dúvida, para a fraternidade a fim de entrevistar-se com Mitre, presidente argentino e, então, comandante-chefe das forças aliadas no Paraguai, em Yataity-Corá (14 de setembro de 1866), quando o orgulhoso “mariscal”, no dizer do insuspeitíssimo Cárcano (24) “(...) expressa el deseo de terminar esta guerra de sangre y sacrifícios para todos (...)”, ele que já se sentia perdido após ter sido batido sucessivamente, naquele ano, no Estero Bellaco (2 de maio); Tuiuti (24 de maio); Boqueirão (16 de julho); Sauce ( 18 de julho) e Curuzu (3 de setembro). Mitre não podia negociar a paz separadamente e o Tratado da Tríplice Aliança impunha que a guerra só terminasse com a derrubada do Governo López, que não quer pensar em sair, nem pela “porta de ouro” que lhe sugere Mitre. No final, trocaram rebenques como lembrança, e López acabou ganhando o tempo que necessitava para melhorar suas fortificações.

Também ajudaram López, propondo-se mediadores, o tão mal falado Sr. Washburn e o Sr. Gould, secretário da legação britância no Rio da Prata, e o general Asboth, ministro dos Estados Unidos em Buenos Aires. Note-se que todos apresentaram propostas de mediação quando López já estava perdido. Ninguém se lembrou de formular uma proposta de cessar fogo quando López se encontrava com suas forças em Mato Grosso, no Rio Grande do Sul e na Argentina. (25)

D. Pedro II, embora tivesse sido educado por maçons, não era um deles. Ficou impregnado de um certo anticlericalismo, que transpareceria sob a forma de regalismo na questão religiosa (leia-se: maçônica).

Até o próprio Caxias, maçom que era, foi acusado de ajudar maçonicamente o “irmão” López, na última linha de resistência antes de Assunção.

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O general Paula Cidade assim comenta o episódio: “No Brasil todo mundo como já se viu, era maçom. Caxias era alto titular da maçonaria; maçons eram todos ou quase todos os oficiais do seu quartel-general. Os generais brasileiros, argentinos e uruguaios eram em sua maioria, maçons, bem como seus auxiliares imediatos. López, enfim, era maçom e devia ser bem graduado. Não seria o ministro americano um alto titular da maçonaria, e por isso mesmo protetor do seu irmão mais fraco, no caso Solano López? Por que lhe entregaria o ditador paraguaio a guarda dos seus haveres e a sua própria família (a Mac-Mahon)? Tudo isso dá o que pensar... Assim, a outra explicação que se dava à fuga de López pelo buraquinho que à última hora lhe foi aberto é que Caxias e outros generais sentiram a pressão da maçonaria internacional, que exigira uma espécie de salvo-conduto para o chefe inimigo, que não procurava a partir daquele momento mais do que salvar a própria pele, refugiando-se no território boliviano, embora pouco depois tenha mudado de idéia. Aceita essa versão, resta saber se a abertura da porta por onde López se escapou foi obra de Caxias, ou de algum dedo oculto que agisse dentro do seu quartel-general. Aliás, nada impede de combinar as duas versões, a do anotador (27) e esta, pois a carta do ministro americano, confidencial, e de caráter pessoal, bem poderia ter por base a versão corrente no Rio Grande do Sul, notadamente entre os velhos soldados que fizeram a guerra. No entanto, o falecido historiador general Sousa Doca falou-me certa vez de uma carta de Caxias, existente no arquivo inédito da família do Visconde de Pelotas, em que o ex-Comandante-em-Chefe das forças brasileiras e dos exércitos aliados atribuia a determinado general a culpa, no caso da fuga do ditador paraguaio.” (26)

Caxias defendeu-se, no Senado, dessas acusações, em 15 de julho de 1870, com as seguintes palavras: “Senhores, não persegui a López por muitas razões: 1o) porque eu não podia saber por onde López fugiria. O exército inimigo desfez-se na frente do nosso. Aí está o depoimento do chefe do estado-maior do exército paraguaio; é ele quem declara que López se escapava pela picada do potreiro Mamoré com 60 cavaleiros. Como o havia de perseguir em uma circunferência de três léguas que compreendia a área de operações? Eu estava em um ponto: López fugira pelo outro, metendo-se pelo mato. Como perseguí-lo? Todavia nesses lugares eu tinha mandado colocar cavalaria; mas ele podia passar pelo mato sem que a cavalaria pressentisse. Um grupo de 60 homens em um grande combate passa despercebido. Além disso este grupo internou-se em um mato que ninguém sabia que dava trânsito. Tinha, ademais, à retaguarda, Angostura com 15 peças de artilharia e 2.000 homens, pouco mais ou menos, de guarnição; como havia de entranhar-me com o exército por esses caminhos desconhecidos? Não era possível, sobretudo estando em nossa retaguarda Angostura ocupada pelo inimigo. Entretando, uma partida teve ordem de explorar a mata e trouxeram dela muitos fugitivos. Naquela ocasião, ninguém sabia por onde se tinha escapado López; só três dias depois é que se soube a direção que ele tinha tomado, quando alguns oficiais, dos 60 cavaleiros que o acompanhavam, deixando-o em caminho, se vieram apresentar e disseram que López se dirigia para Ascurra, mas eu não podia confiar inteiramente em tais notícias. Hoje nada é mais fácil do que discorrer sobre a maneira de se ter agarrado López (apoiados); mas lá, quem é que sabia onde ele estava, em tão considerável extensão de terreno ocupado pelas forças combatentes? Depois de três semanas de contínuos combates, em que estado não se achariam o exército, os soldados, os cavalos, munições e até o próprio armamento?”

Defesa perfeita a de Caxias. Cobriu todos os pontos. Ninguém poderia, a partir da sua explicação, continuar a duvidar da lealdade do Marquês para com o seu país e o seu Imperador, pois esta se situava muito acima dos juramentos maçônicos.

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O item traz uma alusão ao Conde D’Eu, Principe Gastão de Orleans, marechal do exército. Aproveitamos o ensejo para informar que este príncipe e militar, no dizer de Mario Barretto mais militar do que príncipe, não foi e nem nunca quis ser maçom, conforme nos diz o seu biógrafo, Câmara Cascudo, que nos conta a seguinte passagem: “A maçonaria, durante o gabinete Rio Branco, teve um esplendor inusitado. O presidente do Conselho era o Grão-Mestre. Na festa de 2 de março de 1872, verdadeira parada demonstrativa de prestígio social e político, o Conde D’Eu recebeu convite por parte do próprio Visconde do Rio Branco que seria homenageado pelas baterias simbólicas. Declarando francamente que não era maçom e daí não ter significação sua presença na solenidade, O Conde D’Eu alienou muitíssimas simpatias e possíveis dedicações.” (28)

Notas: (1) “Datos Historicos de la Guerra del Paraguay con la Triple Alianza”, Gen

Francisco Isidoro Resquin, escrito em 1875 e publicado em Buenos Aires, 1895. Foi ele chefe do estado-maior de López. Seu livro deveria ser a principal fonte de consulta sobre as operações, do lado paraguaio, mas não é. Existe, também, seu depoimento, tomado pelo Gen Dr. Pinheiro Guimarães, em 1870. São patentes certas divergências entre os dois documentos.

O seu depoimento está publicado em “Monografias Históricas”, de Juan Silvano Godoi, em tradução de J. Montenegro, Rio Grande, 1895.

(2) O Gen Francisco Pinheiro Guimarães foi Deputado do Ajudante-General do Quartel-General do Conde D’Eu. Ouviu muitos depoimentos de prisioneiros. Começou como comandante de corpo e participou das mais importantes batalhas.

(3) “Mas, entre as apreciações que fizemos, nenhuma de tanto valor moral como o livro copiador da correspondência confidencial do ministro das relações exteriores da república do Paraguai desde 1863 até o ano de 1869. Esse livro foi apreendido pelo coronel Deschamps, chefe da intendência. Por ele se vê que o marechal López desde aquele ano resolvera declarar guerra ao nosso país, para o que estava preparado. Encontram-se nesse livro vários convites a dois homens, políticos importantres da confederação Argentina, para apoiar a política hostil que desejava pôr em prática para com o Brasil.” Bormann, Op. Cit., Vol. III, p. 77.

(4) La Masonaria en la Argentina y en el Mundo, Aníbal Atílio Rottjer, Editorial Nuevo Orden, Buenos Aires, 6a Ed., 1983, p. 294.

(5) Schneider, Op. Cit., Vol. III, nota No. 14, p. 27-31 e History of Paraguay, George Washburn, Boston, 1871, Vol. II, Cap. XII.

(6) Washburn havia se oferecido a López, por ordem do seu governo, para servir de mediador entre os beligerantes e, com esse intento se apresentou a Caxias, cuja resposta não poderia ser outra. Havia um tratado solene a ser honrado. Se López quisesse a paz, ele que começou a guerra, que se rendesse. O que não se podia permitir (e Caxias não tinha autoridade para tanto) era que López impuzesse uma paz a sua maneira, isto é, com ele permanecendo no poder e cantando vitória (“remember” Pedro

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Ferreira!). Assim, qualquer mediação que não tratasse da rendição de López seria destituída de qualquer proveito.

(7) Na verdade López temia sobremaneira que Osório investisse por essa direção estratégica. Osório, de fato acabou indo reforçar o Exército atravessando o Rio Paraná na região do Passo da Pátria, nos dias 16 a 19 de julho de 1867, com o seu 3o Corpo de Exército, contando 5.451 homens. Evitou-se a travessia em Itapua, e o avanço pelo interior, por falta absoluta de mapas e guias. O terreno era totalmente desconhecido para nós. Mas López, que não se viu invadido por uma outra direção, como esperava, acabou tendo de enfrentar um reforço total de cerca de 20.000 homens, porque, aos 5.451 que conseguiu Osório reunir no Rio Grande do Sul, o governo completou o restante de que necessitava Caxias para retomar o ofensiva.

(8) Guardem os leitores estas palavras. Um Sr. Chiavenatto vai nos acusar de genocídio.

(9) Provavelmente Mitre lhe teria feito proposta parecida, durante a célebre entrevista de Yatayty-Corá.

(10) Iria morrer, entretanto, fugindo. Nunca se colocaria à frente de suas valentes tropas e, por duas vezes, fugiria em desabalado galope, abandonando não só seus soldados como seus bens particulares, arquivos, dinheiro... e, até a mulher!

(11) Insisto (talvez desnecessariamente) em que a alternativa existia: era a sua saída do governo e do país. Quanto à intransigência aliada convém lembrar que, contra certos tipos megalomaníacos que por vezes infelicitam os povos, é preciso ser firme. O presidente Wilson, mais tarde, ao aceitar a participação americana na Primeira Guerra Mundial, exigiu dos seus aliados que ela só terminasse com a deposição do Kaiser; os aliados, durante a 2a. Guerra Mundial, concordariam que se deveria levar a guerra até a rendição incondicional, quer dizer, Hitler que nem pensasse em permanecer no poder.

(12) Muito embora ele soubesse que o inimigo o era de sua pessoa, do seu governo, e não da terra guarani e de sua gente.

(13) Que homem? O infeliz chefe-de-esquadra (almirante) Pedro Ferreira que o obrigou a desagravar a ofensa feita por seu pai ao Brasil, com os 21 tiros de salva à bandeira imperial? Os diplomatas brasileiros que recusaram seu “ultimatum” quando da intervenção no Uruguai?

(14) O texto poderia servir como um relatório auxiliar para um estudo psiquiátrico.

(15) Bormann, Op. Cit., Vol. II, p. 99.

(16) Tasso Fragoso, Op. Cit., Vol. IV, p. 33.

(17) Tasso Fragoso, Op. Cit., Vol. V, p. 206.

(18) O Rei Cavaleiro, Pedro Calmon, p. 153. Era o Grande Oriente e Supremo Conselho do Rito Escocês, estabelecido na cidade de Cartagena, em 1822, “apud” Livro Maçônico do Centenário, p. 116, Diego Carbonell, “Resumen historico de la ultima dictadura del libertador”, Ed. do “O Norte”, Rio de Janeiro, 1922.

(19) Historia Secreta do Brasil, Gustavo Barroso, Ed. Revisão, Porto Alegre, 1991, Vol. II. Até aqui.

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(20) Brasil - Colônia de Banqueiros, Gustavo Barroso, 5a. edição, pg. 31-33. O texto do contrato se encontra na obra de Castro Carreira: Historia Financeira e Orçamentaria do Império do Brasil.

(21) L. Schneider, Op. Cit., Vol. IV, p. 128-129.

(22) Rio Branco, nota No. 84 à obra de L. Schneider, Vol. IV, Cap. -III.

(23) Mario Barretto, Op. Cit., Vol. II, pg. 25, diz: “Por motivo mui ínfimos, e que por isso não devem ser consignados nestes modestos estudos, tornaram-se desavindos Mme. Lynch e o seu vassalo, o francês Julio Henri. Como alguns cavalheiros não têm segredos para o seu criado de quarto, também algumas senhoras não guardam o devido sigilo para com os seus cabelereiros privados, que muitas vezes conhecem cousas que não deveriam saber para tranquilidade daquelas a quem enfeitam (...) Era o caso de Mme. Lynch e do seu cabeleireiro, o francês Henri. Desavindo-se, aquela inteligente irlandesa percebeu logo que se impunha com premente necessidade o descrédito do seu favorito serviçal ante o homem a quem pertencia. Daí não lhe ser difícil arquitetar uma história em que aquele ficasse comprometido. E Henri foi preso, sujeito a inquérito, junto com Caetano Decoud, que por outras razões incorrera no desagrado de López. Nos dois documentos a que nos referimos está declarado o auxílio que Mme. Lynch prestou a Henri, inclusive o adiantamento de setenta e três onças, para que fomentasse o jogo em Assunção (...) Destarte Don Solano ficou sabendo que Mme. Lynch era sócia comanditária do francês Henri (...) (e) isso é um episódio inocente da vida dessa aventureira.”

(24) Ramón Cárcano, Op. Cit., Vol. I, p. 259.

(25) Enquanto isto, o ministro americano no Rio de Janeiro, o Sr. Webb, propunha levar o caso a um tribunal de arbitragem. Tudo para safar López do desastre total.

(26) Três séculos de Literatura Militar Brasileira, Gen F. de Paula Cidade, Biblioteca do Exército Editora, 1a. Ed., Rio, 1969, p. 230.

(27) Referem-se os anotadores argentinos da obra de Thompson, com reservas, a uma carta que Caxias teria recebido em 26 de dezembro de 1868, do ministro dos Estados Unidos, Gen Mac-Mahon, dizendo que, se deixasse López escapar, ele daria sua palavra de honra de oficial e de representante dos Estados Unidos, que López, imediatamente, partiria para a Europa.

(28) O Conde D’Eu, Luiz da Câmara Cascudo, Cia. Editora Nacional, São Paulo, 1933, p. 60.

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Capítulo VI

A INCONSISTENCIA DE UMA TESE

27 - O Paraguai em Face da Inglaterra O Autor, na tentativa de comprovar a sua tese, continua forçando a lógica das

coisas. Após historiar a origem e o crescimento do poderio econômico e político inglês, conclui: “Portanto, toda uma estrutura econômica mundial conspira para que a Inglaterra não permita nenhuma mudança no sistema - mesmo quando essa mudança se dá longinqüamente, num país que quase só se sabe dele pelo mapa, como o Paraguai.” E termina: “é preciso destruir e substituir a pequena engrenagem que não se ajusta à máquina.”

Vamos, com paciência, responder-lhe: para que tal afirmativa pudesse ser levada em consideração, seria necessário provar, preliminarmente, sem o que a tese se desmorona, que:

- a Inglaterra tivesse atingido, naquelas alturas da história, um grau tão elevado de domínio mundial que não restasse mais nenhuma potência em condições de reagir contra seu domínio, a partir do que a existência de uma pequena, mas intransigente resistência, como se quer caracterizar o Paraguai, causasse um efeito demonstração pernicioso à imagem, se não aos cofres, do seu poderio;

-de fato, o Paraguai estaria enfrentando a Inglaterra e que o fazia conscientemente, afrontando o seu sistema econômico e político de alcance global;

- de fato, o Paraguai tivesse desenvolvido um sistema econômico, seja pela

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riqueza que gerasse, seja pelo modelo que apresentava, atraente o suficiente para pôr em risco a estrutura montada;

- finalmente, houvesse vontade inglesa manifesta de destruir o sistema econômico (se assim podemos chamar) paraguaio, e de substituí-lo pelo vigente.

Pois bem:

1o) Nada indica que, a despeito do seu espantoso desenvolvimento, e do seu poderio relativo, os ingleses tivessem chegado à situação de senhores absoluto do mundo, com exceção do insubmisso Paraguai.

2o) Das conversas de Solano López com o ministro americano Washburn, ressalta a insistência com que ele aludia à ajuda de outras nações. Cobra explícita e grosseiramente deste o apoio dos Estados Unidos. Tudo isto por que? Pedir, quase implorar apoio, não é próprio de um super vaidoso do quilate de López. Na verdade, o que ele cobrava era, provavelmente, as promessas que tivera de ajuda militar nas lojas européias para ele que era, de faixa tricolar enrolada na barriga, a própria Revolução no Cone Sul, ou no “Plata”, como gosta de se referir àquela região o Autor, hispanizado. Não se notam indícios, de qualquer forma, de que López estivesse querendo se confrontar com a Inglaterra, em qualquer plano que fosse. Pelo contrário, os indícios são de cooperação, em que pese o incidente com o Tacuary, narrado páginas atrás, superado sem maiores cconseqüências.

3o) O Paraguai não desenvolveu nenhum tipo de sistema econômico próprio, conscientemente. Não existem registros de um pensamento econômico paraguaio. O que aconteceu, como já vimos, foi o seguinte: Francia isolou o país, Carlos López o abriu timidamente, e Solano López saiu para agredir seus vizinhos, tudo evoluindo das missões jesuíticas para a imensa fazenda particular dos López. Tal sistema administrativo tem pontos de tangência com o socialismo, justamente naquilo que este sistema diabólico tem de mais perverso.

O que o Autor tanto reprova no Brasil, o capitalismo nascente, e o que tanto exalta no Paraguai, a coletivização, ambos sistemas defeituosos, serviriam, entretanto, no Brasil, para elevá-lo ao primeiro mundo, e, no Paraguai, para rebaixá-lo num fim de mundo. A vantagem estava, naquela época, como está hoje, do nosso lado. O paralelo atual pode ser feito entre o Brasil e a Cuba de Fidel Castro, que deve estar nas profundas motivações que levaram o Sr. Chiavenatto a escrever o seu panfleto de propaganda comunista. Enquanto os brasileiros aguardam, com justas esperanças, a saida da crise em que estamos, não só os cubanos, mas todo o mundo, aguarda o desfecho da tragédia daquela pobre gente com o pior.

4o) Finalmente, praticamente não carece de argumentação a falta de vontade inglesa em destruir o sistema econômico paraguaio (e será que não estamos valorizando demais a administração lopista?)

Mas, vejamos como os ingleses ajudaram o Paraguai de López, conforme nos informa Rio Branco: “A colônia estrangeira mais numerosa e que maiores serviços prestou ao ditador López antes e durante a guerra foi a inglesa.

“A maior parte dos ingleses a serviço naquele país era de operários mecânicos, maquinistas e cirurgiões. Entre esses citam-se os Drs. John Fox, James Rhind, Skinner e Stewart, destacando-se o último pelas elevadas qualidades humanitárias de que era

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dotado, do que deram testemunho todos os prisioneiros aliados em poder de López.

“Quando López perdeu os navios da sua esquadra, empregou os maquinistas no arsenal. Entre eles figuram os nomes de William Kind, George Miles, Bell, Cutler, Nesbitt e Hugo Bain (...)

“Como diretores do arsenal de Assunção, estabelecimento que prestou relevantes serviços a López, pois ali fundiram-se dezenas de canhões, afora outras tarefas de valor lá executadas, estiveram os ingleses Whitehead em 1866, que em junho suicidou-se, Grant, falecido em setembro e Nesbitt, que nesse posto se conservou daí em diante até 1869. Nele destacaram-se o capitão Thompson, raiador de canhões, Newton, Hunter, Taylor, este norte-americano, e os engenheiros Burrel e Watts, civis e Valpy, militar, como auxiliares prestigiosos.

“Com exercício propriamente na tropa, engajado no exército, figura o célebre tenente-coronel George Thompson, comandante de Angostura, que prestou bons e variados serviços a Madame Lynch e a López.

“Ainda citaremos o farmacêutico George F. Masterman, o major Manlove, Bliss George, Bossen e Carter, estes três norte-americanos e George Paddison (...) Guilherme Eden, agricultor, Thomas e o criado do Dr. Stewart também eram ingleses.

“Afora estes 28 súditos de S. M. Britânica, os operários do arsenal, em número de 20, e os maquinistas, eram todos ingleses. (1)

Se a Inglaterra quisesse destruir o Paraguai, ou o seu “sistema econômico”, que fosse, não o teria ajudado tanto com os seus técnicos. Parece mesmo é que o ensandecido tirano é que tentou acabar com os ingleses que tinha ao alcance da mão, como veremos adiante.

“O comércio e os negócios exigem longos períodos de tranqüilidade. Foi, aliás, o que levou H. Spencer a acreditar que o Estado industrial trazia consigo a paz.” (2)

28 - Ainda sobre o Imperialismo Persiste o Sr. Chiavenatto, e consegue ser mais obscuro, ainda, que o seu mestre

Marx. Tivessem os ingleses raciocinado pela lógica às avessas, que expõe, e não teriam construido império nenhum, com ou sem o capital internacional.

Aliás, foi raciocinando assim que a ex-União Soviética deu no que deu: nada, depois de mais de 70 anos de fuzilamentos, deportações, fome, opressão, miséria, degradação e tudo o mais que se possa alinhar de mau neste mundo.

29 - Os Empréstimos

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Tratemos de esclarecer, de vez, essa questão dos empréstimos ingleses ao Brasil.

Gustavo Barroso assim nos informa: “Livres de Portugal em 1822, não nos libertamos da metrópole comercial inglesa senão lá para 1834, pois até essa data duraram os efeitos do tratado preferencial. E passamos a um jugo pior: fomos transformados em colônia da casa bancária Rotschild, em colônia do supercapitalismo internacional, que não tem pátria e como que obedece a leis secretas de aniquilamento de todos os povos.” Mais adiante: “As crises financeiras que se manifestaram várias vezes nos países de grandes concentrações de capitais, nestes últimos tempos, revelaram o divórcio absoluto entre os interesses das nacionalidades e os dos grupos financeiros. A fuga do ouro, de país para país; os pânicos das praças, conseqüentes de maquinações propositais; as contradições econômicas e políticas, assinalando uma marcha segura em detrimento das autoridades nacionais; - tudo pôs em evidência um fator absolutamente imprevisto no mundo moderno: a existência de uma política imperialista, que foge aos impositivos nacionais.” E podemos arrematar a citação com este trecho: “Tivemos, antigamente, o imperialismo militar, das nações fortes, que reduziam países livres à condição de escravidão. Em seguida, tivemos o imperialismo das nações econômicas, que conquistavam mercados para os produtos. Foi dentro desse imperialismo complexo, dentro da luta econômica de povos contra povos, que germinou o novo imperialismo, inimigo de todos os povos. É que o capitalismo, na sua obra de infiltração internacional, desnacionalizou-se, perdeu a idéia de pátria, tornando-se um destruidor de todas as pátrias.” (3)

A Inglaterra? Esta beneficiou-se da aliança com o capital errante, sem dúvida, mas teve que pagar e continuar a fazê-lo, oferecendo seus filhos à morte em guerras injustas.

Esse mesmo capital movediço já esteve no Brasil, no nordeste açucareiro. Com a expulsão dos calvinistas holandeses, ele também foi retirado.. para Nova Amsterdã, hoje Nova York. E o grosso desse capitais, que se encontrava na Holanda, haveria de transferir-se para a Inglaterra, onde fomentou revoluções, cortou a cabeça de um rei, trouxe uma dinastia protestante e fundou um império. Hoje, ele se encontra nos Estados Unidos mas, parece, já anda arrumando as malas.

Notas: (1) Rio Branco, nota No. 80, p. 126, da obra de Schneider, Vol. IV.

(2) A Guerra, Gaston Bouthoul, Difusão Européia do Livro, São Paulo, 1964, p. 90.

(3) Brasil Colônia de Banqueiros, Gustavo Barroso, Editora Revisão, 1a. reedição, Porto Alegre, 1989, p. 23.

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Capítulo VII

A ANTIGA CISPLATINA NOS TRAZ PROBLEMAS

30 - O Uruguai deve sua existência ao Brasil A tese do equilíbrio do Prata, imaginada por Solano López, na verdade, deveria

ser enunciada assim, caso houvesse sinceridade: “é do meu maior interesse que o Uruguai seja incorporado ao território paraguaio, juntamente com as provincias argentinas de Corrientes e Entre Rios e, se possível, também o Rio Grande do Sul, formando, o conjunto, um Estado com sua capital em Assunção, sob o governo vitalício e hereditário da família López.”

Que o tirano assim tivesse pensado, mascarando, para efeitos externos, as suas pretensões pessoais como altos interesses da nação paraguaia, aceita-se. Afinal, ele era paraguaio, e o Paraguai, se tudo desse certo, poderia beneficiar-se da sua idéia, sofrimentos à parte. Mas, que uma pessoa nascida no Brasil defenda o tirano somente para, tomando emprestada a sua figura, torcer os fatos e fazer propaganda comunista, isto é outra coisa, chama-se traição.

“Solano López, por sua vez, pretendeu arvorar-se em fator de equilíbrio no Prata, provavelmente, depois de ter sido bem sucedido na mediação que conduziu na Argentina, entre Urquiza e o governo de Buenos Aires, do que resultou o “famoso pacto

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de 11 de novembro de 1859, (que) restabeleceu a paz, concórdia e unidade argentina”, no dizer de Cárcano (1). E é ainda este escritor argentino quem nos fornece a pista dos feitos posteriores de López: “Não se pode imaginar que aquele homem, que tem a seu crédito tão alta capacidade e tato, poucos anos depois comprove tanto extravio na política e na guerra.” (1) Como já vimos.

Acontece que Solano López atingiu o máximo de sua capacidade naquela mediação, que não era mais que uma briga de compadres. Ele fez o papel da “turma do deixa disto”. Ao tentar subir mais alto, caiu, por falta de sustentação.

Ora, a mesma teoria do equilíbrio do Prata, “mutatis mutantis”, era percebida de outros pontos de vista, por observadores colocados na Argentina e no Brasil.

A visão correta desse equilíbrio, entretanto, comportava a independência do Uruguai, garantida pelo Brasil, do qual tinha sido uma província, e do respeito à livre determinação das províncias integrantes do antigo Vice-Reinado do Prata, inclusive o Paraguai. Mas, determinação decorrente, antes do desejo popular que das ambições dos caudilhos e ditadores, o que não era fácil identificar com acerto.

A História mostra que a política brasileira para o Prata foi correta: manteve a Cisplatina, como herança, até que o seu povo, mais espanhol que português, falando o idioma de Cervantes, e mais atraído por Buenos Aires que pelo Rio de Janeiro, amadurecesse o suficiente para tocar o seu barco sozinho; não permitiu que a Argentina submetesse o Uruguai, ou o Paraguai, que desde a revolução de independência do Vice-Reinado dava mostras inequívocas do seu desejo de caminhar isolado; e, ajudou a Argentina a se unificar.

Sem qualquer sombra de dúvidas, abandonadas a “paixão” ou a “patriotada”, o Brasil pensou e agiu em concordância com o seu tamanho, isto é, com grandeza. O Uruguai e o Paraguai devem as suas existências autônomas e soberanas ao Brasil, e a Argentina talvez se tivesse fragmentado se fosse outra a nossa política.

Só pode praticar uma verdadeira política de equilíbrio regional um povo desprendido e generoso, governado por homens de bom senso político, e representados por diplomatas preparados e dotados de larga visão. Numa palavra: equilibrados.

Não nos esqueçamos do papel do soldado nesse contexto: a política teve que ser complementada, muitas vezes, pelas armas, com bravura e competência, mas, também, sem faltar ao equilíbrio, como ocorreu, sempre, em todas as pelejas, com destaque para as atitudes cavalheirescas dos nossos militares.

31 - Os Interesses Brasileiros no Uruguai Irineu Evangelista de Souza, o barão de Maúa, (2) foi o maior empreendedor

brasileiro do século passado, e um dos mais importantes da nossa história econômica e, por extensão, também do Uruguai, que as circunstâncias transformaram de ex-província em protetorado de fato. Sobre o assunto, Heitor Ferreira Lima, historiador econômico, nos esclarece:

“Por uma série de razões não tivemos qualquer esforço sério para a

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industrialização durante o Primeiro Império. E assim permanecemos até o Segundo Império, ou mais exatamente, até a segunda metade do século XIX. A esse respeito depõe Roberto Simonsen: ‘Pressões externas, de natureza política, fizeram com que permanecêssemos em regime de livre câmbio até 1844. Não era possível, até então, implantar aqui qualquer manufatura de valor, que pudesse, desde o início, competir no preço e na qualidade dos artigos, com a indústria inglesa. As nossas condições econômicas eram precárias, e mesmo nas proximidades de 1850 as nossas importações suplantavam em valor as nossas exportações.’ Adiante acrescenta: ‘na primeira metade do século XIX, a inexistência de fatores favoráveis à industrialização do Brasil, a política livre-cambista que adotamos e a concorrência das manufaturas inglesas impediram a nossa industrialização.’ (Roberto Simonsen, A Evolução Industrial do Brasil, S. Paulo, 1939, p. 15 e 18).

“Em conseqüência disso, entre 1839-40 e 1843-44, de todas as aquisições nacionais no exterior, só os manufaturados têxteis por nós importados somaram 48,4% dos quais 33,8% eram manufaturados de algodão, 21% de gêneros alimentícios, destacando-se a farinha de trigo, bebidas e carnes, 3,7% de calçados, chapéus e artefatos de couro, perfazendo essas rubricas 70% do global de nossas importações (Hélio Schlitter Silva, Tendências e Caracteristicas do Comércio Exterior do Brasil no século XIX, Rev. de História da Economia Brasileira, 1953). Entre os países que mais nos vendiam na época figuravam a Grã-Bretanha, a França, os E.U.A. e Portugal.

“O livre-cambismo, como estamos vendo, foi um dos principaís fatores pela ausência de condições para a industrialização brasileira naquela tempo. Os E.U.A. desde cedo compreenderam isso. Assim Alexandre Hamilton, no seu “Report on Manufactures”, que data de dezembro de 1791, dava expressão ao protecionismo clássico, que já em 1812 ganhava ressonância, sob o lema de ‘defesa da indüstria nascente’, ao qual mais tarde foi acrescentado o argumento de a indústria absorver parte dos produtos agrícolas e das matérias-primas nacionais.

“Entre nós, entretanto, durante esse tempo, vigorava a tarifa de 15%, estendida a todos os países por Bernardo Pereira de Vasconcelos em 1828. Em 1843, porém, terminaram os nossos tratados com a Inglaterra e o Foreign Office, que solicitou a prorrogação da tarifa vigorante, só a obteve por mais um ano. A fim de fazer pressão talvez sobre nós no sentido de obter a prorrogação da tarifa que a favorecia, ou então porque o Imperio Britânico já possuísse bases sólidas em outras colônias, criou um imposto de 63 shillings nas suas alfândegas sobre o açúcar importado do Brasil, ao passo que o de outras procedências pagaria 43 shillings. Era, sem dúvida, uma medida de desigualdade gritante, afetando-nos diretamente, dada a importância que a exportação de açúcar representava para o nosso comércio exterior. Dessa forma se explica, para muitos, a famosa tarifa Alves Branco, de 1844, como uma espécie de represália à atitude insólita da Inglaterra. Essa tarifa, que leva o nome do ministro da fazenda de então, sistematizava a nossa nomenclatura aduaneira em 2.919 artigos e elevou os direitos para a maioria das mercadorias para o dobro da taxa anterior, ou seja, para 30%, e para os demais artigos a majoração variava entre 40,50 e 60%, de acordo com o tipo dos artigos. Entre os mais afetados por esta alta tarifária se encontravam os tecidos e as bebidas, que ficaram sujeitos a direitos de 50 e 60%, e que constituiam nossas maiores aquisições no exterior. Como era de esperar, essa tarifa de 1844 provocou persistentes protestos do comércio importador, quase que inteiramente explorado por estrangeiros, bem como dos produtores ingleses dos artigos têxteis, o que é perfeitamente compreensível, embora injustificado.

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“Faziam parte da justificação da tarifa Alves Branco as seguintes palavras: ‘a indústria manufatureira nacional, em todos os povos, constitui o primeiro, o mais seguro e o mais abundante escoadouro da sua agricultura, e a agricultura nacional, em todos os tempos, constitui o primeiro, o mais seguro e mais abundante escoadouro de sua indústria.’ Em síntese, o que se pode dizer da tarifa Alves Branco de 1844 é que ela, além de ser um contragolpe à atitude inglesa, tinha por finalidade aumentar a arrecadação alfandegária e desse modo melhorar a situação do Tesouro e também criar condições propícias ao desenvolvimento da manufatura nacional.

“A prova do conteúdo industrialista da tarifa Alves Branco é o fato de ela ter dado ‘nascimento’ a Mauá, o maior homem de negócio daquele tempo. Com efeito, já em 1845 Mauá adquiria o estabelecimento da Ponta da Areia, dando ínicio assim a uma série de empreendimentos industriais, bancários, de transporte, minas, etc., que marcaram toda uma época e deram um novo sentido à nossa evolução material. Mas a importância de Mauá não está só naquilo que ele pessoalmente realizou, porém, também, nos empreendimentos dos outros em que tomava parte, animando-os, pois todos o procuravam e faziam questão do seu nome na lista dos acionistas, por constituir um penhor de garantia do empeendimento perante o público e de grande efeito para mobilização do capital.

“Em conseqüência desse impulso inicial, já em 1850, o Brasil possuia 72 fábricas de manufaturas.

“A pressão do comércio importador, quase que exclusivamente exercido por estrangeiros, começou a se intensificar contra a tarifa Alves Branco (visando modificá-la, o que infelizmente veio a acontecer em 1857, com a tarifa denominada Souza Franco), que introduziu tarifas específicas para muitas mercadorias e reduziu para 15% ad valorem as incidências sobre matérias-primas e maquinismo para a indústria. Em 1860 nova alteração. Entre essas reduções figuravam as referentes a ferragens, armamentos, ferramentas e máquinas, o que prejudicou enormemente a Ponta da Areia, levando-a a uma decadência que foi fatal, conforme declaração do próprio Mauá. E assim prossegue o jogo de tarifas em 1869, 1874, 1880, 1881, 1887 e, finalmente, em 1889 foi aprovada a última tarifa da monarquia.” (Até aqui, Heitor Ferreira Lima). (3)

Do exposto resaltam duas conclusões:

1a.) Mauá não era agente inglês, nem no Brasil, nem no Uruguai;

2a.) A intervenção no Uruguai não visou a proteger os interesses de Mauá, mas sim o patrimônio de muitos e muitos brasileiros, cerca de 40.000, que lá viviam, tinham suas fazendas, lá se casaram e tiveram filhos, muitas vezes. Mauá, por causa da intervenção, acabou sendo prejudicado e teve que fechar o seu banco em Montevidéu. A instabilidade, a agitação e a guerra civil no Uruguai, estes, sim, eram fatores de desiquilíbrio regional que, antes que ao ditador do Paraguai, cabia ao Brasil inibir, posto que era, como bem sabemos, o fiador da independência oriental.

Realista, sensato, firme, honesto, justo, foi o Brasil. Com a intervenção, precedida de longas e pacientes relamações desatendidas, protegeu os brasileiros que lá se encontravam, por força de circunstâncias históricas, malgrado o prejuízo de Mauá, e preservou de fato e de direito, a independência do Uruguai.

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32 - Mas, já não chega de Futricas? Já vimos que o Brasil não deu prosseguimento, após a sua separação de Portugal,

à política luzitana na América do Sul que, reafirme-se, muito nos beneficiou com a expansão territorial. Mas, o fato, é que tomamos a rumo firme de nos satisfazermos com o que já tínhamos.

Considerada, entretanto, a sua situação flagrantemente hegemônica no Prata, mercê da sua grandeza territorial e populacional, da sua economia e da estabilidade interna, nada mais natural e justo que o Brasil, dentro da sua nova orientação com relação aos vizinhos, fosse, no entanto, buscar atrair para si o Paraguai e manter o Uruguai independente no círculo das suas influências.

Com a Argentina, provavelmente pela herança dos sentimentos dos seus habitantes na época colonial, que tiveram que conter o avanço português sobre a foz do Rio da Prata, e que se mantinha entre desconfiada e francamente inamistosa, variando conforme o titular do poder, teríamos, com toda a certeza, de garantir, pelo emprego da diplomacia e, invadidos, das armas, o nosso acesso fluvial a Mato Grosso. O contrário, seria insensatez.

“Desde os primeiros tempos, olhou o Império com simpatia para o Paraguai. Era um país vizinho com que ainda não havia assentado as suas raias e que, além disso, dominava o curso inferior dos rios Paraná e Paraguai, cuja navegação lhe era imprescindível para garantir uma rápida saída até o mar à sua Província de Mato Grosso. Convinha-lhe, pois, tê-lo a seu lado de preferência a vê-lo associado às demais repúblicas turbulentas da foz do Prata. Apressou-se por isso em reconhecer-lhe a independência (1824) e em advogar a causa de sua liberdade junto de outros países. Buscou relações diplomáticas com a nova República. Em 1841 nomeou o capitão-de-fragata Leverger seu cônsul no Paraguai. Em 14 de setembro de 1844 ratificou em Assunção o reconhecimento da independência paraguaia. Quando, em nota de 20 de fevereiro de 1845, Tomás Guido, representante da Argentina no Rio de Janeiro, protestou contra esse ato, o conselheiro Limpo de Abreu, então Ministro dos Estrangeiros do Império, replicou-lhe (em 29 de julho desse mesmo ano) com outra nota que assim terminava:

‘De tudo quanto o abaixo assinado tem exposto resulta o firme propósito em que está o governo imperial de sustentar, como sustenta, com todas as suas conseqüências, o ato de reconhecimento da independência do Paraguai, contra o qual protestou em nome do seu governo o Ministro Plenipotenciário da Confederação Argentina, em sua nota de 20 de fevereiro do corrente ano, dirigida ao antecessor do abaixo assinado, considerando o governo imperial, como considera, o dito protesto de nenhum efeito para o governo do Brasil.” (4)

O panfleto que estamos refutando fala de cartas, mas não as transcreve, nem cita as fontes, e o seu autor já confessou não ter lido os documentos originais, por não ter acesso aos arquivos oficiais. Pois bem, até que as referidas cartas apareçam continuaremos a duvidar da sua existência ou autenticidade. E o que é trágico nisso tudo é que estamos diante de um panfleto que já atingiu sua 24a. edição, e continua fazendo estragos na juventude, por indicação de certos professores de mal com o Brasil.

Mas, o fato, em si terrivelmente comprometedor e bastante desagradável, nos traz

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à lembrança uma situação quase anedótica que aqui vamos narrar com vistas a normalizar a pressão sangüínea dos leitores, afetada pela indignação. Não citarei nomes, entretanto, considerando que as pessoas envolvidas não são Sr. Chiavenattoas, somente desinformadas, senão deformadas pela propaganda adversa, como ocorre no meio estudantil. Mas o caso é real, acreditem.

Convidados, eu e minha mulher comparecemos a uma reunião em casa de uma sua colega de trabalho. Lá chegando, fui atraído para um grupo composto por um amigo e três conhecidos, entre os quais se contava o dono da casa. Este, nem bem eu acabara de me sentar à mesa dos homens, reunidos à parte, disparou a queima roupa, o que bem poderia ter tomado por uma ofensa, a afirmação: “ - é... o Exército Brasileiro deu um bruta corrida na Guerra do Paraguai!...”, ao que eu, ainda em choque, indaguei: - mas como foi isso? E o dono da casa, assessor de qualquer coisa, atirou de novo, os olhos brilhantes de cerveja e impatriotismo: “ - ora, foi na Retirada da Laguna, vocês correram até Santa Catarina!” (5)

Nessa altura, já refeito do susto, e medindo as palavras para não ofender o anfitrião, que não tinha este cuidado para com as visitas, dei àquela inculta, porém diplomada platéia, uma pequena aula sobre a epopéia tão bem descrita por Taunay. No final, o anfitrião ainda passou recibo: “ - ué! então não era Laguna de Santa Catarina?”

Notas: (1) Op. Cit., Vol. I, p. 86.

(2) Entre outros negócios, foi banqueiro. Como tal intermediou um empréstimo do Brasil ao governo de Montevidéu, e supriu de fundos forças brasileiras em operações, através do seu Banco em Montevidéu.

Sobre sua vida escreveu Alberto de Faria. Um trecho do livro do seu biógrafo nos dá um perfil desses ilustre brasileiro:

“(...) não era possível viajar do extremo norte ao extremo sul do país sem encontrar, em cada volta, uma obra do seu gênio construtor: o Amazonas, ele o criara rompendo o deserto das águas, rasgando mares de florestas à civilização, com uma linha de navegação de 3.200 milhas que assombrou, em 1865, o sábio Agassiz e sua mulher, pela ordem, disciplina, pelo asseio dos vapores, fazendo-lhes lembrar o conforto do seu museu de Cambridge; o Rio Grande do Sul, gloriosa terra de seu nascimento, ele o franqueara, também, à navegação transatlântica, inaugurando o comércio direto com a Europa, varando-lhe a barra, contornando-lhe as areias em 1847 com os seus fortes rebocadores; no centro do país, as primeiras linhas de caminho de ferro, as primeiras cinco estradas de trilhos, para o lado do norte, as duas que das capitais de Pernambuco e da Bahia buscaram o S. Francisco, para o lado do sul, as três que transpuseram a Serra do Mar, uma, como a de Petrópolis e a de Santos a Jundiaí, obras exclusivamente suas, a outra, tão sua como dos que por ela mais fizeram - E. F. D. Pedro II. Por toda a parte, os melhoramentos materiais, o progresso, o gás do Rio de Janeiro e de outras cidades, o Canal do Mangue, os curtumes modernos, as fábricas de tecidos, a fundição e a construção naval em Niterói, os engenhos aperfeiçoados de açúcar, as indústrias que podiam medrar sem grandes auxílios, os transportes urbanos e marítimos, a colonização

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estrangeira, a nossa civilização industrial, enfim. Tomou a iniciativa das negociações entre Flores e o governo de Berro. (Citado por Tasso Fragoso, Op. Cit., Vol III, p. 712-13).

Lembro ao leitor a afirmação do Sr. Chiavenatto de que o Paraguai dos López era o país mais progressista da América do Sul. Atenção, também, para a obra de Mauá, a quem ele tanto detesta.

(3) História Política - Econômica e Industrial do Brasil, Heitor Ferreira Lima, Cia. Editora Nacional, São Paulo, 1976, p. 261-270 (condensado).

(4) Tasso Fragoso, Op. Cit., Vol. I, p. 70-71.

(5) Laguna era o nome de uma das estâncias de Solano López que se situava próximo à fronteira com Mato Grosso, na região do Rio Apa. As forças brasileiras realizaram uma incursão nos domínios do ditador a fim de arrebanhar gado e revidar, de alguma forma, a invasão de Mato Grosso pelo Exército Paraguaio. A obra do Visconde de Taunay, que será objeto de citações mais à frente, é um clássico, não só da Guerra do Paraguai, como da própria literatura brasileira. “A Retirada da Laguna” deveria ser um dos livros-textos adotados em nosso sistema escolar, não fosse o “patrulhamento ideológico” esquerdista que impede a divulgação de episódios históricos que possam ajudar a fortalecer o moral nacional.

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Capítulo VIII

A INTERVENÇÃO NO URUGUAI DA O PRETEXTO PARA LOPEZ INICIAR A GUERRA

(33 - 34 - 35 )

Considerando que já vimos algo da história do Uruguai, no século XVIII, vamos

acompanhá-la a partir dos acontecimentos que se sucederam naquelas bandas após a chegada de D. João VI ao Brasil, em 1808, com a conseqüente elevação deste à categoria de Reino Unido. No final, veremos como López, que já estava preparado para a guerra, e por ela tinha decidido antes da intervenção brasileira, usará o pretexto para iniciar o conflito, invadindo o Brasil e a Argentina.

Com a palavra o patrono da diplomacia brasileira, Rio Branco:

“Em 20 de janeiro de 1817 ocupou o general Lecór a praça de Montevidéu à frente de um exército de 4.550 portugueses e 921 brasileiros. O grosso das forças brasileiras (2.500 homens às ordens do general Curado e 600 às ordens do general Chagas) defendiam as fronteiras das Missões e do Quaraim.

“A intervenção de 1816 teve por fim ocupar a Banda Oriental e destruir o poder de Artigas, que se tornara um vizinho perigoso. Todos os bandidos do Rio Grande, das províncias Argentinas e do Paraguai, corriam a alistar-se sob as bandeiras desse caudilho turbulento, cujos soldados indisciplinados penetravam em nosso território, e

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saqueavam as estâncias próximas à linha divisória, roubando o gado, assassinando os habitantes inermes e protegendo a fuga de escravos, desertores e criminosos. Lecór só entrou em Montevidéu depois das vitórias alcançadas pelas tropas brasileiras de Curado e Chagas Santos em São Borja, Ibirocaí, Carumbá, Arapeí e Catalan, que foi a batalha mais renhida e na qual o Marquês de Alegrete e Curado a frente de 2.500 homens, derrotaram 3.400 artiguenhos dirigidos por Latorre (4 de janeiro de 1817). Nesses e em outros combates pelejados nas fronteiras das Missões e do Quaraim, que foram atacadas por 7.000 orientais, entrerrianos, correntinos e guaranis, às ordens do general Artigas, as tropas brasileiras desbarataram a flor das tropas artiguenhas, causando-lhes um prejuízo de mais de 2.500 mortos e 54 prisioneiros (sem contar os que o general Chagas fez nas Missões de além Uruguai), tomando-lhes 1 bandeira, 2 estandartes, 6 canhões, 1.600 espingardas, um número considerável de lanças, pistolas, espadas e cavalos. A perda sofrida pelos brasileiros foi de 207 mortos, 348 feridos e 3 prisioneiros. Ao exército de Lecór, que foi o que então invadiu, opuseram-se pelas fronteiras de Santa Tereza e do Serro Largo os coronéis Frutuoso Rivera com 2.500 homens e Fernando Otorguez com 1.500. Rivera foi completamente derrotado em India Muerta (19 de novembro de 1816) e Otorguez nem sequer ousou fazer frente à coluna que invadiu por Serro Largo. Até sua entrada em Montevidéu (20 de janeiro de 1817), o exército de Lecór causou a esses dois chefes o prejuízo de 369 mortos e 140 prisioneiros, 1 canhão e muito armamento, tendo nós uns 270 homens fora de combate. Em Montevidéu, evacuada pelas tropas do general Barreiro, encontramos 292 canhões e grande cópia de munições. A guerra prolongou-se até 1820, porque Artigas continuava a dominar a campanha e recebia pelo Uruguai recursos que lhe eram enviados por especuladores ingleses e norte-americanos. (1) Em 1818 as forças em operações foram aumentadas: Curado penetrou pelo Quaraim até Paísandu com 2.600 brasileiros, Sebastião Pinto com 1.000 e tantos pela fronteira de Jaguarão, e novos combates se travaram nesse ano, e no de 1819, tanto na Banda Oriental como em Entre Rios, Corrientes e Rio Grande do Sul. Afinal em 22 de janeiro de 1820 foi Artigas completamente derrotado na batalha de Taquarembó pelas forças brasileiras dirigidas pelos generais Conde de Figueirado, José de Abreu e Correa da Câmara. A Banda Oriental foi completamente pacificada. Em Entre Rios o general Ramirez, criatura de Artigas, revoltou-se contra ele e, depois de três dias de luta derrotou-o em Tunas, obrigando-o a refugiar-se no Paraguai, onde foi preso pelo ditador Francia e, passados muitos anos, morreu.

“Em 16 de julho de 1821 reuniu-se em Montevidéu um congresso de deputados que, depois de discutirem a conveniência de unirem-se a um estado poderoso, ou se constituirem independentes, deliberaram, em 31 do mesmo mês, fazer parte da monarquia portuguesa, incorporando-se ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves debaixo da denominação de Estado Cisplatino.” (2)

“Em 1822, proclamada a independência do Brasil, separaram-se na Banda Oriental, as tropas brasileiras das portuguesas. Lecór à frente do exército brasileiro sitiou Montevidéu, onde se achavam os portugueses comandados por D. Alvaro de Macedo. Uma divisão naval partiu do Rio de Janeiro para bloquear o porto dessa cidade e repeliu a esquadrilha portuguesa. Por terra apenas houve pequenas escaramuças e dois choques mais renhidos em 17 de março e no dia 18 de maio, nos quais os sitiados foram repelidos e perseguidos. Durante esta luta militam ao lado dos portugueses muitos orientais partidários da união com Buenos Aires. Outros, adeptos da união com o Brasil, serviram às ordens de Lecór. Apertado por terra e por água pelas forças imperiais e sabendo que as tropas portuguesas já haviam evacuado todos os portos que ocupavam no Brasil, D. Alvaro de Macedo resolveu entrar em convenção no dia 18 de novembro

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de 1823, embarcando com as suas tropas para Portugal. Lecór à frente do exército brasileiro fez sua entrada em Montevidéu no dia 14 de fevereiro de 1824. D. Pedro I já tinha sido aclamado imperador pelos povos da campanha e, desde então, ficou a Banda Oriental formando uma das províncias do novo Império do Brasil sob a denominação de província Cisplatina.” (3)

“A Argentina, sob a denominação de República das Províncias Unidas do Rio da Prata, tinha por objetivo, entretanto, a incorporação da Cisplatina aos seus domínios. E não descansou até que conseguiu o seu intento em 25 de agosto de 1825, quando Rivera e Lavalleja declararam a província independente do Brasil, e a sala dos representantes decretou a incorporação da nova Província Oriental às Províncias Unidas do Rio da Prata, declarando, também, nulos os pactos de união com o Brasil. Isto foi o resultado de uma revolução promovida por patriotas uruguaios com a decidida ajuda argentina.

“Seguiu-se uma fraca reação brasileira, conduzida através de uma guerra com as Províncias Unidas, de 1825 a 1828, ocasião em que o nascente Império do Brasil se encontrava em sérias dificuldades, lutando com a carência absoluta de recursos para fazer face às despesas de uma guerra e imerso numa crise política, por falta de apoio parlamentar a D. Pedro I. Assim, iríamos combater não só em flagrante desvantagem com as Províncias Unidas (Argentina com o Uruguai incorporados), como faltava até motivação para a guerra, não fosse ter o inimigo invadido o Rio Grande do Sul. O desfecho dessa guerra se deu na célebre batalha do Passo do Rosário, em território riograndense, chamada, também de Ituzaingô.

“Em Passo do Rosário nos apresentamos com 5.567 homens e 12 bocas de fogo, e os argentinos com cerca de 10.000 e 18 bocas de fogo. (4) A cavalaria argentina, muito superior em número, conseguiu lançar fora do campo de batalha parte da nossa cavalaria, e tomar três peças, que foram logo retomadas; mas, pretendendo romper os quadrados da nossa intrépida infantaria, sofreu perdas imensas. Depois de seis horas de combate, tendo o inimigo tomado os carros de munições que vinham com a bagagem, retirou-se o exército imperial salvando toda a sua artilharia menos uma peça que foi abandonada na retirada por terem-se quebrado as rodas. Alvear ficou senhor do campo de batalha, mas não se animou a perseguir em sua retirada o pequeno exército imperial. Perdemos uns 600 homens, entre mortos, feridos e prisioneiros, mas a perda do inimigo foi muito superior. O exército inimigo depois de entrar em S. Gabriel, pôs-se em retirada para Corrales, evacuando a província do Rio Grande do Sul.” (5)

Daí para a frente, Alvear tentou nova invasão e, nesta segunda campanha, obtivemos, sempre, vantagens, ocorrendo o aprisionamento de todo o corpo do coronel Ignacio Oribe e a desordenada fuga do general Lavalle, no combate de Herval. (6)

Gustavo Barroso nos dá a seguinte visão dos fatos: “As dificuldades da política interna, mexida e remexida pela maçonaria no afã de tudo aproveitar para impopularizar o governo, bem ajudada pelo descaminho amoroso do imperante, juntou-se a guerra estrangeira, provocada pelo judaísmo maçônico internacional. Corrobora o que nos disse um historiador documentado, sério, insuspeito de anti-semitismo, num trecho que vale ouro e no qual somente assinalamos uma única palavra: “O Brasil, fraco por elementos que lhe dissolveram concursos essenciais, recuou ao Chuí e Quaraí, forçado pela judiaria inglesa avidamente apadrinhada por Stuart, Gordon e Posomby, que ultimou o ajuste de terminar as hostilidades.” (Alberto Rangel, D. Pedro I e a Marquesa de Santos, p. 243-244). A guerra forçou o Imperador a partir para o Sul. Embarcou com destino à ilha de Santa Catarina, deixando a esposa enferma. A maçonaria espalhou a

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boca pequena que lhe dera um pontapé mortal. Na sua ausência, o Marquês de Paranaguá, obedecendo às ordens da Imperatriz, repeliu a Marquesa do Paço. No dia 11 de dezembro finava cristãmente D. Leopoldina, Arquiduquesa e mãe amantíssima que, por obra de um “monstro sedutor” como escrevera a Schäffer, perdera o amor de seu querido Pedro !” (7)

E prossegue Rio Branco: “A volta de D. Pedro à corte obedeceu à necessidade iniludível de salvar os interesses dinásticos que perigavam com a sua ausência, embora ela fosse vantajosa para a marcha da guerra.” (8)

Arremata o Ten Cel Wiederspahn: “A precariedade financeira e política do Império crescia e com a mesma o prestígio das oposições de todos os matizes, neutralizando tudo que se tentava realizar para impor a nossa vontade a Buenos Aires, isto é, conservar a posse da Província Cisplatina. O prestígio de D. Pedro I foi, também, abalado com o motim dos mercenários estrangeiros, irlandeses, alemães e húngaros no Rio de Janeiro, criando uma situação caótica na cidade e que somente foi dominada com a colaboração efetiva de 500 marinheiros franceses e 300 ingleses, colaboração solicitada pelo Imperador em 12 de junho de 1828, como reforço aos corpos imperiais disponíveis (o pequeno exército que tínhamos, menos os mercenários, estava no Sul) e aos grupos de populares armados que desde o dia 9 procuravam submeter os amotinados em seus quartéis. D. Pedro reconhecera não dispor de meios para exigir a reincorporação da Banda Oriental do Uruguai e sabia que o adversário não tinha, também, mais potencial bélico para impor sua vontade primitiva. (9) Entrou então em cena a intriga diplomática inglesa, propondo novamente os seus bons ofícios como mediadora. Buenos Aires aceitou tais proposições, já que se achava sem esquadra e com o número dos navios corsários a seu serviço praticamente reduzido a zero. Dos brilhantes efetivos de 1826, quando chegara a mobilizar um “Ejercito Republicano” de cerca de 10.000 homens, apenas lhe restava um total de 4.549 homens, inclusive 575 uruguaios, em 1o. de agosto de 1827, e que continuava a diminuir cada vez mais. Mesmo assim, o Império do Brasil, aceitando a mediação britânica, impôs condições básicas para a convenção preliminar de paz que foi celebrada no Rio de Janeiro, em 27 de agosto de 1828. Graças à energia do governo imperial foi aceita a fórmula, honrosa para ambos os lados, de uma independência total e definitiva daquela província (a Argentina manobrava para deixar a porta aberta para uma futura anexação). Foi assim que, graças exclusivamente à imposição do Império durante a negociação que precedeu a este tratado que surgiu o famoso estado tampão que, como República Oriental do Uruguai iria ser, por muito tempo ainda, um verdadeiro pomo de discórdia na parte atlântica meridional sul-americana, verdadeiro foco de revoluções e de guerras até 1930, inclusive! Tais foram a Revolução ou Guerra dos Farrapos, de 1835 a 1845; as chamadas “Califórnias de Chico Pedro”, em 1849; a Guerra contra Rosas, de 1851 a 1852; a Campanha do Uruguai, em 1864; a Guerra do Paraguai, de 1864 a 1870; a Revolução Federalista, de 1893 a 1895; a Revolução Nacional, de 3 de outubro de 1930; sem esquecer todo aquele período agitado e ininterrupto de revoluções e contra-revoluções internas uruguaias entre 1829 e 1850, que assinalaram o processo de organização da atual república co-irmã naqueles tempos!” (10)

Pois muito bem, a instabilidade uruguaia perturbava o Rio Grande do Sul, chegando a contaminá-lo, como vimos. O Uruguai, e isto é de fundamental importância, era habitado, como também já vimos, por 40.000 brasileiros permanentemente, que lá desenvolviam seus negócios à beira do Prata, criavam gado na campanha, e também lá tinham suas famílias. Desinteressar-se por sua sorte, seja permitindo que a Argentina o

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anexasse, seja consentindo na desordem contagiante e prejudicial, jamais poderia ser a atitude de uma potência do quilate do Brasil, sob o risco da América do Sul vir a sofrer intervenção e ocupação oriunda do além mar, retrocedendo todo o processo emancipacionista em favor dos ingleses, franceses e outros mais, senão mesmo a volta dos antigos dominadores espanhóis e portugueses.

Desta forma, a intervenção brasileira na guerra civil uruguaia, de 1863-1865, seguindo todas as cautelas, próprias de quem já tinha sido bastante prejudicado pela turbulência oriental, evoluiu numa escalada, desde a neutralidade com acompanhamento dos acontecimentos, passando pelas medidas diplomáticas usuais, às represálias, ao rompimento de relações e, por fim, como último recurso, à imposição armada das suas justas reivindicações não atendidas.

O tirano López, alegando compromisso firmado em tratado com o Uruguai, abre, então, a guerra contra o Brasil e a Argentina, pura cobertura para a sua vontade mal disfarçada de alargar seus domínios, como já vimos.

Agora é hora de verificarmos como ocorreram os fatos. Tenham, por favor, o texto do Sr. Chiavenatto à mão e cotejem, para economizarmos papel, esse verdadeiro samba do crioulo doido marxista com a informação que damos a seguir:

Novamente a melhor fonte, Rio Branco: “Em 19 de abril de 1863 o general Flores desembarcou no Rincón de las Gallinas com três outros companheiros. Em Santa Rosa e S. Eugênio foram-se-lhe reunir vários chefes com forças organizadas em diferentes pontos do Estado Oriental e das fronteiras de Quaraim e Corrientes. O governo imperial recomendou logo às autoridades da província de São Pedro do Rio Grande do Sul ‘que forças rebeldes que se asilassem nessa província deviam ser colocadas em posição inteiramente inofensiva. As autoridades que se descuidassem dos seus deveres, não guardando ou não fazendo respeitar a mais perfeita neutralidade, deviam ser severamente punidas.’ Veja-se o relatório do ministro dos negócios estrangeiros, Marquês de Abrantes, apresentado em 1864 às câmaras. Alguns revoltosos, batidos pelas tropas do governo de Montevidéu, penetraram no Rio Grande do Sul e foram logo desarmados e internados.” (11)

“A revolução, por mais de uma vez esteve a ponto de perecer por falta de recursos, apesar dos esforços do comitê de Buenos Aires. Os amigos de Flores, tanto os que o acompanhavam, como os que estavam em Montevidéu, socorreram-no nesses apuros, entregando-lhe quanto possuiam.” (12)

“Mas, se a posição brasileira era de lisura, o mesmo não acontecia da parte do governo blanco do Uruguai. ‘As reclamações feitas pela legação imperial em Montevidéu contra os atentados de que eram vítimas os súditos brasileiros no Estado Oriental, não tinham resultado algum satisfatório. Os assassinatos, os roubos e as tropelias de todo gênero tomaram maior vulto desde que muitos desses brasileiros, cansados de esperar a repressão e castigo de tantos crimes, se alistaram nas fileiras do general Flores, chefe da revolução e do partido colorado. As queixas dos nossos compatriotas residentes no Estado Oriental encontraram eco na província fronteira do Rio Grande do Sul e em todo o Império. O gabinete de 15 de janeiro de 1854, de que era chefe o conselheiro Zacarias de Góes, foi interpelado no parlamento pelo deputado Evaristo da Veiga, membro da oposição conservadora, sobre os tristes acontecimentos da vizinha República, e outros oradores intervieram no debate, lembrando ao governo a obrigação que corria de proteger os súditos brasileiros perseguidos na Banda Oriental.

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Toda a imprensa pedia que se pusesse cobro a tantos excessos. Foi em meio da excitação produzida pelas notícias desagradáveis do Estado Oriental, que chegou ao Rio de Janeiro o brigadeiro honorário do exército Antonio de Souza Netto, reclamando do governo, em nome dos nossos compatriotas residentes nessa República, providências prontas e enérgicas.

“O gabinete Zacarias resolveu então mandar ao Rio da Prata, em missão especial, o Sr. Conselheiro Saraiva. Ao mesmo tempo foi elevada a nossa força naval no Rio da Prata, sendo nomeado para comandá-la o vice-almirante barão de Tamandaré, e ordenou-se que um pequeno exército de observação se reunisse na fronteira do Estado Oriental às ordens do marechal-de-campo João Propício Menna Barreto, depois barão de São Gabriel. Além do relatório do ministro dos negócios estrangeiros de 1865, onde se encontram muitos documentos sobre a missão Saraiva, deve ler-se o folheto que esse estadista publicou em 1872 contendo toda a sua correspondência diplomática. (Correspondência e Documentos oficiais relativos à Missão Especial do Conselheiro J. A. Saraiva no Rio da Prata em 1864 - Bahia, 1872). (13)

“A missão do Sr. conselheiro Saraiva teve por fim obter satisfação de agravos recebidos pelo Império em várias épocas, a partir de 1852, nas pessoas e propriedades dos súditos brasileiros residentes na República Oriental. Foi um ultimatum amigável, dirigido pelo governo imperial ao da República. O Sr. Saraiva devia exigir reparação das graves ofensas feitas ao brasileiros, cuja propriedade, honra e vida pareciam nada valer para as autoridades da República. Se nossas justas reclamações fossem mais uma vez desprezadas, tinha que apresentar o seu ultimatum, comunicando ao governo de Montevidéu que procederíamos, imediatamente, a represálias. Recebido em 12 de maio de 1864 pelo presidente Aguirre, o Sr. Saraiva deu logo começo às negociações, pedindo: 1o) Que o governo da República fizesse efetivo o devido castigo, senão de todos, ao menos daqueles criminosos reconhecidos, que passeavam impunes, ocupando até, alguns deles, postos no exército oriental, ou exercendo cargos civis do Estado; 2o) Que fossem imediatamente demitidos e responsabilizados os agentes de polícia que haviam abusado da autoridade de que se achavam revestidos; 3o) Que se indenizasse completamente a propriedade que, sob qualquer pretexto, tivesse sido extorquida aos súditos do Império; 4o) Finalmente, que fossem postos em plena liberdade todos os brasileiros que houvessem sido constrangidos ao serviço das armas da República. (Veja-se a nota do Sr. Saraiva, de 18 de maio de 1864, nos anexos do relatório do ministro dos negócios estrangeiros de 1865). Nada, porém, conseguiu o diplomata brasileiro arrancar à cegueira e obstinação do presidente Aguirre. O Sr. J. J. de Herrera, ministro das relações exteriores da República declarou em 26 de maio, em termos desabridos, que o governo oriental não estava disposto a atender às solicitações do nosso enviado. A essa nota respondeu o Sr. Saraiva em 4 de junho. Era chegado o caso da apresentação do ultimatum, mas o enviado brasileiro julgou preferível aguardar novas instruções do governo imperial, a quem expôs todo o ocorrido, compreendendo ao mesmo tempo que para o bom êxito da sua missão, e para satisfazer as vistas pacíficas e imparciais do seu governo, convinha promover a pacificação interna da República. Com este mesmo pensamento chegaram a Montevidéu, no dia 6 de junho, os Sr. Elizalde e Thornton, o primeiro, ministro das relações exteriores da Argentina, o segundo, ministro da Grã-Bretanha em Buenos Aires, e conferenciaram logo com o Sr. Saraiva, que não hesitou em aceitar os bons ofícios que eram oferecidos, declarando que também estava disposto a auxiliar essa tentativa de paz. Os esforços dos três ministros foram, porém, baldados, como mostra o Schneider. (14)

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“O governo imperial ordenou em 21 de julho ao Sr. Saraiva que apresentasse o ultimatum, intimando ao governo oriental um prazo dentro do qual desse este as satisfações que exigíamos, sob pena de passarmos a fazer pelas nossas próprias maõs a justiça que nos era negada. O ministro das relações exteriores da República respondeu em 9 de agosto ao ultimatum. (15)

“O primeiro ato praticado pelo almirante brasileiro (Tamandaré) foi intimar a imobilização dos vapores de guerra orientais, General Artigas e Villa del Salto, empregados no transportes de tropas e munições entre Montevidéu e os portos do litoral atacados pelos revolucionários (Flores). O General Artigas obedeceu à intimação, mas o Villa del Salto, perseguido pela corveta Jequitinhonha, refugiou-se em águas argentinas. No dia 7 de setembro, saindo esse vapor, foi perseguido de novo, encalhou e foi incendiado pela propria guarnição. Quando teve notícias do primeiro encontro do Jequitinhonha com o Villa Del Salto, o governo oriental rompeu relações com o Império. De bordo da corveta Niterói dirigiu-se o Sr. Loureiro (ministro residente do Brasil no Uruguai) ao corpo diplomático, expondo-lhe o alcance das disposições coercitivas que empregava o governo imperial, e mostrando que a responsabilidade do rompimento das relações recaía sobre o governo oriental que se recusara a todas as propostas conciliadoras e razoáveis que lhe haviam sido feitas. (16)

“O exército imperial só mais tarde penetrou no Estado Oriental. Dever-se-iam ter efetuado, logo após apresentação do ultimatum Saraiva, as represálias por terra e, segundo as instruções do governo imperial, deveriam começar pela ocupação de Serro Largo, Salto e Paísandu. Infelizmente, o chamado exército de observação não estava pronto para operar, e só quatro meses depois da apresentação do ultimatum se pôs em marcha, contra a expectativa do próprio Sr. Saraiva.” (17)

Pois bem, nessas alturas o nosso navio Marquês de Olinda, um barco de passageiros e carga, pertencente a uma empresa particular, foi apreendido (e aqui bem cabe a expressão seqüestrado) acima de Assunção e para lá levado com tudo o que conduzia, pacificamente, para Mato Grosso: autoridades brasileiras, com destaque para o presidente daquela Província, que foram presas e submetidas a vexames; o dinheiro que era conduzido, roubado juntamente com outros bens. Era o dia 13 de novembro de 1864.

Este ato de verdadeira pirataria, por parte de Solano López, estava longe de ser esperado pelo governo brasileiro. Nenhum problema existia, na época, com relação ao Paraguai. Ainda em 1863, o ministro dos negócios estrangeiros, discursando na Câmara dos Deputados, dissera: “As nossas relações com a República do Paraguai apresentam um aspecto lisonjeiro, e aguarda o Governo Imperial uma época não remota para se entenderem os dois governos sobre o final reconhecimento de sua respectiva linha divisória.” (Relatório do Marquês de Abrantes).

Vamos voltar um pouco atrás. Qual foi o comportamento de López com relação à intervenção brasileira no Uruguai?

1o) Ofereceu-se como mediador, em 11 de junho de 1864, ao Governo Imperial e, a 17 do mesmo mês, diretamente ao Sr. Saraiva. Este respondeu-lhe, em 24 de junho, e o ministro dos negócios estrangeiros, Dias Vieira, em 7 de julho, conformando-se com a resposta de Saraiva, negativa.

A mediação não poderia ser aceita pelo Brasil. O próprio López fazia alarde da sua inclinação pelo Uruguai, ameaçava. Era, evidentemente, parcial. Como aceitar um

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mediador parcial?

2o.) Em 30 de agosto desse mesmo ano, o ministro dos negócios estrangeiros do Paraguai, José Berges, entregou ao ministro brasileiro em Assunção, Viana de Lima, uma nota que continha “o insustentável princípio”, no dizer de Schneider, “de que a segurança, a paz e a prosperidade do Paraguai ficariam ameaçadas com a entrada das tropas brasileiras no Estado Oriental.” Ainda Schneider: “Solano López chamou a esta nota “sua declaração oficial de guerra”, quando o acusaram de ter começado as hostilidades sem a prévia declaração usada entre nações civilizadas. O experimentado diplomata brasileiro respondeu a esta nota de modo enérgico e decisivo.”

Prossegue Schneider: “Parecia a questão terminada, porque o procedimento do Paraguai durante meio século excluía o pensamento de qualquer intervenção militar nos negócios dos países vizinhos, ainda que, por efeito da nota de 30 de agosto, se manifestasse em Assunção grande agitação dos espíritos, promovida pelo próprio governo. Uma deputação de notáveis compareceu à presença do presidente Solano López e pediu a guerra contra o Brasil; tal fato jamais seria praticado no Paraguai sem ser provocado e autorizado por ‘El Supremo’; à deputação Solano López respondeu de modo bem significativo.” (Até aqui, Schneider. As palavras verdadeiras, em espanhol, foram anotadas por nossa diplomacia e constituem a nota número 1, da p. 97, Vol. I, de autoria de Rio Branco). Assim falou o ditador:

“(...) La actitud que la Republica asume en estos momentos solemnes puede recurrir a vuestro patriotismo para oir a la voz de la patria. Es tiempo ya de acerlo. El Paraguay no debe aceptar ya por mas tiempo la prescindencia que se ha hecho de su concurso, ao agitarse en los estados vecinos questiones internacionales que han influido mas ó menos directamente en el menoscabo de sus mas caros derechos (...) Vuestra union y patriotismo, y el virtuoso ejército de la Republica, han de sustenerse en todas las emergencias para obrar cual corresponde a una nación celosa de sus derechos y llena de su grandioso porvenir. En el desempeño de mis primeros deberes es que he llamado la atención del Emperador del Brasil sobre su política en el Rio de la Plata; y todavia quiero esperar que, apreciando la nueva prueba de moderacion y amistad que le profeso, mi voz no será desoida; pero si desgraciadamente no fuera asi, y mis esperanzas fuesen fallidas, apelaré a vuestro concurso, cierto de que la patriotica decision de que estaes animados no ha de faltarme para el triunfo de la causa nacional (...)”

Comenta Schneider: “é realmente nestas palavras está a explicação do enigma. No meio das aclamações entusiáticas dirigiu-se a deputação, acompanhada de um destacamento de soldados, à praça onde estava o palácio do governo; aí foi arvorada a bandeira nacional, saudada por 21 tiros de artilharia, e à noite, como afirmam testemunhas oculares, houve dança, música, serenata e refeição por ordem superior. Quem não dançou foi anotado pela polícia como inimigo da pátria, o que significava prisão para os homens e banimento para as mulheres. Nem o luto de família obstava a estes folguedos patrióticos. Não só em Assunção, como em todo o país, os habitantes foram obrigados a assinar representações oferecendo dinheiro e sangue a ‘El Supremo’, e é fora de dúvida que Solano López não faltava à verdade, quando mais tarde alegou a adesão geral do povo à sua política.” (18) López, como todo ditador, gostava muito de unanimidades quanto ao apoio aos seus atos.

3o) Em 3 de setembro, o ministro Berges apresentou ao representante do Brasil, ainda sob a impressão destas manifestações (preparadas), a reiteração do protesto, acrescentando “que se o governo imperial não prescindisse de medidas repressivas

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contra o governo republicano, só restaria ao Paraguai tornar efetivo o seu protesto. Ainda neste escrito revela o desgosto do presidente pela recusa da mediação.” (Schneider).

4o) Enquanto isso López mantinha o povo paraguaio dançando à força (aliás, parece que forçadas mesmo só se sentiam as senhoras mais respeitáveis, que obrigadas a comparecer ficavam sentadas apreciando as “pentes dourados” e o povoléu. (“pentes dourados” se chamou a uma classe que surgiu com aquela mania de bailes em salões improvisados nas praças, todas usavam imensos pentes dourados nas cabeleiras negras e eram raparigas do populacho, com pretensões a bonitas e moral um tanto livre, nos relata Thompson). E os exercícios militares prosseguiam, com reduplicado zelo, nos acampamentos de Cerro León, Humaitá e Encarnação.

5o) Aí aconteceu o episódio do Marquês de Olinda e a declaração de guerra de Solano López. Voltamos a Schneider:

“Em 10 de novembro de 1864 fundeou no porto de Assunção, para entregar a correspondência que levava, o paquete Marquês de Olinda, pertencente a uma companhia brasileira de vapores, que pelos rios Paraná e Paraguai faziam o serviço entre Montevidéu e Corumbá. A bordo estavam o novo presidente de Mato Grosso, coronel Carneiro de Campos, alguns empregados brasileiros, despachos do governo imperial, e dinheiro. Não podendo o coronel Carneiro de Campos ir a terra, o ministro brasileiro foi a bordo conferenciar a respeito do estado melindroso dos negócios. Tendo tomado carvão, o Marquês de Olinda continuou no dia 11, às duas da tarde, a navegar rio acima. O presidente Solano López achava-se no acampamento de Cerro León, e depois de muito vacilar resolveu dar começo às hostilidades com a captura desse navio. Referindo o fato, diz Thompson de modo bem caracteristico: - ‘López acreditava que só a guerra poderia tornar conhecida no mundo a república do Paraguai. Sua ambição pessoal impeliu-o à luta, pois conhecia que dispunha de numeroso exército, e que o Brasil precisaria de muito tempo para reforçar o seu. Supunha que os brasileiros não estariam dispostos a sustentar uma longa guerra. Estava convencido de que se ele não rompesse então, o Brasil romperia quando julgasse oportuno.’

“Talvez possa Thompson justificar esses cálculos de Solano López, mas não podemos pôr à margem suas palavras, porque o escritor gozou da privança do ditador. Solano López fez partir um dos seus ajudantes-de-ordem em trem especial até Assunção, e ordenou que o Tacuary, o vapor mais veloz da esquadrilha paraguaia, acendesse as fornalhas e reconduzisse para Assunção a todo custo o Marquês de Olinda. Cerca de 30 milhas rio acima, alcançou o Tacuary o paquete brasileiro ao sul da cidade de Conceição, e obrigou o comandante a voltar, de sorte que pela madrugada do dia 13 achava-se o Marquês de Olinda em Assunção, debaixo dos fogos do Tacuary e vigiado por botes armados. Como era natural, este fato estupendo constou logo na legação brasileira. O ministro Vieira de Lima mandou logo seu secretário ao rio para se informar da verdade, e, conhecida ela, pediu imediatamente explicações ao ministro Berges. Querendo ir a bordo do Marquês de Olinda, foi-lhe isso vedado. Até a tarde de 13 não recebeu resposta alguma oficial, e só mais tarde uma nota datando do dia 12, anunciando a interrupção das relações diplomáticas entre o Paraguai e o Brasil, e restrigindo aos navios neutros a navegação do Paraguai. Sem perda de tempo respondeu Viana de Lima nessa mesma noite, protestando em nome do direito internacional contra esta violência injustificável, e em nome da companhia brasileira, à qual pertencia o Marquês de Olinda, tornando o Paraguai responsável por perdas e danos, e exigindo passaportes para ele e para todo o pessoal da legação. Julgava ele que lhe seria

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concedida a retirada a bordo do Marquês de Olinda, porque mesmo em caso de guerra não há direito para o aprisionamento de um vapor de passageiros. No dia 15 foram-lhe entregues os passaportes e a resposta de que não se entregaria o paquete. Ao mesmo tempo, proibiu-se aos navios mercantes, surtos no porto, tomar a bordo o ministro brasileiro. Não havendo em Assunção navio de guerra de nação neutra, era evidente o propósito, ou de obrigar o ministro brasileiro a empreender a viagem por terra (o que era extremamente perigoso), ou de retê-lo como refém em Assunção, o que não seria maior violência que a prisão do coronel Carneiro de Campos. No dia 19 apareceu no “Semanário” a declaração de que o Marquês de Olinda era considerado boa presa, ficando os empregados brasileiros prisioneiros de guerra e a carga confiscada.

“Além de Sagastume, encarregado de negócios da República Oriental, e inimigo do Brasil, só se achava em Assunção o ministro norte-americano Washburn, que logo se dirigiu a Solano López, fazendo-lhe ver a gravidade do ato que praticava com a detenção de um ministro público. Solano López não quiz comprometer-se com os Estados Unidos e consentiu, em 29 de novembro, que um navio da república transportasse a legação brasileira para Buenos Aires, ficando Carneiro de Campos prisioneiro. Foram soltos apenas dois passageiros não militares, que residiam em Mato Grosso. Quatrocentos contos em notas do tesouro, encontrados a bordo do paquete, ficaram nas mãos do governo do Paraguai, mas, sendo conhecidos os números, a legação brasileira em Buenos Aires fez um anúncio e retirou as notas de circulação. No dia seguinte à partida da legação imperial os brasileiros considerados prisioneiros de guerra, foram levados para terra e encarcerados. A todos sem exceção davam a ração de soldado raso, e o coronel era obrigado a comer no mesmo prato que o simples grumete. Em alguns jornais circulou a notícia de haverem sido postos em liberdade, mais tarde, 42 homens da tripulação, permintindo-se-lhes partir para Buenos Aires. Os míseros empregados do governo brasileiro foram sujeitos ao pior tratamento, e nenhum deles sobreviveu à guerra. Foram internados pelo país e morreram, principalmente de fome, porque ninguém ousava dar-lhes coisa alguma, ainda que Solano López tivesse marcado para cada um deles uma ração inteira e o meio soldo de uma praça de pré. O coronel Carneiro de Campos, e seis dos seus companheiros de infortúnio, foram levados, no verão de 1867, para o acampamento de Passo Pucu, perto de Humaitá, onde pereceram na mais completa miséria; e o coronel, no dia em que foi surpreendido o acampamento dos Aliados em Tuiuti, morreu de desgosto ao receber a notícia dessa suposta vitória do Paraguai. Quando Humaitá caiu em poder dos Aliados achou-se uma carta do infeliz, escrita a lapis, e enderaçada a sua esposa, na qual se despedia da família, e fazia uma horrorosa descrição dos tormentos que passara.

“O carregamento do Marquês de Olinda foi vendido em praça pública e o produto aplicado nos preparativos bélicos. Fez-se, também, uma tentativa de trocar em Buenos Aires os 400 contos em notas do tesouro, o paquete brasileiro foi armado com 4 peças e incorporado à esquadra da república.”

Adianta, ainda, Schneider:

“Uma testemunha ocular nos descreve as cenas que se deram em Assunção: ‘é bem claro o propósito do ministro Berges, comunicando ao ministro brasileiro a interrupção das relações diplomáticas e a proibição de navegarem os navios brasileiros para Mato Grosso só no dia seguinte do aprisionamento do Marquês de Olinda. É mais do que provável que a nota tenha sido escrita após a violência, e com o fim único de atenuá-la. Foi o Sr. Washburn quem dissuadiu o ministro brasileiro de empreender a viagem de retirada por terra, aconselhando-o de que não aceitasse uma escolta de

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paraguaios, pois a viagem seria penosa, e porque a família e o pessoal da legação corriam o risco de serem assassinados, podendo a sua morte ser facilmente atribuída aos selvagens nômades. Para se disfarçar o ato, mandar-se-iam fuzilar alguns soldados. Um tal acontecimento bem era para recear, pois o ministro brasileiro nunca se deixara atemorizar pelo proceder de López, afeito às mais vis bajulações. Também não procurara captar a simpatia da amásia do presidente; e por isso, ao ódio político associou-se o despeito pessoal. Basta o seguinte fato para se demonstrar com que rancor se procedeu em Assunção contra os prisioneiros do Marquês de Olinda: todos os dias o ministro Viana de Lima mandava do consulado brasileiro um grande cesto com provisões; os sentinelas metiam as mãos no leite, despedaçavam pães e quebravam os ovos. Os prisioneiros, de nojo as lançavam à água.

“A notícia destes acontecimentos produziu no Brasil extraordinária impressão. A nação inteira ficou como que fulminada por ver assim ferida a sua honra pelo Paraguai. Realizou-se literalmente o que o ministro expulso de Assunção dissera ao seu governo em uma nota datada de Buenos Aires: ‘Tenho a firme convicção de que o Brasil inteiro se erguerá para lavar esta afronta!’ (Até aqui o alemão Schneider). (19)

E retorna Thompson à narrativa: “Aos representantes em Assunção, o governo paraguaio enviou a seguinte circular:

“Ministério das Relações Exteriores

“Assunção, 18 de novembro de 1864.

“O abaixo-assinado, ministro das Relações Exteriores, recebeu ordens do Exmo. Sr. Presidente da República, no sentido de informar a V. Exa. que, tendo-se verificado a invasão e ocupação do território Oriental do Uruguai, a 12 de outubro último, pela vanguarda do exército imperial ao comando do general Menna Barreto, e efetivando-se assim o caso previsto no protesto solene de 30 de agosto último, o abaixo-assinado, fiel àquela declaração e à declaração contida na carta de 3 de setembro, dirigiu ao Exmo. Sr. César Sauvan Viana de Lima, ministro residente do Imperador do Brasil, a resolução que V. Exa. encontrará na cópia anexa no. 1, e sua resposta, no. 2.

O abaixo-assinado lisonjeia-se de que, nos princípios de livre navegação e comércio permitidos com a província de Mato Grosso em favor das bandeiras amigas, V. Exa. verá uma prova do forte desejo do governo paraguaio de limitar, tanto quanto possível, aos costumes das nações mais civilizadas os males da guerra, evitando prejuízo aos súditos das nações amigas que tiverem qualquer interesse naquela província brasileira.

Etc., etc., José Berges.”

Comentário do inglês: “Por este documento se vê o quanto López desejava, nessa ocasião, ser considerado pelas potências européias como governante civilizado e esclarecido. Desde o começo até o fim da guerra, sempre declarou, e reiterou insistemente, ser o Brasil quem fazia guerra ao Paraguai, e não o Paraguai ao Brasil.” E arremata:

“É realmente extraordinário o fato de haverem os jornais de Buenos Aires, durante toda a guerra, noticiado muitos acontecimentos antes que os mesmos realmente se verificassem. (20) A expedição contra Mato Grosso foi anunciada muito antes de ter sido conhecida no Paraguai; e da mesmo forma já em novembro foi publicado que

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López pedira permissão ao governo argentino para que atravessasse Corrientes, pedido este que em realidade foi feito em fevereiro (seguinte).” (Fim de citação de Thompson).

A maior parte da imprensa argentina ridicularizava, entretanto, o tirano e suas fanfarronadas. Alguns jornais, como já sabemos, eram subvencionados pelo Paraguai, da mesma forma que na Europa e nos Estados Unidos López pagava a publicação de artigos e editoriais favoráveis à sua política. Recordem-se de Du Graty e do próprio Schneider.

Já é tempo, porém, de retornarmos ao Uruguai, onde nosso pequeno exército e a esquadrilha de Tamandaré resolviam o problema dos blancos de Aguirre, com prioridade.

O Autor afirma, copiando os mais rasteiros autores platinos, inconformados com a grandeza brasileira, que o conselheiro Saraiva “na defesa dos brasileiros pretensamente vítimas da violência na região fronteiriça (...)” Pois bem, vejamos alguns exemplos dessa nossa injustificável sensibilidade:

“O escudo das armas imperiais foi arrebatado da frente da casa do vice-cônsul brasileiro em Taquarembó, no dia 15 de novembro de 1861, e este fato não foi o mais grave. Nos relatórios de 1862 e 1864 faz-se menção de muitos outros atentados, como por exemplo, o assalto da casa da brasileira Ana da Silva, em Canhapiru por uma partida da polícia oriental, o assassinato do guardião da armada Domingos de Moraes pelo oficial oriental Pires, e muitos outros homicídios e roubos cometidos, ou tolerados, por autoridades de Taquarembó, Canciones, Serro Largo, Artigas e outros pontos.” (21)

Fala-nos, ainda, o Autor, do conluio, (que não houve como ele declara) entre os ministros brasileiro, inglês e argentino, respectivamente Saraiva, Thornton e Elizalde, que se teriam unido para determinar o futuro político do Uruguai. Pura mentira: Saraiva negou-se a negociar com Flores, por impedimento decorrente de instrução do governo brasileiro, posto que ele era considerado, até então, um rebelde; Thornton e Elizalde prestam-se a levar a Flores, em seu acampamento, um proposta escrita de Aguirre, cujo conteúdo foi mostrado por Flores aos dois diplomatas: Aguirre queria que Flores entregasse as armas, mas a carnificina de Quinteros estava muito fresca na memória de todos. O inglês e o argentino voltaram a Montevidéu e manifestaram a Aguirre o desgosto que sentiam pelo seu modo de proceder. (22)

Na verdade era difícil agir civilizadamente com os blancos, especialmente com Aguirre, daí as simpatias naturais que se foram voltando para Flores, este já contando com a adesão dos brasileiros residentes no Uruguai, pois viam nele um possível defensor dos seus direitos ofendidos (entretanto não se alinhavam entre seus partidários, os colorados) e, também, com a simpatia do gaúchos dos Rio Grande do Sul, que já se organizavam em guerrilhas para ajudar Flores. Nesse contexto, Tamandaré, a vista das simpatias crescentes e mesmo da ajuda em dinheiro, homens e materiais, que ia angariando Flores, não poderia fazer mais nada do que um acordo com ele, e passar a coordenar a campanha.

O que queria o Sr. Chiavenatto? Que Tamandaré se deixasse enganar por Aguirre, como aconteceu com o seu infeliz colega Pedro Ferreira frente a Carlos López? Pois bem, Tamandaré não serve, hoje, para ser lançado ao ridículo, como faz o comunista com Pedro Ferreira. Ele abriu fogo e iniciou a liquidação da questão, e por isto o adepto de Marx freme de indignação comunista. Afinal, o que ele deseja?

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Achamos que está bem claro: diminuir o Brasil, de qualquer maneira. E isto num livrinho, que uma repulsiva campanha subterrânea, vai fazendo penetrar nas mentes e corações da nossa juventude, alvo de tantas outras ameaças: o amolecimento pelo “rock”; a desesperançada pelo desemprego; a ateização pelas ideologias anti-cristãs; o rebaixamento pela droga, fumo e álcool; o embrutecimento pelo amor livre; a analfabetização pela TV; a bestialização pela desintegração familiar.

O Autor entra nessa guerra suja (e quem duvida que seja uma guerra?) com a parcela da sua contribuição criminosa e, escorado pela mídia passa impune. É pelo contrário, festejado, “best-seller”, porque não existe mais reação. As elites estão perplexas, corrompidas e imobilizadas. Ninguém tem mais coragem de ser contra nada de mau, tudo se aceita em nome de um modernismo nunca esclarecido nos seus fins últimos, de um pseudo-progresso e de uma paz fantasiosa que, na verdade é mais uma manobra do inimigo da humanidade, das nações, das famílias e das pessoas; de todos e de cada um.

A opinião pública passou a ser manipulada pelos processos mais sórdidos. Ela expressa, no fim, o que deseja a propaganda que a governa através da mídia. Quem tem coragem de voltar-se contra os poderosos ibopes?

Nós temos. Mas, Senhor, tende misericórdia de nós.

Voltemos ao Uruguai. Naquele tempo em que os valores morais, ainda conseguiam superar os valores práticos das vantagens materiais, o Brasil e a Argentina sentiam-se com o dever, além do direito, de intervir no Uruguai para restabelecer a ordem, pois eram fiadores da sua independência. No caso da Argentina, com uma situação interna delicada, e o Brasil com a lembrança da terrível Guerra dos Farrapos, que nos custou dez anos de lutas, gastos e, sobretudo, mortes e ferimentos entre irmãos. A desordem uruguaia nas suas fronteiras autorizava a pronta ação. E a Inglaterra? Esta, maçonaria à parte, foi mediadora no conflito do qual resultou a independência do Uruguai. Legitimidade absoluta das partes que estavam empenhadas na solução do problema gerado pelos blancos, no momento com Aguirre à frente, no Estado que criaram.

O Paraguai, não. Nada tinha ou tem a ver com o Uruguai. Solano López, já vimos, adaptou a teoria do equilíbrio regional, no caso o Prata, aos seus interesses pessoais, e usou a intervenção diplomático-militar do Brasil, que nisto foi apoiado pela Argentina e pela Inglaterra, para desencadear a guerra.

A vaidade de López quase leva a desditosa nação paraguaia à extinção, e esse povo infeliz ainda tem que contemplar a sua desgraça servindo de instrumento na luta de classes comunista. Estes revolucionários, cujos crimes a humanidade vai assistindo estarrecida, esgotados por exaustão os temas mais comuns da sua dicotomia classista: pobres x ricos, explorados x exploradores, proletários x capitalistas, empregados x patrões, negros x brancos, mulheres x homens, jovens x “coroas”, etc., lançam-se em busca de novas lutas, e descobrem: historia “nova” x história “oficial”.

E tais indivíduos se auto-denominam “pesquisadores”... Suas “pesquisas”, no entanto, são feitas nos autores mais declassificados e, quando têm que suportar um autor de nomeada, pinçam cuidadosamente trechos e frases, citando-os fora do contexto original ou, fazendo jogo de palavras, transformando-os em avalistas das suas idéias esdrúxulas. Não é raro ocorrer fraudes, trocas ou omissão de palavras.

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O Autor bebeu do lixo da história, saido das penas de escritores platinos divorciados da verdade, inimigos dos brasileiros, e com ele teceu a sua trama marxista. Razão tinha o Barão do Rio Branco, um brasileiro íntegro, de cujo amor ao Brasil resultou, não só o seu engrandecimento territorial como, também, o renome da nossa diplomacia e cultura entre os povos civilizados. É ele quem, no entanto, desabafa:

“No Rio da Prata procura-se sistematicamente persuadir o povo que somos uma raça despida de brio e de valor, (23) e isso não obstante um sem número de feitos brilhantes que registra a nossa história militar, desde o tempo das lutas com os franceses, holandeses e espanhóis, até as nossas contendas no Sul, a partir do século XVII. Em geral não conhecem os nossos vizinhos a história do Brasil, e quanto às nossas operações militares no Rio da Prata, adulteram os fatos para apresentar-nos, sempre, sob um aspecto desfavorável. Julgam que nos insultam falando sempre em Sarandi e Ituzaingô, como se houvesse vergonha em não alcançarem as nossas tropas a vitória, pelejando em número muito inferior, como sucedeu no primeiro desses combates, onde 1.114 milicianos brasileiros atacaram imprudentemente 2.500 das três armas, e na tão falada batalha de Ituzaingô, onde a 10.000 homens, pouco mais ou menos, opusemos apenas 5.567.

“Nas vitórias que alcançamos no século passado (XVIII), e nas que obtivemos em 1801, 1811 e de 1812 a 1820 não falam senão muito ligeiramente os escritores do Rio da Prata, e quando mencionam esses combates é sempre para nos deprimir; o mesmo sucede quando a imprensa desses países se refere aos fatos da última guerra (contra Aguirre, no Uruguai). A nossa história militar, porém, é muito anterior às de todos os outros povos da América, pois já nos séculos XVI e XVII adquiriram renome na Europa os filhos do Brasil pelo seu patriotismo, constância e intrepidez. Os cronistas franceses e holandeses, particularmente os historiadores que se ocuparam com a heróica resistência que durante 30 anos opuseram os brasileiros ao domínio batavo, fazem-nos todos justiça, como Barlaens, Moreau, Netscher e outros. Já em 27 de julho de 1630 escrevia o general Theodoro Weerbemburgh aos Estados Gerais da Holanda: - ‘Acho este povo de soldados, vivos e impetuosos, aos quais nada mais falta que boa direção; e que não são de nenhum modo como cordeiros e posso eu afirmar, pois por três anos o tenho experimentado.’ O mesmo testemunho deram depois o príncipe Maurício de Nassau, o general Siegmundt von Schkopp e os demais chefes holandeses que vieram ao Brasil. Garibaldi, que também militou entre nós, louvou a bravura e constância dos soldados brasileiros, apresentando-os aos seus compatriotas como exemplos dignos de serem imitados. Só no Rio da Prata, onde, aliás, os nossos revezes são em muito menor número que as nossas vitórias, é que se nega aos nossos soldados e marinheiros o valor de que constantemente têm dado provas. Registremos as palavras do intrépido general italiano sobre os brasileiros, tanto os que serviam nas fileiras da revolução riograndense como os que os que defendiam a causa da legalidade: - ‘afastei-me depois do teatro em que se deram os acontecimentos que me refiro; estou a duas mil léguas no momento em que escrevo estas linhas; pode-se, portanto, acreditar em minha imparcialidade. Pois bem, falando de amigos e inimigos, devo dizer que eram intrépidos filhos do continente americano aqueles que eu combatia, mas não eram menos intrépidos aqueles em cujas fileiras eu tomei lugar (...)’Adiante, nas mesmas memórias, e depois de tratar da batalha de Taquari ferida entre o general legalista Manoel José Rodrigues e o insurgente Bento Gonçalves, diz Garibaldi: - ‘Mas a nossa gente estava afeita a todas as provações, e uma só queixa partiu dos lábios desses soldados que morriam de fome e de sede - a de não serem levados à peleja. Oh italianos! italianos! no dia em que fordes unidos e sóbrios, pacientes nas fadigas e privações, como estes homens do continente americano, o

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estrangeiro, ficai certos, não pisará mais a vossa terra nem manchará vossos lares.”(Fim da citação de Rio Branco).

Queira Deus que a herança genética dos nossos antepassados que empurraram a linha de Tordezilhas até os confins do continente e que depois souberam defender pela diplomacia e pelas armas o imenso patrimônio que nos legaram, esteja latente no fundo da desordem que atinge nossas elites e apodrece nossa juventude. Quando soar a hora da verdade, da defesa do nosso patrimônio amazônico, saberemos se ainda temos ou não um resto do mesmo sangue dos destemidos soldados de outrora e, nas nossas cabeças, um resto da inteligência daqueles abnegados diplomatas, brilhantes negociadores, honra e glória da nação brasileira. Ou, se todo esse esforço, todas as vidas oferecidas em sacrifício, foram inúteis e que tudo pode ser perdido pela sedução de uma ECO-92, alguns “dollars” emprestados e o entreguismo de um irresponsável qualquer.

Queira Deus que esse processo destrutivo seja estancado e que os brasileiros retornem aos seus valores tradicionais; mas não creio que o Autor seja recuperável. A dar crédito ao seu raciocínio teríamos que, em resumo, aceitar o seguinte: os nossos dirigentes daquela época queriam fazer a guerra, por procuração da Inglaterra, contra o fraco Paraguai, mas, para não parecer que estavam de má vontade para com o pequeno, fomentaram desordens no Uruguai e, com o pretexto de restabelecer a normalidade entre os orientais, imaginem, invadiram a sua casa, tudo mancomunado não só com a Inglaterra, mas, também, com a Argentina. E no Uruguai, para melhor disfarçar nossas verdadeiras intenções, gastamos dinheiro e perdemos vidas e materiais. A artimanha deu certo. O bobinho Solano cai na arapuca como um pato e começa a guerra (perdão, nós é que começamos). E aí foi uma festa: caimos de pau nos enganados.

Um detalhe: nós atraimos o pato para uma armadilha que não estava armada! Ele vem com 100.000 guaranis “fortes, bem alimentados, 100% alfabetizados, bem fardados, etc.” e nós, só temos, depois de fazer nossos cambalachos no Uruguai, raspando tudo, uns 14.000 negros desnutridos, analfabetos, desdentados, feios. Mas, ai, os nossos generais, esses enganadores, fazem uma série de artimanhas (não é arte da guerra, são incompetentes): não atacam quando “El Supremo” grita: - Tá pronto! Não atacam por onde ele espera, conforme devia ser... seus navios não afundam, só os do “mariscal”... e, começam a aparecer uns tais voluntários da pátria, aos milhares (deve ser um tipo de escravo!)... e, ainda mais, os brasileiros, esses desmancha-prazeres, transformam o inimigo uruguaio em aliado e conseguem a adesão dos argentinos, até os de Corrientes e Entre Rios (até tu, Urquiza?).

......................................................................................... O Uruguai, já se viu, deixou de ser problema com a vitória brasileira. Flores toma

o poder, volta a ordem interna. Agora, sim, podemos tratar do Paraguai, istó é, de Francisco Solano López.

Notas: (1) E o Autor ainda insiste na balela do subimpério brasileiro, subordinado ao

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império britânico, fazendo a guerra ao Paraguai a mando deste. A História, que o Sr. Chiavenatto despreza e pretende substituir pela “paixão”, isto é, a fraude em oposição à realidade dos fatos, mais uma vez nos informa que o Brasil foi quem mais sofreu a ação gananciosa dos mercadores internacionais.

(2) Nota no. 1, Vol. I, p. 14, Op. Cit. de L. Schneider.

(3) Nota no. 3, Vol. I, p. 4, idem.

(4) Estes dados minuciosos e a série de datas e nomes que estamos apresentando, retirados pelos autores das obras de referência nos arquivos que eles indicam em suas obras, visam a dar aos leitores o conhecimento histórico correto, absolutamente necessário para que se possa sacar as conclusões, nós e os leitores, sem apelos a “paixões”, tranqüilamente, tudo em busca da verdade que nenhum “pathos hegeliano” pode modificar.

Assim se trata a História.

(5) Nota no. 2, Vol. I, p. 11 e 12, Op. Cit. de Schneider.

(6) A batalha de Ituzaingô, como a chamam os platinos, terminou indecisa. Os brasileiros, em inferioridade numérica e exaustos, não podiam vencer os argentinos, e estes, também exaustos e tendo sofrido muitas baixas, não puderam liquidar os brasileiros, nem sair em sua perseguição. Autores platinos pretendem que nós tivéssemos sofrido uma derrota, o que tem no Brasil alguns defensores, entre eles o eminente historiador General Tasso Fragoso, a quem se deve, neste particular, ler com cautela, pois é declaradamente positivista e, como os adeptos de Augusto Comte, gosta de fazer concessões à humanidade e aos mais fracos.

Esta não é, porém, opinião unânime entre os historiadores. E o que nos interessa, afinal, é que a Guerra contra as Províncias Unidas do Rio da Prata foi ganha por nós e que o objetivo da batalha do Passo do Rosário foi atingido: os Argentinos invasores se retiraram do território nacional.

(7) Gustavo Barroso, História Secreta do Brasil, Vol. II, p. 68.

(8) Nota no. 2, Vol. II, p. 70, Op. Cit. de Schneider.

(9) Some-se a esses fatores mais um, de grande relevância: a falta de motivação nacional. Fosse o Uruguai uma parte integrante de direito do nosso território, isto é, habitado por uma maioria efetivamente brasileira, descendente de portugueses e falando também, o nosso idioma, penso que teríamos sacado, do fundo da vontade nacional, os recursos necessários para manter o Uruguai brasileiro.

(10) Campanha de Ituzaingô, Ten Cel Henrique Oscar Wiederspahn, Biblioteca do Exército Editora, Rio, 1961, p. 311-313. (Compilado de). Como fato curioso convém ser lembrado que João Goulart e Leonel Brizola se asilaram no Uruguai em conseqüência da Revolução de 31 de março de 1964, e que o último ainda lá mantém propriedades que visita sempre que pode.

(11) Nota no. 1, Vol. I, p. 23, Op. Cit. de Schneider.

(12) Nota no. 2, Vol. I, p. 27, idem.

(13) Nota no. 2, Vol. I, p. 33, idem.

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(14) Nota no. 3, Vol. I, p. 38, idem.

(15) Nota no. 1, Vol. I, p. 38, idem.

(16) Nota no. 2, Vol. I, p. 38-39, idem.

(17) Notas nos.2 e 1, Vol. I, p. 39 e 50 respectivamente, idem.

(18) Este relato de Schneider, citando testemunhas oculares, na verdade é apoiado na obra de Thompson, que pode ser acusado de quase tudo, menos de não ter sido uma testemunha privilegiada dos fatos.

(19) Condensado de Schneider, Op. Cit., Vol. I.

(20) E agora, Sr. Chiavenatto, o “afinador de pianos” não retirou mais uma perna da sua tese já completamente capenga?

(21) Rio Branco, nota no. 4, Vol. I, p. 37, Op. Cit. de Schneider.

Naquele tempo o ataque a símbolos nacionais era coisa séria, que nenhuma autoridade civilizada permitiria, nem aos da própria nação, nem aos das demais. Usar a bandeira brasileira como tapete, como fez López, demonstra sua barbárie, percebida por todo o mundo civilizado que ele tentava enganar, como se a ele pertencesse.

(22) Apud Schneider, Op. Cit., Vol. I, p. 37.

(23) Sem brio e sem valor, temos que aceitar, é uma pessoa nascida no Brasil que, no seu afã de nos rebaixar usou, sistematicamente, a palavra espanhola plata. Despreza sua própria língua, isto é, sua própria gente.

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Capítulo IX

CONTRA SOLANO LOPEZ E, NÃO, CONTRA O POVO PARAGUAIO 36 - O Tratado da Tríplice Aliança, a Primeira Vitória da Guerra O Tratado da Tríplice Aliança, acordado entre a Argentina, o Brasil e o Uruguai,

foi a primeira vitória da Guerra do Paraguai. Uma vitória da diplomacia brasileira, sobretudo, coadjuvada pela Argentina, e que contou com a adesão do Uruguai.

Tivessem a diplomacia e as armas brasileiras trabalhado mal no Uruguai e não teria sido possível um acordo que se fez tão fácil, tão naturalmente. Foi a vitória do direito, respaldado pela aplicação gradual e adequada da força, no Uruguai, pelo Brasil, acompanhada a cada passo pela Argentina, que gerou o Tratado (assim o chamaremos daqui para a frente, exceto quando houver possibilidade de confusão).

Já vimos, mais de uma vez, como os comunistas jogam com as palavras. As ações contrárias aos seus interesses revolucionários são “criminosas”, e um tratado acertado

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entre partes livres e soberanas, com atendimento ao direito das gentes e em defesa dos seus próprios territórios, bens nacionais violentados, é um “corpo de delito”. Agora, quando os comunistas matam em massa, invadem, roubam e transgridem todas as normas do direito, isso é “paixão revolucionária”, são “excessos desculpáveis pelo fim que se visa atingir”, etc.

Primeiro, portanto, repelimos veementemente qualquer manipulação semântica que nos queiram impingir a fim de inverter os papéis. Nós fomos os agredidos: Brasil e Argentina, e, o Uruguai, ameaçado. O Paraguai de Solano López foi o agressor. Nós três tínhamos, portanto, todo o direito de coordenar nossas ações defensivas, e um tratado era, e continua sendo, o instrumento jurídico de que se valem os povos civilizados em situações como tais.

Nós fomos, além de agredidos, roubados, tivemos compatriotas assassinados e seqüestrados. Tudo isto aconteceu antes da declaração de guerra, e não sendo atos de guerra, são crimes comuns, e com a conotação que o moderno direito lhes dá, enquadrados como crimes de guerra. Um país, um governo, não pode alegar que suas ações, como as que cometeu Solano López antes de declarar guerra ao Brasil, possam ser aceitas como atos de guerra. Não, são crimes, naquela época comuns, e hoje em dia crimes de guerra, que o levariam a julgamento e condenação, caso tivesse sido preso. Ainda mesmo depois de declarar a guerra continuou cometendo crimes de guerra, como foram os fuzilamentos e torturas de prisioneiros, inclusive civis e mulheres. O mesmo se pode dizer com relação à Argentina e, também, ao próprio povo paraguaio.

Os leitores, temos certeza, se não estavam advertidos já suficientemente para o problema, hão de estar, agora, esclarecidos de sobra para saberem julgar que o Autor usa essa execrável técnica comunista quando diz que nós “roubamos” documentos e arquivos paraguaios, durante o curso das ações de combate. Roubo cometeu López quanto aos documentos, dinheiro e outros bens que conduzia o Marquês de Olinda. Seqüestro, também ele cometeu com relação aos passageiros e ao próprio navio. Assalto, puro e simples, como cometem as quadrilhas de bandidos. Pirataria é o enquadramento mais correto e mais abrangente.

O Sr. Chiavenatto vai atingir o máximo de desfaçatez e sabugice quando, mais adiante, falar do “assassinato” de López. A ele, como veremos, foi dada a opção de render-se, mas preferiu, de arma na mão, enfrentar seus captores. Foi morto em combate, e se pudesse, lá do inferno onde necessariamente tem que estar sua alma, seria capaz de protestar contra o Autor, que usa a sua memória para fazer propaganda comunista. López preferiria mil vezes ser considerado morto em combate e não “assassinado”. A primeira opção ainda lhe confere uma ponta de dignidade.( E isto vale, também, para Lamarca)

Passemos, agora, ao exame do conteúdo do Tratado, começando pela sua classificação sigilosa: secreto.

Ora, a classificação sigilosa atende às conveniências das partes contratantes, exclusivamente. Poderiam essas altas partes não classificar o Tratado como documento sigiloso, classificá-lo em nível mais ou menos elevado que o secreto e, ainda, desclassificar o documento de seu sigilo quando, também, lhes fosse conveniente. Tivesse o Tratado sido classificado como Ultra-Secreto, uma série de medidas de segurança ainda mais apuradas teriam sido tomadas e, provavelmente, o seu texto não teria sido mostrado por um diplomata uruguaio desavisado a um seu colega inglês

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inescrupuloso, vindo a ser publicado em Londres.

Que prejuízos resultaram, entretanto, da publicação do Tratado? Muito poucos, talvez somente um estremecimento passageiro dos dois parceiros mais fortes em relação à diplomacia uruguaia.

E os benefícios? Pelo menos um: o mundo civilizado ficou sabendo que fazíamos uma guerra civilizada e, especialmente, que o seu objetivo era a remoção de Solano López do governo daquele país.

Salvo a claque a soldo do ditador, a verdade é que nenhum órgão de imprensa mais sério encontrou motivos para tentar uma defesa de López, ou para deprimir a aliança.

E não era a Inglaterra a maior interessada, segundo o Autor, em exterminar o Paraguai? Não tínhamos, Brasil e Argentina, recebido do Império Britânico as procurações para aniquilar a gente guarani rebelde? Apagar o modelo econômico inconveniente que se esboçava na terra das ditaduras esclarecidas?

A divulgação dos termos do Tratado, em pleno parlamento britânico, por si só é o suficiente para livrar a Inglaterra da pecha leviana (mas com “paixão”) assacada pelo Sr. Chiavenatto. E saibam que no parlamento houve quem se pusesse a favor e contra a Tríplice Aliança. Mas, no fundo, a divulgação do Tratado não poderia ter sido, justamente, uma manobra contra os Aliados?

Passemos aos “protestos” contra o Tratado. Nenhuma nota dos governos citados pelo Autor foi registrada por nossa diplomacia. Se parte da imprensa desses países publicou matérias sobre o assunto, isto não foi, de forma nenhuma, um protesto da Bolívia, do Equador, da Colômbia, do Peru, do Chile ou dos Estados Unidos, mas a livre manifestação do pensamento dos seus jornalistas, ou trabalho de encomenda de López...

Vamos conhecer o Tratado, agora, nas suas cláusulas. Este instrumento encontra-se transcrito, pelo próprio Autor, no Apêndice l do seu panfleto. O texto, salvo pequenas discrepâncias menores, corresponde ao original. Os leitores devem lê-lo, neste momento, antes de tudo o mais.

..................................................................................... Então, que impresssão tiveram? - É isso mesmo, esses mentirosos comunistas, de

tanto usar a mentira como verdade, acabam perdendo o senso de justiça e o próprio discernimento das coisas. A deformação moral afeta o seu entendimento. O Tratado não possui nenhuma cláusula que se devesse esconder, com vergonha. Pelo contrário, é um modelo de equilíbrio e justiça. Vejamos:

“Rapinagem do seu conteúdo”. Vamos analisar todos os artigos que digam respeito a retirar-se alguma coisa do Paraguai:

“Art. 14: Os Aliados exigirão desse governo o pagamento das despesas de guerra que se viram obrigados a aceitar, bem como reparação e indenização dos danos e

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prejuízo às suas propriedade públicas e particulares e às pessoas dos seus concidadãos, sem expressa declaração de guerra; e dos danos e prejuízos verificados posteriormente com violação dos princípios que regem o direito de guerra.

“A República Oriental exigirá também uma indenização proporcional aos danos e prejuízos que lhe causa o governo do Paraguai pela guerra que se obrigou a entrar para defender sua segurança ameaçada por aquele governo.”

Análise: exigir desse governo (o que se estabelecerá após a derrubada de López) o pagamento das despesas de guerra e a reparação e indenização dos prejuízos, estava conforme o direito da guerra. Os Aliados, Brasil e Argentina, foram invadidos, tiveram navios seqüestrados antes da declaração de guerra (não apreendidos, portanto), sendo um brasileiro e dois outros argentinos, estes últimos com violência, do que resultou a morte de membros da guarnição surpreendida; e, o Uruguai, sob o novo governo colorado, viu-se ameaçado pelas colunas paraguaias que desciam em direção ao seu território, chegando até Uruguaiana, no Brasil, e Yataí, na Argentina. O Paraguai dos López, que o Autor gaba de não ter tido uma dívida externa, estava contraindo uma, na verdade, colossal.

Era do direito a cobrança das despesas de guerra, incluindo o seu custeio, mais reparações e indenizações. Vejam: López determinou o seqüestro dos navios, que passou a usar como seus, vendeu a carga encontrada, roubou dinheiro, matou pessoas (aqui, sim, é assassinato), e o Sr. Chiavenatto chama às exigências aliadas de “rapinagem”. Registremos mais esta inversão semântica.

Por outro lado, os Aliados, civilizados que eram, ressalvam os danos e prejuízos que tivessem posteriormente, só cobrando aqueles que se verificassem com violação dos direitos de guerra. Quer dizer: não iríamos cobrar os mortos em combate, os navios afundados em batalha, os cavalos mortos, mas tão somente as despesas de manutenção da guerra: soldos, despesas com atendimento de feridos (inclusive os do inimigo, capturados), uniformes, rações, material de acampamento, munições, combustíveis, transportes, comunicações, etc., além dos custos relativos à reparação dos danos e indenização pelos prejuízos não cobertos, ambos, pelo direito da guerra, tais como: execução de prisioneiros, roubo de materiais e bens particulares, resultantes de saques, etc.

“Art. 15: Em uma convenção especial se marcará o modo e a forma de liquidar e pagar a dívida procedente das causas mencionadas.”

Análise: era necessário regulamentar o Art. 14o. Não convinha perder tempo naquele momento. Mas o espírito do Tratado já transparecia, quanto à dívida de guerra, quando os Aliados enfatizam os “princípios que regem o direito da guerra.”

“Art. 16: Para evitar dissenções e guerras que trazem consigo as questões de limites, fica estabelecido que os Aliados exigirão do governo do Paraguai que celebre com os respectivos governos, tratados definitivos de limites sob as seguintes bases:

“O Império do Brasil se dividirá da República do Paraguai:

“Do lado do Paraná, pelo primeiro rio abaixo do salto das Sete Quedas, que, segundo a recente carta de Mouchez, é o Igureí, e da foz do Iguareí e por ele acima a procurar as suas nascentes;

“No interior, pelo cume da Serra de Maracaju, sendo as vertentes de leste do

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Brasil e as do oeste do Paraguai, e tirando-se da mesma serra linhas as mais retas em direção às nascentes do Apa e do Iguaçú.

“A República Argentina será dividida do Paraguai pelos Rios Paraná e Paraguai, a encontrar os limites com o Império do Brasil, sendo estes do lado da margem direita do Rio Paraguai e Baía Negra.”

Análise: Os limites não fixados definitivamente são, sempre, motivos de guerras. Cuidavam os Aliados - que não pensavam em extinguir o Paraguai, mas preservá-lo, está aqui provado - do pós guerra, isto é, da paz que queriam duradoura, com o então inimigo, e entre eles, também.

O Tratado estipulava bases para as negociações com o futuro governo paraguaio. Bases são linhas de partida para as negociações. Mas o que nunca mais se poderia tolerar era a protelação indefinida dessas negociações, como vinha acontecendo.

Naquele momento, o que os Aliados estavam contratando entre si era exigir do governo paraguaio que celebrasse com eles os tratados definitivos de limites. Lembremo-nos que desde Francia, passando por Carlos López, que o Brasil tentava resolver definitivamente a questão, mas sempre esbarrava, de alguma forma, nas protelações daqueles ditadores, que não apresentavam seus títulos reivindicatórios e nem examinavam os nossos. Exigir, a bem da paz futura, um tratado definitivo, era justo e civilizado. Por outro lado, as bases eram simplesmente apresentadas, eram a partida das negociações.

A Argentina apresentava as suas bases invocando direitos que não competia aos Aliados, naquele momento, discutir, sob pena de não se formar a interessante aliança.

Depois, sabemos da história, nem o Paraguai desapareceu, e o Brasil, no curso dessas negociações, tão sabiamente previstas, concedeu que o limite, ao sul, fosse tirado do salto grande das Sete Quedas, do que resultou possuir, hoje, o Paraguai, além do acréscimo territorial conseqüente, metade da usina de Itaipu. Foi pura concessão, gratuita, para acelerar o acordo definitivo, mediante essa demonstração, nunca vista em final de guerra nenhuma neste mundo, de boa vontade e desprendimento. Quizemos e fizemos um amigo.

Quanto à Argentina, que reivindicava todo o território do Grão Chaco, veio a sofrer, depois da guerra, a pressão diplomática do Brasil para que não subisse além da linha do Rio Pilcomaio. Protegemos o vencido contra um aliado, vitorioso conosco, mas desprovido de títulos históricos sobre a área pretendida. Mais uma vitória de nossa diplomacia, que soube contornar até o risco de uma guerra com a Argentina.

Em resumo: O Paraguai, por ação do governo brasileiro, teve seu território preservado, e até ampliado, após a guerra, além de, livre dos caprichos dos seus ditadores, poder contar com fronteiras definitivamente fixadas, e que a seguir seriam demarcadas no terreno por comissões mistas de engenheiros militares.

Indio é que vive sem fronteiras, mas até mesmo eles, à medida em que se vão aculturando, preferem ter a terra a eles destinada perfeitamente demarcada.

Ainda sobre a pretensa “rapinagem”, vamos examinar os termos do Protocolo que se seguiu ao Tratado:

“lo. - Que em cumprimento do tratado de aliança desta data, se farão demolir as

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fortificações de Humaitá e não se permitirá levantar, para o futuro, outras de igual natureza, que possam impedir a fiel execução das estipulações daquele tratado;”

Análise: As fortificações de Humaitá, conjunto cuja construção foi iniciada sob a orientação de engenheiros militares brasileiros, para fazer face à ameaça de Rosas, servia, então, para barrar a navegação pelo Rio Paraguai acima, caminho natural para Assunção. Mas, o Rio Paraguai também era o caminho mais cômodo para Mato Grosso, como já vimos. Em nome das paz futura era necessário demolí-lo e impedir que se fortificasse novamente aquela região chave.

É claro que os redatores do Protocolo não introduziram o termo “futuro” significando para todo o sempre, mas, sim, durante um prazo conveniente à plena execução do Tratado. Passados os anos, hoje em dia a via fluvial para Mato Grosso não tem mais a importância daqueles tempos. A construção de estradas de ferro e rodovias ligaram, pelo interior, Mato Grosso ao restante do país. Humaitá carece de importância. Além do mais, existe a aviação, que inviabiliza, praticamente, fortificações daquele tipo e, a via de acesso pelo Rio Paraguai já não é mais, do ponto de vista estratégico, a melhor escolha.

“2o. - Que sendo uma das medidas necessárias para garantir-se a paz com o governo que se estabeleça no Paraguai, não deixar armas, nem elementos de guerra, as que se encontrarem serão divididas em partes iguais pelos aliados;”

Análise: Está claro que se deve, e o direito da guerra assim o permite, desarmar o inimigo vencido. O valor desse armamento é dedutível da dívida de guerra.

Note-se, porém, o desprendimento do Brasil, que sabia ter que arcar com o peso da guerra: efetivos maiores, gastos superiores, além de se dispor a sofrer as maiores baixas, evidentemente. Concordou o Brasil em dividir o material a ser apreendido, em partes iguais, mesmo com o Uruguai, que só poderia ter participação simbólica. E o armamento paraguaio era volumoso, já se sabia.

Por outro lado, deixar o Paraguai com as armas e outros materiais bélicos seria pôr em risco a paz almejada, pois que garantia se tinha de que um novo ditador belicoso não viesse a aparecer entre os guaranis, tão acostumados à servidão? Além do mais, tais armas poderiam servir a um ciclo de revoluções internas, ainda não experimentado pelo Paraguai, mas provável, com a luta pelo poder que inevitavelmente lá se instalaria, após López ser apeado.

“3o. - Que os troféus e presas que forem tomados ao inimigo se divida entre aqueles aliados que tenham feito a captura;”

Análise: O artigo anterior referia-se ao material restante após os combates. Este refere-se ao material tomado em combate. O que é um troféu? Uma bandeira, um estandarte, um canhão. E uma presa? Um navio, um depósito de materiais, munições, etc. A diferença pode ser esclarecida assim: o que se destina apenas a elevar a moral dos combatentes, o espírito-de-corpo, e tem como destino, geralmente, após ser mostrado à tropa, um museu, igreja, escola, repartição pública, quartel, etc., é um troféu; enquanto que os materiais que possam, de alguma forma, vir a ser empregados contra o inimigo novamente, é uma presa. Neste sentido, um canhão, por exemplo, pode ser um troféu ou uma presa.

Fica evidente a necessidade de se combinar os detalhes para a execução do

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Tratado e deste Protocolo pelos chefes superiores aliados, tudo segundo as leis da guerra. Daí, o Art. 4o.

“Que os chefes superiores dos exércitos aliados combinem os meios de executar estes ajustes.”

O Autor diz mais ao esclarecer a “rapinagem”: “O Tratado (...) estipula detalhadamente a destruição do país, o saque ao Paraguai, o butim de Assunção e a partilha do país (...)”

Como vimos, nada disto está no Tratado, só na mente dialeticamente doentia do Sr. Chiavenatto.

Em prosseguimento, adianta: “(...) além de estipular hipotéticas condições de paz, que implicitamente só eram possíveis com a destruição da nação como se viu.”

Vejamos essas “hipotéticas” condições de paz:

“Art. 6o. Os aliados se comprometem solenemente a não deporem as armas senão de comum acordo, e somente depois de derrubar a autoridade do atual governo do Paraguai, bem como a não negociarem separadamente com o inimigo comum, nem celebrarem tratados de paz, trégua ou armistício, nem convenção alguma para suspender a guerra, senão de perfeito acordo de todos.”

“Art. 12o. Os aliados reservam-se combinar entre si os meios adequados à conclusão da paz com a República do Paraguai, depois de derrubado o atual governo.”

“Art. 13o. Os aliados nomearão oportunamente os plenipotenciários para a celebração dos ajustes, convenções ou tratados que se tenham de fazer com o governo que se estabelecer no Paraguai.”

“Art. 17o. Os aliados se garantem reciprocamente o fiel cumprimento dos convênios, ajustes e tratados que devem celebrar com o governo que se tem de estabelecer na República do Paraguai, em virtude do que foi concordado no presente tratado de aliança, o qual ficará sempre em toda sua força e vigor para o fim de que estas estipulações sejam respeitadas e executadas pela República do Paraguai.

“Para conseguir esse resultado, concordam que, no caso em que uma das partes contratantes não possa obter do governo do Paraguai o cumprimento do ajustado, ou no caso em que este governo tente anular estipulações ajustadas com os aliados, os outros empregarão ativamente seus esforços para fazê-lo respeitar.

“Se estes esforços forem inúteis, os aliados concorrerão com todos os meios para fazer efetiva a execução daquelas estipulações.”

Análise: A paz foi visualizada pelos Aliados da seguinte maneira:

1o.) derrubando o governo López;

2o.) permanecendo de comum acordo, em todos os pormenores, e durante todo o tempo, inclusive no pós-guerra;

3o.) desde já, garantindo, entre si, cumprir tudo o que venham a celebrar com o governo paraguaio, após a guerra;

4o.) prosseguindo unidos após a guerra, e exigindo do governo paraguaio que

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cumpra com todos e com cada um dos Aliados, tudo aquilo que for celebrado.

E nada mais fizeram do que escrever tudo aquilo que normal e licitamente se exigia e ainda se exige dos vencidos, com vistas à paz.

Outros aliados, durante a 2a. Guerra Mundial, através de uma série de conferências, foram ajustando entre si pormenores muito semelhantes a estes. A exigência da rendição incondicional do eixo Berlim-Roma-Tóquio significava a derrubada dos governos inimigos. A união, após a guerra, tomou um caráter mais amplo e duradouro, com a idéia das Nações Unidas, em cujo seio seriam admitidas somente as nações que houvessem declarado guerra ao eixo até o fim da guerra. Quer dizer: as Nações Unidas, hoje órgão supremo da paz mundial, nasceu da guerra, de um pacto de guerra como o foi o Tratado da Tríplice Aliança.

As próprias Nações Unidas acabam de errar, ao não concederem aos aliados, que operaram no Iraque, um mandato que incluisse a paz naquela região. Quem duvida?

A guerra foi movida contra o governo, e não contra a nação paraguaia. Ora, o governo era a pessoa do ditador López, logo ele é que tinha que ser apeado. A paz não poderia resultar da derrota aliada ou de nunhum acordo que mantivessse López no poder.

López, evidentemente, tudo fez para manter-se no poder: usou os bons ofícios de diplomatas estrangeiros, particularmente dos ingênuos americanos, apelou secretamente para a maçonaria, fez publicar matérias pagas na Europa e nos Estados Unidos, usou, enfim, do “jus experneandi”, mas nada conseguiu. Nem mesmo sua tentativa de intrigar os Aliados, conferenciando separadamente com Mitre em Yataity Corá, pôde reverter a situação. Diga-se de passagem que lhe foi oferecida uma saida por “porta de ouro”: ele renunciaria e receberia asilo no exterior, poderia partir levando sua fortuna e sua família. López, no entanto, preferiu sacrificar a nação paraguaia conscientemente, como consta de suas declarações, notadamente ao representante americano Washburn, como já vimos.

Nós, brasileiros, não costumamos valorizar corretamente os nossos feitos, mas, no momento em que um autor mal intencionado se põe a distorcer os fatos para, achatando nossas glórias do passado, tentar elevar uma nova ordem de coisas, incompatível com a dignidade do ser humano e a maneira de viver dos brasileiros, é preciso que se diga, com a tranqüilidade que a verdade nos confere: o Tratado da Tríplice Aliança é (não foi, é) um modelo de contrato entre nações civilizadas, amantes da paz, para ser usado toda vez que aparecer um Hitler, um Komeini, um Hussein, como López, no passado, ameaçando a paz.

Na verdade, quem trabalhou sobre hipóteses não foram os Aliados. Estes tinham a certeza da vitória, e a sua união, consubstanciada no Tratado, era uma garantia de que ela viria, mais cedo ou mais tarde. Enquanto isso, López pensava, fazia hipóteses: no início, se o Uruguai, Corrientes, Entre Rios e o Rio Grande do Sul a ele se aliassem...; depois que o sonho virou pesadelo, ainda insistiu: se os Aliados permitissem que ele permanecesse no governo...; ante as evidências: se os Aliados se cansassem da guerra...; maquiavelicamente, depois, imaginou: se brigassem entre si...; no fim, esgotados todos os seus recursos, especialmente a nação, ainda gemia: se conseguisse chegar à Bolívia...

O Autor, que também trabalhou em hipóteses tão irrealizáveis, por serem calcadas na utopia comunista, escolheu e publicou, na p. 174 do seu panfleto, uma charge que

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chama de sonho paraguaio: “Sob as patas do cavalo de Solano López as bandeiras do Brasil, Uruguai e Argentina (tendo) à frente, pedindo clemência, D. Pedro II.”

O Sr. Chiavenatto fala de cartas e outras provas de que o Tratado estaria pronto um ano antes. Mas não apresenta nem as cartas, nem as provas.

Pois aqui vamos, então, provar o contrário.

1o.) seria duvidar injustamente da competência dos diplomatas que elaboraram o Tratado e o Protocolo, especialmente dos brasileiros, julgar que eles necessitariam prazo superior ao de que dispuseram para conceber e redigir os documentos, acertadas as idéias. Trata-se de profissionais, e os brasileiros, particularmente, contavam com toda uma retaguarda tradicionalmente competente: o Itamarati;

2o.) os textos em questão são simples, não inovaram praticamente nada;

3o.) a classificação sigilosa, já explicamos, deve-se às conveniências das partes. Nada havia de errado para ser escondido. Tudo estava de acordo com o direito da guerra;

4o.) quanto à alusão de Mitre ao Tratado, em 3 de fevereiro de 1865, que seria assinado somente três meses depois, a 1o. de maio, com as palavras: “A República Argentina está no imprescindível dever de formar aliança com o Brasil a fim de derrubar essa abominável ditadura de López e abrir ao comércio (...)”, não se trata de uma referência clara a tratado algum, apenas expressa o sentimento que o possui: formar aliança, isto é, vir a formar, no tempo futuro. Se levássemos suas palavras ao pé da letra teríamos de concluir, forçosamente, que ele cogitava, apenas, de uma aliança com o Brasil, bilateral e não tripartite como acabou acontecendo.

Donde, então, estar pronto o Tratado, claramente, um ano antes?

O que estava claro, para desespero de López e do Autor, eram as negociaçõess para a formação de uma aliança, justamente ao contrário dos seus desejos, pois ele, López, é quem gostaria de fazer aliança com as províncias argentinas do norte e com o Uruguai, contra o Brasil. Agora, dessas suas demarches temos provas: os arquivos brasileiros, argentinos e uruguaios estão repletos de sua correspondência com pessoas influentes, particularmente de Corrientes e Entre Rios, tramando a sua frustrada aliança.

O Autor, após bater e rebater na tecla do apronto de antemão do Tratado, arremata: “Portanto, um tratado de tal magnitude, discutiu-se, negociou-se e assinou-se em Buenos Aires, sem que o Imperador pudesse tomar conhecimento amplo da situação pelas evidentes dificuldades de comunicações da época - em apenas onze dias!”

Bem, já vimos a qualidade dos homens envolvidos. Convém lembrar ao Sr. Chiavenatto, que nivela esses profissionais por baixo, pelos paraguaios de López e por si mesmo, que um ministro plenipotenciário já recebeu todas as instruções para o caso, e por isso mesmo é investido de todos os poderes; que, em diplomacia, as reuniões formais podem ser precedidas de outras reuniões informais, de troca de notas, de acertos informais, à distância, que preparam os entendimentos; que não havia obstáculo de monta a remover entre os Aliados, todos interessados na aliança e de antemão convencidos de que era fundamental derrubar López. Finalmente, o Art. 19o. do Tratado mata a questão do alheiamento do Imperador:

“As estipulações deste tratado, que não dependem do poder legislativo para serem

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ratificadas, começarão a vigorar desde que sejam aprovadas pelos governos respectivos e as outras desde a troca das ratificações, que terá lugar dentro do prazo quarenta dias, ou antes, se for possível, que se fará na cidade de Buenos Aires.”

Análise: duas ordens de estipulações contém o Tratado:

1a.) as que não dependem do poder legislativo para serem ratificadas. Estas começam a vigorar logo que os governos aprovem, e aí entra D. Pedro II;

2a.) as que dependem do poder legislativo, por força da legislação própria de cada membro da aliança. Estas, começarão a vigorar após as respectivas aprovações parlamentares e a conseqüente troca das ratificações. D. Pedro II teria ainda 40 dias para acompanhar a tramitação parlamentar, e exercer suas atribuições e influência.

Como se vê, o Sr. Chiavenatto só entende mesmo é de inverter o sentido das palavras. Um texto ligeiramente complexo lhe causa embaraços. Por outro lado, suas citações não são amarradas, de forma que, a menos que se pesquise em toda a obra dos citados, os trechos transcritos não podem ser conferidos, escapando assim as alterações por ele, ou por outros autores “apaixonados” dos quais copiou, introduzidas seja sob a forma de mudança de palavras, seja de omissões ou acréscimos indevidos ou, simplesmente, mudando os contextos em que aparecem nos originais.

E nos remete ao Apêndice: “Mas para compreender e aprender a vergonha do Tratado da Tríplice Aliança, mais do que procurar conceitos críticos da época, basta a sua leitura.”

Por nossa vez, reiteramos o convite que já fizemos: leiam, mesmo, por favor, o Tratado, e verifiquem que os tais conceitos críticos, dentro do ambiente político argentino, sobretudo, só podem ser atribuídos à politicagem rasteira e desintegradora que grassava naquela república, onde os inimigos de Mitre eram contra tudo que ele fizesse, certo ou errado, de bem ou de mal.

Tem mais, o Autor, incapaz de julgar com justiça o texto do Tratado, por sí próprio, vai buscar o apoio de um outro “apaixonado”, Luis A. de Herrera, e “para concluir e demonstrar a iniquidade do Tratado da Tríplice Aliança, vale destacar as “irrespondíveis perguntas” do seu cúmplice.

Pois bem, vamos responder ao “irrespondível”:

Pergunta: “Acaso a circunstância de que o Marechal López fosse um tirano, sanciona as vinganças da Tríplice Aliança?”

Resposta: O Tratado não cogitou de vingança, mas sim de restabelecer a paz naquela região da América do Sul, abalada pela invasão, por 4 colunas paraguaias, dos territórios de 2 países vizinhos, e da ameaça a um terceiro. A deposição pelas armas era a única maneira de se poder tratar, com um novo governo, da paz.

O Tratado não trouxe em seu texto qualquer penalidade à pessoa de López, e a ele não se referia pessoalmente, senão ao “governo”. Deixou uma porta aberta para que ele saísse por conta própria, livre e com recursos pessoais para se manter com sua família no exterior.

A circunstância de ser ele um tirano, era assunto de ordem interna do Paraguai. Aliás, parece até que a gente guarani o apreciava, por não conhecer nada melhor. Nunca

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se cogitou de “libertar” o povo paraguaio. Se o governo paraguaio, responsável pela guerra, não fosse, por acaso, tirânico, o móvel da aliança permaneceria o mesmo, talvez um pouco atenuado, possibilitando, quiçás, um armistício negociado. A personalidade de López, entretanto, não permitia qualquer concessão neste particular.

Pergunta: “Que correlação entre causa e efeito pode existir entre o desmembramento do país vencido e o regime interior do governo?”

Resposta: Objetivamente, no caso paraguaio, nenhuma. O Tratado não previu e, posteriormente, não se fez nenhum desmembramento do país, já vimos. Exigir a celebração de tratados de fronteiras não é desmembrar. De uma vez por todas: não se pode tomar aquilo que o outro não possui.

Pergunta: “Como se justifica o saque de Assunção?”

Resposta: Não se justifica nunca, mas ele ocorreu por ordem do próprio López, como veremos adiante, quando o Sr. Chiavenatto voltar ao assunto. Por ora vamos demonstrar que os Aliados não cometeram esse saque, conforme narrativa de Affonso de Carvalho:

“Quatro dias depois Caxias chega à capital paraguaia, sendo seu primeiro cuidado combinar com o coronel Hermes (da Fonseca) medidas que acautelem a propriedaade e a ordem em Assunção, no regime de ocupação militar. Assunção está deserta. As casas, vazias. Muitas arrombadas pelos próprios habitantes, que se retiraram à aproximação das tropas invasoras. Vêem-se objetos de uso particular espalhados pelas calçadas. Sente-se que parte da população, ao retirar-se, fora atacada pela maldita lepra da guerra - o saque (...) O marquês manda fuzilar os culpados, mas nem sempre é possível evitar que muitos desses mil homens que ocupam a capital vencida refreiem seus desejos e instintos, recalcados por longos e ásperos meses de campanha. O próprio hostiário da catedral todo de ouro, é roubado. O sacrilégio é atribuído aos soldados brasileiros. Mais tarde vem-se a saber da verdade: o bispo Palácio levara-o consigo, quando preso por López.” (1)

O fato de alguns soldados, por conta e risco próprios, se entregarem ao furto, e a outros crimes, faz parte da crônica de guerra de todos os tempos. Mas o saque, só existe mesmo quando é ordenado ou permitido pelas autoridades vencedoras. O que fica muito claro, com os fuzilamentos, pena que pode ser considerada até exagerada, ordenados por Caxias, é a repugnância que tínhamos pelo saque.

Mas aqui cabe relatar o que o Sr. Chiavenatto omitiu e o seu cúmplice não perguntou: os saques cometidos pelos paraguaios, estes sim, perfeitamente coordenados por suas autoridades militares, como veremos a seguir:

Primeiro na Argentina, com o relato de Schneider: “As increpações feitas na imprensa de Londres aos soldados de Paunero (general argentino), acusados de haverem durante a noite saqueado a cidade (Corrientes) foram injustas (2); o que se deu por esse tempo, e logo depois da marcha de Robles (general paraguaio) para o sul, foi seguirem carros e navios para Assunção carregados de riquezas e de quantos móveis possuiam os correntinos. Precisaram, pois, os paraguaios inventar uma desculpa, o que explica a falsa notícia que fizeram circular.” (3)

Aí está: quem saqueou quem. Em Assunção, a própria população em fuga saqueou o comércio. Os brasileiros quando lá chegaram, à vista do horror encontrado, tomaram

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medidas acauteladoras. Alguns soldados desobedeceram e fora severamente punidos. Quando houve sangue, a pena foi fuzilamento, no ato.

Vamos reservar, ainda sobre o saque de Assunção, outras revelações muito interessantes para quando o Autor reabrir o caso.

Mas, e no Brasil, que fizeram as tropas paraguaias? Saquearam no Rio Grande do Sul e em Mato Grosso, organizadamente, com relatório e tudo. Vejamos, primeiro, Mato Grosso, que foi também a primeira província a ser invadida por López:

Conta-nos Mario Barretto: “Dentre outros fatos é muito conhecido o dos sinos de bronze da igreja de Corumbá. Os guaranis querendo demonstrar a seu elevado espírito religioso e o grande amor que sentiam pelo ‘divino’ Dom Solano retiraram aqueles sinos e os enviaram para Assunção, onde, chegando, foram imediatamente colocados na catedral da citada cidade. Esse fato foi merecedor de ser noticiado no “El Semanário”, de 4 de fevereiro de 1865, existente na coleção do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Somente em março de 1869 é que os aludidos sinos foram restituidos (durante a ocupação de Assunção). É curioso saber o que o comandante do Iporá, o oficial da marinha paraguaia André Herrera e o Alferes Julian Nicanor de Godoy, dentre outros, conquistaram em Corumbá. Os passageiros do vapor inglês “Ranger” viram em Corumbá diversas anormalidades, mesmo no estado de guerra, e os jornais de Buenos Aires noticiaram os fatos. Centurión, às páginas 231 e 232 do 1o. volume do seu trabalho trata do assunto, mas guarda silêncio quanto à imputação que se faz ao comandante Fernández, ao oficial de marinha André Herrera e ao Alferes Nicanor Godoy, pelo saque que a mando deles ou de seus chefes foi executado nas localidades assoladas pelo invasor. Para os paraguaios, às ordens de López II, era honroso assenhorearem-se do alheio e enviarem a Assunção, ou como ‘regalo’ aos chefes, ou como ‘recuerdo’ aos seus amigos. Segundo o conceito original que tinham de certos vocábulos, chamavam troféu a tudo o que pertencia ao adversário ou aos estrangeiros domiciliados nos territórios invadidos. Assim, os sinos de uma igreja eram troféus, os sapatos e as roupas à venda nas lojas próprias ao mercado desses artigos eram troféus, e assim por diante, sem escaparem a essa interpretação sui generis da citada palavra as próprias imagens dos santos, que como católicos (?) veneravam. (4) Eis como ‘El Semanario’, de 4 de fevereiro de 1865, no artigo intitulado ‘Campana’, narra a aquisição do sino que colocaram numa das torres da catedral de Assunção: ‘Ha estado en exibicion una campana com la corona imperial de Brasil en el pretil de la catedral, traída de Corumbá entre los troféus de la victoria de nuestras armas, sobre las del Brazil; hoy se encuentra colocada en una de las torres de la catedral, donde se oye su sonido desda el dia juéves vispera del santo padron de la Republica. Sabemos que esa campana ha sido presentada á nombre del finado Teniente Herreros e del comandante Fernández, del Iporá, como troféu recogido por este vapor, y que ambos la han dedicado para el nuevo oratorio de la Virjen de la Asunción, Patrona de la Republica.’ (5) Em curto prazo os soldados paraguaios arrebanharam para mais de 60.000 rezes, que transportadas para o Paraguai foram abastecer o exército. Destacamos no acervo dos documentos paraguaios um trecho da parte oficial assinada pelo alferes paraguaio Romualdo, comandante do fortim de Bela Vista do Apa, e dirigida ao Ministro da Guerra e da Marinha do Paraguai. Ei-lo: ‘Do mesmo modo dou conta a V. Exa. de haver recebido a 29 do corrente 271 cabeças de gado vacum remetidas pelo comandante da guarnição da ex-colônia de Miranda participando que o aludido gado foi recolhido nas estâncias da portuguesa Senhorinha e de seu cunhado, etc.’ (6)

Vejamos, agora, o Rio Grande do Sul, onde agiram os milhares de ladrões a

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mando do Ali Babá guarani. A narrativa começa com o Conde D’Eu:

“Só se vêem bandeiras francesas, espanholas e italianas, arvoradas em establecimentos diversos, no intuito de inspirar respeito aos invasores, os quais em S. Borja, como nas outras partes, executaram à letra a ordem que tinham recebido de destruir a propriedade dos ausentes.” (7)

Prosseguiremos com o cônego Gay:

“Então mandou Estigarríbia (comandante paraguaio) uma coluna em perseguição dos sul-riograndenses, que se retiraravam para Alegrete. Essa coluna, tudo que encontrou pelo caminho foi destruindo, incendiando ou saqueando. As devastações praticadas pelos paraguaios nesta parte da província foram inúteis quanto cruéis, pois até degolaram todo o gado que não puderam conduzir consigo, remetendo para Itapua, e daí para Humaitá e Assunção, tudo quanto era transportável.

“No dia 12, o padre Duarte, tendo ao seu lado o coronel Estigarribia e o secretário Zipitria se puseram em marcha, entrando na Vila (S. Borja), tendo sido determinado que o saque desse dia seria feito unicamente pelo padre e pelo coronel, devendo a vila ser franqueada aos oficiais e ao exército somente no dia seguinte. Já também estavam preparadas na entrada da vila umas 5 carretas para receber os objetos mais preciosos do saque. Posteriormente o saque foi transportado para o Passo de S. Borja. Gastaram-se cinco dias em passá-lo em canoas ao outro lado do Uruguai. De Hormiguero, perto de S. Thomé, o saque de S. Borja foi levado em carretas para o Paraguai. Quando a tropa estava para sair do seu país, o general (dizem uns que foi o próprio López) lhes dirigiu uma arenga, dizendo-lhes que iam para um país rico sob todos os aspectos, e que o governo lhes concedia livremente o saque de todas as povoações brasileiras que tomassem; que tinham fome, mas que lá haviam de ter comida em abundância; que eles saiam nus, mas que lá haviam de se vestir muito bem; que estavam pobres, mas que no Brasil haviam de enriquecer. Dia 13 de junho de 1865, a vítima desses selvagens foi a malfadada vila de S. Borja. O que fez-se metodicamente.

“Ao nascer do sol, metade do exército paraguaio deixava o seu acampamento, e, como aves de rapina, se arremessavam dentro da vila. Ao meio-dia estes se recolhiam ao acampamento, e a outra metade do exército ia saquear a vila até o entrar do sol. Assim procedeu o inimigo, não só no dia 13 de junho, porém, ainda, nos dias 14, 15, 16, 17 e 18, sem contar os dias 21 e 22 em que a vila fica à disposição dos soldados da vanguarda. O primeiro cuidado de muitos foi de se lançarem como tigres esfaimados sobre tudo o que tinha aparência de alimento e bebida. Vários abriam a machado barricas de açúcar e o comiam aos punhados, outros comiam a punhados farinha de trigo e de mandioca, de que despejavam sacos no chão. A mór parte tomava bebidas a largos tragos, servindo-lhes de copos todo e qualquer vaso, como baldes e até bacias. Em um tacho ou em qualquer outra vasilha despejavam certa porção de vinho que engrossavam com açúcar e, algumas vezes um pouco de polvilho, que batiam com os dedos, fazendo angu, que depois comiam. Aconteceu algumas vezes que, tomando por polvilho o mercúrio, o arsênio e outras substâncias medicinais de cor branca, misturavam-se ao seu angu, o que mandou bom número destes brutos para a sepultura. Em uma só ocasião, um angu que os soldados paraguaios fizeram em S. Thomé com uma porção de mercúrio, matou 50 homens.” (8)

E como fica a balela dos 100% de alfabetização no Paraguai? Não lhes serviam nem para ler rótulos de produtos farmacêuticos?

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Rio Branco anotou o seguinte: “Estigarríbia comunicou estes fatos ao presidente López, nos seguintes termos: ‘(...)Depois de ter dado a povoação ao livre saque dos soldados em horas marcadas para cada corpo, de conformidade com as instruções de V. Exa (...)’. Em outro ofício dizia o mesmo chefe: ‘(...) Levo ao conhecimento de V. Exa. uma exposição que fiz assinar a todos os estrangeiros na vila de S. Borja, manifestando que não receberam prejuízo algum tanto eles como a igreja (...)’. Veja-se esses ofícios no Diário da divisão paraguaia de Estigarríbia, que começou a ser publicado no Rio de Janeiro em 28 de novembro de 1865, nas colunas do Diário Oficial. (Os originais no Arquivo da Secretaria da Guerra).”

Comenta Schneider: “A descrição do cônego Gay menciona fatos revoltantes. Tudo quanto poderia ter algum valor foi tomado; todos os objetos, por mais inúteis que fossem, passaram para o acampamento paraguaio. A igreja matriz foi arrombada e esbulhada de todas as suas riquezas, não deixando por isso os soldados, conforme as prescrições do padre Duarte, de ajoelhar-se e persignar-se diante das imagens dos santos. As cenas de devastação que se passaram nesse templo foram tais, que o próprio Duarte julgou conveniente coonestá-los,(?) atribuindo aos habitantes que se haviam retirado e dizendo que estes assim tinham procedido para fazer recair semelhantes sacrilégios sobre os paraguaios, cujo respeito à religião era conhecido. E prossegue:

“O Exército de Estigarribia continuou a marcha para o sul em direção a Itaqui e assinalou seus passos pela mais cruel devastação, pelo saque e pelo incêndio de todas as propriedades que encontrou. A vila de Itaqui foi saqueada com a mesma regularidade como fora a de S. Borja.” (9)

Em resumo: não houve o “saque de Assunção”, apenas alguns soldados se comportaram mal, mais para o lado das mulheres que dos objetos. Os chefes puniam as faltas até com fuzilamento. Em compensação, sofremos saques em Corumbá, S. Borja, Itaqui e Corrientes (Argentina), organizados pelos chefes, que saqueavam em primeiro lugar, junto com os padres que serviam de secretários, seguidos da tropa mediante rodízio e dentro de horários pré-fixados, em cumprimento a instruções do próprio ditador López, que recebia relatórios de seus subordinados sobre o cumprimento de suas ordens. Tudo devidamente documentado.

Pergunta: Como se faz bem o roubo de prisioneiros e a sua venda?

Resposta: Mentira. Prisioneiros paraguaios nunca foram vendidos ou roubados. Os prisioneiros de guerra que tocaram ao Brasil passaram a receber soldo, e passavam os dias, nos quartéis ou nas cidades onde se achavam internados, sem fazer nada, gastando os seus soldos (segundo a tabela brasileira e de acordo com o posto ou graduação do prisioneiro) como lhes aprouvesse. Não lhes foi permitido, também, se incorporarem ao Exército Brasileiro. O próprio Estigarríbia, do quartel onde se encontrava, em Santa Catarina, endereçou uma carta a D. Pedro II propondo servir de vaqueano aos exércitos aliados (guia). Não foi aceito. E olhem que tínhamos necessidade de guias para conduzir-nos Paraguai adentro.

Quanto aos prisioneiros mandados para a Argentina, muitos foram incorporados ao seu exército de fronteira, na Patagônia, e outros ficaram vagabundando pelas cidades, pois não recebiam soldo, como no Brasil.

O Uruguai, sim, chegou a incorporar um certo número de prisioneiros de guerra que se apresentaram voluntários para o seu exército. Arrependeram-se Flores e seus oficiais, em seguida.

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Voltaremos ao assunto quando o Autor sair com a mentira novamente, mais adiante.

Pergunta: “E a dívida colossal imposta?”

Resposta: Exatamente assim: o Paraguai sob López, ao atacar dois países e ameaçar um terceiro, obrigou-os a reagir, gastando muito dinheiro e causando-lhes prejuízos de monta, sem contar os mortos, feridos e extraviados.

O peso das despesas caiu sobre o Brasil, por força do Tratado que, no seu Art. 5o. diz: “As altas partes contratantes prestar-se-ão mutuamente, em caso de necessidades, todos os auxílios ou elementos de guerra que disponham, na forma que ajustarem.”

Calógeras esclarece: “Sobre o Império a guerra pesou formidavelmente: 33.000 mortos, 600.000 contos gastos, tal foi o sombrio passivo.” (10)

Tivesse López se rendido, ou simplesmente abandonado o Paraguai, tão logo viu ser impossível vencer a guerra, como confessou ao americano Washburn, e a dívida teria sido menor.

O Autor não informa que o Paraguai jamais pagou uma só moeda dessa dívida, que acabou, pelo espírito brasileiro, sendo perdoada no governo Getúlio Vargas. Quer dizer: de “colossal” se reduziu a nada.

Pergunta: “E o extermínio lento e tenaz de uma raça?

Resposta: Se, de fato, não chegou a se consumar, foi porque López morreu antes. Por certo, a responsabilidade pela imensa tragédia da sua nação só tem um responsável: o ditador todo poderoso, “El Supremo”, etc.: López.

O “Generalito” que se promoveu a marechal deflagrou a guerra e a fez arrastar por mais de cinco longos anos, sem nunca se expor pessoalmente, mandando seus homens: velhos, meninos, moços, sãos e doentes para lutar até a morte. Por pouco não tiveram as mulheres que combater em massa, também, porque algumas o fizeram praticamente desde que desembarcamos no território paraguaio. Porém, aquelas que foram mantidas à retaguarda com as criancinhas, foram privadas gradualmente de alimentos e roupas. Enfim, toda uma população foi morrendo, mais de fome, de miséria, por epidemias, por fuzilamento, baionetaços e lançaços, pelas chicotadas e pelo “cepo”, que propriamente em combates. Adiante veremos com que crueldade López tratou o seu próprio povo. Por enquanto basta sabermos que ele mandou fuzilar seus cunhados, seus irmãos, o bispo, o ministro das relações exteriores, generais, coroneis, centenas de pessoas de destaque social, estrangeiros, mulheres, mandou prender e banir suas irmãs, que passaram, nuas, a receber chicotadas, e não poupou nem mesmo sua mãe, que estava condenada à morte e foi salva por nossas tropas por um dia. Tivemos um Nero em versão guarani.

Pergunta: “E a negativa de abertura de paz?”

Resposta: Os Aliados contrataram solenemente entre si levar a guerra até a derrubada de López. Negaram, sim, posteriormente, todas as propostas de paz que importassem na sua permanência no poder. Já vimos que bastaria ele sair e tudo se resolvia. Ele não saiu, preferiu matar quase toda a sua nação em inútil resistência. Leiam, novamente, se não estão bem lembrados, as suas conversas com Washburn.

Sugere o Autor que deveríamos fazer a paz de qualquer maneira. Mas, está visto

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que isto não seria paz, seria um desafogo para o ditador, que voltaria a nos atacar assim que se sentisse novamente forte. E o Sr. Chiavenatto, cuja causa não é a paz verdadeira, estaria hoje zombando dos Aliados, especialmente do Brasil, como fez com o ingênuo almirante que se deixou enganar pelos López, pai e filho.

Pergunta: “E a ocupação arbitrária do território por seis anos, somados aos cinco da guerra?

Resposta: Quem decide sobre a ocupação ou não do território do vencido, bem como o tempo de sua duração, são os vencedores. A guerra gera direitos para o vencedores, particularmente quando não foi iniciada por estes, e se foi uma guerra justa.

E foi o caso da Guerra do Paraguai: movemos, em aliança, uma guerra justa contra o seu governo, e lá poderíamos, e até deveríamos, permanecer como ocupantes, isto é, com forças de efetivos compatíveis com os objetivos da ocupação, até quando fosse necessário.

O Brasil ocupou Assunção com uma divisão, cujos efetivos foram diminuindo gradualmente, e mantivemos alguns poucos destacamentos no interior, com a finalidade de manter a ordem e gerar condições para o restabelecimento político, administrativo, econômico e social do país. Por outro lado, nossa força lá estacionada, que interferia cada vez menos na vida do país - note-se que não estabelecemos um governo militar de ocupação, como fizeram os Aliados após a 2a. Guerra Mundial na Alemanha e os americanos, sozinhos, no Japão, e incentivamos a instalação de um governo paraguaio provisório tão logo chegamos a Assunção, enquanto López ainda vivia e nos enfrentava no interior - tinha ela, também, a missão de criar um obstáculo à pretensão argentina de abocanhar o Chaco inteiro.

A Argentina lá permaneceu com um destacamento em Vila Ocidental, reivindicando território. Mitre já não era mais o seu presidente, e Sarmiento, seu sucessor, auxiliado por seu ministro Tejedor, levaram a questão até quase uma guerra com o Brasil. Custou todo esse tempo até conseguir a nossa diplomacia, que tinha que se respaldar no nosso poder militar presente no Paraguai, convencer a Argentina a reduzir a um mínimo as suas pretensões iniciais. Outra vitória da nossa diplomacia, já comentada páginas atrás, e que resultou em proveito do Paraguai e da paz, pelo real equilíbrio gerado.

Quanto aos cinco anos que durou a guerra, a demora correu por conta de López e sua vontade, assentados sobre um terreno excepcionalmente favorável à defesa e a insuficiência dos meios empregados pelos Aliados. Tivéssemos 100.000 homens disponíveis para invadir o Paraguai e, na seqüência, artilharia de sítio, a guerra teria corrido com a rapidez anunciada por Mitre ao seu povo: “em três dias nos quartéis; em três semanas, no Paraguai; em três meses, em Assunção.”

Pergunta: “E o iníquo pacto do butim?”

Resposta: Primeiro vejamos o que dizem os dicionários sobre essa palavra: butim. Encontramos como sinônimo: espólio, que quer dizer: bens que ficam por morte de qualquer pesssoa, despojo do inimigo, mas também, esbulho, espoliação, desapossamento.

Está claro que os Aliados pensavam no despôjo do inimigo, ao celebrarem o seu Tratado. O Autor, por seu apoio, emprega butim com, justamente, a segunda ordem de

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significado: esbulho, etc. Evidente distorção de um ressentido aproveitada por um comunista.

Mas, insistamos. Já vimos que os Aliados não cogitaram, no Protocolo anexo ao Tratado, de recolher no Paraguai vencido nada além do que armamento e elementos de guerra, quando rebatemos a acusação gratuita de “rapinagem”. Traríamos, também, troféus e presas de guerra, estas tomadas em pleno combate. E vimos, sobretudo, que tais disposições encontravam pleno amparo nas leis da guerra.

A história registra que os Aliados se comportaram, durante toda a guerra, e após ela, conforme haviam contratado entre si. E um povo magnânimo, como é o brasileiro, haveria de esquecer 33.000 mortos e os 600.000 contos de réis dispendidos e, contando com a aprovação dos inválidos que ainda eram vivos na época, apoiaria o seu governo no gesto fraternal de perdão da dívida paraguaia. Até mesmo a lembrança dos saques, das barbaridades que sofreram muitas famílias brasileiras, estava tudo apagado.

Um povo dessa estatura moral não suja as mãos com esbulhos.

Pergunta: “E o despojamento de meia nação?”

Resposta: É verdade, houve. Mas não da parte dos Aliados, particularmente dos

brasileiros. Para o Paraguai só carreamos bens e de lá retornamos apenas com os louros imaginários da vitória na bagagem. Por outro lado, despojar o que, de quem? Aquela gente miserável nada mais possuía.

López, porém,não despojou apenas meia nação, mas nação inteira. Já vimos

alguma coisa do seu modo de arrecadar bens, e veremos para a frente mais ainda. Jóias, dinheiro, objetos de culto religioso, gado, escravos, cavalos, carretas, víveres, agasalhos, arreiamentos, tudo foi sendo subtraído à sua pobre gente pobre. Veremos que, no final, mandou violar as sepulturas em busca das jóias que costumavam acompanhar as pessoas de distinção após a morte.

E enquanto seu exército combatia nu, sem nenhum exagero de nossa parte, o “mariscal” trajava seus uniformes completos, com botas altas, e trazia sempre um finíssimo poncho de vicunha bordado a ouro, e sua amante, como veremos adiante, trajava um vestido de seda de alta costura, e tinha os cabelos penteados como se fosse ao teatro, no dia da morte de López. A mesa de López e Mme. Lynch, além dos convidados de rotina, outras pessoas costumavam comparecer. A todos era servido um “puchero” de ossos que os deixava famintos, enquanto o tirano e madame comiam as finas iguarias e degustavam os vinhos das melhores procedências, que lhes ofertavam os diplomatas estrangeiros interessados em salvar suas peles. Isso era feito assim, sem nenhum constrangimento por parte do anfitrião.

Ainda sobre o assunto despojamento, vamos transcrever o testemunho de Azevedo Pimentel:

“A 31 de maio de 1869 partiu de Piraiú o brigadeiro João Manuel Menna Barreto, por Ibitimi até Vila Rica, a fim de libertar naquela direção milhares de famílias paraguaias que pediam, com insistência, o socorro dos brasileiros que as livrasse das garras do ditador, cuja perversidade se tornara crescentemente assombrosa.

“Chegando a Vila Rica, daí voltou conduzindo e protegendo as famílias que não

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imploraram debalde nosso auxílio e apoio.”

Prossegue Azevedo Pimentel: “Deixemos falar o Diário do Exército, do comando-chefe do Sr. Conde D’Eu:

“Dia 1o. (junho de 1869).

“(...) o general João Manoel anunciava a sua chegada a Paraguari depois de ter-se visto a lutar com os paraguaios, cujo esforço principal fora isolar a coluna da frente da de sua retaguarda, que trazia marcha muito demorada em conseqüência do grande acompanhamento de mulheres e crianças.

“Dia 11 - Sua Alteza encontrou a força do general João Manoel que saía daquele povoado (Paraguari) precedida de uma coluna de velhos, mulheres e crianças, em número de mais de 4.000 pessoas, cujo aspecto indicava os últimos limites da desgraça e dos padecimentos.

“As três da tarde, essa gente magra, nua, raquítica, curvada ao peso de longa tirania, acabrunhada pela fome de muitos meses, entrava no acampamento de Piraiú.

“Todos mostravam intensa alegria por ver enfim terminadas em tempo os sofrimento inaturáveis, que já haviam feito sucumbir muitos milhares de entre eles, tempo marcado pela nudez que os fazia cobrir-se de tiras de couro, e pela fome que os impelia a comer frutas azedas, por isso que o despotismo do chefe da nação proibia-lhes a matança de gado e, até, a colheita de laranjas doces.

“O que sobretudo compungiu o caráter brasileiro foi a nudez total, absoluta, das desgraçadas mulheres.

“Dentre elas destacavam-se donzelas, senhoras da melhor e mais aristocrática sociedade do Paraguai, formas de uma pureza e correção ideais, que, ao cruzarem o olhar com os nossos oficiais e soldados, subia-lhes ao rosto o rubor do pejo de tal modo, que prontamente acudiram-nos aos olhos lágrimas de sincera comiseração.

“Ao desfilar o cortejo da nudez feminina, acendeu-se no coração de todos uma idéia idêntica, e gerou-se em todos os pensamentos uma palavra só:

- Camisas!

“Rápidos nas boas obras, como na compreensão dos seus deveres militares, soldados e oficiais mergulharam prontamente em suas barracas. Aqueles, das mochilas, e estes das macas, arrancavam, pressurosos, camisas e lençóis.

“Nesse instante o espetáculo da nudez desapareceu da vista dos libertadores. Atiravam-se camisas por cima das senhoras e donzelas e transformou-se a procissão numa espécie de irmandade de capas brancas, respeitável pelo número de confrades.

“Coisa admirável! Ninguém riu daquele grotesco cortejo!

“As senhoras, que agora viam-se protegidas pelo natural pudor, até aquele momento expostas às vistas gerais, ergueram gentilmente suas cabeças agradecidas e murmuravam reconhecidas:

- Deus lhes pague, generosos “inimigos”!

“Nesse dia a alegria no acampamento foi completa. As mochilas, porém, dos

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soldados e as macas dos oficiais só ficaram possuindo meias e lenços; tudo o mais fora distribuído.” (11)

Despojados dos seus panos ficaram os militares de um exército cristão e civilizado, mas foi por uma boa causa: cobria aquelas infelizes, estas sim, despojadas por seu tirano da sua própria dignidade, pela nudez.

Deus quis que tivéssemos uma prova irrefutável deste episódio. Alguém fotografou três dessas mulheres, enroladas em lençóis. O general Mario Barreto fez estampar essa fotografia em sua obra já muito citada por nós, no vol. I, página 95.

Por fim, a última pergunta.

Pergunta: “E seu aniquilamento moral e político?”

Resposta: A narrativa do general Azevedo Pimentel, testemunha ocular do fato, já constitui uma resposta a quem aniquilou moralmente quem. O que fez o Brasil foi reconstruir, como pôde, durante a ocupação, aquele povo abatido pela tragédia. Para tanto muito contribuiu nossa amizade, que dura até hoje, e os bons exemplos que lá deixamos.

O aniquilamento moral, no Paraguai, correu paralelamente ao seu rebaixamento político. Vem de longe, do tempo de Francia, passando por Lopez I e sendo, afinal, levado literalmente até o “nihil” (nada), raiz da palavra aniquilamento, por López II.

Ao longo destas páginas estamos vendo como os tiranos se impuseram aos paraguaios. Primeiro, pelo isolamento feroz, pelo rebaixamento da Igreja, pela imposição de maus costumes, pela perseguição política, pelo confisco da propriedade, pelo obscurantismo cultural, pela negação das liberdades individuais, enfim, que constituem a base da moral e da política; depois, pelo banimento das elites, pela inversão dos valores, pela opção pela barbárie; e, como ato final, o terceiro dessa tragédia sul-americana, pela redução da vontade de todo um povo à vontade pessoal de um tirano. Atingiu-se, assim, consciente ou inconscientemente, o estágio de dominação mais profundo registrado na história, que somente seria repetido, em parte, na União Soviética, cientificamente montada para a dominação através do controle das mentes e corações.

Dionísio Cerqueira, que relatou todas as mazelas da guerra, inclusive nossos erros e excessos (pequenos e circunscritos a muito poucos, graças a Deus!), justo nas suas narrativas, foi um profissional que chegou aos mais altos postos do Exército, depois de fazer a guerra como soldado voluntário (era aluno da Escola Militar), dela voltando capitão, com promoções sucessivas por atos de bravura e mérito inconstestável, relata emocionado: “Quando chegou ao acampamento do exército, no Rosário, a notícia do grande acontecimento (a morte de Solano López) vi, no meio dos hinos e vivas de alegria, lágrimas deslizarem silenciosas pelas faces adustas dos prisioneiros de guerra. Para mim eram sinceras, porque as almas dos valentes não sabem mentir. Os nossos camaradas mais dicazes diziam serem filhas do terror supersticioso que causava ao seu povo aquele homem de prestígio quase divino.

O fanatismo, que vimos repetir-se no Brasil, no episódio de Canudos, com Antonio Conselheiro, se não retira o valor da coragem indômita de que são possuídos os fanáticos, demonstra, sempre, uma aberração moral. É uma comoção passional em que as vontades exacerbadas apagam qualquer traço de razão.

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Solano López nunca mereceu o povo que teve, nem suas lágrimas e sacrifícios, e a narração de simples episódios fica, sempre, a dever à magnitude dantesca da realidade.

Malgrado o desprezo do tirano para com a sua gente, ela superou-se, encontrando nos recônditos de sua consciência, implantada por Deus nas almas, o patriotismo bárbaro, cujo germe os jesuítas tinham ajudado a cultivar.

Mas, se havia traços de elevação moral na alma guarani, a despeito de tudo, o aniquilamento político foi literal. Ninguém ousava, não se pode dizer expressar idéias, mas pensar de modo diferente do tirano.

Sua mãe, fomos encontrá-la condenada à morte como uma “Sr. Chiavenattoa a la pátria”. Qual foi o crime dessa senhora? - D. Joana apenas havia passado a implorar ao filho, todas as vezes que podia vê-lo, para que fizesse a paz, que não prosseguisse exterminando o seu povo. Mas Francisco Solano, que ela gerou e embalou com maternal ternura, ao invés de ouvir a voz de sua mãe, que lhe soava como um resquício de consciência que não queria ouvir, determinou o seu julgamento, o que naquelas circunstâncias equivalia a determinar sua condenação.

D. Joana, condenada, ferida pela morte dos outros filhos, dos genros e pela degradação e torturas impostas às filhas, ela mesma levando pranchadas nas costas, sofrendo a dor imensa que lhe causava a culpa do filho ditador, ainda encontrou lágrimas para chorar a morte desse monstro desnaturado.

Será que a simples inversão de palavras será o suficiente para lançar sobre os brasileiros a culpa por tanta miséria? Não é a toa que os satanistas chamam a Satanás de bom e Deus de mau...

Gostaríamos de fechar este capítulo por aqui, mas o Autor ainda nos ataca com mais uma mentira, a de que o representante da Inglaterra, Thornton, foi o inspirador do Tratado. Vejamos:

Após a chamada questão Christie, referida páginas atrás, encontrava-se o Brasil de relações diplomáticas cortadas com a Inglaterra. O caso teve a mediação do rei da Bélgica, favorável ao Brasil, e Thornton, ministro inglês em Buenos Aires, é quem foi encarregado de apresentar a D. Pedro II, em Uruguaiana, onde o monarca tinha aceitado a rendição paraguaia fazia quatro dias, as satisfações da parte da coroa britânica.

A solene visita de Thornton deu-se em 22 de setembro de 1865. As assinaturas do Tratado tinham ocorrido no dia 1o. de maio do mesmo ano.

Passa pela cabeça de alguém que os diplomatas brasileiros, negociadores do Tratado, se deixassem mover pela inspiração de Edward Thornton? Só pela do Sr. Chiavenatto.

E não é esse mesmo Autor quem alardeia que o Tratado, secreto, vasou e acabou sendo publicado na Inglaterra? Então, a Inglaterra queria ou não a guerra? Inspirou ou não o Tratado? São essas as incoerências a que se sujeita quem trabalha com a mentira como matéria-prima. Resultam excrementos.

Notas:

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(1) Caxias, Affonso de Carvalho, Biblioteca do Exército Editora, Rio, 1976, p.

266-269. (Condensado de).

(2) Lembrem-se de que López mantinha uma rede de apoio na imprensa estrangeira, e de que Schneider é insuspeito para assim comentar, posto que ele próprio colaborou, durante certo tempo, com o belga Du Graty, nessa tarefa de propaganda.

(3) Schneider, Op. Cit., Vol. I, p. 159. Existe o fato, cuja fonte não nos foi possível, ainda, amarrar, do roubo de um piano em Corrientes, que Robles mandou de presente para Mme. Lynch.

(4) Mario Barretto, publicou em sua obra fac-símiles fotográficos de vários documentos, existentes em nossos arquivos, sobre reclamações de estrangeiros roubados pelos paraguaios.

(5) Certamente, esse tipo de homenagem, Nossa Senhora, a Virgem Maria Santíssima, declina de aceitar.

(6) Mario Barretto, Op. Cit., Vol I, p. 101-106 (condensado de).

(7) Viagem Militar ao Rio Grande do Sul, Conde D’Eu, Cia. Editora Nacional, São Paulo, 1936, p. 181.

(8) A História da República Jesuítica do Paraguai, Cônego João Pedro Gay, vigário de S. Borja, Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. Citado por Schneider, Op. Cit., Vol. I, p. 196 em diante. (Condensado de).

(9) Schneider, Op. Cit., Vol. I.

(10) Formação Histórica do Brasil, Pandiá Calógeras, Cia. Editora Nacional, 4a. Ed., S. Paulo, 1945, p. 288.

(11) Episódios Militares, general J. S. de Azevedo Pimentel, Biblioteca do Exército Editora, Rio, 1978, p. 47-49. “General honorário do Exército Brasileiro, Voluntário da Pátria, Cavaleiro das Ordens Militares de Cristo e da Rosa, condecorado com as medalhas de Bronze e Passador de Prata no. 5 do Mérito e Bravura Militares, de Prata da República Argentina, de Ferro com Sol de Ouro do Estado Oriental do Uruguai - tudo por serviços militares relevantes prestados na Guerra do Paraguai, de que participou, como dizia Deodoro, “de fio a pavio”, Joaquim Silvério de Azevedo Pimentel, tinha todas as credenciais e requisitos para manifestar publicamente as expressões mais íntimas da personalidade do Soldado Brasileiro, com quem conviveu diuturnamente em campanha”. (Da apresentação do seu livro, pela BIBLIEX).

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Capítulo X

A HORA DA VERDADE

“Uma definição exaustiva: ‘A guerra é...’ suporia um conhecimento perfeito desse fenômeno. Estamos longe disso.” Gaston Bouthoul, A Guerra

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37 - A Guerra: Fenômeno Social Complexo Bouthoul, ao estudar o fenômeno da guerra, propôs, em 1946, na sua obra “Cent

Millions de Morts”, o termo Polemologia (do grego polemos, guerra, e logos, tratado) para designar a ciência da guerra em geral, o estudo de suas formas, suas causas, efeitos e funções, enquanto fenômeno social.

O simples enunciado de sua proposta permite-nos visualizar a profundidade com que tratou do fenômeno em um outro livro: “A Guerra”, do qual já fizemos citações.

A complexidade do fenômeno guerra tem permitido, aos eternos simplificadores, tirar proveito da falta de um conhecimento abrangente e definitivo do assunto a fim de, escudados na redução a um único aspecto do drama, apoiarem as suas teses.

A guerra não comporta, entretanto, apenas características econômicas, como querem Marx e os seus seguidores, mas tem que ser considerada, também, quanto aos seus aspectos demográficos, suas características etnológicas, e os traços psicológicos, dentre outros, que compõem, no seu conjunto, sobremaneira intrincado, aquele que é, incontestavelmente, o mais espetacular dos fenômenos sociais.

Assim, a extrema simplificação de um Baboeuf: “Sempre houve apenas uma guerra eterna, a dos pobres contra os ricos”, pode facilmente ser contraditada pelo pensamento de Santo Agostinho, que transparece na sua obra monumental, “A cidade de Deus: ‘o mundo é um lugar de combate de duas cidades: a cidade de Deus e a cidade do Demônio”, ou cidade terrestre, o que nada mais é do que o desenvolvimento agostiniano da revelação de Deus: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente.” (Gênesis, 3, 15).

Santo Tomás de Aquino chegou a formular um ensinamento sobre a “guerra justa”, estipulando as condições que podem transformar a atividade guerreira em empresa agradável a Deus, e que são: a autoridade do príncipe; uma causa justa; a reta intenção.

A dificuldade passou a ser a correta e justa identificação dessas condições em cada conflito.

O título do item que estamos rebatendo, dado pelo Autor: “Fazendo a guerra por motivos errados”, poderia, também, servir ao desta refutação. López, entretanto, não errou por ter feito a guerra em função de pretenso equilíbrio rompido pelo Brasil, enquanto, no entender do Sr. Chiavenatto, deveria tê-la feito pelo único motivo causador das guerras, o econômico. López, de fato, errou, por ter feito uma guerra desnecessária, como são as guerras em sua maioria, mas esta, especialmente, completamente destituída de outras motivações senão a vontade do tirano de implantar um projeto estritamente pessoal, completamente divorciado dos interesses e aspirações do povo paraguaio.

Quando o tirano estimulava os seus soldados ao saque nas cidades invadidas, ele estava jogando os pobres guaranis contra os brasileiros e argentinos de melhor situação, bem como os ricos comerciantes, a maioria europeus. Eis um aspecto econômico da guerra, mas não é a sua causa, é um fator de estímulo para a luta, possível na medida em que os fatores morais eram declinantes no Paraguai. Contudo, não chega a caracterizar a luta de classes permanente imaginada por Marx, a partir da idéia de Baboeuf. Nem de longe, assim como um assalto a uma residência de uma família rica nada tem a ver com

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a política, a ação de López mais se aproxima do crime comum que das causas da guerra.

Na Introdução deste despretencioso trabalho tivemos ocasião de analisar, “à vol d’oiseau”, a moderna metodologia de identificação das causas das guerras, e sua aplicação ao caso da guerra do Paraguai. Não insistiremos aqui, e nem vamos desenvolver, também, pela mesma razão, todo um estudo exaustivo sobre o fenômeno-guerra; apenas quisemos sinalisar aos leitores a estreiteza da visão marxista.

Sem mais , passemos à refutação propriamente dita:

“A ocupação do Uruguai pelas forças do Império ofendiam (sic) o Tratado de 1850”. Ora, o tratado de 25 de dezembro de 1850, celebrado entre o Brasil e o Paraguai, teve por finalidade assegurar a defesa do Estado guarani contra a ameaça de Rosas, ditador de Buenos Aires. Já vimos como o Brasil ajudou o Paraguai na época. E tudo isso era feito porque sabíamos que Rosas acabaria voltando-se contra nós.

O Brasil, também já vimos, era o único país com quem o Paraguai admitia relações diplomáticas, desde 1816. Solano López iria herdar as desconfianças e xenofobias de Francia e do seu pai Carlos: “O marechal nunca consentiu em firmar uma aliança com o Estado Uruguaio.” (1)

A ameaça rosista, também sobre o Estado Oriental, empurrou a este para o Brasil, onde encontrou apoio. Celebrou-se, então, em 29 de maio de 1851, um tratado entre o Estado Oriental, o Brasil e Entre Rios, cujas forças, em Monte Caseros, puseram fim à sanguinária ditadura de Rosas.

Em resumo, o Brasil, na época de Rosas, contratou alianças contra o ditador portenho, separadamente, com o Paraguai e com o Uruguai e Entre Rios. Teria sido melhor uma aliança que reunisse todos os Estados e províncias autônomas, evidentemente. Mas Carlos López mal confiava no Brasil. E tivemos de engolir o incidente do Pão de Açúcar, para não romper a frágil aliança, como veremos adiante.

Como poderia nossa intervenção, mais tarde, no Uruguai, dentro de uma conjuntura diferente, ofender o tratado que fizemos com o Paraguai, com finalidade específica e diversa?

Mas, prossegue o Autor: “ - não havia outra saída para Francisco Solano López, desde que toda uma conjuntura internacional estava armada contra o Paraguai, que fazer cumprir o tratado de defesa mútua com os orientais.”

Simplesmente, não havia tratado algum entre o Paraguai e o Uruguai, e nenhuma conjuntura armada contra os guaranis.

“Estava começando a guerra: já em 14 de novembro de 1864 a República do Paraguai rompeu relações diplomáticas com o Império do Brasil. Nesse mesmo dia foi aprisionado pelas forças paraguaias o vapor Marquês de Olinda, etc.”

Também já vimos como se deu esse ato de pirataria, a tentativa de cobrir o crime com um documento datado do dia anterior, e tudo o mais que, injustificável e revoltantemente aconteceu. Só o Sr. Chiavenatto (e os comunistas) insiste em impingir essa vergonhosa tentativa de justificação do episódio que, até no Paraguai de hoje, prefeririam as pessoas honestas que nunca tivesse acontecido.

E aqui está o miolo da tese advocatícia do Autor em favor do seu constituinte

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(sem procuração), López: “Exatamente o que o Império do Brasil esperava para denunciar a agressão de Solano López e configurar uma guerra de ‘legítima defesa.”

Páginas atrás, com um toque de humor, comparamos López a um pato atraído para uma armadilha... que esquecemos de armar. Será que ainda precisamos argumentar mais para demonstrar o óbvio: o agressor é quem agride, e a defesa é legítima para quem é agredido injustamente?

Naquela época, as inversões semânticas eram repudiadas, e os nossos governantes, graças a Deus, patriotas e decididos. Ao invés de “denunciar”, trataram de enfrentar o problema como era de direito, a bala!

Mas, se nós não fazíamos jogo de cena, López não dispensava o respaldo de congressos, que convocava somente nessas ocasiões, para ouvir o eco de suas próprias palavras, entrecortadas pelas palmas disciplinadas dos seus fantoches.

Foi no congressso reunido em 5 de março do ano seguinte que “El Supremo” se dignou explicar, aos “representantes da nação”, o motivo do rompimento das relações diplomáticas com o Brasil, ocorrido quatro meses antes!

Fica claro o seu desprezo pela nação paraguaia e, por outro lado, só podemos concluir que se tratou de um jogo para as arquibancadas: os representantes estrangeiros no Paraguai, sem deixar de lado a munição que dava aos editorialistas relacionados na sua caderneta de pagamentos.

O que disse López nesse teatro? Nada que não se soubessse. Montou uma arenga sobre o tratado de 1850.

Vamos, portanto, ao tratado:

“Sua excelência o Presidente da República do Paraguai e Sua Majestade o Imperador do Brasil, desejando concorrer com todos os meios ao seu alcance para a paz e tranquilidade do Sul da América Meridional, que somente podem ser asseguradas pela conservação do “status quo” das nacionalidades que o ocupam, e premunir as nações que dirigem contra qualquer tentativa de ataque à sua independência, invasão do seu território ou destruição de sua integridade; e, entendendo que a aliança dos dois países e a união das suas forças é o meio mais poderoso e eficaz para conseguir um fim tão justo e que nada ofende aos direitos dos outros Estados conterrâneos, acordaram (...)” E o Art. 14 estabelecia que os dois Estados “coadjuvariam a manter a independência da Banda Oriental.”

A ameaça vinha de Rosas, quer sobre o Paraguai, quer sobre o Uruguai. Remotamente sobre o Brasil. Pois bem, asseguramos a Carlos López o nosso apoio contra o ameaçador e, na impossibilidade de celebrarmos um único tratado contra Rosas, conseguimos que Dom Carlos coadjuvasse na manutenção do Uruguai independente, face à mesma ameaça. Um recurso diplomático para evitar o seu isolamento. O Brasil cumpria o papel destinado ao parceiro mais forte na região: buscava equilibrar o conjunto.

Com o governo de Montevidéu o Brasil firmou, já sabemos, o tratado de 12 de outubro de 1851, cujo Art. 16 dizia: “Tendo o governo da República do Paraguai se comprometido com o de Sua Majestade o Imperador do Brasil na manutenção da independência da República do Uruguai, e interessado na independência do Paraguai e no equilíbrio e segurança dos Estados vizinhos, o governo da República do Uruguai se

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obriga a cooperar com o Império na conservação e defesa da República do Paraguai.” (O negrito é nosso).

Era a contrapartida que a nossa diplomacia obtinha do Uruguai com relação ao desconfiado Paraguai. E note-se o surgimento do termo equilíbrio, que Solano López tentou, depois, usar como original, se bem que distorcidamente.

Pois bem, passados 13 anos, tendo já há muito superado a ameaça rosista, encontrando-se a Argentina em vias de estabilização, sob o governo de Mitre, cuja política não tinha por objetivo a incorporação do Paraguai ou do Uruguai; tendo o Brasil dado ao Paraguai, por ocasião da ameaça de Rosas, sobejas provas de amizade e boa vontade, além de prosseguir, anos afora engolindo suas impertinências; estando o Brasil, contando inicialmente com os bons ofícios da Argentina e da Inglaterra, tratando de resolver a questão com o governo blanco uruguaio, só entrando com suas tropas após ver esgotados todos os recursos pacíficos da diplomacia naquele país; vem, agora, o ditador paraguaio, em nome de um pretenso equilíbrio - com o qual seu país se furtou a colaborar efetivamente na guerra contra Rosas, a fim de restabeleçê-lo - ameaçar o Brasil, justamente o grande fator de equilíbrio regional e garantidor, não só da independência do seu próprio país, como também da do Uruguai e, tudo com base num tratado que já caducara na sua finalidade precípua e era absolutamente inaplicável naquele momento, fazer-nos exigências descabidas. A atitude de López, face às circunstâncias, foi um equívoco, o tratado de 1850 não se prestava para o fim por ele utilizado: romper com o Brasil, ameaçar nossso país e, por fim, invadir-nos em duas províncias, além do ato de pirataria que precedeu tudo isto.

Em resumo: se quisesse iniciar uma guerra contra o Brasil (a Argentina foi produto da sua inabilidade e, o Uruguai, da nossa habilidade), que o fizesse. Alegasse questões de fronteiras, por exemplo; mas, cobrir-se com os termos do Tratado de 1850, ofendeu, isto sim, o pobre congresso que teve de ouví-lo sem poder reclamar.

Mas, voltamos a insistir, que se López agisse assim naqueles dias, ainda se pode atribuir a uma desconfiança atávica que o fizesse ver fantasmas no Prata. E o Autor? Este já não foi beneficiado pela visão histórica dos acontecimentos? Não viu que da intervenção brasileira não resultou a anexação do Uruguai, ou qualquer embaraço para o Paraguai no Rio da Prata? Pelo contrário, não resultou a intervenção no restabelecimento da ordem uruguaia, pelo menos no que tange às garantias devidas aos brasileiros que lá continuaram residindo?

Não se pode virar a história pelo avesso. Se é lamentável a atitude de López e, depois, dos pseudo-historiadores guaranis e argentinos (nem todos) despeitados da grandeza, da prosperidade e do equilíbrio com que o Brasil conduzia suas ações no Prata, podemos, também, atribuir tal cegueira a patriotismos mal educados, mas não se pode dizer o mesmo do Autor. Este é nascido no Brasil, embora platino de coração, isto é, enquanto interessar à sua Revolução usar o Prata para denegrir o Brasil, porque, no fundo mesmo ele é internacionalista, como todo comunista.

Ainda sobre equilíbrio, cabe a palavra do especialista Bouthoul: “Diferentemente dos planos jurídicos - que se baseiam numa noção abstrata do direito e da igualdade entre as soberanias - os planos de equilíbrio levam em conta o fator força. Partem do ponto de vista de que a paz poderia ser salvaguardada pela oposição dos dinamismos que fariam um contrapeso entre si e se neutralizariam uns aos outros. Esperam impor a paz, seja mediante a partilha do mundo entre estados de força equivalente em respeito,

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seja pelo jogo de acordos, alianças ou coligações (...)

“Entretanto, é preciso sublinhar o aspecto ofensivo de tal concepção. Esforçando-se por impedir, a qualquer preço, que uma dinastia ou nação aumente o seu poder a ponto de converter-se em perigo para os seus vizinhos, a doutrina do equilíbrio é fonte inesgotável de guerra, porque, em última análise, ela termina recomendando às nações, como Maquiavel, que façam guerras preventivas em qualquer ocasião.” (2)

Aprendemos, assim, o que os estadistas do Império já sabiam: a paz no Prata dependeria da manutenção do “status quo” com que se organizaram os Estados da região logo após a desintegração do Vice-Reinado do Prata. Sua reconstituição seria uma obra de desequilíbrio entre eles, e depois, em relação ao Brasil.

Então, quem poderia exercitar realmente tal equilíbrio? Somente o Brasil, seja pela força que possuía, seja pelo nível de excelência da sua diplomacia, seja pela sua posição geográfica, mas sobretudo pelo conjunto destes fatores.

Ao Paraguai, sensatamente, teria sido conveniente abrigar-se sob a proteção brasileira até passar a idéia da reconstituição do Vice-Reinado e, depois continuar a beneficiar-se nas suas relações com o vizinho poderoso. Teria tirado o máximo que a sua situação permitia.

Mas, Solano López preferiu a guerra. Preparou-se durante muitos anos para ela. Vimos que esteve na Europa comprando armas secretamente, bem como contratando instrutores, engenheiros e artífices.

Formou um numeroso exército de cerca de 100.000 homens, mas não empregou adequadamente esses efetivos. Foi lançando seus recursos por partes: duas colunas para Mato Grosso, outra para Corrientes, depois outra que se dividiu em duas, em direção a Uruguaiana. Foi, por isso, batido por partes.

Se resistiu tantos anos, não foi por sua competência militar, que não tinha, mas pelo terreno paraguaio que facilitava sobremaneira a defesa, agravado pelas fortificações que os próprios brasileiros iniciaram, como já vimos, e completadas, depois, por um competente oficial austríaco.

Sem mapas, sem guias, sem estradas, enfrentando o terreno alagado da região da confluência dos rios Paraguai e Paraná e, as fortificações que barravam o avanço por terra e pelo rio, sujeitos a epidemias que assolaram seus acampamentos, com destaque para o cólera, com imensas dificuldades de transportar, em acompanhamento aos seus movimentos, todos os suprimentos necessários: rações, munições, material de saúde, etc., e, por fim, mas não menos importante, carentes de um comandante-chefe realmente competente, os Aliados perderam muito tempo nas fases iniciais da campanha. Caxias, ao receber o comando, inicialmente interino, encontrou os exércitos a poucos quilômetros do ponto por onde tinham invadido o Paraguai, sendo inegável que lhes faltavam, também, maiores efetivos (quem ataca deve fazê-lo na proporção de 3 x 1, pelo menos) e artilharia de sítio, capaz de produzir danos irremediáveis nas extensas linhas fortificadas paraguaias, constituidas de paredes de terra, contra os quais a nossa artilharia de campanha, de calibres relativamente finos, tinha pouco efeito, além de serem tais obras facilmente reparáveis.

Caxias, após o tempo enorme que teve de gastar reorganizando o nosso exército, que era a principal força Aliada, quando começou a movimentar a sua máquina de

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guerra, a despeito de todos os fatores contrários e retardantes que foram citados, em poucos meses chegou a Assunção.

Os especialistas afirmam, com razão, que se tivéssemos desembarcado no Paraguai com 100.000 homens, e tendo por comandante-chefe Caxias, desde o início, nem mesmo a grosssa artilharia de sítio nos teria feito falta, e a guerra teria sido ganha em poucos meses.

Por que não tínhamos, ou não pudemos mobilizar força necessária no momento oportuno? Porque os gabinetes que se sucediam teimavam em não dar ao Exército e à Marinha os meios necessários à segurança do país, como continua acontecendo.

O próprio coronel Carneiro de Campos, que foi preso quando do seqüestro do “Marquês de Olinda”, pouco tempo antes de seguir viagem como presidente de Mato Grosso, fez um discurso na Câmara dos Deputados defendendo o corte nas despesas militares.

A resistência paraguaia deveu-se, antes, a insuficiências em efetivos e materiais, nossas, e à politicagem que impediu Caxias de comandar desde o princípio, que “à sólida estrutura econômica” paraguaia, pura balela marxista. Aliás, os comunistas são hábeis enganadores: fizeram o mundo acreditar que a URSS era uma superpotência e, agora, todos viram sua auto-implosão.

Caso semelhante foi o do Paraguai: montou um exército numeroso, se bem que mal armado e pouco instruído; construiu fortificações; comprou, adaptou, roubou navios; improvisou oficiais e chefes e partiu para guerra.

A própria duração da guerra, aplaudida pelo Autor, foi desastrosa para o Paraguai. (3)

Sem indústria, exceto algumas oficinas exclusivamente destinadas ao equipamento militar, sem comércio exterior, sem produção agro-pecuária realmente sólida, deu no que deu: fome, miséria, nudez, auto-aniquilamento.

O Autor, como todo comunista, mente. Mas se esquece que entre os seus leitores existem muitos que gostam de coerência, e ele cai em contínuas contradições.

Como explicar que uma economia tão boa, modelar, gerasse tanta miséria? E não existia aviação, na época, para bombardear o seu quimérico parque fabril... Como explicar que um exército tão pequeno, ao ser derrotado, teria levado ao desaparecimento 99,50% dos homens adultos do Paraguai? Ou todos os homens adultos do Paraguai estavam no exército e este, necessariamente, seria numeroso, ou a percentagem de mortos é mentirosa. E se não morreu em combate, de que morreu tanta gente? Fome? Ele vai, em seguida, exaltar a nutrição do paraguaio. Peste? Não deixa de ser uma deficiência nacional não ser capaz de debelar as doenças. Fuzilamentos? Esperem os capítulos finais. Não adiantemos a nossa argumentação, vamos esperar que o Autor apresente as suas estatisticas do “genocídio”.

Se concordamos com Bouthoul, acerca do nosso conhecimento ainda deficiente do fenômeno-guerra, por certo o suficiente já sabemos para afastarmos, como causa única, os fatores econômicos e, sem nenhum risco de erro, no que se refere à guerra do Paraguai, elegermos, como fatores preponderantes de suas causas, os traços psicológicos que se foram fixando no caráter do homem paraguaio, e que atingiram o seu ponto de saturação na complexa personalidade de Francisco Solano López.

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38 - O Soldado Paraguaio Valorizou a Nossa Vitória Ainda hoje, tanto o Paraguai quanto o Brasil não são fortes em estatistícas. Nós,

hoje, sentimos as deficiências do nosso IBGE. O Paraguai da época da guerra não sabia nem mesmo com quantos habitantes contava, e os autores mais renomados estimam que ela fosse algo em torno de 600, 800 mil almas, enquanto outros não menos festejados, em 1 milhão e duzentas, ou até mesmo 1 milhão e trezentas.

Lá, como aqui, passaram vários sábios europeus, que naquela época costumavam viajar para países distantes para fazer observações de toda sorte. De regresso às suas pátrias escreviam livros, que nós comprávamos para aprender neles o que nós éramos e tínhamos.

Mas esses sábios trabalhavam com amostras, que são terrivelmente enganadoras quando se lida com a demografia, particularmente quando o observador não fala a língua do país visitado, o que era mais complicado, ainda, no Paraguai bilingüe, com preponderância da parcela nacional que só falava o guarani.

Acrescente-se, no caso paraguaio, a inexistência de bibliotecas, de obras de consulta sobre o país, a xenofobia, o retraimento desconfiado das autoridades e funcionários, as informações exageradas com a finalidade de agradar o ditador, e por aí vai. Verifique-se que até mesmo certos dados corriqueiros sobre a economia inexistiam ou eram manipulados inconseqüentemente e, poderemos avaliar que bases inconsistentes foram utilizadas por uma série de autores paraguaios dedicados à reinterpretação da era Solano López, sem compromisso com a verdade.

Pois bem, é respaldado por autores desse quilate que o Autor, cheio de orgulho impatriótico, nos lança em face à descoberta da superioridade nutricional do paraguaio em relação ao brasileiro, que resultou ser o soldado daquelas paragens 10 centímetros mais alto, em média, que os nossos.

Diz o Sr. Chiavenatto: “pode-se afirmar com segurança que a altura média do soldado paraguaio era de um metro e setenta e dois centímetros, contra um metro e sessenta e dois centímetros dos soldados brasileiros.” Ora, ora, os paraguaios, que não sabiam o total da sua população, nem mesmo com quantos homens válidos poderiam contar, dar-se-iam ao trabalho de medí-los? Podemos afirmar que por aqui apenas contávamos as pessoas: homens, mulheres, crianças, velhos. Não podemos saber como se chegou à média de altura do soldado brasileiro, se ele não era medido.

A intenção é clara: a estatura de um povo tem íntima relação com a sua nutrição, e esta, por importar em consumo, liga-se à economia. Logo, se queremos demonstrar que a economia paraguaia era melhor, vamos à ponta, aos seus efeitos. E 10 centímetros de superioridade média, considerando os elementos étnicos envolvidos na formação das nacionalidades sul-americanas, é uma diferença considerável, somente explicável pela superioridade econômica. Raciocínio perfeito, só que fundado sobre dados inexistentes.

“Alguns cientistas” constatam que “no exército paraguaio havia cinco brancos para um mestiço ou negro.”

Não seremos nós, agora, que vamos nos referir a estatisticas fraudulentas.

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Registraremos, apenas, a nossa perplexidade ante tal revelação. Nossa inteligência dá pulos e indaga: mas como, se a população do Paraguai, sabidamente, descende em larga escala dos guaranis aldeados pelos jesuítas nas reduções? Como, se a população branca, de orígem espanhola preponderantemente, sofreu restrições no seu livre desenvolvimento, seja pelo impedimento legal de casar-se com estrangeiros, seja pelas imputações de mestiçagem, pelo governo, que resultavam em discriminação, seja pelos encarceramentos, banimentos e fuzilamentos, senão simplesmente pela fuga para o exterior? Como, enfim, evoluiu esse crescimento populacional, calcado sobre as três raças existentes no Paraguai, pela ordem decrescente: índios, brancos, negros, sabendo-se que os índios e os negros são mais prolíficos que os brancos? O exército paraguaio não era uma amostragem perfeita da composição étnica da sua nação? E neste caso, por quê? Haveria discriminação racial? E neste caso, como atingir os altos efetivos que se constataram? E, se havia 5 brancos para um mestiço ou negro, não se incorporavam índios no exército paraguaio?

Por outro lado, onde foi o Autor achar tantos negros no Exército Brasileiro?

Ao exaltar a excelência da saúde, da compleição física, da nutrição, da alfabetização total, e do estado de permanente apronto para o combate do soldado paraguaio, mentindo para mais e, por outro lado, deprimindo os Aliados, particularmente os brasileiros, que foram diminuidos até de tamanho, o Sr. Chiavenatto envereda por outra contradição, pois atribui aos “cambaí” o criminoso genocídio que praticamente teria aniquilado os super-homens paraguaios. Não vê que qualquer tipo de matança ficaria assim tremendamente atenuada, senão justificada?

Insiste o advogado de López: “A estatura econômica do país, por outro lado, criou condições para que esses homens elaborassem, inclusive, sistemas próprios de fazer a guerra.”

Não resta dúvida: os paraguaios, na sua pobreza tiveram de fazer, muitas vezes, das tripas coração: quando assaltavam os nossos encouraçados montados em canoas, estavam inovando, mas por conta do sistema opressivo em que viviam. A soldados livres repugnaria um sacrifício tão inútil quanto deseperado; inovaram, também, quando tocavam seus berrantes de chifre de boi, a noite toda, para incomodar os brasileiros. Nós preferimos fazer a inquietação com a artilharia. Tudo saia da cabeça inovadora de Solano López, ou era por ele aprovado.

Como chefe militar, López inovou muito a arte da guerra: entrou em campanha sem ter um plano, ou, se o tivesse, não o deitou no papel nem informou a ninguém, de modo que nunca correu o risco de ter o seu plano descoberto pelo inimigo, uma preocupação que não poupou os grandes capitães. Alexandre, Aníbal e Napoleão ficariam desconcertados com tal inovação. Por outro lado, também não corria, como esses chefes, o risco de errar quanto às suas ordens: simplesmente mandava tocar para a frente, ou agüentar. Se desse certo, a glória era sua, se desse errado, era o subordinado quem teria agido mal. Vide Estigarríbia e Robles, por exemplo.

López, porém, inovou muito mais. Contrariou, sem nenhuma cerimônia, os princípios de guerra, aos quais passaram a vida acorrentados chefes dos mais conceituados. Contrariou, digo mal, inventou novos e melhores princípios de guerra: ao invés de se ater ao ultrapassado princípio da massa, inventou o emprego parcelado das forças. Foi batido por partes, é verdade, mas inovou; nem deu bola para o embolorado princípio da segurança, inventou um melhor: o da despreocupação total com os flancos.

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Foi flanqueado, mas deu meia-volta e enfrentou o inimigo em posição desvantajosa, admite-se, mas inovou muito; ao invés de aceitar o princípio da ofensiva, acabou optando pela defensiva intransigente, e defendeu anos a fio, sem outra finalidade senão a defesa pela defesa. Acabaram-se os suprimentos, seus efetivos minguaram, o inimigo cresceu, tudo é verdade, mas ficou a inovação: se os antigos viviam alardeando que “só a ofensiva conduz à vitória”, “El Supremo” deixou o revolucionário dito: “em compensação, a defensiva intransigente só conduz à derrota.”

“El Supremo” já era, em si próprio, uma grande inovação: general aos dezoito anos, atingiu o marechalato sem nunca ter freqüentado uma escola militar, nem mesmo um simples curso de formação de cabos. Mas, em compensação, também não se desgastou em guerras menores, que só servem para minar as forças, causar ferimentos, ou mesmo, a morte prematura. Preservou cuidadosamente sua pessoa para a grande guerra que moveria contra a tríplice aliança e, durante todo o tempo desta, soube conservar-se convenientemente afastado da frente de combate, inovando sobre esses conceitos caducos de profissionalização, estudos, experiência de combate, destemor, comando pelo exemplo, previsão, etc., etc., etc.

Para grande mágoa do Autor, Solano López, que poderia ter ficado conhecido com “El Novador”, não ganhou a guerra. Não importa, inovou...

39 - Nivelando por Baixo O pior que pode acontecer a um exército é serem formados todos os seus oficiais

na tropa, quer dizer, todos ingressarem como soldados e galgarem os degraus da hierarquia, passando pelas graduações e, depois pelos postos, sem frequentar cursos regulares em escolas. Esse conhecimento da arte e ciência da guerra não lhes terá sido ministrado de forma sistemática pelos profissionais destacados que são escolhidos como instrutores. No caso do exército paraguaio, faltava aos quadros assim designados, também, a experiência da guerra.

Se a falta de participação efetiva em ações de combate por longo tempo pode, em parte, ser compensada pela excelência de um sistema de ensino e instrução militar, sendo o inverso também verdadeiro, a melhor preparação de uma força armada é feita pela combinação desses dois fatores, enquanto que a pior será encontrada nas forças que, não dispondo de escolas, também se acham ausentes dos teatros de operações por prazo superior a de uma geração. O exército paraguaio teve, antes da Guerra da Tríplice Aliança, que ocorreu de 1864 a 1870, apenas a experiência longínqua, em 1811, dos dois encontros com a pequena coluna de Belgrano, durante a fase de independência das nações Sul-americanas do Império Colonial Espanhol. Porém, combateram os paraguaios sob o comando de oficiais espanhóis, e venceram ao argentino Belgrano em Paraguari (19 de janeiro) e Taquari (9 de março) contando com efetivos dez vezes superiores ao do invasor. Passaram-se, portando, 53 anos até que o Paraguai, independente e com um exército comandado por oficiais paraguaios, enfrentasse uma nova guerra.

É verdade que nesse meio tempo houve a ameaça de Rosas, mas Carlos López recusou-se a cumprir o tratado com o Brasil, de 1850, já abordado no item 37, alegando ser o tratado um instrumento defensivo, e não ofensivo. Deixou por conta dos demais

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vizinhos: Brasil, Entre Rios e Uruguai, e também Corrientes, a tarefa de derrubar Rozas e salvaguardar, pelas armas, a independência paraguaia ameaçada. Mas, sob o aspecto que ora estamos enfocando, deixou de submeter seus quadros, principalmente seus chefes, à experiência insubstituível da guerra, nessas operações que se desenrolaram entre 1851 e 1852.

Mas, antes um pouco, em 1849, Carlos López enviara a Corrientes uma divisão paraguaia de 5.000 homens, a fim de incorporar-se às forças do General Paz, em campanha contra Rosas. Deu o comando ao seu filho Francisco Solano López, de 18 anos, o “Generalito”, que retornou ao Paraguai sem entrar em combate, sem perder um só homem, sem disparar um só tiro. Quer dizer: experiência militar nenhuma.

Para que não se diga que omitimos qualquer ação militar paraguaia, desde 1811, vamos citar o incidente de fronteira ocorrido com o Brasil em 1850, quando Carlos López, aproveitando-se do nosso interesse político na sua participação na campanha contra Rosas, já que do ponto de vista militar seria desprezível, enviou uma expedição com 800 homens para expulsar o nosso reduzidissimo destacamento que havia se estabelecido em Fecho dos Morros, com apenas 25 homens. Atacados por essa força 32 vezes superior, o destacamento se retirou combatendo, em 14 de outubro, perdendo 3 homens e causando 9 baixas entre os paraguaios (1 oficial e 8 soldados). Essa escaramuça foi chamada no Paraguai de “vitória de Pão de Açúcar”. Iludia-se Carlos López, além de não tirar proveito como experiência em ação tão insignifificante, ainda irritava o protetor de sua independência com essa alfinetada. Mas a nossa diplomacia soube superar o incidente e concertar, objetivamente, os tratados contra Rosas que depois as armas iriam dar conseqüência.

Evidentemente, não foi nenhuma vantagem para o exército paraguaio ter escolhido seus oficiais dentre os soldados, todos descalços e, após essa “escola dos pés no chão”, depois de sofrerem degradações sem protesto, ascenderem ao oficialato.

A disciplina não se fundamenta na passividade ante os maus tratos e a injustiça: isto é subserviência, da mesma forma que a hierarquia militar não se baseia na arrogância e no despreparo profissional.

Em resumo: os dois fatores que influem decisivamente na qualidade de um exército, instrução e experiência de combate, o Brasil tratou de repassar ao exército paraguaio. Enviou instrutores que transmitiram, com a sua competência, alguns conhecimentos àquele bando armado, na medida das circunstâncias. O aprendizado deveria ter o seu coroamento na guerra contra Rosas.

Faltou-lhes apetite para o combate. Sobrou-lhes desconfiança para com o Brasil.

Grifamos a afirmação de que todos os oficiais paraguaios saíram da tropa e foram submetidos à disciplina dos pés descalços. Devemos considerar nessa enfática afirmação dois aspectos: 1o) era um costume das classes baixas paraguaias, que veio do tempo dos jesuítas, conforme já vimos, e que perduraria até bem pouco tempo atrás, até quando as sandálias de dedo brasileiras entulhassem seu comércio; 2o) mas, também, não foram todos, realmente, os oficiais que passaram pelo constrangimento: López e seus irmãos, além dos oficiais estrangeiros contratados, não foram submetidos a esse costume bárbaro. Solano López, por exemplo, que já ingressou general, o fez calçado com altas e lustrosas botas de couro da Rússia, as melhores do mundo de então.

Interpretação do fato: andar descalço, no Paraguai, era um costume agravado pela

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pobreza e, na impossibilidade de nivelar por cima, calçando a todos, preferiu-se descalçar os poucos que se apresentavam ao exército calçados, num igualitarismo de ocasião que não se baseia nos pressupostos filosófico-revolucionários do Autor. Apenas, nivelou-se por baixo, por imposição das circunstâncias como, da mesma forma aconteceria mais tarde, quando os uniformes se acabaram em combate e não havia peças de reposição, deixando todos nus igualmente, soldados e oficiais, que passaram a se apresentar apenas com uma tira de couro cru na cintura e dois pedaços desse mesmo material, cortados em triângulos, um pendendo para a frente e outro para trás. Naquela ocasião, os oficiais se identificavam, unicamente, por portar espadas.

Quanto à formação espartana, devemos considerar que Esparta não formou seus excelentes soldados na miséria e com maus tratos. Foi um povo rico, que se submetia à dureza dos exercícios militares a fim de produzir a excelência militar. Todos os exércitos procuram fazer o mesmo. Uma grande diferença, em relação ao Paraguai, no entanto, era que Esparta buscava o combate constantemente. Não existe formação espartana sem a experiência de combate.

Uma outra consideração de ordem profissional precisa ser enfatizada: quem ganha a guerra são os oficiais.

Os soldados constituem a grande massa executora, enquanto os oficiais dirigem a máquina militar, planejam nos diversos níveis, coordenam e controlam as ações, decidem. Uma equipe intermediária atua entre essa direção e a execução: são os sargentos ou suboficiais.

No fundo, porém, todos, independentemente de postos de graduação, pelo espírito militar, são soldados.

López, já nos está evidenciado, não possuía verdadeiros oficiais, principalmente nos postos mais elevados, nos cargos de chefia. Ele próprio não era um profissional, apenas um amador cheio de si mesmo, que praticou o auto-engano. Não tinha nem mesmo gosto pela guerra. Não era um soldado e não seria um marechal.

O resultado dessa tragédia paraguaia foi a coleção de derrotas sofridas pelo tirano quando resolveu fazer o que não sabia, a guerra.

São insconsistentes, também, afirmações do tipo: “Sua sólida organização industrial foi o que permitiu ao Paraguai resistir por cinco anos.”

Ora, se fosse realmente sólida, as encomendas feitas no exterior, e não recebidas, não teriam feito grande falta. Páginas atrás no livro em refutação lemos que o Paraguai possuía um parque industrial que era único na América do Sul. Mas não foi capaz nem de manter suas forças vestidas, elas que já começaram a guerra descalças...

Os leitores vão começar a assistir, na obra de traição, daqui para a frente, as mentiras que vinham sendo feitas para mais irem se transformando em mentiras para menos.

Assim, a informação: “a marinha de guerra era formada por barcos de passageiros improvisados em belonaves”, é verdade em parte, e o Autor, que calcou sua pesquisa sobre obras mal-intencionadas, omite os seguintes dados:

- muitos desses barcos foram construidos assim por orientação brasileira, por economia, na época da ameaça de Rosas; dois desses navios foram roubados: o Marquês

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de Olinda, brasileiro, e o Salto, argentino;

- a esse navios mercantes artilhados vieram se somar mais dois, de guerra, tomados aos argentinos: o Gualegay e o 25 de Mayo;

- e não nos esqueçamos do Tacuary, navio de guerra comprado na Inglaterra durante a viagem de Solano López.

Prossegue: “o que havia de melhor em termos militares no Paraguai era uma ‘arma defensiva: a fortaleza de Humaitá...’ vamos discordar: o que havia de melhor era o próprio exército numeroso, que bem poderia ser um instrumento altamente ofensivo.

Thompson assegura que, ao começar a guerra, López dispunha de perto de 80.000 homens robustos, aguerridos, e que bem comandados não seriam inferiores às melhores tropas do mundo. O Sr. Gould informou ao seu governo que López tivera, em 1865, um formoso exército de 100.000 homens. O general Resquin, em seu depoimento, declarou que esse exército era de 80.000 homens, acrescentando que, durante a guerra, López armou 150.000 homens ou mais. O coronel paraguaio Francisco Martinez declarou que lhe parecia que o exército era de 50 a 70 mil homens, e o Ten Cel Carrilho, primo de López assegurou que, em 1864, López já tinha em armas 56.000 homens. O general Caballero, em apontamentos que nos forneceu, dá o mesmo número de Thompson. O coronel Wisner diz que, no princípio da guerra, López não tinha senão 55.000 homens.

Não importam os números exatos. Provavelmente nunca os conheceremos. López não gostava dos registros minuciosos e do planejamento escrito. De qualquer maneira, o Brasil foi apanhado com somente 14.000 homens em armas, espalhados por seu imenso território, tendo o grosso dessa força em ação no Uruguai.

A incapacidade militar de López transparece nos fatos: com 80 a 100.000 homens; a iniciativa das ações; e, o inimigo engajado numa guerra (Brasil), ou com sérios problemas de política interna (Argentina), não foi capaz de decidir a guerra a seu favor, logo no início, explorando suas vantagens momentâneas. Preocupou-se mais com a pilhagem do material existente em Mato Grosso do que em destruir as forças inimigas, e agiu timidamente no sul.

Se López - e vamos aqui fazer apenas um exercício, um jogo de guerra - tivesse se colocado à frente de seu exército e descesse, resolutamente, para o Rio Grande do Sul, com rapidez e em massa, teria, provavelmente, colocado o Exército Imperial sob dois fogos, teria poder de combate suficiente para fazer junção com os blancos uruguaios e poderia, talvez, impor um cessar-fogo em condições super vantajosas. Teria sido a glória que sonhara.

Mas, nada disso ocorreu, por seu amadorismo temperado com a covardia. Também lhe fez falta o assessoramento de um estado-maior habilitado e chefes competentes, além de tudo que já vimos. Pesou muito, também, o fato de ninguém querer tomar iniciativas, por temer a ira do tirano. Já se disse que a guerra é uma grande confusão que a iniciativa dos quadros cuida de ordenar. Faz parte do ideário de todo exército estimular o espírito de iniciativa, nunca o contrário.

Cabem aqui duas informações:

1a.) López fez o “soberano” congresso paraguaio aprovar uma série de proposições suas e adicionar, entre outras, a seguinte resolução: (4) Que ‘El Supremo’ não se expusesse durante a guerra a nenhum perigo pessoal”. A isto se opôs López,

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fazendo teatro, mas logo sujeitou-se e, quando mais tarde seus soldados não o viram tomar parte em nenhum combate, alegava ele esse decreto do congresso, ao qual tinha de submeter-se.

2a.) O oficialato, no Brasil, era obtido através de cursos regulares em suas escolas militares, normalmente, e o generalato era, sempre, atribuido por mérito, onde a bravura em combate e a competência profissional eram fatores decisivos e entravam equilibradamente na avaliação do mérito. Por outro lado, os títulos de nobreza não eram adquiridos por herança ou compra, como sugere o Sr. Chiavenatto. Havia nobres pobres, e outros que empobreceram. Não tínhamos nobreza de sangue, exceto a família imperial, mas esta, tradicionalmente, se consorciava com outras famílias reais européias.

O Autor se refere ao eminente brasileiro que foi o Barão do Rio Branco. Sobre o assunto, suas palavras, de fato, foram as seguintes: “Estamos persuadidos, e isso se depreende de documentos do arquivo de López, que o ditador não se armava para a guerra ao Brasil. O projeto que alimentava era estender seus domínios para o Sul, conquistando Corrientes; talvez nem isso, mas somente ganhar fama militar e influência nas questões do Prata. A nossa intervenção de 1864 no Estado Oriental, habilmente explorada pelos blancos fez com que López suspeitasse que pretedíamos fazer uma guerra de conquista. A repulsa da sua mediação irritou-o, e a cordialidade que então existia entre o governo imperial e o argentino aumentou aquelas infundadas suspeitas. Consta-nos que o ministro oriental em Assunção, Vasquez Sagastume, conseguiu convencer a López de que havia um tratado secreto de aliança entre o Brasil e a República Argentina para a partilha do Paraguai e do Estado Oriental. Foi sob estas impressões que o vaidoso ditador se lançou à guerra contra o Brasil.” (5)

A citação de Rio Branco, no livro da traição, foi oportuna. Permite-nos verificar:

1o) que ela omite os trechos que não são agradáveis ao Autor. Por exemplo: “vaidoso ditador”;

2o) que ele, ou os autores mal-intencionados que são as suas fontes, leu a obra de Schneider e as anotações de Rio Branco, mas conclui, sempre, de modo contrário ao que expõe o autor alemão e, muito pior, ao que anota, com precisão, o diplomata brasileiro, à luz dos arquivos nacionais enriquecidos com os documentos apreendidos no Paraguai;

3o) que ele prefere apoiar-se nos autores paraguaios e argentinos suspeitos, do que na autoridade dos insuspeitos que existem de todos os lados, e ao transcrever uma nota de Rio Branco com omissões, quis inocentar López.

Na verdade, temos que considerar que o Barão do Rio Branco, se fosse tomado em inteira grandeza pelo Sr. Chiavenatto, abriria e este a compreensão de que:

1o) López não foi o “maior lider dos povos da América” (p. 58);

2o) López não amava o seu povo. Usou-o para ganhar fama militar e influência no Prata. No mínimo!

Ora, ele perdera a oportunidade de combater contra Rosas, e agora “aceitava”, como suposto chefe militar, que o congresso lhe impedisse de expor-se pessoalmente. Por outro lado, a influência que desejasse obter teria que ser o resultado de habilidade política, já que era carente de atributos militares. Ao invés de aproximar-se dos blancos, naquele momento, teria é que aproximar-se do Brasil, de Mitre e de Flores. Aceitar o aconselhamento de Sagastume foi a demonstração mais viva de sua limitação política.

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Em resumo, o pensamento de Rio Branco não prova a afirmação do Autor de que “o rearmamento do exército paraguaio... não indicava nenhuma predisposição agressiva do país.”

Prossegue a tentativa de defesa do indefensável López: “um inimigo absurdamente superior em número e força material e só se derrota na destruição total: não se rende.”

Já vimos os números do exército de López. Agora, vamos ver os nossos:

- “nunca o Império teve no teatro das hostilidades mais de 68.000 baionetas, mesmo isto, uma só vez, em abril de 1866.” (6)

- “os 11.000 homens com que a República Argentina começou a guerra foram dentro de pouco tempo reduzidos a uns 8.000. Em fins de 1866, ano em que os Aliados invadiram o Paraguai, o exército argentino já estava reduzido a menos de 7.000 homens. Em 1868 teria de 4 a 5.000, e em 1869, contava com uma força de 2.500 A 3.000 homens. Todo o peso da guerra recaiu sobre o Brasil;” (7)

- “os 2 ou 3.000 homens com que o República Oriental concorreu, quase todos sucumbiram nos primeiros combates. Em 1869 os restos eram apenas 700 e tantos homens.” (8)

Isto significa que, no pico, em 1866, os Aliados tiveram um efetivo combatente de cerca de 76.000 homens. López nunca tivera menos que isto, até então, e passava à defensiva, enquanto os Aliados atacavam tropas abrigadas em fortes, fortalezas e linhas fortificadas. Os atacantes, obviamente, atacavam a descoberto.

A doutrina militar, fruto da experiência milenar, diz que o atacante deve dispor de forças na razão de 3 para 1 sobre o atacado. No caso de fortificações articuladas em um extenso sistema, como era o caso paraguaio, essa relação aumenta até 8 para 1, ou mais.

Logo, nunca houve nenhum “inimigo absurdamente superior em número” a enfrentar as forças de López. Quanto à superioridade material, podemos constatá-la, militarmente, apenas no armamento portátil brasileiro e, na artilharia de campanha, no que tange à qualidade. Em número de peças nunca chegamos a igualar os paraguaios, somando nossas bocas de fogo terrestres. Somente com a adição da artilharia naval ficávamos em vantagem local, mas, mesmo assim, temos que levar em consideração que só ocasionalmente os nossos navios puderam apoiar, pelo fogo, a manobra terrestre.

Mesmo concedendo uma vantagem material aos Aliados, particularmente após a batalha fluvial de Riachuelo, e com base na superioridade da nossa esquadra, que foi crescendo até o final da guerra, é preciso ficar bem claro que apenas a marinha não podia ganhar a guerra sozinha.

E a pretensa superioridade moral paraguaia “que só se derrota na destruição total: não se rende”, que ninguém se esqueça o fato de que durante toda a guerra recolhemos prisioneiros paraguaios e um certo número de desertores. Logo no início das hostilidades, durante a fase ofensiva de López, recolhemos 5.545 prisioneiros em Uruguaiana, no dia 18 de setembro de 1865. Entregaram até, junto com essa divisão completa, a sua própria honra, materializada em 7 bandeiras, além de 6 peças de artilharia e volumoso material bélico. O colapso moral foi tão flagrante que anos depois, o orgulhoso Estigarribia, comandante da coluna, da sua prisão em Santa Catarina, oferecia seus serviços de guia dos exércitos aliados ao Imperador, que negou recebê-los.

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Trataremos dos meninos mais adiante, quando o Autor trouxer à baila a batalha de Campo Grande.

Já vimos que a liberdade, no Paraguai, era uma balela inventada pelo Sr. Chiavenatto. Nem mesmo a trinca de ditadores se preocupou em dissimular a verdadeira escravidão em que vivia a totalidade do povo, e o Autor não pode negar as liberdades que gozavam aqueles que não eram formalmente escravos, no Brasil, nem com essa frase de efeito: “dez liberdades de palavra não valem uma liberdade de ação e só é livre em realidade o que vive do que é seu”. No Brasil de então não só se pensava, falava-se, publicava-se o que se quisesse, mas o direito de propriedade era amplamente garantido e a percentagem daqueles que viviam das rendas do seu próprio negócio, que não eram empregados, era maior do que hoje. A liberdade de imprensa não tinha limites: em plena guerra o Imperador era alvo de caricaturas grotescas na imprensa.

Quanto aos escravos, infelizmente ainda não havia chegado o momento da Lei Áurea. Mas o Paraguai também os tinha, e de uma forma mais triste ainda, porquanto dissimulada.

Já examinamos, também, essa fábula dos 100% de alfabetizados. Aqui, o Autor faz alarde do badalado sistema de ensino dos países comunistas, posto que ao fomentar a leitura a estariam propagando como fator de libertação. Mas, não é bem assim, como sabemos. Os comunistas alfabetizam para melhor doutrinar. Os seus currículos escolares, em todos os níveis e graus, inclusive na instrução militar, prevêem um quarto do tempo total, no mínimo, destinado à doutrinação política. O objetivo do ensino não é a liberdade, é a “conscientização” permanente, da mesma forma que os protestantes não cuidaram da alfabetização senão para difundir a leitura da Bíblia, e a sua livre interpretação. Aliás, escola neutra, desengajada mesmo, parece só existiu a brasileira, no entreato da passagem do ensino de gestão religiosa para o laico, que viria a cair, como está, sob a direção comunista. Prova disto é a adoção, em caráter oficial ou semi-oficial, de livros do tipo deste que estamos refutando.

40 - Imprensa Lopista: Símbolo de Atraso Cultural e Retrocesso É o próprio Autor quem nos diz que López doutrinava seus soldados com seus

jornalecos. Será que ele não entende que a doutrinação atenta contra a liberdade de informação? Mas, prossegue dizendo que as tropas paraguaias eram “excepcionalmente bem informadas” por “El Semanario”, o jornal oficial. Novamente inunda as páginas da obra da traição com uma enxurrada de mentiras. Basta que se leia uma amostragem da coleção completa do “El Semanario” que temos no IHGB, no Rio, para constatar que esse pasquim se prestava durante a guerra, a dois propósitos fundamentais, ambos imorais: manter o exército combatendo, através do anúncio de vitórias inexistentes e da omissão das derrotas reais, e projetar uma imagem humanitária e civilizada no mundo, também mentirosa.

O próprio Autor mente descaradamente ao dizer que o Visconde de Taunay, na sua conhecida obra, e de fácil consulta, por existir em qualquer biblioteca que ainda não tenha declarado guerra à brasilidade: “A Retirada de Laguna” - informa que os brasileiros procuravam nos bolsos dos paraguaios mortos exemplares do “El Semanario”.

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Vejam como relata Taunay: “Soubemo-lo por um número do Semanário, hebdomadário de Assunção, que acabava de ser encontrado sobre um inimigo morto numa escaramuça.”

E já que o Sr. Chiavenatto lembrou-nos da figura desse admirável escritor militar que foi Taunay, convém que os nossos leitores saibam qual o conceito que o secretário da coluna de Camisão e, depois, do Estado-Maior do Conde D’Eu, fazia do “El Semanario”. O visconde publica, como anexo ao seu livro acima citado, o exemplar no. 690, de 13 de julho de 1867 desse pasquim, encontrado em Curupaiti, e comenta: “Para nós é do maior valor como documento contraditório. Deste espelho, tão fiel no que diz à série dos fatos, quanto mentiroso quando os aprecia, ressalta a exação da nossa narrativa e a terrível natureza dos perigos que saltearam a coluna brasileira.” (9)

Ao faltar papel e tinta, informa o Sr. Chiavenatto, López ordenara que se fabricasse artesanalmente tais insumos, indispensáveis à sua propaganda. Perguntamos: e a indústria, tão louvada páginas atrás?

Com grande destaque são apresentados os xingamentos dos volantes paraguaios aos chefes brasileiros, bem como a toda a nossa gente, cuidadosamente recolhidos como relíquias preciosas pelo Autor: negros (cambás), macaquice, macacada, macacão, “el gran jefe macacuno”, etc. Nos volantes, que não se destinavam a ser distribuídos aos representantes estrangeiros, a linguagem põe a nu a alma dos redatores. Uma lástima.

Schneider também nos informa, mas sem a exaltação impatriótica do Autor, sobre a imprensa de guerra paraguaia:

“No ‘Semanário’, no ‘Estrella’ e no ‘Centinela’ encontramos muitos pormenores interessantes sobre a guerra, mas poucas informações dignas de crédito: o número de paraguaios é diminuído sempre nas descrições dos combates; o seu heroísmo exagerado e cantado em todos os tons; e os brasileiros, argentinos e orientais são invariavelmente descritos como bandos de escravos vis, incapazes de resistir ao embate das legiões ‘del Genio’, que assim era chamado, na mais abjeta linguagem, o ditador López.

“Todas as derrotas, exceto as de Jataí, Curuzu, Avaí e Lomas Valentinas, eram festejadas como explêndidas vitórias.”

Daremos aqui uma amostra da descrição paraguaia para que o leitor possa avaliar os esforços que a imprensa de López empregava para iludir esse mísero povo e criar uma falsa opinião no estrangeiro:

“Batalha Naval do Riachuelo (11 de junho de 1865). Trechos de um artigo da Estrella (Pirebebuí, 13 de junho de 1865): ‘(...) Al fin de la lucha la escuadra brasilera fué totálmente vencida, y la sagrada bandera nacional de la libertad quedó triunfante el 11 de junio de 1865 en el mas formidable y extraordinário combate naval de la America del Sud.

“Perdimos algunes buques, pero alcanzamos una victoria tan explendida como imposible. El enemigo perdió buques, y perdió todo (...) Era el sol del 11 de junio que reflejaba sobre nuestra patria los detellos de la imortal victoria del Riachuelo (...)”

Prossegue Schneider: “As notícias que o ‘Semanario’ dava eram quase sempre falsas: vitórias imaginárias, ou derrotas convertidas em vitórias; prodígios de valor praticados pelos paraguaios e covardia escandalosa dos Aliados, desânimo, ruína e desastres continuados no Brasil, na República Argentina e no Estado Oriental; próxima

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declaração de guerra do Chile, da Bolívia, do Peru e da Colômbia às três potências aliadas e outras coisas do mesmo jaez.

“Em 1867, por exemplo, o ‘Semanário’ entreteve os seus leitores com os pormenores de supostas revoluções nas províncias brasileiras da Bahia, Pernambuco e Maranhão.”

Dionísio Cerqueira também tem algo a dizer sobre a imprensa de López: “Era curioso ler o Boletim do Exército, de López, noticiando a vitória dos seus soldados, que tomaram a nossa posição e aniquilaram completamente os covardes e escravos brasileiros que, ajoelhados e de mãos postas, pediam-lhes misericórdia, dizendo que também eram paraguaios”. (A propósito do combate de 10 de abril de 1865 na Ilha Cabrita, onde 900 brasileiros, atacados alta noite de surpresa por 1.200 paraguaios, escolhidos dentre os guerreiros mais bravos, exterminaram quase todos esses temerários, tendo perdido somente cerca de 150 dos seus camaradas, entre mortos e feridos). (10)

“Para exaltar o espírito dos seus soldados, cuja valentia, obediência e abnegação dispensavam aliás estímulos (11), López nos mandava injúrias pela sua imprensa. O ‘Boletim do Exército’, o ‘Semanário’, e o ‘Cabichuí’, ficaram, de sobejo, nossos conhecidos. As vezes, sem sabermos como, apareciam exemplares, cobertos de injúrias aos aliados, nos nossos acampamentos. De alguns sabíamos a origem: eram os encontrados nos bolsos dos mortos e feridos, os outros haviam sido deixados provavelmente por espiões, que não eram raros e passavam facilmente por argentinos e orientais no acampamento brasileiro.” (12)

Nós, brasileiros, ao invés de pasquins mentirosos e cheios de ódio, mantínhamos, com renda obtida pelas assinaturas e não de fundos oficiais, nossos jornais literários. “A Saudade” era um desses, onde os nossos poetas publicavam, em plena guerra, os seus versos, ora bem humorados, ora de inspirados sentimentos, ora de devoção. As informações sobre o andamento da guerra eram dadas, como sempre foi e continua a ser o nosso modo tradicional de agir, pelos capitães comandantes de companhia, durante as formaturas. As ordens do dia das autoridades superiores e o Diário do Exército eram modelos de amor à verdade, equilíbrio emocional e respeito ao inimigo. Nada de xingamentos, de bravatas, de mentiras, de humor sarcástico, de desrespeito. Afinal, nós éramos os civilizados que se impunham, não só pelas armas, como também pelo cavalheirismo, apanágio da formação militar desconhecido pelo bárbaro.

Quanto à combatividade do soldado brasileiro, o resultado das batalhas e o resultado final da guerra constituem a prova dos nove que nenhuma escamoteação pode alterar. Não se ganha a guerra no grito, nem com piadas.

“A disciplina militar prestante

Não se aprende, Senhor, na fantasia,

Sonhando, imaginando ou estudando, *

Senão vendo, tratando e pelejando”.

Camões, Os Luzíadas, Canto X, 153.

* experiência - a prática, os casos particulares em que foi aplicada a teoria.

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Convém que se alerte, entretanto, que todos estes ensinamentos se referiam mais

propriamente ao tempo em que os homens se enfrentavam nos campos de batalha, olhos nos olhos, realmente. A deslealdade ficava por conta de chefetes do tipo López. Contudo, então, venciam os mais fortes, os mais preparados militarmente, os que tinham mais vontade de vencer e os melhores chefes. Assim foi no Paraguai.

Hoje em dia, o que temos é outro tipo de guerra, sub-reptícia, enganadora, sedutora. É a guerra revolucionária psicológica. Visa à conquista das mentes e corações. Oferece utopias, estimula ressentimentos, rancores, inveja e outros sentimentos baixos. Vencem os Chiavenattos, os fracos de corpo e de alma, os mais sujos, os piores exemplares da espécie humana. Mas, até quando?

O Autor, que teria sido um excelente redator dos pasquins de López, é um representante típico dessa Revolução, verdadeira guerra que nos movem sem que a imensa maioria dos povos, e mesmo dos governos, se dê conta.

O objeto deste panfleto mentiroso que estamos analisando, ou melhor, refutando, contendo a custo a náusea que nos maltrata, é a subversão do regime político que, bem ou mal, nos garante as liberdades, inclusive a que vai sendo corroída, de continuarmos a ocupar lugar privilegiado no mundo, como reis da criação de Deus, para equiparar-nos aos animais irracionais da escola zoológica reduzida a um único animal: o ser vivo, como a implantaram na implodida União Soviética, e ainda continuam a fazer na China, no Vietnã, na Coréia do Norte, em Cuba e nuns tantos infelizes países africanos.

Mentirosos frios, são capazes até de atentar contra a memória de um chefe militar do porte moral de um Caxias, atribuindo-lhe uma carta forjada, para se beneficiarem da autoridade respeitável da sua figura reta em favor das suas teses.

Asquerosos filhos do diabo esses revolucionários. Não titubeiam em tentar envolver em suas intrigas um herói verdadeiro da pátria brasileira. Tentam degradar, também, toda uma raça, das três que compuseram a grandeza desta nação.

“Negros escravos analfabetos”. Aqui transparece todo o desdém que possuem por essa raça. Também desprezam os pobres negros analfabetos de Angola, de Moçambique e de toda a Africa, os quais usam como escravos da sua ideologia do desespero.

Combateram no Paraguai muitos negros incorporados ao exército e à marinha do Brasil? Quantos?

Não nos interessamos em contá-los. Eram gente, iguais aos brancos e aos índios, e aos mestiços. Valiam, cada um, uma pessoa, um soldado, um oficial. Analfabetos? Sim, muitos o foram, inclusive brancos, índios e mestiços de toda sorte. Escravos? Sim, alguns o foram, mas só até pegarem em armas contra o inimigo. E ganharam o respeito e a admiração dos brasileiros com suas devastadores cargas de baioneta, como tão bem executavam os zuavos da Bahia, dois corpos especiais de negros especialmente temidos pelos paraguaios. Era uma tropa de elite. Não temos registros de negros desertores.

Não tinham razão para combater pela pátria? Tinham em dobro. A pátria os acolheria livres depois do tributo de sangue. Importava preservar livre essa pátria para que a liberdade pessoal não fosse ilusória. Isto, aquela gente simples, analfabeta, sabia no fundo do coração.

E os “grosseiros gaúchos uruguaios e argentinos”? Estes foram nossos nobres

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aliados. Fizeram o quanto puderam para a honra de suas nações preservar. Combateram valentemente, ombro a ombro com o Exército Imperial. Mereceram subir conosco no pódio da vitória.

Os paraguaios, por sua vez, foram apenas patriotas enganados que confundiram os interesses pessoais do tirano com a honra da pátria. Melhor assim, pois se erraram, o fizeram por engano. Contudo, foram bons soldados. Se muitos deles eram, também, negros, escravos, e se a mentira dos 100% de alfabetização é, apenas, a bandeira de um jornalista brasileiro, isto em nada os diminui. Combateram destemidamente até o fim, até o amargo fim, e valorizaram a nossa vitória, vendendo caro a derrota, cuja culpa recai, inteiramente, sobre seus chefes improvisados, quase exclusivemente sobre o tirano López. Os soldados paraguaios fizeram além do que seria justo exigir de um exército. O tirano não teve o mínimo de decência que se exige de um chefe: comandar na frente, expondo-se ao perigo, e ter pelo menos a competência para indicar aos seus subordinados a direção, a hora e a maneira certa de agir. Isto é a verdade.

Mas, não é verdade, entretanto, a afirmação de que o exército paraguaio fosse pequeno, frágil pela qualidade e quantidade de armas. O tirano, como já vimos, começou a guerra com tremenda superioridade de efetivos, de artilharia, e contando com todo o armamento portátil e as munições que acumulou durante os muitos anos de preparação. Aliás, não fez outra coisa desde os dezoitos anos, quando seu pai chegou ao governo.

O que aconteceu foi pura e simples incompetência: Solano López não soube aplicar a máquina que construiu. E não considerou o maior bem da sua nação: a própria existência. Jogou-o, sem ter direito algum, vaidosamente, em busca da glória pessoal. Nada pode justificar a sua conduta.

“Quer se goze ou não, existir é um bem; quer se sofra ou não se sofra, é um mal deixar de existir. A vida, por si mesma, e qualquer que seja, é um bem e a morte é um mal. É o instinto que fala depois da razão, e é ainda mais alto do que ela.” (13) Proudhon. Transcrevo a citação de um socialista para demonstrar que, mesmo entre os que professam essa ideologia antinatural, não seria unânime a absolvição de López, que mesmo entre os que sonharam a utopia socialista a vida é um valor a ser preservado. E o Sr. Chiavenatto se coloca mais à esquerda de Proudhon, mais perto do inferno ainda, ao tentar justificar os crimes de López que, por sua vez, nem socialista foi, apenas um tirano interessado na glória militar própria.

41 - O Exército Imperial: Excelente Representação do Povo Brasileiro Contradições prossegue cometendo o Autor. São contradições no seu sentido

correto, o lógico, querendo demonstrá-las no sentido ideológico marxista. Puro jogo de palavras e de situações.

O Exército Imperial foi o mesmo, do princípio ao fim da guerra. Caxias, ao assumir o comando, iria imprimir a essa máquina de guerra a marca do seu gênio e aplicação às armas. Foi um grande chefe, e a constatação do melhor desempenho do exército sob o seu comando, logicamente, demonstra o valor da chefia militar, como o fizemos no caso de López, este, porém obtendo resultados negativos face à má

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qualidade da sua liderança.

Mas, acautelemo-nos, brasileiros. O Sr. Chiavenatto exalta, aqui, Caxias, para deprimí-lo no final, apresentando-o como autor fraco e medroso de uma carta, na qual implora ao Imperador que faça a paz com López face à impossibilidade de vencê-lo. Já se sabe que é uma falsificação. E tudo tem endereço certo: trata-se de preparar o espírito das pessoas, capazes pelo menos de ler um livro, para as campanhas periódicas de rebaixamento das Forças Armadas atuais, herdeiras legítimas das tradições mais gloriosas do Exército Imperial, ao qual Caxias serviu dedicadamente, ao contrário do tirano Solano López, que se serviu do seu exército e do seu povo.

Mas, vejamos suas contradições:

- “O exército era muito mais numeroso do que se pode contar de soldados na caserna.”

Já vimos a situação dos efetivos ao iniciar a guerra. Se alguém der crédito ao Sr. Chiavenatto, no seu afã de achincalhar a memória dos chefes do passado, terá que concordar, logicamente, que os efetivos apresentados seriam, na realidade, menores ainda do que diziam os “mapas da força” (14). E o vexame de López, na verdade, teria sido maior ainda. O Sr. Chiavenatto mente desta maneira no intuito de enxovalhar o exército: se existiam soldados fantasmas, alguém se beneficiava dos seus soldos, etapas, etc. Para trás, ele mesmo afirmou que o Exército Brasileiro era numeroso...

- “Na sua formação (do exército), logo que se evidenciou que não era possível enfrentar os paraguaios com as forças disponíveis, começaram as medidas que vão piorar a sua qualidade.”

Rebatemos: 1o) O Exército Imperial já estava formado. Tratava-se, apenas, de elevar seus efetivos, compatibilizando-os com a campanha. Ou o Autor quer impedir que se tomem medidas administrativas para fazer a guerra?

Burrice seria manter um exército numeroso e, portanto, dispendioso, enquanto não se configurassem as ameaças previstas nas hipóteses de guerra. Pedimos aos leitores que meditem sobre o seguinte fato: a ex-URSS mantinha suas forças armadas em completa mobilização, permanentemente, bem como sua indústria e tudo o mais no país, de forma que para ser (ou parecer) superpotência, vivia em economia de guerra, isto é, o máximo de segurança para um mínimo de bem-estar do seu povo. Aí aparecem os americanos com o projeto “guerra nas estrelas”, algo muito custoso que tornaria obsoleto o arsenal nuclear soviético. Ora, quem já está esticado ao máximo não pode fazê-lo mais sob pena de partir-se. E foi o que se viu: a implosão da economia soviética.

2o) A qualidade de um exército depende, primordialmente, da qualidade dos seus quadros profissionais. O Autor deveria saber disto, também, pois os partidos comunistas são partidos de quadros, não de massas. Estas, os quadros manipulam.

Mas, vamos convidar mais uma vez, Rio Branco: “Ao darem-se no Estado Oriental as complicações que trouxeram em resultado a missão Saraiva, o ‘ultimatum’ de 4 de agosto de 1864 e o emprego de represálias, o nosso exército, disseminado por todo Império, compunha-se de uns 16.000 homens. A lei de fixação das forças de terra, votada pelo parlamento para o ano financeiro de 1864-65, marcava 18.000 homens em circunstâncias ordinárias e 21.000 em circunstâncias extraordinárias. (15) Bem que insuficiente para as necessidades do serviço em tempo de paz a força votada, os quadros

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não estavam completos. Desde 1861 a oposição liberal nas câmaras pedia que se reduzissem as nossas pequenas forças militares; e não faltou quem por esse tempo sustentasse que não precisávamos nem de exército, nem de marinha. Rompendo a guerra, em 1864, os liberais, que então governavam, esqueceram as censuras que anteriormente faziam aos gabinetes conservadores, e passaram a acusar seus adversários por não terem cuidado seriamente do exército e da marinha (...) O ‘ultimatum’ Saraiva foi apresentado em 4 de agosto de 1864 e só em princípios de dezembro pudemos invadir o Estado Oriental, com 5.711 homens das três armas, além da brigada de voluntários do general Netto, que contava 1.300 de cavalaria. Em 20 de fevereiro de 1865 só tínhamos diante de Montevidéu 8.116 homens, mas, já então a notícia da afronta que nos irrogara o ditador López, assim como a narração das crueldades praticadas pelo exército invasor, tinham repercutido dolorosamente em todos os ângulos do Império. A indignação popular e o patriotismo dos brasileiros armaram esses numerosos batalhões de voluntários que tanto se ilustraram ao lado dos corpos disciplinados do exército. Em 1865 estavam organizados 65 batalhões de voluntários. Cumpre notar que de 1866 a 1869 se apresentaram e seguiram para o Paraguai muitos voluntários (recompletamentos). Em meados de março de 1865 a força do Exército Imperial acampada nos arredores de Montevidéu era de 13.181 homens. Além desse exército organizava-se no Rio Grande do Sul outro que já em março contava 13.925 homens. Em Mato Grosso tínhamos apenas 800 homens. Assim, em princípios de março de 1865 tínhamos pois nas duas províncias 27.106 homens, e já estavam prontos nas diferentes províncias do Império mais 8.500. Em abril de 1866 tínhamos em armas mais de 70.290 homens.”

Porém, se a nossa melhor organização militar, malgrado as restrições liberais, e a existência de chefes experimentados e quadros competentes, permitiu, em relativamente curto prazo, elevar nossos efetivos ao mínimo necessário para enfretar o inimigo, na base de 1 para 1, tivemos que arcar com a desvantagem de empreender uma ofensiva não em campo aberto, em combate de encontro, quando sempre bateríamos os paraguaios causando-lhes elevadas perdas, mas de enfrentar um terreno desconhecido e forfificado, além de ser por natureza muito cortado. Nossa dificuldades foram imensas.

O general Canabarro, citado pelo Autor com injustiça, não impediu o tenente-coronel (e não general como quer o Sr. Chiavenatto, posto que López era muito parcimonioso nas promoções; este que foi feito general aos 18 anos e, por ocasião da guerra tornou-se o único marechal do seu exército) Estigarríbia de adentrar-se no território nacional, por absoluta carência de meios. O general Canabarro sustentou sempre que, contando com menos de 2.000 homens, dos quais apenas 900 eram de linha, e a cavalaria da Guarda Nacional mal armada, como estava, não devia atacar a divisão de Estigarríbia. O general Mitre, comandante-chefe, foi de parecer que ele apenas hostilizasse os paraguaios, sem, contudo, atáca-los. O general Canabarro respondeu a conselho de guerra.

Conclusão: seria possível disputar ao inimigo a passagem do Ibicuí e, mesmo, repelí-lo, mas este salvaria quase toda a sua divisão. Canabarro preferiu esperar a chegada dos reforços que lhe haviam sido prometidos de Concórdia, para que a perda do inimigo fosse total. E podemos resumir tudo assim:

Canabarro agiu conforme lhe ditou sua consciência, e de acordo com o comandante-chefe. Não houve politicagem no meio. Do conselho de guerra defendeu-o Osório, no Senado. No fim aconteceu a vitória retumbante de Uruguaiana.

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O Autor volta a insistir, neste item, na questão dos escravos. Já se disse: se fosse um exército assim tão ruim, o brasileiro, nem Caxias o salvaria.

Analisemos o Quadro no. 6:

Ele foi elaborado por nós, com base em um trabalho do ministro da guerra no gabinete visconde do Rio Branco (15.05.871 - 20.04.872), o senador pelo Ceará, depois visconde de Jaguaribe, Dr. Domingos José Nogueira Jaguaribe, que participou da guerra como membro da Junta Militar de Justiça (1867-68).

O ministro considerou como efetivos existentes antes da guerra 19.433 homens (a diferença para dados anteriormente apresentados deve-se ao dia da computação) aos quais se somaram 91.218 que correspondem às elevações de efetivos iniciais e aos recompletamentos mandados para o Paraguai. Quer dizer: 110.651 brasileiros participaram da guerra, nas suas diferentes fases. No pico, já vimos, não tivemos mais de 68.000, e do total enviado à guerra, perdemos 33.000.

Vejam que, do total daqueles que foram mandados ao Paraguai: 91.218, somente 5,16% correspondem a libertos, ex-escravos, portanto, sendo apenas de 1,83% a percentagem dos tão falados substitutos.

Também, a percentagem de recrutas, aqueles que poderiam ter sido incorporados a força é pequena. Está englobada, infelizmente, com os voluntários para o exército, presos, vagabundos e criminosos. (16)

Quadro No. 6 - Efetivos: elevação e recompletamentos

Voluntários da Pátria

Guardas Nacionais designados

Voluntários e Recrutas

Libertos por

particular

Libertos pelo

Governo

Libertos pelos

Conventos

Libertos da

Casa Imperial

Libertos da

Nação

Libertos Substitutos

Soma

AL 1.041 787 791 1 35 1 2.656

AM 247 300 167 1 724

BA 7.764 5.312 1.861 12 248 12 18 15.227

CE 1.412 3.096 1.019 1 118 2 5.648

CORTE 6.234 1.851 1.170 630 960 27 67 254 11.467

ES 341 285 324 11 274 5 966

GO 424 118 542

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MA 1.509 1.787 1.083 27 113 16 1 4.536

MT 1.417 1.843 38 3.298

MG 804 1.768 1.366 15 3 211 4.070

PA 1.461 1.440 861 2 1 17 13 32 3.827

PB 984 599 820 42 8 1 2.454

PR 480 1.296 230 4 12 2.022

PE 4.158 1.104 1.734 10 66 9 55 7.136

PI 960 1.134 446 1 164 2.705

RN 542 348 419 2 1.311

RS 460 3.387 279 37 15 305 4.483

RJ 3.585 2.315 1.615 1 335 7.851

SC 968 264 180 1 123 1.537

SP 2.271 1.125 2.553 45 6 504 6.504

SE 1.099 724 391 10 30 2.254

SOMA 37.736 31.189 17.465 798 1.807 95 67 287 1.672 91.218

%

41,40 34,20 19,15 0,87 1,98 0,10 0,07 0,31 1,83 100,0

94,83 5,17

Quanto aos escravos libertos para seguirem para a guerra, de diversas procedências, inclusive os 1.672 substitutos, somaram, no total, 4.726.

Agora, atenção para o relato do coronel paraguaio Juan Crisóstomo Centurión:

“(López) mandou vir das estâncias do Estado e de estabelecimentos particulares 6.000 escravos, que distribuiu pelos diferentes corpos para preencher os claros abertos pelas baixas.”

O fato ocorreu depois da batalha de 24 de maio de 1866, é muito conhecido, foi citado por Thompson e por Centurión, entre outros, este nas suas “Memórias”.

Dos dados fidedignos que temos em mão ressaltam duas observações: 1a.) o Brasil enviou para a guerra ex-escravos, posto que estes eram libertados ao serem destinados ao exército; 2a.) o número de escravos incorporados a força no exército paraguaio é superior ao dos brasileiros libertos que, para receberem tal prêmio

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deveriam, certamente, ser voluntários. Haja vista que não temos registro de liberto desertor.

Passemos à formação profissional da oficialidade brasileira. O Exército possuia as seguintes escolas: Escola Central, Escola Militar, Escolas Preparatórias (Corte e Porto Alegre).

A Escola Central destinava-se à formação dos oficiais de estado-maior e engenharia militar, formando, também, engenheiros civis. O seu curso durava 6 anos.

A Escola Militar formava oficiais de infantaria e cavalaria em 2 anos e artilharia em 3. Havia, também, em Campo Grande, uma Escola de Tiro (infantaria, cavalaria e artilharia). (17)

O Exército Brasileiro, ao contrário do que gostaria o Sr. Chiavenatto, possuía quadros bem formados. Em relação ao Paraguai, nem se fala. Já vimos que lá estiveram oficiais brasileiros como instrutores em 1850, e bem teria feito Solano López, se ele próprio, descendo do alto da sua empáfia, se sentasse nos bancos escolares junto com seus oficiais, todos jejunos de escola, a fim de aprender os rudimentos da ciência e arte militar com os mestres, do nível de um Portocarrero ou de um Vilagran.

O Exército Brasileiro mostrou, também na prática, o seu grande preparo: ganhou a guerra, a despeito de todas as dificuldades que já vimos. Isto é competência militar, aliada a tato político e senso administrativo. O Brasil só tem do que se orgulhar quanto à sua história militar, que perpassa toda a sua história geral, de tal forma, que estudar esta sem um conveniente aprofundamento daquela, é permanecer na superfície do conhecimento dos fatos.

Este imenso, fértil e formoso território tem sido alvo da cobiça estrangeira, desde o seu descobrimento. Certamente não será com gente da baixeza moral do Autor que seguiremos nosso destino de grande nação.

Neste momento, em que a cobiça se concentra na nossa Amazônia, se novamente soar a hora da verdade, não serão os calabares, como nunca foram, os guias da nossa gente, nem formarão à frente das nossas armas no momento solene em que o inimigo capitular. Difícil? Impossível? Recuemos no tempo e imaginemos as condições das épocas passadas, as terríveis dificuldades, a impossibilidade feita realidade pela constância e leal militança.

Foi assim que recebemos esta lista (somente as principaís) de capitulações do inimigo:

1615, 2 de novembro - franceses de La Ravardière, em S. Luiz do Maranhão; 1625, 30 de abril - holandeses do Cel Kiff na Bahia. 2.000 homens; 1635, 19 de julho - rendição de Porto Calvo, Alagoas, defendido pelo Maj holandês Picard. Aqui foi executado o Sr. Chiavenatto Calabar (patrono do autor da obra da traição); 1645, 4 de agosto - rendição de Serinhaém, Pernambuco, holandeses de Lambertz; 1645, 17 de agosto - rendição de Casa-Forte, perto de Recife,

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coroneis holandeses Haus e Blaar e 322 praças sobreviventes do combate de Tabocas e do ataque a Casa-Forte; 1645, 3 de dezembro - rendição da fortaleza do Pontal, Pernambuco, pelos chefes holandeses Hoogstraten e Van der Ley; 1645,17 de setembro - rendição da fortaleza de Porto Calvo,Alagoas; 1645,19 de setembro - rendição da fortaleza de Penedo, Alagoas, defendida por 266 holandeses; 1654, 15 de janeiro - rendição do forte de Salinas, perto de Recife com 8 oficiais e 70 soldados holandeses; 1654, 19 de janeiro - rendição da fortaleza de Altenar, perto de Recife, comandante Berghen e mais 11 oficiais e 227 praças holandeses; 1654, 22 de janeiro - rendição de Cabanga, capitão holandês Brink e 70 soldados; 1654, 26 de janeiro - capitulação dos holandeses no Recife.Nessa capitulação ficou tratada a entrega de todas as praças ainda ocupadas pelos holandeses no norte do Brasil: 22 fortes e fortalezas, as Ilhas de Fernando de Noronha e Itamaracá, toda a artilharia dessas fortificações. Somente no Recife coletamos 294 peças de artilharia, 5.200 espingardas e um grande número de pistolas, lanças, espadas e munições. A rendição foi assinada pelo tenente-general holandês Von Skkoppe e outros chefes batavos. É a mais importante capitulação que registra a história das Américas. 1710,19 de setembro - franceses de Duclerc, no Rio; 1776, 26 de março - rendição do forte espanhol de Santa Tecla, no Rio Grande do sul; 1801, 13 de agosto - rendição do tenente-coronel D. Francisco Rodrigues, em S. Miguel 1801, 31 de outubro - capitulação do Serro Largo, na Banda Oriental, 500 espanhóis; 1817, 19 de janeiro - capitulação de Montevidéu; 1823, 30 de julho - capitulação dos portugueses do major Fidié, 700 homens, perto de Caxias, Maranhão; 1827, 9 de maio - rendição do regimento argentino do coronel Oribe.

Vejam que não relacionamos as vitórias em batalhas e combates, não computamos

os fortes e fortalezas tomados de assalto, não contamos entre os rendidos os mortos (daí, às vezes, o pequeno número dos rendidos). Quisemos, aqui, relacionar, apenas, as humilhantes rendições que impusemos ao inimigo, para que se não duvide da boa, senão excelente formação do nosso exército que combateu na Guerra do Paraguai. Nesta,

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também, dentro dessa mesma idéia, recebemos as seguintes capitulações do exército paraguaio: 1865,18 de setembro - rendição de Uruguaiana, Rio Grande do Sul, tenente-coronel paraguaio Estigarribia, 59 oficiais, 5.131 praças mais 300 retirados por nossos soldados antes de se assinar a rendição, 7 bandeiras, armamentos e munições, 6 canhões; 1868, 5 de agosto - rendição do resto da guarnição da fortaleza de Humaitá, que foi evacuada, e que se entrincheirou no Chaco, coronel paraguaio D. Francisco Martinez, 3 oficiais superiores, capelães, 95 oficiais subalternos, 900 praças válidas, 300 doentes e feridos. Em Humaitá deixaram 180 canhões, 6 estativas de foguetes, muita pólvora, bandeiras. Mais 6 canhões e variado material junto com os retirantes. 1868,30 de dezembro - rendição do forte de Angostura, tenente-coronel Thompson, inglês e Carrillo, paraguaio, 1350 homens, 45 bocas de fogo, 5.630 fuzis, 138 carabinas, 76 mosquetes, 900 baionetas, 319 espadas, 99 lanças, grande quantidade de munições. (18)

E, só para completar esta lista, depois da Guerra do Paraguai, estivemos operando na Itália, durante a 2a. Guerra Mundial. Lá impusemos ao inimigo uma rendição, também:

1945, 30 de abril - rendição da 148a. Divisão de Infantaria Alemã, remanescentes da 9a. Divisão Panzer Alemã e da Divisão Bersaglieri Itália; 2 generais; 14.779 homens; 4.000 animais; 2.500 viaturas (1.000 motorizadas); todo o material bélico orgânico de uma DI alemã. (19)

Tivemos o cuidado de somar, no dia a dia da Guerra do Paraguai, os números

relativos aos prisioneiros paraguaios, exceto os desertores que se apresentavam. O resultado é o seguinte:

- resultante das capitulações : 8.149 - feitos em combate : 12.074 - total : 20.213 - porcentagem do exército (20): 13,47% Daqui para a frente, o Autor vai fazer jorrar seu ódio contra o Brasil,

especialmente o Exército e a Marinha, disfarçando com ataques, por vezes, aos outros dois aliados. Ora, forças armadas capazes de impor ao inimigo 13,47% de rendição, nos seus efetivos globais, não podem ser de má qualidade. (Depois veremos como López

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tratava as mulheres dos que, sem a menor chance de sobrevivência, se entregavam). 42 - A Argentina honrou seus Compromissos com a Aliança Os grandes problemas argentinos da época foram gerados durante a revolução de

emancipação do Vice-Reinado do Prata. São problemas de toda a região platina, e, dos quais, o Paraguai não sofreu a ação por causa do seu isolamento.

Instabilidade política, o surgimento de caudilhos, as “montoneras”, a luta entre duas idéias políticas fundamentais: centralização do poder, com hegemonia de Buenos Aires versus autonomia das províncias. A instabilidade uruguaia também faz parte deste quadro, e somente o Paraguai livrou-se dele, em parte, pela herança jesuíta de forte disciplina, melhor caracterizada como submisão, e também, pela situação geográfica, que aproveitadas por uma trinca de tiranos, o isolaram.

Uma visão mais aguda da desintegração da América Espanhola, que está na base dessa conjuntura, nos dá o venezuelano Carlos Rangel:

“Em lugar de tentar integrar a América Espanhola em uma só grande confederação ou, pelo menos, dois ou três blocos regionais capazes de infundir algum respeito, semelhantes à Grã-Colômbia de Bolívar, os diferentes chefes que a maré da guerra deixa, ao retirar-se, não tem outra ambição que a de criar feudos pessoais. Nem um só deles vai colocar o poder norte-americano como problema, nem sequer sonhar que uma meta comum latino-americana deva explorar caminhos, para equilibrar o poder crescente dos Estados Unidos.

“Naturalmente, nem sequer Bolívar conseguiu o objetivo bem delineado de manter a unidade da Grã-Colômbia, é óbvio que nenhum sucessor seu que compartilhasse as suas idéias e a sua visão estratégica, tivessse-o conseguido tampouco. Mas, além disso, não é concebível que ninguém que não tivesse o prestígio de Bolívar tivesse podido competir, naquele momento, pelo poder, sobre a base de semelhantes idéias, e semelhantes preocupações. Por um momento, a inteligência e a vontade do Libertador podem fazer supor às chancelarias das grandes potências, que será preciso levar em conta a Grã-Colômbia como um fator ativo no destino do Hemisfério Ocidental. Grã-Bretanha, Estados Unidos e Holanda tomaram a sério o Congresso ‘Antificciônico’ do Panamá (instalado em 22 de julho de 1826) e enviaram observadores. E nesse congresso, as nações hispano-americanas participantes (Grã-Colômbia, Peru, México e América Central) concordaram em criar uma confederação “perpétua” para apoiar, juntas, sua soberania e independência contra toda e qualquer dominação estrangeira. Mas, tal convênio será letra morta de vez que não correspondia à capacidade real das antigas colônias espanholas, para executar um projeto, ainda que remotamente semelhante aos que haviam sido realizados com êxito, a partir de 1776, nas antigas colônias inglesas na América.

“Em lugar disso, os primeiros ‘caudilhos’, chefes militares de segundo escalão, surgidos - a maioria deles - no calor da guerra, da massa anônima de ‘pardos’ ou ‘suramullos’ (mesmo que em alguns casos, representantes sem grandeza da casta dos ‘criollos’), revoltando-se com os reinos como se tratasse de um despojo de guerra medieval. E, cada um desses homens é um ‘herói nacional’, tem suas estátuas e seu

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culto, na nação correspondente, cujo infortúnio - em todos os casos - contribui a edificar.” (21)

Tripudiar sobre a Argentina, como faz o Autor, é, portanto, mais que mera falta de sensibilidade para com o problema hispano-americano, é cegueira ideológica, como acontece em relação aos negros. Rebaixando e denegrindo tudo o que possa ter contribuido para a não realização do projeto de López, o Sr. Chiavenatto acaba se incompatibilizando com outras áreas normalmente cortejadas pela Revolução.

Mitre fez o que pôde para honrar os compromissos da Tríplice Aliança, mas não conseguiu alinhar o exército de 50.000 homens que seu ministro Elizalde havia anunciado. A parte mais substancial da sua força teve que ser desviada para combater as “montoneras”, que ainda infestavam os campos argentinos.

Quanto aos mercenários, era um costume daquela época contratá-los na Europa. Ora prestavam bons serviços, ora péssimos. Nós os tivemos no Brasil, logo depois da independência, e já vimos os danos que causaram na Corte. É interessante lembrar que o Paraguai também não escapou deles: todos os maquinistas dos seus navios eram ingleses, e sabemos de dois oficiais superiores estrangeiros que estiveram na guerra, do seu lado: o tenente-coronel inglês Thompson, já bastante conhecido nosso, e o coronel húngaro Wisner (22) engenheiro-chefe do exército paraguaio.

Quanto aos argentinos que teriam ido acorrentados para a guerra, é preciso cuidado com o que disseram certos jornais da época. No ardor das disputas políticas, a palavra acorrentado não deve ter sido usada no seu sentido próprio, mas querendo significar, muitas vezes, apenas a contragosto. Ocorre que os interesses locais, regionais, miúdos mesmo, predominavam constantemente na Argentina, que atravessava uma fase de consolidação nacional, sobre os interesses externos.

43 - Habilidade de Osório neutraliza Urquiza O caudilho de Entre Rios general Justo José de Urquiza, antes da guerra, trocava

cartas com Solano López. A ligação entre ambos data, provavelmente, da época da ditadura rosista em Buenos Aires. Urquiza manobrou, sempre, pela autonomia da sua província, e López, como vimos, esteve com uma divisão paraguaia em Corrientes, integrante do sétimo “exército libertador”, organizado contra Rosas pelo general Paz, dissolvido em 1846, “em virtude da desorganização e indisciplina que neles haviam ocasionado os hábeis manejos políticos de Urquiza.” (23).

Rosas só seria derrubado pelo nono “exército libertador”, como o chamou Beverina, com a decidida participação brasileira, com seus exército e esquadra. O comando dessas forças terrestres, que se chamou na Argentina o “Ejército Grande de la América del Sur”, foi de Urquiza, que entrou triunfante em Buenos Aires em 18 de fevereiro de 1852, desfilando, naquela capital, a divisão brasileira que tinha, pouco antes, no dia 3, cumprido brilhante papel na batalha decisiva, atacando no ponto mais forte da frente rosista.

Deflagrada a Guerra do Paraguai, por Solano López, Urquiza balança entre Buenos Aires e López. O melhor, para ele, teria sido ficar neutro. Mas, a situação

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geográfica não o permitia. Desta forma, Urquiza pesa vantagens e desvantagens e verifica que uma aliança com López seria desastrosa. Buenos Aires já lhe concedia o “status” de província com grande autonomia, o que satisfazia as suas ambições caudilhescas. Por outro lado, López tinha recursos limitados, por mais forte que parecesse naqueles primeiros instantes da guerra, e teria que acabar, fatalmente, derrotado pelo Império, e mesmo na hipótese de um triunfo lopista, teria que acertar contas com o ditador paraguaio, hipoteticamente vencedor. Pesou consideravelmente, também, a sua experiência com ambos os lados: assistiu à retirada paraguaia, sob o comando do mesmo López, sem disparar um só tiro contra as forças de Rosas e, depois, teve a glória de derrubar o tirano com a participação preponderante das forças brasileiras.

Urquiza decidiu, pois, ficar ao lado de Mitre desde lógo e, para demonstrar sua sinceridade, faz passar às mãos do presidente argentino uma carta que um mensageiro acabava de trazer do Paraguai, sem abrí-la.

Vamos aos cavalos. O fato é descrito por Calógeras, desta forma:

“Cuidou o Brasil de o tornar inofensivo. Urquiza, embora imensamente rico, tinha pela fortuna amor imoderado; o general Osório, o futuro marquês de Herval, conhecia-lhe o fraco e deliberou se servir dele: o exército brasileiro necessitava urgentemente de cavalhada, e Osório ofereceu ao chefe de Entre Rios comprar quantos animais fosse possível adquirir nessa província. Assim foi que cerca de 30.000 foram comprados por preço altamente remunerador, praticamente todos quanto Entre Rios podia fornecer; correspondia tal aquisição ao desarmamento do possível adversário, pois os entrerrianos, ótimos e admiráveis cavalarianos, não constituiam senão fraca infantaria. E por esta forma, Urquiza foi anulado como valor combatente.” (24)

E o Sr. Chiavenatto espuma de raiva da habilidade brasileira. Ora, o que vale mais, o dinheiro ou vidas humanas? Por outro lado, nós precisávamos, mesmo, urgentemente dos cavalos que naquele momento só Urquiza seria capaz de obter, e a lei da oferta e da procura elevou os preços. A alternativa seria permanecer sem cavalos, com a ameaça de Urquiza.

Tivemos vários proveitos num saco só.

44 - Os Exércitos Aliados avançam Já examinamos os problemas internos, argentinos e uruguaios, mais do que o

suficiente para não perdermos mais tempo com estes aspectos da obra da traição. O item é concluido pelo Autor, assim: “são esses três exércitos, com essa degradante formação moral, que vão lutar contra o Paraguai. Os resultados e a demora de decidir-se a guerra não poderiam ser outros.”

O que entende o Autor por “degradante formação moral”? Por acaso tem ele idéia do que seja a Moral, esse degradado Sr. Chiavenatto?

Em outro lugar, já tivemos ocasião de verificar como funciona a moral comunista: é bom tudo aquilo que favorece a sua revolução e, mau, o contrário, não importando os

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aspectos intrínsecos das coisas. Se, por exemplo, Urquiza se voltasse para uma aliança com López, seria louvado, mas, como não aceitou o convite paraguaio, foi um crápula que vendeu até a alma; se Washburn tivesse conseguido colocar os Estados Unidos na guerra, a favor de López, teria sido um brilhante diplomata, e não um corrupto; se os blancos tivessem vencido no Uruguai, este país seria citado como modelo de desenvolvimento político. E por aí vai.

O resultado da guerra, porém, nem o Autor pode escamotear. E este não poderia ser, mesmo, outro. O Brasil e seus aliados obteriam a vitória final, sobretudo porque combatíamos em uma guerra justa, e agradávamos a Deus por nossas ações humanitárias e cavalheirescas.

A demora correu por conta de todos os fatores já bem focalizados, dentre os quais a insuficiência de efetivos para uma devastadora ofensiva, no início, ao lado da falta de artilharia de sítio, para reduzir mais rapidamente as defesas paraguaias fortificadas, foram os destaques que temos que considerar. Acrescente-se que López passou, depois da invasão aliada, já retardada pelas dificuldades em se reunir os meios necessários, a empregar o expediente de retardar ao máximo o avanço de nossas forças, aguardando um armistício vantajoso, inicialmente, e depois, o colapso econômico aliado, que também não aconteceu.

45 - A Esquadra Brasileira causa Inveja a Todos O Brasil possuía uma esquadra composta de navios construídos para operar no

mar. As operações fluviais eram-lhes desvantajosas, particularmente em certas épocas. Quando os Rios Paraná e Paraguai baixavam suas águas, os canais se estreitavam e ficavam mais rasos. Nossos navios passavam a ter dificuldade, ou ficavam mesmo impossibilitados de manobrar. Quer dizer: a esquadra tinha que formar em coluna, um navio atrás do outro. Se, por acaso, o da frente encalhasse ou afundasse, dependendo da largura do canal naquele local, os de trás teriam o caminho obstruído. A vantagem de uma esquadra relativamente numerosa era anulada, assim, pelas águas. E ficavam as belonaves impossibilitadas de se apoiarem pelo fogo, mutuamente.

Outras considerações:

- era muito econômico e fácil para o Paraguai assestar suas baterias móveis nas margens dos rios, em pontos críticos para os nossos vasos, e disparar a queima-roupa sobre a fila de navios que desfilassem dando o bordo aos seus tiros;

- as fortificações permanentes de então eram taludadas de terra, barreira muito eficaz contra a artilharia da época; eram construídas em pontos escolhidos segundo as seguintes características:

- canal estreito e junto à margem fortificada;

- margem elevada, com bom comandamento sobre os navios, de forma que dela se atirasse de cima para baixo, enquanto os navios deveriam atirar de baixo para cima, as vezes até disso impossibilitados por ser o ângulo de elevação superior às características das suas peças;

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- de preferência numa curva fechada do rio, de modo a manter os navios mais tempo sob seus fogos;

- possibilidade de fechar o canal com correntes ou de entulhá-lo com pedras, navios afundados, etc.

- as operações fluviais teriam que ser coordenadas com as operações terrestres, para apoio mútuo, exigindo grande esforço de planejamento e entrosamento nas ações;

- somente o Brasil possuía uma esquadra. O único navio argentino somente foi usado como transporte.

O Paraguai teve a sua esquadra destruída pela nossa na batalha do Riachuelo, travada em 11 de junho de 1865. Os preparativos para o ataque à esquadra brasileira foram feitos sob a direção de López: seu pensamento foi reunir sob um só comando todos os navios de que podia dispor e jogá-los de surpresa sobre a esquadra de Barroso, que ele sabia permanecer estacionada abaixo da cidade de Corrientes.

López procurou tirar todo o proveito das características topográficas do local da batalha. Quis que as ações navais fossem secundadas com a máxima eficácia pelas suas tropas de terra. Mandou distribuir, sobre um canal estreito, 22 canhões. Ele julgava que os navios brasileiros iriam fugir e cairiam na armadilha.

Conseguiu o tirano reunir para a ação nove vapores e seis chatas artilhadas, rebocadas pelos navios, que viriam a mostrar-se de imenso efeito nesse tipo de operações, empregadas como se fossem baterias flutuantes. López preparou tudo com muito cuidado: proveu sua esquadra de munições e reforçou-a com 500 homens de infantaria, para serem empregados, sobretudo, nas abordagens.

Qual o plano de López para a batalha naval? Thompson nos informa que as ordens para os comandantes eram estas: “surgir em cima dos brasileiros ao romper do dia, passar de largo por eles e volver em seguida; cada vapor paraguaio deveria então colocar-se ao lado de um brasileiro e, descarregando contra ele toda a bateria e a da chata, saltar à abordagem e senhoreá-lo” o que foi confirmado por Centurión, que acrescenta: “a operação deveria verificar-se com toda a rapidez possível, de maneira que os navios inimigos não tivessem tempo de se pôr em movimento, nem de se preparar para o combate, e que os paraguaios ficassem em condições de lutar com brasileiros braço a braço, na certeza de que levariam sobre eles inconstestável vantagem.” (25)

Durante o deslocamento, o navio-chefe paraguaio, o Tacuary, teve uma avaria na hélice e foi deixado para trás. Foram encontrar a esquadra brasileira, fundeada em linha de escarpa, entre Corrientes e o riacho Riachuelo. Barroso tinha consigo nove navios, os demais estavam em locais diferentes.

A batalha, em linhas muito gerais, se desenrolou assim: pouco depois das oito horas, a Mearim, navio de vanguarda, içou o sinal de “Inimigo à vista.” Barroso ordenou sucessivamente: “Despertar fogos - Safa geral para o combate - Suspender - Bater o inimigo o mais perto possível - Atacar o inimigo, que a glória é nossa - O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever.”

Os paraguaios não lograram a surpresa, mas insistem em cumprir as ordens de López. A esquadra brasileira é a primeira a abrir fogo. A esquadra paraguaia do comandante Meza desfila ao lado da brasileira e vai esperá-la no local da armadilha. Barroso persegue o inimigo, trava-se um pesado duelo entre a artilharia paraguaia

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postada na margem e a nossa esquadra, alguma confusão, dificuldade de manobra, mas Barroso enfrenta a grave situação, com três navios fora de combate, tomando a decisão de usar a proa do seu navio como um aríete contra os barcos paraguaios. Afunda metade da esquadra de Meza e os restantes fogem, perseguidos pelos vencedores que lhes vão causando mais avarias. As 17:30 foi dada por terminada a perseguição. A batalha naval do Riachuelo estava ganha, graças à inspiração oportuna de Barroso e ao denodo dos brasileiros. Meza escapou com apenas quatro navios e uma chata.

A cena de regresso é pintada por Thompson: “O ‘Igureí’ apenas podia marchar muito lentamente; o ‘Tacuary’ navegava quase à sua retaguarda para protegê-lo (...) o “Iporá” parecia o navio que mais sofrera. Tinha perdido o mastro do traquete, toda a obra morta de proa estava destruída, tendo, além disso, o costado e as câmaras crivadas de balas; não obstante, era o que menos padecera. Todos os vapores tinham as chaminés despedaçadas pelas balas e alguns rombos no costado, porém a única avaria séria que receberam foi o rombo da caldeira do ‘Igurey’, que apesar disso, foi consertado em três ou quatro dias.” (Pelos ingleses do estaleiro).

Foi uma vitória completa. A esquadra brasileira ficou senhora absoluta dos rios. Todo o poder naval paraguaio tinha sido aniquilado.

Dai para a frente, o Brasil iria construir ou adquirir navios blindados, e os de madeira restantes receberiam couraças, mas os problemas decorrentes das características dos rios continuariam a existir, como antes.

Agora entra em cena a inveja argentina, isto é, da sua imprensa. Fez ela uma cerrada campanha de descrédito sobre nossa esquadra e os almirantes brasileiros. No fundo, eles gostariam (os jornalistas, não o povo e os militares) de ver os navios brasileiros encalhados, destruidos pelas baterias das margens, em louca arremetida em direção a Assunção, sem a coordenação necessária, com o avanço das forças terrestres. E está claro, isso interessava, também, a López.

Contudo, a visão, o equilíbrio emocional e o preparo profissional dos nossos almirantes mostraram-lhes os momentos certos para agir: primeiro, destruiram a esquadrilha paraguaia, quando esta afoitamente lhes ofereceu combate, com uma certa superioridade de meios, em Riachuelo; depois, iriam realizar a delicada operação anfíbia da invasão do Paraguai, em Passo da Pátria; prosseguiriam forçando as passagens das fortalezas em coordenação com o exército, e foi fator inconstestável de vitória ao limpar e manter limpos do inimigo os rios paraguaios.

À Marinha do Brasil coube a glória de chegar primeiro em Assunção, que bombardeou no dia 24 de fevereiro de 1868, apenas sobre objetivos militares: uma bateria de artilharia que recebeu a balaços a esquadrilha de reconhecimento brasileira, e que foi logo silenciada. Como não houvesse reação partida da cidade, apenas alguns tiros foram disparados sobre o palácio de López, cujo torreão ruiu com a bandeira paraguaia, e o arsenal.

Mas o Autor, para denegrir nossa brava marujada, e os seus chefes nunca vencidos, se serve até mesmo de Washburn, que ele mesmo qualifica de, no mínimo, víbora, e lhe merece todo um cáustico capítulo, o XIII, ao qual institulou: “As intrigas e subornos de Charles Washburn.”

Mais à frente abordamos o caso das fortificações paraguaias.

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46 - As Contradições do Sr. Chiavenatto Queiram os prezados leitores ler com atenção as conclusões do Autor referentes a

este item. Elas consubstanciam toda a sua obra até aqui. Se não pode, como gostaria, concluir pela nossa derrota, enumera uma lista de mentiras e meias-verdades e arremata, soberbo: “A guerra que se esperava rápida, arrasta-se por cinco anos.”

Agora, tiremos a nossa conclusão: se tivéssemos nos apresentado assim tão mal naquela guerra, e no final acabássemos, como acabamos, vencedores, imaginem o que não seria se tivéssemos sido melhores.

Continua o Autor, cego pela ideologia, a não enxergar que a contradição está com ele. Enquanto nós carregamos corajosamente nossas limitações (contradições, diz ele), e vencemos, López, com o passo acertado com a “história”, segundo seu advogado, iria morrer após ter destruído inutilmente uma nação.

Notas: (1) Cárcano, Op. Cit., Vol. I, p. 162.

(2) Bouthoul, Op. Cit., p. 96.

(3) Centurión, insuspeito, pondera com tristeza depois de resenhar a batalha de 24 de maio:

“Pobre soldado paraguaio! Com o seu valor e intrepidez, tratou de minorar, em todos os combates e na medida do possível, os erros do seu chefe, que o fazia lutar sem respeitar nenhum dos preceitos de guerra. Embora se cobrisse de glória em seu heróico empenho, sempre saía golpeado, como diz Thompson, por falta de proteção, isto é, de sucessão de esforços.”

Tasso Fragoso, Op. Cit., Vol. II, p. 463.

(4) 8 de março de 1865.

(5) Nota no. 1, p. 85, Vol. I, Op. Cit. de Schneider.

(6) Calógeras, Op. Cit., p. 286.

(7) Rio Branco, nota no. 1, p. 148, Vol I, Op. Cit. de Schneider.

(8) Idem, nota no. 2, p. 153, Vol. I, ibidem.

(9) A Retirada da Laguna, Visconde de Taunay, Editora Melhoramentos, 18a. Ed., S. Paulo, 1975, p. 95.

(10) Dionísio Cerqueira, Op. Cit., p. 121.

(11) Isto é, normalmente. Mas, temos registros de covardia dos soldados

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paraguaios. O próprio Dionísio, quando alferes do 4o. Batalhão de Linha, presenciou esta cena: “Vi, então, alguns oficiais inimigos darem de prancha nos soldados para que avançassem. Sempre há gente que ama mais a vida do que a honra.”

(12) Dionísio Cerqueira, Op. Cit., p. 122. López treinou uma equipe de espiões, chamados “bomberos”, que se infiltrava em nossos acampamentos e vigiava os caminhos para cortar a fuga de desertores paraguaios.

(13) Citado por Dr. Orestes Araújo, Sociologia da Guerra, Biblioteca do Exército Editora, Rio, 1959, p. 31.

(14) Documentos que servem para controlar os efetivos, diariamente. São elaborados pelo ajudante dos Corpos de Tropa, que consolida os mapas das sub-unidades, preparados pelos sargentantes e assinados pelo comandante.

(15) Vejam que a Lei fixava em 18.000 homens os efetivos e só existiam, de fato, 16.000. No pico, nossos efetivos no Paraguai iriam atingir, uma só vez, cerca de 60.000 e poucos homens. Isto, combinado com o fato de que ganhamos a guerra no Uruguai e, logo a seguir, no Paraguai, prova que não manipulávamos efetivos com soldados fastasmas. Senão, como explicar as vitórias?

(16) Alguns acabariam recebendo severos castigos como as pranchadas, ou seriam fuzilados por conta dos seus novos crimes. Ficou o ensinamento: as forças armadas não são casas de correção, embora possam, alguns malfeitores, se beneficiar da sua disciplina.

(17) Historia Militar Sul Americana, Guia do Candidato à Escola de Estado Maior, 1938, p. 90.

(18) Durante toda a guerra recolhemos prisioneiros e desertores paraguaios. É preciso acabar de vez com essa balela de que os guaranis de López não se rendiam. O total geral foi de 20.213 prisioneiros, fora os desertores.

(19) Apud O Brasil na II Grande Guerra, Ten Cel Manoel Thomaz Castello Branco, Biblioteca do Exército Editora, Rio, 1960. p. 456.

(20) Consideremos aqui o depoimento do general Resquin, que foi chefe do estado-maior de López, e diz que o efetivo paraguaio atingiu 150.000 homens, ou mais. Ficamos com 150.000.

(21) Do Bom Selvagem ao Bom Revolucionário, Carlos Rangel, Editora UnB, Brasilia, 1981, p. 83-86.

(22) François Wisner de Morgenstern, do Exército Austríaco.

(23) Tasso Fragoso, Op. Cit., Vol. I, p. 31.

(24) Calógeras, Op. Cit., p. 282.

(25) Apud Tasso Fragoso, Op. Cit., Vol. II, p. 82-93.

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Capítulo XI

LÓPEZ: A CRUELDADE QUE VEM DAS PROFUNDEZAS

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“...somente na destruição acho alívio para os meus pensamentos sem repouso”

Milton, o Paraiso Perdido. Cap. IX.

47 - A Crise Econômica não nos impede de ganhar a Guerra

Não temos nada o que esconder. O Brasil se encontrava face a uma das crises econômicas que assolaram o mundo no século XIX, quando López assaltou o “Marquês de Olinda” e invadiu o nosso território. Porém, a situação financeira do Império do Brasil, naquele momento, não era das piores.

Vamos novamente receber ensinamentos de Heitor Ferreira Lima:

“Devido à nossa inserção no quadro mundial como nação periférica, começamos a sentir sua interferência e reflexos. Assim, os movimentos cíclicos passaram a repercutir aqui, embora com intensidade variável, porém, de modo infalível. Tomemos os anos de crise na Europa e nos E. U. A., como 1847, 1857, 1864-66, 1873, 1882 e 1890-92. Verificaremos que elas se repetiam aqui quase que simultaneamente, embora por vezes com colorido diferente, em conseqüência da diversidade estrutural que as separavam. Os dois mais fortes abalos desse tipo que sofremos, foram os de 1857, com prejuízo calculado em 15.000 contos, elevando-se o número de falências de 49, em 1857, para 90, em 1858, e o de 1864, mais denso e elevado, com a chamada “quebra do Souto”, resultando em 95 falências só no Rio de Janeiro, além de outras em diversos Estados, sendo as perdas estimadas entre 65.000 e 70.000 contos”. (1)

Mas a “quebra do Souto”, ocorrida no ano em que o Paraguai nos atacou, e com a intervenção no Uruguai em curso, mesmo atingindo comerciantes e banqueiros particulares de forma acentuada, não impediu que a arrecadação do governo crescesse, como já vimos no Cap. IV.

Voltemos a Ferreira Lima:

“Tomando-se isoladamente o Segundo Império temos que, para uma receita de 766.333:678 $ houve uma despesa de 917.057:201 $, produzindo um déficit de 150.724:215 $ (2), o que representa considerável parcela, mesmo para um período dilatado de cinqüenta anos. Decompondo-se, porém, esse deficit, constataremos que ele foi de 64.965:698 $, ou 41,1% do total, no qüinqüênio 1865-1869, ou seja, os anos da Guerra do Paraguai, e de 38.631:733 $ no qüinqüênio 1875-1879, representando 25,6%, quando da grande seca do Ceará. Estes dois deficits somaram um conjunto de 80% do deficit geral do período em exame, isto é, o montante maior dos deficits orçamentários, e que quase sempre eram cobertos por empréstimos externos. Assim, para atender às despesas da Guerra do Paraguai contraimos um empréstimo de 6.936.000 libras em 1865, no começo das hostilidades, e no fim, em 1871, para cobrir os gastos deixados por aquele movimento bélico contraimos outro empréstimo de 3.459.000, ou seja, um global de 10.396.200 libras, além das emissões e empréstimos internos destinados ao mesmo fim.” (3)

Calógeras, já vimos, fornece o dado impressionante de 600.000 contos gastos com a guerra. (4)

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Gustavo Barroso nos apresenta o quadro, em moeda nacional, dos empréstimos do governo imperial no exterior:(5)

Datas

Rendimento Líquido

Juros Pagos

Custo Total

referido a 1888(*)

1865

1871

44.444.000$

26.521.746$

70.914.803$

25.823.122$

116.354.655$

39.256.413$

(*) Inclui juros, comissão, agência e selo.

donde se verifica que é altíssimo o valor da parte coberta pelas emissões e empréstimos internos.

O Autor pretende transmitir a informação de que a Inglaterra favoreceu o Brasil (e a Argentina) com empréstimos para que se fizesse guerra ao Paraguai. Nada mais falso, e é ele próprio quem pergunta: “Como é que um país que tem um quarto da sua renda como garantia das dívidas (superam sua capacidade de solvência), como o Brasil, à beira da bancarrota, consegue os empréstimos ingleses para comprar encouraçados, armas e sustentar uma guerra, depois de sair endividado da intervenção no Uruguai?”

Resposta: a capacidade de pagamento do Brasil, durante o Império, nunca foi ultrapassada. Ao longo dos anos, os empréstimos foram sendo resgatados. Conta-se que o genro de Nathan Rothschild recebeu, de presente de casamento, títulos da dívida brasileira, reputados como seguríssimos. Tanto não estávamos à beira da bancarrota que, além dos empréstimos externos, pôde o governo de Sua Majestade levantar, aqui mesmo, empréstimos internos e fazer emissão de moeda, sem causar inflação.

Sofríamos, como todo o mundo, nas garras do usurário internacional. Mas, nosso governo tinha fama de bom pagador, além de ser o Brasil gerador de crescentes riquezas. Assim, enquanto o barão de Penedo conseguia um empréstimo a tipo 88 (quer dizer: para cada 100 unidades recebia-se, na realidade, apenas 88, mas eram sobre os 100 que corriam os juros, etc.), o Marrocos, o obtinha a 85, a Itália a 74, o Egito a 84 e 82 1/2, o Império Otomano a 68, Portugal a 44 (!), a Venezuela a 63, o México a 63, a Bolívia a 88 e a França, que emanacipou os judeus com a Declaração de Direitos do Homem, durante a Revolução Francesa, a 66,30.

Quer dizer: não era um mau negócio emprestar dinheiro ao Brasil imperial, antes pelo contrário. E assim o foi durante todo o Império, não somente durante a Guerra do Paraguai.

O interesse da Inglaterra por essa guerra não pode ser medido, também, pelo reatamento das relações diplomáticas com o Brasil. Considere-se, desde o rompimento, a mediação do Rei da Bélgica, parente dos monarcas envolvidos na ruptura e, sobretudo, o elevado número de súditos ingleses residentes no Brasil e envolvidos no comércio. E

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os interesses da “City”? Evidentemente preponderavam e eram favoráveis ao reatamento. O suposto plano de destruição do Paraguai, por intermédio do Brasil, já foi devidamente desmascarado por sua falta de lógica, no início deste trabalho de refutação.

Está claro que a guerra acabou beneficiando o consórcio Inglaterra-capitais internacionais, seja pelos juros obtidos através dos novos empréstimos, seja pela venda de armamento e navios. Para nós, resultou em enorme prejuízo. E perguntamos: que espécie de procurador seria o Brasil para gastar tanto e nada lucrar com a procuração?

A viagem de D. Pedro II ao Sul não foi para assistir a “manobras” (exercícios militares). Foi à guerra onde poderia ir, dentro do território nacional, e chegou a tempo de receber a rendição de Estigarríbia e todas as suas forças.

As dificuldades econômico-financeiras do Brasil e da Argentina não foram resolvidas, mas se agravaram com a guerra. Nem D. Pedro, nem seus conselheiros, eram políticos ingênuos. A ruptura das relações diplomáticas com a Inglaterra incomodava a ambos os impérios, mas, seguramente, mais ao Império Britânico. Em Uruguaiana, o nosso Imperador recebeu os louros da vitória e as desculpas da Vitória (a rainha inglesa). O episódio é agradável à lembrança dos patriotas; só o Autor persiste nos seus ressentimentos de derrotado, e infeliz que é, não participa, por força da sua deformação moral, das vitórias de D. Pedro II.

48 - O Povo Paraguaio não merecia ser tão sacrificado

Volta o Sr. Chiavenatto a destilar veneno contra o ministro americano Washburn. Páginas atrás vimos porque todo esse ódio.

Vejamos o caso em outra versão, no dizer de Thompson, que se tornou, como Washburn, “persona non grata” ao tirano. Ambos foram testemunhas oculares do que relatam acerca de López, e insuspeitos pela manifesta má vontade para com o Brasil.

Assim, Thompson: “O Sr. Washburn apoiou López firmemente até o momento em que este começou as suas atrocidades em grande escala, o que só aconteceu em meados de 1868; desde o momento, porém, em que falhou a mediação do Sr. Washburn, López passou a vê-lo com maus olhos e a aborrecê-lo. Depois disto, muitas calúnias foram levantadas contra o Sr. Washburn, tanto pelos Aliados como por López, acusando-o de receber suborno de cada um dos lados. Não havia, sem embargo, nada por que suborná-lo, mesmo que ele desejasse ser subornado.” (6)

Washburn vivia do outro lado, em constante ligação com López, suas visitas de curta duração, e poucas, ao acampamento dos Aliados, não permitiriam que ele viesse a funcionar como nosso agente, tornando-se agente duplo, pois de López, abertamente, o era. Não sabemos que negócios ele estabeleceu com o tirano, mas não deve ficar nenhuma dúvida que, conosco, não tinha nenhum.

Passemos à imprensa aliada. É Cárcano quem nos relata: “As nações do Sul não crêem na guerra do marechal. A imprensa em Buenos Aires e no Rio de Janeiro tratam sarcasticamente da sua organização militar: ‘Chamou ao serviço (militar) todos os

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homens de 11 até 70 anos, quer dizer, as escolas e os hospitais. Vilarejos inteiros ficaram completamente despovoados e, em um deles só se vêem 27 mulheres e 5 velhos’. (A Tribuna, 5-IX-1865)”.

“Esta liberdade de imprensa desperta ódios profundos no Paraguai. Prossegue no lado aliado durante a guerra, apesar do estado de sítio (na Argentina). Permite-se a publicação do relato das operações, a crítica do comando. Divulga-se o movimento dos exércitos e as diversas situações da campanha, a conduta dos chefes e da tropa. Mesmo os oficiais são correspondentes ‘free-lancers’ dos diários metropolitanos. Causa considerável dano e desprestígio à Aliança, e o Paraguai, onde só existe reserva e silêncio, beneficia-se junto à opinião pública mundial. Os Aliados não utilizam a arma poderosa da imprensa. Abandonam-na às paixões individuais e ao pedantismo do próprio excesso.” (7)

Bem se vê que a liberdade de imprensa gera resultados diferentes. Em Buenos Aires, a caricatura de López e da sua guerra é obra da paixão. Pintam-no como um louco sanguinário, o que ele não desmentiria com os atos de crescente crueldade. No Rio, era explorado mais o seu plano de construir um império. Mas, nas duas capitais, a imprensa pecava pela falta de coordenação. Não foi empregada na ação psicológica dirigida ao público interno, nem como “livro branco”, destinado ao público externo. Cumpria, geralmente, três funções: informava sobre o desenvolvimento das operações; relacionava os mortos; e, fazia humor com a figura do ditador. Depois da guerra, publicou os relatos dos fatos deprimentes que foram se desenrolando aos olhos dos combatentes nos últimos dias: a fome, a miséria, a nudez. E, daí para a frente, passaria a merecer destaque a disputa diplomática que travariam os representantes do Brasil e da Argentina em torno das pretensões desta sobre todo o Chaco.

49 - López: Criminoso de Guerra e Criminoso Comum

Nas páginas anteriores, uma série de crimes comuns, cometidos por Francisco Solano López, foram referidos: extorções, apropriações indébitas, enriquecimento ilícito, etc., além de outros de conotação política: perseguições, impedimento de defesa a acusados, cerceamento da liberdade em todas as suas modalidades, etc., etc.

Vamos nos ocupar, agora, do criminoso de guerra. Seu advogado, o Autor, começa sua peroração atribuindo à diplomacia da tríplice aliança, e à imprensa, uma campanha de difamação contra López e suas tropas, cujos resquícios permaneceriam até hoje, no Brasil, no nosso modo de ver os paraguaios.

Em seguida, tece considerações sobre a natureza cruel da guerra, decorrente da sua própria índole. Imputa atos de crueldade para ambos os partidos beligerantes: “tanto os paraguaios, como os aliados, cometeram atos de extrema selvageria”. Refere-se à história, como “sempre escrita pelo vencedor” e às imputações feitas ao vencido. Justifica a crueldade, as explosões de violência extrema, como inerentes à própria guerra. Lembra um aspecto que não deve ser esquecido: os crimes de guerra.

Prossegue, dizendo ser difícil atribuir aos paraguaios os crimes de guerra que brasileiros e argentinos cometeram fartamente. Justifica a crueldade atribuida ao seu constituinte (sem procuração!) como uma defesa da própria disciplina do exército, e cita

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um caso de fuzilamento por motivo fútil. Declara: “não há nenhum crime de guerra que se possa imputar a Francisco Solano López”. Atenção para o palavreado do advogado: em seguida à frase de efeito, sobre a inocência de López, ajunta: “Quanto ao lado aliado são vários”. E passa a falar de uma ação de Bolívar, mandando fuzilar oitocentos prisioneiros, e justifica “historicamente” o libertador. O jogo de palavras tem por finalidade buscar um ponto de apoio em Bolívar para justificar a inocência que atribui a López, e, ao mesmo tempo, colocar os Aliados no meio dos criminosos.

A seguir, apela para a necessidade de uma “compreensão dialética”, entre o crime justificado pelas “necessidades históricas”, isto é, pela revolução comunista, e o crime de guerra em si, sem justificação face à mesma revolução.

Vamos esclarecer melhor: os marxista preconizam que a história encaminha o mundo, inexoravelmente, para o comunismo. Bastaria, portanto, aguardar o seu desfecho predeterminado, anunciado pelo genial profeta. Mas, como sabem que ficariam esperando para sempre, e nunca se realizaria a sua utopia, acrescentaram: porém, a revolução é a sua parteira. Daí, compreender dialeticamente significa justificar todas as ações cruéis, violentas, imorais, criminosas, praticadas em nome da revolução, sendo crime, ao contrário todas as ações que impeçam ou retardem o estabelecimento final da utopia comunista. Quer dizer, compreender dialeticamente é julgar sob o ponto de vista revolucionário, comunista, onde a regra é: o fim justifica os meios. E o fim, no caso, é tão ruim quanto os meios.

Assim, veremos, ao lado da tentativa de inocentar López, a tentativa de condenar os chefes aliados, dentro da mesma guerra. O primeiro agiu compulsoriamente, face a necessidades históricas (embora ele tenha morrido sem saber nada disto) e os últimos são meros criminosos de guerra, sem qualquer jusificativa para os seus atos.

Fosse precisamente assim, e o julgamento já seria injusto pelo uso discriminado de dois pesos, duas medidas diferentes para os mesmos atos.

Mas não foi assim: López praticou crimes, violou os costumes civilizados acerca da conduta da guerra, enquanto os chefes aliados agiram, dentro da violência inerente à guerra, segundo normas jurídicas já há muito constantes do direito internacional.

Matar em combate não é crime, pois o soldado que mata o faz em defesa da sua pátria e está, por sua vez, exposto, também, à morte. Mas, matar prisioneiros, seja por fuzilamento ou qualqur outro meio, inclusive por maus tratos e fome, é crime. Não importa que malabarismos dialéticos possam fazer os advogados, é crime.

Prosseguindo, o Autor se reporta às tradições de violência argentinas, ocorridas, nas suas guerras civis, levadas para o Paraguai.

É sabido que as paixões explodem com maior violência nas guerras intestinas, que se travam dentro de um ambiente de ódios fermentados, muitas vezes, pelo fanatismo partidário. Quando Sarmiento condena a violência fraticida com cores tão carregadas e, por vezes, reais, o faz com o propósito de livrar a sua pátria do flagelo da guerra civil interminável. Isto não significa que o soldado argentino vá agir no exterior, no Paraguai, da mesma forma.

Bouthoul, nosso conhecido especialista, ensina: “O combatente pode ser um conscrito, um mercenário, um voluntário ou, finalmente, um fanático. A dominante psicológica do conscrito é a resignação, que pode vir ou não acompanhada de firmeza,

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coragem, indignação, etc. O mercenário, que faz da guerra profissão, deseja exercê-la com o maior lucro e menores riscos possíveis. As guerras em que se enfrentam soldados profissionais são as que fazem menos vítimas, pelo menos entre os soldados. O caso do voluntário é mais complexo: para esse, sem dúvida, a guerra apresenta incontestavelmente uma atração, pois ele admite participar dela benevolamente. Mas esta não é um fim em si. O voluntário entra num conflito para defender uma causa. O verdadeiro voluntário é aquele que luta num conflito determinado, e depois retorna ao lar após a guerra, com o sentimento do dever cumprido.” (8)

O fanático, e infelizmente Bouthoul não o descreve, talvez por carecer de maiores explicações, no seu entender, vai ser encontrado justamente nas guerras civis, nas revoluções. O sangue que correu na Revolução Francesa, por exemplo, só viria a ser superado na Revolução Russa, depois na Chinêsa, no Camboja, em Cuba, na Africa e por toda a parte onde os fanáticos comunistas lograram algum êxito. Hoje em dia assistimos ao terrorismo internacional, forma requintada de fanatismo patrocinada pela ex-União Soviética, com apoio em certos governos revolucionários.

Como decorrência da formação profissional dos nossos dirigentes e chefes militares, e da própria composição das nossas tropas, com um predomínio de voluntários e recrutas (conscritos), fizemos uma guerra cavalheiresca. Chegamos a atender os feridos inimigos com prioridade sobre os nossos, e não é preciso dizer mais nada, porque: “Nas guerras existe um aspecto moral incontestável. Mesmo os pacifistas mais convictos não podem negar que a guerra exalta virtudes emocionantes e nobres: a coragem, o devotamento, a fidelidade, a amizade entre combatentes, a lealdade. A humanidade, em todas as suas formas de civilização, sempre teve consciência dessas virtudes éticas da guerra e lhe conferiu um apreço muito grande.” (9)

É mentira que as forças aliadas tenham introduzido formas de tortura e a degola no Paraguai.

E já que o advogado de López não apresenta provas da inocência de seu constituinte, apenas faz apelos irracionais a “necessidades históricas”, etc, vamos nós transcrever uma série de relatos insuspeitos de suas atrocidades, e não pretendemos ser exaustivos. Um processo contra o tirano teria, certamente, muitos volumes.

As atrocidades cometidas pelas tropas paraguaias também são da sua responsabilidade, seja por tê-las ordenado, seja por tê-las incentivado nas suas arengas, seja por não ter, nunca, tratado de coibí-las.

1. A série começa em Mato Grosso e no Rio Grande do Sul, com os saques, depredações, incêndios e maus tratos impostos à população civil. Já vimos, anteriormente, os relatos dos saques.

- De Mato Grosso, um número não conhecido de famílias foi levado para o interior do Paraguai, onde foram algumas pessoas assassinadas e todos sofreram privações e maus tratos. Os remanescentes foram libertados por nossas forças no final da guerra, em estado de completa decadência física e psicológica: Em Caacupé, libertamos 268 brasileiros, a maioria trazida de Mato Grosso, entre eles o frei Mariano de Baguaia, vigário de Miranda, que foi feito prisioneiro por ter protestado contra a profanação da sua igreja. Desse total, alguns eram oficiais do vapor Marquês de Olinda: Rondon, Coelho e Arouca. Em Bella Vista libertamos um grande número de famílias brasileiras, entre as quas se achavam a mulher e filha do desventurado guia Lopes (José Francisco), do episódio da Retirada da Laguna. Algumas senhoras das famílias

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libertadas se achavam completamente nuas: uma senhora brasileira, de Mato Grosso, seguia atada. É desnecessário dizer que, se não fossem os libertadores brasileiros, não só essas famílias brasileiras, mas 6.000 outras paraguaias, teriam perecido de fome. López havia ordenado que elas fossem reunidas e que seguissem com ele. (10)

2. A seguir, vamos encontrar as forças de López já todas reunidas no seu território, exceto as de Mato Grosso, cuja ocupação parcial prossegue. López realiza uma série de golpes de mão, com pequenos destacamentos, na margem direita do Paraná-Paraguai, onde estão se concentrando os Aliados para a invasão. Então, ocorrem mais crimes: “desembarcaram na estância do Iaapé, saquearam duas carretas de um vivandeiro francês e - diz Palleja - “assassinaram dois soldados brasileiros doentes, que tinham ficado para trás.” (11)

3. A guerra prossegue, com a invasão aliada. Nos combates alguns brasileiros caem prisioneiros, e um batalhão argentino, isto é, o resto que sobrou de uma ação despreocupada do seu comandante:

- “Que destino trágico o dos valentes amigos caídos prisioneiros das tropas do tirano! (o batalhão argentino do coronel Hoz) (...) as torturas mais atrozes, com os detalhes mais prolixos que a maldade humana pode inventar, os esperavam.” (12)

- “Os prisioneiros trazidos de Tuiuti foram colocados numa prisão feita especialmente para eles (...) a maior parte dos que lá ficaram morreu de fome e maus tratos (...)” (13)

- “Quando Mitre (em Curuzu) ordenou a retirada, deixando no terreno imenso número de mortos e feridos (...) López ordenou buscar armas e despojos; os paraguaios, além disso massacraram os feridos.”

- “Em sua parte oficial, o major Enéas Galvão, chefe da Comissão de Engenheiros, conta o seguinte: “Alguns feridos (em Curupaiti) que ficaram, por terem caído dentro do elevado matagal (...) o inimigo teve a barbaridade de matá-los e, no dia 24, tivemos que presenciar outra cena de selvageria que, como aquela, revela a sua ferocidade. Ao amanhecer daquele dia, principiaram a descer, passando entre os navios da esquadra, os cadáveres de nossos bravos, que não pudemos trazer por terem ficado encobertos, sendo a maior parte deles ligados por cordas dois a dois, e em completo estado de nudez.” (15)

- “Uma vez, um sargento negro trouxe nove cabeças de soldados aliados dentro de um saco e levou-as à casa de López, empilhando-as à porta. López mandou-as para a casa do chefe do estado-maior, onde foram empilhadas para serem vistas publicamente, tendo quase toda a gente ido vê-las. O sargento foi promovido a alferes porta-bandeira, e era o único oficial negro no exército paraguaio, mas López mandou-o, daí por diante, tomar parte em quase todos os combates, até ser morto; López livrou-se, assim, de ter um oficial negro.” (16)

- “ (...) com a rendição dos remanescentes da guarnição de Humaitá (...) O coronel Martinez estava tão fraco por falta de comida que mal podia falar, e se deitara para morrer de fome. A maioria dos homens não comia fazia quatro dias (...) por terem se rendido. Após tal fidelidade, todos foram declarados Sr. Chiavenattoes, e a esposa do coronel Martinez, que morava no quartel-general com Madame Lynch durante toda a guerra, foi lançada numa prisão, freqüentemente surrada, e, por fim, fuzilada.” (17)

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- Sobre a esposa do coronel Martinez, temos um relato mais minucioso: “Juliana Ysfran de Martinez era prima do ditador López. Em uma noite fria e tempestuosa do mês de agosto, nos dias da rendição do coronel Martinez, foi arrancada da casa de campo de Mme. Lynch, em Patiño-Cuê, e conduzida por uma escolta de cavalaria até a capital, distante oito léguas dalí. A pobre senhora teve de caminhar a pé durante toda essa noite, recebendo pranchadas sempre que desmonstrava sinais de cansaço. Chegou a Assunção descalça, com os vestidos rotos, cobertos de lama e ferida, ela que horas antes era ainda a amiga favorita e a companheira inseparável de Mme. Lynch. No arsenal foi algemada, e algumas horas depois seguiu em um vapor para S. Fernando do Tebicuari, onde foi interrogada pela 4a. comissão criminal, composta dos juízes capitães José Falcon e Manoel Maciel, e, por ordem de López, açoitada e torturada no chamado “cepo colombiano”, suplício muito mais atroz ainda que o “cepo uruguaiano”. Pouco depois, retirando-se o exército de S. Fernando para Vileta, esta senhora, diz o capitão paraguaio Goyburu: ‘fué conducida’ a pié, marchando dia y noche a la par de muchisimos otros réos y desgraciados prisioneros, que veniam bajo custodia, arreados como animales y con órden expressa de lancear o bayonetar a todo aquel que se cansara’. Em Vileta, Juliana Martinez teve de comparecer perante a 5a. comissão, de que era fiscal o mesmo Goyburu, ‘recomendandose al tribunal la prosecución de los tormentos, debiendo hacerse los castigos y seguisse los procedimientos de una manera oculta y con el mayor sigilo posible’. Goyburu declara que ele recebeu, então, ordem de López para ‘la diese de palos y bofetadas, le tirase del cabello e la maltratase con el mayor rigor hasta que confesase lo que se pretendia, asentado por escrito y de la manera mas minuciosa sus declaraciones.’ Essa mártir, cujo crime único era ser a mulher do heróico defensor de Humaitá, foi fuzilada no dia 21 de dezembro. A sogra do coronel Martinez (tia do ditador López), sofreu os mesmos tratos e foi também fuzilada.” (18)

4. Assim prosseguiam os maus tratos, as torturas, o chicoteamento, os “cepos”, como preparação para os lançaços, bainetaços e fuzilamentos ou degolas, tanto para os prisioneiros aliados, capturados em combate, ou civis trazidos das regiões por onde andaram os paraguaios, quanto para as famílias paraguaias dos seus militares que se rendessem na frente de batalha. Também aos estrangeiros chegou a onda de barbárie.

Enquanto os prisioneiros feitos aos Aliados, especialmente os brasileiros, sofriam tão bárbaro tratamento, ao mesmo tempo a propaganda lopista se encarregava de descrever os supostos crimes hediondos praticados pelos Aliados, especialmente os “negros” brasileiros, sobre os prisioneiros paraguaios; e a resistência das suas tropas era, também, estimulada, como vimos, pela condenação à morte de familiares dos seus que caiam prisioneiros: rendidos ou capturados, além dos desertores, todos como “traidores a la pátria!”

Naquele sistema opressivo, onde não havia a menor liberdade de informação, ou de contestação, era mesmo conveniente às pessoas acreditar em López. Mas havia um segmento mais ou menos fora de controle, os estrangeiros residentes no Paraguai, e um outro grupo, mais esclarecido que a massa do exército e o populacho, poderia, também, vir a causar embaraços à resistência até o ultimo paraguaio, decidida pelo tirano: eram os altos funcionários, os proprietários, incluindo no seu número seus próprios parentes. López arquitetou, então, uma suposta conspiração contra ele, cujo informante, pasmem todos, foi um simples corneteiro do exército e em cuja trama teria papel destacado o ministro americano Washburn, que conseguiu safar-se da situação e escreveu um livro altamente deprimente à memória de López. Já vimos algo a respeito e, a seguir, transcreveremos trechos de uma carta desse americano ao representante inglês em

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Buenos Aires, o Sr. Stuart, que revela aspectos interessantíssimos dessa fase terrível da história paraguaia. Não é a toa, repetimos, que o Autor tanto odeia Washburn e, por sua vez, é o insuspeito Thompson quem publica a tal carta. Ambos, Thompson e Washburn, malgrado suas deficiências de caráter, são, também, antipáticos ao Brasil e cometeram injustiças flagrantes contra o desempenho de nossas tropas, nas suas apreciações, não é demais repetir.

Vamos a Washburn, (in Thompson) portanto:

“Lamento informar a Vossa Excelência que quando deixei o Paraguai, a primeiro do corrente, quase todos os estrangeiros naquele país, inclusive vários compatriotas de Vossa Excelência, encontravam-se na prisão; e sendo eu a única pessoa fora do alcance do poder do Presidente López, parece-me ser meu dever dar toda a informação que possua. A menos que se tomem providências rápidas, não restará nenhum para contar a história do aniquilamento deles!

“O Sr. Washburn prossegue, então, (relatando) que quando os couraçados (brasileiros) passaram em Humaitá, Berges, o ministro do exterior, disse-lhe que a cidade (Assunção) recebera ordem de ser evacuada, a que o Sr. Washburn respondeu que não a deixaria. Muitas pessoas trouxeram-lhe seus valores para que ele os guardasse (19), pois tinham de partir imediatamente, e não dispunham de meios para transportá-los consigo. Várias outras obtiveram asilo na casa do Sr. Washburn, entre os quais o Dr. Carreras e o Sr. Rodrigues - este, ex-secretário da legação de Montevidéu; aquele ministro da República Oriental. Os funcionários da legação dificilmente se avistavam com quem quer que fosse, e quando algum estrangeiro lhes fazia alguma apressada visita, com permissão da polícia, tomavam conhecimento de que muitas pessoas estavam sendo enviadas à prisão, sem que ninguém soubesse o porquê.

“Em meados de junho, o cônsul português interino, Leite Pereira, refugiou-se na Legação, quando teve retirado o seu ‘exequator’. A 11 de julho o ministro do exterior, Benitez (José Berges estava metido a ferros, no acampamento do exército), pediu ao Sr. Washburn a entrega do cônsul, bem como, ao mesmo tempo, a expulsão da Legação, de todos os que não pertenciam ao corpo de funcionários. Ao saber disso, Pereira resolveu entregar-se e responder a quaisquer acusações, pois não tinha conhecimento de haver cometido crime algum. Logo que deixou a casa, foi preso e enviado a um acampamento militar, agrilhoado. Na manhã seguinte, o Sr. Washburn recebeu uma carta urgente exigindo que Carreras e Rodrigues abandonassem a casa a uma hora daquele dia. O Sr. Washburn disse-lhes que poderiam ficar ou sair, como quisessem, e os dois preferiram sair imediatamente antes que esperar e enraivecer López. Também foram mandados para o exército, em grilhões.

“Na mesma tarde, outra exigência foi feita: que os Srs. Masterman e Bliss fossem mandados embora; estes eram, no entanto, membros da Legação, pertencendo o primeiro ao serviço médico; e o segundo, tradutor. O Sr. Washburn recusou-se a entregá-los, mantendo-os consigo até sair do país, embora lhe tivessem sido enviado muitas cartas ameaçadoras.

“Ao deixarem a casa em companhia do Sr. Washburn para se retirarem do país, foram ambos agarrados e enviados ao exército, em ferros. Desde o tempo em que Leite Pereira entrara para a casa do Sr. Washburn, esta ficou sempre cercada por uma dúzia de policiais. A princípio o Sr. Washburn pensou que somente estrangeiros eram mandados à prisão, mas depois ficou sabendo ter chegado a Assunção um trem, à meia-

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noite, carregado de prisioneiros paraguaios, e que quase todos os homens na capital (Luque) - juízes, funcionários, guarda-livros, e todos, salvo o chefe de polícia, Benitez, e o vice-presidente - tinham sido mandados presos e agrilhoados para San Fernando. O Sr. Washburn prossegue, então, dizendo:

“Entretanto, qual a razão de tudo aquilo, ninguém em minha casa, acredito ainda firmemente, fazia a menor idéia. A correspondência publicada, no entranto, mostrará que em 18 ou 20 de julho, o governo suspeitou, ou fingiu suspeitar, de uma conspiração, alegando que o ex-ministro Berges era um Sr. Chiavenatto em conluio com o inimigo e que sob o meu selo oficial eu transmitira correspondência entre os conspiradores. Pareciam, a princípio, ter tanta confiança em implicar-me que começaram a publicar a correspondência; mas após receberem minha carta de 11 de agosto, na qual mostrei tantas contradições nas declarações feitas pelos acusados, provavelmente sob tortura, a publicação foi suspensa. Não estava, porém, na natureza de López mostrar qualquer magnanimidade, ou mesmo justiça, reconhecendo que fora induzido em erro por depoimentos falsos. Homens que o conhecem acusá-lo-iam antes de coragem comum do que de magnanimidade, e daquela ele não foi jamais acusado, a não ser pelo ‘Semanario’, do qual é virtualmente diretor. Durante toda esta guerra, López nunca se expôs a qualquer perigo pessoal; jamais, em nenhuma ocasião, se arriscou em qualquer batalha; e quando se encontrava no Passo Pucu, tinha uma imensa caverna, ou melhor uma casa, com muralhas e cobertura de terra de mais de vinte pés de espessura, da qual, por semanas a fio, não se aventurou a sair uma vez sequer. Ao mesmo tempo em que o seu jornal se enchia, ‘ad nauseam’ de relatos de López, intrépido e valoroso, a conduzir suas legiões à vitória, ele se deixava ficar, trêmulo em sua caverna, não ousando sair, com medo de que uma bala o alcançasse. Em determinada ocasião, há dois anos, estando López ao ar livre com o bispo e o estado-maior, uma granada caiu à distância de meia milha ou mais de Sua Excelência. Instantaneamente, o bravo López voltou-se e correu, como ovelha assustada, com seus assistentes atrás dele, inclusive o bispo, tendo este perdido o chapéu, ao fugir apavorado nas pegadas de seu chefe. (Este fato ocorreu a 19 de maio de 1866, perto de Passo Gómes).

“Não obstante, foi somente em agosto que ouvi falar, além da conspiração contra o governo, de que houvera um grande roubo no Tesouro Público (...) Tal descoberta, provavelmente, só se verificou meses depois da transferência da capital para Luque, pois, por volta do mês de junho, descobrimos que todos os estrangeiros que nos anos anteriores tinham ganho algum dinheiro, e que com toda a probabilidade possuiam quantias apreciáveis em suas casas, foram presos e enviados para o Sul. Entre estes encontravam-se ingleses, franceses, italianos, espanhóis, alemães e portugueses. O plano de López parecia ser o de apoderar-se desse dinheiro e, então, por meio de torturas e ameaças, extorquir, dos proprietários, confissões de serem conspiradores ou assaltantes do Tesouro. Na base de tais confissões serão provavelmente executados, segundo o princípio de precaução dos salteadores e outros assassinos de que ‘os mortos não contam histórias’. O modo por que López esperava escapar com o dinheiro assim obtido, é coisa que não sei. Talvez pense que alguma canhoneira de país neutro o retirará do Paraguai, no último momento, a ele e o que ele saquear. Mas deixo aqui avisado que este dinheiro não pertence a López. É propriedade dos cidadãos daquelas potências que têm forças para recuperá-lo e entregá-lo a seus legítimos donos (...) Até o último momento López hesitou se deveria manter-me prisioneiro ou não; não quer que lhe sobreviva ninguém capaz de contar ao mundo as suas atrocidades, e de todos aqueles cujas declarações foram feitas na correspondência ultimamente publicada, nenhum será permitido escapar, assim como nenhuma daquelas pessoas perante as quais

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foram feitas tais declarações, ou então que as fizeram sob tortura.”

Os seguintes extratos são de uma carta dirigida a López pelo Sr. Washburn, de bordo da canhoeira “Wasp”, quando se retirava do Paraguai:

“Antes de deixar finalmente o Paraguai, é meu dever apresentar solene protesto contra a prisão dos dois membros da minha Legação, P. C. Bliss e G. F. Masterman. A prisão dos mesmos, efetuada na rua quando procedentes da Legação, seguiam comigo para bordo do vapor, foi uma violação tão grosseira da Lei das Nações como se tivessem sido aprisionados em minha casa. Foi um ato não somente contra o meu governo, mas contra todas as potências civilizadas, e coloca o Paraguai fora do pálio das famílias das nações, e por este ato sereis considerado um inimigo comum, que não reconhece obediência à Lei das Nações.

“Sereis, também, considerado inimigo comum por ter capturado e feito prisioneiros, mantendo-os em grilhões, a quase todos os estrangeiros no Paraguai, tendo depois disso entrado em suas casas e levado o dinheiro deles, sob o miserável pretexto de que, encontrando menos no vosso Tesouro do que esperáveis, os que, no país, tinham algum dinheiro deveriam, conseqüentemente, tê-lo roubado do governo.

Houve, no Paraguai, uma troca de correspondência muito longa entre o Sr. Washburn e o ministério do Exterior; antes de ser concluida, Benitez, o ministro, foi também levado para o exército e fuzilado (foi o 2o, Berges, o 1o, teve o mesmo destino).

Sobre o assunto informa Thompsom:

“Entre os papéis de López, capturados em Ita Ivaté, em dezembro de 1868, há um livro contendo um diário das execuções, etc., relativas a essa pretensa conspiração; esta lista foi publicada e se encontra em minhas mãos. Não pode haver dúvida quanto a sua autenticidade e correção. Começa com o dia 19 de julho e termina a 14 de dezembro. Depois dessa data houve ainda execuções, mas não foram registradas no diário. São registrados os nomes de todos os indivíduos, e se a lista não fosse tão longa seria inserida aqui integralmente. Fiz, no entanto, o seguinte resumo:

‘Estrangeiros executados....... 107

‘Idem, ‘falecidos na prisão’... 113

____

220

‘Paraguaios executados......... 176

‘Idem, ‘falecidos na prisão’... 88

____

264

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‘Executados a 22 de agosto, cujas nacionalidades não foram expressas..................... 85

‘Falecidos na estrada entre San Fernando e Piquiciri.................................................. 27

‘Total das vítimas até 14 de dezembro..................................................................... ____

596’

“A lista é somente daqueles que foram declarados como mortos a golpes de baionetas, e um por golpe de lança. Entre os que estão relacionados como tendo morrido na prisão está uma senhora, dona Maria de Jesus Egusquiza. Três ingleses encontram-se entre as vítimas, sendo um deles o St. Stark, comerciante, e outro o Sr. Watts, que tão bem se portou na batalha do Riachuelo. Nesse documento, o Sr. Libertat, secretário da legação francesa e retirado pela canhoneira do seu país, está incluído como ‘enviado para a capital’.

“As pessoas que não queriam ‘confessar’ eram postas em torturas, com a cabeça abaixada e amarrada aos joelhos, e escorados em mosquetes. (Creio que o Sr. Masterman, que foi submetido a essa forma de tortura, tem um trabalho sobre o Paraguai, pronto para ir ao prelo). (20) Os prisioneiros eram também espancados, muitos até morrer, com laços e paus, e alguns tiveram as mãos esmagadas a golpes de malho. Tudo isso foi mantido em completo segredo, embora todos soubessem, mais ou menos, que muitas pessoas estavam sendo executadas. Os que são relacionados nessa lista como tendo ‘morrido’ na estrada de San Fernando a Piquiciri, foram prisioneiros que se cansaram e não puderam prosseguir. (A marcha foi de aproximadamente 120 milhas). Eram então levados para fora da estrada, para algum mato, e aí mortos a baionetadas.

“Muitos franceses e italianos que figuram neta lista, tinham cônsules no Paraguai, os quais estavam constantemente fazendo visitas a López e Madame Lynch, no quartel-general. A conduta desses cavalheiros tem sido, para dizer o menos, inteiramente inexplicável.

“Depois de deixar Angostura, encontrei um capitão que, a 27, fora feito prisioneiro e que disse haver ele próprio comandado o pelotão de fuzilamento que, no dia 21, executara o general Barrios, o bispo, Benigno López (irmão do ditador), o coronel Alén, a esposa do coronel Martinez (prima do ditador) e alguns outros. Essas execuções eram feitas às vistas das irmãs de López, então horrivelmente espancadas, sem que ninguém soubesse porquê, e enviadas em carroças para o interior do país. Num dos últimos dias, em Ita Ivaté, quando ainda restavam poucos desses prisioneiros, López passou a cavalo por onde se encontravam, e então dois deles, o Sr. Treuenfeldt, diretor do telégrafo, e o Sr. Taylor, mestre de obras inglês, suplicaram a López que os mandasse pôr em liberdade. López fingiu-se muito surpreendido de que estivessem prisioneiros e ordenou fossem libertados. Encontrei ambos, depois disso: estavam reduzidos a nada mais que pele e osso, e nenhum deles tinha a mínima idéia por que haviam sido presos. O capitão Seguier, que representara importante papel nas batalhas de Curuzu e Curupaiti, foi preso e torturado porque, nomeado inquisidor e mandado interrogar alguns prisioneiros, não encontrou culpa deles, e declarou-o. Foi também ele posto entre os prisioneiros, mas graças à sua excelente constituição física, sobreviveu

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até ser solto a 22 de dezembro, a fim de comandar a artilharia; mas foi ferido no mesmo dia.

“Há poucas dúvidas de que o objetivo de López, em tudo isto, era o de apoderar-se do dinheiro, público e privado, existente no Paraguai; e com isso, aproveitar a oportunidade de afastar ao mesmo tempo aqueles aos quais tivesse a mínima aversão. O roubo ao Tesouro era algo impossível de acontecer no Paraguai, exceto pelo próprio López, por causa dos múltiplos sistemas de espionagem sempre em funcionamento, especialmente nessa repartição. Depois de ordenar que todo o dinheiro público fosse depositado nos seus cofres particulares, e mais provavelmente enterrado em diferentes pontos do país, fez com que todos os que tivessem qualquer ligação com o Tesouro ou as repartições públicas, ou com a administração dos seus bens particulares, fossem levados para o exército e assassinados, e, assim, não resta ninguém vivo, a não ser o próprio López que tenha a mais remota idéia donde se encontra agora o dinheiro do Tesouro do Paraguai. Todos os comerciantes ou outros que possuiam dinheiro foram tratados da mesma maneira, e seus dinheiros e papéis foram apreendidos pelos agentes de López, e provavelmente enterrados em lugares conhecidos deles. O Sr. Stark tinha em seu poder o dinheiro de muitas pessoas, além do seu próprio. Foi todo apreendido e até mesmo algumas moedas de pouco valor, que a Sra. Stark levava consigo, lhe foram tiradas.

“Muito do dinheiro assim obtido foi, sem dúvida, levado para fora do país por alguns dos navios de guerra neutros que visitavam Angostura pelos fins de 1868. Entretanto, nem os navios ingleses, nem dos Estados Unidos realizaram quaisquer dessas transações. (21)

“Muitas senhoras encontravam-se entre os prisioneiros torturados, além das próprias irmãs de López. Sua mãe lhe fez outra visita em Ita-Ivaté, provavelmente para interceder a favor das filhas, mas ele parece não ter dado a mais leve atenção às suas súplicas.” (22) (Até aqui, Thompson. Os negritos são nossos)

Mais tarde, a mãe de López foi esbofeteada por um oficial paraguaio. Ao saber do ocorrido, o tirano comentou: “se foi assim, era merecido.”

Sobre os roubos, dispomos, também destas informações:

- “Oito soldados da marinha - conta Manuel Avila - levaram da casa de Mme. Lynch (durante a evacuação de Assunção), para este consulado (italiano) grande quantidade de ouro e prata selados.” (23)

- A mãe de López tinha em Itacurubi uma fazenda “em cuja casa se encontrou acumulada uma quantidade fabulosa de cálices, turíbulos, custódias, lâmpadas e outros objetos destinados ao culto divino, sendo alguns verdadeiras obras de arte. Estes objetos, todos de prata maciça, tinham sido, evidentemente, arrancados pelo ditador às igrejas do Paraguai para irem aumentar a fortuna particular da sua família.” (24)

- “Aí (Peribebuí, a 2a. capital para onde López transferiu a sede do seu poder depois de perder Assunção. A 1a. tinha sido Luque e a 3a. e última viria a ser Curuquaty, um simples povoado com choças de palha) foi por isso achado todo o arquivo público da República do Paraguai até o ano de 1868, inclusive a correspondência secreta de seu ministro de estrangeiros. Aí também caíram em nosso poder depósitos de farinha, erva-mate, vinhos de Europa em grande quantidade, caixões com roupas, numerários de diversos países, uma soma de papel-moeda do

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Brasil e outras coisas, como consta da parte que me dirigiu, a 26 do corrente mês, o chefe da Intendência, coronel Deschamps.” (25)

- Referindo-se ao ataque a Curupaiti diz ele (Thompson): (...) a perda dos Aliados não passou de 5.093 homens fora de combate, incluindo os pobres feridos que foram barbaramente assassinados, depois de saquear-lhes as algibeiras, onde encontraram libras esterlinas em abundância para trocarem em papel com madama Linch, que certamente nada perdera no câmbio.” (26)

Os paraguaios despiram os mortos e se vestiram com os seus uniformes. As libras eram provenientes do pagamento do soldo, feito na véspera. As praças recebiam uma vez por ano, daí a boa soma encontrada, digo melhor, roubada.

5. Mas, voltemos à retirada de López: após os acontecimentos de San Fernando e sua derrota frente a Caxias na série de vitórias retumbantes conhecidas com a “dezembrada”, López, que havia ordenado ao seu vice-presidente que reunisse no interior as forças remanescentes em Assunção e na guarnição de outros pontos, vai aproveitar-se do interregno entre a ocupação de Assunção e a saída de Caxias, até a chegada do Conde D’Eu, para organizar um novo exército e prosseguir sua deseperada resistência (ou já seria uma fuga?). Durante essas suas marchas a população de Assunção, em grande parte, e a do interior que consegue ir ajuntando, como num rodeio de gado, é obrigada a seguí-lo de nova em nova capital que vai estabelecendo, ao mesmo tempo em que essa gente (apenas mulheres, crianças e velhos imprestáveis) também vai sendo internada em acampamentos ou lugarejos. Novas suspeitas de traição são por ele levantadas, as marchas produzem cansaço invencível em muitos, a fome vai abatendo as forças de soldados e civis, tudo isto sendo motivo de condenação à morte, ou de simples execução sem maiores formalidades. Vejamos alguns trechos de alguns relatos:

- “Em San Estanislau, López (que “descobrira” um plano para envenená-lo) denuncia que o tenente Aquino, da sua escolta tencionava envenená-lo em combinação com outros oficiais. Começa então o tirano a aumentar o rosário das suas torpes atrocidades. Aquino, Montiel, Riveros, etc, são executados.” (27)

- “López a sete de setembro (1869) alcançara o arroio Capivari. Novos soldados suspeitos são lanceados.” (27)

- “No “plano de envenenamento” são cúmplices: Marcó, Bernarda Barrios, esposa de Marcó (general), Juana Carrillo (sua própria mãe, suas irmãs Inocência e Rafaela, Pancha Garmendia, cinco oficiais, etc.” (27) Em Iguatimi é executado Marcó. Acima deste ponto, López reúne seus generais e consulta-os se deve instaurar processo contra sua progenitora. O padre Maiz e Centurión optaram pelo perdão; Aveiro decidiu-se pelo inquérito. López protela sua decisão.” (27)

Já vimos que ela seria “julgada” e condenada.

- “Tendo sido acusado de se querer bandear, López manda fuzilar Romero. Pela mesma razão são executados Paez, o padre Vasquez, Ortellado e outros.” (27)

- “O López e os restos do seu exército retiravam-se para o norte do país pela picada do Caraguataí. O general Vitorino seguiu em sua perseguição, batendo-o no dia 18 em Caguiiuru. Antes das nossas forças chegarem à picada, encontraram-se com um

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quadro horroso, que encheu de indignação a soldadesca. Algumas praças, que, na véspera se tinham transviado, entre eles o bagageiro do Corte Real, hoje coronel honorário, jaziam com as mais horrendas mutilações, enforcados, na orla da mata sobre fogueiras, que lhes tinham carbonizado os pés.” (28)

- “Centurión por seu lado se refere às atrocidades que ele (Galeano) cometera antes da chegada de Câmara (general brasileiro) contra as senhoras da família Teixeira (mãe e filhas), descendentes de portugueses ou de brasileiros. Em vista de algumas declarações sumaríssimas, mandou lanceá-las.” (29)

- “O espetáculo mais lastimoso” - lê-se no Diário do Exército - “oferecia-se aí (Caacupé) aos olhares. Mulheres, crianças e velhos, cuja nutrição exclusiva era a farinha extraida da palmeira macaúba, apresentavam o aspecto de esqueletos ambulantes e haviam chegado ao último estado de fraqueza e anemia. Além disso, existia um imundo depósito de feridos e doentes, intitulado hospital, dentro do qual 600 infelizes respiravam o ar infeccionado pela putrepação de 30 cadáveres insepultos.” (30)

- “Quadro mais pungente para os corações brasileiros era a vista de 50 e muitos brasileiros estendidos nas varandas da igreja e em tal estado de abatimento, que alguns faleceram de emoção ao verem chegar os seus compatriotas. Quatro dias havia que não recebiam coisa alguma. Também a magreza era extrema; pareciam cadáveres, que não entes.” (30)

- “Setenta europeus, quase todos ingleses, vieram também buscar a nossa proteção. Em Caacupé, tinha López um arsenal, em que trabalhavam esses europeus.” (30)

- “Foi em Itanarami que ele ‘López mandou virem à sua presença algumas senhoras do grupo das ‘destinadas’ (famílias selecionadas por López como ‘Sr. Chiavenattoas’, que mandou internar nos confins do país) e, entre elas, Pancha Garmendia. Esta jovem paraguaia, de raras virtudes e deslumbrante beleza, era filha de um espanhol que morrera assassinado por ordem de Francia do modo mais injusto e cruel. A pouco trecho seguiu-o a desventurada esposa, deixando Pancha na triste orfandade, entregue à piedade de pessoas estranhas. Dizem que López a sequestrara seduzido pela sua beleza, mas fora sempre repelido. O despeito do ditador e quiçá os ciúmes de sua amante, Elisa Lynch, são provavelmente a origem do triste drama que vamos assistir.” (Vamos condensar o relato).

“Ela chegou ao acampamento dentro de um quadrado de praças armados, vinha a pé, conta o padre Maiz. A pobrezinha tomou-se de sobressalto divisando o tirano. Este, simulando cordialidade, convidou-a para a sua casa. Apareceu logo Elisa Lynch, que também a tratou fingindo sentimentos afetuosos. Convidaram-se para jantar. Depois foi conduzida à ‘maioria’, presa e incomunicável. Começam os interrogatórios e martírios, que findaram, como sempre, obrigando-a a confessar o crime (suposto envolvimento no ‘envenenamento’ de López). O tirano ordena o lanceamento de Pancha Garmendia.”

O comandante Antonio Barrios, que dirigiu pessoalmente o assassinato, descreveu-o deste modo a Hector Decond:

“Pancha Garmendia, convertida em um ‘Ecce homo’, por causa das feridas ulceradas que seu corpo apresentava desde a região cervical até as nádegas, feridas causadas pelos açoites que recebia durante a sua prisão, com pequenos intervalos, de dia e de noite, envolta unicamente com um lençol de pano criolo, todo sujo e manchado de

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sangue em conseqüência de lançaços, com os cabelos desgrenhados, levaram-na para ser lanceada. Não deu muito trabalho, pois mal a tocaram com as pontas das lanças caiu completamente inerte.” (31)

- “Também foram cruelmente lanceadas: Consolación Barrios, Prudencia Barrios, Bernarda Barrios de Marcó, Chepita Barrios, Rosaria Barrios e Oliva Barrios.” (31)

- “A 23 de dezembro (1864) decide (López) que sua mãe seja processada e escreve: “Sea interponiendo desde ahora para su tiempo todo mi valer en favor de mi madre y de mis desgraciadas hermanas aquello que la ley pueda aún permitirme.”

O que foi esse processo pode-se facilmente imaginar lendo as informações de alguns dos oficiais de López, notadamente do coronel Aveiro, que funcionou como juiz. Este não se pejou de confessar que deu na infeliz senhora “quatro golpes de sabre para moderá-la”. (32)

- “Diariamente manda López matar todos aqueles que por seu estado de fraqueza não podem ir procurar recursos de alimentação nas matas; assim é que em pouco tempo ele mesmo concluirá com aqueles que lhe restam; igual procedimento teve Caballero com aqueles que por fracos não podiam acompanhá-lo. Tendo saído do acampamento com 40 homens dos melhores que López tinha, só lhe restavam 23, os mais foram mortos no caminho.” (33)

- “No começo desse mesmo mês de junho o território inimigo afinal foi invadido pelo lado de Itapua pelo brigadeiro Portinho. O objetivo então do brigadeiro era o Tebicuari. Em marcha para o objetivo libertou 5.000 famílias. O inimigo que o havia deixado transpor o Paraná, recuava, assinalando a sua marcha com os mais infames atentados, levando a sua perversidade a degolar algumas famílias que o cansaço e a falta de meios privavam de acompanhá-lo em sua retirada.” (34)

- “Antes de mover-se de Conceição, teve o general (Câmara) de mandar bater um grupo da força derrotada do coronel Gomez que procurara refúgio nas matas, e agora tentava reunir-se ao marechal López. Essa gente praticou toda sorte de crimes e violências nas míseras famílias. Em poder destes malfeitores acharam-se jóias de ouro, produto dos saques.” (35)

6. Cabe um destaque para um fato ocorrido logo após a tomada do forte de Curuzu pelos Aliados, no início da campanha em território paraguaio:

“O marechal López irritou-se com a tomada de Curuzu, como se fosse dado a alguém resistir em tal posição a um ataque como o do 2o. corpo de exército, combinado com os fogos da esquadra (brasileiros). A posição de Curuzu era defendida por 3.000 homens. Sobre o 10o batalhão recaiu toda a fúria do marechal, porque fora informado de que ele se portara mal, abandonando a posição. Assim, mandou fuzilar vários oficiais e 64 praças.” (36)

Isto foi um dizima, isto é, 10% dos efetivos do batalhão foram fuzilados. Os antigos romanos tinham esse costume crudelíssimo, e López, na primeira oportunidade, sem maiores averiguações, tratou de usá-lo.

O libelo acusatório de López conteria muitos outros relatos e tipos de crimes. À medida em que o Sr. Chiavenatto for, no entanto, assacando outras calúnias contra o Brasil e seus vultos históricos, iremos apresentando outros relatos esclarecedores dessa inversão dos fatos e valores que o refutado impingiu à nossa juventude.

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Mas, já temos uma lista de crimes hediondos do tirano paraguaio que, pelo seu alcance, duração, número e valor das propriedades, mas sobretudo pelo número de vidas ceifadas com tão profundo sofrimento, sem o menor sinal de arrependimento pelo criminoso, só nos permite concluir que aflorou, no nosso continente, como uma ponta de um chifre brotado das profundezas, um filho dileto do príncipe das trevas. “Parece-me impossível que a maldade natural dos homens possa ser a fonte de todos estes fenômenos horrendos.” (37)

Notas:

(1) Heitor Ferreira Lima, Op. Cit., p. 258.

(2) ‘Os dados detalhados se encontram em Castro Carreira, História Financeira e Orçamentária do Brasil, p. 608.

Considerar que o Segundo Império recebeu volumosa dívida do Primeiro Império, resultante das despesas com a independência, sobretudo.

(3) Idem (1)

(4) Calógeras, Op. Cit., p. 288.

(5) Brasil Colônia de Banqueiros, Gustavo Barroso, Editora Revisão, 1a. reedição, Porto Alegre, 1989, p. 47.

(6) Thompson, Op. Cit, p. 178.

(7) Cárcano, Op. Cit., Vol. I, p. 210.

(8) Bouthoul, Op. Cit., p. 71.

(9) Bouthoul, Op. Cit., p. 75.

(10) Apud Bormann, Op. Cit., Vol. III, p. 74 e 84.

(11) Tasso Fragoso, Op. Cit., Vol. II, p. 334.

(12) Dionísio Cerqueira, Op. Cit., p. 258.

(13) Thompson, Op. Cit., p. 191.

(14) Idem, ibidem.

(15) Thompson, Op. Cit., pg. 152, N.T. no. 05, citado por Homero de Castro Jobim.

(16) Thompson, Op. Cit., p. 107.

(17) Idem, p. 223.

(18) Schneider, Op. Cit., Vol. III, p. 377, nota 66.

(19) O general Mario Barretto transcreve na sua obra citada, Vol. III, às p. LIV e LV, o ofício do ministro americano Washburn, datado de 5 de setembro de 1868, dirigido ao encarregado do ministério das relações exteriores do Paraguai, Don Luis Caminos, no qual relaciona os haveres deixados por diversas pessoas, quase todos

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ingleses, em seu poder, quando foram obrigados a evacuar Assunção. Consta da lista o nosso conhecido George Thompson, com um saco contendo 291 patacões, outro com 153 patacões, mais dois, com 70 e 181/2 libras, e 4 rolos com 41 1/2 libras, 400 patacões, 500 pesos e 10 1/2 libras, respectivamente.

(20) “Siete Años de Aventuras en el Paraguay”, por Jorge Frederico Masterman, ex-ajudante cirurjano del ejército paraguayo. É tradução do original inglês. Encerra dados curiosos sobre o Paraguai e informes pormenorizados das atrocidades de López, a que o autor escapou milagrosamente.”

(Nota bibliográfica de Tasso Fragoso, Op. Cit., Vol. V, p. 424). A tradução argentina é comentada por David Lewis.

(21) Engana-se Thompson, que deixou o Paraguai quando López ainda vivia, após a rendição de Angostura. O ministro americano que substituiu Washburn, o general Mac-Mahon, levou as grandes caixas com o tesouro roubado e, depois da guerra Mme. Lynch iria reclamá-lo em Londres.

(22) Thompson, Op. Cit.

(23) Tasso Fragoso, Op. Cit., Vol. III, p. 428.

(24) Idem, Vol. IV, p. 306 (Do Diário do Exército, sob o Comando-Chefe do Conde D’Eu). Os objetos foram, posteriormente, entregues ao governo provisório do Paraguai.

(25) Idem, ibidem, p. 319. (Os objetos tiveram idêntico destino).

(26) Bormann, Op. Cit., Vol. I, p. 242-243.

(27) História Militar Sul-Americana, Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio, 1938, p. 228-231.

(28) Dionísio Cerqueira, Op. Cit., p. 330.

(29) Tasso Fragoso, Op. Cit., Vol. IV, p. 238.

(30) Idem, idem, p. 327.

(31) Tasso Fragoso, Op. Cit., Vol. V, p. 139-141.

(32) Idem, ibidem, p. 141.

(33) Mario Barretto, Op. Cit., Vol. III, p. 101-102.

(34) Bormann, Op. Cit., Vol. I, pg. 216.

(35) Idem, ibidem, p. 125.

(36) Idem, Vol I, p. 216.

(37) Satan en la Ciudad, Marcel de la Bigue de Villeneuve, Editorial Nuevo Orden, Buenos Aires, 1965, p. 137. Do original francês: Satan dans la Cité.

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Capítulo XII

CRIMES DE GUERRA: O SADISMO DE SOLANO LÓPEZ

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50 - Os Aliados fizeram uma Guerra Justa. E Limpa!

Novamente o Autor investe contra o Tratado da Tríplice Aliança. Pretende, agora, caracterizá-lo como um “crime político”.

Já examinamos o Tratado suficientemente para verificarmos sua lisura:

- nenhuma de suas cláusulas contém qualquer menção a medida, ação ou modo de operar em desacordo com o direito internacional;

- as partes contratantes são legítimas: Estados soberanos;

- a causa é justa: os contratantes tiveram seus territórios invadidos; sua população submetida a maus tratos, seus bens particulares, assim como os pertencentes aos Estados, saqueados; igrejas violadas; morte e ferimento de pessoas; prisão e internamento em território inimigo de famílias e clérigos; atentados ao pudor individual e à honra nacional; apresamento de navios sem prévia declaração de guerra; tudo isto ocorrido no Brasil e na Argentina, enquanto que o Uruguai, das mesmas ações, foi ameaçado;

- a guerra foi contratada contra o governo responsável pela sua deflagração, e não contra o povo paraguaio, o que constitui um traço relevante do caráter humanitário dos contratantes;

- a previsão do desarmamento do inimigo, e da destruição de sua principal fortificação, encontra amparo no costume e se apoia na lógica da guerra: cumpre retirar ao inimigo o poder de voltar a guerrear por um considerável tempo;

- destinar as armas apreendidas e os troféus tomados em combate aos vencedores é costume corrente nos dias de hoje: pode-se contemplar, nos países que combateram na 2a. Guerra Mundial contra o “eixo”, por exemplo, troféus de guerra expostos em quartéis, praças públicas e museus. Temos, no Setor Militar Urbano em Brasilia, um belo exemplar do famoso canhão 88 alemão, e até há poucos anos, o navio-escola da Marinha do Brasil era o navio-escola alemão, que nos coube, na repartição da presa de guerra entre os aliados, no final daquele conflito. Mas, o nosso antigo inimigo - o governo paraguaio - também possui um belo troféu instalado em uma praça de Assunção, até hoje.

Graças a Deus, o troféu não provém da guerra que estamos considerando, mas daquele conflito que envolveu o Paraguai e a Bolívia na década de 30: a Guerra do Chaco, e trata-se de um carro de combate leve.

Gostaria o Autor, certamente, que os Aliados nada tivessem contratado entre si, e na melhor forma do direito, que é o que convém a povos civilizados. Gostaria, sem dúvida, que os Aliados, por força de um instrumento defeituoso prorrompessem em desavenças que, crescendo pela falta de uma base de entendimento entre eles, desembocasse num ruinoso conflito. Gostaria muito que a divulgação do Tratado, contrariando sua classificação sigilosa, desse margem, seja à condenações dos contratantes (especialmente do Brasil!), por parte das demais potências mundiais, seja ao desencadeamento de acusações mútuas entre os Aliados, e o seu conseqüente rompimento.

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Nada disto aconteceu, justamente porque o Tratado era um instrumento justo e muito bem elaborado.

No final desta refutação, ainda teremos ocasião de voltar ao Tratado para examinar as cláusulas economicamente desvantajosas para o Brasil, porém de grande sabedoria política.

Por outro lado, gostaria também, o Autor, que os Aliados tivessem feito a paz com López segundo as condições impostas pelo tirano, isto é, como condição “sine qua non” aceitar a sua permanência no governo do Paraguai, como ele propôs a Mitre e, depois, através de Washburn, a Caxias.

Ora, isto seria um absurdo. O tirano explicaria ao seu povo que tinha repelido o inimigo (e os seus jornalecos, o tempo todo, tinham noticiado vitórias explêndidas das suas armas), devido à covardia dos Aliados e à sua genialidade militar. A conseqüência teria sido o agravamento da sua tirania, com um culto à sua personalidade raiando à divindade e, certamente, a preparação da revanche, com o sofrimento renovado do povo paraguaio, mas, esta foi e teve que ser sempre a nossa preocupação: evitar novas devastações nas regiões fronteiriças do nosso território.

Agora, invertamos o nosso raciocínio. Por que López não renunciou? Por que não deixou o Paraguai pela “porta de ouro” que chegaram a lhe oferecer?

As respostas são a evidência dos fatos: porque não queria salvar a nação paraguaia. Porque julgava-se tão grande ao ponto de encarnar, em si, a própria alma nacional. Se tivesse que morrer levaria consigo a nação toda. Isto ficou bem claro, explícito, nas suas conversas com Washburn. E, talvez, dentre tantos motivos já levantados pelo Autor para o seu ódio ao americano, este seja realmente o único que lhe pesa: Washburn inverte a tese do genocídio que o Sr. Chiavenatto imputa aos Aliados (especialmente aos brasileiros).

E são os fatos, muito mais que a palavra de Washburn, que comprovam a existência de um plano criminoso, sadicamente executado, na mente criminosa de López.

Não se tem nenhum registro de que López tenha lastimado a perda de vidas em combate. Não homenageava seus mortos, nem visitava os feridos. A estes mandava de volta para a frente, mal conseguissem se pôr de pé. Mas tinha palavras duras para os sobreviventes, e não raro mandava matar seus próprios chefes e soldados.

O seu plano criminoso ocupou o lugar donde deveria surgir um plano de campanha. Este, ele nunca teve.

Mas, planejadamente, após destruir seu exército e sua esquadra, voltou-se para os funcionários civis, para as famílias (leia-se mulheres e crianças) e para os estrangeiros. Foi matando nas marchas forçadas, de pancadas, a bala, a pontapés, de fome, a sua própria gente. Paralelamente, ou pouco antes, ia se apoderando dos haveres das suas vítimas , planejadamente. Assim, saqueou tudo o que havia de valor e fosse transportável no Paraguai: Tesouro Nacional, ouro, prata, dinheiro de particulares, jóias, objetos de culto, nada escapou.

Cobriu seus crimes com a morte de quem deles pudesse contar a história, inclusive seus próprios parentes mais chegados.

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Mas, o Sr. Chiavenatto insiste nos “crimes de guerra dos Aliados”!...

E na falta de crimes reais, imagina esse “crime político” do Tratado. Ora, o termo “político” aí aparece apenas para iludir os incautos jovens, seus leitores. É como se fosse uma categoria misteriosa de crime, de conhecimento reservado aos iniciados na arte de ver a face real dos fatos, cuja revelação tem o poder místico de justificar todos os outros crimes menores que possam ser atribuídos a Solano Lopez. Ele sofreu um monstruoso “crime político”, logo, tudo o que fez para se defender, na verdade, nem crime é: apenas reação legítima...

E já que o Autor gosta dessas inversões, façamos uma, como exercício: suponhamos que os Aliados, ao invés de terem classificado de secreto o seu tratado, o tivessem divulgado amplamente, com cópia autenticada enviada ao ditador.

Suponhamos, também, que o seu Art. 6o fosse redigido desta forma: Os Aliados se comprometem solenemente a depor as armas sem consulta prévia entre si, não se importando que o atual governo do Paraguai se mantenha no poder; bem como se permitem negociar separadamente com o inimigo comum, a celebrar tratados de paz, trégua ou armistício, ou qualquer outra convenção que vise a suspender ou findar a guerra, desde que não seja através de um perfeito acordo entre eles.

E o Protocolo fosse assim:

1o - Que em conseqüência do Tratado de aliança, desta data, fica proibido demolir as fortificações de Humaitá, devendo os Aliados que as bombardearem reparar os danos causados e ajudar na construção de outras, de igual natureza, para o futuro, tudo de forma a permitir a fiel execução desse tratado;

2o - Que, sendo uma das medidas necessárias para garantir-se a paz com o atual governo do Paraguai deixá-lo bem armado, com todos os elementos de guerra, todo o armamento aliado, após esta iníqua guerra, por eles movida, será entregue ao governo paraguaio;

3o - Fica absolutamente proibido tomar troféus e presas ao inimigo; pelo contrário, as bandeiras e peças dos exércitos aliados ser-lhe-ão entregues, após os devidos pedidos de desculpas, etc.;

4o - Entretanto, ficam os chefes aliados proibidos, também, de promover reuniões para combinar qualquer assunto que seja, considerando serem tais ações contrárias à confiança que devem gozar da parte do inimigo.

Bem, passado o sorriso que nos causa o absurdo da situação, mas que põe a nu as verdadeiras motivações do Autor, convém lembrarmo-nos de que os “crimes contra a humanidade” foram cogitados após a 2a Guerra Mundial, para servirem de base para o enquadramento penal, nos famosos “processos de Nüremberg”.

O assunto é tratado por Soler da seguinte maneira:

“Os delitos do direito das gentes. Constituem esses delitos, especialmente os crimes de guerra, um caso de interesse peculiar no moderno direito internacional material.

“Os delitos contra o direito das gentes (‘delicta juris gentium’) são atos criminosos contra as normas do direito internacional público. Podem ser cometidos por

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oficiais ou soldados rasos, por iniciativa própria, como no caso de maus tratos inflingidos a prisioneiros ou feridos, saques e demais excessos criminosos. Podem outrossim, ser cometidos em obediência a ordens superiores. (1)

“A noção de crime de guerra (‘War crime’), conhecido no direito das gentes, foi, subitamente, ampliada nos processos após a segunda guerra mundial. Estendeu-se, então, este conceito também a casos até então desconhecidos no direito internacional positivo: crimes contra a paz (‘crimes against peace’) e contra a humanidade (...)

“A base jurídica dos processos de Nüremberg é o Acordo de Londres de 8 de agosto de 1945. O alcance jurídico deste documento é discutível, havendo por conseguinte, opiniões contraditórias sobre a legalidade dos processos de Nüremberg contra os criminosos de guerra.

“Uma posição de meio-termo assumiu o próprio Tribunal Militar. Afirma ter aplicado, simplesmente, o direito das gentes, e ter julgado em nome da Justiça Internacional, sendo o Acordo de Londres apenas a codificação deste direito já existente para poder mais facilmente apanhar os criminosos. Esta posição, porém, não está isenta de objeções, pois o direito internacional positivo não conhecia como crime muitas das ações que se assacavam contra os acusados. Parece, pois, que sem a noção de Direito Natural Internacional não se pode chegar a uma solução jurídica satisfatória.” (2)

E é no Direito Natural Internacional que se baseia o Tratado da Tríplice Aliança e seu Protocolo anexo, bem como todas as ações de guerra e de pós-guerra praticados pelo conjunto dos Aliados, em particular o Brasil.

Muito embora a noção de crime de guerra só viesse a ganhar corpo com a celebração das convenções de Genebra, a justiça militar brasileira punia, com rigor, os crimes praticados no Teatro de Operações, capitulados na legislação militar pertinente.

Mas não julgamos os prisioneiros inimigos. Estigarríbia, por exemplo, que comandou o saque a diversas cidades brasileiras da fronteira do Rio Grande do Sul, caiu prisioneiro, foi internado na Ilha de Santa Catarina e lá viveu, recebendo soldo e alojamento, em regime aberto, até o final da guerra, na mais perfeita tranqüilidade.

Se não podemos fazer retroceder as atuais convenções internacionais para enquadrar Solano López (e sua memória) nos códigos atuais, não nos esqueçamos, no entanto que, mesmo naquele tempo, ele foi criminoso enquadrável nos códigos vigentes e punível pelo Direito Internacional. Não importa a qualificação dos seus delitos como crimes comuns, crimes militares, crimes de guerra, ou crimes contra a humanidade. O fato é que ele os cometeu todos e, se tivesse caido prisioneiro, poderia ter sido julgado e condenado à pena capital, com absoluta correção jurídica.

51 - A Legião Paraguaia contra López

Vamos separar os fatos embaralhados pelo despeitado Lopacher, e assim aproveitados pelo Autor com o propósito de denegrir os Aliados, “especialmente” os

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argentinos”, desta vez, mas ressalvando: “se bem que os brasileiros não são inocentes dela” (política aliada): 1o fato - a existência de uma unidade formada por paraguaios e denominada “Legião Paraguaia” e, 2o fato - o emprego de prisioneiros paraguaios em ações de combate.

A Legião Paraguaia foi organizada com base no Art. 7o. do Tratado da Tríplice Aliança:

“Não sendo a guerra contra o povo do Paraguai e sim contra o seu governo, os aliados poderão admitir em uma legião paraguaia os cidadãos dessa nacionalidade que queiram concorrer para derrubar o dito governo e dar-lhes-ão os elementos necessários, na forma e com as condições que se ajustarem.”

Os paraguaios que se encontravam exilados na Argentina organizaram-se em uma unidade combatente, sob o comando do coronel Iturburu e se apresentaram voluntariamente a Mitre. Passaram, então a integrar o Exército Argentino, com a denominação já referida, com comando próprio e diretamente subordinados, com outras unidades especiais argentinas, ao quartel-general.

Segundo Beverina, no mês de abril de 1866, seu valor era o de um regimento de cavalaria.

Garmendia nos informa que, na batalha de Tuiuti (24 de maio de 1866), a Legião Paraguaia integrava a ordem de batalha argentina como tropa do quartel-general, e assim participou da ação, sob o comando do coronel paraguaio Baez.

Thompson narra a cilada que o ditador López prepararou para aprisionar estes paraguaios que combatiam contra ele. Isto foi durante a conferência que teve com Mitre em Yataity-Corá. Aproveitando-se da trégua de fato estabelecida para a conferência, colocou oficiais em contato com os seus compatriotas da “Legião”. Combinaram entre si que, no dia seguinte voltariam a se encontrar e, nessa ocasião, vieram preparados e prenderam dois desses legionários, de surpresa. López mandou matar os dois, chamados Ruiz e Surian, com açoites.

Em 27 de novembro, Caxias deu conhecimento a Osório que uma reação contra López estava acontecendo no Rincão de Guaçupi-Terei, liderada pelos tenentes paraguaios Otorburi e Paiva, e que disto soube por ter sido informado pelo comandante da “Legião”, que recebera pedido de socorro dos sublevados.

No dia 8 de agosto de 1868, 20 paraguaios da “Legião” integraram um destacamento de reconhecimento da região de Pedro Gonzáles, que regressou sem encontrar o inimigo.

Nas memórias do general argentino Donato Alvarez consta o informe de que seu regimento (ele era coronel comandante do regimento San Martin) ficou de observação na linha do Piquiciri no dia 21 de dezembro, junto com ele a cavalaria oriental e a Legião Paraguaia.

Após a ocupação de Assunção, os exércitos aliados se reorganizaram. Os argentinos, então sob o comando do general Emílio Mitre, enquadravam a “Legião”, que contava com 800 homens.

Em fins de março de 1869, e só então, os Aliados entregaram à “Legião” a bandeira paraguaia, a fim de que a desfraldassem ao lado das da aliança. A idéia partiu

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da Argentina, em ofício datado de 20 de fevereiro daquele ano e oriundo de Buenos Aires, assinado pelo ministro das relações exteriores argentino, Mariano Varela, e dirigido aos governos aliados. É interessante conhecê-lo:

“O governo da República Argentina, que, no correr da guerra do Paraguai tão cheia de azares, tem mantido inalterado o propósito, também alimentado, firmemente, segundo creio, pelos governos aliados, de restituir ao povo paraguaio, à custa de seus sacrifícios, o direito que lhe arrebatara a tirania antiga e tenaz que está próxima a desaparecer, crê chegada a oportunidade de promover por todos os meios que a política e a justiça põem ao seu alcance, a reconstrução da nacionalidade paraguaia (...)

“Nesta inteligência o meu governo, considerando que a Legião Paraguaia, cujos serviços aceitou em 1865, e que afrontou todos os perigos e fadigas de quatro anos de campanha, engrossa diariamente suas fileiras pelo concurso espontâneo de numerosos cidadãos do seu país, que vêm por amor da liberdade a compartir com ela o seu esforço, julgou conveniente conceder-lhe o uso da sua bandeira nacional (...)

“Convido, pois, V. Exa. a dar iguais instruções ao general de sua nação, e estou convencido de que deste acordo resultarão grandes vantagens à mesma aliança e ao povo cujas legiões ela tem tido de combater sem ódio, porque seguramente não o merece um povo mártir da depressão moral e da influência criminosa de um tirano.”

O governo oriental e o do Brasil responderam aquiescendo à proposta argentina, deram as instruções devidas aos seus generais e estes, em conjunto (estavam no comando-chefe dos respectivos exércitos os generais Guilherme de Souza, brasileiro; Emílio Mitre, argentino, e Henrique Castro, uruguaio) dirigiram um manifesto ao povo paraguaio.

Segundo o Diário do Exército, ao assumir o comando-chefe das forças brasileiras o marechal Gastão de Orleans, Conde D’Eu, a Legião Paraguaia contava 500 homens.

A 22 de maio desse ano, o general argentino destacou dois esquadrões da “Legião” para cooperar com os brasileiros. O Conde D’Eu mandou que se incorporassem à vanguarda.

No dia 29 de maio de 1869, o ditador López protestou, através de uma nota enviada por um parlamentário, contra o uso da bandeira paraguaia pela “Legião”. O Conde D’Eu com moderação, porém firmemente, limita-se a informá-lo que o uso da bandeira paraguaia se explica pelo fato de não ser feita à nacionalidade paraguaia a guerra dos Aliados, e protesta contra a afirmação de nunca se terem respeitado os prisioneiros paraguaios. A verdade é precisamente o contrário. O tratamento deles contrasta com o que recebem de López os Aliados que lhe caem às mãos. López replicou a 3 de junho: insiste no protesto, desenvolvendo a sua argumentação. Ataca os Aliados. Eles têm procurado, desde o começo, transformar a presente guerra em luta civil. Com esse intuito congregam com lisonjas poucas dezenas de homens nascidos no país, mas que vivem fora dele e lhe são quase estranhos. Subornam com dinheiro os desertores ou forçam os prisioneiros a empunhar armas contra a sua própria pátria. E fecha a nota com bravatas.

Os aliados respondem coletivamente a 12 de junho: recusam-se a satisfazer as exigências de López. Quanto às ameaças contra os prisioneiros, que faz López, declaram que já sabem como são tratados os súditos da aliança que cairam em poder de López antes e depois de declarada a guerra. “A grande maioria deles” - concluem os

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chefes - “torturados uns, fuzilados e lanceados outros, jazem desde muito na eternidade, e os generais aliados têm a triste conviçção de que os que existirem, se alguns existem ainda, irão brevemente reunir-se àqueles mártires, qualquer que seja a solução que pelos mesmos for dada a esta questão, e informam que o assunto foi levado ao conhecimento dos governos aliados.

Provavelmente, Ulrich Lopacher, em quem o Autor se apoia, retirou seus despeitados escritos da réplica de López, que queria transformar a guerra em forum de debates, na falta de argumentos bélicos.

De qualquer forma, o uso da bandeira paraguaia pela “Legião”, como de resto todo o Tratado, encontra amparo nos costumes da guerra. E o que se pretendia era justamente o que ele temia: a vista do pavilhão tricolor tremulando entre as bandeiras aliadas haveria de estimular as capitulações e adesões à causa aliada. Entretanto, a fome e a visão dos crimes hediondos do tirano produziriam muito mais deserções e rendições do que a atração da bandeira assim conduzida.

No dia 25 de julho seguinte, a “Legião” passou a operar associada ao Exército Brasileiro, integrando o seu 1o Corpo, de Osório e entra em ação no cerco de Peribui, a 12 de agosto, com a divisão de Vasco Alves, que cobre a retaguarda e o flanco direito do dispositivo. É o próprio Vasco Alves quem relata: “Na esquerda a Legião Paraguaia guardando e protegendo a artilharia e a infantaria que se achavam colocadas em frente à estrada que vai para a praça.”

A fuga de López para a cordilheira, após ser derrotado ao norte do Piquiciri, a ocupação de Assunção, no princípio de janeiro de 1869 e a libertação de grande parte do território paraguaio da tirania lopista, geraram a necessidade de se estabelecer um governo no país. Duas opções se ofereciam: constituir um governo militar aliado ou favorecer a instituição de um governo provisório paraguaio.

A segunda opção foi a preferida e contou, também, com a adesão da “Legião”, (3) que vai auxiliar na perseguição ao tirano fujão até o final.

Entretanto o governo provisório, um triunvirato eleito por 21 eleitores escolhidos livremente pelos paraguaios interessados, contudo contigenciados pelas circunstâncias, tomou posse no dia 15 de agosto de 1869, com todas as formalidades de praxe e prestigiado pela presença dos representantes plenipotenciários dos governos aliados.

Dois dias depois de assumirem suas funções, expediram os triúnviros um decreto que, na sua concisão, traduz plenamente o sentimento do povo paraguaio naquele momento. Importa transcrevê-lo na íntegra:

“Considerando:

“Que a presença de Francisco Solano López no solo paraguaio é um sangrento sarcasmo à civilização e patriotismo dos paraguaios;

Que este monstro de impiedade perturbou a ordem e aniquilou a nossa pátria com os crimes que tem perpetrado, inundando-o de sangue e atentando contra as leis divinas e humanas, com espanto e horror, excedendo aos maiores tiranos e bárbaros de que fazem menção as histórias de todos os tempos e idades;

“Resolveu e decreta:

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“Art. 1o - O desnaturado paraguaio Sr. Chiavenatto Francisco Solano López fica fora da lei e para sempre banido do solo paraguaio como assassino de sua pátria e inimigo do gênero humano.

“Art. 2o - Publique por bando e insira-se no registro nacional, aos dezessete dias do mês de agosto de 1869, ano 1o da libertação da República do Paraguai.

“Cirilo A. Rivarola

“Carlos Loizaga

“Jose Dias de Bedoya.” (4)

Ainda nos resta examinar o 2o fato, qual seja o emprego de prisioneiros em combate.

É o próprio Resquin, chefe do estado-maior de López, que após ter prestado um depoimento verdadeiro e muito útil à História, quando caiu prisioneiro, quem volta anos mais tarde, despeitado por não ter logrado êxito na sua aspiração ao governo do Paraguai, com um livro, que intitulou “Dados históricos da Guerra do Paraguai”, desdizendo grande parte do seu depoimento. Mas, contudo ainda se conserva verdadeiro, e se torna insuspeito, quando afirma:

“Los hijos de la nación paraguaya, que les tocó la suerte de caer prisioneiros, bajo la bandera del Brasil, nunca olvidarán la generosa y benevola atención del pueblo brasileño.” (5)

O Brasil, felizmente, absteve-se de incorporar às suas tropas os prisioneiros paraguaios. Não seguíamos a tradição dos caudilhos platinos que disputavam o poder entre si, incorporando o bando vencido (o que era um expediente mais humano do que a sua eliminação, e possível entre membros de uma mesma nação, apenas desavindos por questões políticas). Já vimos que destino tomavam e como eram tratados.

“O general Flores, no entando, ‘adotou o sistema de incorporar ao exército uruguaio os prisioneiros e, depois de encher o seu batalhão com eles organizou outro novo, de 500 praças, somente de paraguaios. O senhor sabe o meu modo de pensar quanto a este assunto. Não creio conveniente, nem regular, obrigar os prisioneiros ao serviço, nem encher com eles os nossos batalhões’; escrevia Mitre a Marcos Paz, em 4 de outubro de 1865, ‘porém julguei sempre que se pudesse admitir em nossas fileiras até 10 ou 15% deles, na qualidade de voluntários, e posso asseverar-lhe que, de fato, não há gente mais desejosa de ingressar em nossas fileiras do que os paraguaios, pois se oferecem espontaneamente para isso.” (6)

O argentino Pallejas, entretanto, registrou no seu diário: “cinqüenta e um prisioneiros foram destinados ao corpo pelo Exmo. Sr. General-em-Chefe. Pobre da minha querida bandeira, confiada a semelhante gente!”

“O coronel Palleja é designado para integrar a vanguarda, a cargo de Flores, que no dia 15 de dezembro de 1865 estava em marcha. ‘Palleja, desanimado com a fuga incessante dos paraguaios, propôs desarmar os restantes e tratá-los como a verdadeiros prisioneiros. Chegando ao acampamento, executou a idéia.’ Flores desistiu de incorporar prisioneiros ao seu exército.” (7)

Nessa fase inicial da guerra, nem mesmo Osório escapou do “voluntário-

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prisioneiro”. Teve que prestar contas ao ministro da guerra em 29 de novembro de 1865, assim:

“Dos 175 prisioneiros que foram enviados empreguei alguns nas carretas de transporte, outros nos hospitais e uns poucos nos corpos de artilharia, para tocarem as carretas. Não tenho confiança nesses homens; alguns deles têm desertado, sem embargo de serem bem tratados, vestidos e de se haverem prestado voluntariamente àqueles serviços.”

Felizmente, tudo se passou no início da campanha: os brasileiros, cujos costumes não abrangiam a incorporação de prisioneiros às suas forças, acabaram contaminados de leve pelos platinos, e aquiesceram em tê-los voluntariamente em serviços de retaguarda ou como carreiros na artilharia, de que éramos carentes. O ministro da guerra, Ferraz, que estava longe, estranhou e pediu esclarecimentos. Foi o fim do “voluntário-prisioneiro”.

Os argentinos e uruguaios, que chegaram a empregá-los, os primeiros somente os voluntários e, os últimos, quase todos, em ações de combate, logo desistiram da idéia, seja pela absoluta falta de confiança nesses prisioneiros, seja pelo exemplo brasileiro.

No balanço geral, admitido o fato, temos que reduzí-lo às suas verdadeiras proporções: tratou-se de um emprego irregular de prisioneiros, no início da campanha, porém, em número reduzido, que não foi capaz de ajudar em nada as ações aliadas. Ao invés do destaque negativo dado pelo Autor desejamos, aqui, ressaltar que o convívio dos três exércitos no dia a dia da peleja constituiu-se em fator de aprimoramento de costumes, e de constatação do valor do inimigo que teríamos de vencer lealmente no campo da honra. Mas, o certo é que nenhum prisioneiro foi obrigado a lutar contra seus patrícios: nem Flores os obrigou, de fato.

52 - Quem lançou Cadáveres na Água?

O “despacho secreto” de Caxias a D. Pedro II, falsificação grosseira já referida páginas atrás, volta a ser um “documento” com que o Autor pretende enxovalhar a memória do maior dos nossos generais e do mais correto dos nossos governantes.

Cabe ao acusador o ônus da prova. Mas, o Sr. Chiavenatto não precisa delas para caluniar, injuriar e difamar, gratuitamente, só por ódio ao Brasil, os heróis verdadeiros, nunca forjados, porque Deus nos doou os líderes de que necessitávamos naquela tragédia chamada Guerra do Paraguai. Integros, leais, magnânimos, verazes, patriotas, corajosos, justos, prudentes, fortes, humildes, desprendidos e benevolentes, fizeram, em conjunto, um sistema de força e dignidade invejado por todos os nossos vizinhos: o Imperador e seu condestável, em perfeita integração de virtudes.

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Nunca poderia ter havido tal despacho. Caxias não o escreveria, D. Pedro recusá-lo-ia. Impossível no plano moral, também as circunstâncias, como num arranjo da Providência, repelem a sórdida aleivosia: Mitre deixou o Paraguai em 8 de fevereiro, o cólera irrompeu no acampamento aliado em março, e foi debelado em julho de 1867. Mitre voltou da Argentina e reassumiu o comando-chefe em 10 de agosto. Ora, a data do suposto documento é 18 de novembro de 1867! Mitre não se encontraria no Paraguai com Caxias durante a epidemia. Sairia antes, não poderia ter combinado o monstruoso crime que se lhe desejam imputar, de parceria com Caxias. Voltaria depois, não seria mais o caso.

Vejamos o relato da época: “Os primeiros casos de cólera manifestaram-se em Itapiru, no dia 26 de março e em Corrientes no dia 29. A esse tempo já a epidemia assolava a cidade de Buenos aires e fazia vítimas nas de Montevidéu, Paraná, Córdova, Santa Fé, Rosário e outras. Na esquadra deu-se o primeiro caso em 10 de abril e ali reinou 32 dias.” (8)

Ora, a epidemia subiu o rio, provavelmente trazida pelos transportes fluviais fretados, que abasteciam o acampamento, vindos de Montevidéu e Buenos Aires. A esquadra, que se encontrava nas proximidades, seria contaminada 15 dias depois do acampamento e Corrientes, esta do outro lado do rio, o foi, praticamente, com 3 dias de intervalo em relação a Itapiru.

Mas, cabe na cabeça de alguém essa “tática” criminosa? Contaminar o rio onde tínhamos uma esquadra que se servia das suas águas? E que se encontrava rio abaixo?... A contaminação das águas das provincias do norte não colocariam em risco a própria Buenos Aires de Mitre, rio abaixo? Mas, todas estas perguntas, aqui feitas para demonstrar o absurdo da acusação, são irrelevantes: o cólera veio de baixo para cima e chegou a Itapiru e Corrientes praticamente ao mesmo tempo.

Não é preciso falar mais nada que isto: calúnia engendrada pelos adversários de Mitre, na Argentina, que se esqueceram de compatibilizar as datas. E nessa mesma linha do cólera, a calúnia da varíola. E o Sr. Chiavenatto diz: “E como existem provas incontestáveis (...)”

As “provas incontestáveis” não estão no seu livro, nem foram por ele indicados os locais, os registros etc, que possam nos dar uma pista dessas “provas”, já refutadas de antemão pelas datas e relatos conhecidos.

A prova de que o Sr. Chiavenatto foi buscar sua infame afirmativa nos argentinos adversários de Mitre está na citação que faz do episódio interno argentino pouco conhecido, especialmente para os brasileiros, de Geronimo Costa. Buscar o perfil de um chefe platino daquela fase, marcada por explosões de paixão política, nos panfletos ou nos autores comprometidos da época, é correr o risco de cair do cavalo na primeira oportunidade de comprovar o que se afirma.

Aliás, quem costumava jogar cadáveres no rio não eram os Aliados. Já relatamos o caso dos cadáveres de soldados brasileiros atirados à água, nus, mutilados, e amarrados dois a dois, por ordem de López.

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53 - Prisioneiros: cá e lá

Já sabemos que do cerco de Uruguaiana pelos Aliados acabou resultando, logo no início da guerra, a rendição de toda a coluna paraguaia comandada por Estigarríbia, com mais de cinco mil homens e o respectivo material bélico.

Cumpre esclarecer, porém, que esse resultado foi obtido somente depois da chegada ao local do Imperador D. Pedro II. Sua presença augusta serenou os ânimos dos chefes aliados que vinham disputando o comando-chefe da operação: Mitre, com base no Tratado, reivindicava o comando-chefe de todas as forças, enquanto o general Porto Alegre e o vice-almirante Tamandaré julgavam que aquele comando não lhe competia em território brasileiro, devendo permanecer os brasileiros com o seu comando próprio.

Entretanto, o Imperador não podia exercer nenhum comando, por dispositivo constitucional. Sua própria viagem ao Rio Grande do Sul tentou impedir o Conselho, só aquiescendo quando D. Pedro ameaçou partir como um simples voluntário da pátria.

Assim, Mitre permaneceu no comando dos argentinos e orientais, Porto Alegre foi investido do comando-chefe do Exército Brasileiro e Tamandaré, da armada.

O epidódio deixou Mitre amuado. Além da questão do comando-chefe das operações havia, também, a divergência quanto ao assalto à praça sitiada. Mitre e Flores desejavam realizá-lo sem delongas, os chefes brasileiros optavam pelas negociações visando à rendição. Os brasileiros respaldavam sua opinião na superioridade das suas forças e pelo fato de ser Uruguaiana, afinal, uma cidade brasileira que eles tinham interesse em preservar da destruição.

As tropas de cerco compunham-se de 12.393 brasileiros, com 22 bocas de fogo; 3.802 argentinos, com 24 canhões; e, 1220 orientais, com 8.

Superadas as dificuldades, foi enviada a Estigarribia, em nome do Imperador e dos generais aliados, uma intimação de rendição. Este respondeu oferecendo render a guarnição e a praça, sob determinadas condições: a 1a., invocando a proteção das leis da guerra; a 2a., relativa à manutenção pelos chefes, oficiais e empregados de distinção das suas armas e bagagens, e a possibilidade de escolha do local onde quisessem permanecer, correndo a sua manutenção e vestuário por conta dos exércitos aliados; e, a 3a., destinando os oficiais orientais que se achavam a serviço do Paraguai à guarda do Império.

Analisada a resposta de Estigarribia, foi aceita, com restrições à 2a. condição, pois não seria admíssível que oficiais prisioneiros saíssem da praça com armas, nem que voltassem ao território paraguaio durante a campanha.

O ministro da guerra, Angelo Muniz da Silva Ferraz, ofereceu-se para ser o portador da mensagem, que redigiu e conduziu, acompanhado do general Caldwell, então chefe do estado-maior, e mais dois oficiais brasileiros.

“O Imperador, enquanto o ministro e aqueles oficiais se achavam na povoação, percorreu a linha de batalha; os soldados e oficiais, que não sabiam do que se tratava, acreditaram ter chegado o momento de investir as fortificações, e, então, prorromperam em aclamações.

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“Pouco depois, via-se um espetáculo estranho e interessante, único talvez nos anais das guerras: alguns oficiais e soldados da intrépida cavalaria riograndense, partiram da esquerda das colunas de ataque, longe das vistas do Imperador e dos generais, para as trincheiras, e, cada um, trazia na volta um soldado paraguaio na garupa.

“Alguns cavalos fogosos e não acostumados a dar garupa, corcoeavam e estas cenas provocavam o riso, pelo receio que mostravam os paraguaios, agarrados à cintura dos ginetes riograndenses, para não cairem. Mais de 300 paraguaios, antes de concluida a negociação militar, estavam na nossa cavalaria, comendo churrasco frio que os previdentes ginetes traziam nos tentos.” (9)

Fica evidente que houve confraternização, em meio a uma indisciplinada gauchada. Essa cavalaria fogosa do Rio Grande era constituida, quase exclusivamente, da Guarda Nacional composta pelos estancieiros e sua brava peonada não afeita aos regulamentos militares e que, há horas esperavam, no dorso dos seus cavalos, a ordem de ataque. Ao invés desta, a notícia da rendição: não foram capazes de conter sua impaciência e “quebraram o protocolo” que se ia organizando para o cerimonial da rendição. No Rio Grande, após os “entreveros” locais não ocorriam rendições, mas adesão do vencido ao vencedor, e tudo terminava em churrasco.

E essa conversa de transformar os prisioneiros em escravos, de vendê-los, etc.?

Já vimos como Mitre ficou desgostoso em não ter sido o comandante-chefe da operação de assalto a Uruguaiana. Ora, ele queria, com o grosso das tropas sendo brasileiro, em território brasileiro, fazer verter o sangue de brasileiros, inclusive dos que se encontravam no interior do povoado, para sua glória. Seu prestígio subiria às máximas cotações e seus inimigos políticos, na Argentina, teriam que tapar a boca. Mas esse não era exatamente o interesse da nação brasileira, muito bem interpretado por Porto Alegre e Tamandaré, que acabaram recebendo o apoio de D. Pedro II.

Assim, Mitre escreve ao seu vice-presidente Paz a carta de 4 de outubro de 1865 (já nossa conhecida, em parte, no que se relaciona com o sistema do general Flores de incorporar nas suas fileiras os prisioneiros). No final da missiva, ainda sob os efeitos da contrariedade que teve de amargar, acusa a cavalaria brasileira de haver roubado em Uruguaiana prisioneiros paraguaios para os transformar em escravos. Era um desabafo de Mitre que projetava sobre os brasileiros o roubo que sentia ter sido vítima, mas não podia por seu orgulho expressar: os brasileiros haviam-lhe roubado o comando-chefe de todas as forças e a oportunidade de investir contra os paraguaios cercados, ele, que já antegozava o título de “Vencedor de Uruguaiana”.

Além de tudo, lá estava D. Pedro II roubando-lhe, também, a cena.

Num julgamento inteiramente pessoal, creio mesmo que o episódio, mal digerido por Mitre, iria afetá-lo no prosseguimento das operações em território paraguaio, resultando no desastre de Curupaiti e no desânimo que se seguiu, impasse que só a presença de Caxias foi capaz de resolver.

Essa carta, que veio a ser divulgada mais tarde, serviu como uma luva para agasalhar as mãos impuras de pretensos historiadores argentinos e paraguaios, muito mais interessados em denegrir o Brasil do que na verdade dos fatos.

Rio Branco, Gustavo Barroso, Bormann, Mario Barretto, Lindolfo Collor, Tasso

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Fragoso e outros ilustres brasileiros colocaram e recolocaram a verdade histórica no lugar que lhe é devido: “La veritá per piú cruda che essa sia i suoi incanti”, (Leopardi). Mas honra seja feita, também, a Pelleja, Beverina, Decoud, Cecílio Báez e outros amantes da verdade.

Mario Barretto, dentre todos, foi o que mais tempo dedicou à refutação das calúnias assacadas contra o Império do Brasil, seus chefes militares, seus soldados e seu povo, pelos expoentes do lopismo, e pelos lopezguayos, fenômeno deste século, enquanto Rio Branco e Bormann recompuseram a verdade desfigurada por despeitados argentinos e paraguaios, no século passado.

O documento que projeta luz sobre todas as questões referentes aos prisioneiros paraguaios, no Brasil, é o “Mapa Geral dos Prisioneiros de Guerra existentes em todo o Império”, organizado na 2a. Seção da Repartição do Ajudante-General, em 15 de abril de 1869 e assinado pelo tenente-coronel, chefe daquela seção, Francisco Egídio Moreira de São Pedro.

O número relativamente pequeno de prisioneiros de guerra, naquela ocasião internados no Brasil, explica-se pelo fato de serem a parte destinada à nossa guarda, um terço, pelo Tratado. Deve-se considerar, também, que os acontecimentos do fim da guerra ainda não se haviam produzido.

Assim, naquela data, tínhamos os prisioneiros de guerra distribuidos da seguinte forma:

Prisio- neiros

Oficiais praças outros

Cel Ten Cel

Major Cap Ten Alf 1º Sgt

2º Sgt

Cd Sd Mulheres Pa- dres

Telegra-.

Soma

Provín- cias

fista

Munic Neutro

2 1 3 5 30 80 21 66 99 1.844 22 2 8 2.183

PA 2 4 53 59 PE 1 1 2 1 1 2 47 55 BA 1 3 1 2 4 89 99 ES 2 1 1 1 5 SC 2 1 12 15 RS 50 50 SOMA 2 1 3 7 36 84 24 71 110 2.096 22 3 8 2.466

Obs.: 8 faleceram em conseqüência de ferimentos recebidos em combate, de sorte que o total se reduziu a 2.458. Os prisioneiros encontravam-se alojados nas fortalezas, quartéis, estabelecimentos militares, hospitais e enfermarias. (10)

Os prisioneiros de guerra paraguaios recebiam soldo (os oficiais as quantias correspondentes às percebidas pelo oficiais do mesmo posto e, as praças, segundo a tabela do exército paraguaio. Além disso, recebiam alimentação, vestuário, alojamento e tratamento médico nos hospitais e enfermarias.

Quanto ao seu tempo, cada um o prenchia como queria. Alguns, pelas suas aptidões, pediram e obtiveram cargos internos nos diversos ministérios, nas secretarias e demais dependências desses departamentos, nos arsenais, nas fábricas e nas invernadas.

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O governo imperial exigia, para autorizar os empregos, que uma pessoa idônea se responsabilizasse pelo prisioneiro, e se responsabilizasse, também, pelo pontual pagamento entre as partes e pela apresentação, nas suas sedes, desses paraguaios quando quisessem ser repatriados, após a conclusão da guerra. E nos locais onde se fixaram ficavam sob a jurisdição das autoridades militares mais próximas, que fiscalizavam tudo que lhes dizia respeito.

Muitos desses prisioneiros não quiseram mais retornar ao Paraguai. Aqui encontraram um casamento, um trabalho. Foram dezenas e dezenas.

No final, 215 oficiais paraguaios teriam passado pelo Brasil, onde receberam o tratamento idêntico ao dispensado aos nossos próprios oficiais quando presos, isto é, não eram encarcerados. Tinham, no mínimo, a área do quartel por menagem, tomavam suas refeições junto com os brasileiros e recebiam os sinais de respeito devidos aos seus postos.

A escrituração relativa a esses prisioneiros, existente nos nossos arquivos, permite informar com rapidez e absoluta segurança tudo o que se possa querer saber das suas vidas durante a internação no Brasil: datas, soldos recebidos, locais de internação, movimentações, pedidos feitos às autoridades e seus despachos, baixa aos hospitais e enfermarias, despesas discriminadas com o seu sustento, roupas, etc., tudo escriturado segundo as instruções administrativas correntes, com o cuidado de fazê-lo, entretanto, em escrituração a parte, a fim de não dificultar as buscas posteriores. Cada prisioneiro, como qualquer militar brasileiro, tinha sua ficha individual, era uma pessoa.

“Pode-se acompanhar pari-passu a magnanimidade imperial na outorga de suas graças aos mesmos prisioneiros, a harmonia patriótica que conjugava os atos daqueles ministros em prol da grandeza do Brasil e a disciplina a que se sujeitavam para o bem comum da nossa pátria, o que não lhe impedia atender aos desejos dos prisioneiros quando esses desejos não fossem capazes de criar dificuldades aos nossos objetivos e à independência e soberania do Paraguai.

“É vultosa a matéria que os nossos arquivos contêm e que daria toda a ser concatenada, para organizar a história dos prisioneiros de guerra paraguaios feitos pelo Brasil, desde o instante da sua captura até o dia em que foram repatriados e restituídos à liberdade.” (Mario Barretto)

Temos casos interessantes, que bem demonstram tudo o que já se disse do grau de civilização e do cavalheirismo com que recebemos e mantivemos sob nossa custódia esses prisioneiros. Sobre toda essa base pairava a magnanimidade pessoal de D. Pedro II, do que decorreram decisões governamentais dos seguintes tipos:

- o padre Carlos Casco, prisioneiro de guerra (os comandantes de divisão levavam consigo um padre como secretário) requereu permissão para regressar ao Paraguai, depois da queda de Assunção. A permissão foi-lhe concedida, bem como o transporte;

- em atendimento à solicitação do governo provisório do Paraguai, foram embarcados para Assunção os prisioneiros de guerra Anastacio Arzo e Nolasco Ferreira. Interessavam à administração que iniciava a reconstrução do país, antes mesmo que a guerra tivesse terminado, pois López ainda estava vivo e resistindo no interior. E, aproveitando o navio, o Barão de Muritiba, em carta datada de 30 de junho de 1870, dirigida ao Conselheiro Paranhos, em Assunção, dizia:

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“Vão no “Isabel” que parte hoje os paraguaios pedidos pelo governo provisório, e mais alguns mutilados.” (11)

Não nos esqueçamos de dois fatos que teriam impossibilitado qualquer má ação com relação a prisioneiros de guerra:

1o) a liberdade de imprensa, total;

2o) a existência de uma oposição forte e atuante no parlamento. Vimos que o ministro da guerra cobrou de Osório, certa vez, informações sobre o emprego de prisioneiros de guerra em serviços de retaguarda. Foi o suficiente para que não mais se aceitassem voluntários naquelas condições.

Agora, vejamos o outro lado da questão: como foram tratados no Paraguai, por ordem de López, os infelizes brasileiros que cairam prisioneiros das suas forças:

- vimos a resposta dos generais aliados a López, quando o tirano ameaçou de máus tratos os prisioneiros aliados que tinha em seu poder: “A grande maioria deles, torturados uns, fuzilados e lanceados outros, jazem desde muito na eternidade, e os generais aliados têm a triste convicção de que os que existirem, se algum existem ainda, irão brevemente reunir-se àqueles mártires (...)”;

- vimos o estado de desnutrição e extrema miséria com que não só os prisioneiros de guerra, isto é, militares, mas também com civis brasileiros, especialmente mulheres, foram encontrados. A emoção da libertação, em muitos não encontrou no corpo base de sustentação, e morreram de alegria;

- resta adicionar à lista dos infortúnios que sofreram os brasileiros aprisionados, a chacina dos coléricos que a coluna de Camisão teve de deixar para trás, no episódio da Retirada da Laguna. (12)

54 - Conde D’Eu, Príncipe e Soldado: um Cavalheiro

A degola de prisioneiros era tão criminosa naquela época quanto o é hoje. Imagine-se o furor dos adversários do Conde D’Eu no Brasil, a imprensa que tanto o caluniava, o Partido Republicano, fundado em 1870, os liberais, no parlamento, quando soubessem que o príncipe havia mandado degolar os prisioneiros após a batalha de Peribebuí! Nada foi publicado, sendo a imprensa absolutamente livre, nem uma referência. E nem poderia, não houve, simplesmente.

Já vimos no item anterior como tratávamos os prisioneiros de guerra, resta saber se Gastão de Orleans teria, com a sua chegada, modificado nosso comportamento:

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- a nota 10 esclarece sobre os prisioneiros de guerra e mulheres recolhidos ao nosso hospital em Pirebebuí para tratamento de seus ferimentos, junto com brasileiros e argentinos.

- nas suas instruções dadas por escrito ao general Vitorino, comandante do 2o Corpo de Exército, que vai operar “para estabelecer o domínio das armas aliadas e com elas a autoridade do governo provisório nas regiões de leste da República”, em 4 de setembro de 1869, encontra-se o trecho seguinte:

“Escuso repetir a V. Exa. que as forças do seu comando devem sempre proporcionar o tratamento mais humano e consentâneo com o espírito civilizador que tem guiado na presente guerra a nação brasileira e tanto a honra, como também aos prisioneiros e passados (13) das forças inimigas. Estes, a exceção daqueles que se tornarem necessários como vaqueanos (14), devem ser remetidos ao comando da guarnição de Assunção, para alí terem conveniente destino; quanto às famílias que se acharem fora de suas casas, devem igualmente ser encaminhadas para Assunção.” (15)

- aproveitando um interregno nas operações, para que as tropas recebessem novo fardamento e equipamento, o Conde D’Eu viaja a Assunção. “A noite as senhoras paraguaias das mais distintas famílias salvas no departamento da Cordilheira, dirigem-se ao quartel-general onde, pelo órgão do cidadão Decoud Filho, felicitam o Príncipe pelos últimos triunfos das armas aliadas, triunfos que as haviam arrancado do poder selvático do tirano, cujos caprichos insanos constantemente as ameaçavam em sua vida e honra.” (16)

O Conde D’Eu não estreiava na guerra naquela ocasião. Quando veio para o Brasil, apesar da sua pouca idade, já era um veterano das campanhas africanas do exército espanhol. Suas numerosas condecorações dizem muito sobre o seu valor militar, e este é incompatível com os crimes que lhe querem atribuir os já citados “historiadores” platinos, despeitados, e o seu porta-voz no Brasil, o Sr. Chiavenatto.

Nenhum diário, nenhum documento, nenhum depoimento em que se possam louvar os caluniadores.

Refere-se o Sr. Chiavenatto a uma “documentação dos crimes de guerra cometidos no Paraguai pela Tríplice Aliança”, que “obviamente não é farta, mas é indesmentível”. Mas não apresenta documento algum, logo, a acusação se desmente por si própria, por falta de provas.

Mas, ao invés de dar curso a nossa indignação, gastando o escasso papel disponível, melhor será deixar que um verdadeiro historiador, o general Mario Barretto, que passou anos a fio estudando os arquivos e documentos da guerra, para refutar os lopezguaios, nos diga o que revelam suas pesquisas sobre o Conde D’Eu, consubstanciadas na homenagem que lhe presta na dedicatória do 1o volume da sua importante obra:

“A Memoria de Gastão de Orleans (Marechal do Exército Brasileiro)”

“Príncipe e soldado - mais soldado do que Príncipe - dignificaste o pavilhão do nosso Brasil defendendo-o com galharda bravura quando ao fragor da metralha do adversário conduziste à vitória os teus heróicos comandados.

“Estes, brasileiros pela Pátria, não excederam no patriotismo ao invicto e Glorioso Marechal do nosso Exército, que se tornou brasileiro pelo coração.

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“Ingressaste na História do Brasil como vencedor do maior tirano que existiu nesta livre América, que escravizou de modo o mais cruel a vizinha nação irmã o Paraguai e, como o libertador desse povo, foste o paladino da liberdade dos escravos paraguaios.

“Outrora, alguns dos cortesãos do Imperador do Brasil em corrilhos suspicazes impediram a tua ação em prol da eficiência de nosso Exército, temerosos de que, soldado como eras pelo temperamento, pela educação e pela ascendência, com o teu prestígio em progressão crescente e apoiado pelo Exército pudesse dispensar-lhes o concurso nem sempre patriótico na administração do Estado se precocemente houvesse ocorrido o advento do terceiro reinado; como nos tempos em que os áulicos invejosos e ambiciosos buscavam em plena guerra incompatibilizar-te com a Nação, iniciando uma campanha de descrédito nos bastidores do Paço Imperial, fazendo obra derrotista impatriótica, incentivando, de modo desleal ao Trono, a propaganda republicana e, “post bellum”, mais ainda intensificaram a misteriosa campanha de descrédito que te visava, glorioso Marechal, assim hoje, ousado estrangeiro (17) tenta macular-te a memória olvidando-se de que, afora os títulos que te recomendam à gratidão do Paraguai, és um vulto da nossa história a quem deve o Brasil e mui particularmente o nosso Exército serviços, honras e glórias.

Nós - soldado e republicano, mais republicano do que soldado, mas sobretudo brasileiro - não podemos nos calar ante a ofensa panfletária feita ao nome do nosso egrégio chefe e por isso te dedicamos o presente trabalho, síntese de nossos esforçados estudos dos documentos existentes nos arquivos, fonte preciosa onde a verdade refulge consagrando aqueles que, como tu, honraram a Pátria com elevado valor.

Santa Tereza, 11 de abril de 1928.

a) Mario Barretto

tenente-coronel.” (18)

E não se trata de nenhum reconhecimento tardio. Ainda sob a impressão viva dos fatos passados, o general Manuel Luis Osório, Marquês de Herval, ergueu sua taça em nome dos companheiros reunidos para homenageá-lo com um banquete, em 25 de maio de 1877, com estas palavras:

“Brindo o Senhor Conde D’Eu, meu companheiro d’armas, pelo seu valor, pela sua coragem e pela justiça com que administrou o exército; brindo-o porque no Paraguai deu sempre provas de amar o Brasil e se devotou d’alma ao seu serviço como os brasileiros que lá serviram.” (19)

Infelizmente o espaço disponível não nos permite revelar outros fatos relativos ao Conde D’Eu. Quem o acusa de ter se irritado com a morte em combate de Menna Barreto a ponto de mandar degolar os prisioneiros, pura mentira, não sabe nada a respeito da grandeza d’alma desse cavalheiro, cuja nobreza de sentimentos só era comparável à nobreza da sua linhagem familiar. Vejam como o virtuoso príncipe se portou face a uma outra desgraça, que o atingiu pessoalmente, a destituição do seu sogro do trono do Brasil, na sua despedida aos brasileiros:

“Aos Brasileiros - A todos os amigos que nesta terra me favoreceram com a sua sincera e para mim tão prezada afeição - aos companheiros que, há longos anos já,

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partilharam comigo as amarguras em prol da honra e segurança da Pátria Brasileira - a todos os que na vida militar ou na civil até há pouco se dignaram comigo colaborar, - a todos aqueles a quem, em quase todas as províncias do Brasil, devo finezas sem número e generosa hospitalidade, - e a todos os Brasileiros em geral um saudosíssimo adeus e a mais cordial gratidão.

“Não guardo rancor a ninguém e me não acusa a consciência de ter cientemente a alguém feito mal!

“Sempre procurei servir lealmente o Brasil na medida de minhas forças.

“Desculpo as acusações menos justas e juízos infundados de que por vezes fui alvo.

“A todos ofereço a minha boa vontade em qualquer ponto a que o destino me leve.

“Com a mais profunda saudade e intenso pesar afasto-me deste país, no qual vivi, no lar doméstico ou nos trabalhos públicos, tantos dias felizes e momentos de imorredoura lembrança.

“Nestes sentimentos acompanham-me minha mui amada esposa e nossos ternos filhinhos, que debulhados em lágrimas conosco empreendem hoje a viagem do exílio.

“Praza a Deus que, mesmo de longe, ainda me seja dado ser em alguma coisa útil aos Brasileiros e ao Brasil.

“Bordo da canhoneira “Parnaíba”, no ancoradouro da Ilha Grande. - 17 de novembro de 1889. - Gastão D’Orleans.” (os negritos são nossos).

“A serenidade de sua conduta tem o direito de emprestar a este período, de suprema grandeza que comove, o signo de uma sinceridade impressionadora.” (20)

Libertador do povo paraguaio das garras da tirania, ainda foi sua a iniciativa da abolição da escravidão, de fato, no Paraguai, e alma generosa, sobretudo, teve a ventura de ser o marido de Isabel, a Redentora.

Confessamos que preferiríamos prosseguir tratando da figura cavalheiresca deste príncipe-soldado, mas é necessário devolver a acusação, mesmo sabedores de que Gastão de Orleans já desculpou, por força do seu caráter bem formado de cristão fervoroso, “as acusações menos justas e juízos infundados”. Trata-se de informar a juventude, sitiada pela maldade de uma traição repulsiva. Faça-se pois, juntada, à lista dos crimes cometidos pelo ditador Solano López, destes mais:

1o) Sadismo:

- “Ordenou o monstro que suas irmãs, horrivelmente espancadas, assistissem às execuções de prisioneiros.” (21)

- “Sonhava com massacres coletivos e gozava em companhia de sua bela Mme. Lynch as hecatombes monstruosas das batalhas, dos combates. Somente quando estes choques bélicos não eram possíveis é que recorria às execuções individuais.” (22)

- “Quer nas marchas, quer nos acampamentos, o feroz ditador não se saciava de derramar o sangue de seus compatriotas, e nem sequer era arrastado por alucinações que

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fizessem-no por toda parte ver traição ou conspiração prestes a vitimá-lo.

“Era tudo ferocidade; tudo um plano executado com mais glacial frieza:

“Vingar-se de seus infortúnios, envolvendo os sobreviventes e, entre eles, os que aconselharam a guerra, em um processo sumário cuja sentença era inexoravelmente a morte, acompanhada dos maiores martírios, como já tivemos ocasião de assinalar.

“Nesse acampamento de Santani 86 soldados e 16 oficiais, entre eles o coronel Vicente Mongeles e o Major Rivero, todos do regimento escolta (23), foram passados pelas armas.

“A exceção do coronel e do major, os outros oficiais foram açoutados em presença do miseravel ditador, que assistiu indiferente a esse ato monstruoso.” (24)

2o) Fogo na macega:

- Taunay narra o infortúnio da coluna brasileira que incursionou na região de Estância Laguna, no célebre episódio da Retirada da Laguna, que se retirava acossada pelos incêndios que os paraguaios ateavam na macega, quase diariamente, a fim de provocar baixas pela carbonização, pelo calor e pela sufocação da fumaça. Os pormenores estão pungentemente descritos na sua obra; (25)

- quanto ao fogo que queimou o campo durante a batalha de Campo Grande (Acosta Ñu), o assunto será tratado no capítulo XV.

3o) Incêndio do hospital:

O Sr. Chiavenatto acusou o Conde D’Eu de ter, na batalha de Peribebuí, mandado degolar todos os prisioneiros paraguaios na sua captura, inclusive o general Pedro Pablo Caballero.

Pois bem, o próprio Conde D’Eu registrou o seguinte: “As perdas do inimigo compreendem o total da força que formava a guarnição de praça; contaram-se perto de 700 cadávares paraguaios e mais de 1.100 prisioneiros entre feridos e sãos (...)” (Diário do Exército) .

O Diário do Exército salienta, também, que a maioria da guarnição era de adolescentes. Conta que o cura de Valenzuela morreu na trincheira e o de Peribebui recebeu um ferimento gravíssimo nas cabeça. Entre os prisioneiros estavam o capitão Garcete e Salalinde, juiz de paz de Peribebui.

O Dr. Antonio de Souza Dantas, cirurgião-mor, participou que o hospital de sangue (corresponde ao atual hospital cirúrgico movel) foi instalado em um edifício da povoação de Peribebuí. Quer dizer: lá não havia hospital algum. E neste hospital de sangue foram recolhidos os feridos segundo o mapa abaixo:

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“Hospital de Sangue

“Mapa dos feridos do combate de 12 do corrente, recolhidos a este hospital

Nacionalidade Oficiais Praças Mulheres Total Observações

Brasileiros

Argentinos

Paraguaios

Soma

28

10

4

37

249

63

385

697

-

-

39

39

272

73

428

773

No número das mulheres estão

incluídas algumas

crianças.”

(26)

Peribebuí, era uma vila insignificante, e que então gozava de foros de capital da república, a 3a, instalada por López. Houve um cerco e a investida, dai resultarem prisioneiras algumas mulheres que combatiam nas trincheiras, enquanto outras saíram feridas com suas crianças, do bombardeio de preparação, inevitável, porém remediável em parte pelo trato dos feridos, como foi feito. “Entre o inimigo notam-se algumas mulheres que pelejam e com bizarria não comum ao seu sexo. Por suas mãos armadas ou de sabre ou de espingarda, morrem dezenas de aliados.” (27)

Os prisioneiros, como vimos, foram tratados corretamente. Quem degola não cuida de prisioneiros feridos! Quanto ao major ou tenente-coronel,( mas não general) Pablo Caballero, relata uma testemunha ocular: “O comandante da praça, tenente-coronel Caballero caiu morto, cumprindo o seu dever de soldado.” (28)

Mas, se não havia hospital paraguaio em Peribebuí, fomos encontrar um três dias depois, em Caacupé. Descreve-o Dionísio:

“Alí estava também o hospital militar, asqueroso e imundo, onde os doentes e feridos gemiam em promiscuidade ao lado de cadávares em estado de adiantada putrefação.” (29)

Em resumo: nenhum hospital foi queimado, muito menos em Peribebuí, os feridos foram recolhidos a um hospital brasileiro, instalado em Peribebuí. Os brasileiros nunca cometeram degola de prisioneiros e o major Pablo Caballero morreu em combate.

Por sua vez, os paraguaios não deixaram de saquear nossos hospitais e enfermarias nas cidades que ocuparam em Mato Grosso e no Rio Grande do Sul, mas é na igreja de Nioac que ocorreu justamente aquilo de que sem nenhum fundamento nos acusou o Autor: o incêndio provocado, criminoso. Vamos ao relato:

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“Assim abandonada passara Nioac a ser dos paraguaios. Tudo havia sido saqueado e queimado, salvo a igreja, poupada não por espírito religioso, mas, pelo contrário, com o fito de a utilizarem num ardil infernal. Retirara-se a sua infantaria ante a nossa aproximação. Sem preocupações com o inimigo fomos a toda pressa ver o que haveria ainda a salvar. Durante a última estada em Nioac depositáramos na igreja muitos e diversos objetos. Os paraguaios, não lhes havendo tempo de tudo carregar, deixaram o resto por destruir. Colocaram um barril de pólvora com um rastilho. Um infeliz soldado (acendeu) um isqueiro. Deu-se a explosão antes que toda a gente se achasse do lado de fora. Dela sairam, dentre os turbilhões de fumo, irreconhecíveis formas, fantasmas enegrecidos e avermelhados pelo fogo. Ardiam uns com as roupas em chamas, outros completamente nus e cuja pele pendia em frangalhos, soltavam urros; alguns ainda rodopiando como alucinados já se debatiam nas angústias da agonia. Perdera um soldado negro toda a epiderme do rosto, arrancada como uma máscara. Era-lhe o corpo sangrenta chaga. Um sargento, cujas carnes se achavam inteiramente desnudadas, implorava, por misericórdia, que o acabassem com uma bala ou um pontaço. Morreram alí mesmo, no local, uns quinze desventurados.” (30)

4o) Degola:

“A 26, ficaram abandonados 76 moribundos, os quais, apenas moveu-se a força, foram degolados pelos paraguaios que os seguiam sempre a certa distância. Cena medonha que fica indelevelmente marcada no espírito daqueles que ouviram os gritos dos míseros coléricos!” (31)

5o) Carga contra as mulheres:

Na batalha de Avaí, os paraguaios tiveram as seguintes perdas: 3.000 mortos, 600 feridos, 1.000 prisioneiros, todos os seus 18 canhões e 5 bandeiras.

As perdas brasileiras foram: 166 mortos e 536 feridos, entre os quais o general Osório.

O Autor, que pratica a arte da inversão dos fatos, atribui aos brasileiros as 3.000 mortes.

Avaí foi uma batalha de aniquilamento. O comandante paraguaio, o valente general Caballero (Bernardino) escapou com pouco mais de 200 homens.

Não houve carga alguma contra as “residentas”, nem contra os feridos. As cargas, de cavalaria e de infantaria, devastadoras, foram dirigidas contra as fileiras inimigas, que se postaram em terreno muito favorável a elas.

Avaí é símbolo de glória para o Exército Brasileiro, que o Autor tenta denegrir. Mente sobre os mortos, mente sobre as conseqüências do ferimento de Osório, que se deu após as três primeiras horas de uma batalha que durou quatro, induzindo os seus leitores a crerem que isto tenha motivado uma exacerbação dos ânimos. Este bravo, bem sabemos, retirou-se discretamente, e mandou que seu carro, bem conhecido de todos,

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com sua escolta habitual, percorresse as linhas, por trás, vazio! (32)

A História nos mostra justamente o contrário do que pensa o Autor: a morte, ou ferimento do chefe, é fator de abatimento de suas tropas; não raro, à retirada de um chefe ferido do campo de batalha segue-se-lhe o seu exército. Osório, experiente general e conhecedor de sua profissão, era um líder do tipo ideal da cavalaria medieval: comandou na frente, de lança na mão e poncho ondulante ao vento enquanto podia montar. Sua retirada poderia comprometer os resultados, e por isso, a fez vagarosamente, com o poncho enrolado apertando o queixo que sangrava abundantemente, falando com todos, incentivando à luta. Depois mandou seu famoso carro simular sua presença, como se fora D. Rodrigo de Bivar na sua última batalha contra os mouros, próximo a Valência. Com a diferença que a retirada de D. Rodrigo fez refluir todo o seu exército para dentro da cidade. A lenda conta que, no dia seguinte, seu cadáver foi colocado sobre a sela, e seu cavalo disparando, arrastou toda aquela gente que bradava: Cid! Cid! e carregava sobre os mouros.

Mas Osório, o Legendário, não tinha sofrido um ferimento mortal, a batalha já estava praticamente ganha, e ele fez o que devia, para evitar uma quebra do “momento” do ataque. Mas, daí, gerar-se uma chacina de mulheres... é coisa inconcebível que nunca aconteceu no nosso Exército. Nem em Avaí, nem em lugar nenhum, nem em guerra alguma.

E as paraguaias, combatiam? Dionísio Cerqueira nos conta: “Essas mulheres que seguiam o exército não tinham medo de coisa alguma. Iam às avançadas mais perigosas levar a bóia dos maridos. Nas linhas de atiradores, que combatiam encarniçadas, vi-as mais de uma vez achegarem-se dos feridos, rasgarem as saias em ataduras para lhes estancarem o sangue, montá-los nas garupas dos seus cavalos e conduzí-los no meio das balas para os hospitais. Algumas trocavam as amazonas por bombachas nos dias de combate, e as pontas das suas lanças formavam os salientes nas cargas dos seus regimentos.” (33)

Eis toda a admiração de um brasileiro que tão bem soube traduzir as emoções da guerra, sentidas por todos. Nós admirávamos as mulheres paraguaias. Não nos rebaixariamos como soldados e como homens numa carga sobre elas, desarmadas, a pé, depois de uma batalha ganha retumbantemente.

“O meu batalhão abivacou defronte da igreja, perto de uma casa (em Caacupé) onde havia moças de uma família distinta da República com as quais passamos, em agradável palestra, a tarde daquele dia. Duas delas desposaram-se com distintos oficiais do nosso exército, rendidos aos seus encantos e foram felizes deixando boa e numerosa prole.” (34)

“E Alcebíades Pedra, auditor de guerra, se casou depois com uma irmã de López (...)” (35)

Respeitamos as “residentas”, admiramos as combatentes, desposamos as moças e choramos ao ver a miséria extrema das “destinadas”. Mas não nos esquecemos das martirizadas. Sobre Juliana Martinez vamos deixar Dionísio complementar o que já sabemos, e prestar com a nossa mais profunda indignação, uma sincera homenagem às mulheres paraguaias:

“Contaram-nos que o Ditador ao receber a notícia da rendição (do cel Martinez, seu marido) mandou buscá-la presa, e expô-la em plena nudez à soldadesca brutal, que

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lhe inflingiu com ferocidade os mais crueis vilipêndios.

“Não saciada sua sanha, o imaníssimo tirano mandou que verdugos armados com azorragues flagelassem a mesquinha. As brancas carnes, avergoadas a princípio, tingiram-se de vermelho e saltaram laceradas em pedaços sangrentos aos golpes bravios (...) “El Supremo” vingara-se, na dedicada esposa inocente, das páginas de glória escritas pelo marido na história da sua pátria.” (36)

Notas:

(1) A ordem superior não obriga sempre. É norma no Exército Brasileiro, e nos exércitos civilizados, que ordem errada ou ilegal não se cumpre. Se um superior ordenar o saque, por exemplo, quem o fizer será responsabilizado, independentemente da responsabilidade que cabe ao mandante.

(2) Direitos do Homem, José Soler, Cia, Editora Nacional, São Paulo, 1960, p. 153-156.

(3) Hector Francisco Decoud, na sua obra “Uma Década de Vida Nacional” informa que a “Legião” se compunha de patriotas que tinham vindo do exílio, outros fugidos das hostes do ditador, outros volvidos da Europa, onde se encontravam em estudos, outros finalmente eram antigos prisioneiros aliados (Argentinos) a quem estes haviam dado liberdade.

(4) Apud Tasso Fragoso, Op. Cit.

Vol. II, p. 30, 277, 382, 383, 436;

Vol. III, p. 129, 325, 241, 375-388;

Vol. IV, p. 138, 196, 201-203, 208, 223, 253, 254, 275, 287, 292, 213-320, 331-334;

Vol. V, p. 129, 279-302.

(5) Citado por Bormann, Op. Cit., Vol. I, p. 285.

(6) Tasso Fragoso, Op. Cit., Vol. II, p. 217.

(7) Tasso Fragoso, Op. Cit., Vol. II, p. 287.

(8) Rio Branco, nota no. 11, Vol III, p. 26, da obra citada de Schneider.

(9) Bormann, Op. Cit., Vol. I, cap. 2.

(10) Mais ou menos nessa época (12 de agosto de 1869), para se ter uma idéia, tínhamos 4 oficiais, 385 praças e 39 mulheres, paraguaios, constantes do mapa dos feridos, recolhidos ao Hospital de Sangue, em Peribebuí, em tratamento junto com outros 272 brasileiros e 73 argentinos. (Parte do Dr. Antonio de Souza Dantas, cirurgião-mor, brigadeiro comissionado).

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(11) Apud Mario Barretto, Op. Cit., Vol IV, p. 82-88.

No Vol. V da sua obra o autor dedica um capítulo inteiro ao assunto, anexando fac-símile de documentos. É sua a constatação: “A escrituração que se refere aos prisioneiros de guerra é tão completa que quaisquer questões que possam ser ventiladas a respeito deles são por ela perfeitamente resolvidas.”

(12) Apud Taunay, Op. Cit., p. 111 e 181.

(13) Desertores

(14) Guias

(15) Tasso Fragoso, Op. Cit., Vol. V, p. 14.

(16) Diário do Exército.

(17) Refere-se a Juan O’Leary, paraguaio de origem inglesa, que foi professor de História do Paraguai, em Assunção e representante diplomático na Espanha. É autor dos livros: “El libro de los heroes”, “El Mariscal Solano López” e “Nuestra Epopeya”. Mente, distorce os fatos e procura rebaixar com ódio incomum os chefes brasileiros da Guerra do Paraguai, enquanto exalta a figura de López até o ridículo, sendo, por isso o “papa” dos lopistas e lopezguaios, embora sua própria mãe tenha sido uma das “destinadas” assassinadas por ordem de López. Através de um seu amigo, teve acesso a documentos escolhidos nos nossos arquivos, definitivamente contrários às teses e conceitos expostos na sua obra. Nem assim reconsiderou seus erros. É, certamente, pelo palavreado que caracteriza a sua obra e transparece no livro do Autor, a principal fonte de consulta deste.

Foi completamente refutado através de maçiça documentação anexada, sob a forma de fac-símiles fotográficos, na obra do general Mario Barretto: “A Campanha Lopezguaya”, em cinco preciosos volumes, cuja leitura recomendamos aos estudiosos brasileiros.

(18) Mario Barretto, Op. Cit., Vol. I, dedicatória.

(19) O Conde D’Eu, Luis da Câmara, Cia. Editora Nacional, São Paulo, 1933, citação de abertura.

(20) Idem, p. 136.

(21) Thompson, Op. Cit., p. 261.

(22) Mario Barretto, Op. Cit., Vol II, p. 31.

Este traço criminoso de sua personalidade é comprovado pelo extermínio daqueles mais próximos, testemunhas de suas palavras e gestos após cada combate, quando o número porventura elevado das vítimas, ao invés de causar-lhe comiseração, o deixava numa impassividade que denunciava um certo gozo interior.

(23) Sua guarda pessoal!

(24) Bormann, Op. Cit., Vol. III, p. 87-88.

(25) Taunay, Op. Cit., p. 59, 92, 93, 97, 100, 101, 106, 107, 108, 134, 135 e 136.

(26) Tasso Fragoso, Op. Ccit., Vol. IV, p. 319-320.

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(27) Bormann, Op. Cit., Vol III, p. 63.

(28) Dionísio Cerqueira, Op. Cit., p. 319.

(29) Idem, p. 322.

(30) Taunay, Op. Cit., p. 134-135.

(31) Idem, ibidem, documento no. 24 (Parte do major José Tomás Gonçalves, p. 181.

(32) Apud Osório, J. B. Magalhães, Biblioteca do Exército Editora, Rio, 1978, p. 223.

(33) Dionísio Cerqueira, Op. Cit., p. 300.

(34) Idem, ibidem.

(35) Idem, ibidem.

(36) Idem, ibidem, p. 256.

Capítulo XIII

OS INTERESSES NORTE-AMERICANOS

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55 - Washburn, Webb e Mac-Mahon

Já vimos que o ministro americano no Paraguai, Charles A. Washburn, com sua ação enérgica, impediu que o ministro brasileiro que lá se encontrava, quando da agressão ao nosso navio Marquês de Olinda, fosse obrigado a retirar-se daquele país por terra, o que lhe custaria a vida.

A ação de Washburn, isolada do contexto em que atuou a diplomacia de Tio Sam na Guerra do Paraguai, merece a gratidão dos brasileiros. Mas, o Autor, não lhe concede o menor agradecimento e carrega contra a sua memória em várias passagens da sua obra, reservando o capítulo correspondente a este inteiramente a difamá-lo.

Aqui e ali vimos razões para tal ódio a Washburn, um personagem absolutamente secundário no conflito, como de resto o foi a participação da diplomacia ianque, mal refeita do tremendo choque que foi, para a nacionalidade americana, a Guerra de Secessão.

No início da guerra, o Sr. Washburn gozava das atenções do ditador Solano López, que nele via uma dupla possibilidade de ajuda: seja pela compra de armas, com o conseqüente furo do bloqueio aliado, seja pela solidariedade do governo americano e a pressão sobre o Brasil, daí resultante.

Veremos que as armas acabariam chegando, apenas em pequenas quantidades, de contrabando, e que a pressão americana não surtiu os efeitos desejados por López, que pretendia uma paz com a sua permanência no poder.

No dia 3 de outubro de 1866, os Aliados se encontravam em Curuzu e Tuiuti quando, por meio de parlamentários, o Sr. Washburn informou ao Marquês de Caxias que ele alí se encontrava, e este permitiu que o seu navio subissse o rio até Curupaiti, ainda ocupada pelos paraguaios. O ministro voltava do Prata, em uma canhoneira do seu país, o único que mantinha, na ocasião, um representante de nível tão elevado junto a López.

O ditador continuava demonstrando a Washburn uma grande amizade, mas, por dentro, já não estava satisfeito com o “gringo”.

Washburn trouxe-lhe muitos presentes e encomendas. Sua bagagem era enorme, a ponto de causar desconfiança pelo peso e volume. Pensou-se que teria havido contrabando de armas e munições, o que não ficou provado. Entretanto, foi público que o ditador recebeu grande quantidade de vinhos, champanhe, comestíveis finos e conservas.

Mas, naquela ocasião, o tirano já concebia planos tenebrosos. Vendo Caxias reorganizando o exército, após o desastre de Curupaiti - sob o comando de Mitre - não conseguiu mais cobrir com sonhos a dura realidade dos fatos: um furacão, denominado “Caxias”, estava se formando e iria se abater sobre ele em breve.

Fingiu, então, o tirano, que descobrira uma conspiração contra ele, da qual fariam parte altos funcionários civis e chefes do seu exército, inclusive pessoas de sua própria família, com o pretenso objetivo de depô-lo, e mesmo de assassiná-lo.

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Na “conspiração”, arquitetada na sua mente cruel, o tirano envolveu, também, Caxias e Washburn.

Os tiranos estão, sempre, preocupados com as conspirações. E, de tanto pensar em sua segurança pessoal contra supostos assassinos, acabam acreditando que eles existam, mesmo. Daí, os fatos mais corriqueiros passam a ser interpretados como indícios de alta traição, envolvendo, necessariamente, aqueles que privam da sua intimidade. Ao exporem, com reservas, suas constatações ao grupo que os rodeia, basta uma palavra de descrédito, um gesto, uma demora em responder, um olhar, para incriminar irremediavelmente o amigo da véspera.

Solano López não fugiu à regra. Na verdade, foi um dos tiranos mais preocupados com a sua segurança pessoal, um Nero redivivo que não pouparia nem sua mãe. Quanto mais Washburn, para não falar em Caxias, que entra na história apenas para dar apoio à suposta trama imaginada pelo tirano. Ele, que escravizara toda uma nação, passava agora a ser escravo do próprio medo.

É necessário, contudo, que não se conceda à doença o que vai acontecer no Paraguai, com o “processo nacional”. Trata-se de uma deformação moral, aberração que leva o temor comum aos tiranos a gerar, no ditador, a idéia da conspiração.

Enquanto isto, resolvidos os problemas administrativos que obrigaram Caxias a adiar a sua ofensiva, superada a gravíssima epidemia de cólera que ceifou 4.000 vidas nas nossas fileiras; foi aí, então, e só a partir desse momento, que a diplomacia americana passou a oferecer seus bons ofícios com vistas a patrocinar uma conferência de paz, em Washington. Estávamos no começo de 1867.

Foi portador da proposta o general Webb, ministro americano acreditado no Brasil, certamente como resultado dos relatórios de Washburn, que acabaram por despertar a simpatia de Washington para com López. E este continuava fingindo amizade ao “gringo” que lhe estava sendo útil, embora não tivesse conseguido obter as armas e a disposição americana de furar o bloqueio. Restava um serviço menor.

Em abril desse mesmo ano, como já vimos, Washburn ofereceu-se para ir, pessoalmente, encontrar-se com Caxias a fim de propor-lhe sua intermediação pacificadora. López aceitou, instruiu o diplomata que se prestava a essa ação pessoal, aparentemente não coordenada com Washington, dizendo-lhe que suas condições continuavam a ser as mesmas que apresentara a Mitre em Iataiti-Corá, isto é, a paz com a sua permanência no governo do Paraguai.

Washington prestou-se ao papel, sabedor de antemão que a proposta seria, como foi, recusada. O próprio governo brasileiro, dois meses depois, recusou diplomaticamente a proposta do general Webb, no Rio, como também já vimos.

López, por sua vez, aproveitou a entrevista de Washburn com Caxias para completar o seu plano de “conspiração”. Decidiu vingar-se dos seus patrícios que o haviam aconselhado a deflagrar a guerra (na verdade apenas concordaram subservientemente), quando se mostrou indeciso, como se alguém fosse capaz de aconselhar o ditador, no Paraguai. As pessoas queriam era adivinhar o pensamento de López para nunca dele discordar, nem dormindo.

Julga Bormann que “o marechal estava arrependido da aventura em que se lançara, porque via que mais tarde ou mais cedo teria que baquear”. Conquanto tivesse

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se preparado para a guerra com o Brasil, é sabido que, no momento de deflagrá-la, vacilou, malgrado seu impertinente protesto de 30 de agosto de 1864, sobre a intervenção brasileira no Uruguai.

Ele sabia, perfeitamente, que o Brasil não declarara guerra ao Uruguai com ambições territoriais. O que o ditador queria era mesmo fazer ruído em torno do seu nome, celebrizar-se, tornar o seu país conhecido pelas suas façanhas militares e, talvez mesmo, erguer uma outra monarquia na América do Sul.

O “marechal” tinha, então, a cabeça cheia de fantasias e quimeras. Mas, como vimos, ele vacilou na hora da verdade. Teve receios e, quem sabe se, no meio de suas fantasias não lhe apareceu um “flash” do futuro, descortinando-lhe o quadro medonho do Aquidabã?

O fato é que não se atreveu a resolver por si a declaração de guerra: quis ouvir seu “congresso”, os notáveis, como eram chamados no Paraguai os seus membros. Consultou, também, os seus íntimos. E todos lhe aconselharam (ou pensaram estar acordes com o seu desejo) a guerra.

Diz Silvano Godoi que só um homem se conservou mudo e augurava mal as conseqüências da luta: o ministro Berges, das relações exteriores, que nem por isto seria poupado.

O plano sanguinário e pérfido deste homem, extraordinário nos crimes, sem virtudes que contrabalançassem sua monstruosa deformação moral, ficou definitivamente concatenado em abril de 1867: ele relacionou todos nomes dos que haviam opinado pela guerra... e esperou. O ministro Washburn seria acusado de ter, com o marechal Caxias, assentado, por ocasião da entrevista no acampamento aliado, os detalhes da conspiração. Já vimos, anteriormente, o quanto isto é inverídico, mesmo porque Caxias não era o interlocutor habilitado para tanto, por absoluta impossibilidade de fazer a paz unilateralmente, e por não ter poderes delegados pelo seu governo para negociar. Para isto já havia a ação do ministro Webb, no Rio de Janeiro.

Ao contrário do que conclui o Autor, devemos raciocinar da seguinte maneira para chegarmos à verdade: se López, conhecedor dos termos do Tratado da Tríplice Aliança, e mesmo após o insucesso da conferência de Iataiti-Corá, aceitou o oferecimento pessoal de Washburn, foi porque vislumbrou vantagens a tirar dessa entrevista.

As conversas que teve com Washburn, páginas atrás transcritas do livro deste, bem demonstram o seu interesse em saber detalhes a respeito dos Aliados. Queria saber, fundamentalmente, como o prolongamento da guerra estava repercutindo no ânimo e nas finanças do seu inimigo. Chamado à realidade por Washburn, revelou sua decisão de resistir, levando consigo a nação paraguaia. Passar a odiar o americano foi fácil. Ele lhe fazia perguntas que nenhum outra pessoa no Paraguai ousaria fazer, sob pena de fuzilamento.

As confissões apontadas pelo Autor com base nos “historiadores” lopistas são destituídas de qualquer valor: já vimos como ele as obtinha. E uma suposta carta do seu irmão Benigno, se existisse, somente poderia provar que nem sua família suportava o seu jugo e entrava até em contato com o inimigo para livrar-se dele. Nada prova sobre uma suposta conspiração dirigida de fora, pelo Marquês de Caxias.

Aliás, uma conspiração com tais caracteristicas seria muito difícil de articular e de

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manter em segredo. Serviria mais ao ditador que contra ele. E prosseguindo, agora, nesta linha de raciocínio utilitarista, supondo-se, só para efeito de demonstração que para o nosso governo de então mais valesse o fim que a lisura dos meios empregados para colimá-lo, muito mais fácil teria sido negociar com Webb, no Rio. Este fazia a ponte, via mala diplomática, com Washburn.

Mas, a verdade é que nada disto houve. O governo vivia pressionado pela oposição, e a liberdade de imprensa não raro lhe era injusta através dos conceitos que expressava gratuitamente. Caxias foi acusado de ter deixado López escapar em Lomas Valentinas, de prolongar a guerra, de trazer uma bagagem volumosa, etc. De tudo teria que se defender, como o fez, doente e envelhecido, no Senado. A oposição, que nunca quis o hábil chefe militar no Paraguai, temerosa de que suas glórias militares viessem a se transformar em dividendos políticos, não perdia um único detalhe da sua atuação para levantar calúnias. Porém, nunca ninguém falou em Caxias subornando diplomatas e funcionários do inimigo, nem em negociatas, e muito menos em ter o valente cabo de guerra implorado ao Imperador pela paz a qualquer preço.

E, se o Autor baseia toda a sua obra da traição numa carta, forjada não se sabe onde, para construir sobre esse “documento” a sua diabólica peça de destruição dos valores pátrios e da verdade histórica, nada podendo comprovar, portanto, porque colocada sobre alicerce podre, nós possuímos um documento de real valor, que as pessoas sensatas não haverão de desprezar: a carta do coronel paraguaio Estigarríbia, dirigida ao Imperador, da qual temos feito referências.

O inteiro teor desta missiva, cuja proposta não foi aceita, permite-nos concluir, com clareza, sobre o modo de agir do governo imperial, muito atento para as questões morais que envolvem qualquer negócio com estrangeiros, particularmente na guerra:

“Señor,

“Yo el infraescrito Teniente Coronel paraguayo prisionero de guerra desde la Rendicion en Uruguayana, me tomo la libertad y la alta honra de dirigir-me a V. M. I. con el objeto de declarar a la augusta persona de V. M. I. los sentimientos que nutre mi corazon a fabor de mi querida Patria.

“Señor, el tiempo me ensenna, la experiencia me convence y los casos acontecidos en mi Paiz durante estos quatro anos, me obligan a protestar contra el proceder del gobierno actual de mi querida Patria que se encierra en suya sola persona en vista de que el Senor Mariscal Lopez continua en la defensiva, buscando el apoyo de las asperas naturalezas del terreno para asi demorar la guerra, acabando com las vidas y haciendas de todos los paraguayos. La nacion paraguaya esta iludida - y sera por aquel hombre que no tiene ningun escrupulo de conciencia que se reducira a ceniza una Nacion entera digna de la mejor causa, que conta la religiosidad e inosencia confió en las manos de el las sendas de su destino.

“Señor, los soldados paraguayos, o por mejor decir los grupos armados que todavia existen bajo las ordenes de aquel hombre; es por que tiemblan de miedo ó terror a vista de tantas ejecuciones en aquellos que quicieron notarle su tirania y ingano.

“Señor, conosco, que la Nacion brasilera y las otras dos aliadas sustentan essa guerra, sin importarse de los sacrificios que les ocorra, para mantener ilesa sus honras nacionales, y la nacion paraguaya sin saber lo que defiende se sucumbe bajo las ordenes de un solo hombre hijo de yerros e caprichos. Todas essas consideraciones me exigen

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como paraguayo y verdadero patriotico, para llegar por medio de este ante V. M. I., ofreciendo mi plena voluntad para que el Gobierno Imperial tenga confianza en mi fidelidad y consentirme marchar quanto antes a presentarme al Señor General en Chefe de los Ejercitos Aliados, para servirle de practico en los lugares del de mi Paiz. No intenciono coadyubar como soldado por que soy paraguayo, mas tengo toda voluntad de partillar los sacrificios con los soldados de la honra y de la libertad, siendo como solicito, porque asi podere sin ninguna traicion hacer un beneficio a mi Patria, procurando que se obste la retirada del Ejercito paraguayo hacia a los lugares mas disertos e asperos del lugar donde hoy esta, para ver se asi se riendem los ultimos hombres que quedan en aquella Republica.

“Señor decearia hablar personalmente com V. M. I. sobre este mismo particular.

“Se V. M. I. encontrarse a bien de mis sentimientos y conciediesse lo que deseo, me permitira tambien llevar siempre comigo mi amanuense y interprete el 1o Sargento Tobias Emzo, prisionero de guerra de mi division.

“Espero que la suma prudencia de V. M. I. desculpe los yerros que sean notables en este pues seran involuntarios.

“Con la debida consideracion y alto respeto tengo la honra de besar las manos de V. M. I.

“Desterro Marzo, 8, 1869

“Antonio Estigarribia” (tudo como conseguimos decifrar do seu manuscrito, cujo fac-símile fotográfico consta dos anexos ao Vol. I da obra citada de Mario Barretto).

E já vimos o quanto nos faziam falta bons guias, naquele país sem mapas.

Voltemos a López.

Muitos ditadores ensangüentaram as repúblicas do Prata. Vergonhas do gênero humano, muito concorreram com suas ações para que as nações do velho mundo as vissem e, por vezes, tratassem, como povos semibárbaros. Mas, nenhum deles levou a crueldade, a perfídia, a aleivosia, a traição, e a calúnia, carregando consigo todos os demais crimes, aos limites atingidos por Solano López.

Com o “processo nacional” o tirano buscava dois objetivos: vingar-se das pessoas que passara a responsabilizar por sua decisão de iniciar a guerra, e ligar a causa dos seus reveses à traição de inimigos internos. A invenção da conspiração atendia aos dois propósitos. Pretendia sair ileso, com a nação mantendo a sua admiração ao gênio, incapaz de cometer erros, superior aos grandes homens de todos os tempos, conforme concluiu Bormann dos seus dedicados estudos.

O tirano desenvolve seu plano: serviu-se de um mísero corneteiro como delator da suposta conspiração; envolveu o nome honrado de Caxias e o nem tanto de Washburn, para dar maior credibilidade; disse ter surpreendido uma carta do seu irmão Benigno a Caxias, contendo informações militares e mapas; acusou Benigno e Bedoya (seu cunhado) de haverem roubado o Tesouro Nacional para comprar cúmplices; envolveu, ainda, o outro irmão, Venâncio, e vários estrangeiros que não lhe mereciam simpatias, o Bispo Palacios e mais dois sacerdotes, o ministro Berges, os generais Bruguez, Barrios, sua irmã e o marido, seu cunhado, mais de 80 funcionários públicos de várias categorias. Toda essa gente foi sendo mandada apresentar em San Fernando, a ferros e

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marchando a pé, onde, submetida a processos sumários, após sofrimentos sem par a fim de confessar seus supostos delitos, foi fuzilada, lanceada ou degolada.

O general Resquin, que foi nosso prisioneiro, declarou em seu depoimento, que depois desse episódio inicial, as matanças prosseguiram diariamente em San Fernando.

Vamos encontrar o Sr. Washburn, mais tarde, em 10 de setembro desse mesmo ano de 1868. Dois dias antes, havíamos descoberto as covas rasas comuns em que se achavam atirados os restos da carnificina de López em San Fernando. Washburn, que descia o rio com sua família, a bordo da canhoneira americana Wasp, desembarcou em Vila Franca, onde relatou os maus momentos que passara. A carta que deixou com o representante inglês em Buenos Aires informa, com detalhes, os atropelos finais com que López, não mais amigo, passara a fustigá-lo, já vimos.

Acusado de chefe da conspiração, Washburn deveria ter sido grato ao Brasil, cujo governo permitira que a Wasp atravessasse o bloqueio e fosse buscá-lo em Assunção.

Estava paga, com juros, a gentileza que ele fez ao nosso ministro Sawan de Lima, no início da guerra. Mas Washburn, arrependido de suas ligações com López aproveitou uma parada do seu navio para mandar, por outra belovave, esta brasileira, uma informação para Caxias sobre a direção que López estava planejando tomar, refugiando-se no interior do país.

Vejam que Washburn passou a ter razões para odiar a López, constatem que não havia nenhum esquema de comunicação montado entre ele e Caxias, supostos articuladores da suposta conspiração e, por fim, saibam que a informação passada não tinha o valor que se lhe possam dar os detratores de Caxias: tudo indicava que esta seria a linha de ação a ser seguida por López, após esgotar os seus recursos na última linha de resistência antes de Assunção, onde não se homiziaria, pois seria entrar numa ratoeira. Por isso, e não pelo informe (informação não processada) de Washburn, é que Caxias tratou de destruir o exército paraguaio e aprisionar López. Não o conseguindo, em Lomas Valentinas, quando o tirano fugiu com os 60 cavaleiros que lhe restavam, teve que defender-se da acusação, infundada, de lhe ter facilitado a fuga. Ou uma ou outra, ou Caxias estaria mancomunado com Washburn, ou ajudou López a fugir. Esse dilema resolve-se, no entanto, facilmente: nem uma, nem outra, como demonstram subejamente os fatos. Para substituir Washburn, o governo americano mandou o general Mac-Mahon. Este, chegando ao Paraguai, apresentou a López suas reclamações relativas ao caso Washburn, prontamente atendidas pelo ditador, o qual lhe entregou os cidadãos americanos que lá se achavam presos e, assim, terminou a questão diplomática. Era o dia 13 de dezembro de 1868, data também, de início de uma nova amizade. Contudo, a guerra vai caminhando para o seu desfecho. As nações civilizadas, por muito tempo iludidas com a pessoa do ditador, graças às intrigas dos representantes do Paraguai no exterior, agora temiam pelas vidas dos seus súditos que lá permaneciam, presos, ou constrangidos pelo déspota que os enganara.

Começam a chegar ao Paraguai navios de diversas nacionalidades, para repatriar seus cidadãos, entre eles o que o próprio governo americano mandou, após ter compreendido que o seu interesse pelo déspota foi enganoso. Nesse navio, um oficial americano levava a demissão de Mac-Mahon, que há muito tempo não dava notícias das suas atividades diplomáticas.

Acontece que Mac-Mahon havia sucumbido aos apelos fraternos do maçom, como ele, López, e aos encontros sociais preparados por madame Lynch, tudo muito bem

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cimentado com a devida propina.

Mac-Mahon devia explicações ao seu governo. Mentiu, então, que várias vezes havia mandado seus ofícios, mas que os Aliados não deixaram passar sua correspondência pelas avançadas. Nem é preciso comentar, ele já estava ligado a López e procurava indispor o seu governo com os Aliados.

Porém, se Mac-Mahon era tratado carinhosamente pelo tirano e sua concubina, o mesmo não sucedia com relação aos cônsules francês e italiano. Por não terem querido acompanhar o governo itinerante de López, contra eles foram dadas as ordens mais severas, até mesmo lanceá-los!

O tirano considerava “desertores” a esses estrangeiros, como se o corpo diplomático acreditado junto ao seu governo fosse uma espécie de legião estrangeira a seu serviço!

Mac-Mahon, demitido, trouxe consigo em grandes caixas o Tesouro Nacional roubados por López e madame Lynch. Nos Estados Unidos, publicou uma série de artigos em defesa do tirano, prestando-se a fazer-lhe, por escrito, as mais rasteiras bajulações.

Depois da guerra vamos encontrar madame Lynch em Londres, reivindicando na justiça a posse do tesouro paraguaio.

Mas, antes, no fim da guerra, encontrávamos, em Campo Grande, “algumas das espingardas deixadas pelo inimigo no campo de batalha, eram americanas e dos modernos sistemas aperfeiçoados, por nós não conhecidas.” (1)

Assim, Mac-Mahon teria que ser, mesmo, o grande amigo de López, que Washburn não conseguira.

Quem recebeu mais de López, Washburn ou Mac-Mahon? Quem descumpriu o trato? Isso não nos interesse. Toda a diplomacia da época, praticada pelos Estados Unidos, sofria o vício original da própria nação americana: o dinheiro valia mais que as consciências.

E por que o Sr. Chiavenatto dedica todo um capítulo a Washburn, além de muitas outras referências? Porque Washburn saiu falando cobras e lagartos de “El Supremo”, tendo publicado um livro nos Estados Unidos onde lavou a roupa suja. O Sr. Chiavenatto cuida de neutralizar quem possa testemunhar contra o napoleão guarani: são todos, no mínimo, mentirosos.

Quem já prestou atenção ao assunto, sabe que a polícia costuma ter seus maiores êxitos contra o crime organizado somente quando os bandidos se dividem e brigam entre si. Nessa ocasião, eles se denunciam.

O Autor, que aderiu tardiamente ao bando de López, cuida de sujar Washburn (não é trocadilho) que desertou da quadrilha. Sobre o ladrão Mac-Mahon, destituído por seu governo, nada.

Mas, está claro que não vamos defender Washburn. Queremos lembrar, apenas, que o Sr. Porter Cornélio Bliss foi preso por ordem de López quando seguia em companhia de Washburn e Mastermann, nas ruas de Assunção, para tomar o navio que os levaria de volta aos Estados Unidos. Pois bem: dos três, dois escreveriam livros

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contra o tirano - Washburn e Mastermann (que escapou milagrosamente da chacina dos estrangeiros).

Bliss escreveria outro, contra Washburn, e não estão esclarecidas as circunstâncias do seu salvamento. Dá o que pensar...

Mas, seja lá em que cambalachos possa ter se metido Washburn, o fato é que em nada prejudicou a Solano López. Pelo contrário, chegou mesmo a ajudá-lo.

E, convém que ninguém se esqueça: réptil comprovadamente peçonhento é o Autor. Dissemina o veneno do antipatriotismo e do comunismo, enquanto seduz as suas vítimas - a desavisada juventude brasileira - com suas mentiras torpes, suas injúrias, calúnias e difamações assacadas contra a História do Brasil e os seus ilustres personagens. É um genocida moral do nosso povo.

Por um mínimo de coerência, deveria o Sr. Chiavenatto ir viver no Paraguai, em Cerro Corá, onde aguardaria o dia de juntar-se ao seu parceiro, Francisco Solano López, no inferno, que não existe outro lugar para criminosos de tão baixa laia.

56 - Ainda Washburn

Como não há nada de novo no item correspondente na obra da traição, é melhor economizar papel e a paciência de todos nós.

Nota:

(1) Tasso Fragoso, Op. Cit, Vol. IV, p. 341.

Capítulo XIV

LÓPEZ, O ESTRATEGISTA DA AUTODESTRUIÇÃO

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“Um povo que se julgar menos civilizado ou menos

rico que seus vizinhos reagirá desenvolvendo, por

compensação, sua força bruta.”

Bouthoul, A Guerra.

57 - As Estatística de um Sr. Chiavenatto

Antes de examinarmos as estatísticas apresentadas pelo Sr. Chiavenatto, é conveniente ressaltar uma série de acontecimentos relacionados diretamente com os aspectos demográficos da guerra:

1o.) os paraguaios mortos em combate foram sempre contados pelos Aliados, que estimaram, também, essas mortes, no interior das posições inimigas onde não se podia fazer o levantamento direto, sendo tudo objeto de partes de combate dos comandantes dos diversos escalões, consolidadas no quartel-general do comandante-chefe;

2o.) o cólera morbus, a varíola e a malária se encarregaram de devastar a população paraguaia, porém em número desconhecido. Rio Branco nos informou: “Entre os paraguaios o cólera fez também grandes estragos e, segundo Thompson, a média dos casos fatais por muito tempo foi de cinquenta por dia. A epidemia alastrou-se por todo o país, destruindo famílias inteiras”;

3o.) a retirada dos produtores do campo e sua incorporação ao exército, ou simplesmente o seu deslocamento interno, reduziu a produção de víveres, trazendo como conseqüência a fome, do que resultou um grande números de mortos, porém incerto. Thompson relata: “Quando os Aliados chegaram diante de Passo da Pátria, López mandou retirar da região todos os naturais que residiam perto do Paraná, transferindo-os para Misiones ou qualquer outro ponto ao norte do Arroio Hondo. Esta pobre gente teve de deixar tudo o que não pôde levar consigo, e muitos morreram de penúria, por não terem meios de subistência além de suas pequenas colheitas de laranja, milho e tabaco, que plantavam em suas próprias casas, e que foram obrigados a deixar para trás.” (1) Dionísio Cerqueira também nos conta: “A cada passo, nessas marchas tétricas dos últimos tempos da guerra terrível, encontrávamos mulheres magras e macilentas implorando esmola de um punhado de farinha ou de um pedaço de carne para lhes matar a fome. Mais além, criancinhas esqueléticas sugando sem força os seios murchos e secos das mães agonizantes. Adiante meninos nus, amarelos, barrigudos, com as costelinhas à mostra (...)” (2)

López, quando se retirou para o interiou do país, passou a obrigar a toda a população paraguaia, que ainda podia alcançar com a sua opressão, a acompanhá-lo. Os

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retardatários eram mortos a baioneta ou lança. Vários destacamentos aliados foram empregados na libertação dessa gente infeliz. O general Mena Barreto, por exemplo, resgatou 6.000 almas famintas, o que resultou naquela procissão de mulheres nuas que os brasileiros cobriram com seus lençóis e camisas. Quantas pessoas morreram nessas andanças?

4o.) os fuzilamentos e as mortes produzidas pelos baionetaços, lançaços, facadas, “cepos”, degolas, surras de pau, chicotadas, etc., de uma parcela da população, por ordem de López;

5o.) a proibição, imposta por “El Supremo”, dos deslocados se alimentarem dos rebanhos e pomares ainda existentes, porém todos requisitados por ele nas regiões onde ainda tiranizava, permitindo somente o consumo de laranjas azedas, impróprias para alimentação e comuns no Paraguai, resultando em mortes em meio a cólica terríveis, o mesmo se dando com as ervas e a mandioca brava;

6o.) as precaríssimas condições de higiene, particularmente nos “hospitais”, a falta de médicos e enfermeiros, e descaso para com os feridos, tudo levando a um morticínio elevadíssimo, porém não anotado.

Assim, atribuir aos Aliados, particularmente aos brasileiros, que suportaram o peso da guerra, a responsabilidade pela destruição de parcela tão significativa da nação paraguaia, no dizer do Autor: “o genocídio que foi feito tão eficientemente, que só existiam no Paraguai cento e noventa e quatro mil habitantes”, é não só traição, mas burrice.

Podemos, agora, passar às “estatisticas”:

Não foi realizado nenhum censo demográfico em território paraguaio antes, durante ou após a guerra; logo, todos os números são meras estimativas pessoais, variando a base com que se poderia trabalhar, de seiscentos mil a um milhão e trezentos mil habitantes, antes da guerra. E ninguém, a não ser o Autor, e ele não cita as suas fontes, se atreveu a estimar o número deles após o conflito. Sabe-se, e os depoimentos são inúmeros, tão somente, que restaram poucos homens adultos válidos em relação às mulheres sobreviventes. Donde, os números apresentados pelo Autor são destituídos de valor. Foram alinhados apenas para causar impacto sobre o público-alvo da sua propaganda: a juventude.

Um “genocídio”, crime definido após a Segunda Guerra Mundial a fim de penalizar os chefes nazistas responsáveis pelo destino de judeus europeus durante o conflito, importa na vontade de exterminar uma raça ou etnia, um grupo social, etc. A morte em combate, com armas nas mãos, nunca pode ser enquadrada como um genocídio. Morre lutando quem quer, não depõe as armas quem assim não deseja, em princípio. No caso de uma tirania que obriga a combater sob pena de matar as famílias reféns dos combatentes, o genocídio teria a responsabilidade por parte de quem assim obriga, mas mesmo assím é preciso que se caracterize a vontade de exterminar, através do combate, a todo o grupo visado.

Está claro que os Aliados, particularmente os brasileiros, não cometeram genocídio algum. Defenderam-se de uma agressão, e portanto a guerra foi justa para eles; conduziram a guerra segundo as leis respectivas, sendo por isso civilizados na sua ação; e, por fim, ajudaram o vencido a reerguer-se, particularmente o governo brasileiro, sendo, enfim, humanitários.

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Exemplos de ações bélicas, com características de genocídio, encontramos nos bombardeios estratégicos anglo-americanos sobre as cidades alemãs, na Segunda Guerra Mundial, o lançamento das bombas atômicas sobre o Japão, também naquele conflito, mas também nas ações dos governos comunistas: na ex-União Soviética, do que resultou a morte de um número calculado em quarenta milhões de pessoas; na China, outros cem milhões, e a eliminação total dos portadores de diplomas de cursos superiores, no Camboja, pelo Kmer Vermelho, que são os exemplos mais frisantes. Cuba, Mocambique, Congo, Abissínia, etc. completam este quadro muito recente, e ainda não de todo remetido para os arquivos da história.

No Paraguai, entretanto, os Aliados enfrentaram o exército e a armada paraguaios com o objetivo de chegar até ao ditador Solano López e apeá-lo do poder, a fim de fazer a paz. Não atacamos a população paraguaia, não destruimos suas colheitas, não bombardeamos objetivos civis, não obrigamos as populações a abandonar os seus lares e, por outro lado, cuidados dos feridos militares e civis, distribuimos rações aos civis, sustentamos exemplarmente os prisioneiros de guerra. E fomos além: enterramos os mortos paraguaios e nossos sacerdotes encomendaram as suas almas a Deus.

Considere-se, também, o fenômeno demográfico que ocorre na guerra, que já tem em si “o principal efeito de provocar uma alta mortalidade e, muitas vezes, uma baixa, pelo menos momentânea, da natalidade.” (3)

Não podemos nós, por nosso lado, inventar estatísticas como faz o Autor, mas, alguns dados, a grosso modo, podem ser computados, num exercício de aproximação:

- a soma de todas as partes de combate, desde o início da guerra até o último tiro, nos revelam um total de doze mil e trezentos e sessenta prisioneiros de guerra feitos pelos Aliados;

- é sabido que uma Legião Paraguaia combateu o tempo todo do lado aliado, com um efetivo apurado, nas fontes, entre quinhentos e oitocentos homens, que sobreviveram ao conflito;

- um número não registrado de famílias paraguaias foi libertada do jugo lopista e sobreviveu à guerra, inclusive homens;

- um número também não registrado de paraguaios, que se encontravam no exterior, não integrou a Legião Paraguaia, e retornou ao Paraguai após a guerra.

Reduzindo a um mínimo os números não registrados, podemos chegar a um total de 15.000 homens sobreviventes. Trabalhando sobre a base inferior, isto é, seiscentos mil habitantes no início da guerra, achamos a percentagem de dois e meio por cento de homens adultos sobreviventes; e, sobre a base superior, um milhão e trezentos mil, vamos encontrar um e 15 décimos por cento. De qualquer forma estaremos longe, em termos estatísticos, do meio por cento alardeado pelo Autor.

O argumento: tanto faz, a diferença é pequena, o que se constata é o fato de existirem poucos sobreviventes, é improcedente para o fim que estamos examinando. Importa caracterizar a absoluta leviandade na apresentação das estatísticas. Faz diferença, portanto, porque descobre a intenção difamatória do Autor sob o duplo aspecto: da imputação da responsabilidade pelo morticínio aos Aliados; e, da quantificação exagerada, e apresentada com foros de conhecimento científico.

Resta a pergunta: por que aquela população não se rebelou? Porque nunca na

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História um tirano foi capaz de dosar tão bem a crueldade que intimida com o carisma que seduz, isso sobre uma nação durante muito tempo preparada para a obediência, e que ocupava um território naturalmente propício ao isolamento do exterior. E Solano López, por sua vez, era o terceiro tirano de uma série ininterrupta de ditadores. Ele viria a acrescentar o elemento que faltava para a tragédia, a compensação para as frustrações sofridas por aquele povo que, mesmo isolado, percebia ser inferior em civilização e riqueza aos seus vizinhos.

Se estas foram as causas profundas do conflito aniquilador, os motivos vamos encontrá-los na personalidade de López, e não em outro lugar. Um líder sensato teria evitado a guerra pela superação das causas, ao invés de fomentá-las.

Ao justificar a ação belicosa de Solano López, como uma simples antecipação para aquele momento julgado mais vantajoso, frente ao inevitável, demonstra o Autor suas tendências sanguinárias acentuadas. López, pelo menos, não sabia onde poderia chegar, enquanto o Sr. Chiavenatto já viu o final da história e exalta o erro.

Resta-nos a precaução. Que o nosso povo, de tão boa índole, não se deixe culpar pelo Autor, como preparação para aceitar o pagamento do que não devemos.

E podemos concluir: se houve genocídio, este decorreu da vontade de Solano López em exterminar o seu próprio povo. Os Aliados teriam sido aí meros instrumentos da sua ação criminosa. Mas morticínio houve, um monstruoso morticínio no qual a parcela diretamente perdida, de armas nas mãos - e por sua vez também causadora de mortes e ferimentos - foi relativamente pequena, comparada com o total de mortes. A nação paraguaia perdeu quarenta e cinco mil e seiscentos e sessenta mortos em combate para vinte e cinco mil brasileiros nas mesmas condições.

Trabalhando com uma média das avaliações da população inicial: novecentos e cinqüenta mil habitantes, esses quarenta e cinco mil e seiscentos e sessenta mortos representariam quatro e oito décimos por cento, cifra bastante compatível com a de outros conflitos dos quais conhecemos melhor os números. Ora, se o Autor sai com uma percentagem de 75,75% de mortes no total da população, e consideradas todas aquelas nossas considerações fundamentadas nas fontes históricas, cabe ao tirano, com a ajuda dos seus admiradores, informar-nos sobre as condições detalhadas em que ocorreram as mortes de 70,95% da população paraguaia. Aqui, o exagero propagandístico se volta contra o Autor. Não podemos concordar, também, com outro tipo de interpretação falaciosa, agradável ao Autor e esposada por Cárcano: “A guerra é contra o povo do Paraguai, considerando-se que o povo é solidário ao governo e combate em sua defesa”, (4) como se López fosse um grande ofendido a merecer tal sacrifício.

Evidentemente, houve um determinado grau de colaboração popular, fundamentada nas frustrações decorrentes de fatores já convenientemente examinados.

Um oficial prussiano que esteve observando o conflito do lado paraguaio, a mando do seu governo, deixou-nos o seu parecer: “os soldados de todas as armas batiam-se com a maior bravura. Esta não provinha neles do sentimento moral da honra ou de certa paixão cavalheiresca, mas de um fanatismo criado artificialmente por López ou do terror. López os convencera de que os Aliados vinham desacatar os templos de sua religião, cativar os homens, maltratar as mulheres e filhas, e conquistar o país. Quem não acreditava nisso não ousava manifestar a mínima dúvida. Mas a maioria dos paraguaios estava convencido de tudo isto.” (5)

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Certamente, López não os teria convencido disto se os paraguaios não possuissem motivações propícias ao convencimento.

Outro filão dessas motivações podemos explorar, com acerto, meditando sobre o fundo místico das relações de Solano López com a nação. O “Estrella”, por exemplo, em editorial de 13 de junho de 1869, faz um paralelo entre o tirano e N. S. Jesus Cristo, do qual extraimos um só trecho, das catadupas de blasfêmias e louvações burlescas ao ditador:

“Mas, a maneira da rosada aurora, que emoldurava os divinos destinos da VIRGEM DE NAZARÉ, havia no coração da América uma VIRGEM NACIONALIDADE; de modo que, se AQUELA deu um Deus, ESTA tinha dado um GÊNIO; se AQUELE tinha redimido a humanidade inteira, se tinha inaugurado a liberdade e a igualdade, e tinha, com a doutrina dos seus feitos e de suas palavras edificado a paz e a felicidade das nações, e a paz, a felicidade e a glória do gênero humano, ESTE estava chamado a salvar o esplendor dessa divina doutrina; estava chamado a defender e sustentar essa paz e felicidade das nações, e essa paz, felicidade e glória da humanidade.” (6)

Notas:

(1) Thompson, Op. Cit., p. 140.

(2) Dionísio Cerqueira, Op. Cit., p. 331.

(3) Bouthoul, Op. Cit., p. 49.

(4) Cárcano, Op. Cit., Vol. I, p. 188-189.

(6) Reisen in Amerika und der Sudamerikanische

Krieg, major Von Versen, p. 125.

(6) O redator destas ofensas a N. S. Jesus Cristo e à Virgem Maria Santíssima foi um italiano, preso em Peribebuí.

Capítulo XV

CAMPO GRANDE: LÓPEZ SE PROTEGE COM CRIANÇAS

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“Guerra é guerra!...”

Anônimo.

58 - Em busca do Objetivo da Guerra

Já examinamos a acusação gratuita de genocídio assacada contra os Aliados, e sempre especialmente contra o Brasil, pelo Autor. Agora ele nos vem com a questão das crianças.

Ora, o objetivo da guerra era a deposição de López e o seu afastamento do território paraguaio. Ele, no Paraguai, com uma parcela do seu exército a protegê-lo e uma multidão a seguí-lo a força, ia designando capitais os lugares por onde fugia: Luque, Peribebuí, Curuguati. E se ele se dizia ainda encarnar o governo, cumpria seguir no seu encalço. Sua fuga para a Bolívia poderia gerar problemas evitáveis com a sua captura. Daí, as operações de perseguição empreendidas pelos Aliados.

Ressalte-se que o Conde D’Eu não foi nomeado comandante-chefe das forças aliadas, mas somente comandante-chefe das forças brasileiras. Na prática, entretanto, a coordenação das operações foi sempre dele.

A citação que transcrevemos na abertura deste capítulo, extremamente sábia na sua singeleza, constitui uma anônima contribuição ao estudo científico do fenômeno-guerra. É a maneira simples dos soldados encararem os fatos, do que resulta uma grande dose de resignação ante os acontecimentos, pois, se no conjunto das operações um exército é vitorioso e suplanta o inimigo, inclusive gozando de um número inferior de baixas, isto não é regra geral para cada peça de manobra, para cada situação, para cada unidade e cada indivíduo.

Vejamos um exemplo de desastre para todo o exército aliado. Foi no assalto à fortaleza de Curupaiti, que foi repelido pelo inimigo e resultou em 4.348 homens postos fora de combate, sendo o tributo dos argentinos de 2.082, destes, 30 oficiais e 557 soldados mortos; e, o nosso, de 2.266, sendo mortos 48 oficiais e 364 soldados. Os argentinos tiveram 1.495 feridos, inclusive 132 oficias; os nossos, 1.854, dos quais 153 eram oficiais (1)

Agora, um exemplo de desastre para uma unidade. Dionísio relata: “Do mapa da força, que na qualidade de ajudante (do 16o. de Infantaria de Linha) entreguei no dia 20 ao quartel-general da minha brigada, constava:

“Prontos: Oficiais................................................... 28

Praças de pré............................................. 358

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Destes, ficaram fora de Combate: Oficiais............... 22

Praças de pré............................................. 209

A percentagem de perdas foi: Oficiais..................... 78%

Praças de pré............................................. 58% ” (2)

Queremos chegar ao seguinte ponto: a guerra é cruel em si mesma. Ambos os partidos sofrem perda quando um soldado morre, a guerra acaba para ele. Vai vencer o partido que obtiver, em seu conjunto, vitórias significativas. É tudo uma questão de saldo final.

Ora, os Aliados pelejando lealmente, causando e sofrendo baixas, obtiveram o saldo que lhes deu a vitória final.

O tirano López,no entanto, depois de usar o expediente desleal (para com o seu povo, principalmente) de prolongar uma guerra perdida, vai empregar um número crescente de crianças (ou jovens, como se queira chamar) para proteger, para cobrir com os seus corpos frágeis a sua vergonhosa fuga. Muitos desses infelizes vão morrer, sofrer ferimentos, seguir a vida mutilados.

Porém, esses adolescentes, tal qual alguns dentre os nossos menores de rua de hoje, estavam armados. E o tiro de um canhão ou de um fuzil, disparado por um adolescente, criança mesmo, mata tão bem quanto o disparado por um veterano. Talvez acertem menos no alvo, mas, como acabamos de ver, para quem recebe o tiro pouco importa o dedo que acionou o gatilho: o efeito é sempre o mesmo.

Que fazer, senão prosseguir? No caminho ficarão os corpos infantis que não pudemos salvar pela rapidez da manobra. A guerra é, infeliz e tão somente, guerra...

Por vezes, entretanto, a experiência predomina e muitos que poderiam ser mortos acabam caindo inapelavelmente prisioneiros das nossas civilizadas forças. E o que se vê? Ora é um Dionísio salvando a vida de um menino-soldado, ora são os comandantes das unidades liberando prisioneiros por sua conta. Isto aconteceu principalmente na fase de perseguição a López, quando começaram a aparecer mais adolescentes. De certa feita, de um total de 154 prisioneiros feitos em combates ao longo de uma picada, foram, alí mesmo, liberados 54, por serem jovens demais!

Tasso Fragoso coletou dados que lhe permitiram nos informar: “Com as poucas forças regulares que lhe trouxe Caminos e alguns contigentes esparsos, formou López o núcleo de seu novo exército. Incorporou-lhe os dispersos que se apresentaram, os feridos que se restabeleceram e os indivíduos que mandou recrutar, a saber: jovens de 14 a 15 anos e velhos.” (3)

López, no seu coração frio, não aninhava qualquer sentimento de comiseração com respeito, quer aos seus soldados, quer ao seu infeliz povo. Nunca chorou seus mortos, nem se comoveu com a visão dantesca de um hospital, melhor dizendo, de um açougue humano onde os membros imprestáveis eram amputados com a falta de cerimônia com que se esquarteja um animal. Pouco haveria de se importar, também, com as crianças. E vem um Sr. Chiavenatto, qual fora um espectro daqueles que vagavam sobre a carniça, pretender enlamear a memória de um Gastão de Orleans, mesmo que para isso tenha de conceder um velado louvor ao Marquês de Caxias.

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Pois bem, Caxias não deu a guerra por encerrada em Assunção, enquanto ao Conde D’Eu restou a tarefa de liquidar o restante dos paraguaios. Nem uma coisa, nem outra.

Primeiro Caxias.

Luiz Alves de Lima e Silva, marechal do exército, comandante-chefe das forças brasileiras, não tinha autoridade para tanto, e não fez o que não podia.

Doente, após sofrer um desmaio que durou meia-hora, em plena missa, na catedral de Assunção, solicitou e obteve permissão do governo imperial para retirar-se para tratamento, e deixou a seguinte ordem do dia, de despedida, que esclarece qualquer dúvida:

“Comando-em-Chefe de Todas as Forças Brasileiras em Operações contra o Governo do Paraguai

“Quartel-General em Montevidéu, 7 de fevereiro de 1869

“Ordem do Dia no.275

“Achando-me gravemente enfermo, e tendo obtido do Governo Imperial licença para tratar de minha saúde no Brasil, é com o coração oprimido pela dor que sinto, ao separar-me do exército, a quem me coube a honra de comandar, que me dirijo aos meus camaradas para dizer-lhes os meus adeuses, restando unicamente o consolo de os deixar aos cuidados do bravo e distinto general Guilherme Xavier de Souza, que os saberá levar sempre pelo caminho da glória, que até hoje tem trilhado.

“Se, porventura, tiver ainda a fortuna de restabelecer-me nos lares pátrios, contem os meus bravos companheiros de glórias e fadigas, que ainda um dia voltarei para ajudá-los na árdua campanha em que nos achamos empenhados.

“Espero e tenho inteira confiança que a estima, consideração e amizade que de todos mereci, desde o general meu imediato, até os últimos dos meus soldados, serão do mesmo modo prodigalizados ao meu sucessor, sendo religiosamente cumpridas as suas ordens, como sempre o foram as minhas.

“Marquês de Caxias”

Ao Conde D’Eu coube prosseguir as operações em busca do objetivo da guerra: a deposição de Solano López do restante poder que lhe restava.

59 - Crianças cobrem a fuga de López

O trecho de um documento atribuído a Caxias pelo Autor não foi encontrado por

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nós. Não vimos a menor referência. Pelo contrário, Caxias cinco meses antes da data do suposto documento, em ofício confidencial datado de 30 de abril de 1867, dirigido ao próprio Mitre, que continuava sendo o comandante-chefe das forças aliadas (exceto a esquadra brasileira, diretamente subordinada a Caxias) informa ao argentino que “esta circunstância fará adiar o meu projeto, pelo menos até que se extirpe essa maldita peste (o cólera, que já havia matado, só entre os brasileiros, 2.000 homens, dos quais 100 oficiais). (4)

Por outro lado, no dia 20 de novembro de 1867, Caxias estava mais preocupado com o combate de Pilar, travado naquele dia pelo general Andrade Neves à frente de 1.500 homens de cavalaria do exército imperial, reforçados por 500 argentinos, de Hornos.

Caxias, modelo de subordinação militar, honrava-se em ser disciplinado. Sua postura correta, seus conhecimentos da arte da guerra, sua larga experiência em campanhas no exterior, contrastavam com a formação de Mitre, na verdade um general oriundo das revoluções argentinas. Ele se imporia facilmente ao respeito, admiração e amizade de Mitre, que se afastou para resolver problemas internos no seu país, deixando Caxias no comando-chefe interino das forças aliadas.

Caxias, desembaraçado do comandante-chefe incompetente teria, por sua vez, de retardar a execução do seu projeto de flanquear as posições fortificadas paraguaias por motivos administrativos, e porque o poder de combate aliado era insuficiente. A tudo isto veio juntar-se o cólera.

Mitre retornou, mas, pouco tempo depois, deixou o Paraguai definitivamente, já vimos.

Atribuir ao presidente e general argentino o desejo de prolongar a guerra é desconhecer o que se passava naquele país. A situação política interna merecia cuidados da sua parte. Não havia unanimidade no apoio à guerra, e ele se desgastava face aos seus adversários que lhe cobravam a promessa feita no início das hostilidades: “em três dias nos quartéis, em três semanas no Paraguai, em três meses em Assunção.”

Considere-se que os lucros da guerra não davam para o governo argentino cobrir suas despesas, e mesmo mantendo um efetivo muito abaixo do combinado com os outros aliados, teve que contrair empréstimo no exterior.

Em resumo: o Autor atribui a Caxias o que ele não disse, embora seja um segredo de polichinelo que a fraca condução de Mitre tenha impedido aos Aliados de seguir avançando vitoriosamente. A primeira vez, logo após a batalha de Tuiuti, quando batemos fragorosamente os paraguaios e deveríamos, ato contínuo, partir para o ataque a Curupaiti. Foi a melhor ocasião para nós, face à fraqueza e desorganização do inimigo. A seguir, López lhe propõe a conferência de Iataiti-Corá, com o fim de ganhar tempo visando a ultimar as obras de organização do terreno que estava desenvolvendo. Quando decidiu atacar Curupaiti, a posição estava de tal forma organizada que o poder de combate disponível se revelou insuficiente. Sofremos perdas consideráveis e Caxias, que chegaria após este desastre, teria muito trabalho e perderia, ele próprio, muito tempo para refazer nossa máquina de guerra.

O Autor faz, também, um jogo de palavras para concluir que “foi a guerra sem quartel” (até então ele atribuira a Mitre o embaraço das ações) que “provocou a resistência sem esperança: por isso surgiram os batalhões de crianças.”

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Cremos que depois de tudo que já expusemos até aquí, somente crianças mesmo vão aceitar a justificativa do Autor para mais este crime de López (e os adjetivos começam a faltar para caracterizá-los!)

O item que estamos refutando é um outro samba do crioulo doido. Caxias já tinha se retirado quando começou a perseguição a López, na chamada Campanha das Cordilheiras.

A guerra teria terminado se López entregasse o governo, como já vimos muitas vezes, e as crianças teriam sido poupadas dos horrores da guerra. Porém nada, nenhum jogo de palavras pode justificar o crime de lançar em combate seres em formação.

É tarefa algo cansativa esta de rebater o palavreado ilógico, imoral e terrivelmente inverídico do Sr. Chiavenatto. Mas, imagino que a paciência dos leitores ainda seja maior que a nossa. Por isso, prosseguimos.

Não se põe em dúvida a bravura da gente guarani. Temos, sim, como povo civilizado, que lamentar a inútil resistência movida por López: custou a vida de milhares de moços, cheios de vida e de projetos que incluiam a fundação de tantos lares; homens mais maduros foram ceifados das suas famílias, deixando órfãos e viúvas; quantos não voltaram mutilados, inválidos, imprestáveis para sempre?

A quem podia interessar o prolongamento da tragédia? Evidentemente, só a Solano López e sua amásia. Eles gozavam do poder e do fausto, indiferentes à miséria do seu próprio povo. Ambos vestiam-se magnificamente, com bordados a ouro sobre tecidos finíssimos; comiam e bebiam com requinte e fartura. López era saudado por seus vis bajuladores como maior que Bolívar e San Martin, melhor general que Alexandre e Aníbal, uma espécie de Cristo paraguaio. Madame Lynch e seus filhos eram as únicas pessoas seguras naquelas bandas.

Querer imputar a Mitre a vontade de prolongar a guerra, ou a qualquer pessoa, que não sejam o tirano e sua companheira, é brincar com a nossa inteligência.

Mitre era cobrado diariamente por sua agressiva oposição. Caxias já estava envelhecido e ia progressivamente tendo a saúde abalada pelas asperezas da campanha. D. Pedro II não agüentava mais as despesas tremendas.

Só López estava bem e apostava na quebra dos Aliados. Se pudesse, eternizaria a situação obtida após o assalto a Curupaiti.

Algumas retificações:

- a esquadrilha paraguaia nunca se comparou à esquadra brasileira. Na batalha do Riachuelo os paraguaios partiram com um número de navios igual aos da nossa divisão, estacionada próximo a Corrientes, deixaram o melhor deles para trás e nos enfrentaram com navios comerciais de madeira a vapor, adaptados para a guerra, inclusive o nosso Marquês de Olinda, roubado antes da declaração de guerra. A presença das chatas artilhadas aumentava o poder de fogo dessa esquadrilha, complementado pela artilharia de campanha, em terra, e pela infantaria embarcada. Daí para a frente nós só fizemos crescer em número e qualidade dos navios, que passaram a ser totalmente de aço, os couraçados, enquanto os de madeira receberam proteção de chapas, como blindagem dos cascos. Iríamos ter a terceira marinha de guerra do mundo no pós-guerra, e a segunda frota mercante.

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- já vimos como evoluiu a indústria nacional. Muitos desses navios foram fabricados (não adaptados como no Paraguai) no Brasil, inclusive couraçados. E o interessante é que não tínhamos uma política protecionista que favorecesse a industrialização, enquanto o Paraguai dos López buscou com afinco implantar uma indústria bélica, fazendo o que fosse necessário para isso;

- o canhão “El Cristiano” foi tomado em Angostura e, atualmente, se encontra num páteo do Museu Histórico Nacional, onde pode ser contemplado como um troféu sob nossa custódia. Destino mais nobre, dado por Deus, àquela massa de bronze resultante da fundição dos sinos das igrejas paraguaias;

- Ibicuí era uma forja de material bélico, tinha de ser destruída. Sua própria localização denunciava um plano de fuga por parte do seu idealizador;

- O capitão Insfran, comandante da guarnição de Ibicuí, seguia os exemplos do seu sanguinário líder: torturava prisioneiros, e matava-os de fome e a pontaços; fez degolar mais de uma pessoa. O tenente-coronel Coronado (e não Coroado) que tinha por comandante-chefe um general do seu país, a Argentina, comandou uma incursão sobre aquelas instalações com a finalidade de libertar prisioneiros e destruir sua capacidade produtiva. Relata Mario Barretto: “maniatado Insfran, aprisionados os combatentes que resistiram tenazmente à conquista de Coronado, é rebuscado o estabelecimento da referida fábrica e, então, um espetáculo horrendo, pelo dantesco do imprevisto, turva a vista dos nossos aliados ao aspecto daqueles seres humanos que, pouco a pouco, são retirados das enxovias, dos calabouços, libertos das correntes que os jugulavam aos terríveis cepos, todos nus, exceto alguns que tinham a lhes cair sobre o corpo uma pequena tira de couro cru, pendente da cintura, que simulava cobrir o baixo ventre, todos esquálidos, com os corpos assinalados pelos ferros do cativeiro, bando de míseros seres em que a tortura, as intempéries, a fadiga excessiva, a falta de alimentação e a reclusão, forçada e prolongada, em lóbregas dependências daquele estabelecimento sem ar, sem luz, onde não havia o menor respeito à higiene, em que tudo isso trabalhava para a consunção que, dentro em breve os entregaria à Parca, se antes a loucura não estendesse sobre eles o manto, nesses casos providencial, da inconsciência (...)” (6) Em Ibicuí foram libertados 141 prisioneiros, Insfran foi degolado por ordem de Coronado (e não fuzilado);

- não se negava ao Paraguai a oportunidade do soerguimento da sua economia, mas se apagava a memória daquele circo de horrores. Assim como a fábrica de ferro de Ibicuí, também foram destruídos: o arsenal de Caacupé, que fora para lá transferido de Assunção; a fábrica de pólvora. López mandou atear fogo nos seus pequenoos navios restantes, abrigados em um curso de água muito raso para dar passagem aos nossos. O estaleiro foi poupado: serviria para o soerguimento econômico, construíndo e reparando embarcações. O restante da pequena indústria paraguaia, como vimos, era destinada à fabricação e reparo de material bélico; (7)

- no início da guerra era flagrante a superioridade das forças de López. A demora nas operações aliadas se deveu ao nosso despreparo, já que não se pensava em tal guerra, e à guerra civil no Uruguai;

- como temos visto, as fortalezas paraguaias foram tomadas de assalto por nossas forças. Se durante o sítio preliminar houve fome e falta de munição, isso é próprio da guerra. Cabe a quem se imobiliza em fortalezas prover do necessário suprimento as suas forças, sob o risco de transformar esse instrumento de defesa numa ratoeira. O Autor

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sugere que não deveríamos sitiar e desgastar o inimigo até o momento do assalto, isto é, que deveríamos conceder ao inimigo uma vantagem e retirar dele uma desvantagem. O que ele lamenta, mesmo, é que tenhamos ganho a guerra;

- Humaitá sofreu um “reconhecimento à força”, operação típica de cavalaria, mas, que em se tratando de uma fortificação, exige o concurso da infantaria para escalar os parapeitos dos entrincheiramentos, da engenharia para construir os acessos e da artilharia para cumprir suas normais missões de apoio. Assim, Osório foi designado por Caxias para comandar esse reconhecimento com uma força composta de 2 divisões de infantaria, um corpo de cavalaria, uma brigada de artilharia e o batalhão de engenheiros, tendo-lhe sido indicado o ponto da praça que deveria ser reconhecido e, se sua escalada não custasse muitos sacrifícios, ela deveria ser levada a efeito. (8)

Humaitá era a “Sebastopol Sul-Americana”. Consistia de um reduto circundado por uma série de fortificações secundárias, interligadas por extensos entrincheiramentos e linhas de obstáculos que se apoiavam num terreno extremamente favorável à defesa e, em conseqüência, extremamente difícil para o ataque. Esse conjunto era conhecido como o Quadrilátero.

Humaitá barrava o Rio Paraguai num ponto, também de excepcionais características defensivas. Sua artilharia de grosso calibre voltada para o rio era distribuída por uma série de baterias muito bem assentadas, sendo uma delas, a bateria Londres, protegida por casamatas. O rio fazia uma curva que facilitava a concentração dos fogos defensivos sobre os navios que penetrassem nessa verdadeira armadilha de grandes proporções, e era cortado por uma corrente de lado a lado com torpedos cuidadosamente colocados nos pontos de passagem obrigatória das belonaves.

Competentes oficiais das marinhas inglesa, francesa e norte-americana, especialmente o ilustre e bravo almirante Mouchez, eram de opinião ser impossível o forçamento de Humaitá, isto é, a operação naval que consiste em subir o rio passando pelos fogos da fortaleza.

Mas, os chefes brasileiros, que não se tinham perturbado com as críticas da imprensa argentina irresponsável, face à demora da decisão brasileira em forçar com sua esquadra a fortaleza de Humaitá, também não se importam agora, quando chegou o momento da verdade, de lançar a esperada operação. O fato novo foi a chegada, ao Teatro de Operações, dos primeiros monitores, couraçados de bolso contruídos no Brasil, cujas pequenas dimensões e menor exigência de nível de água para navegar e manobrar, viriam a dar uma nova mobilidade à nossa esquadra.

Tudo pronto, a ofensiva começou com o forçamento pela esquadra, operando com uma pequena força-tarefa (divisão na época) composta de 3 cruzadores que levavam atracados do lado oposto 1 monitor cada um. Os cruzadores iriam proteger com sua artilharia poderosa os seus filhotes que seriam desligados dos seus corpos no momento oportuno; passariam por cima da barriga que a corrente fazia na agua, e depois tratariam de cortá-la e dar passagem às naves-mães. (9)

Em terra, uma série de operações coordenadas faria simular um ataque geral.

A descrição das operações navais é impressionante, pelo heroísmo dos chefes e da marujada brasileira.

Só um dos navios recebeu mais de 200 impactos diretos na sua blindagem. Um

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monitor, com avarias nas máquinas, subiu e desceu o rio três vezes, se expondo aos fogos concentrados da artilharia de Humaitá.

Ao todo, naquele teatro em que se representava o drama sul-americano, mais de 400 canhões atiravam numa cadência frenética, cujo troar, nunca dantes ouvido naquelas paragens, haveria de causar danos psicológicos até no impassível López.

O drama tem o seu primeiro ato completado por uma série de vitórias em terra pelas forças de Caxias, ressaltando-se, pela sua importância, a tomada do forte do Estabelecimento.

Rompido o quadrilátero, forçada a passagem de Humaitá, o reduto final estava pronto para ser assaltado.

Prudentemente, Caxias lança Osório no famoso reconhecimento, que pelo seu ímpeto, e pela soma dos acontecimentos anteriores, faz crer ao inimigo que já era o ataque propriamente dito. Osório, entretanto, cumprida a missão de reconhecer o ponto desejado por Caxias, se retira.

Os paraguaios decidem não esperar o ataque final, e começam a evacuar Humaitá. Logo depois a praça é assaltada, os fugitivos são cercados na margem direita do rio e se rendem, perdas imensas sofreram os paraguaios na fuga pelo afundamento de suas pequenas embarcações e na lagoa Vera onde se esconderam. Ao todo contamos 4.000 mortos e fizemos 1.300 prisioneiros. “Depois de fornecermos vestuários para os que necessitavam e alimento, os prisionieros de guerra seguiram para Humaitá.” (10)

Dentro da praça de Humaitá foram encontrados poucos sobreviventes, mas havia muita artilharia, munições, material bélico diverso, depósito de víveres para um mês inteiro de sua guarnição.

A rendição paraguaia na margem direita foi negociada com o seu comandante, o coronel Martinez. López, como já vimos, iria vingar-se desse revés irremediável...na sua prima, mulher de Martinez!

Quando o Autor tenta transformar essa derrota catastrófica de López num ardil da sua inteligência, na verdade brinca com a inteligência dos seus leitores, mais uma vez.

As perdas totais paraguaias, com precisão, foram: 4.000 mortos, 1.327 praças e 98 oficiais prisioneiros; 179 canhões; 676 fuzis; 408 baionetas; 90 carretas; 38 armões; e volumoso material miúdo. (10)

- A esquadra brasileira, cujos feitos na passagem de Humaitá seriam elogiados em todo o mundo, operava em coordenação com o exército, que avançava por terra. Não poderia se adiantar a este. Das instruções de Caxias ao almirante, em 27 de junho de 1867, retiramos este trecho elucidativo: “Se no dia 1o. de julho futuro tiver passado o 3o. Corpo de Exército o Rio Paraná, em Itatí, no dia 2 deverá o grosso do exército principiar a marcha do Passo do Tio Domingo com direção a S. Solano, donde irá tomar posição para atacar Humaitá ou sitiá-la se não a puder assaltar. A esquadra não deve empreender a subida do Rio Paraguai antes de ter certeza de estar o exército naquela altura (...)” Caxias era a própria manobra, enquanto López a sua antítese, a imobilidade. Por duas vezes Caxias empreendeu marchas de flanco com as quais não contava o amador López, caindo à sua retaguarda. Estático foi D. Solano, que só sabia se proteger atrás dos grossos taludes das fortificações, e quando não mais dispunha delas, quando teve que nos enfrentar em campo aberto, no Campo Grande, protegeu sua fuga com

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crianças.

Cremos que este item está bem respondido, contudo vamos encerrá-lo com uma chamada da atenção dos nossos leitores para um aspecto da obra da traição. O Autor, que joga pelo time adversário, diz “plata” ao invés de prata, e sua preferência pela lingua do adversário, numa tentativa de nos deprimir até mesmo nos menores detalhes, vai ao ponto de denominar a batalha de Campo Grande de Acosta Ñu, como a batizaram do lado oposto.

60 - Campo Grande: Crianças combatem enquanto López foge

Para se entender a batalha de Campo Grande, o último encontro de vulto da guerra, denominada pelos paraguaios, como acabamos de ver, Acosta Ñu, mas também Ñu-Guaçu e Diaz-Cuê, é preciso que se faça um rápido enquadramento desse encontro de forças no quadro da guerra.

Por certo, não cabe numa refutação a descrição detalhada, completa, dos fatos históricos. Mas, limitarmo-nos a um mero palavreado sem uma adaquada fundamentação histórica, traçando o curso dos acontecimentos com o detalhamento mínimo necessário à compreensão dos fatos, é o mesmo que admitirmos como verdadeira a cobertura que o Autor lança para assoalhar as suas mentiras, distorções e conclusões sacadas do nada. Ele diz isto na página 11 da sua obra:

“A maioria absoluta dos livros é uma descrição particularizada de eventos ou batalhas (...) Há porém, que ter o cuidado de não condenar nessa safra de historiadores alienados livros que testemunham a guerra em si, escritos por homens que participaram militarmente da campanha. Ou como o Coronel José Bernardino Bormann, lembrando um autor sério e geralmente desconhecido do público.”

Cabem ligeiras considerações sobre as afirmações do Sr. Chiavenatto:

1a) a descrição particularizada de eventos ou batalhas (que também são eventos) é a própria maneira de se fazer História. É organizar cientificamente o conhecimento do passado; (11)

2a) alienação, enquanto categoria marxista, não pode logicamente ser lançada sobre esses historiadores que trabalham no levantamento exaustivo da realidade passada, cujas obras constituem as chamadas fontes;

3a) as testemunhas têm os seus valores aferidos não só pela visão direta dos acontecimentos, mas pela amplitude dessa visão, pelo preparo técnico e sua idoneidade, etc. Fundamentalmente, a testemunha visual, em combate, só vê uma parte do imenso palco dos acontecimentos e, está claro, quanto mais alto é o seu posto de observação mais amplamente ele descortinará o espetáculo. Mas, em tudo persistem as limitações, senão um comandante-chefe não exigiria relatórios e partes de combate dos seus subordinados, e não necessitaria abrir inquéritos e sindicâncias para apurar fatos controvertidos ou por ele desconhecidos. Se é certo que os participantes muito têm para contar, os pesquisadores, mais tarde, no silêncio dos gabinetes, na barafunda dos arquivos antigos, e no fundo das bibliotecas, irão juntar as peças desse quebra-cabeças que é a feitura da História. O Autor os despreza, e na medida em que o faz, toda a sua

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crítica se transforma em pura maledicência;

4a) num ponto, entretanto, concordamos: o coronel Bormann é autor de uma dessas fontes, e autor sério, e merece ser melhor conhecido. Vamos, então, basear todo este item na sua obra, transcrevendo os trechos do Vol. III, Cap. III, contidos entre as páginas 67 e 79:

“(...) vai seguindo o general-em-chefe (12) com todo o 1o. Corpo o movimento da infantaria, que marcha na frente, às ordens, como dissemos, do general Pedra.

“O general Vasco Alves, com a força de cavalaria, na vanguarda do mesmo 1o. Corpo, depara também, ao trovejar os canhões do 2o, com a retaguarda inimiga e espera a chegada do grosso daquele exército, ora carregando com os seus esquadrões, ora tiroteando em campo raso, em uma localidade conhecida por Ñu Guaçu, cuja tradução é Campo Grande.

“Em Campo Grande, pois, é a retaguarda do inimigo surpreendido em sua marcha, como o fora a vanguarda por Caraguataí.

“Estão assim as forças paraguaias entre dois fogos.

“A natureza do terreno não lhes permite uma manobra pelos flancos para evitar a perigosa situação, e, quando partisse, era tarde para efetuá-la, porque elas sentem já a ponta das espadas dos aliados picar-lhes o peito e os rins.

“Em tal conjuntura só têm duas resoluções a tomar: entregar as armas ou combater com certeza da derrota, se algumas das circunstâncias raras, que às vezes surgem nas batalhas, por precárias que sejam as condições de um dos adversários, não vierem transformar a vitória do outro em imprevisto desastre.

“O general Caballero, chefe das forças inimigas, prefere combater.

“À proporção que as forças que marcham de Caacupê vão aparecendo em Ñu Guaçu ou Campo Grande, Caballero prepara-se para a luta, estendendo a sua linha de batalha, depois de fazer frente para a retaguarda.

“Não pode, porém, deixar de atender ao 2o. Corpo, que, depois de separá-lo de sua vanguarda, ameaça-lhe a frente primitiva, e por conseqüência opõe-lhe algumas forças.

“O general Victorino vê-se impossibilitado de empenhar todo o seu exército na batalha que se vai ferir em Nu Guaçu, por ter necessidade de observar e segue pelas matas de Caraguataí, ocupada por algumas forças da vanguarda inimiga, caminho por onde o ditador López seguira, e por onde pode contramarchar, ao saber que se acha comprometida a maior parte do seu exército.

“O fogo dos clavineiros da divisão do General Vasco Alves, à proporção em que aparece a infantaria no campo em que tem de ser ferida a batalha, vai cessando de vigor, porque alguns batalhões estendem-se em atiradores e travam com os do inimigo a fuzilaria que anuncia o começo da ação.

“Caballero reforça os seus atiradores e coloca alguns canhões na linha ocupada por eles.

“O marechal Gastão de Orleans chega ao teatro da luta e opõe à artilharia inimiga

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as gloriosas baterias dos nossos regimentos.

“A nossa linha de batalha completa-se com a presença do resto das forças do 1o. Corpo.

“Caballero conserva o grosso do seu exército apoiado em um bosque e nas proximidades do Arroio Iuquereí.

“O fogo, quer de infantaria, quer de canhão, toma pouco a pouco maior vivacidade de ambos os lados.

“Depois de duas horas, as fuziladas e os canhonaços obrigam o inimigo a ceder um pouco de terreno e a manobrar no intuito de passar o arroio.

“As nossas forças avançam; o terreno é excelente para o emprego da cavalaria, porém a maior parte desta arma está no 2o. Corpo.

“O general-em-chefe manda avançar a brigada Deodoro, de infantaria, que vem à retaguarda.

“O inimigo consegue passar o arroio e em suas imediações a luta assume proporções terríveis porque ele procura tolher-nos o passo. O comandante-em-chefe partilha os perigos daquela situação solene.

“O general Pedra, com a espada na mão, combate contra três paraguaios; com uma cutilada deita por terra um dos adversários, outro cai morto por um soldado, que corre em proteção ao general, que, investindo contra o terceiro, vê-o fugir. Pedra recebe um ligeiro ferimento no pescoço.

“O marechal Gastão de Orleans permanece demasiadamente exposto; o seu estado-maior cerca-o e pondera-lhe a inconveniência de continuar no meio daquele conflito, que vai se prolongando. O próprio piquete do marechal carrega o inimigo e toma-lhe uma bandeira.

“A brigada Deodoro reforça as colunas de ataque e passa-se, enfim, o arroio, cheio de cadáveres inimigos e de feridos. Caballero forma nova linha de batalha, perpendicular à primeira, e a luta prossegue.

“Por toda a parte ouvem-se os trovões da artilharia e o estampido da fuzilaria, e esse espetáculo aumenta agora de horribilidade, porque de vários pontos do terreno arrebentam grossos rolos de fumaça, densas nuvens, ora pardacentas, ora esbranquiçadas, rasgadas por enormes línguas de fogo.

“É a macega que cobre o campo de batalha que está em chamas!

“As labaredas vão carbonizando os mortos; e os feridos que podem fugir lá vão soltando gritos e lamentações ao aproximarem-se aquelas serpentes de fogo. No meio destas cenas de horror o general-em-chefe observa que o flanco direito do inimigo, com o decorrer da batalha, está completamente no ar, isto é, sem apoio; manda, pois, envolvè-lo por alguns batalhões e dois corpos de cavalaria.

“Esta manobra, se o inimigo não recuar de novo para proteger o flanco, decidirá a ação.

“Caballero, porém, compreeende a gravidade da situação, e recua a linha de

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batalha, opondo sempre desesperada resistência. Passa outro arroio, que corre pelo campo da ação, e procura aí sustentar-se.

“Já decorreram quatro horas e a batalha prossegue sempre encarniçada de ambos os lados. As nossas forças, apesar da terrível resistência que o inimigo opõe da barranca do arroio, passam-no e, ao chegarem na margem ocupada por ele, são repelidas; voltam, carregam, conseguem sustentar-se.

“Então chega precioso reforço, uma brigada de cavalaria brasileira, e ouve-se também nesse momento a fuzilaria da infantaria do 2o. Corpo à retaguarda do inimigo.

O general-em-chefe ordena à cavalaria que carregue sobre os paraguaios. (13)

“Os esquadrões lançam-se com a impetuosidade do tufão; os adversários resistem e repelem a carga; aqueles voltam para de novo atirarem-se às baionetas e fuzilaria inimigas.

“Nas forças paraguaias vai aparecendo a desordem que as continuadas cargas de cavalaria produzem.

“Acossadas cada vez mais pela infantaria do 2o. Corpo, que lhes aparecera pela retaguarda; batidas, dizimadas, pela frente pele metralha e fuzilaria do 1o. Corpo e agora cutiladas, lanceadas pela brigada de cavalaria, é impossível àquelas forças prosseguir na batalha; declara-se então, a derrota e os sobreviventes procuram fugir.

“Os esquadrões cutilam os que não se rendem.

“O campo fumegante da ação está juncado de mais de 2.000 cadáveres inimigos e 2.300 prisioneiros, (14) 23 canhões, grande número de bandeiras, carretas, carros de munição e armamentos ficam em nosso poder.

“Esta batalha durara 5 e 1/2 horas; custou-nos apenas 500 homens fora das fileiras. O general-em-chefe ao passar por Caacupê, onde o ditador tinha uma grande fundição (o arsenal) e um vasto hospital, libertou grande número de estrangeiros e compatriotas que aí se achavam; mandou destruir a fundição e atender os doentes, que jaziam na maior miséria.

“A estrada ou picada que segue pelas matas que separam Barreiro Grande de Caraguataí continuará a ser observada pelas forças do 2o. Corpo.

“A cauda da vanguarda do ditador aí se entrincheirara, defendida por uma bateria de 12 bocas de fogo. Tudo isso indicava que não penetraríamos em Caraguataí (a 4a. capital de López) sem novo combate.

“O marechal López ordenara que essa força, sob o comando do coronel Ayrosa tolhesse-nos a marcha com toda a energia. O ditador queria ganhar tempo e terreno para não sentir muito próximo de si o tropel dos nossos batalhões e regimentos.

“O dia seguinte ao da batalha de Ñu Guaçu ou Campo Grande foi dedicado ao repouso do exército, que bem o merecia.

...................................................................

“Um fato passado na noite de 17 encheu de indignação as forças do 2o. Corpo.

“Um soldado brasileiro, bagageiro de um bravo oficial, o tenente Corte Real,

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dirigia-se, com a bagagem de seu camarada, do 1o. Corpo de Exército para o 2o.; erra o caminho, porque caminhara à noite, e cai nas avançadas inimigas. Estas, depois de saquearem a bagagem, inflingem ao mísero soldado os mais atrozes tormentos; mutilam-no de modo repugnante; despem-no, passam-lhe uma corda ao pescoço, e arrastam-no, semivivo, pela frente de suas posições.

“Na manhã do dia 18 o general Victorino manda avançar... Na estrada, e próximo à fortificação, está o cadáver horrivelmente mutilado do soldado, e ainda tem a corda ao pescoço.

“A indignação toca aos últimos limites!

“Uma das baterias... avança a trote em direção à trincheira e, à distância de 50 metros metralha o inimigo.

“Os canhões inimigos pouco a pouco emudecem; os batalhões carregam a baioneta e em duas horas a posição é nossa; o general Câmara, com a 2a. Divisão penetra então na picada e persegue os fugitivos.

“Os paraguaios deixaram em nossas mãos 12 bocas de fogo, 200 cadáveres e 400 prisioneiros (14). O general Victorino, sob sua responsabilidade, mandou passar pelas armas alguns oficiais em represália ao bárbaro assassinato do soldado.” (Até aqui, a longa citação de Bormann, que o Autor não pode deixar de aceitar como verdadeira - como de fato é - sob pena de desdizer-se).

Notem os leitores que o Autor apoia todas as suas mentiras no “despacho” forjado, de Caxias ao Imperador.

O que ele fez é repugnante. Suponhamos que alguém decidisse forjar um “depoimento” semelhante, atribuindo a López um crime que ele não cometeu e se pusesse a explicar tudo pela interpretação freudiana. Mal comparado, porque se trata de um criminoso; entretanto, a sua memória estaria comprometida por uma acusação injusta e isto de nada serviria para a educação da juventude, que é o que as gerações mais maduras têm a obrigação de realizar.

Pedimos a sua atenção para as acusações que se seguem, relacionadas com a batalha de Campo Grande, respondidas por Bormann, elogiado pelo Autor, que ou não leu a sua obra e citou-o de orelhada, ou, se a leu, não entendeu. O texto do coronel José Bernardino Bormann, que atingiu o generalato e é, hoje, o patrono de uma das cadeira do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, além de preciso é particularmente claro.

Sabe-se que um mal que atinge os comunistas e contestadores inconseqüentes lhes é causado pelo contínuo uso da mentira, da meia-verdade e da manipulação semântica, e aparece sob a forma de dificuldade crescente de entendimento correto dos fatos, textos e discussões. A constatação nos dá o que pensar.

A ligeira descrição que o Autor faz da batalha de Campo Grande, pretende apoiar-se, em dado momento, em Tasso Fragoso, dizendo: “Os paraguaios ficaram, como acentuou Tasso Fragoso, num círculo de fogo.”

Tivemos o cuidado de reler, com atenção, todos os itens da obra do general Augusto Tasso Fragoso a fim de encontrar, entre as p. 330 e 353 do Vol. IV, que trata da batalha de Campo Grande e ações correlatas e simultâneas ocorridas no Teatro de

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Operações, a expressão “círculo de fogo”. Não a encontramos, e nem poderiámos encontrar, pois o mestre sabe melhor que nós que em Campo Grande não ocorreu um cerco das forças paraguaias, como sugere a palavra círculo, e depois é explicitado pelo Autor com a enumeração dos comandantes que atacaram “pelos quatro lados”. Ora, o que aconteceu, se não dá para deduzir da narrativa de Bormann, podemos complementar com o seguinte trecho de Tasso Fragoso: “Todos compreenderam nitidamente que o inimigo está metido entre as asas de uma tenaz, que rapidamente o vai apertando”. A tenaz tem duas asas e aperta o que está no meio delas por dois lados, no caso, foi pela frente e pela retaguarda.

Adiante, o Sr. Chiavenatto fala: “ (...) numa flagrante desproporção de forças de cinco brasileiros para cada paraguaio (...)”

Por falta de dados disponíveis mais exatos, um mapa da força, tivemos que calcular as forças brasileiras, envolvidas por partes nessa batalha e, mesmo assim, sabendo que, nem todas as unidades chegaram realmente a ser empregadas no combate, apuramos um total de 12.500 homens (soma dos efetivos dos corpos empenhados, considerando os efetivos completos) e encontramos, do lado paraguaio, cerca de 4.500 homens (somando os mortos, prisioneiros e os que escaparam). Assim, a razão baixa de 5:1 para 2,77:1, o que não é exagerado num combate de encontro, mas, o que se conclui claramente é que, a despeito de todo o empenho de Caballero e da bravura dos soldados paraguaios, o sangue derramado foi inútil. A rendição, naquelas condições, não teria sido desonrosa.

Depois de tudo o que mostramos, querer atribuir aos brasileiros a crueldade de atear fogo na macega para carbonizar as crianças feridas, chega a ser ridículo. Bormann, aceito pelo Autor, já nos informou sobre o fogo na macega: não foi depois, foi durante, e não foi ateado por brasileiros. Mas já que o Sr. Chiavenatto falou no assunto e citou Tasso Fragoso (porque, certamente, também o reputa um autor idôneo), vejamos o relato deste:

“A resolução do inimigo era natural: obrigado a ceder terreno (na batalha de Campo Grande) buscava acercar-se do arroio e utilizá-lo como linha de defesa. Provavelmente não se esquecera de colocar previamente na margem direita um escalão de acolhimento, nem de lançar mão de tudo quanto pudesse retardar a marcha dos brasileiros. É assim que vai queimando a macega que precede o Iuquerí, resseguida pelo estio, e faz o mesmo depois entre o Iuqueri e o Peribebuí.” E uma nota de rodapé arremata: “Esse incêndio gerava, além do fogo, nuvens de fumo, que por vezes “não deixavam quase perceber a posição do inimigo.” (15)

Vejamos, agora, o caso das crianças vergonhosamente empregadas para que o Marechal Francisco Solano López continuasse sua fuga... e seguisse em segurança para Cerro Corá, enquanto os “niños combatientes retardariam as tropas brasileiras” no dizer do próprio Autor, que não tem sensibilidade para repelir o hediondo crime e o relata com naturalidade.

Vamos chamar a depor, novamente, o coronel Bormann:

- o fato ocorreu durante a perseguição a López: “Dos prisioneiros 5 oficiais e 87 praças se achavam feridos, e mais de 100 eram crianças entre 8 e 14 anos! Galeano obrigara muitas famílias a acompanhá-lo. Elas foram libertadas desse verdugo com a nossa vitória, e tratadas com toda a humanidade. As crianças, já arvoradas em combatentes, foram entregues à suas famílias, cujo estado de miséria era

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indescritível.” (16)

- ainda nessa mesma fase: “Então a luta trava-se no interior da posição, a arma branca (...) facilmente arrancam as armas às mãos imbeles de jovens, verdadeiras crianças, que mal as podem erguer para desferir golpes.” (17)

O saque de Assunção também é narrado por Bormann:

“O velho vice-presidente Francisco Sanches, instrumento inconsciente do marechal López, por decreto de 1o. de dezembro, ordenou que a cidade fosse evacuada e que todos que possuiam interesses, quer em dinheiro, quer em quaisquer outros bens móveis, retirassem-nos dalí até o dia 6 daquele mês, não sendo permitido do dia 7 em diante, sob pena de morte, entrar na cidade sob pretexto algum (...)

À vista de tal decreto, a parte da população que não se havia retirado para Luque, tratou em 24 horas e, por conseqüência, precipitadamente, de retirar-se, e grande parte, não tendo meios de transporte, apenas se retirou com a roupa do corpo.

“Reinava, pois, na ex-capital o maior terror.

“Um juiz percorria as ruas lendo o decreto e ameaçando de morte os infratores.

“Os estampidos e o sibilar dos canhões e projetis da nossa esquadrilha, que ali já se tinham escutado mais de uma vez, não produziram o terror no mísero povo como a catadura desse juiz e a leitura desse,decreto, que não passava de um infame pretexto para o saque e o roubo , ordenado pelo marechal López aos seus esbirros, no intuito de aumentar o seu colossal pecúlio, arrancado em poucos anos ao suor de uma nacionalidade infeliz.

“Apenas a população abandona a cidade, começou o saque por ordem do governo.

.................................................................

“Quantidade considerável de ouro amoedado e em jóias, pedras preciosas, produto desse monstruoso latrocínio, foram enviados ao marechal Francisco Solano López, presidente da República do Paraguai que, para vergonha e opróbrio da humanidade, é ainda hoje considerado por alguns homens como um herói americano.

.................................................................

“Era costume da parte do povo enterrar os mortos deitando no caixão jóias e outros objetos de valor; pois bem, no delírio do saque, do latrocínio, o cemitério, o campo santo, apesar dos sentimentos religiosos do povo, não foi respeitado.

................................................................

“Respeitaram só o túmulo do general Diaz, por ordem do marechal López.

“Foi uma razzia completa, nos vivos e nos mortos, autorizado pelo governo! (Os negritos são todos nossos).

...................................................................

Quanto ao “governo títere imposto” algo já dissemos. Apenas convém repetirmos que poderíamos ter organizado um governo militar de ocupação, como os americanos

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fizeram, por exemplo, no Japão, com o general Douglas Mac Arthur. Preferimos deixar aos paraguaios a escolha livre, dentro das circunstâncias em que se encontrava o país, de uma junta governativa provisória, cujo primeiro ato foi declarar López fora da lei. Daí, todo o ódio do Autor.

A seguir, veremos morrer o herói do Sr. Chiavenatto.

Notas:

(1) Apud Bormann, Op. Cit. Vol. I, p. 339.

(2) Dionísio Cerqueira, Op. Cit., p. 290.

(3) Tasso Fragoso, Op. Cit., Vol. IV, p. 227.

(4) Schneider, Op. Cit., Apdc. ao Vol. III, p. -II.

(5) Com o sino que ainda restavam fundiram outro canhão e organizou-se sua alma para balas Withworth de 150, que os paraguaios tinham aos milhares, atiradas pelos inimigos. Deram-lhe o nome de Criolo. Foi montado em Assunção. Cfm. Tasso Fragoso, Op. Cit., Vol. III, p. 213.

(6) Mario Barretto, Op. Cit., Vol. I, p. 25-27.

(7) Para que se aquilate as verdadeiras dimensões dessa incipiente indústria paraguaia, tão exaltada pelo Autor, basta lembrar que, além dos estabelecimentos que tínhamos no Brasil, fomos capazes de instalar, por ordem de Osório, na cidade argentina de Corrientes, uma fábrica de cartuchos, que até 19 de janeiro de 1866 já havia produzido 138.000 cartuchos de infantaria pesada, 178.000 de infantaria ligeira, 1.041.00 cápsulas fulminantes e 410.000 cartuchos de cavalaria e 300.000 de pistola. A esse estabelecimento denominou-se oficina para a fabricação de cartuchame, e dele nunca se fez alarde.

(8) Apud Bormann, Op. Cit., Vol. II, p. 149.

(9) Isto sim é uma inovação tática e técnica, não aquelas bobagens inventadas pelos “patrioteros” guaranis e entusiasticamente citadas pelo Sr. Chiavenatto.

(10) Bormann, Op. Cit., Vol. II, p. 169.

Para a descrição da tomada das fortificações paraguaias consultar as obras de Tasso Fragoso e Bormann. Este, por exemplo, trata do assunto:

- Curuzu: Vol I, p. 45;

- Curupaiti: Vol. I, p. 249, 267; Vol. II, p. 7, 12, 13;

- Humaitá: Vol. II, p. 100, 162.

(11) Para um aprofundamento da questão consultar a obra do professor Marrou, muito citada na Introdução deste trabalho.

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(12) Usamos a grafia atualizada nas transcrições de documentos, respeitando, entretando, os galicismos comumente empregados na época: comandante-em-chefe, general-em-chefe.

(13) Escreveu o Autor: “apenas as patas dos nossos cavalos não foram argentinas, mas brasileiras”. Certamente porque os argentinos chegavam, sempre, atrasados aos locais das batalhas e combates nessa fase de movimentos rápidos.

(14) Isto responde a “patriotera” do Sr. Chiavenatto: “o soldado paraguaio (...) prefere morrer a render-se”, que atribui maldosamente a Caxias!

(15) Tasso Fragoso, Op. Cit., Vol. IV, p. 332.

Para outros relatos de fogo na macega e incêndios: Bormann, Op. Cit.; Vol. I, p. 212; Vol. 2, p. 67; vol. III, p. 7, 27. Todos ateados pelos paraguaios.

Anteriormente já indicamos o assunto, com Taunay, na Retirada da Laguna.

(16) Bormann, Op. Cit., Vol. III, p. 32.

(17) Idem, ibidem, p. 44.

(18) Bormann, Op. Cit., Vol. II, p. 489.

Tasso Fragoso, na bibliografia da sua obra, Vol. V, p. 426, relaciona o livro “Saque de Assunção e Luque, atribuído ao Exército Brasileiro na Guerra do Paraguai”, por Manuel Francisco Correia.

Capítulo XVI

A MORTE DE UM TIRANO SANGUINARIO

“Meu filho tornou-se indigno do meu amor.”

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Juana Carrilho, mãe de López.

61 - O monstro vai morrer fugindo

Solano López era covarde. Não mereceu o povo e nem mesmo a mulher que teve, a despeito da corrupção desta.

O Autor ainda tenta sujar o Brasil no episódio da morte do tirano sangüinário, insinuando que o relatório do seu bravo perseguidor, o general Câmara, foi reescrito por alguma conveniência não explicada.

Nada melhor do que tomar conhecimento desse relatório. Este documento exubera verdade:

“Comando das Forças Expedicionárias - Quartel-general na Vila da Conceição, 13 de março de 1870.

“Ilmo. e Exmo. Sr.

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“O inimigo tinha-se, portanto, colocado em situação de não poder evitar-nos o encontro (...) Estava desde logo resolvido em meu espírito a magna questão: López seria forçado a ver-se esmagar em seu acampamento em meio a essas serras e matas (...) aceitando combate decisivo ou, retirando-se perseguido, iria encurralar-se na longa picada de Chiriguelo, onde seu aniquilamento não seria menos inevitável.

“Eu estava muito mais próximo do que podia supor da hora ambicionada de medir-me com esse poder que fanatizou e aniquilou uma nação inteira.

...............................................................................................................................

“Foi no dia seguinte que se nos apresentaram alguns passados (desertores) do inimigo, entre os quais se encontrava o Ten Cel Solalinde.

“Eles me asseveraram que no acampamento do López se ignorava minha marcha e que o inimigo, confiado em suas posições, pouca vigilância costumava ter.

“Resolvi então marchar precipitadamente sobre ele, reduzindo o mais possível as minhas forças.

...............................................................................................................................

“Com três dias de marcha achava-me no Guaçu, tendo assim nesta parte fechado a saída do inimigo.

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“Nada indicava ainda que o inimigo me houvesse pressentido; os prisioneiros que acabava de fazer asseveravam-me ignorarem a minha marcha (...) mandei fazer o toque de avançar (...) Nenhum homem caiu-nos morto neste combate contra a artilharia em posição, jogando metralha. A artilharia inimiga ficou em nosso poder, e poucos dos seus defensores escaparam.

...............................................................................................................................

“Carregando sobre ele, dizimando seus defensores, mutilando seu piquete de oficiais, ceifando com o gládio da vitória aquelas vidas que, como anjos do mal, se opunham à paz e à regeneração de um povo, levou-o, envolto no pó e no fumo, de encontro ao mato que margeia o Aquidabaniqui.

“A tão encarniçada perseguição não pôde o tirano fazer face.

“Abandonando-se à fuga, lançou para o interior do mato, onde de perto o seguiram um punhado de bravos que lhe juraram extermínio, até que, ferido, desanimado, exausto, apeiando-se do seu cavalo, dirigiu-se para aquele arroio, que tentou transpor, caindo de joelhos na barranca oposta.

“Foi nesta posição que, tendo-me apeado e seguido no seu encalço, encontrei-o. Intimei-lhe que se rendesse e entregasse a espada, que eu lhe garantiria os restos de vida, eu o general que comandava aquelas forças.

“Respondeu-me atirando-me um golpe de espada.

“Ordenei, então, a um soldado que o desarmasse, ato que foi executado no tempo em que exalava o último suspiro, livrando a terra de um monstro, o Paraguai de um tirano e o Brasil do flagelo da guerra.

...............................................................................................................................

“O nosso prejuízo, ainda que sensível, foi insignificante: constou de sete feridos, dois dos quais gravemente, entrando no número dos outros que o foram levemente dois oficiais.

“A perda do inimigo foi completa: as picadas onde se deram os primeiros encontros, os passos dos rios, o campo de combate, o espaço que percorreu na fuga, o mato e o arroio em que se lançou, ficaram juncados de cadáveres.

“O número de prisioneiros feitos sobe a 244, entre os quais se acham os generais Resquin e Delgado, quatro coronéis, oito tenentes-coronéis, dezenove majores, três médicos, oito padres e um escrivão. Mme. Lynch e quatro filhos entram no número de prisioneiros e são troféus preciosos desse triunfo.

“Ao lado do carro em que ela pretendia fugir, foi dispersa a escolta que a guardava e morto o coronel López, filho do ex-ditador, que não quis render-se.

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“Caíram em nosso poder 16 bocas de fogo, dois estandartes, muito armamento, e munições que mandei inutilizar.

“Ficaram mortos no campo de combate o general Rócas, o vice-presidente Sanches, o ministro Caminos, o coronel Delvalle e muitos oficiais superiores e subalternos.

“A mãe e as irmãs do tirano, que se achavam presas e cuja sentença de morte lhes havia sido intimada, foram postas em liberdade.

“Resgatadas de tão humilhante cativeiro, foram-lhes proporcionados recursos para acompanharem as forças a esta vila.

“À mãe e irmãs do ex-ditador mandei fornecer carretas para o seu transporte e tudo o que necessitavam e estava em meu alcance prover”.

...............................................................................................................................

“Acima de dois mil mortos traçaram nessa linha de retirada do tirano o quadro da dissolução, da fome, do martírio e da morte, que legara aos seus sequazes em prêmio da sua dedicação.

“Eu reclamo a atenção de V. Exa. para as partes dos Srs. comandantes de divisão, brigadas e corpos que acompanharam a expedição (...) não posso, porém, remeter a do 9o. Batalhão de Infantaria (...) por vir aquele Corpo ainda em marcha e longe desta vila.

“Deus guarde a V. Exa. - Ilmo. e Exmo. Sr. Marechal-de-Campo Victorino José Carneiro Monteiro, comandante das forças ao norte do Mandurivá. - O brigadeiro José Antonio Correia da Câmara.”

Muito ao contrário do que diz o Traidor, não houve um cerco, as forças brasileiras chegaram ao acampamento de López em Cerro Corá por uma única direção; lá se encontravam muito mais do que 100 soldados, haja vista o número de prisioneiros, 244, e o relato sobre os mortos no combate de abordagem do acampamento. Não foram alguns soldados que cercaram o ditador e o intimaram a render-se: foi o próprio comandante da expedição, general Câmara, que lhe ofereceu a proteção à vida restante. Bastava que López lhe entregasse a espada, como rendição. López negou com um gesto, um golpe de espada no ar, não avançou contra ninguém porque não tinha condições para isto, mesmo se quisesse, e estava a pé.

Quanto às palavras atribuídas a López, assim esclarece o coronel paraguaio Aveiro (Silvestre) que acompanhou o tirano em toda a refrega e dele se apartou poucos momentos antes de ser alcançado pelo general Camâra:

“Levamos a López com Ibarra ao arroio, que era muito escorregadio e que corre num terreno pedregoso, até a margem oposta, e onde procuramos levantá-lo sobre o barranco e não podendo conseguir isso fazer disse-nos o Marechal: “vejam se não há uma parte mais baixa.

“Ele agarrou-se numa palmeira derrubada que ali encontramos caída e atravessando o arroio, e nos separamos dele.

“Quando me afastei não mais de oito passos apareceram os infantes brasileiros na

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margem do arroio e imediatemente nos fizeram fogo.

“Subi à barranca e sentei-me junto a uma moita na ocasião que aparecia o general Câmara pelo caminho que havíamos seguido, dando a voz de ‘alto-fogo’.

“Entrou no arroio como vinha, a pé.

“Neste momento, o cirurgião Estigarríbia (Gaspar) que tinha uma chaga aberta na perna e que também entrara no arroio pouco ante atrás de nós, retrocedia mesmo no canal do arroio perseguido por um soldado que manejava uma lança e ao chegar defronte do lugar em que me encontrava foi lanceado no peito, o que o fez cair n’água para não mais se levantar.

“Praticada essa ação o soldado voltou para o lugar donde viera e como a cada momento iam crescendo as forças à margem do arroio levantei-me para aproximar-me do Marechal a quem já haviam capturado; as tropas que se achavam mais abaixo dispararam-me alguns tiros, pelo que tornei a me sentar, então cessando o fogo que me dirigiam.

“Senti que com o general Câmara se trocavam algumas palavras mas não pude bem perceber senão uma ou outra palavra como a de pátria, mas depois no Rio de Janeiro se publicou que quando o Marechal foi intimado a render-se pelo general Câmara ele dissera: “Garante-me o que pedir?” E com a resposta de que não se lhe poderia garantir senão a vida, respondera: “Então morro com minha pátria.” (Publicado na “Revista del Instituto Paraguayo”, no. 5, março de 1897, Assunção) (1)

O general Câmara, como vimos, não relata as palavras atribuídas a López pela imprensa brasileira. Uma testemunha não confirma. Vamos, entretanto, aceitar que alguém tivesse ouvido o diálogo não transcrito pelo general Câmara e que, diga-se de passagem, não tem nada contra o procedimento corretíssimo daquele chefe.

Pois bem: os lopezguaios, donde o Autor foi retirar a frase final, omitiram o então, palavra altamente significativa, porque denota uma conclusão decorrente de algo anteriormente não aceito por Câmara.

Ainda assim, a frase: morro com minha pátria, não revela a grandeza pretendida pelo lopezguaios e pelo seu discípulo, o Sr. Chiavenatto. Um verdadeiro patriota, isto é, aquele que vive e morre pela pátria, teria dito: morro pela minha pátria.

O fato é, se tais palavras foram pronunciadas pelo tirano, nada mais revelaram do que a inversão de que estava possuido: ele serviu-se da pátria, nunca a serviu.

Não deve causar espanto a constatação da verdadeira personalidade de um tirano, escoimadas as capas de heroísmo com que querem revestí-lo seus patrícios e argentinos despeitados. Não foi a primeira vez na história que assim se procedeu.

O Autor já enfatizou que “há que ter o cuidado de não condenar nessa safra de historiadores alienados livros que testemunham a guerra em si, escritos por homens que participaram militarmente da campanha” e cita Taunay, Bormann, Cunha Matos.

Cunha Matos, apenas anotou o livro de Von Versen, um oficial prussiano que caiu prisioneiro de López e teve como companheiro de infortúnio esse brasileiro. Von Versen revela grande antipatia aos brasileiros, que julga com clamorosa injustiça, no dizer de Tasso Fragoso. Mas, é um documento verídico e insuspeito sobre as

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atrocidades de López cometidas contra seus prisioneiros e desafetos. Parece que aqui, outra vez, o Autor cita de orelhada, posto que o testemunho de Von Versen, anotado por Cunha Matos, é flagrantemente desabonador à conduta de López, seu ídolo.

Quanto a Taunay e Bormann, temos nos servido muitas vezes das suas obras, que nos ajudam a desmascarar a obra da traição.

Se os testemunhos dos que lá estiveram não estão “condenados” pelo Autor “desalienado”, registrem os seus adeptos os do general Câmara e do coronel Aveiro.

Seria fastigioso alinharmos a longa lista dos relatos mais minuciosos que o lacônico relatório de Camara.

Um documento, entretanto, é precioso, porque consolida todas essas informações disponíveis sobre o assunto, inclusive os relatos recolhidos nos acampamentos da boca dos soldados: “Vox populi vox Dei!” Vejamos:

“Uma ponta do 19o. de cavalaria enfrenta o grupo do tirano. O cabo José Francisco Lacerda, ordenança de Joca, gaúcho de Bagé, natural de Olhos d’Agua, vulgo Chico Diabo, carrega de lança e fere López mortalmente no ventre.

“Na fuga é ferido, levemente na testa por um tiro desferido pelo capitão João Barulho. Ao alcançar o Aquidabaniqui López apeia e vara-o a pé. Chega Câmara, intima-o a render-se. López resiste.

“Ao ser desarmado, já moribundo quase, um soldado do 9o. B. I., João Soares, aproxima-se-lhe e, precipitadamente, alveja-o no ombro, causando-lhe um leve ferimento.

“Pouco depois cai ao solo, exalando o derradeiro suspiro.

“Uma testemunha ocular narra assim esses acontecimentos:

“O embate foi forte: aquele estado-maior debandado, juncando o campo de cadáveres (o grupo de oficiais que a pé cercou López, montado, para defendê-lo). López teve de defender-se, e sua espada feriu levemente na testa a um oficial nosso. Foi então que o cabo José Francisco Lacerda, ordenança do coronel Tavares (‘Joca’), deu-lhe a primeira lançada, golpe mortal, por isso que o atingiu acima da virilha, ofendendo-lhe os intestinos. Entretanto, ele não caiu, mas dando de rédeas ao animal, procurou fugir em direção a uma matinha acompanhado de duas pessoas, também a cavalo. (Foram o alferes Chamorro e o capitão Arguello, que receberam ordem de López para cobrir a sua fuga: ‘fiquem e dêem cabo desses cambás’. Foram mortos).

“O major Simeão de Oliveira saiu-lhe ao encalço e, com os olhos pregados nele, por vezes gritou a um sargento nosso ‘Lá vai López, mata-o!...’

“Cada vez que o tirano ouvia o seu nome, voltava a cabeça com terror; ia muito pálido e fazia voltear a espada desembainhada de um lado e do outro do cavalo. O sargento descarregou a sua clavina Spencer: sete tiros, a meio galope. López novamente ferido.

“Junto da matinha, o terreno torna-se fofo. Os animais começam a atolar-se. López apeou-se rapidamente, despiu a blusa e desapareceu entre as árvores. Nisto chegando mais gente, Simeão disse ao general Câmara, que se aproximava a galope: ‘López está alí...’ O general fez um gesto de dúvida, apeou-se, também, e entrou na

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mata. Atrás dele corria o Aquidabaniqui, quase um córrego.

“O tirano estava dentro d’água até os joelhos; procurava galgar a barranca oposta; o companheiro estendia-lhe a mão (o coronel Aveiro). O general Câmara meteu-se no córrego. Entregue-se, marechal, bradou-lhe, eu sou general brasileiro, garanto-lhe a vida!

“López deu um golpe, e já em terra, caiu de joelhos.

“ - Não me entrego, morro com a pátria, respondeu.

“Desarmem-no, ordenou Câmara.

“Um soldado do 9o. de infantaria atirou-se então contra ele e segurou-o pelos pulsos, apesar da sua resistência. Na luta, López caiu duas vezes dentro da água e mergulhou a cabeça, saindo com ânsia a buscar respiração.

“Nestes instantes rápidos, um soldado veio correndo e precipitadamente descarregou-lhe do lado esquerdo um tiro a queima-roupa que o foi ferir levemente no ombro.” (2)

O general Pimentel, também combatente, transcreve na sua obra o laudo cadavérico de Francisco Solano López:

“Nós abaixo assinados atestamos, a pedido do Ilmo. Sr. Coronel João Nunes da Silva Tavares, que, examinamos os ferimentos que produziram a morte do ex-ditador e tirano da república do Paraguai Francisco Solano López, encontramos o seguinte:

“Uma solução de continuidade na região frontal com três polegadas de extensão, interessando a pele e o tecido celular; um outro, produzido por um instrumento cortante no hipocôndrio esquerdo com uma e meia polegada de extensão dirigido obliquamente de baixo para cima, interessando a pele, o peritônio, os intestinos e a bexiga; o outro no hipocôndrio direito de cima par baixo, tendo duas polegadas de extensão, interessando a pele, o peritônio e provavelmente o intestino. Finalmente, um ferimento produzido por bala de fuzil na região dorsal, tendo uma só abertura, ficando conservada na caixa toráxica a bala. E, para constar, passamos o presente.

“Vila da Conceição, 25 de março de 1870. - Dr. Manuel Cardoso da Costa Lobo, cirurgião da Brigada. - Dr. Militão Barbosa Lisboa, 2o. Cirurgião contratado.” (Estão as firmas reconhecidas).

Bem se vê, não houve mutilação do cadáver. Do laudo verifica-se, também, que o golpe mortal lhe foi desferido por Chico Diabo. Os próprios soldados, à noite, no acampamento, fizeram estes versos:

O cabo Chico diabo

do diabo Chico deu cabo...

Quanto à morte do filho de Solano López, assim narra o combatente Bormann:

“Alguns lanceiros e clavineiros, tendo à frente o bravo Francisco Martins,

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avançam a galope em direção à carreta de Lynch e são recebidos a bala.

“Martins intima ao grupo que se entregue porque a vida lhe é garantida.

“O inimigo repele a intimação a tiro.

“Fere-se logo depois um conflito a arma branca.

“O mais tenaz no ataque é o filho do ditador, apesar de jovem. Os outros filhos e Lynch gritam e choram.

“A ‘toilette’ dessa mulher é sempre uma afronta à miséria e à desolação das míseras famílias que alí estão semi-nuas e a morrer de fome!

“Traja sedas!

“Martins intima em vão: pede, quase suplica ao filho do marechal que se entregue, pois é um menino.

“Lynch grita-lhe:

“Entrega-te, Panchito! Entrega-te!

“Mas, o jovem coronel a nada atende, e assim vai desferindo golpes.

“Rende-te, menino!

“Brada-lhe pela décima vez o generoso e valente Martins; o jovem, cego de furor, vendo que nada pode fazer com a espada, aponta o revólver e dispara-o.

“A vista disto, Martins investe para ele de espada nua; dá-lhe duas cutiladas, e o coronel Panchito tomba morto junto à carreta de sua mãe, aos gritos e lamentações de seus outros irmãos que suplicam que não os matem porque são estrangeiros.” (3)

Vejamos o sepultamento:

“O corpo do marechal López foi transportado para o acampamento para se lhe dar sepultura no lugar em que tivera pouco antes a sua tenda de guerra.

“Ao saber que o cadáver do marechal alí se achava, a sua velha mãe, esquecida de que havia dado ao mundo essa monstruosidade, abraçou-se aos seus restos mortais, banhando-lhe de lágrimas, o rosto macilento.

“Alguns oficiais e soldados contemplaram comovidos este quadro tocante.

“Tinham desaparecido os justos agravos da respeitável matrona para em seu coração dominar somente o amor materno diante da desgraça filial.

“Pobre mãe!

“A cena se prolongaria no meio de angustiosos soluços dessa senhora, se uma das filhas da infeliz que se aproximara não a afastasse do cadáver, dizendo afetuosamente:

- “Não chore, senhora, esse monstro que não foi filho nem irmão!”

“Mais tarde, no momento de dar-se à sepultura o cadáver do tirano, o general mandou prevenir à desventurada mãe que poderia, se quisesse, ir despedir-se dele.

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“Ela quis ir lançar-lhe um último olhar de piedade; mas, a filha, D. Rafaela, lembrou-lhe o assassinato de seus irmãos, de seu marido, enfim, desenrolou o sudário de crimes do monstro, inclusive o crime de matricídio que teria ocorrido se não fosse a chegada dos brasileiros, e, então, a mísera, com os olhos a verter lágrimas, disse ao portador da mensagem do general:

- “Meu filho tornou-se indigno do meu amor; peço dizer isso ao Sr. general.” (4)

A vida de López durante a guerra foi uma sucessão de derrotas, retiradas e fugas. Nos últimos momentos ainda foi covarde, quando ordenou aos dois oficias que o acompanhavam que o cobrissem, e escapou para o ribeiro. Somente em última instância, já ferido mortalmente, só, cercado, intimado, foi capaz de um gesto honroso. Não se entregou. Julgava os seus captores por si, entretanto.

O Sr. Chiavenatto fecha o item apoiando-se em Juan Bautista Alberdi, para o incenso final que lança sobre seu ídolo sangüinário, indigno do amor da própria mãe.

Quem foi esse Alberdi? Responde-nos Mario Barretto:

“Quem conhece a história da República Argentina não pode ignorar a atuação que no cenário político do país vizinho representaram Mitre, Sarmiento e Alberdi.

“E assim sendo pode aquilatar o que lhes deve a Argentina.

“Mitre e Sarmiento ergueram um monumento eterno na pátria platina, perpetuando os seus nomes como espíritos construtores da grande nação que hoje, para glória da raça hispano-americana floresce, na nossa América.

“Alberdi, em campo político oposto, constituira-se o cruel difamador daqueles vultos de valor que lhe faziam sombra e aos quais não lhe foi dado vencer.

“Entretanto foi Alberdi um grande homem de valor formidável como adversário, um sábio pode-se dizer.

“Mas com todo o seu renome, quando no Rio da Prata lembraram-se de magnificá-lo, houve uma corrente respeitável na mentalidade argentina que não se achava disposta aquela consagração.

“Alberdi, porém fora o autor das ‘Bases’ da Constituição daquela nação. E isso determinou que se glorificasse àquele que tinha o seu nome ligado ao Estatuto Básico que rege os destinos da pátria de Mitre.

“Como é natural, os lopistas aderiram à consagração do seu ‘papa’, pois ele fora o defensor mais vigoroso do tirano paraguaio que depredara, que saqueara duas províncias argentinas, que à traição abordara e capturara a dois navios de guerra platinos.

“Impunha-se aos lopistas aquela consagração, pois o consagrado não era para eles o emérito constitucionalista platino, era o detrator de Mitre, a cuja memória votam o maior ódio, ódio equivalente ao que manifestam por Pedro II, pelo Conde D’Eu e pelo Visconde de Pelotas.

“Alberdi escrevera: “o paraguaio é para o brasileiro o que o leão é para o macaco.” (5)

Quer dizer: segundo Alberdi, o argentino, nas obras de cujos amigos, os lopistas

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paraguaios, debruçar-se-ia babando de paixão marxista o Autor, este também não passa de um macaco.

Singular a afinidade entre o Autor e Alberdi: este, para atacar seus adversários políticos, não hesita em louvar o invasor da sua pátria; aquele, para ferir a sua própria pátria, também glorifica o tirano invasor. Mas, se Alberdi se redime, em parte, com as “Bases” da constituição argentina, o Sr. Chiavenatto nada tem de serviços prestados ao Brasil. (6)

Notas:

(1) Citado por Mário Barretto, Op. Cit., Vol. III, p. 73-74. Neste volume o refutador dos lopezguaios examina com profundidade todas as inverdades, acréscimos gratuitos, assacadilhas dos nossos inimigos, etc., fundamentado em extensa documentação: partes dos comandantes envolvidos na ação, documentos da ocasião, etc, concluindo pela verdade a respeito da morte do tirano que alguns pretendem elevar à categoria de heroi nacional paraguaio ou, mesmo, sul-americano.

(2) História Militar Sul-Americana, Op. Cit.

(3) Bormann, Op. Cit., Vol. III, p. 138-139.

(4) Bormann, Op. Cit., Vol. III, p. 141-142.

(5) Mario Barretto, Op. Cit., Vol. II, p. 94.

(6) Sobre a atuação de Alberdi, na Argentina, veja-se Cárcano, Op. Cit., p. 198, 271, 318, 366, 397, 551 e 734.

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Capítulo XVII

A RECONSTRUÇÃO DE UMA NAÇÃO

62 - Enfim, o Paraguai está livre da Tirania

À causa aliada veio juntar-se, no fim da guerra, a população paraguaia. No departamento de Vila Rica o povo pegou em armas, antes mesmo que uma força brasileira, do general Portinho, lá pudesse chegar com a missão de bater uma partida inimiga comandada pelo tenente Hoeda. Este oficial paraguaio foi completamente batido pelos próprios patrícios.

“O general Portinho, em sua marcha, foi recebendo adesões dos habitantes de Vila Rica. Ao entrar na povoação, autoridades e povo receberam a nossa coluna com

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entusiásticas aclamações, festas, bailes e outras demonstrações de regozijo. Assim, se nos destroços do seu exército ainda o ditador tinha algumas dedicações, o povo que escapara da hecatombe, abandonava-o à fatalidade da sua sorte.” (1)

“As autoridades dos distritos em que íamos penetrando, como as de São José, entre elas, o cidadão Othon Caceres, dirigiu-se à causa d’aliança e prometendo conseguir a adesão dos chefes políticos e população dos distritos de Ajos, Vila Rica, Hiataí e Jacaguaçu, e com efeito aderiram. Estas autoridades, mais humanas e inteligentes, resolveram, pois, para aliviar um pouco os sofrimentos do povo de seus distritos, abandonar a causa do marechal López.” (2)

Enquanto o país se reorganizava, com a constituição de um governo provisório, a instalação de autoridades civis no interior, o regresso das famílias deslocadas por ordem do tirano, a libertação dos prisioneiros e dos numerosos desertores que se iam apresentando, o país voltava a encarar o seu futuro. Era uma espécie de segunda independência, e às lágrimas iam se sucedendo os risos alegres e as comemorações do fim do pesadelo.

“Mas, a realidade da vida com suas exigências já começava a cobrar o que não ousara sequer lembrar por muitos anos. O governo provisório tinha uma imensa tarefa a realizar e poucos recursos, o país tinha sido drenado em seus recursos governamentais e particulares por López. Contudo ‘o governo provisório ia bem; não, porém, sob o ponto de vista financeiro. Os membros do governo solicitaram a título de empréstimos ou subsídio ao ministro Paranhos e ao general-em-chefe os frutos, os produtos do país, como erva-mate, fumo, milho e outros gêneros que apreendêssemos do inimigo para poderem alimentar e vestir milhares de famílias libertadas pelas nossas armas, e reduzidas à última miséria. O nosso ministro e o marechal Gastão prontamente concordaram, e, ainda mais, consideraram alugados os edifícios públicos e particulares ocupados na capital pelas nossas reparticões, recebendo o governo provisório a importância dos aluguéis. Isso melhorou a situação do governo.” (3)

Tão logo o governo provisório manifestou condições para tal, iniciamos a negociação dos tratados difinitivos de fronteiras.

O Paraguai não poderia perder o que não possuía, como pretende o Sr. Chiavenatto. É o insuspeito Cárcano quem nos diz:

“Os limites do pacto de maio (Tratado da Tríplice Aliança) traduzem as linhas fixadas pelos tratados de 1750 e 1777. São uma concordância e uma conseqüência. Os limites impostos por Cotegipe são os mesmos do pacto de maio. Encontra-se em seu traçado uma pequena diferença. Ela significa uma complacência em favor do Paraguai. O ministro do Império abandona a pretenção tradicional do Igureí, para levar um pouco mais ao norte e partir do Salto Grande.

“As linhas divisórias do Igurei e do Apa são as velhas fronteiras perseguidas por Portugal, as que a Espanha por fim reconhece e aceita em seus famosos tratados de limites e demarcação, as que se fixam no tratado da aliança, as que resolvem e determinam definitivamente a energia dominante do Império.

“O Brasil não avança mais que Portugal. Pode em verdade afirmar que não exige depois da guerra mais do que pretende antes da guerra.

“Desde o tratado de 1750 até a oposição do princípio do “uti possidetis” nas

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discussões sobre jurisdição territorial, se formula sempre o mesmo traçado de fronteiras. Não aparecem diferenças no texto das convenções, sobre o nome dos pontos que marcam a linha divisória. As diferenças surgem sobre o terreno, ao determinar-se os pontos de partida para a demarcação. O Igureí da Espanha era o Ivinheima de Portugal; o Igureí de Portugal era o Gareí da Espanha. Um ou outro ponto de partida representavam uma diferença de dois graus de latitude.

“Durante a colônia, resolvida a questão dos limites através dos tratados, renasce na demarcação sobre o terreno. As comissões técnicas não chegam a um acordo sobre a localização do verdadeiro Igureí, e este estado de coisas é herdado pelas nações que se tornam independentes.

“Quando o Brasil e o Paraguai reabrem a velha controvérsia, declaram nulos e sem valor os antigos tratados, e invocam o ‘uti possidetis’. A posse torna-se tão indecisa, tão confusa e dissentida, como a posição dos rios das convenções coloniais. As soluções tentadas resultam sempre em fracasso. O ataque e a expulsão da guarnição brasileira do Pão de Acúcar (1850); das Salinas do Norte do Forte Olimpo; os tratados de 1844; de López-Oliveira em 1855; de Berges-Paranhos em 1856; o protocolo López-Paranhos em 1858, foram motivos e esforços sem resultados para conduzir a questão de limites.

“O Tratado da Tríplice Aliança suprime as discussões sobre o terreno e assegura soluções definitivas. Fixa a mesma linha de fronteiras tão debatidas entre Espanha e Portugal, e determina exatamente a posição geográfica do Igureí. Verdadeira ou falsa, elimina de uma vez as dificuldades, tornando indiscutível o ponto de discussão tradicional. “Pelo primeiro rio depois do Salto das Sete Quedas (artigo 16), que segundo o recente mapa de Mouchez é o Igureí (...)” Sanciona a persistente pretensão de Portugal defendida durante um século (...)

“O ministro do Império não exagera as pretensões. Mantém-se dentro dos limites sustentados por sua história secular (...)” (4)

A Argentina, como já vimos, teve de contentar-se com menos do que pretendia pelo Tratado, por força da diplomacia brasileira, que encaminhou a questão para o arbitramento, onde a carência de títulos argentina terminou no laudo do presidente dos Estados Unidos favorável ao Paraguai.

A ascensão econômica paraguaia nos moldes estabelecidos antes da guerra não é questão controvertida. É ponto pacífico que não seria capaz de alcançar o Brasil e nem de oferecer um modelo para o continente. Já vimos que a tal estrutura industrial paraguaia, tão louvada pelo Sr. Chiavenatto, era, na realidade, incipiente, e totalmente voltada para a guerra. O conflito o demonstrou.

O peso das dívidas externas na nossa economia já foi focalizado páginas atrás. Aqui ocorre um detalhe interessante, não percebido pelos lopistas e lopezguaios, onde o Autor foi buscar as difamações ao Brasil: não protegemos a nossa economia, na época, como fizeram os Estados Unidos. O que ocorreu em matéria financeira, aqui, com a Guerra do paraguai, aconteceu lá também, com a Guerra de Secessão. Lá, “as despesas dessa luta fraticida e suas conseqüências, as pensões que acarretaram, tanto de um lado quanto do outro, foram avaliadas em 4.823.000.000 dólares. Para atender a essa despesa enorme e imprevista, o governo norte-americano recorreu a vários expedientes. Em primeiro lugar alterou a tarifa aduaneira, elevando-a até 47%, em seguida instituiu um imposto sobre a renda, que foi subindo gradativamente até chegar a 347.000.000 de

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dólares, em 1872, quando foi suprimido. Além disso, houve uma emissão do governo, os famosos ‘greenbacks’, num montante autorizado de 50.000.000 de dólares. Em conseqüência de todas essas medidas, surgiu o Sistema Federal de Reserva, que é o Banco Central dos E.U.A. Por isso, um historiador da economia norte-americano disse muito acertadamente: ‘Os efeitos da guerra civil sobre a estrutura financeira da Nação foram quase revolucionários’. Ora, nada disso aconteceu entre nós, porque sempre recorremos aos empréstimos externos para atender às nossas dificuldades.” (5)

Considere-se que a economia americana já praticava um protecionismo salutar desde 1812, enquanto que nós, afeitos ao livre cambismo, tivemos nossa industrialização retardada, com reflexos na saúde geral da economia.

Uma enxurrada de acusações ao Brasil e à Argentina faz o Autor desfilar neste item, tudo já refutado mais de uma vez nas páginas anteriores. Apenas uma novidade: fala-nos de um “governo de ocupação”. Simplesmente, não existiu tal coisa.

Houve um governo provisório que nós, ainda antes de terminar a guerra, como também já vimos, incentivamos. Era fraco, pobre, deficiente na sua representatividade, talvez, mas soberano nas suas decisões.

As forças de ocupação não se intrometiam no governo. Ao contrário, ajudavam, mantendo a ordem e assegurando as combalidas instituições nacionais paraguaias naquela fase tão difícil da vida guarani.

Já vimos, ao tratar de Alberdi, as razões do ódio do Autor a Mitre e Sarmiento, gratuito, só porque Alberdi era adversário deles e, ao mesmo tempo, acabou sendo o “papa” do lopismo.

Pela mesma razão os adversários de López, no Brasil representados por D. Pedro II e, no Uruguai, por Venâncio Flores.

O discurso final do Autor, em que pese a ação plutocrátrica do capitalismo internacional, também é fruto de um complexo de inferioridade de que sofrem os latino-americanos em relação aos Estados Unidos, bem estudado por Carlos Rangel, que não é nenhum americanófilo.(6)

Salta aos olhos a identificação do Autor com esse traço da psicologia latino-americana. Para ele “não precisamente o marxismo, mas muito mais a teoria leninista do imperialismo e a dependência, vieram em nossa época oferecer uma resposta enfim coerente, persuasiva, grandiosa e verossimilmente triunfalista.” (7)

Mas, como na época da Guerra do Paraguai a Inglaterra representasse esse imperialismo, o Autor regride até ela o seu complexo, e o seu panfleto é a inserção da teoria leninista sobre uma história retirada dos autores lopistas e lopezguaios fustigados por mais um outro complexo de inferioridade, este com relação ao Brasil.

Para que não se pense, entretanto, que todo paraguaio é lopista ou lopezguaio, transcrevemos, a seguir, um trecho da obra do eminente escritor paraguaio, Dr. Arturo Rebaudi:

“Toda tirania se funda sempre sobre a degradação humana e, as maiores ignomínias e baixezas convertidas em sistema de governo, constituem a razão do seu poder e estabilidade. As tiranias de todas as épocas, de todos os países, têm adulado as plebes, fomentando as suas paixões e o ódio contra as classes superiores. Existem

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lopezguaios, máscaras da tirania, cúmplices dela, por uma outra razão a quem convém a consagração do ‘herói das fugas em disparada’ e a justificação dos seus procedimentos ilegais e desumanos, a eles convém fazer crer na existência da suposta conspiração. Outros são lopezguaios por acreditarem de pés juntos e repetir, maquinalmente, o que lhes diz o caudilho para lisongear-lhes e arrancar-lhes o voto que lhes assegure o lugarzinho fácil pretendido. Esses caudilhos de má fé misturam, para dourar a pílula, o certo com o incerto: que o povo paraguaio estava rodeado de inimigos, que aguardavam o momento oportuno para usurpar-lhes vastas áreas de território, que se aproveitavam de sua situação mediterrânea desfavorável para dificultar seu desenvolvimento comercial e intelectual, que o Brasil e a Argentina (os dois inimigos tradicionais) estavam, desde muito tempo atrás, mancomunados na repartição do Paraguai, que o Paraguai teve que intervir em defesa da República Oriental, cuja integridade territorial e liberdade estavam ameaçadas pelo Brasil, unidos os signatários de 1820 sob a garantia da Grã-Bretanha, que López, sabendo que a tríplice aliança estava constituída, quis, antecipando-se ao ataque, invadir o território inimigo, que López não foi ajudado por seus generais que, ao contrário, o trairam como fez Estigarríbia, sitiado em Uruguaiana, que se rendeu dispondo de mais de 5.000 homens mal armados, debilitados pela fome, contra 20.000 e fortemente bloqueado pelo Rio Uruguai, dispondo de cinco pequenas peças lisas contra 40 raiadas.

“Existem Lopezguaios por necessidade da própria defesa, por ambição, por ignorância, por falta de caráter, por covardia, estes são a maioria; mas , afortunadamente, existem também aqueles que consentem em permanecer atrelados ao antigo regime de terror, que seguem, como se diz, a correnteza, aguardando o momento oportuno para contribuir para colocar na direção certa a opinião pública e elevar o moral dos concidadãos (...) O ‘patriotrismo’, privativo de desavergonhados parasitas que mandam hoje em nossa pátria, golpeia com frenesi o bombo do exibicionismo para aturdir e sufocar a voz da razão (...) O destino dos povos, contudo, não se apóia nas epopéias sangrentas, nas imolações bárbaras, senão no bem-estar dos seus membros, não na morte heróica, mas na vida feliz, e se o Paraguai tivesse cultivado vínculos morais e materiais com seus vizinhos e com os demais países, teria sido outra a sua sorte, talvez menos homérica, mas seguramente mais humana e civilizadora.” (8)

Está tudo dito, por uma eminente boca paraguaia. Os leitores queiram, por obséquio, verificar em que tipo de escritores se apoiou o Sr. Chiavenatto para rechear sua tese marxista-leninista.

O Paraguai vai encontrar o seu destino, e hoje, perfeitamente integrado na região platina é, junto com o Brasil, a Argentina e o Uruguai, o 4o. parceiro do promissor MERCOSUL: é a Quadrupla Aliança, contra o atraso, e esta “guerra” haveremos de vencer juntos, para felicidade dos nossos povos.

Notas:

(1) Bormann, Op. Cit., Vol. III, p. 78.

(2) Idem, ibidem, p. 77.

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(3) Idem, ibidem, Vol. III, p. 79.

(4) Cárcano, Op. Cit., Vol. II.

(5) Heitor Ferreira Lima, Op. Cit., p. 256.

(6) Carlos Rangel exclui os brasileiros do rol dos latino-americanos no seu estudo, incluindo nele somente as nações de origem hispânica.

(7) Carlos Rangel, Op. Cit., p. 107.

(8) Guerra del Paraguay - La Conspiración contra el Presidente de la República, Mariscal Don Francisco Solano López, Dr. Arturo Rebaudi, p. 37. Citado por Mario Barretto, Op. Cit., Vol. I, p. LXIV (Doc. 30).

Apêndice 1

MISCELÃNEA Num só apêndice o Sr. Chiavenatto junta os assuntos mais variados, e de forma

desordenada. Pura tentativa de intoxicação psicológica. Vamos, contudo, rebater uma a uma essas transcrições, feitas com o propósito de documentar a obra da traição.

1o.) O texto completo do Tratado da Tríplice Aliança: - já tivemos oportunidade de examinar este documento sob os aspectos

condenados pelo Sr. Chiavenatto, e concluimos nada ter encontrado em seu texto que contrariasse o direito das gentes;

- recomendamos aos leitores que lessem com atenção todo o seu texto. As

pequenas alterações que encontramos na transcrição do Autor em nada prejudicam o seu conteúdo. Provavelmente, trata-se de alterações decorrentes de tradução, ocorridas nas

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obras consultadas pelo Sr. Chiavenatto, de origem platina;

- vamos reservar esta última apreciação do Tratado para focalizar as partes em que ele causou prejuízos ao Brasil:

“Art. 3o. - Devendo as operações de guerra principiar no território da República Argentina, ou numa parte do território paraguaio limítrofe com o mesmo, fica o comando-em-chefe e direção dos exércitos aliados, confiados ao presidente da República Argentina, e general-em-chefe do seu exército, brigadeiro-general D. Bartholomeu Mitre.

“As forças marítimas dos aliados ficarão debaixo do comando imediato do vice-almirante Visconde de Tamandaré, comandante-em-chefe da esquadra de S. M. o Imperador do Brasil.

“As forças de terra da República Oriental do Uruguai, uma divisão das forças argentinas e outra das brasileiras que serão designadas pelos seus respectivos comandantes superiores, formarão um exército debaixo das ordens imediatas do governador provisório da república Oriental do Uruguai, o brigadeiro-general D. Venâncio Flores.

“As forças de terra de S. M. o Imperador do Brasil formarão um exército debaixo das ordens imediatas de seu general-em-chefe, brigadeiro Manoel Luiz Osório.

“Embora as altas partes contratantes estejam de acordo em não mudar o campo das operações de guerra, contudo para manter os direitos soberanos das três nações, concordam desde já no princípio da reciprocidade, para o comando-em-chefe, no caso de terem estas operações de estenderem-se ao território oriental ou brasileiro.” (a grafia foi atualizada).

Com este artigo, o Brasil que iria participar com o peso dos efetivos e materiais, teve que sujeitar o seu exército, com os seus experimentados e competentes chefes, à autoridade de Mitre, um homem culto, hábil político, amigo dos brasileiros, mas um general pouco competente.

Mitre foi o responsável pela morosidade das operações iniciais em território paraguaio, pela escolha das piores linhas de ação, quando a coordenação das forças exigia o máximo do seu rendimento e, finalmente, pelo desastre de Curupaiti, do qual resultou a imobilização dos exércitos aliados, que só voltariam a avançar após a reorganização empreendida por Caxias, com a superação de diversos problemas administrativos, de saúde, de efetivos, instrução e planejamento.

Nossa diplomacia manobrou mal neste artigo. Por ocasião da assinatura do Tratado, a Argentina já havia sofrido a invasão paraguaia, e a opinião pública platina já era francamente favorável à guerra e exigia a expulsão dos invasores. No mínimo, em território paraguaio, o comando-em-chefe teria que ser atribuido a um general brasileiro. Mas, a tal ponto o gabinete liberal de então errou na sua política que, até mesmo durante o cerco de Uruguaiana - em pleno território brasileiro - o presidente da província do Rio Grande do Sul e comandante das armas provinciais, recebeu instruções do governo para entregar o comando das forças sitiantes a Mitre.

Foi a oposição dos generais brasileiros que impediu que tal vergonha se consumasse. E a chegada do Imperador a Uruguaiana acabou resolvendo o desentendimento causado pela falha do seu governo.

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Salvou-se, contudo, a esquadra brasileira de ser subordinada a Mitre.

Tamandaré, ao ter recebido o comando-chefe das forças marítimas aliadas, aparentemente, contrabalançava o poder dado ao argentino, mas, na prática, a esquadra aliada era brasileira, pois entraríamos, inicialmente, com 4 couraçados, 13 canhoneiras e um grande número de navios auxiliares e de transportes de guerra, todos a vapor e modernos, bem artilhados, o que fazia, já no início da guerra, da nossa marinha uma das mais importantes do mundo. Enquanto isso, o Uruguai não entrava com nenhum barco e, a Argentina, com apenas um, o “Guardia Nacional”, de características secundárias.

Se a esquadra estivesse nas mãos de Mitre, teríamos assistido a um desastre naval correspondente àquele que o seu açodamento nos causou em terra, em Curupaiti. Ele teria, pressionado pela opinião pública do seu país, forçado a passagem das fortificações paraguaias, sem aguardar a melhor ocasião para fazê-lo, além de não atentar para outros fatores que só a competência profissional dos nossos chefes da armada saberiam identificar, resultando tudo em inútil perda para as nossas armas.

Vimos, também, Flores, que conduziu um pequeno contingente uruguaio, receber duas divisões aliadas a fim de compor o seu exército. O normal, a solução militar, seria incorporar a divisão uruguaia, sob o comando de um seu general, que não Flores, que era Chefe de Estado, a um dos dois outros exércitos aliados, de preferência o argentino, pela identidade de lingua. Mas, haveria de preponderar a solução política.

Também o Art. 5o. resultou em prejuízo ao Brasil:

“As altas partes contratantes fornecerão mutuamente todo auxílio ou elementos que tiverem e de que os outros precisarem, na forma que se concordar.”

Com isto, o Brasil socorreu o tempo todo, em suprimentos e transportes, créditos e dinheiro vivo, os seus aliados. Beneficiou-se, por outro lado, a Argentina, com as aquisições de toda sorte que eram feitas em seus mercados, de víveres a cavalos, de fardamentos e arreiamentos, a carretas e miudezas. Mas, nunca, é claro, a ponto de criar uma resistência ao término da guerra, como denuncia o Autor.

Acrescentem-se, como prejudiciais aos nossos interesses, as cláusulas do Protocolo anexo ao Tratado que estipularam que as armas e elementos de guerra, além dos troféus e despojos seriam divididos em partes iguais pelos Aliados.

Iríamos sangrar nossas tropas, suportando os esforços decisivos dos combates da guerra, praticamente sós, porém, dividindo igualmente até os troféus conquistados pela bravura dos nossos heróis.

Em resumo: não era o mundo que deveria se escandalizar com a publicação do texto do acordo no “Livro Azul”, isto é, o relatório de 1865 que o conde Russel apresentou ao parlamento inglês, mas, sim, o contribuinte brasileiro.

Isto, o Sr. Chiavenatto não viu!...

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2o.) Os jornalecos paraguaios:

- o assunto já foi tratado o suficiente em outros lugares desta refutação;

- vamos aqui registrar apenas um exemplo de como o nível de nossas publicações era flagrantemente superior àqueles panfletos de propaganda lopista, cujas piadas, certamente, nem sempre eram entendidas pelo público às quais eram dirigidas:

A 16 de outubro era publicado no “Saudade”:

“Oh! Maria Sacratíssima!

Estrela do mar bendita,

Que o Eterno procriaste,

E no teu seio guardaste

A Majestade infinita,

Dê-nos completa vitória!

Faz que do Brasil a glória,

Pela tua intercessão,

Oh! Virgem da Conceição,

Imortal seja na História.

Ao Filho querido teu,

Recomenda, Santa Virgem,

Essa esquadra cuja origem

Do lenho em que Ele sofreu,

Traz o nome orgulho seu,

Da Terra de Santa Cruz,

Dá-nos, Senhora, essa luz,

Que dirigiu Israel,

Sinta o inimigo infiel

Que sois vós quem nos conduz.”

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O autor, Visconde de Albuquerque, o “Maxambomba”, “caiu prisioneiro dos paraguaios no dia 3 de novembro de 1867, em Tuiuti, e morreu implorando a Mãe de Deus que o amparasse no seu derradeiro transe de amargura (...)” (1)

3o.) Quadro das Receita e Despesa do Brasil durante a Guerra:

- o Autor não cita a fonte. Não pudemos conferí-lo;

- é certo que, mesmo tendo ocorrido um aumento das receitas, como já vimos anteriormente, as despesas haveriam de superá-las, Calógeras estimou em 600 mil contos a despesa total com a guerra. E saibam do seguinte: o governo era pão-duro, pagava mal às suas tropas; descontava 50% do soldo em caso de baixa aos hospitais (!); fornecia ração completa apenas para as praças; os oficiais recebiam somente carne, e tinham de complementar suas rações no comércio, de forma que, quem tivesse família e quisesse mandar algum dinheiro para casa, teria que fazer economia na própria alimentação; também os uniformes dos oficiais corriam por conta destes. E o que dizer dos inválidos? Para estes, os oficiais organizaram uma coleta, em plena guerra, aprovada por Caxias, considerando que as pensões eram miseráveis.

Citamos estas mesquinharias somente para demonstrar que não foram os militares, principalmente os profissionais, os responsáveis, nem de longe, pela enorme despesa com que a Nação teve de arcar. (2)

4o.) As “Recordações” do coronel José Luiz Rodrigues da Silva:

- este oficial fez a guerra do começo ao fim, tendo sido reformado no posto de capitão; sendo também general-de-brigada honorário, cavaleiro das imperiais ordens de Cristo, da Rosa e de São Bento de Aviz; condecorado com as medalhas da campanha do Estado Oriental do Uruguai, em 1865, e do mérito e bravura militar; e, mais, com as de prata concedidas pelos governo das repúblicas da Argentina e do Uruguai, tudo por serviços prestados na guerra contra o governo do Paraguai;

- o Autor passou a mão no seu livro: “Recordações da Campanha do Paraguai”, e selecionou os trechos que, fora do contexto, seriam, no seu entender, deprimentes para o Brasil e seus soldados. Pura velhacaria comunista;

- a melhor maneira de desagravar a memória desse valoroso soldado seria transcrever os capítulos inteiros de onde o Autor extraiu o trecho que fez constar do seu apêndice 1, para que o pretendido mal feito se desfizesse; mas, são muito longos;

- os títulos colocados nesses trechos transcritos são, todos, do Autor, e buscam ampliar as nossas mazelas na guerra, através de um sensacionalismo irresponsável: “Os comerciantes de Guerra”, “A Entrada do Coronel em Assunção”, “As Famílias Chegam em Assunción”, “Deficiências Culturais dos Comandantes”, “O Jogo no Exército Brasileiro”;

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- ao lermos, de cabo a rabo, o livrinho do general honorário José Luiz, ficou-nos a impressão de que o valor combativo desse distinto oficial do exército imperial ultrapassa, consideravelmente, o seu valor como literato, e que ele choveu no molhado, pois a obra magnífica de Dionísio Cerqueira: “Reminiscências da Campanha do Paraguai”, já tinha sido publicada. O que ele quis, no fundo, foi confrontar-se com o seu rival de profissão e bravura, medindo os méritos respectivos também no campo literário, como se pode depreender, seja do título semelhante que deu ao seu trabalho, apenas trocando o “Reminiscências” por “Recordações”, seja pelo episódio que ele mesmo narra:

“Houvemos de recorrer do seu alto critério do Conde D’Eu em certo dia: Preteriu-nos, com mais outros, no posto de Tenente, o Alferes Dionísio Evangelista de Castro Cerqueira. Inteligentíssimo, ninguém ignorava os elevados merecimentos de Dionísio, que ulteriormente foi tudo o que quis no Exército, porque para tudo lhe sobrava real competência. Filho da Bahia, montava como os gaúchos e exerceu cargos inerentes à cavalaria; foi excelente oficial de infantaria, de artilharia, de Estado-Maior de 1a. Classe e do corpo de engenheiros. Mais tarde, ocupou cargos de eleição popular e o de ministro do exterior e da guerra, de chefe da comissão de limites com a Bolívia e a República Argentina, sendo, por último, promovido a general-de-brigada, destacado para a Europa em Comissão importante do governo, onde faleceu prematuramente, deixando consternados os seus amigos, que eram todos os camaradas do seu tempo. Seria hoje a primeira figura do Exército, incontestavelmente.”

Pois bem, se José Luiz conseguiu convencer o comandante-chefe de que sua antiguidade deveria prevalecer sobre os méritos, por ele mesmo confessados, de Dionísio, não logrou fazer de seu livrinho algo superior, ou mesmo igual que fosse, à imortal obra do seu companheiro.

Acrescente-se que outras obras do gênero narrativas de campanha, como a do general J. S. de Azevedo Pimentel: “Episódios Militares”, mostraram-se superiores às suas “Lembranças”, que ficaram relegadas ao pó das bibliotecas especializadas, com suas fichas demonstrando poucas consultas.

Mas foi na obra de José Luiz, e não na de Dionísio, que o Autor foi garimpar narrativas que pudessem lhe servir de apoio à sua obra de deformação do glorioso Exército Brasileiro. Porém, nem em José Luiz, se tivermos o cuidado de lê-lo na íntegra, acharemos qualquer motivo de vergonha para com os nossos chefes e soldados do passado. Em Dionísio, porém, ao lado da verdade histórica que brota cristalina da sua pena, temos a elegância da forma e a sinceridade algo ingênua que caracteriza os carentes de ciúmes.

Vejamos alguns pedacinhos de Dionísio Cerqueira:

“(...) As seis horas tocava “trindade” e novamente entrava-se em forma (no acampamento de Tuiuti).

“No inverno, às oito, e no verão, às nove horas, os corpos rezavam o terço, acompanhado pelas bandas de música.

“Uma hora depois ouvia-se o impressivo toque de silêncio; e os fogões apagavam-se e o ruído cessava. Assim passaram os dias normais do acampamento.

“Pouco a pouco foram as “aldeias” se povoando de habitantes, que surgiam de

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Corrientes, Rio Grande e outros lugares. Algumas luziam-se de sedas e veludo e cavalgavam belos animais ajaezados de prataria.

“O jogo de cartas campeava infrene. Alguns camaradas afeiçoavam-se demasiado ao vício. Não lhes bastavam as fortes impressões da terrível guerra. Leocádio, foi, por algum tempo, o herói das bancas de lasquenete, dando pasmosamente sortes e mais sortes. Foram-lhe tão propícias a veia da fortuna, e tão avultadas as remessas de libras para o Brasil, que despertavam a curiosidade do governo. Houve suspeitas de ‘grilo’, porque era quartel-mestre. Injustiça... a justificação foi cabal. O pequeno ortóptero não se meteu de permeio a tanta fortuna. Houve quem desse a autoria ao ‘cágado’ - mas não creio, porque ‘Pactolo’ nem sempre corria a guaiaca de Leocádio.

“No Passo da Pátria, onde tínhamos depósitos e hospitais, havia casas de comércio. Também eram encontradas no acampamento argentino de Tuiuti, e à retaguarda da divisão Argolo, no Potreiro Pires. O grosso, porém, estava à direita do quartel-mestre brasileiro, alinhado em longa rua, que se estendia pela coxilha afora. A superintendência do comércio e a polícia do acampamento estavam confiadas ao coronel Ferreira, da cavalaria.

“Cada barraca era um bazar, onde se viam as mais variadas mercâncias: esporas, fitas, perfumarias, vestidos, bombachas, alpercatas de ‘gringo’, rendas, ponchos, merinaques, chapéus de plumas, rebenques, espelhos, calças, espartilhos, punhais, anáguas bordadas, luvas de pelica (...) ao lado de queijos, salames, vinhos zurrapas, fino Clicquot, sardinhas de Norte, charutos de Havana (...) Havia bascos, alemães, franceses, italianos, castelhanos, portugueses (...) Eram raríssimos, então, os brasileiros, argentinos e orientais.

- Entre os franceses atraia logo a nossa simpatia o Bearnez (...) ex-soldado de um regimento de zuavos, tomara parte na Guerra da Criméia em 1855 e fora ferido em 1859 na batalha de Polestro, quando carregava sobre os austríacos. Se os zuavos estivessem em Waterloo, dizia ele: Tous ces maudits anglais de Wellington et têtes carrées de prussiens de Blücher auraient été balayés des champs de bataille. E via-se, no olhar inflamado, a lhe ferver ainda na alma de veterano o espírito de corpo.

“Gostávamos de comprar na sua barraca. Além de ser um camarada, porque todos os soldados do mundo o são, era uma prosa cheia de fogo e extremamente agradável (...) seu barracão era um ponto de palestra patriótica. Vendia mais barato do que os outros (...)

“Oficiais argentinos e orientais faziam boa camaradagem com os nossos, visitando-se e encontrando-se nos bailes, que não eram raros nem primavam pela etiqueta e compostura e muito menos pela excelência das damas.

“A higiene do acampamento não se recomendava muito a princípio. As coisas eram feitas demasiadamente ‘a la gaucha’. Os urubus e caranchos encarregavam-se da limpeza, devorando os restos, que ficavam da carneação, expostos ao sol e à chuva e nos incomodando com o cheiro nauseabundo, quando lhe ficávamos a sotavento. Mais tarde, entrou tudo nos eixos e era agradável percorrer os nossos arraiais varridos e limpos. (Com a chegada de Caxias. O negrito é nosso).

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“Quando o exército entrou em Assunção, achou-a abandonada. Pouco a pouco foram aparecendo mulheres idosas, como que explorando. A princípio, vinham receosas, mas, depois, o medo deu lugar à confiança (...) Mais tarde foram chegando famílias, constituídas exclusivamente de mulheres e crianças que se tinham refugiado nos povoados próximos. A cidade ia perdendo o aspecto de praça de guerra. Nas ruas e largos, viam-se grupos de mulheres sentadas em pequenos tamboretes, vendendo em tabuleiros de pau ‘chipas’ e frutas, rendas, em que são exímias, e o afamado ‘inhanduti’(...) Todas, sem exceção, andavam descalças. Distinguiam-se pelo ar chibante as ‘Quiquaverás’, com enormes ‘trepamoleques’ inclinados por cima das orelhas, por onde pendiam longas arrecadas de ouro lavradas a cinzel e incrustadas de crisólitas. Nos dedos luziam anéis de muitas voltas. Tinham os cabelos muito alisados e lustrosos de banha. Algumas com os ‘membys’ ajoelhados no chão e as cabecinhas descansando sobre os joelhos, catavam-lhes os cabelos, povoados quase sempre de ‘quys’, que eram rotos nos dentes. Se um ‘gringo’ de realejo e macaquinho às costas parava e movia alguma ‘habanera’, todo aquele mulherio levantava-se e punha-se a dançar. Se era a ‘Palomita’... que delírio!” (3)

Não deixem de ler Dionísio. É o lado humano da guerra, memórias de um soldado que, como tantos outros, sofreu, foi ferido, assistiu a vitória final, trouxe recordações, mas não guardou ressentimentos.

Íamos até nos esquecendo do episódio dos generais de pouca cultura. Dionísio também conta as anedotas que, sobre os chefes gaúchos, que fizeram carreira na Guarda Nacional do Rio Grande do Sul, nos “entreveros” das lutas internas, gostavam de contar os alferes letrados saídos da Escola Central, como ele, ou da Escola Militar.

O exército sempre teve esses tipos que, mesmo tendo cursado escolas, fazem questão de aumentar sua fama de “grossos” e alimentam os casos que se contam sobre suas pessoas, com especial deleite. Ficam famosos.

Quem não ouviu contar, na Academia Militar, das façanhas do cadete Brasil, aquele da célebre anedota do baile?..

- Então, o cadete Brasil, “tronqueira” famoso que, de longe, passara as duas últimas horas do baile a namorar uma suave mocinha, do posto de observação em que se havia instalado: o umbral da porta principal do salão, na posição de descansar, com o dedo polegar da mão direita enganchado no terceiro botão da túnica, vaidoso com a sua máscula postura, decide-se, finalmente, e aproxima-se do seu objetivo. E, com o máximo de polidez que lhe impunham as circunstâncias, fez um pequeno discurso, pedindo a vez numa dança.

Mas qual não foi o seu espanto, ao ver frustrado o seu plano, quando a mocinha, timidamente, balbuciou, um tanto ruborizada:

- ... Eu?... eu não danço...

Cadete Brasil então mudou de figura. Juntou os calcanhares e trovejou no rosto da donzela:

- Pois saibas, sua égua, que és a primeira que me nega estribo!

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Dizem que, emocionado, complementou sua declaração de guerra com um sonoro arroto, nestas alturas já indiferente às boas maneiras das quais se armara.(4)

O Autor, no mínimo, não entendeu o espírito da coisa, levou a sério anedotas. Ora, quem lida com a morte e destruição tem que descarregar as tensões. O jogo, as mulheres, as anedotas são humanos derivativos encontrados em todos os exércitos. A diferença é que nós nos divertíamos com nossas próprias coisas, enquanto os pobres paraguaios, por falta de humor mais expontâneo, que só pode brotar no meio de soldados realmente livres, recebiam piadas fabricadas pela propaganda lopista, através do Cabichuí. Tais piadas, aqueles rústicos guaranis provavelmente não seriam capazes de entender, porque não lhes brotavam do espírito de camaradagem, naturalmente, como ocorria do nosso lado.

Conta-nos Dionísio que, através das folhas que corriam no acampamento de Tuiuti, certa vez se travou uma peleja em versos, a propósito de um soneto, que o Conrado Bittencourt, do batalhão de engenheiros, fazia terminar assim:

“Pás, enxadas, machados, picaretas.”

Ao qual o “Maxobomba” respondeu com outro que terminava em:

“Bombas, balas, granadas, lanternetas.”

5o.) Quanto ao decreto que extinguiu a escravidão no Paraguai, já vimos ter sido letra morta. O próprio Solano López, documentadamente, adquiriu alguns para o seu serviço particular.

Na realidade, foi o Conde D’Eu quem solicitou ao governo provisório que extinguisse de fato e de vez a escravidão no Paraguai. E se a escravidão ainda custou a ser extinta em sua própria pátria, isto é uma outra história. Aqui, infelizmente, o Conde D’Eu não era o comandante-em-chefe de um exército vitorioso e o governo, não o monarca, tinha profundas ligações com os interesses que giravam sobre a mão de obra escrava. Aqui, o Conde D’Eu era apenas o genro do Imperador, e a propaganda republicano-maçônica se incumbia de retirar do príncipe patriota a afeição da Nação. Mas, sua esposa, Isabel, a Redentora, contando com o seu apoio decisivo, haveria de encaminhar a solução do problema que, uma vez maduro, foi lancetado como um tumor, de um só golpe: a Lei Áurea. Graças a Deus!

6o.) O volumoso apêndice transcreve, ainda, uma carta que López teria escrito para o seu filho Emiliano, como sempre, sem as indicações que permitam a conferência de sua autenticidade.

Não importa, a imagem de pai dedicado e afetuoso, que o Sr. Chiavenatto pretende dar a López, está definitivamente comprometida por seus crimes:

- fuzilou os dois cunhados;

- fuzilou os dois irmãos;

- prendeu, degradou, mandou reduzir à nudez e à fome suas duas irmãs;

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- sentenciou à morte suas duas irmãs e sua própria mãe;

- fuzilou dizimou, degolou, chicoteou, torturou, mutilou, condenou à fome, aos lançaços, aos baionetaços, seus auxiliares mais importantes e dedicados;

- mandou à morte, com indiferença, homens, velhos e meninos;

- aterrorizou toda uma nação;

- infelicitou famílias inteiras de povos vizinhos;

- etc, etc, etc.

O que vale, pois uma carta a uma pessoa? Pode-se, honestamente, duvidar do seu afeto.

7o.) Uma acusação de Washburn ao Duque de Caxias:

O Sr. Washburn, não o ficamos conhecendo a fundo, somente sabemos de algumas de suas ações durante o tempo em que esteve no Paraguai: inicialmente foi partidário de López, e o ajudou, informando o seu governo com pareceres favoráveis ao tirano e, chegou mesmo a tentar uma mediação de paz no conflito, em caráter pessoal; posteriormente, muda de atitude e escapa do Paraguai com uma certa dificuldade, num episódio em que muito pesou a benevolência brasileira, que resgatou, assim, a dívida que tínhamos para com Washburn com relação à vida do nosso representante em Assunção, por ocasião da apreensão do Marquês de Olinda.

Caxias é o patrono do Exército Brasileiro, único Duque da monarquia brasileira, nascido no Brasil.

As excelsas vitudes do Duque de Caxias, dentre as quais ressaltamos o cavalheirismo, jamais permitiriam à sua pessoa, moralmente sã e muito bem educada, externar qualificativos chulos e depreciativos a outras nações. Respeitava o próprio inimigo. Não se encontra nenhum registro de qualquer excesso ou rebaixamento de linguagem, quer nos seus documentos, cartas, ou mesmo nas recordações daqueles que privaram com ele, que dirá do seu encontro formal com um diplomata estrangeiro para tratar de uma possível negociação de paz.

Não, jamais Caxias se referiria ao Peru ou a qualquer outro país do planeta, inclusive o Paraguai, como uma republiqueta. Como soldado tinha nítida a idéia de que a valorização da pátria amada passa pelo reconhecimento da grandeza alheia.

O que possa ter dito Washburn é mentira. O Sr. Chiavenatto, por sua vez, sempre garimpando um motivo para sujar a imagem da sua própria terra e dos seus maiores, junto à juventude que tenta enganar, não se importa em apurar a veracidade da assertiva. Fá-la sua e trobeteia sua maledicência.

Se Washburn acabou sendo demitido do serviço diplomático americano, e os motivos não nos interessam, Caxias, ao contrário, ao regressar da guerra, onde já ocupava o último posto na hierarquia militar, haveria de ser elevado, pelo Imperador, à dignidade de Duque, e dele recebeu a medalha do mérito, a única que ainda não possuía. O exército fê-lo seu patrono, e o povo brasileiro adotou o seu toponímico como sinônimo de correção de atitudes.

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Assim, hoje em dia, dizer-se de alguém que é “Caxias”, significa: é correto, é reto, não transige com o erro, exige trabalho bem feito, é honesto, é honrado, é patriota, não desperdiça, é esforçado. Numa palavra: é um homem de bem!

8o.) Por fim, o apêndice do Sr. Chiavenatto estampa um decreto do governo brasileiro com o propósito maldoso de divorciar a juventude atual do passado nacional.

Se aceitamos o fato da escravidão no Brasil, como algo profundamente injusto, mas que já passou, certamente a maioria dos nossos jovens de hoje não sabia, e o Autor nada lhes disse a respeito, que no Paraguai a escravidão negra perdurou durante toda a guerra, somente sendo extinta, de fato, a pedido do Conde D’Eu.

Vamos, portanto, esclarecer, que no Paraguai atingiu 40.000 negros e seus descendentes, seja claramente como escravos, seja sob a capa de “libertos”.

Vejamos um documentos: um ofício datado de 9 de setembro de 1866, do vice-presidente da república, Francisco Sanchez, dirigido ao comandante militar de Vila Rica:

“Viva a República do Paraguai!

“Considerando ter, à noite, se apresentado o Chefe de milícias de Piraju consultando verbalmente sobre a ordem circular de 6 de corrente para o recrutamento de todos os homens capazes de portar armas, se se devem considerar também os escravos e libertos da República; faz-se saber às Autoridades em campanha encarregadas do cumprimento da referida ordem que ficam compreendidas nelas os libertos, e os escravos serão liberados pelo Tesouro Nacional; a quem os funcionários públicos apresentarão listas nominais dos citados servos, com referência nominal dos seus donos, e as remeterão à secretaria do governo para mandar-se pagar suas importâncias, por estar, assim, de acordo com a Suprema resolução do Exmo. Sr. Marechal Presidente da República; devendo proceder no demais segundo o previsto na citada ordem de 6; e para cumprimento remetam-se cópias desta disposição a todos os comandos em campanha para os devidos fins.

“Assunção, 9 de setembro de 1866 - (assinado) O vice-Presidente, Francisco Sanchez.” (5)

Desta forma, somente em 1866, foram incorporados ao exército de López 6.000 escravos paraguaios liberados para esse fim. (6)

Notas:

(1) Dionísio Cerqueira, Op. Cit., p. 189.

(2) Como exemplo, a informação oficial sobre o exercício financeiro de 1864-65:

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Receita do Império............................... 52.000:000$000

Despesa................................................ 56.558:823$246

Tabela de Vencimentos (soldo) de oficiais:

- Exército - Marinha

Marechal-de-exército..... 750$000 Almirante............. 600$000(*)

Tenente-general.......... 570$000 Vice-almirante........ 400$000

Marechal-de-campo........370$000 Chefe de Esquadra..... 300$000

Brigadeiro............... 304$000 Chefe de Divisão...... 240$000

Coronel.................. 240$000 Capitão Mar e Guerra..168$000

Tenente-coronel.......... 216$000 Capitão-de-fragata.... 144$000

Major.......................... 134$000

Capitão....................... 90$000 Capitão-tenente....... 120$000

Tenente....................... 62$000 Primeiro-tenente...... 72$000

Alferes........................ 56$000 Segundo-tenente....... 60$000

Aos soldos dos oficiais e praças adicionava-se 1/3 de campanha. Os oficiais que exerciam funções superiores aos seus postos tinham gratificação especial.

(*) diária de almirante - chefe: 5$000.

Câmbio médio: 11$500 por libra.

Tabela de Ração de Campanha (gramas)

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280

Carne.................... 280

Farinha.................. 140

Mate ou café............. 80

Açúcar................... 70

Bolacha.................. 90

Sal...................... 90

Fumo..................... 60

Sabão.................... 15

Papel.................... 10

____

750

A ração era entregue sem preparar. Daí a importância das “vivandeiras” e das “chinas” que acompanhavam as tropas, algumas das quais se tornaram combatentes.

O sal, aparentemente excessivo, destinava-se, em parte, a ser empregado na conservação de carnes.

Fonte: História Militar Sul-Americana, Op. Cit.

(3) Dionísio Cerqueira, Op. Cit., Cap. -II e -VIII. O soldado descreve nestes capítulos as mazelas do exército no Paraguai: inexistência de um serviço de intendência, deficiência de serviço de saúde, inexistência de uma área de repouso, promiscuidade, comando-chefe nas mãos de um general estrangeiro incompetente. Caxias levaria mais de um ano para reorganizar o exército e retomar a ofensiva. Mais tarde, já em Assunção, Dionísio testemunha o trato suave dos brasileiros para com as mulheres e crianças.

(4) A Academia Militar foi fundada pelo Conde de Linhares em 1810.

O programa era vastamente científico:

1º ano - Matemática e Álgebra até equações de 3º e 4º graus; Geometria e Trigonometria Retilínea, noções de esférica.

2º ano - Ampliação dos estudos anteriores; cálculo diferencial e integral, aplicados à Física, Astronomia e cálculo das Probabilidades.

3º ano - Mecânica, Hidráulica, Balística teórica.

4º ano - Trigonometria esférica, Ótica, Mecânica Celeste e Astronomia. Carta Geográficas, Topográficas e Sistemas de Projeção.

5º ano - Tática e Estratégia, Castramentação e Fortificações de Campanha, Química.

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6º ano - Fortificações regulares e irregulares;

Ataque e defesa das praças fortes; Princípios de Arquitetura Civil; Estradas, Pontes, Canais e Portos; Orçamentos de Obras; Mineralogia.

7º ano - Artilharia teórica e prática; Minas e Geometria Subterrânea; História Natural.

8 º ano - História Militar de todos os povos e dos grandes generais; Linguas francesa, inglesa e alemã.

O curso completo formava os engenheiros e artilheiros; os oficiais de infantaria e cavalaria cursavam apenas o 1º e o 5º ano.

Em 1845 o curso completo foi reduzido a sete anos, tendo sido modificado o currículo que manteve, no entanto, sua base eminentemente científica. Foram organizados três cursos: infantaria e cavalaria (1º, 2º e 5º anos); artilharia e estado-maior (1º, 2º, 5º e 6º anos); engenharia (todos os sete anos). Este regulamento criou o bacharelado e o doutorado militar.

Essas bases do ensino militar permaneceram até 1898. (Apud Genserico de Vasconcelos, História Militar do Brasil, I Vol, Notas 42 e 44, Biblioteca Militar, Rio, 1942, pg. 129 e 136).

Considerar que a formação dos oficiais era complementada pela instrução nos Corpos de Tropa rigidamente calcada nos regulamentos das respectivas Armas.

Havia, também, oficiais sem curso, formados na tropa e na guerra, particularmente nos corpos oriundos da 2ª linha ou Guarda Nacional e, especialmente, na cavalaria gaúcha. Estes eram promovidos como os demais, apenas com mais retardo.

(5) O fac-símile do documento original, em espanhol, está estampado na obra citada de Mario Barretto, Vol. I, apêndice, p. -XIV, doc. no. 11. Lembramos que esta obra contém, no cap. II do Vol. I, um erudito e muito documentado estudo sobre a escravidão no Paraguai.

(6) Reminiscência Históricas sobre la guerra del Paraguay, coronel Chrisostomo Centurión, Vol. II, p. 141.

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Apêndice 2

UM DOCUMENTO DE CAXIAS. AUTÊNTICO

Já afirmamos que o tal “despacho” de Caxias a D. Pedro II é inteiramente falso, e enumeramos algumas razões: estilo em desacordo com o do marechal, pedido absolutamente sem fundamentos e em total contradição com a personalidade de Caxias, etc.

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Antes de partirmos para a argumentação final, lembramos aos leitores que muitas afirmações contidas no corpo do panfleto do Autor se baseiam no suposto documento, e que é o próprio Sr. Chiavenatto quem esclarece, agora, no seu Apêndice 2: “com o título em espanhol de Despacho privado del Marquês de Caxias, Mariscal de Ejército en la guerra contra el Gobierno del Paraguay, à S. M. el Emperador del Brasil Don Pedro II, datado de 18 de novembro de 1867, existe no Museu Mitre em Buenos Aires, um folheto, traduzido do português, transcrevendo um documento atribuído ao Duque de Caxias. Este folheto pretende ser a transcrição fiel de um despacho privado onde o comandante do Exército Imperial informa, ao Imperador do Brasil, a situação da guerra. Há fortes indicações de que esse documento seja autêntico: os fatos analisados pelo Duque de Caxias identificam-se plenamente com o desenvolvimento da guerra, conferindo até em detalhes com outras fontes, especialmente argentinas e, o que é sintomático, com interpretações de observadores europeus, tratando do mesmo período.” (Os negritos são nossos).

Pois bem, por atacado o “documento” já está refutado. Salta aos olhos sua inautenticidade. Vejamos a varejo:

1o) o comandante-chefe das forças brasileiras em operações não despachava com o Imperador, mas, sim, com o ministro da guerra. Dom Pedro II, tanto quanto Caxias, eram muito cuidadosos nessa questão dos canais competentes;

2o) considere-se que Caxias substituiu Mitre com absoluto êxito. O argentino foi a própria incompetência, em que pese a sua amizade aos brasileiros. Foi moroso nas operações, revelando-se, sobretudo, um general sem garra, ao deixar de atacar as fortificações paraguaias logo em seguida à brilhante (porque conduzida pelos generais brasileiros) batalha defensiva de Tuiuti, quando o exército de López se esfacelou sobre o acampamento aliado. Sua inação permitiu a López a reorganização das suas forças e, a conferência de Iataiti-Corá, que o fez suspeito de traição aos Aliados, deu a López o tempo que este necessitava para tornar Curupaiti inexpugnável para o poder de combate disponível do nosso lado, naquele momento. Ora, Mitre em confronto histórico com Caxias, que nós nos abstemos de fazer, mas é tentado pelos patrioteiros argentinos, não teria a menor chance de prosperar, a não ser com a ajuda de folhetos desse tipo que, rebaixando Caxias, o nivela por baixo com Mitre, no plano militar, e daí é só exaltar a figura do Mitre político, estadista, para deixar Caxias para trás. Está claro?

3o) um folheto, “traduzido”, “atribuído”. E onde está o original? Quem o leu? Quem traduziu? Quem o atribui a Caxias? O Sr. Chiavenatto não esclarece, apenas faz a seguinte consideração: “a inexistência do documento original nada tem de estranho: centenas ou milhares de documentos desta guerra suja foram queimados, roubados, destruídos, perdidos. O Despacho, por razões óbvias, pode muito bem ser um dos “perdidos”.

Também o Sr. Chiavenatto não diz quem queimou documentos, ou os roubou ou, enfim, destruiu. Apenas sugere que tenham sido os promotores dessa “guerra suja”. Ora, ao pé da letra, então foi López, o deflagrador da guerra e quem, ao desrespeitar as leis da guerra tornou-a suja.

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Mas nós entendemos o que ele quer dizer. Pois bem, documentos que seriam extremamente valiosos para a nossa defesa face à história, foram queimados, roubados ou destruídos por ordem de López, na sua fuga desesperada. Quem tinha crimes a esconder era Don Solano, e não nós, que lamentamos, como narra Bormann, a queima de papéis ocorrida no último acampamento de Cerro Corá:

“Fato digno de lástima foi esse que privou a história de documentos que deveriam fazer parte do processo que ela instaura contra aqueles que figuram no cenário do mundo e dele se ausentam ou cobertos de bênçãos ou de anátemas.”

Bormann se refere à preocupação do general Câmara com os arquivos:

“Quando o general encontrou-se com o bravo major José Simeão de Oliveira, depois deste indicar-lhe o rumo que tomara o ditador, deu-lhe ordem de voltar ao acampamento para apoderar-se do arquivo inimigo; mas, infelizmente, o saque nada respeitara.” (1)

E que saque foi esse?

Bormann e as outras fontes não esclarecem precisamente, mas temos uma pista dada por ele mesmo em outro lugar:

“Mulheres e crianças famintas, associadas aos nosssos soldados, atacam as carretas do marechal e de Lynch e as saqueiam, ora enfurecidas, soltando imprecações; ora, às gargalhadas, pisando indiferentemente os cadáveres que alastram o chão!” (2)

Cena reprovável que nem mesmo a diligente condução da operação pelo general Câmara conseguiu evitar. Se soldados nossos participaram dessa explosão de paixões represadas, nada temos a esconder, nossos oficiais e chefes sempre puniram os faltosos. O que interessa, aqui, considerar com ênfase, é o fato de ter o comandante da expedição dado ordem para se apreender os arquivos inimigos, que interessavam a nós guardar. Se isto tivesse acontecido, hoje, talvez, tivéssemos um determinado papel em mãos que consubstanciasse uma prova de tal forma contundente que evitaria tanto gasto de palavras.

Felizmente, o preclaro Rio Branco, quando o governo provisório, por seu intermédio, pediu ao governo brasileiro a devolução dos arquivos nacionais apreendidos em Luque, a 2a. capital de López, mandou selecionar, antes da entrega, os documentos de valor histórico. Sua visão alcançava longe...

Está claro que não interessava nem interessa ao Brasil a destruição de documentos da guerra: fizemos uma guerra limpa, cavalheiresca. Resta aos despeitados e Sr. Chiavenattoes derrotados a triste obra da maledicência. Para nós, quanto mais documentos existirem, melhor. Ainda nos resta o trabalho de tapar as bocas dos mentirosos.

4o) Um folheto que pretende ser a transcrição fiel deve revestir-se das formalidades mínimas para que assim possa ser considerado.

Hoje em dia, a doutrina da Guerra Psicológica classifica os panfletos de propaganda, segundo a fonte, em propaganda branca, cinza e negra. Esses panfletos podem claramente revelar a sua orígem, podem deixar a dúvida quanto à sua autoria, ou

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podem ser imputados ao próprio inimigo.

Senhores leitores: estamos diante de uma propaganda negra, a mais escura, suja e fedorenta que se possa fazer.

5o) “Há fortes indicações de que esse documento seja autêntico”:

a. “os fatos analisados pelo Duque de Caxias identificam-se plenamente com o desenvolvimento da guerra”:

Vamos sintetizar a análise que se pretende seja de Caxias, já que o “documento” é uma enxurrada de lamentações, um perfeito besteirol, que assim pode ser enunciado: Caxias julgaria impossível vencer a guerra.

Vamos, então, verificar o que fazia o nosso comandante-chefe naquelas alturas, dia 18 de novembro de 1867, um pouco antes e um pouco depois:

- Caxias ultimava seus preparativos para as ações decisivas que desencadearia em 1868, que estava prestes a iniciar; prosseguiu com a série de combates vitoriosos, iniciados ainda em 67; ordenou a Osório o reconhecimento a viva força sobre Humaitá, operação coordenada com o ataque à fortificação chamada “Estabelecimento”; acabou quebrando os contornos do chamado “quadrilátero” do qual Humaitá era o núcleo central, o reduto.

A operação de reconhecimento de Humaitá acabou desiquilibrando de vez as reservas psicológicas do tirano. Ele viu claramente o que viria a seguir: o ataque. Assim, tratou de retirar a guarnição e o armamento que pode, mandou levantar outra fortificação, na margem oposta do rio: Timbó, etc. Nós já vimos tudo isto.

O que nos interessa aqui é a atitude de Caxias. Seus escritos: ordens do dia, cartas, relatórios, desses dias, só revelaram sua intenção de vencer definitivamente o inimigo; suas conversas com os oficiais do Estado-Maior, com os chefes aliados, com os visitantes vindos do Brasil, tudo girava em torno da idéia da vitória. Caxias era um forte, e naqueles dias sua fortaleza se ampliava com o entusiasmo.

Após Humaitá, e sem paradas inúteis, posto que sua máquina de guerra estava perfeita, manobra pelo Chaco, repetindo a manobra de flanco que já havia, antes, paralizado López psicologicamente. Vai cair na retaguarda do exército inimigo, colocando-se entre ele e Assunção, que, no entanto, não é o objetivo principal. López faz meia-volta, dolorosamente, e sofre as derrotas aniquiladoras da dezembrada. Acabou, pensa Caxias.

De um lado, tivemos Caxias, um vencedor, um cérebro ativo donde brotavam as mais brilhantes concepções estratégicas. Do outro, López, que se dedicou ao fuzilamento dos seus próprios patricios, à bebida, ao isolamento, à depressão. Já era um vencido desde a data do tal “despacho”.

Os “fatos analisados” estão em completo desacordo com o desenvolvimento da guerra, portanto.

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b. “conferindo até em detalhes com outras fontes, especialmente argentinas”:

Ora, o Autor não cita essas fontes, mas não é necessário, vamos encontrar um besteirol semelhante nos livros dos lopistas, dos argentinos despeitados e dos lopezguaios. É impossível, no entanto, torcer os fatos: a guerra não se desenvolvia e nem passou a se desenvolver segundo o “despacho”, mas segundo as ordens do dia de Caxias;

c. “com interpretações de observadores europeus”:

- Quem? Thompson? Von Versen? Não conferem, em que pesem as injustiças cometidas pelo inglês e pelo prussiano contra os nossos chefes e soldados, no que tange ao desenvolvimento da guerra. Pois ninguém pode transformar uma derrota final em vitória final.

Vamos reafirmar: o “despacho” é tão falso ao mostrar um Caxias chorão quanto a imagem que o Semanário procurava projetar de López: “El Genio” valente.

Um último agravo o Autor lança à nação brasileira, tentando intrigar um rol de personalidades que estariam de acordo com a baixeza do “despacho”. Gostaríamos de dispor, senão das citações completas, pelo menos das indicações bibliográficas que nos permitissem encontrar nas obras desses ilustres brasileiros os apoios que o Sr. Chiavenatto chama de “irrefutáveis” à confirmação do “despacho”.

O Sr. Chiavenatto indaga: “Inventado por quem? Para quê?”

Ora, a propaganda negra é assim mesmo. Quer parecer autêntica, para apoiar ações posteriores.

O que vamos fazer, depois de tudo o que vimos, é devolver as perguntas, com outra: Para que Caxias daria a D. Pedro II uma visão diferente daquela que ele dava ao ministro da guerra?

Em 14 de janeiro de 1868, menos de dois meses somente após a suposta análise, que a Caxias imputam os mentirosos ter terminado dizendo: “A paz com López, a paz, Imperial Majestade, é o único meio salvador que nos resta. López é invencível”, o nosso comandante-chefe escrevia ao ministro da guerra:

“Ilmo. e Exmo. Sr. Conselheiro João Lustosa da Cunha Paranaguá.

“Recebi a Confidencial, que V. Excia. se dignou escrever-me com o fecho de 30 de dezembro próximo passado, e devo começar minha contestação por agradecer a V. Excia. a continuação de sua confiança em minha pessoa, traduzida na aprovação de diferentes atos por mim praticados, e de que V. Excia. me fala em Sua citada Confidencial.

Tenho sido sempre o primeiro a reconhecer a patriótica solicitude, e contínuos esforços, com que V. Excia. e o Governo Imperial têm constantemente me auxiliado na remessa não só de tropa, como de tudo quanto tem sido necessário para a guerra, em que

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nos achamos empenhados. V. Excia. permitirá que, ainda por esta vez, eu lhe dirija e ao Governo meus agradecimentos sinceros acompanhados da firme persuação, em que estou de que o Governo Imperial continuará na mesma linha de procedimento, até que sejam satisfeitos os votos do Brasileiro, e a mais brilhante vitória tenha feito fulgarar nossa bandeira tão atroz, quão covardemente injuriada pelo inimigo, com que lutamos.

“Pela minha parte, o que posso afiançar a V. Excia., é que nem fadigas, nem provações, nem sofrimentos de qualquer espécie terão força bastante para fazer-me esmorecer na árdua, mas gloriosa missão, de que me encarreguei; enquanto puder me manter em pé, e meus sofrimentos consentirem, que a cavalo eu veja diariamente os meus soldados, e visite nossas linhas, descanse V. Excia. que hei de continuar em meu posto de honra. Só deixarei de fazer em prol da causa justa, que sustentamos, o que for humanamente impossível.

...............................................................................................................................

(longos detalhes puramente administrativos).

...............................................................................................................................

Ao concluir esta minha carta, permita V. Excia. que eu inste pela chegada ao teatro da guerra desse reforço de 4 a 5.000 homens, de que anteriormente já falei a V. Excia. A nossa linha de, uma extensão extraordinária, e que começando hoje no Chaco, vai até o Nhembucu, não consente que qualquer dos seus pontos mais enfraquecidos pela retirada da tropa ofereça ao inimigo probabilidade de o cortar, acarretando-nos dificuldades, e para o mesmo inimigo força moral. Para que isto se não dê, e para que possa eu dar qualquer golpe de mão de importância, e conseqüências, é preciso que V. Excia. com a solicitude, e empenho, de que me tem dado exuberantes provas procure satisfazer quanto antes aquele meu pedido. Isto não quer dizer, que eu não trate, como estou tratando, por todos os meios ao meu alcance levar a efeito um golpe, ou empresa, de que com fundamento espero grandes proveitos às Armas Brasileiras; cuido mesmo que muito breve praticá-lo-ei; pode V. Excia descansar.

“Sem outro motivo reitero a V. Excia. a segurança de minha perfeita estima, e da elevada consideração com que sou

De V. Excia. amo. e colega obr.

Marquês de Caxias

“Tuiu-Cuê, 14 de janeiro de 1868.” (3)

Este é um documento autêntico, de Caxias. Queiram os leitores comparar a prova da autenticidade com o “despacho” forjado. Vejam se seria possível Caxias ter

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atitudes completamente diferentes, uma firme, em que declara cuidar, a despeito dos problemas de efetivos que enfrenta, de levar a efeito uma empresa em que espera grandes proveitos para as nossas armas (espírito ofensivo), isto junto ao ministro, que é a autoridade a quem deve se dirigir, de direito, e outra absurdamente diferente, junto ao Imperador, com quem nem tem ligação direta.

Caso uma coisa destas chegasse a ocorrer, da troca de informações nos despachos seguidos que o gabinete tinha com o Imperador, a contradição afloraria e Caxias seria destituído, no mínimo, por insanidade mental.

E aqui deixamos de transcrever uma série de outros documentos de Caxias, no mesmo tom, por considerarmos já suficientemente comprovada a nossa refutação. (4)

Este foi o nosso argumento principal. (Todo o texto já se encontrava redigido quando recebemos, do Sr. Diretor do Museu Mitre, de Buenos Aires, a resposta a um nosso pedido, que liquida, definitivamente, a questão e vai estampado ao final deste capítulo

Finalmente, resta-nos uma última refutação a fazer: a balela de que Caxias teria dado a guerra por terminada com a ocupação de Assunção. Como o fato decorreu de mal entendido (de propósito, diga-se de passagem) da oposição liberal ao conservador Caxias, deixemos que suas próprias palavras encerrem o caso:

“Senhores, nunca dei a guerra por acabada. Apenas manifestei a minha opinião. Depois do que vi, depois do que se passou, eu não poderia supor que López pudesse ainda continuá-la do modo como a tinha sustentado até então.

Qual foi o ato que pratiquei, quais as forças que mandei retirar das posições em que se achavam, dando por finda a guerra:

Não há nenhum.” (5)

Notas:

(1) Bormann, Op. Cit., Vol III, p. 140.

(2) Idem, ibidem, p. 139.

(3) Mario Barretto, Op. Cit., Vol. III, anexos, p. CXVIII a C-II.

(4) Em carta dirigida à mesma autoridade, datada de 23 de janeiro de 1868, informa Caxias:

“Ontem foi encontrado no caminho entre Tuiuti e este acampamento um grande pacote, fechado, e lacrado com direção ao Exército Argentino, conduzido ao general Gelly y Obes, e por ele aberto, via-se que continha uma porção de manifestos, ou proclamações (uma das quais remeto a V. Excia.), e bem assim cartas dirigidas ao todos os chefes argentinos, e contendo o mesmo papel. A invenção é estúpida, porque, como V. Excia. verá, dá-se por ponto de partida, tudo quanto se escreve, a morte do general D. Bartholomeu Mitre (...) O que este papel mostra é: 1o., que o assedio, que López está sofrendo, é sério, e estreito, tanto que a facilidade, que anteriormente ele tinha de

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receber notícias acabou, vindo daí confundir ele a morte do vice-presidente D. Marcos Paz com a do general D. Bartholomeu Mitre; 2o., o estado crítico de fraqueza, e carência de todos os recursos em que López se acha, tendo precisão de recorrer às intrigas miseráveis, que no papel se revelam na esperança de obter um resultado, qualquer que ele seja, e que o possa favorecer.

“Diz-se, no Exército Argentino, que o autor de semelhante obra é um facínora, filho da Confederação, que condenado à morte por crimes nefandos que cometera, se pôde evadir das cadeias de Buenos Aires, e passar-se para o inimigo.” (p. CXVII)

Na Argentina, já naquele tempo, havia falsários que se puseram a serviço de López...

(5) Trecho de um discurso pronunciado pelo Senador Duque de Caxias, na sessão de 4 de julho de 1870.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“A Guerra do Paraguai foi um dos grandes crimes da

América do Sul; não foi, porém, o crime do vencedor,

foi o crime de López, que exigiu de seu povo até o

suicídio. Esse suicídio, na sua trágica inconsciência, é

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um dos mais nobre holocaustos que o sentimento

moderno de pátria tenha deixado na História; é duvi -

doso, mesmo, que tenha igual, e cerca com um

esplendor legendário de mártir o nome do Paraguai.

Joaquim Nabuco” (1)

A obra do Sr. Chiavenatto já se encontrava em 24a. edição quando cuidamos de refutá-la.

Ao lê-la, não encontramos razões que deteminassem tão considerável êxito editorial, no seu conteúdo. O que teria atraído tanto a atenção da nossa juventude? O título? O texto? o “ineditismo” da tese?

Por certo, cada um desses ingredientes teria a sua quota de atratividade, mas não explicavam, quer isolada, quer no seu conjunto, os motivos do sucesso de vendas.

Fomos investigar, e a boa amostragem do público que abordamos, e que conhecia o livro (nem todos o tinham lido), particularmente por indicação de professores e colegas, acabou por confirmar nossa suspeita: foi feito um trabalho de ampla divulgação no meio estudantil secundarista, na base, não só da recomendação de professores, nem sempre de História, mas, pelo velho processo da conversa nos grupinhos de alunos, algo como se fez na França, por exemplo, como preparação para a Revolução Francesa: as 2.000 bocas...

Os adultos foram atingidos de outras maneiras, especialmente sob a forma de presentes.

Mas, persistia nossa curiosidade insatisfeita. Como? Que coisas diziam do livrinho que pudessem empolgar tanto? Afinal, muitas outras obras de cunho contestatório já tinham sido lançadas, sem o mesmo sucesso. Guardadas as proporções, corresponde ao êxito obtido pelas obras de Marcuse, entre os universitários americanos da década de 60.

Acabamos encontrando o argumento utilizado na propaganda: o governo brasileiro esconderia os documentos que revelam seu subimperialismo no século passado, do qual resultou a destruição da nação paraguaia e do seu modelo econômico.

Acusação infundada, transcrita no próprio texto do livrinho, teve, no entanto, o poder de produzir indignação nas pessoas. Daí o comprar, para colaborar, mesmo que não fosse para ler. Quer dizer: um apelo de conteúdo moral para a difusão de uma obra imoral.

Julgamos ser melhor, por isso, rechear nosso trabalho de refutação com transcrições das fontes e dos documentos disponíveis para qualquer estudante bem intencionado. (2)

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Quisemos mostrar que não existe nada escondido, nenhum documento permanece guardado que não tenha sido examinado pelos autores sérios. Não existe nada que possa comprovar a esdrúxula tese levantada pela obra da traição.

As mentiras dos lopistas e lopezguaios já foram cabalmente refutadas por nossos historiadores deste século, particularmente, e com justo destaque para o general Mario Barretto; e, tivemos, mais recentemente, os trabalhos do professor Abente, que liquidam de vez com a tese do imperialismo na Guerra do Paraguai.

A menos que estejamos profundamente enganados quanto ao perfil moral da nossa juventude, e as evidências dizem o contrário, cremos firmemente ter encontrado a resposta que seus espíritos jovens buscavam, inflamados pelo desejo de justiça, desconfiados, no fundo, de que estavam sendo enganados, mas colaborando com a corrente, pela preponderância que a vontade (paixão) costuma ter sobre a razão nessa fase heróica das nossas vidas.

Gostaríamos de enfatizar que a amizade brasileiro-paraguaia, nascida da própria tragédia da guerra, tem crescido nessa era de paz e cooperação pós-López. Retratos fiéis dessa mútua confiança são: a tão conhecida usina hidrelétrica de Itaipu e a pouco conhecida Missão Militar Brasileira de Instrução no Paraguai, em sua versão moderna, que completou 50 anos de serviços prestados à formação profissional do seu exército;

Cremos entretanto, que em homenagem a essa amizade nascida do jogo da verdade e traduzida na mais franca e recíproca lealdade, não devemos permitir a falsificação da história da sua geração.

Deixamos para este arremate a lamentação do Autor, no Prefácio da sua obra, sobre a “abordagem não crítica” dos nossos historiadores. Vamos entendê-lo: para o marxismo, no dizer de Jean-Marie Schmitz, “a luta é a raiz de todo movimento, de toda vida; a ‘dialética’, que é o estudo da contradição situada na essência mesma das coisas (Lênin), é o fundamento do marxismo-leninismo, como escrevia Stalin. Por isso o marxismo tentará exarcebar os conflitos sociais, raciais e nacionais... ou suscitá-los, caso não existam, a fim de fazer surgir duas forças antagônicas, suscetíveis pelo seu entrechoque de impulsionar o movimento, e logo a Revolução” (Après da Révolution de Mai 1968, ps. 52 - 53, citado por Alfredo Lage, in A Falência do Pensamento Liberal, Agir. Rio, 1971, po. 17 - 18).

Caracterizemos o inimigo: não são, aqui, os jovens que, acionados pela “abordagem crítica” do Sr. Chiavenatto retiram dos seus corações os verdadeiros heróis da Pátria para, nos michos vazios irem colocando os traidores, Lamarca em lugar de destaque.

O inimigo é uma organização, verdadeira máfia que mantém este mundo em permanente estado de subversão. É um sistema - o Sistema - , cuja cúpula é formada de intelectuais que abordam criticamente, isto é, revolucionariamente, todas as facetas da cultura (3). Pretendem derrubar até os seus fundamentos a Civilização Cristã Ocidental e, no seu lugar, implantar uma outra, a Civilização Moderna, pagã e global, onde não restaria espaço para as nações e as idéias individuais. Totalitarismo amplo, geral e irrestrito; globalismo; permanência nas ações; e, unicidade de propósitos entre os seus diversos movimentos e expressões.

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A cúspide revolucionária é composta por filósofos que dão o tom, a cadência da revolução; enquanto que a sinarquia oculta financia todo o Sistema.

Mas, isto, já é tema para outra publicação. Quisemos, apenas, mostrar que o Sr. Chiavenatto não age isoladamente. E nós, porque haveremos de fazê-lo?

Agradecemos ao Centro de Documentação do Exército e aos seus integrantes, as facilidades de toda sorte que recebemos para a elaboração deste trabalho.

Notas:

(1) Joaquim Nabuco, Vol. III, p. 145.

(2) Vejam o valor de uma obra de referência, como é a obra do general Tasso Fragoso. Ele nos informa:

“Para a elaboração desta obra recorri a todas as obras que poderiam ser úteis. Valí-me em primeiro lugar dos documentos que se guardam em nosso Arquivo Nacional. Consultei, depois, todos os trabalhos sobre o assunto, publicados no Brasil ou no estrangeiro, que me foi possível conseguir. Vou enumerá-las aqui. Completarei a lista com outros de que tenho notícia.” E segue-se uma lista de quase cem obras, com as respectivas apreciações do autor.

Op. Cit., Vol. V, Bibliografia, p. 415.

(3) Cfm. Alfredo Lage, A Recusa do ser - A Falência do Pensamento Liberal, Agir, Rio, 1971.

BIBLIOGRAFIA Tudo o que o estudioso da Guerra do Paraguai quiser saber sobre o conflito:

causas, aspectos diplomáticos, operações militares, personalidades envolvidas, aspectos econômicos, modernas abordagens metodológicas, período de ocupação, intervenção brasileira no Uruguai e seus antecedentes, etc., encontramos em língua portuguesa. A Biblioteca do Exército Editora, com sede no Rio de Janeiro, Palácio Duque de Caxias (antigo Ministério da Guerra), tem editado uma série de obras sobre a guerra contra

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López. A Biblioteca Nacional, também no Rio, possui em seu acervo todas as obras de referência sobre o assunto, e o Centro de Documentação do Exército possui, em Brasília, todas as obras importantes, raras, editadas no século passado, de interesse do pesquisador.

Além disso, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, no Rio, o Arquivo Nacional, o Itamarati, o Museu Histórico Nacional, o Museu Andrade Neves (Rio Pardo, RS), bem como os descendentes dos chefes militares que participaram do conflito, possuem documentos, armas e objetos de valor histórico que poderão dirimir quaisquer dúvidas porventura existentes sobre a guerra, e que tenha sido objeto de documentação.

O general Mario Barretto pesquisou diligentemente todos esses arquivos e publicou, em anexo à sua obra “A Campanha Lopezguaya”, em 5 volumes, uma extensa série do documentos escolhidos, com a intenção, bem sucedida, de refutar O’Leary e os lopezguaios. Nessa obra, os documentos podem, muitas vezes, ser apreciados em fac-símiles dos seus originais.

O general Tasso Fragoso, após citar uma lista de 97 obras de interesse sobre a Guerra do Paraguai, na sua monumental “História da Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai” informa-nos o seguinte: “Convém ainda prevenir o leitor de que o Diário Oficial dos anos da guerra, e dos primeiros anos subseqüentes, publicou um número considerável de documentos relativos às operações. Também deu a lume o arquivo de Estigarríbia, tomado provavelmente quando este chefe se rendeu em Uruguaina. A documentação do Arquivo Nacional foi-me de grande proveito (...)”

Por fim, certos pormenores passados entre os paraguaios somente foram conhecidos através dos relatos dos que lá estiveram, como é o caso de Thompson.

Outros pormenores da fase de deslocamento dos exércitos aliados, por Entre Rios e Corrientes, ficamos sabendo através das cartas de Mitre e dos diários de campanha de oficiais argentinos.

Em resumo: não é necessário sair do Brasil para se obter, com relativa facilidade, as obras dos autores mais categorizados ou os documentos da guerra. Não há interesse em se esconder nada, antes pelo contrário, os documentos comprometedores da atividade criminosa de López, da sua tentativa de aliciamente de chefes políticos argentinos e da intriga com os blancos do Uruguai, por exemplo, são obtidos sem maiores problemas.

Na elaboração desta refutação usamos a seguinte bibliografia:

A) Fontes históricas principaís: 1) Schneider, L. A Guerra da Tríplice Aliança contra o Governo da República do

Paraguai. 1a. ed. brasileira; Casa Garnier, A Revista Americana e Boletim do Estado-Maior do Exército, Vol. I, II e III anotados pelo Barão do Rio Branco e IV e V pelo general Mario Barretto, Rio; 1872 (Vol. I), 1773 (Vol. II e III) e 1875 (Vol. IV e V). A bibliografia anexa ao livro do general Tasso Fragoso: História da Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai, no seu Vol. V, p. 414-418, traz uma completa orientação bibliográfica sobre a obra de Schneider. Dele é a seguinte apreciação: “O autor procurou

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fazer uma narrativa imparcial, baseando-se em vários documentos oficiais, em livros referentes à guerra e em informações particulares que lhe foram ministradas. Apesar disso há muitas imperfeições no seu trabalho (...) As notas de Rio Branco são magníficas; esclarecem e precisam o texto, com os documentos necessários grupados em apêndice. Sem elas não se poderia ter uma impressão exata da guerra no seu período mais grave.”

2) Bormann, José Bernardino. História da Guerra do Paraguai. Curitiba, Ed. José Jesuíno Lopes e Cia., 1897. (3 volumes).

“É livro que um brasileiro lê com prazer. Nele palpita um invejável patriotismo, um ardente amor à verdade e um justo respeito a quantos participaram nessa prolongada guerra.

“Bormann rebate com vantagem as críticas injustas e os remoques descabidos que certos escritores platinos costumam lançar contra nós. É assim, por exemplo, que êle responde a Garmendia, salientando-lhe as apreciações destituídas de fundamento e enunciadas, ao parecer com o só intento de diminuir as nossas ações.” (Nota bibliográfica do general Tasso Fragoso).

3) Fragoso, Augusto Tasso. História da Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. 2a. ed. Rio, Biblioteca do Exército Editora, 1959. (5 volumes).

Este livro não é uma simples compilação das obras editadas no século XIX. O autor estudou toda a documentação disponível nos nossos arquivos e realizou profundas análises comparativas entre as obras editadas no Brasil e no exterior que lhe foi possível obter, como ele mesmo afirma. Disso resultou uma obra monumental, particularmente do ponto de vista das operações militares, atividade fim da guerra, que quando é desprezada, ou insuficientemente conhecida, tende a gerar uma ótica assaz distorcida nos outros campos do poder nacional mobilizados, no momento do conflito, para fazer face à emergência que é sempre, uma guerra. Republicano convicto, adepto de Augusto Comte, não incorreu, entretanto, na injustiça de tentar apequenar as grandes figuras do Império envolvidas no conflito, e por isso engrandeceu-se como pessoa, como militar, como político e, sobretudo, como historiador.

4) George Thompson. Guerra do Paraguai. Rio, Ed. Conquista, 1968.

“Este livro é uma das poucas fontes de informação sobre o que ocorreu do lado paraguaio na Guerra da Tríplice Aliança. Vai até dezembro de 1868.

“Thompson foi uma espécie de diretor do serviço de engenharia de López. Afirma que projetou vários e importantes trabalhos de organização no terreno e lhes fiscalizou a execução. Acabou no comando das baterias de Angustura, onde se rendeu aos Aliados. Gozava da confiança absoluta de López, talvez por influência de sua compatriota Madame Lynch.

“Quando se viu longe das garras do ditador, julgo-o deste modo:

“Durante toda a guerra López atuou sob o impulso do orgulho pessoal, da ambição e da avareza e nunca soube ocultar esses móveis.

“Quanto ao preparo técnico de Thompson, ele próprio confessa que, ao principiar a guerra, ‘não tinha sobre a engenharia militar e a artilharia outros conhecimentos além dos que pode grangear em alguns livros que logrou obter no Paraguai e que estudou

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nessa ocasião (...)

“E acrescenta: ‘O coronel Wisner, húngaro, era o engenheiro em chefe do exército paraguaio: esteve porém, muito doente durante toda a guerra e a nada pode atender, de forma que todo o trabalho recaiu sobre mim.

“Thompson é francamente hostil aos brasileiros, que ele se compraz em deprimir. Sem embargo, não se pode deixar de levá-lo en conta com as devidas cautelas, quando se estudam certos episódios sobre que ele devia estar mais bem informado do que ninguém.

“Depois da guerra, foi essa obra a primeira que apareceu com o intuito de historiar o conjunto das operações até fins de 1868, razão por que muito se difundiu e dela se aproveitaram vários autores.” (Nota bibliográfica do general Tasso Fragoso).

5) Taunay, Visconde de. A Retirada da Laguna. 18a. Ed. São Paulo, Ed. Melhoramentos, 1975.

“Narra os sofrimentos da coluna brasileira que transpôs o Rio Apa no dia 21 de abril de 1867, penetrou no território paraguaio e depois retirou, ficou obra clássica em nossa literatura, ao mesmo tempo em que constitui a fonte informativa sobre as operações dessa força que operou a partir de Mato Grosso. Foi traduzida em vários idiomas.” (Idem)

6) Cerqueira, Dionísio. Reminiscências da Campanha do Paraguai, 1865-1870. Edição Especial. Rio, Biblioteca do Exército. Ed. 1980.

“Este livro é um deslumbramento; todos os brasileiros deviam lê-lo. As suas páginas são cativantes; o interesse pelo drama que retraçam cresce com o evolver dos sucessos e assume as proporções de um verdadeiro romance. Porém o que mais seduz o leitor é o sentimento, ao mesmo tempo patriótico e humano, que anima essa alma varonil de soldado e nos aproxima do adversário. A admiração e respeito pelos nossos heróis estendemo-los com imenso júbilo aos nossos bravos adversários.

“Dionísio era aluno da Escola Central e assentou praça no dia 2 de janeiro de 1865, ou cinco dias antes de firmado o decreto sobre os Voluntários da Pátria. Fê-lo por indomável inspiração patriótica. Partiu a 5 de fevereiro de 1865 como soldado e voltou em junho de 1870 como tenente.

“Não se pode ler sem emoção que mareja os olhos a descrição de sua volta ao lar paterno, no interior da Bahia, depois do regresso do Paraguai.” (Idem)

7) Barretto, Mario. A Campanha Lopezguaya. Rio, 1928, 1929 e 1930. Os Vols. I e II foram editados pelas Oficinas do Arquivo Nacional; o Vol. III, pela Papelaria Brazil, o Vol. IV pelas Oficinas do Centro da Boa Imprensa. Não conseguimos o Vol. V.

8) Diário do Exército em Operações, sob o comando em chefe do Exmo. Sr. Marechal de Exército Marquês de Caxias.

Vai de 1 de julho de 1867 a 9 de fevereiro de 1869.

9) Diário do Exército - Comando em Chefe de S. A. o Sr. Marechal de Exército Conde D’Eu.

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“Foi redigido pelo 1o. Tenente Alfredo d’Escragnolle Taunay, depois Visconde de Taunay, que então servia no quartel-general do Conde D’Eu.

“Vai de 16 de abril de 1869 a 29 de abril de 1870.

“Estes dois Diários são documentos indispensáveis para o estudo da guerra. Osório, infelizmente, não escreveu um Diário, mas a sua biografia supre em parte essa lacuna.

“É lamentável que os outros chefes que exerceram grandes comandos também não nos tenham deixado Diários, e sejamos obrigados por isso a recorrer às ordens do dia nas partes que lhes dizem respeito.” (Nota bibliográfica do Gen Tasso Fragoso).

10) A Invasão Paraguaia na Fronteira Brasileira do Uruguai, pelo cônego João Pedro Gay - 1867.

“O autor era vigário colado da freguesia de S. Borja e nesse caráter assistiu à invasão. Descreve-a com muita riqueza de pormenores. A sua narrativa histórica termina com a rendição de Uruguaiana. É o trabalho brasileiro mais completo que possuímos sobre os 100 dias que os paraguaios passaram no Rio Grande do Sul (...)” (Idem)

B) Fontes históricas secundárias:

11) Cárcano, Ramón J. Guerra del Paraguay, Orígenes y Causas. Buenos Aires, Ed. Domingos Viau e Cia., 1941. (2 volumes). O autor estuda o lado diplomático do conflito. Obra profundamente esclarecedora das intrigas dos blancos uruguaios junto a Solano López. Traça com profundo conhecimento e fina sensibilidade o perfil histórico e psicológico de cada um dos personagens principaís da guerra, bem como dos políticos e diplomatas da época com papel de destaque nas questões internacionais do Prata.

12) Jourdan, Emílio. Atlas Histórico da Guerra do Paraguai. Rio, 1871. Apreciação de Tasso Fragoso: “O autor tomou parte nas operações (...) como membro da nossa Comissão de Engenheiros Militares. Depois da guerra teve a feliz idéia de reunir todo o material cartográfico elaborado por essa Comissão e de formar com ele um atlas histórico. Basta folheá-lo de relance para verificar quão intenso foi o labor dos nossos engenheiros militares durante a luta e como seria difícil compreendê-la hoje de modo claro sem essa documentação gráfica.”

13)Calógeras, Pandiá. Formação Histórica do Brasil. 4a. ed. São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1945.

14) Pimentel, J. S. de Azevedo. Episódios Militares. Rio. Biblioteca do Exército Ed., 1978.

15) EsCEME. História Militar Sul-Americana, Guia do Candidato à Escola de Estado-Maior. Rio, 1938.

16) Cidade, F. de Paula. Três Séculos de Literatura Militar Brasileira. 1a. ed. Rio, Biblioteca do Exército Editora, 1969.

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17) Cascudo, Luiz da Câmara. O Conde D’Eu. São Paulo, Cia Ed. Nacional, 1933.

18) Carvalho, Affonso de Caxias. Rio, Biblioteca do Exército Ed., 1976.

19) Barroso, Gustavo. Brasil - Colônia de Banqueiros. 1a. reed. Porto Alegre. Ed. Revisão, 1989.

20) D’Eu, Conde. Viagem Militar ao Rio Grande do Sul. São Paulo, Cia Editora Nacional, 1936.

21) Magalhães J. B. Osório. Rio, Biblioteca do Exército Ed., 1978.

C) Outras obras consultadas:

22) Oliveira, Plinio Corrêa de. Baldeação Ideológica Inadvertida e Diálogo. 5a. ed. São Paulo, Ed. Vera Cruz, 1974.

23) Oliveira, Plinio Corrêa de. Revolução e Contra-Revolução, 2a. ed. São Paulo, Ed. Diário das Leis Ltda., 1982.

24) Igor Chafarevitch. O Socialismo: Fenômeno Mundial. Lisboa, Ed. Afrodite, 1977.

25) Kirkpatrick, Jeanne J. A. Estratégia da Traição, Rio, Ed. GARD, 1964.

26) Araújo, Orestes. Sociologia da Guerra. Rio, Biblioteca do Exército Ed., 1959.

27) Rangel, Carlos. Do Bom Selvagem ao Bom Revolucionário. Brasilia, Ed. UnB, 1981.

28) Villeneuve, Marcel de la Bigue de. Satan en la Ciudad. Buenos Aires, Ed. Nuevo Orden, 1965.

29) Soler, José. Direitos do Homem. São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1960.

30) Marrou, Henri - Irinée. Do Conhecimento Histórico. 7a. ed. Lisboa, Liv. Martins Fontes, 1975.

31) Abente, Diego. The War of the Triple Aliance: Three Exploratory Models. Miami, Latin American Research Review, 22.02.1987. A tradução brasileira foi publicada em “A Defesa Nacional”, no. 740, Nov.-Dez 1988.

32) Abreu, Capistrano de. Capítulos da História Colonial, 1500-1800. 5a. Ed. Brasilia, Ed. Universidade Brasilia, 1963.

33) Abreu, Capistrano de. Os Caminhos Antigos e o Povoamento do Brasil. 5a. Ed. Brasilia, Ed. Universidade Brasilia, 1963.

34) Lima, Heitor Ferreira. História Político-Econômica e Industrial do Brasil, São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1976.

35) Wiederspahn, Henrique Oscar. Campanha de Ituzaingô. Rio, Biblioteca do Exército Ed., 1961.

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36) Rottjer, Aníbal Atílio. La Masoneria en la Argentina y en el Mundo. 6a. Ed. Buenos Aires, Ed. Nuevo Orden, 1983.

37) Bouthoul, Gaston. A Guerra. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1964.

38) Perez, Rafael Gomez. Problemas Morales de la Existencia Humana. Madri, Ed. Magistério, 1980.

39) Chambre, Henri. De Marx a Mao Tse Tung. São Paulo, Ed. Duas Cidades, 1963.

40) O’Leary Juan E. El Mariscal Solano López. 2a. Ed. Madri, Imprenta de Felix Molina, 1925.

41) Javari, Barão de. Falas do Trono. São Paulo, Secretaria da Câmara dos Deputados, 1977.

42) Vasconcelos, Cap Genserico de. História Militar do Brasil. 3ª Ed. Rio, Biblioteca Militar, 1941.

D. Obras utilizadas apenas em citações:

43) Versen, Von. Reisen in Amerika und der Sudamerikanische Krieg.

44) Rebaudi, Arturo. Guerra del Paraguay - La Conspiración Contra el Presidente de la Republica, Mariscal Don Francisco Solano López.

45) Centurión, Chrisostomo. Reminiscências Historicas sobre la Guerra de Paraguay.

46) Nabuco, Joaquim. Um Estadista do Império: Nabuco de Araújo.

47) Mastermann, Jorge Frederico. Siete Anos de Aventuras en el Paraguay.

48) Báez, Cecílio. Resumen de la Historia del Paraguay. Assunção.

49) Calmon, Pedro. O Rei Cavaleiro.

50) Resquin, Francisco Isidoro. Datos Históricos de la Guerra del Paraguay con la Triple Alianza. Buenos Aires, 1896.

51) Branco, Manoel Thomaz Castello. O Brasil na II Grande Guerra. Rio, Biblioteca do Exército Ed., 1960.

52) John Milton. O Paraíso Perdido. Rio, Ed. Tecnoprint, sem data.

E. Outras obras recomendadas. (As notas bibliográficas são, todas, do general Tasso Fragoso).

53) A Campanha do Uruguai, pelo General José Bernardino Bormann - 1907.

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54) Guerra del Paraguay - Archivo del General Mitre.

“Compõe-se de diversos volumes de documentos referentes à guerra e existentes no dito arquivo. Sua leitura é indispensável a um historiador digno deste nome.

“Antes de virem a lume, pouco sabíamos da ação da Argentina na primeira fase da guerra, em que se operou a nossa mobilização e a dela, bem como a concentração inicial do exército aliado. Por isso os autores brasileiros pouco discorriam sobre o assunto e quase nada diziam com respeito à atividade e aos planos do generalíssimo da aliança, isto é, de Bartolomeu Mitre. Só depois que o Museu Mitre divulgou os referidos documentos foi possível conhecer melhor essa fase inicial da guerra e certos episódios das fases sebseqüentes até a ação decisiva de Caxias em Humaitá.

“Compulsei demoradamente os sobreditos documentos e deles me utilizei sempre que me pareceram úteis, como aliás já anteriormente o havia feito o tenente-coronel argentino Juan Beverina.”

55) La Guerra del Paraguay, pelo tenente-coronel Juan Beverina.

“É obra ainda em via de publicação. Pude compulsar três volumes; o último termina com os preparativos para a travessia do Paraná e a invasão do território paraguaio. Consta-me que já apareceu o 4o. volume.”

“Embora não esteja de acordo com certas apreciações do tenente-coronel Beverina, reputo a sua obra como a mais completa história da guerra do Paraguai nesse primeiro período, particularmente quanto às operações em território argentino. É trabalho meticuloso, feito com espítito moderno e por um oficial sabedor da profissão.”

56) A Marinha de Outrora, pelo Visconde de Ouro Preto - 1894.

“O autor foi Ministro da Marinha durante um largo período da guerra. Escreveu com honestidade e competência um livro primoroso sobre a ação da esquadra brasileira e o esfôrço naval do Brasil no conflito com López.

57) Memórias del Coronel Juan Crisóstomo Centurión, ou Reminiscências Históricas sobre la Guerra del Paraguay.

“Centurión era paraguaio e fez toda a guerra. Seu livro é uma das raras histórias de fonte paraguaia elaboradas por indivíduos nela participantes. Escreveu-o com as suas reminiscências e valendo-se do que já viera a lume sobre o assunto, especialmente da parte de Schneider, Thompson, Garmendia, etc. Encerra muitas informações interessantes. Consta de quatro tomos. O 1o. e o 2o. apareceram em 1894, o 3o. em 1897 e o 4o. em 1901. Este último é a melhor fonte de que dispõe o historiador para saber os pormenores da vida de López depois da batalha de Campo Grande até Cerro-Corá. Centurión esteve sempre perto do ditador na sua peregrinação final:

“Caiu prisioneiro em Cerro-Corá no mesmo dia em que López sucumbiu (1o. de março de 1870)”

58) História da Guerra do Brasil contra as Repúblicas do Uruguai e Paraguai - 1870

“É anônima. Afirma-se, porém, que a elaborou o Cirurgião da Armada Dr. Francisco Felix Pereira da Costa.

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“Qualquer que seja o autor, deve-se confessar que prestou um grande serviço: reuniu uma série de documentos oficiais, de informações jornalísticas, de trechos de relatórios de ministros, etc., que hoje dificilmente se poderiam obter. O grave defeito da obra é não ter um índice pormenorizado, capaz de guiar ràpidamente o consultante.”

59) A Retirada da Laguna, pelo Visconde de Taunay.

60) Cartas da Campanha, pelo Visconde de Taunay.

61) Em Mato Grosso Invadido, pelo Visconde Taunay.

62) Marcha das Forças, pelo Visconde de Taunay.

63) Dias de Guerra e de Sertão, pelo Visconde de Taunay.

64) Recordações de Guerra e de Viagem, pelo Visconde de Taunay.

65) Viagens de Outrora, pelo Visconde de Taunay.

“Todos os livros de Taunay merecem ser lidos pelos que desejam conhecer a fundo a guerra do Paraguai. Em estilo singelo e despretencioso, logra o autor evocar o passado de tal modo que nos prende a atenção e nos proporciona um grande deleite.”

66) Resumo da guerra do Paraguai, pelo Capitão Rafael Danton Garrastazu Teixeira.

“É uma sintese muito bem feita por um oficial competente, patriota e trabalhador.”

67) História do General Osório, em dois volumes.

“1o. volume: publicado em 1894, por seu filho Fernando Luis Osório.

“2o. volume: publicado em 1895, por seus netos Joaquim Luis Osório e Fernando Luis Orório.

“É livro capital para o estudo da guerra do Paraguai. Encerra copiosa e bem coordenada documentação.

“Os descendentes do General Osório prestaram-lhe merecida homenagem descrevendo-lhe a gloriosa existência e acumularam ao mesmo tempo sólidos materiais para a elaboração de história militar do Brasil.”

68) O Onze de Voluntários da Pátria, por Joaquim Silvério de Azevedo Pimentel - 1909.

“É o histórico desse corpo.”

69) Campanha do Paraguai, por Carlos Baltazar da Silveira - 1900.

70) História da Guerra do Paraguai, pelo Capitão Otaviano Pereira de Sousa.

Publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil - Tomo 102 - Volume 156.

71) Guerra do Paraguai, pelo General Antonio Américo Pereira da Silva.

72) O Espírito das Armas Brasileiras, por Fernando Luis Osório.

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73) Antes da Guerra, por Hélio Lobo - 1916.

74) As Portas da Guerra, por Hélio Lobo - 1916.

“Os livros do Dr. Hélio Lobo devem ser lidos por quantos estudam a história de nossas relações com os povos do Prata.”

75) O Exército Brasileiro na Campanha do Paraguai, por Teotônio Meireles - 1877.

76) Biografia do Barão de Triunfo, por Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo - 1869.

77) López do Paraguai, por Luis da Câmara Cascudo - 1927.

78) No Centenário de López, por Lindolfo Collor.

“Escrito com clareza e elegância, como aliás todos os trabalhos do autor.”

79) Saque de Assunção e Luque, atribuído ao Exército Brasileiro na Guerra do Paraguai, por Manuel Francisco Correia.

“Foi publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (Tomo LIX - Parte I).

“Correia refuta as acusações levantadas pelo Sr. Cuverville, cônsul francês no Paraguai, por intermédio do Conde de Gobineau. Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário da Franca no Brasil (1 de junho de 1869).”

80) La diplomacia Oriental en el Paraguay, por Luis Alberto de Herrera - cinco volumes.

“O 4o. leva o subtítulo: La clausula de los rios e o 5o. El drama del 65.

O autor é filho de Juan José de Herrera, outrora Ministro das Relações Exteriores nos governos de Berro e Aguirre.

“Tem grande simpatia aos paraguaios e visivelmente muito pouca à Mitre e aos brasileiros responsáveis pela intervenção de 1864 em seu país.

“Seus livros são dignos de leitura: representam o labor profícuo de um homem inteligente e culto, que vota entranhado amor à sua pátria. Divulgam parceladamente a correspondência oficial e privado de Juan Herrera, a qual é a base indispensável para a verificação das causas da guerra da tríplice aliança (...)

81) O 1o. Regimento de Artilharia a Cavalo na Batalha de 24 de Maio, por Cunha Matos - Jornal do Comércio de 24 de maio de 1908.

“O autor era capitão desse regimento e tomou parte na batalha. Seus informes são de grande interesse. O mesmo se pode dizer do relatório que apresentou a Caxias depois de livre das mãos de López. (Gazeta de Notícias de 28 de maio e 5 de novembro de 1924, e Apêndice ao 4o. volume de Schneider, pelo General Mário Barreto).”

82) Causas da Guerra com o Paraguai, por Sousa Doca - 1919.

“O tenente-coronel Souza Doca é trabalhador infatigável e que se documenta nas melhores fontes.”

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83) Anais das Guerras do Brasil, pelo Coronel J. S. Tôrres Homem - 1919.

84) História Médico-Cirúrgica da Esquadra Brasileira nas Campanhas do Uruguai e Paraguai de 1861 a 1869, pelo Dr. Carlos Frederico dos Santos Xavier Azevedo.

85) Vida de Luis Alves de Lima e Silva, Duque de Caxias, pelo Padre Joaquim Pinto de Campos - 1878.

86) Letters from the Battle-Fields of Paraguay, by Richard F. Burton - London - 1870.

87) The History of Paraguay, by Charles A. Washburn - Boston - 1871.

88) La Plata, Brazil and Paraguay during the Present War, by A. J. Kennedy - London - 1869.

89) A Marinha Brasileira na Guerra do Paraguai, pelo Capitão-Tenente Raul Tavares - 1926.

“O autor é escritor abalizado e oficial competente, razão por que seus trabalhos são dignos de leitura. Enuncia com muita franqueza as suas opiniões.”

90) A Epopéia da Laguna, pelo Coronel José Feliciano Lobo Viana - 1920.

91) Anales Diplomaticos y Militar de la Guerra del Paraguay, por Gergorio Benites - 1906.

“Reúne muitos documentos referentes ao assunto.”

92) Urquiza y Mitre, por Júlio Victorica.

“Esta obra contém preciosas informações sobre o período em que esses dois homens atuaram no cenário da política argentina.”

93) La Diplomacia del Brasil en el rio de La Plata, por Carlos Oneto Viana.

94) Manual da Historia Uruguaya, por Eduardo Acevedo. Livro magnífico. “Indispensável a quem se ocupa das questões do Prata.”

95) Solano López e a Guerra do Paraguai, por Lemos Brito.

96) Campanha do Paraguai (1867 e 1868), pelo Visconde de Maracaju.

“São notas deixadas pelo General Rufino Enéas Gustavo Galvão, Visconde Maracaju.

“O autor exerceu o cargo de chefe da Comissão de Engenheiros e de Quartel-Mestre General, e por isso as suas informações, sempre exatas e minudenciosas, merecem absoluta confiança. Explica como foi aberta a estrada do Chaco para a manobra de Pykysyry.”

97) A Rendição de Uruguaiana, pelo Tenente-Coronel Augusto Fausto de Sousa.

98) A Esquadra e a Oposição Parlamentar, pelo Visconde de Ouro Preto (1a. edição em 1868, 2a. edição em 1925).

“Rebate com argumentos irrespondíveis e grande elevação as críticas feitas no Parlamento às operações da esquadra.”

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99) De Aspirante a Almirante, por Artur de Jaceguai.

“A parte denominada - Reflexões críticas sobre as operações combinadas da esquadra brasileira e exércitos aliados é digna de atenta leitura. O autor bosquejou, em linguagem singela e sedutora, a história da ação naval do Brasil durante a guerra. A passagem de Humaitá, em que ele figurou como comandante do Barroso, aparece com tal nitidez, que o leitor sente-se parte na arriscada entreprêsa e experimenta um alívio consolador quando a vê terminada com êxito para os que nela arriscaram a sua vida e o renome do Brasil.”

100) História da Guerra do Paraguai e Episódio da Viagem na América do Sul, por Max von Versen.

“Foi publicada em alemão e mais tarde apareceu no Brasil traduzida em português pelo Dr. Manuel Tomás Alves Nogueira e enriquecida com muitas notas do General Cunha Matos.

“Versen era oficial alemão e veio à América do Sul com o fito exclusivo de assistir às operações da guerra. Não tendo obtido para isso a necessária licença dos aliados, penetrou no Paraguai clandestinamente, atravessando a cavalo a linha de postos avançados, e foi ter assim ao quartel-general paraguaio em Passo Pucu. López desconfiou logo dele, tomou-o como espião e não ligou a mínima importância aos documentos que exibiu para demonstrar o fim real de sua viagem. Acabou prendendo-o e fazendo-o sofrer grande martírio. A sorte quis que o Major Cunha Martos, oficial brasileiro aprisionado em Tuyuty no dia 3 de novembro de 1867, fosse seu companheiro de infortúnio. Ambos passaram de Humaitá para a colina de Itá, segundo o movimento de retirada dos paraguaios para o norte, e nessa colina lograram a liberdade, graças à vitória aliada do dia 27 de dezembro de 1868.

“A obra de von Versen revela a antipatia do autor aos brasileiros, que ele julga com clamorosa injustiça, mas, por outro lado, é um depoimento verídico e insuspeito sobre as atrocidades que López inflingia aos seus desafetos e aos prisioneiros.

“As notas de Cunha Matos aumentam o valor do livro e proporcionam leitura atraente.”

101) Guerra do Paraguai, por A. de Sena Madureira, capitão do Estado-Maior de 1a. Classe do Exército Brasileiro - 1870.

“O autor propôs-se a rebater as apreciações de George Thompson e sobretudo as notas apensas à sua obra pelos tradutores Lewis e Estrada.

Não foi a obra do Sr. Thompson - diz Madureira - e sim as anotações argentinas que fizeram com que rompêssemos o silêncio que se deveria guardar ainda sobre as operações da longa e gloriosa campanha, à que somente as armas brasileiras, tão depreciadas na obra de que nós vamos ocupar, acabam de pôr um têrmo honroso.”

102) Um Estadista do Império: Nabuco de Araújo por seu filho Joaquim Nabuco.

“É uma obra magnífica pela profundeza dos conceitos, serenidade das apreciações e visão segura dos acontecimentos. Nabuco, além de grande pensador, era consumado artista. Sua obra abarca toda a vida do Império; trata com bastante desenvolvimento da intervenção brasileira no Uruguai em 1864 e da guerra com o Paraguai, que ele examina e julga sob o aspecto político e social, emitindo sentenças, a meu ver, imparciais e

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definitivas.”

103) Siete Anos de Aventuras en el Paraguay, por Jorge Frederico Masterman, ex-ajudante cirurjano del ejército paraguaio.

“É tradução do original inglês. Encerra dados curiosos sobre o Paraguai e informes pormenorizados das atrocidades de López a que o autor escapou milagrosamente.”

104) Monografias históricas, por Juan Silvano Godoi, tradução de J. Arthr Montenegro - Rio Grande - 1895.

“Tem como apêndice o capítulo VIII da biografia de D. Pedro II feita por Benjamin Mossé e o depoimento do General Resquin.”

105) Yatayty-Corá - Uma Conferência Histórica, por Adolfo J. Báez - Buenos Aires - 1929.

“Trata da famosa conferência entre López e Mitre.”

106) A Invasão Paraguaia em Mato Grosso, por Antônio Fernandes de Sousa - Cuiabá - 1919.

“Historia resumidamente a invasão paraguaia e reedita velhos documentos a ela referentes.”

107) Diário de la Campana de las Fuerzas Aliadas contra el Paraguay, por el coronel oriental León de Palleja.

“O autor foi um oficial bravo e um espírito equânime e sereno. Morreu no combate de 18 de julho de 1866 à frente de seus soldados, que ele soia conduzir com heróismo. Seu Diário é um dos documentos mais interessantes da primeira fase da luta; só ele permite conhecer certos aspectos das operações táticas e imaginar a psicologia de vários chefes e das tropas que eles capitaneavam. Nós brasileiros devemos ser-lhe gratos, pois sempre nos fez com desassombro a merecida justiça. Começa no dia 22 de junho de 1865 e termina a 17 de julho de 1866, isto é, na véspera de sua morte.”

108) Memórias do Almirante Barão de Teffé - A Batalha Naval do Riachuelo.

“O autor participou na batalha como comandante da canhoneira Araguari; era então 1o. Tenente da armada.

“A sua narrativa é magnífica. Aumentam-lhe o valor a planta do trecho do rio em que a batalha se feriu, com indicação das posições do contendores e dos principaís movimentos e diversas gravuras com a pintura dos episódios mais interessantes.”

109) Etapas de Mi Vida, pelo Padre Fidel Maiz.

“O autor viveu longo tempo junto de López. É indispensável lê-lo para conhecer bem o caráter do presidente paraguaio.”

110) Epísódios Militares, por Joaquim Silvério de Azevedo Pimentel - 2a. edição - 1897. (Ed. especial, 1978)

“O autor foi Voluntário da Pátria, fez toda a campanha e dela ‘nunca se afastou’ - diz ele - até dar-se o último tiro de sua cena final.”

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“Partiu de Recife a 27 de abril de 1865, como 2o. sargento do 1o. Batalhão de Voluntários da Pátria.

“Livro fascinante, escrito numa língua impecável e sedutora, e com aquela vibração patrótica que é a característica fundamental da alma desse primoroso escritor.”

111) Tuyuty - Ataque de 3 de Novembro de 1867, pelo Coronel Francisco Manuel da Cunha Júnior.

“O autor fez toda guerra à frente de um batalhão de voluntários; foi com o General Câmara até Cerro-Corá. Defendeu com Porto Alegre o reduto central de Tuyuty na segunda grande peleja alí travada, razão por que a sua descrição apresenta particular interesse para o historiador.”

112) História Naval Brasileira, por Teotônio Meireles da Silva - 1884.

“É trabalho superficial, porém de certa utilidade.”

113) La Declaraçión de Guerra de la Republica del Paraguay a la Republica Argentina - 1924.

“História com documentos de grande valor o modo como López rompeu em guerra contra a Argentina.”

E) Obras de refutação:

114) Manuscrito de mil oitocentos e sessenta e nove ou resumo histórico das operações militares dirigidas pelo Marechal de Exército Marquês de Caxias na Campanha do Paraguai - 1872.

“Tem por escopo restabelecer a verdade sobre o comando de Caxias e defendê-lo, e ao Exército Brasileiro, do redículo que alguns escritores, por espírito de partido ou por qualquer outro motivo, têm lançado sobre os seus brilhantes feitos.”

115) Alberdi, por Mariano L. Olleros.

116) Civilização contra Barbárie, por Batista Pereira.

117) O Combate Naval do Riachuelo - Rio de Janeiro.

“Pulveriza-se com argumentos incontrastável o boato espalhado no Rio da Prata de ter sido o prático Bernardino Guastavino e não Barroso quem teve a idéia de empregar a proa do Amazonas como aríete para afundar os navios paraguaios.”

118) La Tirania en el Paraguay, pelo Dr. Cecílio Báez.

119) Resumen de la História del Paraguay, pelo Sr. Cecílio Báez.

“Estes dois livros são merecedores de atenta leitura. Facultam um conhecimento seguro do passado da República do Paraguai e de Francisco Solano López.”

120) Uma Década de Vida Nacional, por Héctor Francisco Decoud - 1925.

121) La Masacre de Concepción, por Héctor Francisco Decoud - 1926.

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“Estas duas obras de Decoud são magníficas fontes de informação, particularmente sobre os sentimentos desumanos de López.”

122) El Mariscal Francisco Solano López, publicado pela Junta Patriótica Paraguaia.

“É uma coletânea de trechos de vários trabalhos referentes à López e à guerra da tríplice aliança.

Na Razão da Obra lê-se o seguinte:

Tendo-se persistido, durante um largo período de tempo, na tarefa jactanciosa de enaltecer a memória daquele trágico governante (López), justo é que também se conheca uma parte, pelo menos, dos muitos cargos que pesam na outra concha da balança. A fim de pô-los ao alcance das novas gerações, facilitando-lhes o seu exame, a Junta Patrótica reune-os nesta obra.”

F. Obras de pouco valor histórico ou escritas com espírito de antipatia aos brasileiros:

123) Guerra do Paraguai, de Emílio Jourdan - 1871.

“É uma narrativa de pouco mérito, quer pelo texto reduzido e criticável, quer pelo estilo. Após a proclamação da República, fez Jourdan segunda edição desse livro (1890) e anos depois começou terceira, com este novo título: História das Campanhas do Uruguai, Mato Grosso e Paraguai. Brasil, 1864-1870.

“Era seu último projeto dar a lume, simultâneamente, uma edição em francês e outra em português. Só apareceram três volumes, a saber:

1o. volume - Uruguai;

2o. volume - Mato Grosso;

3o. volume - Riachuelo-Uruguaiana ao Passo da Pátria.”

124) El Centauro de Ybycuí, por Juan E. O’Leary.

“O autor pretende ter escrito a vida do General Bernardino Caballero, oficial paraguaio que atuou na guerra com heroísmo e merecia essa homenagem dos seus compatriotas mas o leitor fecha o livro com a impressão de que historiar a vida desse bravo foi mero pretexto para o autor externar a sua malquerença e antipatia aos brasileiros.”

125) Francisco Solano López y la Guerra del Paraguay, por Carlos Pereyra - Madrid - 1919.

126) El Libro de los heroes, por Juan E. O’Leary.

127) El Mariscal Solano López, por Juan E. O’Leary.

128) Nuestra epopeia, por Juan E. O’Leary.

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129) La Diplomacia - La guerra - Las finanças - De 1860 a 1864, por Aureliano G. Berro.

130) Datos Históricos de la Guerra del Paraguay con la Triple Alianza, por el General D. Francisco Isidoro Resquin.

“Foram escritos em 1873 e dados à publicidade em 1896.

“Devia ser a melhor fonte de informação paraguaia, por ter sido o autor chefe de Estado-Maior do exército de López, mas não o é. Consiste em informes escassos e incompletos sobre as operações, porém que o historiador não pode desconhecer.

“Além desse trabalho de Resquin, existe ainda o seu depoimento prestado em Humaitá logo depois da guerra (20 de março de 1870) ao Coronel Dr. Francisco Pinheiro Guimarães, deputado de ajudante-general junto ao comando em chefe.

“Trata-se em geral dos mesmos fatos. São patentes certas discordância entre o que ele disse nessa ocasião e os Datos Históricos.

O depoimento pode ser lido na tradução das Monografias Históricas de Godoi feita por Artur Montenegro.”

131) Campana de Corrientes y de Rio Grande, por José Ignacio Garmendia - Buenos Aires - 1904.

132) Campanas de Humaytá, por José Ignacio Garmendia - Buenos Aires - 2a. edição - 1901.

133) Recuerdos de la Guerra del Paraguay, por Jose Ignacio Garmendia - Buenos Aires - 1891.

“Este volume ocupa-se do seguinte: Batalha del Sauce - Combate de Yatayty-Corá - Curupayty - Campana del Pykysyry.

“O autor desses três livros era oficial do exército argentino e nesse caráter tomou parte nas operações. Escreveu com mal velada antipatia pelos brasileiros. Teve sempre em vista elevar Mitre - de quem era amigo e a quem considerava um grande general - e amesquinhar Caxias, cujas ações principaís, ao que se deduz dos seus conceitos, ou foram censuráveis ou inspiradas pelos argentinos.”

134) Las Primeras Batallas contra la Triple Alianza, por Gregorio Benites:

“É uma narrativa feita do ponto de vista paraguaio, com patriotismo digno de acatamento, mas nem sempre respeitador da verdade. Tratando da batalha de Riachuelo, por exemplo, escreve Benites:

“Sem embargo parece que o arrojo dos marinheiros paraguaios produziu efeitos inesperados no ânimo do plagiário (Barroso, que ele acusa de haver plagiado Nelson em Trafalgar) pois, segundo afirmação da época, o almirante Barroso saiu da batalha naval com o espírito seriamente alterado.

“No último capítulo (Los corsários sulistas) expõe o autor as suas gestões junto ao governo americano e ao francês em prol de seu país.”

135) La Guerra del Paraguay, por George Thompson - Buenos Aires.

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“É tradução pouco cuidada. Fizeram-na Diego Lewis e Angel Estrada. Encerra muitos retratos, desenhos de paísagens e de episódios da guerra, além de várias notas. Estas últimas são escritas com visível intenção de enaltecer Mitre e os argentinos.

“As anotações de Thompson’ - escreve Garmendia - ‘sobre tudo quanto diz respeito à batalha de Ita-Ibaté podem considerar-se como do próprio General Gelly.”

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