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Mãe e filho Guarani observam a montagem do acampamento em Douradina, que recebeu ataques de fazendeiros – Foto: Egon Heck ISSN 0102-0625 Ano XXXIII • N 0 328 • Brasília-DF • Setembro – 2010 R$ 3,00 Tribunal mantém demarcações no Mato Grosso do Sul Página 5 GUARANI DO MATO GROSSO DO SUL Mesmo cercados por pistoleiros, eles seguem firmes na busca pela terra sem males Páginas 8, 9 Adeus ao índio Dandão Página 13 Dom Erwin Kräutler recebe prêmio Nobel Alternativo Página 7

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Page 1: Guarani do Mato Grosso do sul Mesmo cercados por ... · rantia das terras, conforme os preceitos constitucionais. Nos últimos meses o presidente da República andou demasiadamente

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010

2-06

25

Ano XXXIII • N0 328 • Brasília-DF • Setembro – 2010R$ 3,00

Em defesa da causa indígena

Tribunal mantém demarcações no Mato Grosso do Sul

Página 5

Guarani do Mato Grosso do sul

Mesmo cercados por pistoleiros, eles seguem firmes na busca pela terra sem males

Páginas 8, 9

Adeus ao índio Dandão

Página 13

Dom Erwin Kräutler recebe prêmio Nobel Alternativo

Página 7

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2Setembro–2010

legrias e tristezas Guarani são retratadas nesta edição de setembro. O povo guarani ganha destaque pela decisão do TRF-3 de prosseguir com os estudos de demarcação das terras Guarani no estado do Mato Grosso do Sul. Mas o sofrimento continua pesado e difícil de carregar, mesmo quando a gente vê que os próprios indígenas levam sua luta com sorriso nos lábios.

Neste mês de setembro, fazendeiros e jagunços continuam atacando indígenas no MS, mulheres e crianças correm assustadas com tiros que

latifundiários soltam no intuito de manter suas fortunas roubadas dos povos indígenas. Ainda assim, os Guarani de Y’poí e de Y’taí não se abatem. Seguem na luta e fazem a retomada do que é seu. Assim enfrentam os percalços de suas lutas justas.

Na região Sul do país, indígena está desaparecido, mas nada é feito. Em São Paulo, comunidade indígena urbana sofre com incêndio e os Mapuche, no Chile, ainda fazem greve de fome por justiça.

Mas no meio de tantas notícias difíceis de engolir, surgem oásis que vêm da própria luta pela questão indígena: Dom Erwin Kräutler recebe prêmio Nobel Alternativo da Paz. Uma grande notícia para um grande homem que dedica sua vida pela vida dos povos originários deste país e pela Amazônia.

E assim a vida segue com altos e baixos. Mas os povos indígenas sempre com a cabeça erguida!

Boa leitura!

Os Guarani não se abatem Porantinadas

Edição fechada em 11/10/2010

Permitimos a reprodução de nossas matérias e artigos, desde que citada a fonte. As matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores.

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Publicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organismo vinculado à Conferência

Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

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Na língua da nação indígena sateré-Mawé, PorANTIM

significa remo, arma, memória.

Dom Erwin Kräutler PresIDeNTe

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Benedito PreziaEgon D. HeckNello Ruffaldi

Paulo GuimarãesPaulo Suess

ADMINIsTrAção:ronay de Jesus costa

95% onde?“O Brasil já demarcou 95% das

terras indígenas previstas na Cons-tituição, conforme levantamento do Ministério da Justiça. Restam só 5% de áreas pendentes para o País saldar uma dívida de cinco séculos com os povos tradicionais.” Esta é a fala do ministro da Justiça, Luiz Paulo Barre-to, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, no dia 3 de outubro. Seria interessante que o provasse, com fatos, esta afirmação. A própria Funai, órgão ligado ao Ministério da Justiça, sabe que isto é uma grande falácia.

Eike Batista tentou negociar terra indígena

O empresário bilionário Eike Batista tentou negociar uma terra indígena no litoral de São Paulo para montar um estaleiro de sua empresa naval LLX. Após uma reportagem mostrando o caso, que foi transmiti-da por um programa jornalístico da Record, o empresário se enfureceu e chegou a afirmar que a TV Record não sabe com quem foi se encren-car. Infelizmente pode-se ver o que acontece com uma mídia que procura apresentar a realidade indígena e as maracutaias dos grandes empresários no Brasil.

Com ou sem licençaDe acordo com matéria veiculada

no jornal O Globo, no dia 4 de outu-bro, as obras de Belo Monte devem começar na segunda quinzena de outubro. Apesar das notificações do Ministério Público ao Ibama pela falta de cumprimento das condicionantes, os empresários devem começar a se mexer. E assim o governo vai atrope-lando tudo e todos até conseguir o que quer: atropelar e matar toda uma região e sua população!

MARIOSAN

Editorial

A

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3 Setembro–2010

Indígenas Guarani do MS em momento de despejo: para demarcação de terras não há orçamento

Conjuntura

Iara Tatiana BoninDoutora em Educação pela UFRGS

oje, através da internet, é pos-sível acompanhar as ações de nossos representantes públicos sem sair de casa – tudo se torna

visível nesse mega-cenário, constituí-do pelos meios de comunicação e de informação instantâneos. No contexto atual, tudo, inclusive as campanhas e as plataformas políticas, conectam-se à tendência “mega” e à espetacularização da vida contemporânea. Afinado com essa tendência, o presidente Lula estru-turou uma parte expressiva das ações de seu governo para realizar obras imponentes, de imenso impacto e de grande visibilidade. Entre as obras pro-jetadas está o complexo de Belo Monte, esse grande monstro que durante 30 anos foi combatido por movimentos populares, e se tornou foco de grandes embates na década de 1970. O licencia-mento desta obra foi assumido como assunto privilegiado pelo presidente, que não escondeu seu entusiasmo ao narrar a verdadeira “saga”, da qual ele parece ter saído vitorioso, quando a obra, enfim, foi aprovada.

Em diversas circunstâncias como esta, nas quais está em jogo um pro-jeto desenvolvimentista, de um lado, e um projeto social e ambiental, de outro, o presidente tem se pronun-ciado e de maneira inusitada ironiza sua própria trajetória de militância pregressa, como forma de justificar suas escolhas no presente. Num ato em prol de Belo Monte, realizado em Altamira/PA em junho deste ano, por exemplo, Lula afirmou que, quando jovem, era desinformado e por isso protestava contra Itaipu, um dos gran-des projetos edificados na ditadura militar. Falou também de certas “fanta-sias” nutridas por ele, há muito, muito tempo e generalizou esses “delírios”, aplicando-os a todos aqueles que, no presente, protestam contra a constru-ção de Belo Monte ou de outras tantas obras que agridem violentamente o meio ambiente.

Já na cerimônia de assinatura do contrato de concessão da Usina Hi-drelétrica de Belo Monte, realizada em agosto deste ano, Lula afirmou de modo enfático: “Vocês não imaginam quantos discursos eu fiz contra Belo Monte, sem nem saber o que era. Me diziam “fala”, eu falava”. Conforme afirmou Lula, ele era como esses jovens que se ocupavam de “gritar contra” ao invés de utilizar sua energia produtiva para pensar em coisas importantes. O

H

militante (aquele que acredita em algo, e por isso protesta, veste a camisa, sacode bandeiras) é apresentado aqui como um ser incompleto, ignorante, a quem falta sabedoria, discernimento, informação.

Longe dos holofotes, as opções políticas do governo se evidenciam, por exemplo, na execução do Orçamento Geral da União. Em números absolutos, o governo gastou, até o início de se-tembro, pouco mais de R$ 300 milhões, dos mais de R$ 780 milhões aprovados para ações e programas voltados para os povos indígenas em 2010. Isso cor-responde a apenas 35% do total de recursos disponí-veis. Em algumas ações, a execução orçamentária ainda é zero (é o caso da rubrica “recuperação da biodiversidade”); outras, não chegam a 10% de execução (tal como a de “demarcação e regulariza-ção das terras indígenas”, em que se gastou 8,41% e “estruturação de unida-des de saúde” para a qual foi utilizado apenas 3%). Enfim, esses números mostram que a questão indígena está muito longe de ser considerada relevante, uma vez que os recursos ali alocados não têm sido efetivamente empregados para assegu-rar os direitos destes povos.

De concreto, nestes tempos, o que o governo tem reservado para os indígenas é a redução de conquistas já estabelecidas, com a suspensão de por-tarias de demarcação, tal como ocorreu com as terras Tarumã, Morro Alto, Pirai e Pindoty, dos Guarani Mbyá, todas localizadas no litoral norte catarinense. Não bastasse a pressão que empresários locais exercem sobre a Funai e o Mi-

nistério da Justiça, uma vez que essas terras são cobiçadas para a especulação imobiliária, há ainda esse discurso tantas vezes reiterado pelo presidente de que os indígenas atrapalham, são excessivos, dão trabalho.

Também não se pode averiguar qualquer empenho do governo para solucionar a trágica situação vivida pelos povos indígenas, em especial no estado de Mato Grosso do Sul, onde a violência sistemática configura um ver-dadeiro quadro de genocídio. Solidária às lutas e aos direitos indígenas, a Pre-sidência da Conferência Nacional dos

Bispos do Brasil (CNBB) divulgou nota repudiando a sistemática violência, especialmente nas comu-nidades Y’poí, no muni-cípio de Paranhos, e Ita’y Ka’aguyrusu, em Doura-dina. A nota informa que os Guarani-Kaiowá têm sofrido “ataques a mão armada numa brutal in-timidação aos habitantes dessas comunidades que se veem não só cercea-das no seu direito de ir

e vir como também privadas de bens essenciais à vida como água, comida, educação e saúde”. Enquanto isso, boa parte das terras tradicionais destas comunidades são livremente utilizadas para o plantio de cana-de-açucar e para a produção de biocombustíveis, sob a responsabilidade da Cosan e da Shell.

Como é possível que, diante deste brutal quadro de violências, e contando com valores disponíveis no Orçamento, o governo não se empenhe na busca de solução definitiva para o problema? E esta solução está na demarcação e ga-rantia das terras, conforme os preceitos constitucionais.

Nos últimos meses o presidente da República andou demasiadamente ocupado com a campanha presidencial de sua candidata à sucessão, na presi-dência. Quem sabe agora, escapando dos lampejos reluzentes dos holofotes e dos rumores dos palanques da cam-panha, ele possa verificar a situação insustentável a que estão submetidas inúmeras comunidades indígenas deste país. Talvez possa observar o sofrimento que a omissão de seu go-verno, aliada à falta de uma adequada política indigenista, causam aos povos que, sem a demarcação de suas terras, se mantêm à beira das rodovias, em acampamentos provisórios e em con-dições degradantes. Ele próprio teve a chance de verificar essa realidade, em suas rápidas passagens pelas rodovias dos estados de Mato Grosso do Sul e do Rio Grande do Sul, rumo a algum comício de sua candidata.

Se Lula abrir os olhos para ver essa parcela tão oprimida da população brasileira, poderá verificar que existem centenas de famílias indígenas vivendo em situação de miséria e abandono nas periferias de cidades; outras de-nunciando veementemente a falta de assistência em saúde e educação, a insegurança, a impossibilidade de dispor de suas terras, que continuam invadidas mesmo depois de homologa-das, como se verifica hoje no Maranhão. Quem sabe, visitando alguns lugares menos deslumbrantes e escutando essas tristes histórias, o presidente da República possa, enfim, seguir sua própria receita: ocupando-se de coisas mais importantes ele poderia canalizar as energias produtivas de seu governo para, pelo menos, executar o orçamen-to para a questão indígena, a questão quilombola, a questão ambiental. Isso sim faria diferença! n

Os rumos e os rumores de uma política genocida

“Os números mostram que a

questão indígena está muito longe

de ser considerada relevante, uma vez que os recursos ali alocados não têm sido efetivamente empregados para

assegurar os direitos destes

povos ”

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Nem mesmo os indígenas conseguiram

escapar da devastação da soja no MT: a

terra indígena Maraiwatsede está com 90%

de sua área tomada pela monocultura

Agronegócio

“DKarol Assunção

Jornalista - Adital

as 78 Terras Indígenas (TIs) listadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai), ao menos 30 ficam em municípios com mais

de 10 mil hectares de soja”. O alerta dado pelo Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis da ONG Repórter Brasil refere-se ao estado do Mato Gros-so, localizado na região Centro-Oeste brasileira. E é justamente a relação da sojicultura com as terras indígenas o foco do relatório “Impactos da soja sobre Terras Indígenas no estado do Mato Grosso”, lançado nesta semana pelo Centro.

Produzido em parceria com a insti-tuição holandesa Netherlands Centre of Indigenous Peoples, o relatório tem o objetivo de revelar os impactos produ-zidos pela soja cultivada no Brasil. De acordo com Verena Glass, integrante da coordenação do estudo, a expec-tativa é que o relatório tenha grande repercussão na Holanda, segundo maior importador de soja produzida no Brasil. “Esperamos que [o estudo] vá para o go-verno holandês e tenha uma discussão maior”, afirma.

Para ela, é necessário chamar aten-ção do mercado internacional para as violações e os impactos relacionados à soja produzida no Brasil. Da mesma forma, acredita que é importante fe-char mais os critérios utilizados para a sustentabilidade. “Na nossa visão, não existe sustentabilidade na transgenia, no uso de agrotóxicos... levar a mono-cultura branca para os indígenas pode ser uma forma de renda, mas não é de-senvolvimento sustentável”, comenta.

Não foi por acaso que o Mato Gros-so foi escolhido para essa pesquisa. De

acordo com o estudo, esse é um dos es-tados brasileiros com maior número de povos indígenas. Além disso, é lá onde a agropecuária e a agroindústria estão em grande expansão, com destaque para a produção da soja.

“Atualmente a cultura de maior des-taque no Mato Grosso, a soja cresceu, em produção, 8% ao ano em média, saltando de 8,8 milhões de toneladas no início da década para 18,2 milhões de toneladas em 2010, segundo a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT)”, apresenta o estudo.

Nem mesmo os indígenas conse-guiram escapar do avanço da soja no estado. Os indígenas Akwe-Xavante da TI Maraiwatsede, por exemplo, sofrem com a invasão de seus territórios. O re-latório revela que a terra, “homologada pelo governo federal em 1998 com 165 mil hectares, permanece com 90% de seu território ocupado ilegalmente por fazendeiros e posseiros não indígenas, majoritariamente criadores de gado e produtores de soja e arroz”.

A produção de soja nessas terras também tem relação com o desmata-mento na região. Com base nos aponta-mentos do Relatório 2010 do Programa de Monitoramento de Áreas Especiais do Sistema de Proteção da Amazônia, o estudo do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis recorda que 45% da vegetação original da Terra Maraiwat-sede já foi devastada.

Os impactos gerados pelo cultivo do grão, entretanto, não se resumem ao desmatamento do local. As queimadas e a utilização de venenos nas lavouras de soja também causam danos ao meio am-biente e à saúde de indígenas. Segundo relatos apresentados pelo estudo, não são raros os casos de Xavantes com dores de cabeça ou com problemas respiratórios.

Entretanto, enquanto algumas et-nias sofrem com a invasão de seus ter-ritórios, outras fazem acordos com os produtores locais, alvos de críticas do Ministério Público Federal e até mesmo de alguns membros das comunidades indígenas. Segundo a pesquisa, tais

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acordos - realizados entre três povos indígenas do sudeste do estado e fa-zendeiros da região - estabelecem que os indígenas garantam terras e mão--de-obra e, os empresários, insumos, financiamentos e máquinas. O lucro da comercialização do grão é dividido pela metade para as partes.

Como iniciativa positiva para re-gião, o relatório cita a campanha “Y Ikatu Xingu”, ou seja, “Salve a água boa do Xingu”. Criada em 2004, a ação agrega indígenas, organizações não governamentais, empresas, poder público e instituições estrangeiras em busca de um objetivo comum: “recuperar e proteger as nascentes e cabeceiras do rio”. Para conseguir a adesão de diversos setores, a campa-nha ressaltou a importância da água não só para indígenas, mas também para produtores e moradores não--indígenas da região.

Para ler “Impactos da soja sobre Terras Indígenas no estado do Mato Grosso”, acesse o site da Repórter Brasil. n

Estudo alerta para violações às terras indígenas na produção de soja

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5 Setembro–2010

Rogério Batalha, assessor do Cimi, com indígenas Guarani no MS

O

Direitos indígenas

Assessoria de Comunicação – MPF/ MS

Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) negou recurso do município de Sete Quedas (MS), que pedia o cancelamento

dos estudos de identificação e delimita-ção de terras indígenas em sua área. O desembargador Henrique Herkenhoff, relator do processo, indeferiu pedido de liminar e afirmou que o município confunde interesse financeiro com in-teresse jurídico, ao invocar direito de propriedade de terceiros (proprietários de terras).

A decisão determina que os estudos são necessários porque é preciso uma prova “contundente para definir a ocor-rência ou não da posse indígena nos imóveis, bem como para verificar, nos casos de perda da posse, a forma pela qual os silvícolas deixaram de ocupar os imóveis”.

O desembargador se refere ao julga-mento da demarcação da terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, em que o Supremo Tribunal Federal (STF), considerou a promulgação da Cons-tituição (5/10/1988) como o marco temporal para aferir a posse indígena de um território.

Direito indígena prepondera sobre títulos de posse

Ele ressalta que o STF também de-cidiu que a tradicionalidade da posse indígena não se perde “se a reocupação apenas não ocorreu em decorrência de esbulho (ocupação ilegítima) por parte de não índios”. Isso porque a Consti-tuição “denomina o direito dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam de originário, o que traduz um direito que prepondera sobre pretensos direitos adquiridos, como os materiali-zados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não índios”.

O argumento do município era que os documentos que comprovariam a titularidade das propriedades seriam suficientes para comprovar a posse

por não índios, sendo desnecessários os estudos antropológicos.

Recurso negado O município recorreu ao TRF-3

depois de ter o mesmo pedido negado pela Justiça Federal de Mato Grosso do Sul. Na época, a Justiça decidiu que somente com os estudos é que poderia definir-se “a forma pela qual os indí-genas deixaram de ocupar os imóveis. Se a perda da posse deu-se de forma pacífica, se houve abandono do local, se houve tentativas de retorno”. O mérito do recurso ainda será julgado por uma turma de três juízes do tribunal.

PoRantim – Qual o significado desta decisão para a luta dos povos indígenas no MS?

RogéRio Batalha – Esta decisão significa a esperança de que as medidas administrativas a cargo do governo federal, para que sejam feitas as identificações das terras tradicionais dos Kaiowá-Guarani, sejam tomadas a curto prazo, pois não mais se justificam as “desculpas” do gover-no de “não poder fazer nada” pois a questão encontra-se “sub judice”.

Além disso, demonstra um posicionamento do Tribu-nal condizente com aquilo que determina a Constituição Federal e com os apelos do movimento indígena de que seja priorizado pelo Poder Judiciário o julgamento das demandas que envolvem os povos indígenas de Mato Grosso do Sul, dada a situação calamitosa que estamos assistindo nos dias atuais, com os recordes de violência contra os povos indígenas, e o avanço insustentável da monocultura da cana.

PoRantim – Com essa notícia, qual poderá ser a reação dos latifundiários do estado, que são totalmente contra as demarcações?

RogéRio Batalha – Acredito que serão dirigidas ao Supremo Tribunal Federal, como já vem ocorrendo, ou-tras ações visando que aquela Corte se pronuncie sobre as condicionantes depositadas na decisão sobre o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, na tentativa de suspenderem o andamento dos procedimen-tos administrativos de demarcação das terras indígenas de Mato Grosso do Sul e obterem a sua consequente anulação.

De fato, os fundamentos jurídicos do caso de Raposa Serra do Sol não se aplicam à realidade de Mato Grosso do Sul e o Supremo deverá ter essa compreensão ao analisar estas demandas judiciais. Muitas destas já se encontram em andamento, porém, seguindo morosamente.

Também não podemos descartar a possibilidade de ações violentas contra os povos indígenas na medida em que estes começam a se movimentar por conta própria para a retomada de suas terras tradicionais, como já vem ocorrendo com o caso de Ypo’i no município de Paranhos e Ita’y Ka’aguyrusu em Douradina.

PoRantim – Quantos povos indígenas são beneficiados com esta decisão?

RogéRio Batalha – Todo o povo Kaiowá e Guarani de Mato Grosso do Sul.

Mas o precedente jurisprudencial é de extrema impor-tância para todos os povos indígenas do estado.

PoRantim – Com está, atualmente, o cenário de violência no estado, depois da divulgação desta decisão do TRF-3?

RogéRio Batalha – Infelizmente, a violência só vem aumentando. Recen temente, vários Kaiowá foram brutal-mente atacados por fazendeiros no município de Doura-dina depois da retomada de pequena parte de sua terra tradicional conhecida por eles como Ita’y Ka’aguyrusu. Sem contar o caso da segunda tentativa de retorno dos Guarani da Terra Indígena Ypo’í, em Paranhos, local onde foram assassinados os professores indígenas Rolindo Vera e Genivaldo Vera. Os índios encontram-se cercados por pistoleiros estabelecidos no entorno da área ocupada, sem acesso a atendimento de saúde e água. (Maíra Heinen) n

Tribunal nega recurso de município e mantém demarcação de terras indígenas em MSDireito indígena prepondera sobre títulos de posse e escrituras públicas, afirma desembargador. Demarcação decorre de acordo entre MPF e Funai

muito índio, pouca terra

Mato Grosso do Sul tem a segunda maior população indígena do país, cerca de 70 mil pessoas divididas em várias etnias. Apesar disso, somente 0,2% da área do estado é ocupada por terras indígenas. As áreas ocupadas pelas lavouras de soja (1.100.000 ha) e cana (425.000 ha) são, respectivamente, 10 e 30 vezes maiores que a soma das terras ocupadas por índios em Mato Grosso do Sul.

A taxa de mortalidade infantil entre a etnia Guarani Kaiowá é de 38 para cada mil nascidos vivos, enquanto a

média nacional é de 25 mortes por mil nascimentos. Já a taxa de assassinatos - cem por cem mil habitantes - é qua-tro vezes maior que a média nacional, enquanto a média mundial é de 8,8. O índice de suicídios entre os Guarani Kaiowá é de 85 por cem mil pessoas.

Em Dourados, há uma reserva com cerca de 3.600 hectares, constituída na década de 1920. Existem ali duas aldeias – Jaguapiru e Bororó – com cerca de 12 mil pessoas. A densidade demográfica é de 0.3 hectares/pessoa.

Relatório da Survival International (ONG com status consultivo no Con-selho Econômico e Social das Nações Unidas) para o Comitê da ONU para Eliminação da Discriminação Racial reitera este quadro: “Profundamente afetados pela enorme perda de suas terras, os Guarani do Mato Grosso do Sul passam por uma onda de suicídios de proporções inigualáveis na América do Sul. Eles também sofrem com altos índices de detenções injustas, explora-ção em local de trabalho, desnutrição, violência, homicídio e assassinato.” n

Entrevista com Rogério Batalha, assessor jurídico do Cimi no MS

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Equipes dos Cimi discutem

situação vivida por

povos isolados na região

norte do país

6Setembro–2010

erminou no dia 15 de setembro, em Porto Velho (RO), o encontro sobre povos indígenas isolados realizado pelos regionais do

Cimi na Amazônia. As informações tra-zidas dos diferentes estados da região amazônica sobre a realidade desses povos revelam situações desesperado-ras. Nem mesmo os grupos indígenas isolados que buscam refúgio em terras demarcadas de outros povos ou em uni-dades de conservação estão protegidos.

As situações mais dramáticas acom-panham o chamado arco do desma-tamento que vai do sul do estado do Amazonas ao Maranhão. A exploração madeireira e o desmatamento, seguidos da ocupação da terra pelo gado e pelos monocultivos do agronegócio, fazem desaparecer todo e qualquer vestígio da presença humana anteriormente ve-rificada, bem como eliminam as provas de massacres recentemente praticados contra esses povos indígenas.

A volta dos grandes projetos de infra-estrutura governamentais na Amazônia implementados através da Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul Americana (IIRSA) e pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), para facilitar o acesso, uso e exploração dos recursos naturais da região associa-se à lógica predatória em curso, restringindo ainda mais os espaços de refúgio dos povos isolados. As licenças autorizando

J. RoshaCimi Norte I

ndígenas do povo Madija Ku-lina estão sendo hostilizados pela população de Ipixuna, município localizado a 1.380

quilômetros de Manaus, ao sul do Amazonas. A denúncia é feita por Ercília Tikuna, coordenadora da As-sociação das Mulheres Indígenas do Médio Solimões e Afluentes (AMIMSA), organização sediada na cidade de Tefé (AM).

Segundo ela, há um descaso muito sério contra indígenas do povo Madija Kulina - etnia de pouco contato que vive em área isolada, na região do rio Juruá. “O Conselho Distrital de Saúde Indígena, do qual faço parte no controle social, recebeu uma denúncia verbal, feita pela coordenadora de saúde do município, de que há indígenas com

a construção das Usinas Hidrelétricas Santo Antônio e Jirau no rio Madeira e de Belo Monte no Xingu simplesmente ignoraram a presença de grupos isolados nas suas áreas de impacto, reconhecida inclusive pela Funai.

No Maranhão os grupos Awá isola-dos perambulam por terras indígenas já demarcadas. Mesmo assim estão amea-çados de extinção devido à permanente e incontrolável invasão e exploração ilegal de madeira nessas terras. A atividade madeireira também ameaça os povos isolados na fronteira do Acre com o Peru, obrigando-os a disputar espaços territoriais com outros povos indígenas.

Os crimes de genocídio, que são aqueles praticados com a intenção de aniquilar um povo, são relativamente frequentes na Amazônia nas últimas décadas. Na região de Corumbiara, no

PaísAfora

T

Em encontro, missionários revelam que situação de isolados é desesperadora

tuberculose, morando em uma casa alugada pelo município, e que estariam sendo discriminados pela população local”, diz Ercília.

Ela relata que os indígenas teriam sido agredidos quando foram à cidade. Moradores do bairro onde está localiza-da a casa alugada para os indígenas fize-ram abaixo assinado dirigido à prefeita para que ela não aceite a permanência dos indígenas na casa. “Eles poderiam estar na aldeia fazendo tratamento, mas, devido a seca nos rios que está crítica este ano, eles têm que ir para a

de dois indígenas Kulina que levaram 37 dias em deslocamento de Manaus até a cidade de Eirunepé, na região do rio Juruá.

A assistente social da Casa de Saúde do Índio (Casai), de Eirunepé, Priscila Bezerra, comunicou ao Condisi que Pissi Kulina, de 48 anos, e Alfredo Kulina, de 70 anos, passaram fome, frito e sentiram muitas dores durante o percurso. “Os mesmos chegaram a esta Casai desnutridos, doentes, abaixo do peso e desorientados”, informou Priscila Bezerra. n

sul de Rondônia, localizam-se os sobre-viventes dos massacres praticados, na década de 1980, contra os povos Kanoê e Akuntsu contatados pela Funai em 1995, bem como o chamado “índio do buraco”, possivelmente a única pessoa viva de seu povo. Apesar dos fortes indícios sobre a autoria desses crimes, que apontam para fazendeiros e políticos da região que se apossaram das terras onde esses povos viviam, ninguém foi indiciado ou preso.

São muitas as situações em que as terras ocupadas até recentemente pelos povos isolados foram usurpadas. É o que pode ser constatado, por exemplo, no coração do território tradicional do povo Katawixi, no sul do estado do Amazonas, hoje tomado por fazendas, projetos de turismo e até mesmo por um assentamento do Incra; ou na região de Aripuanã, no norte do Mato Grosso,

onde o grupo indígena isolado conhecido como “Baixinhos” foi expulso e teve que migrar para dentro da terra indígena Cinta Larga (onde continua sendo acossado por madeireiros) e seu territorio tradicional completamente desmatado e tomado por fazendas e projetos de assentamento.

Constata-se que os índios vão desa-parecendo das terras por eles ocupadas. Os novos donos, muitas vezes os seus assassinos, juram que jamais os viram nas terras que grilaram.

Analisando a mobilidade forçada dos grupos indígenas isolados, fica evidente que a conquista da Amazônia continua através de um violento e si-lencioso processo de expropriação de terras. Os povos indígenas isolados, as maiores vítimas, por motivos óbvios, não batem nas portas do Palácio do Planalto, do Judiciário, do Congresso Nacional, do MPF, e nem se fazem ou-vir pelos meios de comunicação para denunciar os crimes de genocídio de que vêm sendo vítimas.

O encontro dos seus regionais na Amazônia faz parte do esforço do Cimi para reunir e qualificar as informações sobre a existência dos povos indígenas isolados, para dar visibilidade a essa re-alidade e para cobrar do poder público sua responsabilidade na proteção à vida e aos territórios desses povos. n

Equipe de apoio do Cimi aos povos indígenas isolados

Indígenas sofrem discriminação em Ipixuna

Icidade, de onde querem expulsá-los”, relata Ercília.

DescasoEm carta dirigida à Fundação

Nacional do Índio – Funai, Ministério Público Federal, Coordenação Regional da Fundação Nacional de Saúde (Funa-sa) e Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena do Médio Solimões (Condisi), Francisca das Cha-gas Correia, cobra solução para o caso

Há grande descaso

com grupo indígena que

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7 Setembro–2010

Por uma vida dedicada ao trabalho com os índios e em defesa da Amazônia, dom Erwin recebeu o Prêmio Right Livelihood 2010, um prêmio Nobel Alternativo, que honra o poder de mudança nas bases

Prêmio

om Erwin Kräutler é um dos quatro ganha-dores do Prêmio Right Livelihood 2010, um prêmio Nobel Alternativo, que honra o poder de mudança nas bases. A entidade publicou

a informação nesta quinta-feira (30). Dom Erwin recebeu este prêmio “por uma vida dedicada ao tra-balho com direitos humanos e ambientais dos povos indígenas, e por seu incansável esforço para salvar a Amazônia da destruição”, diz a indicação do prêmio.

Para Erwin, a alegria de receber o prêmio é gran-de. “Não estou feliz em meu nome, mas por causa da Amazônia e dos povos indígenas que merecem esse reconhecimento!”, declarou.

Os outros premiados foram a organização israe-lense “Médicos para os Direitos Humanos-Israel”, que atua em seu próprio país e na Palestina, o nigeriano Nnimmo Bassey, de 52 anos, que “revelou os horrores ecológicos e humanos da produção del petróleo”, e o nepalês Shrikrishna Upadhyay, de 65 anos, em conjunto com a organização Sappros, que “trabalham contra as múltiplas causas da pobreza”, segundo o júri. A Cerimônia de Premiação no Parlamento sueco será realizada no dia 6 de dezembro, às 18h.

A Presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) havia encaminhado uma carta à fun-dação Right Livelihood Award ratificando a indicação

do nome do bispo da prelazia do Xingu (PA), dom Erwin

Kräutler, para o prêmio

Nobel Alternativo dos Direitos Humanos em feverei-ro deste ano. De acordo com a CNBB, a indicação é um gesto de reconhecimento à atuação “pastoral e profética” de dom Erwin “junto aos mais fracos e aos povos indígenas”.

Para o presidente da CNBB, dom Geraldo Lyrio Rocha, esse prêmio é uma grande homenagem a dom Erwin e também honra muito a própria CNBB. “É um reconhecimento das instituições e da própria socie-dade brasileira e para mim tem até uma significância maior, justamente por ser um Nobel Alternativo!”. Para dom Geraldo, é o reconhecimento da grande luta de dom Erwin na defesa da vida dos povos indí-genas e da própria dignidade humana destes povos. “Dom Helder Câmara também recebeu esse prêmio na época em que vivíamos no regime ditatorial no Brasil, quando lhe foi negado o Prêmio Nobel da Paz. E agora, dom Erwin recebe esse mesmo prêmio! Quero parabenizar dom Erwin e também a nossa própria igreja, por ter em seu meio um lutador pela justiça social, pelo meio ambiente e pela vida dos povos indígenas!”, declarou.

Uma vida pela vidaDom Erwin Kräutler nasceu na Áustria em 1939,

tornou-se padre em 1964 e logo após veio para o Brasil como missionário. Em 1978, tornou-se um cidadão brasileiro (embora também mantendo a sua cidadania austríaca). Ele trabalhou entre os povos do Xingu, que inclue povos indígenas de diferentes etnias. Em 1980, dom Erwin foi nomeado bispo do Xingu, a maior diocese do Brasil. Entre 1983-1991, e desde 2006 é o presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entidade vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

O trabalho de dom Erwin é guiado pelos ensina-mentos da teologia da libertação. Ele ensina que um cristão tem que ficar do lado dos fracos e se opor a seus exploradores.

Pelos direitos dos povos indígenasDurante cinco séculos, a população indígena do

Brasil diminuiu fortemente - e a tendência de queda continua. Hoje as causas são bem conhecidas e do-cumentadas, incluindo a violência direta (mas rara-

mente investigada) em conexão com a apropriação de terras indígenas, grilagem de terras para a

energia, mineração, indústria, agronegócio e projetos militares.

Durante a presidência de dom Erwin Kräutler, o Cimi passou a ser um dos mais importantes defensores dos di-reitos indígenas, com foco em direitos à terra, a auto-organização e cuidados com a saúde em territórios indígenas. Em 1988, o intenso lobby do Cimi colaborou para a inclusão dos direitos dos povos indígenas na Constituição Brasileira. O Conselho também elevou a consciência dentro da Igreja sobre os povos indígenas e seus direitos.

Dom Erwin Kräutler recebe Nobel Alternativo

Desde 1992, além do trabalho com o Cimi, Kräutler tem continuado a trabalhar incansavelmente em defesa do Xingu. Os projetos que ele iniciou incluem a construção de casas para os pobres, funcionamento das escolas, a construção de uma instalação para as mães, grávidas, mulheres e crianças, fundando um “refúgio” para a recuperação após o tratamento hospitalar, ajuda de emergência, apoio jurídico e trabalhos sobre os direitos dos agricultores e demarcação de terras indígenas.

Contra Belo montePor 30 anos, Kräutler tem sido muito ativo na

luta contra os planos da enorme barragem de Belo Monte no rio Xingu, hoje fortemente promovida pelo presidente Lula, que pode ser a terceira maior barragem do mundo. A represa pode destruir 1000 km quadrados de floresta, inundando um terço de Altamira (PA) e criando um lago de água estagnada, infestada de mosquitos nos cerca de 500 km², o que torna a vida no resto da cidade, muito difícil. Cerca de 30.000 pessoas teriam que ser realocadas.

ameaçasO compromisso e a franqueza de dom Erwin

colocam sua vida em risco constante. Em outubro de 1987, alguns meses antes da decisão de concessão de plenos direitos civis para os povos indígenas na Assembleia Cnstituinte, ele ficou gravemente ferido em um acidente de carro provavelmente planejado. Desde 2006, Kräutler está sob proteção policial, em parte porque ele insistiu em uma investigação após o assassinato da ativista ambiental Irmã Dorothy Stang, em 2005, que, desde 1982, trabalhou ao lado de dom Erwin. Mais recentemente, ele recebeu ameaças de morte por causa de sua oposição à barragem de Belo Monte e porque tomou medidas legais contra um grupo criminoso envolvido em abusos sexuais de menores em Altamira.

Prêmios e livrosEm 1989, Kräutler recebeu o Grosser Preis für

Binding-Natur und Umweltschutz (Principado do Liechtenstein) e em 2009 um doutorado honorário da Universidade de Salzburg, Áustria. Na citação, Kräutler é chamado de “personificação da indignação contra as condições sociais que violam a dignidade humana e a esperança de que um outro mundo certamente é possível”.

Kräutler tem escrito uma série de livros, mais recentemente escreveu Flores vermelhas como san-gue: Um bispo entre a Vida e Morte, publicado em alemão em 2009. n

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8Setembro–2010

Indígenas montam

acampamento em Y’taí

Ka’aguyrusu. Crianças e

mulheres sofreram com os ataques de

fazendeiros que chegaram

atirando e tentando bater nos indígenas

com galhos de árvores

Direitos indígenas

ECleymenne Cerqueira

Repórter

ste mês foi marcado por diver-sos episódios de luta do povo Guarani Kaiowá, em Mato Gros-so do Sul. Agressões, mortes por violência ou desassistência, descaso e omissão têm marcado

a vida dessa população. Na região, há uma intensa batalha pelo acesso a um pequeno pedaço de chão. Enquanto muitos indíge-nas não têm onde morar, plantar e criar seus filhos, as pastagens e imensas plan-tações de soja e cana-de-açúcar tomam conta da paisagem.

No estado, onde vive a segunda maior população indígena do país (mais de 53 mil pessoas), os direitos constitucionais destes povos são mais que ignorados. Somente ano passado, 33 indígenas foram assassi-nados no MS e diversos outros morreram. Todos esses casos de violações de direitos estão intimamente ligados à luta pela terra.

Muitas comunidades vivem na beira de estradas e rodovias do estado, ou mesmo confinadas em pequenas porções de terra. Outras têm ainda seu direito de ir e vir cerceado por ações de homens armados contratados por fazendeiros da região, como é o caso das comunidades Y’poí e Ita’y Ka’aguyrusu.

No MS, seis GTs deveriam ter conclu-ído os estudos das terras tradicionais do povo Guarani Kaiowá em abril de 2010, conforme o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). O TAC foi assinado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e pelo Ministério Público Federal (MPF) no estado em 2007. No documento, a Funai se comprometeu a identificar e delimitar essas áreas para futuras demarcações.

No entanto, o que se comprova é a lentidão e omissão do governo federal em identificar, demarcar e homologar essas áreas. Para o coordenador do Cimi na região, Egon Heck, o que tem prospe-

rado no estado são as usinas de etanol, que incidem, inclusive, sobre terras indí-genas já demarcadas ou que aguardam identificação.

“Os índios continuam sendo uma pedra no sapato do agronegócio porque não se resolve a questão das terras. Os únicos processos encaminhados, mesmo que lentamente, foram os das terras Buriti, do povo Terena, e Sombrerito, reivindicada pelos Guarani Kaiowá, cujas portarias declaratórias foram publicadas recentemente”, esclareceu Heck.

As terras ancestrais reocupadas por comunidades indígenas na região já de-veriam ter sido vistoriadas por antropó-logos contratados pela Fundação com o objetivo de identificá-las para, assim, dar continuidade ao processo de demarcação, como estabelecido no TAC assinado em 2007. Mas, diversas ações impetradas na Justiça por produtores rurais da região, têm dificultado esse trabalho.

Na região têm imperado diversas campanhas racistas e mentirosas contra os

indígenas, o que acabam levan-do a população a se posicionar contra estes povos e suas lutas pelo acesso à terra. Tais ações têm gerado uma onda de violên-cia sem precedentes na história dos Guarani Kaiowá. Durante as reocupações de seus territórios tradicionais, muitos indígenas são amedrontados, agredidos e até seqüestrados e mortos, como aconteceu com os professores Rolindo e Genivaldo Vera, da comunidade Y’poí.

Direitos cerceadosFamílias da comunidade Y’poí, locali-

zada nos municípios de Paranhos, na fron-teira com o Paraguai, estão cercadas por pistoleiros contratados por fazendeiros da região e, assim, com dificuldades para ter acesso à água potável, alimentação, escolas e atendimento à saúde.

Em Y’poí, cerca de 80 famílias, que realizaram nova retomada de seu terri-tório tradicional no dia 17 de agosto,

Não cessam as violências contra os Guarani KaiowáEm Paranhos, famílias estão cercadas por pistoleiros e sem acesso a serviços básicos de saúde e educação. Já na comunidade Kurusu Ambá, uma criança de apenas três anos morreu por falta de atendimento médico

estão impedidas de sair da área pela entrada principal da fazenda. No local há pessoas doentes e desnutri-das, especialmente crianças. Nem mesmo a Funai ou a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) entram no local sob a alegação de que a terra é alvo de batalha judicial.

Essa é a mesma comunidade que, em outubro do ano passado, realizou a primeira retomada de seu tekohá, ocasião em que os professores Genivaldo e Rolin-do Vera foram cruelmente seqüestrados e assassinados. De acordo com a comuni-dade, a volta à área também foi motivada pela busca ao corpo de Rolindo, até hoje desaparecido. O que tem sido impossível, pois o grupo está impedido de sair do acampamento.

O corpo de Genivaldo foi encontrado dias depois boiando em um rio da região. Sua cabeça tinha sido raspada e seu corpo apresentava muitos ferimentos. Após mais

Os índios continuam sendo

uma pedra no sapato do agronegócio porque não se resolve a questão das

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9 Setembro–2010

CNBB repudia violência contra os Guarani KaiowáNo mês em que novas agressões contra indígenas Guarani Kaiowá vieram a

público, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) declarou seu apoio à luta pela garantia de direitos deste povo. Em 22 de setembro, a entidade emitiu nota em que condena essas violências, ao mesmo tempo em que solicita ao governo brasileiro a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas em Mato Grosso do Sul.

Nota de solidariedade aos povos Guarani Kaiowá“O Senhor disse: ‘Eu vi a opressão do meupovo, ouvi os gritos de afliçãodiante dos opressores e tomei conhecimentode seus sofrimentos’” (cf. Ex 3,7)

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB acompanha com preocupação a dramática situação enfrentada pelo povo Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, vítima de violência, resultado de flagrante desrespeito aos seus direitos.

Obrigado a uma concentração demográfica nas poucas e pequenas terras demarcadas, o povo Guarani Kaiowá se constitui de dezenas de comunidades vivendo, há anos, em acampamentos improvisados à beira de rodovias daquele Estado.

Repudiamos as ameaças que pesam sobre as comunidades indígenas Y’poí, (localizada no município de Paranhos) e Ita’y Ka’aguyrusu (no município de Douradina). São ataques a mão armada numa brutal intimidação aos habitantes dessas comunidades que se veem não só cerceadas no seu direito de ir e vir como também privadas de bens essenciais à vida como água, comida, educação e saúde.

Essa situação exige uma solução rápida, urgente e eficaz. Por isso, a CNBB dirige um veemente apelo ao Governo para que faça cumprir os dispositivos da Constituição Federal de demarcar as áreas tradicionalmente ocupadas pelos Guarani Kaiowá. Tal medida é o caminho para reverter o deplorável quadro de violência naquela região e, assim, garantir a vida deste povo que honra o país com sua cultura e seus costumes.

Pedimos a Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, que interceda junto de seu Filho Jesus Cristo para que a paz se restabeleça nessa região e que o povo Guarani Kaiowá realize seu desejo de uma terra sem males.

Brasília, 22 de setembro de 2010

Dom Geraldo Lyrio Rocha Arcebispo de Mariana – Presidente da CNBB

Dom Luiz Soares VieiraArcebispo de Manaus – Vice-Presidente da CNBB

Dom Dimas Lara BarbosaBispo Auxiliar do Rio de Janeiro – Secretário Geral da CNBB

Diante do incessante quadro de violência a que estão submetidos os Guarani Kaiowá, o Cimi e a Anistia Internacional elaboraram uma cam-panha pedindo à sociedade, nacional e internacional, que se manifeste através de carta ao ministro da Justi-ça, Luiz Paulo Barreto, e ao secretário Especial de Direitos Humanos Paulo Vannuchi, solicitando providências urgentes para por fim à situação. A carta deve ser enviada até 22 de outubro.

No documento, eles pedem que sejam enviadas mensagens solici-tando às autoridades que garantam a segurança da comunidade Y’poí e assegurem que eles tenham acesso à

comida, água, cuidados de saúde e que possam se deslocar livremente. Pedem ainda que a Polícia Federal conclua a investigação sobre a morte de Genivaldo Vera e sobre o paradei-ro de Rolindo Vera, bem como que os responsáveis sejam levados à Justiça.

Para o Cimi e para a Anistia Internacional, é preciso que “as au-toridades cumpram plenamente suas obrigações sob a Convenção 169 da Organização Internacional do Traba-lho (OIT), a Declaração da Organiza-ção das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a Constituição Brasileira, finalizando a identificação e demarcação de todas as terras indígenas”.

de 300 dias da expulsão da comunidade da área, os familiares de Rolindo con-tinuam a esperar que a Polícia Federal informe-lhes o que aconteceu com ele ou que traga seu corpo.

mais do mesmo Já as 86 famílias Guarani Kaiowá, do

acampamento Ita’y foram violentamente atacadas por fazendeiros da região no dia 21 de setembro, sendo esta a quarta invasão à área. De acordo com Efigênia Guarani Kaiowá, professora da comuni-dade, os fazendeiros entraram, por volta das 7h30 da manhã, cortando galhos de árvores para bater nas crianças e nas mulheres. Além disso, soltaram fogos de artifício com pólvora para assustar e queimar os indígenas.

Assustada, a comunidade tentou con-tato com a Polícia Federal no momento da invasão, mas não obteve êxito. Somente após contatarem a equipe do Cimi em Dou-rados, a situação foi acalmada, pois estes entraram em contato com a Funai na região

e com o Ministério Público Federal em Dourados. Depois de algumas horas, o MPF do município juntamente com a Polícia Federal intercedeu para que houvesse um acordo e os fazendeiros saíram do local.

De acordo com lideranças locais e com Egon Heck, a situação no momento é mais tranquila, embora o clima de apreensão e medo permaneça na comunidade já que em menos de um mês por quatro vezes foram surpreendidos com invasão de pro-dutores rurais ao acampamento.

Batalha diáriaAfora todas as agressões e preconcei-

tos de que são vítimas, as comunidades indígenas do estado ainda convivem com a luta diária pela própria sobrevivência. Cerca de 95% das famílias Guarani Kaio-wá sobrevivem exclusivamente de cestas básicas e outros benefícios sociais do governo. O benefício distribuído somente uma vez por mês e, nem mesmo a todas as famílias, é insuficiente para alimentar uma família muitas vezes numerosa e sem possibilidade de renda ou espaço para o cultivo de roças e criação de animais.

Com dificuldades para conseguir alimentos, muitas pessoas apresentam problemas de saúde, como desnutrição, em especial as crianças. Em setembro deste ano mais um caso de morte em decorrência da falta de alimentos e nutrientes básicos foi registrada no estado. Um menino de apenas três anos da comunidade Kurusu Ambá, localizada no município de Coronel Sapucaia, faleceu sem atendimento médico e assistência do órgão responsável pelo atendimento à saúde indígena, a Funasa.

A comunidade está impedida de cons-truir roças ou criar animais e depende de cestas básicas entregues pela Fundação Nacional do Índio (Funai). No entanto, essa entrega não é regular. A Funasa ale-ga que não pode atuar na área por esta ser palco de conflito entre proprietários rurais e indígenas. n

CAMpANHA

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Moradores indígenas da favela

Real Parque em São Paulo,

mostram a destruição

de suas casas

10Setembro–2010

Vanessa RamosCimi Sul - Equipe São Paulo

e um lado, a favela do Real Parque com muitas habitações precárias. De outro, a Ponte Estaiada e os condomínios de

luxo. Um dos lados exige condições dignas de moradia e sobrevivência, enquanto outro prefere a preservação daquilo que tem sido um cartão-postal dentro da cidade de São Paulo incitan-do, inclusive, o mercado imobiliário.

Mas apenas um lado sofreu. Um incêndio atingiu a favela do Real Parque, na zona sul de São Paulo, na manhã do dia 24 de setembro. No local, que era conhecido pelos moradores como alojamento da Rocinha, viviam cerca de 300 famílias, aproximadamente 1.200 pessoas, conforme informações da subprefeitura do Butantã.

Foi grande o desespero das pessoas no local e o fogo se alastrou rapidamente nos barracos construídos em madeira e alvenaria. A maioria dos moradores estava trabalhando no momento e, ao receberem a informação, correram para socorrer parentes e objetos pessoais que pudessem resgatar. Não se conhece a causa do incêndio, mas a informação é de que não houve nenhuma morte no local.

Famílias indígenas Das cerca de 300 famílias atingidas,

aproximadamente 40 são de indíge-

nas Pankararu, sendo uma média de 180 indígenas desabrigados. O povo Pankararu é originário do estado de Pernambuco e começou a migrar para São Paulo já na década de 1950, lutan-do há anos na metrópole paulista por melhores condições de sobrevivência e permanente reconhecimento de sua identidade.

Maria Lídia da Silva, Pankararu, agente de saúde e vice-presidente da Associação SOS Pankararu conta que a situação a deixou desesperada vendo o estado caótico que estavam as famílias, tentando recuperar o que fosse possí-vel. No momento, viu muitos alunos

de uma escola próxima, in-controláveis, pressionando e saindo do portão escolar em busca de suas famílias. “Espe-ro que nunca mais em minha vida eu veja uma situação como essa de meus parentes sofrendo tanto”, relata.

Para Maria das Dores, Pankararu e presidente da Associação SOS Pankararu, “o governo do Estado não toma providências cabíveis às minorias comunitárias. Não

existe diálogo claro que garanta o en-tendimento da comunidade”. Para ela, a comunidade não acredita nas propostas públicas, pois não existem garantias no que é dito. “Não apresentam melhorias nas condições de moradia e habitação”. A líder indígena aponta que a comuni-dade Pankararu, há mais de 20 anos, vem solicitando uma área territorial própria que os prive dessas condições humilhantes e desumanas.

Poder Público A Secretaria Municipal de Habitação

(Sehab), a Defesa Civil Municipal, o Cras (Centro de Referência de Assistência So-

Benedito PreziaCoordenador do Programa Pindorama e da

Pastoral Indigenista de São Paulo

elo terceiro ano consecutivo o Programa Pindorama (Indígenas na PUC-SP) e o Museu da Cultura da PUC-SP realizaram entre os

dias 20 e 24 de setembro, no campus Monte Alegre dessa Universidade, um evento que se propôs a discutir os problemas das populações indígenas no Brasil de hoje.

Indígenas são atingidos por incêndio da favela Real parque Cerca de 40 famílias indígenas estão desabrigadas

cial) e a Subprefeitura do Butantã esti-veram reunidos no local com moradores e lideranças do Real Parque. Conforme os moradores, estes representantes do poder público explicaram que em um primeiro momento iriam cadastrar as famílias que perderam as moradias.

Num segundo momento, distribui-riam um kit com cobertores, alimentos, colchões e outros itens básicos. Além disso, afirmaram não poder fazer nada de imediato para abrigar as famílias. Apenas a partir dos dias 28 e 29 de setembro falariam com os moradores, ofereceriam uma bolsa aluguel no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), pro-visoriamente, por 12 meses. Segundo consta, devem dar início à construção de conjuntos habitacionais, mas, não foram apresentadas datas.

Na reunião, foi alegado por um membro da comunidade que as pessoas não poderiam dormir na chuva. Mesmo assim, a partir das 19h, representantes do poder público fecharam o Projeto Comunitário Casulo, obrigando os desa-brigados a buscarem apoio e abrigo de outras casas na favela. Muitos morado-res ofereceram suas casas para famílias que estavam até mesmo com crianças

Foram enfocados diversos pontos como a Questão indígena e a imprensa, com a participação do Prof. Rinaldo Arruda, antropólogo da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-SP e dos jor-nalistas Sérgio Mieli, da Faculdade de Jornalismo também da PUC-SP e Cristia-no Navarro, ex-editor do Porantim e da redação do Jornal Brasil de Fato.

Dois dias foram dedicados ao de-bate com lideranças, estando presente o Guarani Nhandeva Erpídio Pires, da aldeia Potrero Guassu (MS) que pôde

apresentar a trágica situação em que vive seu povo naquele estado, sendo apoiado na sua exposição pela Dra. Maria Luiza Grabner, da Procuradoria Federal de São Paulo. O Pataxó Jerry Matalawê, da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos da Bahia trouxe as realizações de um governo sensível à causa popular e indígena, enquanto que os Guarani Mbyá de São Paulo, Timóteo Popyguá, da aldeia Te-nondé Poran e Jaciara Martim, formada em Serviço Social pelo Programa Pindo-

rama, apresentaram a difícil questão da terra em áreas urbanas.

Os debates mais acalorados ocor-reram na mesa da Questão indígena e os movimentos sociais, com a participação de Regina dos Santos, representante do movimento negro MNU, Israel Sassá, Tu-pinambá, e membro do Tribunal Popular e da Organização Aymberê, além de Luciana Galante, bióloga e mestranda na PUC-SP, que falou sobre o difícil di-álogo das populações indígenas com os ambientalistas. A semana culminou com

Os indígenas da pUC-Sp na Retomada Indígena III

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11 Setembro–2010

Indígenas Kaimbé se reúnem para recordar tradições e rever parentes em São Paulo

o lançamento em São Paulo do Relatório de Violência 2009, produzido pelo Cimi, com a participação da organizadora do relatório, Profª Lúcia Helena Rangel, de Sarlene Soares, do povo Makuxi e Bruno Martins, graduando em Direito (USP).

A grande novidade neste ano foi a exposição de fotógrafos indígenas cujo título foi O olhar indígena sobre a aldeia e a cidade. Pela primeira vez São Paulo pôde ver uma mostra de fotógra-fos indígenas de várias etnias, como Guarani, Potiguara, Terena e Kaimbé, e quase todos estudantes da PUC-SP (gra-duação e pós-graduação), mostrando um olhar artístico e ao mesmo tempo diferenciado.

O evento, que contou também com a apresentação de uma mostra de curtas

vam-se com recordações, estimuladas pelas fotos da aldeia de Massacará, expostas no salão. Festa da Santíssima Trindade, rostos de jovens e velhos apareciam em cenas do cotidiano que fizeram muita gente viajar na imagi-nação pelos caminhos empoeirados daquele nordeste baiano. Outras imagens lembravam o II Encontro do Povo Kaimbé, ocorrido em agosto do ano passado, na vizinha cidade de Ferraz de Vasconcelos.

Outras etnias, como Fulni-ô e Kari-ri-Xokó, com seus artesanatos davam também o tom indígena do encontro.

No início da tarde, o grupo, com-posto por umas 70 pessoas, reuniu--se no salão para a dança do toré, iniciada pelos Kariri-Xokó, e que foi acompanhada por outros participan-tes, que timidamente se uniam aos dois puxadores. Mas o ponto alto do encontro ocorreu quando a maior parte dos Kaimbé presentes se juntou para a dança tradicional. Foi bonito ver, sobretudo os jovens, entrarem na dança circular, demonstrando o desejo de manter vivas as tradições de seu povo, apesar de estarem a mais de mil quilômetros da aldeia.

O objetivo do encontro foi a confraternização, a constante preocu-pação de várias liderança em manter viva e revitalizada a cultura Kaimbé e fortalecer a organização de seu povo que vive na cidade. Como continui-dade, esperam debater assuntos de interesse da comunidade, nas próxi-mas reuniões e encontros.

Outros projetos estão na mente das lideranças, como fazer um livro, reunindo fotos, depoimentos e his-tórias do povo Kaimbé, procurando registrar e gravar no papel sua traje-tória de luta e resistência.

Não sem razão, um dos lemas que acompanha a comunidade e que é recordado em seus encontros diz: So-mos Kaimbé, lutadores e resistentes. Sim, a resistência e as lutas deste povo

para garantir sua terra na aldeia de Massacará continuam vivas na grande metrópole, e se fortalecem nos mo-mentos de convívio e de socialização, nas rodas de debates por políticas pú-blicas, nas mobilizações junto a outros povos indígenas, na participação e ar-ticulação com os movimentos sociais e na busca por seus direitos enquanto povos diferenciados, tendo presente o descaso que sofrem por parte de muitos órgãos públicos, justamente por estarem vivendo na cidade.

O sentimento de alegria pela realização de mais este momento organizativo e de confraternização vem expresso nas palavras de uma das organizadoras do encontro, Égina Gonçalves. “Para mim, todo encontro, sempre será o primeiro. Esse não foi diferente, cada Kaimbé que participa pela primeira vez, fica encantado e feliz, pois sabe que todo aquele so-frimento e revolta de alguns ficaram para trás, que estamos unidos, para que mais uma vez possamos dizer que vencemos”.

Para Magna Silva e João Dias, outras duas lideranças Kaimbé na Grande São Paulo e que também contribuíram com a realização do 3° Encontro Kaimbé, foi um “novo reencontro, novas conquistas, sonho realizado, o fortalecimento das nossas origens. Foi um momento único para nós, o prazer do reencontro daqueles que não tinham mais esperança, um abraço, um sorriso, cada expressão deixada ficam em nossa memória para sempre”.

O jovem pajé Bruno Ferreira de Carvalho, da Aldeia Massacará, também brindou o grupo com sua presença e animação. Hermenegilda Dantas dos Santos, ou simplesmen-te Dona Gilda, uma das lideranças mais antigas, com seus 86 anos, vem participando de todas as reuniões e sentiu-se feliz em poder celebrar a caminhada com seu povo. n

de colo. No final da noite, foi informado que o poder público entregou colchões, cobertores e alimentos para as famílias.

apeloA liderança Ubirajara Ângelo de

Souza, também indígena Pankararu, diz que as pessoas já viviam precariamente sem rede de esgoto, com falta de sane-amento básico. “Isso tudo por falta de moradia e porque muitos governantes não ligam para o ser humano, especial-mente para nós que somos indígenas”.

Ele afirma que as situações se repetem. Isso é visto tanto no Real Parque, zona sul, como na zona leste de São Paulo onde há muitas famílias Pankararu vivendo em áreas de risco e buscando apoio e moradia através do poder público, para o atendimento específico a indígenas que vivem em áreas urbanas. “Nós não vendemos terra nenhuma a ninguém. Hoje nós pedimos um pedaço de terra e somos tratados de maneira indigna. Onde estivermos, seja em qual território brasileiro for, somos índios. A quem precisamos pedir terra, se somos donos dessas terras que foram invadidas?”, reflete indignado.

Mesmo na situação de miséria e de descaso público, esse povo indígena vem fortemente garantindo os seus usos e costumes tradicionais, “indepen-dente das más condições de vida que possuem nessa cidade, dentro dessa favela”, aponta Maria das Dores.

Para muitas famílias é desmoralizan-te observarem a contradição luxuosa do outro lado da favela, na região onde vivem. Se no fim da década de 1950, migravam de sua aldeia por causa da seca e de conflitos com invasores, hoje lutam na cidade contra a especulação imobiliária, por respeito aos povos indígenas que vivem em áreas urbanas, por condições dignas de sobrevivência na metrópole e por uma atuação rápida e séria do poder público. n

Benedito PreziaPastoral Indigenista da Arquidiocese de SP

Beatriz Maestri e Vanessa RamosEquipe São Paulo - Regional Cimi Sul

spaçadamente, chegavam na estação de Poá indígenas de diversas regiões da Grande São Paulo. Eram famílias

Kaimbé e vinham participar do III Encontro do povo Kaimbé. Há anos, poucos imaginavam que essas famí-lias dispersas pela região paulistana poderiam estar se encontrando mais uma vez para rever os parentes e para recordar as tradições da aldeia, abafadas pela correria do dia-a-dia da cidade grande.

Neste ano, o encontro ocorreu no último dia 22 de agosto, numa chácara na cidade de Poá, região próxima de onde vivem várias famílias Kaimbé.

Música com zabumba e pífano, característica dos povos Kariri, sau-davam os recém-chegados. Alegria, abraços de amigos e parentes mistura-

com temática indígena, mostrou a im-portância desse diálogo com os vários segmentos de nossa sociedade, para tornar a questão indígena mais conhe-cida e, sobretudo, para criar aliados.

A presença dos estudantes de vários cursos, inclusive de Direito, tanto da PUC como da USP, ajudou a mostrar que os problemas indígenas precisam ser levados ao meio aca-dêmico onde são formados futuros profissionais, que depois de formados (talvez) muitos se posicionarão contra esses povos.

Pouco a pouco os estudantes indígenas da PUC-SP começam a conquistar mais um espaço dentro da universidade, mostrando que têm algo a dizer. n

Os Kaimbé continuam se articulando em São paulo

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12Setembro–2010

Desmatamento avança sobre

reservas indígenas

e contribui fortemente

para as mudanças

climáticas no planeta

Meio Ambiente

Ivo PolettoAssessor do Fórum Mudanças Climáticas e

Justiça Social*

ponto de partida desta refle-xão é um fato: a temperatura média da Terra já aumentou em quase 1º Celsius, e o início

dessa mudança coincide com o come-ço da chamada revolução industrial, na metade do século XIII. É um processo de curta duração, se comparado com eventos parecidos na longa história da Terra. E um processo em aceleração: a maior parte desse aquecimento se deu nas últimas décadas, e cada nova década é mais quente que a anterior. A primeira década do terceiro milê-nio, por exemplo, é a década mais quente de toda a série estudada por cientistas.

Continua aberto o debate sobre o que está causando esse processo de aquecimento, mas firma-se, a cada dia que passa, a convicção de que a ação humana é a causa principal. De fato, de tudo que influi no equilíbrio da temperatura, o que mudou foi a quantidade de gases que causam efeito estufa. São principalmente três: dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, e todos eles são jogados na atmosfera terrestre a partir de atividades huma-nas. Toda queima de petróleo, gás e carvão, por exemplo, libera o dióxido de carbono contido neles; toda vez que se faz monoculturas e se usa produtos químicos na agricultura, joga-se na atmosfera óxido nitroso; toda vez que se cria maior quantidade de animais de grande porte e se constrói lagos artifi-ciais – para hidrelétricas, por exemplo –, gera-se mais metano.

Por outro lado, toda atividade que diminui áreas de florestas e interfere nos seres vivos dos mares aumenta o desequilíbrio, pois são esses seres vivos que absorvem dióxido de carbono e liberam oxigênio, indispensável para os seres humanos e os animais.

Para completar, com o consumis-mo, globalizado e promovido para ga-rantir os interesses do grande capital, a Terra entra num duplo desequilíbrio: não consegue repor os bens naturais extraídos dela para manter a expansão do produtivismo; já não consegue renovar a atmosfera para manter a temperatura.

Tendo presente essas informações, pode-se entender porque os grandes grupos econômicos e a população dos países mais ricos e mais consumistas alimentam dúvidas sobre a responsabi-lidade humana pelo atual aquecimento da Terra: são os principais responsáveis e os que devem fazer mudanças mais profundas, que não podem limitar-se a um capitalismo verde, pois é necessário

buscar outros modos de ser e de viver, outras civilizações.

liderança indígena Nesse contexto, é vital ter presente

que os povos indígenas – sobreviventes a séculos de decreto de extermínio, nos lembrou Evo Morales, presidente da Bolívia – são portadores de valores, formas de convivência com os seres humanos, com os demais seres vivos e com a Terra indispensáveis para o futuro da humanidade. Junto com eles, também são essenciais os demais po-vos e comunidades de longa história, tradicionais.

Em primeiro lugar, são povos que conseguiram resistir à violência e às tentações da sociedade produtivista e consumista, mantendo-se em formas de vida simples, em territórios comuns, organizados em comunidades, relacio-nando e convivendo com a Terra como sua mãe, como geradora de toda a vida, Pachamama. São eles, indiscutivelmen-te, os atores mais criativos em relação a

ouça o Potyrõ todos os sábados e domingos, às 12h35,dentro do programa Caminhos da Fé, na rádio Aparecida. A transmissão é para todo o Brasil.

ouça o Potyrõ

820 kHz

www.a12.comTambém estamos on line pelo portal www.a12.com

Os povos indígenas e o grito da Terraformas novas de organizar sociedades em democratização, bastando para isso ter presente o que está sendo gestado na Bolívia.

Quero, de modo especial, destacar que os povos indígenas são quase os únicos que têm autoridade – no sentido ético e político – para propor o que se deve fazer para enfrentar os desequilí-brios que os homens brancos causaram à Terra. Toda sua existência, e toda sua profecia, foram tentativas de alerta, chamando os loucos por propriedade, por pedras e minérios, por vida amontoada em cidades imensas, por riqueza a retomar seu juízo, a voltar à sua humanidade.

Por isso, quero sugerir que o Cimi dialogue com as organizações indígenas brasileiras para, junto com elas, entrar em contato com os povos indígenas bolivianos e seu governo para que re-proponham a consulta mundial sobre os direitos da mãe Terra para abril de 2011. Esta é e deve ser uma proposta e um desafio que os povos indígenas têm autoridade para propor, para que os demais povos, se não se relacionam com a Terra como mãe, se não têm a tradição de ouvir as pessoas e comu-nidades que os constituem, dialoguem sobre isso e tenham oportunidade de mudar profundamente, abrindo-se para a construção coletiva de outra ou outras civilizações. E para que a justa, necessária e urgente pressão sobre os governantes do Planeta conte com os gritos da Terra, tenha a força dos povos que a amam como sua mãe e indique o caminho por onde se deve seguir como humanidade. n

* o autor também é assessor da Cáritas Brasileira e de Pastorais Sociais.

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13 Setembro–2010

Dandão era um grande lutador contra as invasões das terras Xukuru

Homenagem

Maria Petronila-CimiRegional Rondônia

21ª Assembléia do povo indígena Karitiana aconteceu entre os dias 14 e 16 de setembro, na Aldeia Central, localizada no município de Porto Velho (RO). Na pauta do encontro

discussões sobre saúde, educação e auto-sustentação. Ponto central do encontro foi o estudo de Am-

pliação da Terra Indígena Karitiana, cujo Grupo de Trabalho (GT) foi formado em 2008. O relatório final do estudo, que é coordenado pela antropóloga An-dréia Mendes de Oliveira, até hoje não foi finalizado.

Esta demora tem deixado os Karitiana aflitos e angustiados. Algumas famílias realizaram, ainda em

Saulo F. FeitosaSecretário Adjunto do Cimi

o dia 20 de setembro tomamos conhecimento do falecimento do indígena Xukuru João Campos da Silva, mais conhecido como

Dandão. Durante os anos de 1990 ele integrou o grupo dos “fiéis escudeiros” do cacique Xicão, grande líder que empreen-deu uma corajosa batalha para expulsar os invasores do território tradicional Xukuru. Em consequência de sua aguerrida lide-rança, Xicão despertou a ira dos grandes fazendeiros do município de Pesqueira, no estado de Pernambuco, detentores de latifúndios dentro da terra indígena. Depois de ter sofrido várias ameaças de morte, acabou assassinado em 20 de maio de 1998, por pistoleiros contratados por aqueles latifundiários que se sentiam incomodados com sua atuação.

Após a morte do cacique Xicão, não tendo conseguido por fim à luta do povo pela demarcação de suas terras, os fazendeiros continuaram o processo de perseguição sistemática aos Xukuru uti-lizando-se das mais variadas formas de violência. Além das sucessivas ameaças de morte e assassinatos, intensificaram a estratégia de criminalização dos mem-bros da comunidade, principalmente das lideranças. Dandão foi uma das vítimas desse processo. No ano de 2002, ele e o vice-cacique José Barbosa, conhecido como Zé de Santa, foram acusados de ter participado do assassinato do também indígena Chico Quelé, uma liderança importante que fora morta em uma em-boscada no dia 21 de agosto de 2001, quando se deslocava a pé pelo interior da terra indígena, no trajeto entre a sua

aldeia e o posto da Funai, onde aconte-ceria uma reunião com o administrador daquele órgão em Pernambuco para tra-tar da questão da demarcação da terra.

Não obstante o grande conflito envolvendo os indígenas e os fazendei-ros invasores, o que poderia levantar suspeitas sobre a participação de algum deles no crime de emboscada, a Polícia Federal trabalhou com a hipótese de uma suposta divergência interna entre as lideranças ocorrida em decorrência de um suposto desvio de verba de um projeto da comunidade. Segundo a PF, Chico Quelé teria a intenção de formular uma denúncia na reunião para a qual se dirigia. José Barbosa seria um dos possíveis denunciados, por essa razão teria contratado Dandão para matar Chico Quelé. Essa tese foi acatada pelos representantes do Ministério Público Federal - MPF em Pernambuco. Embora a comunidade tenha comprovado que o projeto ao qual a PF se referia era uma iniciativa do Centro de Cultura Luis Freire, uma ONG com sede na cidade de Olinda, PE, cabendo a ela a administra-ção dos recursos e que os índios eram apenas beneficiários daquele projeto, José Barbosa e Dandão foram denuncia-dos. Na noite do dia 8 de julho de 2002, Dandão foi preso em Recife, onde fora prestar depoimento. Sua prisão causou revolta e indignação. Além dos índios, entidades de Direitos Humanos do Brasil e do exterior se posicionaram contra a tal prisão denunciando tratar-se de mais um caso de criminalização de indígenas que lutam em defesa de seus direitos.

Apesar do grande empenho de ad-vogados do Cimi que atuaram em sua defesa, Dandão permaneceu preso por

um ano. Depois de vários habeas corpus em seu favor terem sido negados em diferentes instâncias da justiça federal, o Supremo Tribunal Federal, no dia 1º de julho de 2003, decidiu em favor dele e de José Barbosa ao julgar um Recurso em Habeas Corpus (RHC 83.179) ajuizado por representantes do Ministério Públi-co Federal em Brasília, que divergindo do entendimento dos seus colegas em Pernambuco atuaram na defesa dos dois. O Plenário do STF acompanhou por unanimidade o voto do ministro Sepúlveda Pertence, anulando a ordem de prisão preventiva expedida pelo juiz Antônio Bruno de Azevedo Moraes, da 4ª Vara Federal de Pernambuco. O ministro Pertence considerou a motivação da or-dem de prisão “despida de qualquer base empírica concreta e amparada em juízos subjetivos”. Destacou ainda, que além da suspeita de autoria do crime, a ordem de prisão não continha fatos concretos.

Essa decisão foi comemorada por todo o povo Xukuru e pelos vários movimentos sociais do país que lutam contra a criminalização das lutas popu-lares. Dandão deixou o presídio na noite do dia do julgamento. Do lado de fora, muitas pessoas, representando várias organizações de Direitos Humanos esta-vam à sua espera. Esteve lá também para abraçá-lo e comemorar sua liberdade a Subprocuradora Geral da República, Dra. Armanda Figueiredo (já falecida), que, na condição de membro da 6ª Câmara do Ministério Público Federal, muito se empenhou na defesa dele. No tempo em que permaneceu na unidade prisio-nal Dandão conquistou a simpatia de agentes e detentos, todos convencidos de sua inocência. Por isso mesmo, sua

libertação também foi comemorada no interior do presídio, saindo de lá sob for-tes aplausos e manifestação de apreço. Naquela mesma noite, retornou à sua comunidade, seguido por uma carreata que o acompanhou desde Recife até a aldeia Pedra D’Água. Lá chegando, já em avançada hora, foi recebido com festa.

Em decorrência do sofrimento psí-quico vivenciado na prisão, bem como das ameaças e perseguições que passou a sofrer ao retornar à comunidade, Dandão desenvolveu várias doenças, inclusive hipertensão, vindo a sofrer um AVC que o deixou bastante debilitado. Sua morte é, sem sombra de dúvida, consequên-cia direta de todo o sofrimento a que esteve submetido. Devemos, portanto, reconhecer tratar-se de mais uma víti-ma da violência do Estado. Aos que o conhecemos fica o reconhecimento de sua honradez comprovada na fidelidade ao projeto político de seu povo, tendo recusado várias propostas “vantajosas” para trair a memória do cacique Xicão, mesmo enquanto esteve preso. n

2008, a autodemarcação da área que reivindicam. Até o momento o grupo se encontra no local aguardando a demarcação oficial.

terra indígena KaritianaO povo Karitiana tem uma população de aproxi-

madamente 370 pessoas, composta por 80 famílias, distribuídas numa área de 89.698 hectares, a 95 quilômetros da capital Porto Velho.

A área geográfica do povo foi demarcada no ano de 1976 e homologada pelo Decreto nº 93.068/86 como terra dos Karitiana, com uma área de 89.698 hectares, deixando grande parte tradicional fora dessa atual demarcação. Hoje o seu maior desafio é a reconquista dessa área sagrada para o seu povo. n

Adeus ao índio Dandão

Encontro

povo Karitiana realiza sua 21ª Assembléia em Rondônia Encontro teve como ponto central o estudo de Ampliação da Terra Indígena Karitiana

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APovo Karitiana: a grande luta é a reconquista de sua área sagrada

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14Setembro–2010

Entrevista

Joana MoncauDesinformémonos

amais haverá participação po-pular nos processos políticos latino-americanos sem incorpo-rar a religiosidade do povo”, é o

que afirma sem titubear o frei dominica-no, jornalista e escritor, Carlos Alberto Libânio Christo, Frei Betto.

Uma das principais referências da Teologia da Libertação no Brasil e com larga trajetória de lutador social, ocupa lugar privilegiado para versar sobre o tema. Não por acaso, seu livro “Fidel e a Religião” (1986) teve importante papel, segundo próprio bispo cubano, para “ti-rar o medo dos cristãos e o preconceito dos comunistas”. Indubitavelmente, a reconciliação entre a Igreja Católica e o governo revolucionário cubano deve algo a Frei Betto.

No Brasil, militante dominicano des-de sua juventude na época da ditadura (1964-1985), contribuiu para a realização de acontecimentos históricos. Entre eles a fundação do Partido dos Trabalhadores, o PT, governo do qual chegou a formar parte em seu início com a eleição de Lula à Presidência da República, em 2002.

Política, religião e comunicação. Na entrevista que segue Frei Betto recorre a esses três pilares para nos deixar sua im-pressão sobre o atual momento político porque passa a América Latina.

Como frei dominicano e militante junto às bases populares na época da ditadura brasileira, como avalia a importância da Igreja Católica para as lutas sociais na América Latina, especialmente no combate às ditaduras que assolaram a região durante a década de 1960? De lá para cá, mudou o perfil da atuação social da Igreja?

FRei Betto – Nos anos 1960 e 1980 a Igreja Católica, renovada pelo Concílio Vaticano II e pela conferência episcopal latino-americana em Medellín (1968), teve papel preponderante nas lutas sociais na América Latina. Através das Comunidades Eclesiais de Base e do advento da Teologia da Libertação, decorrentes da “opção pelos pobres”, muitos militantes foram formados pela Igreja segundo o método Paulo Freire. Em países sob ditadura, como Brasil e Nicarágua, essa formação resultou em opção revolucionária. Diria que, de certo modo, as eleições recentes

de Lula, Correa, Evo, Funes e outros têm a ver com esse processo pastoral.

Com o pontificado de João Paulo II e a queda do Muro de Berlim, iniciou-se a “va-ticanização” da Igreja latino-americana. A Teologia da Libertação foi censurada; os bispos progressistas afastados; padres conservadores nomeados bispos etc. Hoje a Igreja Católica, embora abrigando grupos progressistas comprometidos com as causas populares, reflui na opção pelos pobres e busca situar-se numa suposta neutralidade frente aos conflitos sociais.

Qual a ponte entre o cristianismo e a luta armada?

FRei Betto – Hoje, na América Latina, a luta armada só interessa a dois setores: fabricantes de armas e extrema direita. Governos como Lula, Chavez, Mujica etc demonstram ser possível realizar reformas estruturais pelas vias pacífica e democrática. Porém, a questão da relação cristianismo e luta armada está, em tese, equacionada desde o século XIII por meu confrade Tomás de Aquino. Em caso de opressão prolongada e sem outro recurso para se evitar um mal maior fora da resis-tência armada, então esta é justa e legíti-ma. Nos anos 1960 e 80 isso se aplicava a países da América Latina sob ditaduras, o que explica os testemunhos de Frei Tito de Alencar Lima, Camilo Torres e tantos outros cristãos que participaram da luta armada. Esse mesmo princípio tomista levou João Paulo II a comemorar os 50 anos da vitória da resistência européia contra o nazi-fascismo. E, como sabemos, a resistência atuou com armas.

As lutas sociais latino-americanas incorporaram símbolos e princípios do catolicismo (como a Nossa Senhora de Guadalupe no México, as místicas do MST, etc). É possível falar em alguma luta que seja genuinamente popular na América Latina e que desconsidere a força do catolicismo e da religião?

FRei Betto – Que eu saiba não há nenhuma força política progressista na América Latina que apregoe o ateísmo e seja antirreligiosa. Desde que Fidel acen-tuou, na entrevista que lhe fiz em 1985 (livro “Fidel e a Religião”) a importância da religião como fator de libertação, o preconceito praticamente terminou. Jamais haverá participação popular nos processos políticos latino-americanos sem incorporar a religiosidade do povo.

Aqui a porta da razão é o coração e a chave do coração é a religião.

Considerando essas questões, como in-terpretar o caso da revolução cubana? Como avalia a situação por que passa o país hoje?

FRei Betto – A revolução cubana incor-porou os valores religiosos do povo, tanto que teve líderes assumidamente cristãos, como Frank Pais e José Antonio Echeverría, bem como capelão, o padre Guillermo Sar-diñas, que após a vitória mereceu o título de Comandante da Revolução.

Hoje Cuba passa por um período de excelentes relações entre Igreja e Esta-do, a ponto deste permitir que a Igreja Católica faça a mediação que possibilita a libertação de presos de consciência.

Que papel os movimentos sociais desem-penham hoje na política latino-americana? No Brasil, pode-se dizer que foram a maior herança de resistência e organização da época da ditadura?

FRei Betto – Sem os movimentos so-ciais a América Latina não estaria vivendo essa primavera democrática representada por Lula, Chávez, Funes, Mujica, Evo, Correa, Lugo etc. No entanto, ocorre hoje um refluxo dos movimentos sociais, muitas vezes porque suas lideranças foram cooptadas para aqueles governos. A queda do Muro de Berlim, a influência do neoliberalismo e das novas tecno-logias, o advento da pós-modernidade, são alguns dos fatores que explicam a desmobilização dos movimentos sociais, embora alguns permaneçam ativos, como o movimento indígena e, no caso do Bra-sil, o MST. O movimento indígena, graças à eleição de Evo Morales, o primeiro indígena presidente, ganha autoestima e, devido ao tema ambiental estar em pauta, também relevância, sobretudo na proposta do BEM VIVER, nos ensinando que devemos aprender a considerar o necessário como suficiente.

Quanto aos governos com origem na esquerda partidária e nos movimentos sociais que vêm se consolidando no cenário latino-americano, é possível classificá-los como governos de esquerda?

FRei Betto – Não, são governos pro-gressistas e, alguns, como é o caso da Venezuela, até explicitam o socialismo como projeto político. Mas também estão longe de serem governos de direita ou conservadores. Dentro de possibilidades reais, e não ideais, atuam em favor dos

mais pobres e sobretudo desarticulam o poder político das oligarquias tradicio-nais, embora elas prossigam com muito poder econômico.

Tendo acompanhado o partido e colabo-rado com o PT desde sua fundação, como o senhor avalia os oito anos de governo Lula em relação à proposta inicial do partido? Como o senhor define sua relação atual-mente com o PT e com Lula?

FRei Betto – Lula fez o melhor governo de toda a história republicana do Brasil. Permitiu que 19 milhões de pessoas saíssem da miséria. Estabilizou a economia. Mas não fez nenhuma reforma estrutural e nem qualificou a saúde e a educação. Escrevi dois livros de avaliação do governo Lula: A Mosca Azul e Calendá-rio do Poder (editora Rocco). Apesar das limitações, penso que é importante dar continuidade do governo do PT.

Como jornalista e escritor, qual o papel da comunicação para a transformação social? A comunicação ainda é o Quarto Poder? Como enfrentar esse poder?

FRei Betto – a comunicação não é mais o quarto poder, é o primeiro. Vide o papel do marketing eleitoral nas cam-panhas políticas. Ocorre que os grandes veículos de comunicação se encontram em mãos da elite conservadora. Um dos desafios a serem enfrentados pelos setores progressistas é o de encontrar alternativas à comunicação controlada pelos monopólios poderosos.

Esteve preso por quatro anos. Como essa experiência interferiu na sua vontade de lu-tar contra a ditadura e as injustiças sociais?

FRei Betto – Ao contrário, foi a mi-nha militância por justiça social e contra a ditadura que me levou à prisão. Esta apenas reforçou minha decisão de estar sempre ao lado dos oprimidos, ainda que aparentemente eles não tenham razão.

O senhor já escreveu mais de 50 livros, em quantas línguas já foi traduzido? Qual dos seus livros recomenda para nossos leitores que queiram conhecer melhor o Frei Betto?

FRei Betto – Minhas obras já foram traduzidas em 32 idiomas e 23 paises. Para o leitor latino-americano sugiro obras em espanhol editadas em Cuba: Fi-del y la Religion; La Obra del Artista – una vision holística del Universo; Un Hombre Llamado Jesús (novela). E deve sair em breve La Mosca Azul. n

FREI BETTO

Religião é chave para dialogar com o povoPara o histórico militante da Teologia da Libertação, na América Latina, longe de alienar, a religião é a chave para a transformação social

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Leda BosiSedoc

presente publicação apresenta 21 textos de diversos autores, de diferentes formações aca-dêmicas. Dentre eles, sete são

colaboradores e parceiros do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA), cinco profissionais da Uni-versidade Federal de Rondônia (UNIR), pesquisador vinculado à Fase e o autor do prefácio, que aborda o movimento dos atingidos por barragens. Os demais, doutorandos e mestrandos, mantêm atividades regulares junto ao projeto. Os artigos têm a intenção de contri-buir para uma reflexão mais detida a respeito dos conflitos sociais em jogo na região amazônica estudada e que corresponde ao que é denominado oficialmente “Complexo madeira”. No momento atual, nessa região, duas barragens estão sendo construídas, implementando as UHEs de Jirau e Santo Antônio

O livro apresenta farta documenta-ção tanto dos interesses do Estado e das grandes empresas multinacionais na construção das Usinas quanto os depoimentos dos atingidos por barra-gens - povos indígenas, ribeirinhos, seringueiros, pescadores, quilombolas incluindo-se os que são denominados formalmente, pelos órgãos fundiários,

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15 Setembro–2010

Entidades foram recebidas por um dos conselheiros da embaixada Chilena

Resenha

Ameríndia

o dia 22 de setembro, repre-sentantes do Conselho Indi-genista Missionário (Cimi), do Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra (MST), do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e da Via Campesina realizaram ato simbó-lico em frente à embaixada do Chile, no Brasil. O objetivo da manifestação foi protocolar um documento destas entidades relacionado à greve de fome de indígenas Mapuche no país, que já dura mais de 60 dias e protestam contra a lei Antiterror.

Rios barrados são, em primeiro lugar, antes de mais nada, vidas barradas, interrompidas. (...) são trajetórias individuais e coletivas que, antes inscritas no território, deste são banidas. Nenhum pro-gresso, nenhum desenvolvimento pode, legitimamente, fazer-se em detrimento dos direitos individu-ais e coletivos dos atingidos por barragens. O barramento dos rios para a produção de lucros é uma violência e um aberto desafio aos direitos humanos. A resistência dos atingidos é um ato essencial de afirmação de sua humanidade e de sua cidadania.”

O debate sobre as hidrelé-tricas na Amazônia conta hoje com novos sujeitos políticos institucionalizados nos âmbi-tos locais, estaduais e nacio-nais. A partir dos movimentos sociais foram registrados diver-sos atos de mobilização, como o “Seminário-Acampamento contra a privatização do Rio Madeira e pela Soberania da

Amazônia, realizado entre os dias 16 e 18 de setembro/2009”. O Seminário foi organizado pelo MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens, MST, MPA em conjunto com o Cimi, CPT, Rede Brasil e outras associações e entidades. No âmbito regional conta também com novos instrumentos cartográficos, que permitem visualizar não somente presentes e futuros efeitos desses empreendimentos, mas principalmente comunidades e povos que insistem em se fazer ver e ouvir como sujeitos do seu destino. n

significativo de que se registrem os lugares que representaram de alguma forma suas vidas e que vão desaparecer.

Seguindo as palavras do Prof. Carlos Vainer da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que condensa o espírito com que o livro foi escrito, “O barramento de rios não é apenas a interrupção de fluxos de água, que deixam de percorrer seu curso natural.... (...) O barramento de rios não implica apenas na inundação de florestas, na extinção de espécies de peixes, na destruição de pequenas cidades e aglome-rados, no alagamento de terras cultivadas.

Entidades brasileiras fazem ato em apoio aos Mapuche

Na embaixada, o grupo foi recebido por um dos conselheiros, Pedro Gon-zález – de acordo com funcionários do local, o embaixador estava viajando. O conselheiro afirmou que não pode-ria fazer nenhum encaminhamento, mas declarou que o governo do Chile já está buscando formas para mudar a lei. “Estamos dialogando e esperamos que a situação se resolva o mais rápi-do possível”, afirmou o conselheiro. Ainda de acordo com González, o governo “vai resolver tudo pela via da legalidade”.

Alfredo Wagner Berno de Almeida (org.);autor, Emmanuel de Almeida Farias Júnior... {et.al}.Manaus : Universidade Estadual do Amazonas, 2009 391 p.

Conflitos Sociais no Complexo Madeira

de “assentados” e “agricultores familiares” (aspas do autor), população que depende do rio Madeira para sua sobrevivência. Além dessa população é preo-cupante a situação dos povos isolados que perambulam pela região. Conforme os dados do Relatório do 1º Encontro inter-nacional sobre povos indígenas isolados na Amazônia, a área de abrangência de Santo Antô-nio e Jirau, bem como todo o Complexo Madeira, é uma das regiões de maior concentração desses povos.

No capítulo “Os povos indí-genas e o Complexo Hidrelétrico Madeira” de Kariny Teixeira de Souza, a autora desenvolve uma análise etnográfica das contradi-ções do processo de implementação das Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. Nessa análise pode-se sentir, pelos depoimentos dos povos indígenas afe-tados, a destruição com o alagamento de suas terras e a modificação que acontecerá na sua organização social com o aumento do fluxo de migrantes, problemas de saúde, prostituição. Entre os vários relatos de ocorrências sobre os moradores da comunidade de Santo Antonio, de todas as perdas e conseqüências que a construção do complexo irá provocar, há o pedido

NNo documento entregue, as enti-

dades manifestam total solidariedade ao povo Mapuche e repudiam energi-camente a aplicação da denominada Lei Antiterror, como instrumento para calar a voz dos movimentos sociais.

“É inaceitável que, em um país que se denomina democrático, se criminalize as justas demandas do povo Mapuche”, diz a carta.

As entidades finalizam o texto espe-rando “não ter que lamentar nenhuma perda de vidas humanas”. n

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16Setembro–2010

APOIADORES

a segunda década do século 18, a ocu-pação do médio rio Mearim, no Mara-nhão, por portugueses que buscavam terras férteis para instalar fazendas e criar gado, representou uma tragédia para o povo Barbado, que se tornara

famoso por sua valentia e resistência.O nome destes indígenas, cuja autodeno-

minação é desconhecida, vinha do fato de não arrancarem os pelos do rosto, deixando cres-

cer uma rala barba. Furavam o lábio inferior, colocando um grosso tembetá de cristal, que os deixava mais ameaçadores. Por viverem em mata fechada e por terem este enfeite labial, é possível que fossem de língua e cultura tupi. Rivalizavam em bravura com seus parentes Tupinambá do litoral maranhense e com os Munduruku, do Pará. Não por acaso passaram a ser conhecidos como “o terror do Maranhão”.

Para fazer frente a esse povo belicoso, que incendiava fazendas, matava o gado e destruía as plantações, em 1724, o governador Maya da Gama organizou um batalhão com cerca de 400 homens, que foi enviado para a região. Não só não conseguiram expulsar os Barbados, como quase a totalidade do exército foi por eles dizimada.

Sem se dar por vencido, o governador ape-lou aos jesuítas da missão da Serra de Ibiapaba pedindo-lhes guerreiros, pois para combater

indígenas ninguém melhor do que outro indí-gena. Felizmente os padres não concordaram com esse uso arbitrário de seus missionados e recusaram enviar o reforço pedido.

Em 1726, o jesuíta Gabriel Malagrida, que atuava junto aos Caicazes, decidiu, de forma independente, ir até os Barbados numa missão de paz. Imaginava que suas palavras cristãs pudessem fazer o que as armas não haviam conseguido.

Acompanhado por um português e por cinco indígenas, dos quais um Barbado que serviria de intérprete, embrenhou-se pelas matas do Mearim em busca deste povo.

Imaginando ter a mesma boa acolhida que lhe dispensaram os Tobajara da Serra de Ibiapa-ba e os Caicazes, com os quais estava vivendo, o italiano embrenhou-se pela selva maranhen-se, levando além da cruz e do rosário, muitos anzóis, facas e cunhas, instrumentos para sua proposta pacifista.

Mesmo não acreditando mais em palavras de paz, tantas vezes rompidas pelos portugue-ses, estes indígenas acolheram o embaixador religioso. Infelizmente o padre não sabia que, além da mensagem cristã, estava levando uma doença que ceifaria a vida de muitos indígenas, sobretudo, crianças.

Para oferecer a salvação cristã aos peque-nos, vítimas da epidemia que se alastrou pelas aldeias, o padre decidiu batizá-las. Como muitas de fato morreram em seguida, os pajés aprovei-taram para acusar de feitiçaria seu “concorrente” religioso, alegando que os pequenos morriam pela “água misteriosa que se lhes vertia na face”.

Algumas dessas crianças batizadas reagi-ram e conseguiram sobreviver, e duas delas tornaram-se amigas do padre.

Por causa da epidemia, que se alastrava pela região, os indígenas decidiram matar o jesuíta e seu amigo português, supostamente

os causadores da doença. Avisado a tempo pelos garotos, o padre e seu amigo pude-ram escapar, sendo guiados pelos dois adolescentes que haviam optado deixar as matas e viver com os portugueses. Depois de muitos dias de viagem e de muitas peripécias, o grupo alcançou o rio Mearim, e numa frágil balsa escapou daqueles indígenas, chegando salvos numa fazenda portuguesa.

Alguns anos depois, com novas ne-gociações de paz, este povo foi levado à capitulação, assinando um tratado que permitia abrir seu território para novos moradores. O preço deste acordo foi alto: em poucos anos este povo desapareceu pelo trabalho escravo e pelas doenças. Foi mais uma nação traída por uma paz que significou destruição. n

Benedito PreziaHistoriador

Barbados, o terror do Maranhão

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