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GT 05 – Relações de Trabalho no Mundo Rural
ASSALARIAMENTO RURAL NA PRODUÇÃO DE FRUTAS NA REGIÃO DO
SUBMÉDIO SÃO FRANCISCO
Camilla de Almeida Silva1
Guilherme José Mota Silva2
Resumo:
O objetivo deste artigo é analisar como a produção frutas destinadas à exportação na região do
polo Petrolina/PE-Juazeiro/BA, se estabelece sob uma lógica de flexibilização, intensificação,
e precarização do trabalho. Percebemos como a partir de relações de trabalho típicas de um
contexto fabril a dinâmica capitalista torna funcional a produção de frutas no semiárido
brasileiro para consumo nos mercados externos. Do ponto de vista metodológico,
privilegiamos uma análise de dados qualitativa, dedicando-nos a análise de documentos e
realização de entrevistas semiestruturadas.
Palavras-chaves: Agricultura irrigada; Relações de Trabalho; Mulheres
1 Mestranda em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal
de Campina Grande (PPGCS/UFCG). E-mail: [email protected].
2 Mestrando em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal
de Campina Grande (PPGCS/UFCG). E-mail: [email protected].
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1. Introdução
Este trabalho é fruto das pesquisas realizadas no âmbito do mestrado em Ciências
Sociais da Universidade Federal de Campina Grande (PPGCS/UFCG) sobre as relações de
trabalho assalariado rural na produção de frutas em larga escala para exportação, atentando,
especialmente, às questões de gênero e trabalho e ação coletiva.
O lócus da pesquisa é o polo Petrolina/PE-Juazeiro/BA, localizado na região
Submédia da Bacia do Rio São Francisco, entre os estados da Bahia e de Pernambuco.
Figura 01 – Localização do Polo Petrolina/PE-Juazeiro/BA
Fonte: Silva, 2001.
A região3, formada por um total de oito municípios, os quais: Casa Nova, Curaçá,
Sobradinho e Juazeiro, na Bahia; e Lagoa Grande, Orocó, Petrolina e Santa Maria da Boa
Vista, em Pernambuco, concentra uma população de 742.759 habitantes, de acordo com os
dados do Censo/IBGE 2013, em uma área de 35.436,857 Km².
3 A Região Administrativa Integrada de Desenvolvimento do Polo Petrolina e Juazeiro foi instituída pela lei
complementar nº 113, de 19 de setembro de 2001, e regulamentada pelo decreto nº 4366, de 9 de setembro de
2002.
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Marcada pela aridez dos solos e pelas chuvas escassas e irregulares (a média
pluviométrica anual é de 350 mm4), a região tem na agricultura irrigada a sua principal
atividade econômica, desde pelo menos, os anos 1980.
Este artigo tem como objetivo discutir, diante do processo de modernização das bases
de produção agrícola na região em questão, como foram se estabelecendo dinâmicas de
trabalho rural vinculadas à produção de frutas de alto valor agregado (como a uva, por
exemplo) para exportação.
Assim, o artigo divide-se em três partes, além desta introdução e das considerações
finais. Primeiramente, nos deteremos às discussões acerca do processo de modernização
agrícola e transformação das bases produtivas, apontando a expansão dos capitais industriais
sobre as áreas rurais e as consequências desse processo para a região do polo de fruticultura
irrigada Petrolina/PE-Juazeiro/BA.
Em seguida abordaremos as relações de trabalho, apontando as principais
características, quem são os/as trabalhadores/as, e quais as condições desse trabalho ao qual
estão submetidos/as. Por fim, faremos menção à contratação das mulheres na produção de
frutas (sobretudo da uva de mesa), por que se contratam as mulheres e quais as características
desses contratos.
2. Perspectiva metodológica
As pesquisas foram desenvolvidas amparadas na pesquisa qualitativa, por
considerarmos mais adequada ao universo proposto. De acordo com Minayo,
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas
ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja,
ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e
atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos
e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis
(MINAYO, 1998, p.21).
No entanto, não desprezaremos a utilização de dados quantitativos (do IBGE, do
DIEESE, dos próprios questionários aplicados, etc.) pois entendemos que a utilização
conjunta dessas duas formas de abordagem podem trazer grandes contribuições e
enriquecimento das perspectivas no desenvolvimento da pesquisa de campo.
4 Os dados encontram-se especificados no Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável do Sertão do
São Francisco – Pernambuco, 2011.
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A pesquisa de campo se deu a partir de observação direta das atividades desenvolvidas
nas unidades produtivas, e de entrevistas semiestruturadas com a finalidade de captar
informações a partir das experiências (individuais e coletivas) e interpretações cotidianas do
trabalho na fruticultura. Além disso, realizamos uma vasta pesquisa documental no âmbito
dos sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais.
3. O processo de modernização agrícola e a região do SMSF
O processo de “modernização” agrícola vem chamando a atenção de pesquisas e
estudos nas ciências sociais brasileiras nas últimas décadas, conforme destacam alguns
pesquisadores (HEREDIA; PALMEIRA; LEITE, 2010; LEITE, 2013; MARTINS, 2006), no
sentido de caracterizar as transformações ocorridas no processo de produção no campo.
Contudo, foi a partir dos anos 1970 também baseada na política de modernização
agrícola promovida pelo regime militar, que essa questão começou a ser tratada com uma
maior intensidade, tendo em vista uma perspectiva que demarcava a existência de uma
agricultura, “moderna” ou “capitalista”.
Nesse sentido as práticas agrícolas deveriam estar se apropriando das inovações
tecnológicas para a consolidação de um movimento de relativização das “barreiras naturais”
que se colocavam diante do seu novo modo de produção, cada vez mais intensivo
(MARTINS, 2006).
No caso da modernização agrícola brasileira, mais especificamente, Martins (2006)
aponta que a expansão dos capitais industriais sobre as áreas rurais se deu, sobretudo,
mediante a conciliação entre os interesses da grande propriedade agrícola com aqueles da
manutenção das circunstâncias locais de domínio e desigualdades sociais, culminando numa
espécie de “modernização conservadora”.
Dessa forma, a linha de pensamento que desenvolvemos neste trabalho tende a
compreender a relação de transformação da base econômica da região Submédio São
Francisco (SMSF), envolvendo a relação entre agricultura e indústria a partir de uma
apropriação de determinadas características da produção industrial, expressas sobretudo pela
mecanização dos instrumentos de trabalho, pela inserção de capacitações técnicas e pelo uso
crescente de produtos agroindustriais.
Assim, a fruticultura se integrou às dinâmicas de produção e trabalho próximas às
industriais, e com isso o trabalho no meio rural deixou de corresponder somente a atividades
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agrícolas, passando a incorporar outras atividades, antes percebidas apenas como atividades
essencialmente urbanas. Cresceram nas áreas rurais, junto às agroindústrias escritórios,
galpões de empacotamento, câmaras para refrigeração de frutas e o fluxo de automóveis,
principalmente, os de grande porte.
Tais transformações, acarretadas pelo processo de “modernização” das dinâmicas
produtivas agrícolas (ainda que “conservadora”) implicaram, sobretudo, nas modificações das
relações de trabalho tradicionais desenvolvidas na região. Se por um lado esse processo gerou
uma série de danos irreparáveis do ponto de vista social, a partir da expropriação da terra e da
proletarização do ribeirinho (nativo da região), por outro, gerou milhares de postos de
trabalho para homens e mulheres. No entanto, não podemos perder de vista quais as condições
desse trabalho.
4. Relações de trabalho: flexibilização, intensificação e desigualdades
O crescimento da agricultura “moderna” revelou uma variedade de efeitos decorrentes
desse processo, incluindo o assalariamento permanente, a intensificação dos processos de
migração em direção à mancha de “desenvolvimento” econômico e no âmbito das unidades
produtivas rurais, novas dinâmicas de produção, gestão e fiscalização das forças de trabalho.
Apesar de grande parte da produção do SMSF ser consumida pelo mercado interno,
em grande medida a dinâmica do mercado de trabalho e a própria lógica do trabalho, são
baseadas com relação ao mercado externo e os períodos de exportação. Observamos isso,
sobretudo, a partir das análises dos dados mensais de emprego formal, divulgados pelo
Programa de Disseminação de Estatísticas do Emprego (PDET) do Ministério do Trabalho e
Emprego.
Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) do
Ministério do Trabalho e Emprego faz o acompanhamento mensal das admissões e
desligamentos dos empregos formais no Brasil. No gráfico abaixo observamos a dinâmica do
mercado de trabalho formal na agropecuária nas microrregiões de Juazeiro e Petrolina, ao
longo do ano de 2014.
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Gráfico 01 – Admissões e desligamentos de trabalhadores na agricultura nas microrregiões de Juazeiro e
Petrolina no ano de 2014
0
2.000
4.000
6.000
8.000
10.000
Jan
Fev
Mar
Ab
r
Mai
Jun Jul
Ago Se
t
Out
No
v
Dez
Admissões Desligamentos
Fonte: CAGED, 2014.
Com relação às admissões, podemos perceber que elas começam a ampliar a partir do
mês de maio, alcançando seu auge em julho e tendo novamente uma ascensão no mês de
setembro. Essa dinâmica foi observada na análise dos dados dos últimos cinco anos, não
sendo, portanto, específica do ano de 2014.
Com relação aos desligamentos, observamos que eles crescem significativamente no
mês de novembro, alcançando quase 8 mil demissões e encerramentos de contratos, neste mês
no ano de 2014. Entre o final do mês de outubro e início de novembro se encerra a safra da
uva no SMSF, o que explica a ampliação do número de postos de trabalho encerrados nos
últimos meses de cada ano.
Por sua vez, a ampliação das contratações entre os meses de maio e julho possui
também relação direta com o período de safra da uva, destinada à exportação nos meses de
setembro e outubro. Os meses que antecedem a janela de exportação, ou seja, que antecedem
o período de colheita são os períodos onde o processo produtivo da uva mais demanda mão de
obra. A elevação nas contratações que acontecem no mês de setembro, está vinculada ao
processo de colheita e ao trabalho nos packing houses, que são galpões destinados a
higienização, seleção e empacotamento dos frutos.
Diante disso, observamos que apesar dos frutos exportados corresponderem a apenas
20% da manga e uva produzidas no SMSF, a dinâmica de contratação e desligamento, e as
relações de trabalho estão intimamente relacionadas com as demandas internacionais.
Percebemos, por exemplo, como os períodos de expansão da contratação de mão de obra
coincidem aos períodos de exportação, como o perfil dos trabalhadores contratados está
vinculado as exigências de qualidade e estética do consumidor internacional, e além disso
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como as relações de trabalho, o controle, intensidade, flexibilização de jornada e direitos estão
também vinculadas a esse processo.
A flexibilização do trabalho é algo marcante na fruticultura irrigada. A expansão da
contratação no período de safra evidencia que grande parte dos trabalhadores assalariados nas
produções de manga e uva exercem outras atividades profissionais durante a entressafra, no
primeiro semestre do ano.
Alguns trabalhadores, inclusive, possuem, propriedades rurais ou são filhos de
pequenos proprietários rurais e como juntamente com encerramento da safra se inicia o
período de chuvas no sertão, a partir da segunda quinzena de dezembro, esses trabalhadores
retornam para produzir em suas terras.
Evidenciamos com isso que a contratação temporária se torna funcional à dinâmica de
trabalho exigida pela fruticultura. Diante de um grande contingente de mão de obra disponível
e da ampliação da demanda em apenas alguns períodos específicos do ano as empresas optam
por realizar contratos de safra com os trabalhadores.
Utilizando-se de contratos por tempo determinado as grandes empresas chegam a
dobrar o seu quadro de funcionários no período de safra. Contratos de trabalho por safra ou
contratos de experiência garantem as empresas a disponibilidade da mão de obra e o
rebaixamento dos seus custos com encargos trabalhistas.
Os/as trabalhadores/as, sobretudo as mulheres, combinam a suas vidas profissionais
entre o trabalho assalariado agrícola no período de safra e atividades urbanas, como o trabalho
doméstico, nos períodos de entressafra. A utilização de contratos de safra ou de experiência
além de restringir o acesso à direitos pelos trabalhadores, como por exemplo o acesso ao
fundo de garantia, ainda os/as coloca sob grande instabilidade, contribuído para situações de
exploração e assédio.
Conforme apontam os dados da Embrapa (2010) e do Anuário da Agricultura
Brasileira (Agrianual, 2012), os custos com mão de obra nas produções de manga e uva
representam respectivamente 38% e 55% dos custos totais de produção, isso levando em
consideração os anos em que as plantas encontram-se em seu auge de produtividade.
Diante disso, percebe-se que para alcançar os padrões de qualidade exigidos pelo
mercado externo e os índices de produtividade é necessário um grande custo de mão de obra.
Por sua vez, buscando rebaixar os custos e otimizar a rentabilidade da mão de obra as
empresas instituem formas de gestão do trabalho que pressupõe um maior controle sobre o
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ritmo e intensidade das atividades produtivas, sobretudo daquelas realizadas manualmente,
onde está inserida predominantemente a força de trabalho das mulheres.
Como forma de estimular uma maior produtividade, as empresas estabelecem metas de
produção diária que devem ser alcançadas pelos/as trabalhadores/as. Esse sistema de metas é
largamente aplicado, entretanto conforme apontado por Selwyn (2010) e Leite (2013), varia
de acordo com cada empresa e, principalmente, com a atividade e as espécies de fruto que é
cultivado.
O sistema de metas pode, inclusive, variar dentro uma mesma empresa de acordo com
a espécie de uva na área produzida. Por exemplo, existem espécies de uva onde as bagas são
mais próximas e o tamanho do cacho é menor; esse formato dificulta a atividades como o
raleio e o pinicado e, portanto, o sistema de meta, levando em consideração o quantitativo de
bagas e cachos exigidos são diferenciados com relação à outras espécies, em que os cachos
são mais arejados, por exemplo.
Entretanto, a partir das entrevistas realizadas com trabalhadores e trabalhadoras rurais
percebemos, basicamente, dois tipos de metas: uma meta de produção diária que não está
atrelada a qualquer bonificação pecuniária, mas que deve ser alcançada pelos trabalhadores, e
um outro tipo de meta que está vinculado ao pagamento por produção.
Tem dois tipos de produção, tem aquela produção que você não vai ganhar nada só
terminou ali e fuga. Que aí a gente diz: “dê uma produção pra gente ir pra casa
cedo”. Aquele que você terminou e tá livre para ir pra casa, pra descansar. [...] E tem
a outra que é a questão do dinheiro, né, você faz tantos cachos por dia, faz tantas
plantas e o que fizer passando daquela meta você vai ganhar um extra. [...] Isso fica
cansativo porque você acaba puxando muito, por que além de você fazer aquela
meta que eles impõem ali, e que já é alta, aí você quer ganhar uma coisa a mais você
vai fazer ali por fora. Muitas vezes a pessoa desiste, prefere trabalhar o dia todo
normal porque as vezes é muito cansativo (Magda Alane, 27 anos. Entrevista
realizada em Petrolina/PE, 09 de julho de 2015).
Apesar de possuírem contratos de trabalho que estabelecem uma jornada de trabalho
44 horas semanais, reafirmada inclusive na cláusula 41ª da convenção coletiva de trabalho da
categoria, as empresas estabelecem metas diárias para atividades como poda, amarrio,
desbrota, pinicado, raleio, colheita.
Nos casos em que essas metas não estão atreladas a qualquer tipo de adicional salarial
os trabalhadores as cumprem diante da pressão exercida pelos fiscais de campo e também
pelo receio de serem vistos como preguiçosos ou incapazes, e dessa forma não terem seus
contratos prorrogados ou não serem empregados pelas empresas nas próximas safras.
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Além disso, o estabelecimento das metas possibilita que o trabalhador encerre a sua
jornada de trabalho mais cedo e possa descansar, tendo em vista que o transporte entre a
fazenda e a residência dos trabalhadores é realizado pela empresa e só acontece ao fim da
jornada de trabalho. Além disso, intensificar as atividades no período da manhã reafirma a
garantia de que o trabalho poderá ser realizado apenas no período da manhã, quando o sol e o
calor são menos intensos.
Existe também a prática de estabelecer metas vinculadas aos ganhos salariais. Dessa
forma, são estabelecidas metas diárias para as atividades de modo que a cada planta, galho ou
cacho trabalhado a mais, o trabalhador receba uma bonificação.
Tem empresa que dá essas gratificações já pra incentivar o trabalhador a produzir
mais, né? Vamos supor que ele tivesse com cem trabalhadores só batendo a meta do
dia e ele reduzisse isso para setenta e dá o prêmio de produtividade ele vai ter
setenta trabalhador produzindo pelos cem, e isso existe, é exatamente o incentivo.
Inclusive tem um ex-delegado que é conhecido meu lá, ele me disse ontem: “eu
recebi mil e quatrocentos e cinquenta reais!”, mas ele chega cinco e meia na empresa
e trabalha as vezes até a noite, mas ele já é “coroa”, sabe? E ele está se esforçando
bastante para bater essas metas (Daniel Araújo Saldanha, 34 anos. Entrevista
realizada em Petrolina/PE, 05 de agosto de 2015).
Em nossas entrevistas e atividades percebemos que os trabalhadores a partir do
trabalho por meta conseguem auferir salários bem superiores ao piso da categoria para o ano
de 2015 (R$ 816,00). Por várias vezes conhecemos trabalhadores que alcançavam
remunerações entre 30% e 40% superiores ao piso salarial da categoria. Assim, o período de
safra é aproveito pelos/as trabalhadores/as como uma boa oportunidade de ampliar seus
rendimentos, entretanto isso acontece à custa de grande esforço físico.
As metas aparecem, portanto como objetivos mínimos diários, sendo a remuneração
adicional estabelecida por cada unidade produzida que supere a meta. Observamos que os
valores estabelecidos para algumas atividades são extremamente altos e exigem grande
esforço dos trabalhadores para serem alcançados, com por exemplo o pinicado ou raleio de
mais de 600 cachos por dia.
Além disso, a remuneração adicional, em geral, é calculada unitariamente a partir do
preço da diária, ou de outro valor estabelecido pelo gerente de campo ou técnico agrícola.
Nesse sentindo, levando em consideração que o valor atual da diária de um trabalhador rural é
R$ 27,20 e tomando uma situação hipotética onde o trabalhador tem como meta diária ralear
600 cachos de uva, cada cacho que ralear além dos 600 lhe renderá R$0,045. Ou seja, caso ele
raleie 100 cachos acima da meta seu ganho diário será apenas de R$ 4,50.
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Quando esse valor unitário é estabelecido de maneira arbitraria pelos superiores e em
um valor inferior ao calculado a partir da diária, os ganhos dos/as trabalhadores/as tornam-se
ainda menores. Como no caso relatado por Daniel, delegado sindical do STR de Petrolina:
A intenção de toda empresa é produzir mais com menos trabalhador. Mais mão de
obra com menos trabalhador, e a busca é essa e com isso o trabalhador sofre. Eles
tem uma questão também de prêmio produtividade. Só que não se paga como deve,
não se paga como deve, tipo, se eu tenho uma meta de 27 plantas que é em torno da
diária que está hoje, 27 plantas por dia, aí vai sair em torno de um real né, cada
planta. Se eu fizer 54? Eu teria outra diária, mas eu não tenho uma diária, tenho meia
diária. Então, nisso o trabalhador é lesado. Ele não paga a produtividade como
deveria (Daniel Araújo Saldanha, 34 anos. Entrevista realizada em Petrolina/PE, 05
de agosto de 2015).
Os/as trabalhadores/as perdem, portanto, o controle sobre a sua produtividade quando
não sabem exatamente o valor específico para a produção que ultrapassa a meta diária. Além
disso, como a remuneração é mensal, os cálculos dos ganhos se tornam ainda mais difíceis.
Isso levanta a suspeita entre os trabalhadores de estarem sendo lesados, contudo raros são os
casos de contestação desses valores por parte dos trabalhadores, isso deve-se, sobretudo, pelo
medo de alguma represália.
Outro fator que foge do controle dos trabalhadores é o cálculo da produção diária.
Quando se trata de atividades como amarrio e poda, onde a unidade de cálculo é por planta a
contagem fica mais fácil, entretanto quando se trata das atividades que são desenvolvidas no
próprio cacho a contagem se torna um pouco mais complicada. Apesar da tentativa em manter
uma quantidade padrão de cachos por planta, os/as trabalhadores/as precisam ficar bastante
atentos para contabilizar a sua produção.
Além dos fiscais de campo que acompanham grupos de, em média, quinze
trabalhadores, algumas empresas possuem ainda fiscais designados para contar, ao final de
cada turno, a produtividade de cada trabalhador e avaliar se algum serviço deve ser refeito.
Percebemos, assim, como o sistema de metas aplicado pelas empresas representa um forte
processo de ampliação da intensidade do trabalho, aumentando os lucros empresariais a partir
da aplicação de mais trabalho num mesmo período de tempo.
Tomamos como intensidade do trabalho a ideia apresentada por Dal Rosso (2015):
Chamamos de intensificação os processos de quaisquer natureza que resultam em
um maior dispêndio das capacidades físicas, cognitivas e emotivas do trabalhador
com o objetivo de elevar quantitativamente ou qualitativamente os resultados. Em
síntese, mais trabalho (DAL ROSSO, 2015, p. 23).
A partir da definição colocada por Dal Rosso podemos perceber como as dinâmicas de
intensificação do trabalho dizem respeito não apenas a ampliação do dispêndio das
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capacidades físicas, mas podem estar relacionadas também à intensificação do uso das
capacidades afetivas e cognitivas dos trabalhadores.
Atentamos ainda para o fato de que a intensificação não se traduz apenas do ponto de
vista quantitativo, mas também diz respeito a elevação qualitativa da atividade realizada.
Nesse sentido não podemos perder vista que a intensificação do trabalho na fruticultura
corresponde a esses dois fatos, pois a manutenção do padrão de qualidade é fundamental para
comercialização do fruto.
Ao fim e ao cabo, os sistemas de metas estabelecidos pelas empresas revelam como as
dinâmicas de superexploração capitalista se estabelecem a partir de contextos de precarização
do trabalho aproveitando-se da desregulação do trabalho e das fragilidades dos contratos
sazonais. O sistema de metas garante, a partir da expansão da mais-valia absoluta, a
rentabilidade da produção.
5. Por que se contratam as mulheres?
Diante do contexto de modernização da produção agrícola, e da conformação de um
mercado de trabalho vinculado à ascensão da fruticultura entre o final dos anos 1980 e início
dos anos 1990, percebemos que a força de trabalho feminina se tornou bastante significativa,
sobretudo, nas atividades vinculadas ao cultivo da uva de mesa.
Nesse período, Selwyn (2010) aponta que as mulheres já ocupavam cerca de 65% da
força de trabalho empregada na produção de uva para exportação. No começo dos anos 2000,
a maior parte dos postos de trabalho continuou sendo ocupado por mulheres. Contudo, tem se
percebido uma redução gradual no número de mulheres empregadas em contratos
permanentes, ou seja, as mulheres tem cada vez mais entrado nas estatísticas do trabalho
temporário, em período de safra para a execução de atividades específicas.
Ao analisar os dados apresentados pelo Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (CAGED) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para as admissões
no ano de 2014 na microrregião de Petrolina/PE5, percebemos uma intensificação na
5 Compõem a Microrregião de Petrolina/PE os seguintes municípios: Afrânio, Cabrobó, Dormentes, Lagoa
Grande, Orocó, Petrolina, Santa Maria da Boa Vista e Terra Nova.
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contratação de mulheres durante a safra6, que compreende o período entre os meses de maio e
julho, período que tem início a produção de uva de mesa para exportação.
Percebemos também um outro pico de contratação especificamente no mês de
setembro, quando a janela de mercado internacional está aberta para exportação brasileira,
quando a força de trabalho das mulheres é associada ao setor de armazenamento e embalagem
de frutas (manga e uva) para exportação. Essa é a época que os packing houses tornam-se
espaços de concentração de trabalho massivamente femininas em atividades associadas à
delicadeza (lavagem e manuseio dos frutos) e à “arrumação”.
Gráfico 02 – Admissões no setor de agropecuária por sexo - Microrregião de Petrolina/PE, 2014
Fonte: MTE/CAGED, 2014
Antes, porém, é necessário explicitar ainda que a inserção das mulheres no mercado de
trabalho aqui se expressa em termos de uma divisão sexual do trabalho sobre o qual o capital
incorpora, única e exclusivamente para seus fins, saberes e funções femininas, histórica e
culturalmente construídas, tornando precárias as condições de trabalho nesse mercado, a partir
de construções seculares de desigualdades de gênero e subordinação feminina.
Analisando o trabalho no processo produtivo da uva, a partir de uma análise do
Agrianual, Leite (2013) aponta que dentre as atividades mais onerosas no processo produtivo
estão o raleio (com tesoura) e o pinicado, representando, respectivamente, 28% e 16% dos
custos de mão de obra com tratos culturais.
6 Aqui nos referimos a safra para exportação, quando a produção frutícola é intensificada entre os meses de maio
e outubro, repercutindo no quantitativo de emprego. No Vale do São Francisco, a produção para o mercado
interno é contínua e podemos encontrar numa mesma empresa desde áreas de produção que estão sendo
plantadas, quanto áreas que estão em etapa de colheita.
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Desse modo, levando-se em consideração que tais atividades são essenciais para a
produção de uvas finas de mesa, e que estas somam as etapas de trabalho onde há uma maior
concentração de força de trabalho feminina; considerando-se a representação do somatório de
um percentual de 44% desse custo total da produção, defendemos a tese de que o trabalho das
mulheres é importante no processo produtivo, sobretudo, diante da necessidade de redução
dos custos totais empregados em mão de obra com a produção.
Amparados na argumentação de Selwyn (2010, p. 60) apontamos algumas razões que
podem trazer contribuições que evidenciem porque o trabalho feminino está associado à
redução de custos com a mão de obra para a produção. Assim, primeiramente enfatizamos que
nas unidades produtivas os empregadores tendem a atribuir diferentes atividades para as
mulheres e para os homens, redefinindo o trabalho qualificado das mulheres como “natural”,
isentando-as de melhores remunerações.
A qualificação das mulheres para o trabalho na fruticultura não se traduz na
valorização de um tipo de trabalho que requer habilidades “específicas”, lapidadas ao longo
das experiências de vida e trabalho (duplas jornadas), e nem tampouco está associada ao fator
de acréscimo salarial, mediante gratificações extra, ou até mesmo carreira profissional
(KERGOAT, 1986; KERGOAT, 1989).
Em segundo lugar, associa-se as mulheres ao trabalho temporário com uma frequência
e relativa facilidade por parte das empresas porque na maior parte dos casos são ainda as
principais responsáveis pelo cuidado com a casa e com a família.
Além disso, as mulheres são mais direcionadas ao trabalho temporário não apenas por
uma questão de “facilidade” para se adequarem a esse tipo de trabalho, levando em
consideração a dupla jornada de trabalho mas, sobretudo, diante da demanda das empresas
(principalmente as grandes) por um trabalho “específico” e pontual no processo produtivo,
sendo raramente aproveitadas nas outras atividades com caráter permanente, que por sua vez,
são mais direcionadas aos trabalhadores homens (ou à virilidade e versatilidade que se espera
dos trabalhadores homens).
E por fim, a subordinação das mulheres nos espaços de trabalho à figura “do chefe”,
“do encarregado”, “do fiscal” (reparem que as denominações estão todas no masculino, e
dessa forma foram expressas em todas as entrevistas realizadas) não se justifica apenas diante
de um “menor incomodo” em presença de uma supervisão excessiva. A dominação
masculina, sobretudo, no sistema capitalista está para além disso.
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Conforme Fischer (2012), o patriarcalismo se afirma como um sistema de exploração
que se expressa essencialmente no terreno econômico. E como um sistema de dominação,
assume um caráter histórico, sujeito à condições específicas em cada tempo e lugar. Ou seja,
[...] a organização da sociedade da produção e do consumo; a política, a legislação e
a cultura; as relações interpessoais e, consequentemente, a personalidade são
marcadas pela violência e pela dominação que tem sua origem na cultura e nas
instituições do patriarcalismo (FISCHER, 2012, p. 28)
Além dos argumentos apresentados, pontuamos ainda um quinto elemento ao qual
associamos a superexploração do trabalho feminino à redução de custos com a produção
frutícola: entendemos que a partir da possibilidade do assalariamento (permanente ou
temporário), as mulheres encontram uma saída, que soa como “liberdade”, a partir da
possibilidade de receberem seu próprio salário, e com isso talvez sejam ainda mais
vulneráveis à exploração.
Na pesquisa, a maior parte das trabalhadoras rurais e delegadas sindicais com as quais
dialogamos associavam sua autonomia financeira exclusivamente ao trabalho assalariado na
fruticultura. Entre aquelas que estavam no trabalho temporário, na entressafra necessitavam
buscar outras fontes de renda. Entre os mais citados: o trabalho doméstico remunerado por
diária ou de cuidadoras de crianças. Aquelas que possuem filhos em idade escolar frisaram o
programa federal Bolsa Família como uma importante renda complementar.
A rotina das atividades e a divisão sexual do trabalho na produção de frutas para
exportação faz com que boa parte das trabalhadoras não vislumbrem um outro tipo de
trabalho senão aqueles aos quais já estão vinculadas, sob a alegação de que “não tem estudo”,
ou que “só aprenderam a fazer isso”. No entanto, nenhuma dessas mulheres que possuem
filhos/as em idade adulta, os/as querem trabalhando na mesma atividade laboral que elas.
6. Considerações finais
Produzir frutas em pleno semiárido brasileiro parece ser algo inviável do ponto de
vista natural e biológico. Por sua vez, produzir frutas no semiárido brasileiro para consumo
nos Países Europeus e nos Estados Unidos parece algo ainda menos coerente se direcionarmos
nossas lentes a um racionalismo econômico simplista, apenas.
Diante disso, não podemos pensar o desenvolvimento do capitalismo apenas como
desenvolvimento de forças produtivas e avanços técnico e científicos que tornam possível a
produção de frutas de clima temperado no semiárido brasileiro. É necessário compreender
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também que o desenvolvimento capitalista forja e é forjado por relações sociais e dessa forma,
produzir uva e manga à milhares de quilômetros de distância do seu local de consumo pode
ser rentável e funcional à dinâmica de acumulação do capital.
Para tanto, a construção social dessa viabilidade econômica se faz a partir da
ampliação dos mecanismos de exploração do trabalho através dos contratos sazonais, da
contração de mulheres e não valorização de suas qualificações profissionais, da flexibilização
das jornadas, da intensificação e precarização das condições de trabalho e diversos outros
mecanismo que buscam ampliar a exploração reduzindo os custos de reprodução social da
força de trabalho.
Entretanto não podemos pensar que esses padrões de exploração se estabelecem sem
contradições e resistência. Os trabalhadores não são polos passivos ante a dinâmica de
exploração capitalista, eles resistem cotidianamente às distintas formas de exploração do
trabalho, seja através da ação política institucionalizada, como a convenção coletiva de
trabalho negociada entre Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e Patrões, desde 1994, quer seja
nas ações cotidianas de insubordinação às exigências do trabalho.
Referências bibliográficas
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Paulo: Boitempo, 2015.
FISCHER, Izaura Rufino. O protagonismo da mulher rural no contexto da dominação.
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