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PENSAR OS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS: CONTRIBUIÇÃO DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL Sirléia de Vargas Soeiro Guimarães – UNESA Introdução No Brasil as grandes catástrofes naturais como inundações e deslizamentos provocados pelas chuvas de verão castigam muitas cidades brasileiras e causam prejuízos que se repetem ano a ano. Em 2011, estas catástrofes levaram o Brasil, ao terceiro lugar no ranking mundial de catástrofes letais, após a morte de mais de 900 pessoas, só no início do mesmo ano, na Região Serrana do Rio de Janeiro. Segundo Tania Maria Sausen, geógrafa e coordenadora do programa Geodesastre Sul do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em entrevista à Revista Planeta de março de 2012, declara que “não há cultura de prevenção no Brasil, mas só de previsão”, isto porque o Brasil dispõe de capacidade tecnológica e de profissionais capacitados na previsão do tempo, no entanto, as ações preventivas não são devidamente efetivadas. A partir da análise de civilizações antigas, Dorst (1981), nos revela como fenômenos naturais potencializados pela interferência do homem levou a ruína de grandes impérios, como, por exemplo, o Império Maia. Cujo cultivo em terras íngremes provocou várias situações em cadeias: o desmatamento, a erosão, assoreando dos rios, diminuição de nutrientes das lavouras, consequentemente inundações das cidades mais baixas e inviabilização do transporte fluvial, o principal do império. Tal situação gerou desequilíbrio ecológico e social fragilizando todo o império. Assim, o autor nos mostra a força que fenômenos naturais potencializados podem provocar. O que nos parece não ser tão diferente do que ocorreu na Região Serrana do Rio de Janeiro. Atualmente neste mesmo Estado da federação está em curso uma grande obra rodoviária: o Arco Metropolitano do Rio de Janeiro (Arco), que atravessa a Baixada Fluminense, para melhorar a circulação de mercadorias e pessoas. Aqui apresentamos a análise de entrevistas realizadas com moradores, professores e líderes comunitários ou ambientais da área de impacto do Arco, expondo suas representações sociais acerca desse objeto, bem como algumas considerações a respeito da Educação Ambiental suscitadas pelos resultados. O Arco Metropolitano do Rio de Janeiro (Arco)

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PENSAR OS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS: CONTRIBUIÇÃO DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL Sirléia de Vargas Soeiro Guimarães – UNESA

Introdução

No Brasil as grandes catástrofes naturais como inundações e deslizamentos

provocados pelas chuvas de verão castigam muitas cidades brasileiras e causam prejuízos que

se repetem ano a ano. Em 2011, estas catástrofes levaram o Brasil, ao terceiro lugar no

ranking mundial de catástrofes letais, após a morte de mais de 900 pessoas, só no início do

mesmo ano, na Região Serrana do Rio de Janeiro. Segundo Tania Maria Sausen, geógrafa e

coordenadora do programa Geodesastre Sul do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

(Inpe), em entrevista à Revista Planeta de março de 2012, declara que “não há cultura de

prevenção no Brasil, mas só de previsão”, isto porque o Brasil dispõe de capacidade

tecnológica e de profissionais capacitados na previsão do tempo, no entanto, as ações

preventivas não são devidamente efetivadas.

A partir da análise de civilizações antigas, Dorst (1981), nos revela como fenômenos

naturais potencializados pela interferência do homem levou a ruína de grandes impérios,

como, por exemplo, o Império Maia. Cujo cultivo em terras íngremes provocou várias

situações em cadeias: o desmatamento, a erosão, assoreando dos rios, diminuição de

nutrientes das lavouras, consequentemente inundações das cidades mais baixas e

inviabilização do transporte fluvial, o principal do império. Tal situação gerou desequilíbrio

ecológico e social fragilizando todo o império. Assim, o autor nos mostra a força que

fenômenos naturais potencializados podem provocar. O que nos parece não ser tão diferente

do que ocorreu na Região Serrana do Rio de Janeiro.

Atualmente neste mesmo Estado da federação está em curso uma grande obra

rodoviária: o Arco Metropolitano do Rio de Janeiro (Arco), que atravessa a Baixada

Fluminense, para melhorar a circulação de mercadorias e pessoas. Aqui apresentamos a

análise de entrevistas realizadas com moradores, professores e líderes comunitários ou

ambientais da área de impacto do Arco, expondo suas representações sociais acerca desse

objeto, bem como algumas considerações a respeito da Educação Ambiental suscitadas pelos

resultados.

O Arco Metropolitano do Rio de Janeiro (Arco)

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O Arco é uma obra governamental idealizada na década de 70, iniciada em 2009

com previsão de término para o final de 2013. Está sendo realizado com recursos do

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na região da Baixada Fluminense, no Estado

do Rio de Janeiro. A rodovia com cerca de 145 km de extensão passa por oito municípios. No

entanto, 72 km estão sendo efetivamente construídos em cinco municípios (Duque de Caxias,

Nova Iguaçu, Japeri, Seropédica e Itaguaí), pois os demais 73 km são ampliações de rodovias

existentes. Projetada para contornar a área urbana da Região Metropolitana do Rio de Janeiro,

interliga rodovias federais (BR-040, BR-116, BR-465 e BR-101) atualmente sobrecarregadas

com o tráfego urbano, na busca de viabilizar a ligação do Pólo Petroquímico de Itaboraí ao

Porto de Itaguaí, desafogando o trânsito na Região Metropolitana e consequentemente

colaborando para o desenvolvimento econômico (EIA, 2007).

A obra do Arco está presente tanto na vida dos moradores como na vida dos líderes e

professores que atuam nas áreas de influencia diretas (AID1), é, portanto, um objeto social

para os indivíduos e grupos sociais diretamente atingidos. Segundo Deschamps e Moliner

(2009: 125) os objetos sociais “estruturam a interação social e a mediatizam”. Assim, o Arco

é um objeto social que envolve disputas entre políticas (de governo e ambientalistas, por

exemplo), e de territórios sociais, produzindo representações sociais de “impacto ambiental”,

que nos permite compará-las e, eventualmente, obter elementos para orientar as atividades em

Educação Ambiental. A pesquisa aqui relatada buscou apreender as representações sociais do

Arco constituídas pela população de seu entorno.

A teoria das representações sociais

A representação social é um fenômeno que se caracteriza por ser um conjunto de

argumentos estruturados em torno de um núcleo ou modelo organizador, que tem por base os

valores dos grupos sociais. Algo que o grupo social considera relevante para si e que tende a

desorganizar suas crenças, atitudes e valores, requer sua assimilação para evitar a destruição

dos laços interpessoais que mantém o grupo. O resultado desse processo de assimilação da

“novidade” pode ser uma representação social daquele objeto desorganizador das crenças,

valores e atitudes. As representações sociais são instituídas por meio de conversações entre os

membros de um grupo, sempre procurando manter a sua unidade, e elas constituem a base das

comunicações em geral, aproximando ou afastando as pessoas, criando ou não afinidades

(DUVEEN, 2000; MOSCOVICI E MARKOVÁ, 2000).

1Área ao longo de 1 km para cada lado marginal do traçado da rodovia que está sendo construída.

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Para Moscovici (1978), a representação social possui em sua estrutura duas faces

indissociáveis: a figurativa e a simbólica. Em que, cada figura corresponde um significado e

cada significado uma figura. Os processos de representação têm por função destacar uma

figura e atribuir-lhe um sentido, integrando ao nosso mundo. Moscovici introduz assim, os

dois processos que dão origem as representações sociais: a objetivação e a ancoragem. De

acordo com Andrade e Sousa (2008, p. 41), a objetivação busca “tornar algo abstrato em algo

mais concreto”. Para isso busca relacionar o que está no plano mental ao que está no plano

físico. Já a ancoragem trata de estabelecer relação entre as ideias estranhas, categorias e ideias

habituais a um contexto familiar.

Segundo Alves-Mazzotti (1994, p. 4), a análise destes processos “permite

compreender como o funcionamento do sistema cognitivo interfere no social e como o social

interfere na elaboração cognitiva”. Ambas relacionam e articulam as três funções básicas da

representação: a função cognitiva de integração da novidade, a função de interpretação da

realidade e a função de orientação das condutas nas relações sociais (ver, dentre outros,

JOVCHELOVICH, 1996; MOSCOVICI, 1988; OLIVEIRA e AMARAL, 2007; ARRUDA,

2009).

Como as representações sociais sustentam-se no que os grupos consideram desejável

ou preferível, fazer e/ou ter, então tudo o que interfira na manutenção de seus preferíveis os

afetam e podem produzir uma reorganização de suas crenças para adaptar a “novidade” em

seus quadros cognitivos e afetivos. As representações sociais não são socialmente neutras, não

se sustentam em inferências perfeitamente constituídas, como as da ciência Lógica, as quais

são modificadas pelos atores sociais a serviço do que consideram desejáveis, os seus valores.

O que nos leva, agora, a algumas observações acerca da Educação Ambiental e do

ambientalismo.

Educação Ambiental e ambientalismo

Carvalho e Farias (2011), realizaram um balanço da produção científica em Educação

Ambiental apresentados nos principais eventos científicos de 2001 a 2009, concluem que a

Educação Ambiental apesar de reconhecida como área da educação e de um aumento

considerável na produção científica, encontra-se em processo de legitimação científica e

pedagógica no campo educacional.

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Garcia-Mira (2000) sustenta que a Educação Ambiental propõe-se sensibilizar as pessoas

acerca de “problemas ambientais”, assim como desenvolver conhecimentos e competências

para ações que visam a sustentabilidade, o que supõe mudanças nas atitudes e condutas das

pessoas. Neste contexto, CERI (1995) afirma que os valores não podem ser transmitidos, mas

construídos, por isso afirmar a sensibilidade e a consciência ambiental a serem conquistadas

apenas pelo conhecimento, é ingênuo, simplista e arricado.

Considerando a Educação Ambiental como propagadora do ambientalismo, podemos

traçar um paralelo entre os trabalhos desenvolvidos a partir da implantação da obra do Arco e

o quadro tipológico do ambientalismo proposto por Viola (1992). Para esse autor o

ambientalismo caracteriza-se por três enfoques: o Grupo de Interesse, o Novo Movimento

Social e o Movimento Histórico. A primeira abordagem entende o ambientalismo como um

movimento social em que num contexto pragmático promove a preservação e conservação

ambiental em relação aos abusos dos seres humanos, não possui caráter crítico, apenas se

dirige as pessoas e instituições consideradas poluidoras e destruidoras na sociedade. No Novo

Movimento Social, o ambientalismo, ganha um enfoque de movimento social de certo teor

crítico, que identifica o capitalismo como fator determinante para os problemas ambientais, e

evidentemente causa perturbação ao atual sistema político. Enquanto no Movimento

Histórico, o ambientalismo é entendido como o que apresenta o teor crítico que ultrapassa os

questionamentos econômicos, em que a civilização movida de valores culturais antiecológicos

se mantém direcionada a insustentabilidade.

Neste sentido, para ter mudança no cenário atual, faz necessário rever as ideologias

hegemônicas apresentadas, na qual se torna uma forte ameaça ao sistema político vigente. É

neste âmbito que a pesquisa de representações sociais fornece elementos para informar e

condicionar as práticas educativas em geral e ambientais, em particular.

Procedimentos de coleta e análise

A partir da abordagem teórica das representações sociais e do ambientalismo, na busca

de identificar e compreender a representação social dos impactos socioambientais do Arco,

em 2010, foi feita a coleta de alguns documentos (Relatório de Impacto Ambiental, Plano

Básico Ambiental, Estudo de Impacto Ambiental e o vídeo de apresentação) oficiais sobre o

Arco na Secretaria Estadual de Obras, que serviram de subsídios para a pesquisa, além de

constituírem importantes fontes de formação das representações sociais.

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No final de 2011, ainda em meio a processos de desapropriação de imóveis,

construção da rodovia e período dos últimos encontros do programa de EA do Arco, foi

realizado a gravação em áudio e vídeo de alguns encontros do programa, assim como, das

entrevistas semi-estruturada com 60 pessoas, entre elas moradores desapropriados ou não,

professores e lideranças que moram ou atuam nas áreas de influência direta da obra. Os

encontros do programa de EA do Arco ocorreram em escolas, igrejas ou em espaços das

Secretarias de Educação dentro de cada município e direcionado ao professor, exceto em

Japeri e Nova Iguaçu que contou com a participação de alguns líderes comunitários ou

ambientais.

Segundo Mazzotti (1998), as metáforas caracterizam-se por serem modelos organizadores

do discurso, dos processos cognitivos e afetivos que assimilam o novo. A identificação de

metáforas que condensam e coordenam representações sociais permitie apreender os

conteúdos silenciados nas representações sociais, ao evidenciar os antagonismos entre o que

se diz e o que se pensa. Assim, os sujeitos da pesquisa foram encorajados a responder a

pergunta indutora de metáfora: “Se o Arco Metropolitano fosse um animal, que animal seria?”

E por quê? As informações colhidas foram analisadas segundo a técnica de análise retórica.

Na qual, as metáforas são tomadas como suporte metodológico da pesquisa.

Foi adotada para análise do discurso a proposta de PERELMAN (2002), que busca a

função interpretativa por meio das técnicas usuais nas atividades retóricas. As representações

sociais foram comparadas para verificar os valores que as sustentavam, e como estas orientam

as práticas de Educação Ambiental. Em que as categorias, indutor de desenvolvimento e

agressor de relações tornaram-se eixo analítico.

A desterritorialização

Dentre as estratégias de implantação da rodovia está o processo de desterritorialização

forçada da população tradicional que está na faixa do traçado do Arco, gerando transtornos e

conflitos. Podemos definir a desterritorialização como um processo de quebra dos vínculos e

uma perda de território. Dentre os conflitos estão os oriundos da disputa pelo território, que

podemos analisar no caso do Arco sob três viesses:

a) a invasão das áreas privadas sob o argumento de prevalência do público sobre o

privado, em virtude de “um bem maior”. Como se o Arco fosse o “remédio” para a cura de

uma “doença”. Neste caso, o Arco é visto como indutor do desenvolvimento necessário. O

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trabalho de SOUSA (2011) traz a discussão sobre o processo de desterritorialização na ação

do governo de proteção ambiental integral com a criação do Parque Nacional da Serra da

Capivara, no Piauí. Souza conclui que a autonomia do público e privado se fundem, assim o

que é público é também privado, o privado é interesse de todos. Logo, violar um para manter

o outro é violar também o que se pretende proteger.

b) rompimento dos relacionamentos interpessoais com a fragmentação de bairros e

localidades, gerando problemas na saúde dos moradores mais antigos e até morte. A morte de

moradores antigos da AID associado ao inicio das obras foi apresentado por entrevistados em

todos os cinco municípios, apesar de não terem sido indagados sobre o assunto, o que torna

fato para uma pesquisa quantitativa futura.

c) A cisão do patrimônio material e imaterial, ao deslocar famílias tradicionais antigas

de suas casas e da localidade, assim como, do material dos mais de cinquenta sítios

arqueológicos. Desconsiderando as demandas culturais locais de sua população.

No processo de desterritorialização sempre está implícito o de reterritorialização, visto

que o homem, como ser social, necessita adaptar-se às circunstâncias e buscar um novo

território. Porém, como o Arco está em construção, no fixamos no processo de

desterritorialização, sendo necessária análise posterior do complexo processo de

reterritorialização dessas populações. O relevante, aqui, é que a desterritorialização foi e é

desenvolvida sobre as ccomunidades das periferias urbanas e rurais, com indivíduos em

situação de vulnerabilidade e com pouca ou nenhuma capacidade de resistência frente ao

poder do Estado. Portanto, essa situação mobiliza os afetos territoriais, das relações inter-

pessoais, os sentimentos de impotência, dentre outros, os quais puderam ser acedidos pela

pesquisa aqui relatada. Assim é preciso expor o papel da afetividade no processo de

constituição de representações sociais, o que faremos a seguir.

A afetividade no processo de representação social

Campos (2005, p. 96) considera que “o estudo da cidadania-prática, em seu nível de

explicação psicossociológico, deve estar centrado no estudo do cidadão-pensador e não no

nível do cidadão-pensado (pelas instituições ou pelos cientistas).” Pensar o “cidadão-

pensador” como um sujeito do conhecimento, sujeito coletivo e social, protagonista de

representação social, implica compreender a dinâmica psicossociológica envolvida no trato da

intervenção de uma grande construção rodoviária no território desses cidadãos. Jovchelovitch

(2004, p. 23) considera que a “representação é uma construção ontológica, epistemológica,

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psicológica, social, cultural e histórica”, em que todas essas dimensões são simultâneas.

Campos e Rouquette (2003) mostraram que a dimensão afetiva é mais do que um pano de

fundo ou menção passageira, uma vez que opera na estruturação do núcleo central das

representações, em que o afeto e a cognição caminham juntas na relação sujeito-objeto. O que

observamos na fala de uma moradora de Nova Iguaçu da área rural que não foi desapropriada

e que ficou isolada:

Meus parentes foram desapropriados [refere-se a sua família que morava no mesmo terreno que ela]. Minha avó de oitenta anos morreu por causa de desgosto, minha avó de setenta anos também morreu, tudo por causa dessa estrada [chora e fica em silêncio]. Ah! se essa estrada não passasse [...] fiquei eu e meus três filhos [...] moro a 28 anos, sou nascida e criada ali. (J, 27 anos, Moradora de Nova Iguaçu)

Trata-se do território das pessoas. O homem necessita de seu território de forma material

ou simbólica, no qual cria seus vínculos, seja na própria casa, com o quintal, no local onde faz

compras, no caminho habitual. Haesbaert (2002) sustenta que o território, tal como Hall

(1977), é um espaço dotado de identidade constituída pelas pessoas, um fato ou dimensão

cultural. Pensar o território é pensá-lo política e culturalmente, uma vez que é uma produção

simbólica indissociável das relações de poder. Essa dimensão cultural deveria ser considerada

no planejamento de intervenções territoriais, o que Hall (1977, p. 17) salienta ao dizer ser:

[...] preciso que arquitetos, planejadores urbanos e construtores convençam-se de que, para evitar a catástrofe, devem começar a ver o homem como um interlocutor de seu ambiente, um ambiente que estes mesmos planejadores, arquitetos e construtores estão agora criando, com pouca referência as necessidades proxêmicas2 do homem.

Esta dimensão oculta pode ser explicitada por meio de pesquisas acerca de representações

sociais? Parece-nos que sim, e no caso do Arco, que se trata de uma “situação-limite”

(EWALD, 2005, p. 224), há um “desconforto” da população das áreas do entorno da obra.

A representação social dos impactos do Arco

O programa de Educação Ambiental do Arco, desenvolvido em 2010 e 2011, toma o

enfoque de grupo de interesse (ver, a respeito disso VIOLA, 1992). Previsto no Plano Básico

Ambiental para ser desenvolvido apenas com os professores do entorno da obra, tendo por

foco a biodiversidade, num contexto de preservação e conservação da natureza, além de

2 Termo criado pelo autor para se referir a observações e teorias inter-relacionadas, relativas ao uso que o homem faz do espaço como elaboração especializada da cultura.

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valorização dos vestígios arqueológicos, distancia-se das demandas da população,

transferindo estas para um serviço de ouvidoria. Neste programa os professores foram

recrutados como agentes multiplicadores de uma Educação ambiental pragmática voltada para

uma atividade-fim, visando identificar e minimizar os problemas ambientais gerados com a

construção da rodovia. Afastada da concepção pedagógica de compreensão e transformação

da realidade local em que estes estão inseridos. Mergulhada em um discurso político

hegemônico da ideologia econômica que justifica a necessidade imperativa do Arco.

Ao levantar as autorias do EIA do Arco, constata-se que é um grupo taxonômico

urbano, em que 78% deles residem na região metropolitana da Cidade do Rio de Janeiro. Seus

discursos sustentam a necessidade do Arco, apresentando uma representação de região

geopolítica produzida a partir de uma perspectiva urbana, evidenciada pela metáfora “vazio

demográfico” utilizada para caracterizar a zona rural da Região. Observa-se a presença desta

metáfora nos mapas que difundem o traçado no estudo. Assim como, em trechos do capítulo

segundo no mesmo estudo (EIA, 2007: 8), em que se lê:

[...] a RJ-109 procura se compatibilizar com os zoneamentos municipais, desenvolvendo-se sem conflitar com as áreas densamente habitadas, apresentando, ainda, a vantagem de se localizar em áreas de ocupação rarefeita, portanto com menos impactos e com custos de desapropriações menos onerosas.

Aqui a perspectiva urbana da autoria desconsidera o não urbano como justificativa para o

projeto do Arco, pois a maior parte da área apresenta baixa densidade demográfica, ou

“ocupação rarefeita”, portanto produzindo “menos impactos”, donde “custos de

desapropriações menos onerosas”.

Os moradores e líderes que se localizam no âmbito do Arco não percebem melhorias,

mas transtornos e destruição, evidenciando as cargas afetivas de uma representação de

injustiça social. Na qual as autoridades que lidam com o ambiente não veem as pessoas das

áreas de impacto direto, e valorizam a fauna, a flora e os vestígios arqueológicos. Como

mostram as seguintes falas:

As pererecas têm mais valor que os moradores [fala sorrindo, para fica pensativa e reforça] é, muito mais valor. [leva uma das mãos no rosto e fica pensativa]. (F., 64 anos, moradora desapropriada de Nova Iguaçu)

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O que eu fiquei chateada, é que, as árvores são importantes, mas tinha um senhor que recebeu vinte e cinco mil por um bambuzal [...] eu que tinha uma moradia com duas crianças recebi cinco mil e novecentos reais. (S., 28 anos, moradora desapropriada de Nova Iguaçu)

A falta de visibilidade do homem desconsidera-o como integrante do ambiente, ele

não existe. O que é evidente nos argumentos das pessoas atingidas pela obra, que sustentam a

“falta de valor” dos moradores que não são ouvidos. Por isso, reiteradamente assinalam que o

Arco é uma violência, uma injustiça, que os técnicos não reconhecem as propostas

alternativas. Como podemos notar nas metáforas apresentadas:

Da onde ele veio ele se impõe independente da consulta ou da vontade da população [...] foi desapropriando valores, [...] ninguém aceita, mas [...] vem feroz como um leão [...] as pessoas sentem que o poder dele é como se fosse de um rei [...] não dá importância para nada na sociedade. (L, 49 anos, líder comunitário de Itaguaí)

Eu acho uma covardia, somos formigas brigando contra um elefante. (F, 41 anos, líder comunitário de Nova Iguaçu)

Para os moradores e por boa parte dos líderes comunitários as metáforas apresentadas

demonstram sentimentos ainda mais fortes, de impotência, frente à violência do objeto. Em

que a fauna e a flora são percebidas e evidenciadas pelos técnicos e ambientalistas,

diferentemente da população em seu traçado.

O grupo institucional de professores da área limítrofe ao Arco consideram que ele

pode ser como um “boi”, com sua força para derrubar o que está pelo caminho e proporcionar

o desejável: agilidade do transporte. Esse grupo passa boa parte de seu tempo no trânsito entre

uma escola e outra, bem como para suas residências. Esses professores, ao assistirem o vídeo

oficial de apresentação do Arco, aderem ao seu discurso, afirmando a agilidade no transporte,

no entanto não acreditam em outras melhorias para a população. Ao que parece, a

representação social desse grupo, que constitui parte da “população esquecida”, que está

“pagando o preço” por uma melhoria incerta. Essa incerteza parece ser a respeito de outras

melhorias, além da agilidade presumida no fluxo de veículos. Como afirma Arruda (2009:

86), “confiar, acreditar, é preciso, para agir e interagir”, o que não parece ocorrer com os

professores entrevistados. De fato, nas entrevistas há duas linhas de considerações acerca do

Arco: (a) a que tem esperança nas melhorias; (b) a descrente. O que pode ser verificado por

estas duas transcrições:

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A nossa esperança, que ele [o Arco], seja como um boi. O boi é um animal que a única coisa que não aproveitamos dele é o mugido, o resto, tudo você vai aproveitar. (E., 46 anos, professor em Itaguaí)

Sou descrente nessa melhoria, porque o pessoal da Baixada é totalmente esquecido ... vem pessoal do nordeste para trabalhar aqui, mas o pessoal de Caxias mesmo, não tem oportunidade, tem que acordar 5 horas da manhã para ir trabalhar no Rio [centro], sendo que tem uma empresa ao lado de sua casa. O negócio é “pagar” pra vê. (I., 30 anos, professor em Duque de Caxias)

Como grupo institucional, os professores não parecem apresentar uma representação

social do Arco, mas opiniões, ainda que essas tenham eficácia para organizar seus discursos,

esses não são definitivos e estruturados.

Assim a pesquisa permitiu identificar três conjuntos de metáforas que coordenam e

condensam significados acerca dos impactos do Arco, produzidas pelos técnicos que

elaboraram o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), pelos professores da área de influência

direta da obra, e por moradores, lideranças comunitárias e ambientais da mesma área. Onde

podemos sustentar que, as metáforas utilizadas nos documentos e pelos entrevistados mostram

que o Arco é um objeto social representado tanto como indutor de desenvolvimento

sustentável, pelos técnicos; ambíguo, pelos professores; e destruidor de relações sociais

humanas, por moradores e lideranças, os quais são impotentes perante a força dos agentes que

o constrói.

Concluindo

Ao considerar que os habitantes de uma área não existem, o “vazio demográfico”,

explicita os sentimentos dos técnicos para com aquelas populações. Os técnicos não

simpatizam com aquelas populações. Simpatia significa, em grego, o mesmo pathos, o mesmo

sentimento, o reconhecimento do outro como membro do grupo. Os técnicos, bem como os

“professores” que trabalharam no Arco parecem não simpatizarem com as populações das

áreas urbanas ou rurais, a ponto de as desconsiderarem em seu plano de ações. Estes últimos

simpatizam-se com a “biodiversidade”, bem como pelos “achados arqueológicos”, mas não

como moradores desterritorializados.

Ao analisar a situação de impotência dos moradores e dos líderes comunitários e

ambientais, a incapacidade para mudar uma decisão política de governo, como é o caso do

Arco, é de grande relevância. A impotência nos revela duas constatações: a) os indivíduos são

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incapazes de mobilizar um grande grupo de pressão para mudar o que lhes parece ruim e

danoso; b) os grupos de moradores (impotentes) não mantêm relações estreitas com os

demais, parece que estavam isolados antes do Arco e que permanecem assim. Chegamos à

conclusão que a explicação de a se dá pelo b. Por serem e se manterem isolados são incapazes

de mobilizar outras pessoas a favor de suas reivindicações.

No entanto, em relação aos líderes comunitários e ambientalistas locais, apesar de

possuírem características distintas de acordo com o contexto social de suas regiões, de um

modo geral, só tratam das questões sociais quando provocados, não começam por elas, mas

pelas questões de preservação da natureza ou algo semelhante. Ao se depararem com as

situações dos moradores não tem um discurso elaborado, apenas refletem o que consideram

ser justo se apegando muita das vezes à expressão desenvolvimento sustentável como um

slogan impactante, sem que isso se traduza em políticas explicitas e claras para as diversas

populações. Por isso, não conseguem cooptá-las para um desenvolvimento real para estas

populações.

Os professores, moradores e líderes mantém em comum que: o Arco Metropolitano e

seus impactos são uma AGRESSÃO, um “MAL”. Necessário para uns e desnecessário para

outros. Que é determinado pelo contexto social, político, econômico e cultural em que os

sujeitos se encontram.

No campo de representação o Arco simboliza o desejável desenvolvimento. Na qual

podemos sustentar que as metáforas utilizadas podem ser resumidas em um “MAL”

(des)necessário, que parece ser o significado mais relevante para os impactos do Arco.

Assim consideramos que a elaboração de qualquer proposta educacional ambiental ou não,

deve partir do que é comum ao grupo, do que está próximo. O envolvimento dos alunos,

professores junto a comunidade é fundamental para o processo de qualquer trabalho

educativo. Sem compreender o que une o grupo fica difícil envolver alguém. Onde o ser

humano seja visto como parte do ambiente, como ser político e social. Em que não há como

se manter neutro diante do mundo, pois acreditamos que a omissão estará sempre a serviço de

um posicionamento, seja ele qual for.

Neste sentido, para iniciar um trabalho de educação ambiental se faz necessário

conhecer não somente as representações sociais do ambiente, e dos “problemas ambientais” 3,

mas adotar uma metodologia voltada à resolução de problemas concretos, contribuindo na

3Termo utilizado por Mazzotti (1993) aqui referente aos impactos socioambientais.

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construção de conhecimentos e na mudança de comportamentos. Na qual o foco não é a

resolução de problemas, mas entender os problemas e as complexidades das causas. Buscando

se distanciar da EA como uma ideologia globalizadora impregnada de slogans.

Referências

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