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PENSAR OS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS: CONTRIBUIÇÃO DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL Sirléia de Vargas Soeiro Guimarães – UNESA
Introdução
No Brasil as grandes catástrofes naturais como inundações e deslizamentos
provocados pelas chuvas de verão castigam muitas cidades brasileiras e causam prejuízos que
se repetem ano a ano. Em 2011, estas catástrofes levaram o Brasil, ao terceiro lugar no
ranking mundial de catástrofes letais, após a morte de mais de 900 pessoas, só no início do
mesmo ano, na Região Serrana do Rio de Janeiro. Segundo Tania Maria Sausen, geógrafa e
coordenadora do programa Geodesastre Sul do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe), em entrevista à Revista Planeta de março de 2012, declara que “não há cultura de
prevenção no Brasil, mas só de previsão”, isto porque o Brasil dispõe de capacidade
tecnológica e de profissionais capacitados na previsão do tempo, no entanto, as ações
preventivas não são devidamente efetivadas.
A partir da análise de civilizações antigas, Dorst (1981), nos revela como fenômenos
naturais potencializados pela interferência do homem levou a ruína de grandes impérios,
como, por exemplo, o Império Maia. Cujo cultivo em terras íngremes provocou várias
situações em cadeias: o desmatamento, a erosão, assoreando dos rios, diminuição de
nutrientes das lavouras, consequentemente inundações das cidades mais baixas e
inviabilização do transporte fluvial, o principal do império. Tal situação gerou desequilíbrio
ecológico e social fragilizando todo o império. Assim, o autor nos mostra a força que
fenômenos naturais potencializados podem provocar. O que nos parece não ser tão diferente
do que ocorreu na Região Serrana do Rio de Janeiro.
Atualmente neste mesmo Estado da federação está em curso uma grande obra
rodoviária: o Arco Metropolitano do Rio de Janeiro (Arco), que atravessa a Baixada
Fluminense, para melhorar a circulação de mercadorias e pessoas. Aqui apresentamos a
análise de entrevistas realizadas com moradores, professores e líderes comunitários ou
ambientais da área de impacto do Arco, expondo suas representações sociais acerca desse
objeto, bem como algumas considerações a respeito da Educação Ambiental suscitadas pelos
resultados.
O Arco Metropolitano do Rio de Janeiro (Arco)
O Arco é uma obra governamental idealizada na década de 70, iniciada em 2009
com previsão de término para o final de 2013. Está sendo realizado com recursos do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na região da Baixada Fluminense, no Estado
do Rio de Janeiro. A rodovia com cerca de 145 km de extensão passa por oito municípios. No
entanto, 72 km estão sendo efetivamente construídos em cinco municípios (Duque de Caxias,
Nova Iguaçu, Japeri, Seropédica e Itaguaí), pois os demais 73 km são ampliações de rodovias
existentes. Projetada para contornar a área urbana da Região Metropolitana do Rio de Janeiro,
interliga rodovias federais (BR-040, BR-116, BR-465 e BR-101) atualmente sobrecarregadas
com o tráfego urbano, na busca de viabilizar a ligação do Pólo Petroquímico de Itaboraí ao
Porto de Itaguaí, desafogando o trânsito na Região Metropolitana e consequentemente
colaborando para o desenvolvimento econômico (EIA, 2007).
A obra do Arco está presente tanto na vida dos moradores como na vida dos líderes e
professores que atuam nas áreas de influencia diretas (AID1), é, portanto, um objeto social
para os indivíduos e grupos sociais diretamente atingidos. Segundo Deschamps e Moliner
(2009: 125) os objetos sociais “estruturam a interação social e a mediatizam”. Assim, o Arco
é um objeto social que envolve disputas entre políticas (de governo e ambientalistas, por
exemplo), e de territórios sociais, produzindo representações sociais de “impacto ambiental”,
que nos permite compará-las e, eventualmente, obter elementos para orientar as atividades em
Educação Ambiental. A pesquisa aqui relatada buscou apreender as representações sociais do
Arco constituídas pela população de seu entorno.
A teoria das representações sociais
A representação social é um fenômeno que se caracteriza por ser um conjunto de
argumentos estruturados em torno de um núcleo ou modelo organizador, que tem por base os
valores dos grupos sociais. Algo que o grupo social considera relevante para si e que tende a
desorganizar suas crenças, atitudes e valores, requer sua assimilação para evitar a destruição
dos laços interpessoais que mantém o grupo. O resultado desse processo de assimilação da
“novidade” pode ser uma representação social daquele objeto desorganizador das crenças,
valores e atitudes. As representações sociais são instituídas por meio de conversações entre os
membros de um grupo, sempre procurando manter a sua unidade, e elas constituem a base das
comunicações em geral, aproximando ou afastando as pessoas, criando ou não afinidades
(DUVEEN, 2000; MOSCOVICI E MARKOVÁ, 2000).
1Área ao longo de 1 km para cada lado marginal do traçado da rodovia que está sendo construída.
Para Moscovici (1978), a representação social possui em sua estrutura duas faces
indissociáveis: a figurativa e a simbólica. Em que, cada figura corresponde um significado e
cada significado uma figura. Os processos de representação têm por função destacar uma
figura e atribuir-lhe um sentido, integrando ao nosso mundo. Moscovici introduz assim, os
dois processos que dão origem as representações sociais: a objetivação e a ancoragem. De
acordo com Andrade e Sousa (2008, p. 41), a objetivação busca “tornar algo abstrato em algo
mais concreto”. Para isso busca relacionar o que está no plano mental ao que está no plano
físico. Já a ancoragem trata de estabelecer relação entre as ideias estranhas, categorias e ideias
habituais a um contexto familiar.
Segundo Alves-Mazzotti (1994, p. 4), a análise destes processos “permite
compreender como o funcionamento do sistema cognitivo interfere no social e como o social
interfere na elaboração cognitiva”. Ambas relacionam e articulam as três funções básicas da
representação: a função cognitiva de integração da novidade, a função de interpretação da
realidade e a função de orientação das condutas nas relações sociais (ver, dentre outros,
JOVCHELOVICH, 1996; MOSCOVICI, 1988; OLIVEIRA e AMARAL, 2007; ARRUDA,
2009).
Como as representações sociais sustentam-se no que os grupos consideram desejável
ou preferível, fazer e/ou ter, então tudo o que interfira na manutenção de seus preferíveis os
afetam e podem produzir uma reorganização de suas crenças para adaptar a “novidade” em
seus quadros cognitivos e afetivos. As representações sociais não são socialmente neutras, não
se sustentam em inferências perfeitamente constituídas, como as da ciência Lógica, as quais
são modificadas pelos atores sociais a serviço do que consideram desejáveis, os seus valores.
O que nos leva, agora, a algumas observações acerca da Educação Ambiental e do
ambientalismo.
Educação Ambiental e ambientalismo
Carvalho e Farias (2011), realizaram um balanço da produção científica em Educação
Ambiental apresentados nos principais eventos científicos de 2001 a 2009, concluem que a
Educação Ambiental apesar de reconhecida como área da educação e de um aumento
considerável na produção científica, encontra-se em processo de legitimação científica e
pedagógica no campo educacional.
Garcia-Mira (2000) sustenta que a Educação Ambiental propõe-se sensibilizar as pessoas
acerca de “problemas ambientais”, assim como desenvolver conhecimentos e competências
para ações que visam a sustentabilidade, o que supõe mudanças nas atitudes e condutas das
pessoas. Neste contexto, CERI (1995) afirma que os valores não podem ser transmitidos, mas
construídos, por isso afirmar a sensibilidade e a consciência ambiental a serem conquistadas
apenas pelo conhecimento, é ingênuo, simplista e arricado.
Considerando a Educação Ambiental como propagadora do ambientalismo, podemos
traçar um paralelo entre os trabalhos desenvolvidos a partir da implantação da obra do Arco e
o quadro tipológico do ambientalismo proposto por Viola (1992). Para esse autor o
ambientalismo caracteriza-se por três enfoques: o Grupo de Interesse, o Novo Movimento
Social e o Movimento Histórico. A primeira abordagem entende o ambientalismo como um
movimento social em que num contexto pragmático promove a preservação e conservação
ambiental em relação aos abusos dos seres humanos, não possui caráter crítico, apenas se
dirige as pessoas e instituições consideradas poluidoras e destruidoras na sociedade. No Novo
Movimento Social, o ambientalismo, ganha um enfoque de movimento social de certo teor
crítico, que identifica o capitalismo como fator determinante para os problemas ambientais, e
evidentemente causa perturbação ao atual sistema político. Enquanto no Movimento
Histórico, o ambientalismo é entendido como o que apresenta o teor crítico que ultrapassa os
questionamentos econômicos, em que a civilização movida de valores culturais antiecológicos
se mantém direcionada a insustentabilidade.
Neste sentido, para ter mudança no cenário atual, faz necessário rever as ideologias
hegemônicas apresentadas, na qual se torna uma forte ameaça ao sistema político vigente. É
neste âmbito que a pesquisa de representações sociais fornece elementos para informar e
condicionar as práticas educativas em geral e ambientais, em particular.
Procedimentos de coleta e análise
A partir da abordagem teórica das representações sociais e do ambientalismo, na busca
de identificar e compreender a representação social dos impactos socioambientais do Arco,
em 2010, foi feita a coleta de alguns documentos (Relatório de Impacto Ambiental, Plano
Básico Ambiental, Estudo de Impacto Ambiental e o vídeo de apresentação) oficiais sobre o
Arco na Secretaria Estadual de Obras, que serviram de subsídios para a pesquisa, além de
constituírem importantes fontes de formação das representações sociais.
No final de 2011, ainda em meio a processos de desapropriação de imóveis,
construção da rodovia e período dos últimos encontros do programa de EA do Arco, foi
realizado a gravação em áudio e vídeo de alguns encontros do programa, assim como, das
entrevistas semi-estruturada com 60 pessoas, entre elas moradores desapropriados ou não,
professores e lideranças que moram ou atuam nas áreas de influência direta da obra. Os
encontros do programa de EA do Arco ocorreram em escolas, igrejas ou em espaços das
Secretarias de Educação dentro de cada município e direcionado ao professor, exceto em
Japeri e Nova Iguaçu que contou com a participação de alguns líderes comunitários ou
ambientais.
Segundo Mazzotti (1998), as metáforas caracterizam-se por serem modelos organizadores
do discurso, dos processos cognitivos e afetivos que assimilam o novo. A identificação de
metáforas que condensam e coordenam representações sociais permitie apreender os
conteúdos silenciados nas representações sociais, ao evidenciar os antagonismos entre o que
se diz e o que se pensa. Assim, os sujeitos da pesquisa foram encorajados a responder a
pergunta indutora de metáfora: “Se o Arco Metropolitano fosse um animal, que animal seria?”
E por quê? As informações colhidas foram analisadas segundo a técnica de análise retórica.
Na qual, as metáforas são tomadas como suporte metodológico da pesquisa.
Foi adotada para análise do discurso a proposta de PERELMAN (2002), que busca a
função interpretativa por meio das técnicas usuais nas atividades retóricas. As representações
sociais foram comparadas para verificar os valores que as sustentavam, e como estas orientam
as práticas de Educação Ambiental. Em que as categorias, indutor de desenvolvimento e
agressor de relações tornaram-se eixo analítico.
A desterritorialização
Dentre as estratégias de implantação da rodovia está o processo de desterritorialização
forçada da população tradicional que está na faixa do traçado do Arco, gerando transtornos e
conflitos. Podemos definir a desterritorialização como um processo de quebra dos vínculos e
uma perda de território. Dentre os conflitos estão os oriundos da disputa pelo território, que
podemos analisar no caso do Arco sob três viesses:
a) a invasão das áreas privadas sob o argumento de prevalência do público sobre o
privado, em virtude de “um bem maior”. Como se o Arco fosse o “remédio” para a cura de
uma “doença”. Neste caso, o Arco é visto como indutor do desenvolvimento necessário. O
trabalho de SOUSA (2011) traz a discussão sobre o processo de desterritorialização na ação
do governo de proteção ambiental integral com a criação do Parque Nacional da Serra da
Capivara, no Piauí. Souza conclui que a autonomia do público e privado se fundem, assim o
que é público é também privado, o privado é interesse de todos. Logo, violar um para manter
o outro é violar também o que se pretende proteger.
b) rompimento dos relacionamentos interpessoais com a fragmentação de bairros e
localidades, gerando problemas na saúde dos moradores mais antigos e até morte. A morte de
moradores antigos da AID associado ao inicio das obras foi apresentado por entrevistados em
todos os cinco municípios, apesar de não terem sido indagados sobre o assunto, o que torna
fato para uma pesquisa quantitativa futura.
c) A cisão do patrimônio material e imaterial, ao deslocar famílias tradicionais antigas
de suas casas e da localidade, assim como, do material dos mais de cinquenta sítios
arqueológicos. Desconsiderando as demandas culturais locais de sua população.
No processo de desterritorialização sempre está implícito o de reterritorialização, visto
que o homem, como ser social, necessita adaptar-se às circunstâncias e buscar um novo
território. Porém, como o Arco está em construção, no fixamos no processo de
desterritorialização, sendo necessária análise posterior do complexo processo de
reterritorialização dessas populações. O relevante, aqui, é que a desterritorialização foi e é
desenvolvida sobre as ccomunidades das periferias urbanas e rurais, com indivíduos em
situação de vulnerabilidade e com pouca ou nenhuma capacidade de resistência frente ao
poder do Estado. Portanto, essa situação mobiliza os afetos territoriais, das relações inter-
pessoais, os sentimentos de impotência, dentre outros, os quais puderam ser acedidos pela
pesquisa aqui relatada. Assim é preciso expor o papel da afetividade no processo de
constituição de representações sociais, o que faremos a seguir.
A afetividade no processo de representação social
Campos (2005, p. 96) considera que “o estudo da cidadania-prática, em seu nível de
explicação psicossociológico, deve estar centrado no estudo do cidadão-pensador e não no
nível do cidadão-pensado (pelas instituições ou pelos cientistas).” Pensar o “cidadão-
pensador” como um sujeito do conhecimento, sujeito coletivo e social, protagonista de
representação social, implica compreender a dinâmica psicossociológica envolvida no trato da
intervenção de uma grande construção rodoviária no território desses cidadãos. Jovchelovitch
(2004, p. 23) considera que a “representação é uma construção ontológica, epistemológica,
psicológica, social, cultural e histórica”, em que todas essas dimensões são simultâneas.
Campos e Rouquette (2003) mostraram que a dimensão afetiva é mais do que um pano de
fundo ou menção passageira, uma vez que opera na estruturação do núcleo central das
representações, em que o afeto e a cognição caminham juntas na relação sujeito-objeto. O que
observamos na fala de uma moradora de Nova Iguaçu da área rural que não foi desapropriada
e que ficou isolada:
Meus parentes foram desapropriados [refere-se a sua família que morava no mesmo terreno que ela]. Minha avó de oitenta anos morreu por causa de desgosto, minha avó de setenta anos também morreu, tudo por causa dessa estrada [chora e fica em silêncio]. Ah! se essa estrada não passasse [...] fiquei eu e meus três filhos [...] moro a 28 anos, sou nascida e criada ali. (J, 27 anos, Moradora de Nova Iguaçu)
Trata-se do território das pessoas. O homem necessita de seu território de forma material
ou simbólica, no qual cria seus vínculos, seja na própria casa, com o quintal, no local onde faz
compras, no caminho habitual. Haesbaert (2002) sustenta que o território, tal como Hall
(1977), é um espaço dotado de identidade constituída pelas pessoas, um fato ou dimensão
cultural. Pensar o território é pensá-lo política e culturalmente, uma vez que é uma produção
simbólica indissociável das relações de poder. Essa dimensão cultural deveria ser considerada
no planejamento de intervenções territoriais, o que Hall (1977, p. 17) salienta ao dizer ser:
[...] preciso que arquitetos, planejadores urbanos e construtores convençam-se de que, para evitar a catástrofe, devem começar a ver o homem como um interlocutor de seu ambiente, um ambiente que estes mesmos planejadores, arquitetos e construtores estão agora criando, com pouca referência as necessidades proxêmicas2 do homem.
Esta dimensão oculta pode ser explicitada por meio de pesquisas acerca de representações
sociais? Parece-nos que sim, e no caso do Arco, que se trata de uma “situação-limite”
(EWALD, 2005, p. 224), há um “desconforto” da população das áreas do entorno da obra.
A representação social dos impactos do Arco
O programa de Educação Ambiental do Arco, desenvolvido em 2010 e 2011, toma o
enfoque de grupo de interesse (ver, a respeito disso VIOLA, 1992). Previsto no Plano Básico
Ambiental para ser desenvolvido apenas com os professores do entorno da obra, tendo por
foco a biodiversidade, num contexto de preservação e conservação da natureza, além de
2 Termo criado pelo autor para se referir a observações e teorias inter-relacionadas, relativas ao uso que o homem faz do espaço como elaboração especializada da cultura.
valorização dos vestígios arqueológicos, distancia-se das demandas da população,
transferindo estas para um serviço de ouvidoria. Neste programa os professores foram
recrutados como agentes multiplicadores de uma Educação ambiental pragmática voltada para
uma atividade-fim, visando identificar e minimizar os problemas ambientais gerados com a
construção da rodovia. Afastada da concepção pedagógica de compreensão e transformação
da realidade local em que estes estão inseridos. Mergulhada em um discurso político
hegemônico da ideologia econômica que justifica a necessidade imperativa do Arco.
Ao levantar as autorias do EIA do Arco, constata-se que é um grupo taxonômico
urbano, em que 78% deles residem na região metropolitana da Cidade do Rio de Janeiro. Seus
discursos sustentam a necessidade do Arco, apresentando uma representação de região
geopolítica produzida a partir de uma perspectiva urbana, evidenciada pela metáfora “vazio
demográfico” utilizada para caracterizar a zona rural da Região. Observa-se a presença desta
metáfora nos mapas que difundem o traçado no estudo. Assim como, em trechos do capítulo
segundo no mesmo estudo (EIA, 2007: 8), em que se lê:
[...] a RJ-109 procura se compatibilizar com os zoneamentos municipais, desenvolvendo-se sem conflitar com as áreas densamente habitadas, apresentando, ainda, a vantagem de se localizar em áreas de ocupação rarefeita, portanto com menos impactos e com custos de desapropriações menos onerosas.
Aqui a perspectiva urbana da autoria desconsidera o não urbano como justificativa para o
projeto do Arco, pois a maior parte da área apresenta baixa densidade demográfica, ou
“ocupação rarefeita”, portanto produzindo “menos impactos”, donde “custos de
desapropriações menos onerosas”.
Os moradores e líderes que se localizam no âmbito do Arco não percebem melhorias,
mas transtornos e destruição, evidenciando as cargas afetivas de uma representação de
injustiça social. Na qual as autoridades que lidam com o ambiente não veem as pessoas das
áreas de impacto direto, e valorizam a fauna, a flora e os vestígios arqueológicos. Como
mostram as seguintes falas:
As pererecas têm mais valor que os moradores [fala sorrindo, para fica pensativa e reforça] é, muito mais valor. [leva uma das mãos no rosto e fica pensativa]. (F., 64 anos, moradora desapropriada de Nova Iguaçu)
O que eu fiquei chateada, é que, as árvores são importantes, mas tinha um senhor que recebeu vinte e cinco mil por um bambuzal [...] eu que tinha uma moradia com duas crianças recebi cinco mil e novecentos reais. (S., 28 anos, moradora desapropriada de Nova Iguaçu)
A falta de visibilidade do homem desconsidera-o como integrante do ambiente, ele
não existe. O que é evidente nos argumentos das pessoas atingidas pela obra, que sustentam a
“falta de valor” dos moradores que não são ouvidos. Por isso, reiteradamente assinalam que o
Arco é uma violência, uma injustiça, que os técnicos não reconhecem as propostas
alternativas. Como podemos notar nas metáforas apresentadas:
Da onde ele veio ele se impõe independente da consulta ou da vontade da população [...] foi desapropriando valores, [...] ninguém aceita, mas [...] vem feroz como um leão [...] as pessoas sentem que o poder dele é como se fosse de um rei [...] não dá importância para nada na sociedade. (L, 49 anos, líder comunitário de Itaguaí)
Eu acho uma covardia, somos formigas brigando contra um elefante. (F, 41 anos, líder comunitário de Nova Iguaçu)
Para os moradores e por boa parte dos líderes comunitários as metáforas apresentadas
demonstram sentimentos ainda mais fortes, de impotência, frente à violência do objeto. Em
que a fauna e a flora são percebidas e evidenciadas pelos técnicos e ambientalistas,
diferentemente da população em seu traçado.
O grupo institucional de professores da área limítrofe ao Arco consideram que ele
pode ser como um “boi”, com sua força para derrubar o que está pelo caminho e proporcionar
o desejável: agilidade do transporte. Esse grupo passa boa parte de seu tempo no trânsito entre
uma escola e outra, bem como para suas residências. Esses professores, ao assistirem o vídeo
oficial de apresentação do Arco, aderem ao seu discurso, afirmando a agilidade no transporte,
no entanto não acreditam em outras melhorias para a população. Ao que parece, a
representação social desse grupo, que constitui parte da “população esquecida”, que está
“pagando o preço” por uma melhoria incerta. Essa incerteza parece ser a respeito de outras
melhorias, além da agilidade presumida no fluxo de veículos. Como afirma Arruda (2009:
86), “confiar, acreditar, é preciso, para agir e interagir”, o que não parece ocorrer com os
professores entrevistados. De fato, nas entrevistas há duas linhas de considerações acerca do
Arco: (a) a que tem esperança nas melhorias; (b) a descrente. O que pode ser verificado por
estas duas transcrições:
A nossa esperança, que ele [o Arco], seja como um boi. O boi é um animal que a única coisa que não aproveitamos dele é o mugido, o resto, tudo você vai aproveitar. (E., 46 anos, professor em Itaguaí)
Sou descrente nessa melhoria, porque o pessoal da Baixada é totalmente esquecido ... vem pessoal do nordeste para trabalhar aqui, mas o pessoal de Caxias mesmo, não tem oportunidade, tem que acordar 5 horas da manhã para ir trabalhar no Rio [centro], sendo que tem uma empresa ao lado de sua casa. O negócio é “pagar” pra vê. (I., 30 anos, professor em Duque de Caxias)
Como grupo institucional, os professores não parecem apresentar uma representação
social do Arco, mas opiniões, ainda que essas tenham eficácia para organizar seus discursos,
esses não são definitivos e estruturados.
Assim a pesquisa permitiu identificar três conjuntos de metáforas que coordenam e
condensam significados acerca dos impactos do Arco, produzidas pelos técnicos que
elaboraram o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), pelos professores da área de influência
direta da obra, e por moradores, lideranças comunitárias e ambientais da mesma área. Onde
podemos sustentar que, as metáforas utilizadas nos documentos e pelos entrevistados mostram
que o Arco é um objeto social representado tanto como indutor de desenvolvimento
sustentável, pelos técnicos; ambíguo, pelos professores; e destruidor de relações sociais
humanas, por moradores e lideranças, os quais são impotentes perante a força dos agentes que
o constrói.
Concluindo
Ao considerar que os habitantes de uma área não existem, o “vazio demográfico”,
explicita os sentimentos dos técnicos para com aquelas populações. Os técnicos não
simpatizam com aquelas populações. Simpatia significa, em grego, o mesmo pathos, o mesmo
sentimento, o reconhecimento do outro como membro do grupo. Os técnicos, bem como os
“professores” que trabalharam no Arco parecem não simpatizarem com as populações das
áreas urbanas ou rurais, a ponto de as desconsiderarem em seu plano de ações. Estes últimos
simpatizam-se com a “biodiversidade”, bem como pelos “achados arqueológicos”, mas não
como moradores desterritorializados.
Ao analisar a situação de impotência dos moradores e dos líderes comunitários e
ambientais, a incapacidade para mudar uma decisão política de governo, como é o caso do
Arco, é de grande relevância. A impotência nos revela duas constatações: a) os indivíduos são
incapazes de mobilizar um grande grupo de pressão para mudar o que lhes parece ruim e
danoso; b) os grupos de moradores (impotentes) não mantêm relações estreitas com os
demais, parece que estavam isolados antes do Arco e que permanecem assim. Chegamos à
conclusão que a explicação de a se dá pelo b. Por serem e se manterem isolados são incapazes
de mobilizar outras pessoas a favor de suas reivindicações.
No entanto, em relação aos líderes comunitários e ambientalistas locais, apesar de
possuírem características distintas de acordo com o contexto social de suas regiões, de um
modo geral, só tratam das questões sociais quando provocados, não começam por elas, mas
pelas questões de preservação da natureza ou algo semelhante. Ao se depararem com as
situações dos moradores não tem um discurso elaborado, apenas refletem o que consideram
ser justo se apegando muita das vezes à expressão desenvolvimento sustentável como um
slogan impactante, sem que isso se traduza em políticas explicitas e claras para as diversas
populações. Por isso, não conseguem cooptá-las para um desenvolvimento real para estas
populações.
Os professores, moradores e líderes mantém em comum que: o Arco Metropolitano e
seus impactos são uma AGRESSÃO, um “MAL”. Necessário para uns e desnecessário para
outros. Que é determinado pelo contexto social, político, econômico e cultural em que os
sujeitos se encontram.
No campo de representação o Arco simboliza o desejável desenvolvimento. Na qual
podemos sustentar que as metáforas utilizadas podem ser resumidas em um “MAL”
(des)necessário, que parece ser o significado mais relevante para os impactos do Arco.
Assim consideramos que a elaboração de qualquer proposta educacional ambiental ou não,
deve partir do que é comum ao grupo, do que está próximo. O envolvimento dos alunos,
professores junto a comunidade é fundamental para o processo de qualquer trabalho
educativo. Sem compreender o que une o grupo fica difícil envolver alguém. Onde o ser
humano seja visto como parte do ambiente, como ser político e social. Em que não há como
se manter neutro diante do mundo, pois acreditamos que a omissão estará sempre a serviço de
um posicionamento, seja ele qual for.
Neste sentido, para iniciar um trabalho de educação ambiental se faz necessário
conhecer não somente as representações sociais do ambiente, e dos “problemas ambientais” 3,
mas adotar uma metodologia voltada à resolução de problemas concretos, contribuindo na
3Termo utilizado por Mazzotti (1993) aqui referente aos impactos socioambientais.
construção de conhecimentos e na mudança de comportamentos. Na qual o foco não é a
resolução de problemas, mas entender os problemas e as complexidades das causas. Buscando
se distanciar da EA como uma ideologia globalizadora impregnada de slogans.
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